3 Memória Pessoal, Memória Coletiva Nota de orientação A

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3 Memória Pessoal, Memória Coletiva
Nota de orientação
I.
1.
2.
3.
II.
III.
A Tradição do olhar interior
Santo Agostinho
John Locke
Husserl
O olhar exterior: Maurice Halbwachs
Três sujeitos de atribuição da lembrança: eu, os coletivos, os próximos
Nota de orientação
Preocupação contemporânea com as operações da memória está na pergunta sobre o sujeito
verdadeiro.
O autor desenvolve duas hipóteses a partir de uma questão central- o que vem a ser o
fenômeno mnemônico (relação com a memória).
 Pretende realizar com isso, a distinção entre o que é imaginado e o que é retomada
pela memória, daquilo que tenha ocorrido no passado.
Com essa fenomenologia da memória - quer perceber como se dá a representação de algo.
Cabe ao Historiador saber qual o contraponto entre:


A memória dos protagonistas da ação tomados um a um, ou
Das coletividades tomadas em conjunto?
Se não se sabe:
 O que significa a prova da memória na presença viva de uma imagem das coisas
passadas e o que significa partir em busca de uma lembrança perdida ou
reencontrada?
Como se pode indagar a quem atribui essa prova e essa busca?
O autor refaz a pergunta e analisa:
 A memória é primordialmente pessoal ou coletiva?
 A quem é legitimo atribuir o pathos correspondente à recepção da lembrança e a
práxis em que consiste à busca da lembrança?
Porque:
 a memória haveria de ser atribuída apenas a mim, a ti, a ela ou ele?
 ou, não a nós, a vós, a eles?
1ª Hipótese- deslocamento do problema –confrontação entre teses.
2ª Hipótese- parte-se um duplo movimento que tomou sua forma e impulso muito depois
da elaboração das duas problemáticas maiores da prova e da busca da lembrança elaboração cuja origem remonta à época de Platão e Aristóteles. (p.105)
 Por um lado, tem-se uma problemática da subjetividade de feição egológica;
 Por outro, a incursão da sociologia no campo das ciências sociais e, com ela, um
conceito inédito de consciência coletiva.
Platão e Aristóteles ou qualquer um dos Antigos – não consideraram como questão prévia a
de saber quem se lembra.
 Pois, indagavam sobre o que significa ter ou buscar uma lembrança.
Eu ou nós estava subentendida à conjugação dos verbos de memória e de esquecimento, a
pessoas gramaticais e tempos verbais diferentes.
Na verdade, era outra pergunta que se colocavam:
 Qual é a relação prática entre o indivíduo e a cidade.
Resolviam bem ou mal estas questões:
 como a: Disputa aberta por Aristóteles no livro II da Política contra a reforma da
cidade proposta por Platão na República II- III.
 O problema é que estava sob o amparo de alternativa nociva.
Os indivíduos (homens livres por participação no governo da cidade) cultivavam na escala de
suas relações privadas, a virtude de amizade que tornava suas trocas iguais e recíprocas.
A emergência da problemática da subjetividade e egológica geraram:
 a problematização da consciência,
 o movimento de retraimento desta sobre si mesma.
Escola do olhar interior – expressão de Charles Taylor.
O autor aponta suas mostras:
1) o preço a pagar por essa radicalização subjetivista é elevado;
2) atribuição a um sujeito coletivo tornou-se impensável, derivada ou metafórica;
Uma posição oposta surge com o nascimento das ciências humanas.
 ao adotarem como modelo epistemológico o tipo de objetividade das ciências da
natureza- instauraram modelos de inteligibilidade.
Ao individualismo metodológico, a escola durkheimiana opõe um holismo metodológico- na
qual se inscreverá Maurice Halbwachs.
Halbwachs (as memórias individuais contribuem para a formação de memórias coletivas) a
partir do holismo metodológico de Emile Durkheim (define o fato social como norma coletiva,
com independência e poder de coerção sobre o indivíduo).
 Para a sociologia, na virada do século XX, a consciência coletiva é uma dessas
realidades cujo estatuto ontológico não se questiona.
A memória individual, com pretensão de ser procedente, torna-se problemática.
A fenomenologia que surge, tem dificuldade em não ser rotulada como ofensivo do
psicologismo que pretende defender-se;
A consciência privada, sem credibilidade científica, presta-se somente à descrição e à
explicação na via da interiorização.
Ela se torna a coisa a explicar- o explicandum - sem privilégio de originalidade.
 É nesta situação polêmica, que opõe a uma tradição antiga da reflexividade uma mais
recente de objetividade, que memória individual e coletiva são postas em posição de
rivalidade.
Tradição antiga da reflexividade X tradição mais recente de objetividade.
Elas não se opõem no mesmo plano, mas em universos de discursos que se tornam alheios um
ao outro. (p.106)
A tarefa do Filósofo em compreender como a historiografia articula seu discurso com a
fenomenologia da memória é:
1)
a de discernir as razões deste mal entendido radical por um exame de funcionamento
interno de cada um dos discursos sustentados de um lado e de outro;
2) lançar pontes entre os dois discursos - recorre ao conceito de atribuição para
confrontar teses opostas, porém mútua e cruzada, de memória individual e coletiva;
3) análise das trocas entre a atribuição a si dos fenômenos mnemônicos e sua atribuição
a outros, estranhos ou próximos.
Mesmo assim, o problema entre memória individual e coletiva não estará resolvido.
