O risco regulatório

Propaganda
O risco regulatório
Divulgado por ocasião do World Economic Forum, em Davos, Suíça, o
Relatório de Pesquisa realizada com 1.258 CEOs mundo afora, elaborado pela
empresa de auditoria Price Waterhouse Coopers, deixa claro que a incerteza e
a volatilidade econômica são as preocupações centrais para 2012 e o risco
regulatório, na área financeira, age como um de seus principais fatores. No
Brasil, pesquisa do CFA Institute (e divulgada pelo Valor em 26/1, "Analistas
temem risco regulatório", página C5) informa que, para um terço da amostra
entrevistada, a ação regulatória estatal é mais necessária, mesmo que quase a
metade entenda que isso implica mais riscos regulatórios.
O risco regulatório está em moda. Para entendê-lo, contudo, é preciso defini-lo.
Usualmente, se classifica o risco das operações bancárias em risco de
mercado, risco político, risco de força maior, risco de crédito, risco de liquidez,
risco operacional, risco legal e riscos "fora do balanço". O risco regulatório,
típico fator exógeno à operação, já que externo à instituição, afeta diretamente
a probabilidade ou possibilidade de a relação estabelecida entre a oferta e a
procura de bens, serviços ou capitais se desequilibrar intrinsecamente. É muito
relevante em razão de que, se no conjunto de pessoas ou empresas, na oferta
ou na procura de tais bens, serviços ou capitais, surgirem variáveis que
acabem por determinar a alteração das condições iniciais, então haverá riscos
de mercado, entre os quais avultam os riscos das taxas de juros. Ou, em outras
palavras, o risco regulatório impacta o resultado final ao estar associado à
exposição da situação financeira de um banco, já que causa movimentos
adversos nas taxas de juros. Ainda assim, como dissecá-lo?
Risco regulatório pode ser definido como a criação inesperada de mecanismos
de controle ex ante por parte da autoridade monetária que objetiva, segundo
sua política pública, a proteção ao risco, por via da produção de regulamentos
prudenciais, concorrenciais ou econômicos.
Aquele que é considerado o pai do liberalismo econômico, Adam Smith, se
considerava a favor da regulação e da intervenção financeira do Estado.
Segundo Smith, "sem dúvida, tais regulamentos podem ser considerados, sob
certo aspecto, uma violação da liberdade natural. Todavia, tais atos de
liberdade natural de alguns poucos indivíduos, pelo fato de representarem um
risco para a segurança de toda a sociedade, são e devem ser restringidos
pelas leis de todos os governos; tanto dos países livres como dos mais
despóticos".
O risco regulatório pode causar mudança na estrutura de custos (via juros
praticados pelo mercado) e significar grandes prejuízos ou lucros a uma
instituição; inversamente, o descasamento operacional na estrutura de
captação, assim como a aplicação de recursos podem ter conseqüências
graves. Exigências e depósitos compulsórios, medidas prudenciais etc., todos
têm o condão de oferecer riscos regulatórios.
O risco regulatório é distinto do risco de crédito, e significa a probabilidade de,
num contrato de mútuo, o devedor não satisfazer o credor quanto ao seu
crédito nas datas e condições avençadas. (Para alguns autores, o termo mais
adequado, para este caso, seria "risco de inadimplência"). A prática bancária
apresenta algumas soluções para o tipo de risco em questão, a saber:
exigência de garantias adicionais, exigência de uma provisão adequada para
devedores duvidosos, limitação das operações com ativos e/ou clientes
individuais, estabelecimento de limites de alavancagem operacional, entre
outras. Trata-se de formas tradicionais de lidar com a possível inadimplência de
clientes. Já no risco regulatório, não há respostas preventivas, até pela
amplitude de ações que podem ser propostas. Se no risco de crédito há
medida preventiva possível, no risco regulatório, não há.
O risco regulatório se diferencia do risco legal em vários aspectos. O risco
legal é o que pode provocar desvalorização de ativos ou valorização de
passivos em intensidade inesperada, perante mudanças na legislação ou
regulação bancária, rumos de uma demanda judicial, parecer ou orientação de
cunho legal. Riscos legais incluem também os riscos de reputação, originários
de falhas operacionais ou de deficiências no cumprimento de leis que possam
afetar a credibilidade ou o renome da instituição.
O grande debate sobre o risco regulatório atende pelo nome de previsibilidade.
A previsibilidade das normas no sistema financeiro é algo que apenas reduz os
custos de transação. Não é possível usar prerrogativas legais e regulamentares
amplas para experiências e inovações não testadas. O problema, insista-se,
não é a discussão sobre o interesse da União em preservar sua capacidade de
fazer política monetária, mas de garantir aos agentes econômicos um grau de
certeza. A garantia legal é um ativo valioso que, entre nós, ainda tem sido
pouco preservada.
Jairo Saddi - Pós-doutor pela Universidade de Oxford, professor de direito do
Insper. Artigo publicado no jornal Valor Econômico em 27/02/2011.
Download