A historiografia o retomará do começo.
Surgirá de novo, quando a história, ao se colocar como sujeito de si mesma:
 tenta abolir o estatuto de matriz de história, concedido à memória, e,
 trata a memória como um dos objetos do conhecimento histórico.
O autor não se propõe a resolver o problema entre memória individual e coletiva.
Atribui à filosofia da história complementar este debate apontando:
 as relações externas entre memória e história e;
 as relações internas entre memória individual e memória coletiva.
IV.
Três sujeitos de atribuição da lembrança: eu, os coletivos, os próximos
Conforme o autor: as discussões que envolvem Husserl e Halbwachs indicam conclusão
negativa.
 a sociologia da memória coletiva e a fenomenologia da memória individual- não
conseguem resultar a legitimidade aparente da tese adversa:
 De um lado, têm-se a coesão dos estados de consciência do eu individual;
 Do outro, a capacidade das entidades coletivas de conservar e recordar as lembranças.
 As tentativas de derivação não são simétricas;
 não há áreas de sobreposição entre uma derivação fenomenológica da memória
coletiva e uma derivação sociológica da memória individual.
O autor propõe explorar os recursos de complementaridade que estas duas abordagens
antagônicas contêm:
 recursos mascarados, de um lado- pelo preconceito idealista da fenomenologia
husserliana (parte da obra publicada), e
 Pelo preconceito positivista da sociologia nos seus primórdios, de outro.
 busca identificar a região de linguagem onde os dois discursos podem entrecruzar.
A linguagem comum oferece uma boa ajuda:
 retrabalhada com ajuda de ferramentas de uma semântica e de uma pragmática do
discurso.
Uso de possessivos da forma “meu” e “o meu” (singular e plural).
 Asserção dessa possessão privativa da lembrança constitui na prática de linguagem um
modelo de minhadade para os fenômenos psíquicos.
 Esses indícios de apropriação estão no texto das Confissões.
John Locke - primeiro a teorizar a operação (p.134)
 introduz a expressão appropriate e uma série de jogos semânticos em torno da palavra
own na forma pronominal ou verbal.
 nota que o caráter forensic, a linguagem jurídica - introduz distância entre a
propriedade apropriada e o possuidor.
Para Ricoeur:
o
essa expressão pode ser associada a vários possuidores (my own self etc.) e o
substantivo the self.
 À expressão appropriate- juntam-se as expressões impute, accountable (assumir
responsabilidade, ser responsável ou responsabilizar outrem).
 appropriation num contexto jurídico não deve subtrair-lhe a magnitude semântica.
Ricoeur tenta Em si mesmo como um outro, devolver à apropriação parte desse alcance – na
relação entre a ação e seu agente.
 estende essa abertura à lembrança, tanto na forma passiva da presença da lembrança
no espírito, quanto na forma ativa da busca da lembrança.
 São essas operações que inclui pathos e práxis, que são o objeto:
 de uma atribuição, apropriação, imputação, ou seja, de uma adscrição.
Essa extensão da ideia de apropriação de uma teoria da ação a uma teoria da memória- tornase possível por meio de uma tese geral a respeito da totalidade do campo psíquico:
 inspira na obra de P. F. Strawson, Les Individus, publicada em 1959, Londres e em
1973, Paris.
Entre as teses que Strawson desenvolve a respeito das relações entre predicados práticos em
particular e predicados psíquicos em geral, têm-se a que influi diretamente sobre isso:
Primeiro pressuposto:
 1) cabe a esses predicados, já que são atribuíveis a si mesmo, poder ser atribuídos a
um outro que si.
Essa mobilidade da atribuição implica três propostas que:
1. a atribuição possa ser suspensa ou operada,
2. esses predicados conservem o mesmo sentido em duas situações de atribuição
distintas,
3. essa atribuição múltipla preserve a assimetria entre adscrição a si mesma a adscrição
ao outro ( self-ascribable/other- ascribable).
Conforme esse pressuposto, a atribuição compensa uma operação inversa:
 a que consiste em manter suspensa a atribuição a alguém, para dar o teor descritivo
aos predicados psíquicos assim colocados à espera de atribuição.
O autor considera isso nos dois capítulos anteriores:
 a lembrança como uma espécie de imagem e,
 a recordação como uma empreitada de busca, coroada ou não pelo reconhecimento.
(p.135).
 Ao falar do eikõn, Platão não se pergunta a quem a lembrança “acontece”,
 A investigar a operação da recordação, Aristóteles não se indaga quanto ao operador
da busca.
A própria investigação fenomenológica, segundo o autor, foi conduzida sob o signo da
abstenção na atribuição- relações entre rememoração, memorização e comemoração.
Sobre isso, a memória é ao mesmo tempo:
 caso particular:
 Na medida em que os fenômenos mnemônicos são fenômenos psíquicos, entre outros
(afecções e ações)- é a esse título que são atribuídos a qualquer um, a cada um, e que
seu sentido pode ser abarcado fora de toda atribuição explícitas.
Também entram no thesaurus dos significados psíquicos que a literatura explora. (ex: “Senhor,
lembra-te de nós”)
A mesma suspensão de atribuição constitui a condição da atribuição dos fenômenos psíquicos
a personagens fictícios.
Essa aptidão dos predicados psíquicos de serem compreendidos em si mesmos na suspensão
de toda atribuição explícita constitui o “psíquico” - em inglês chama de Mind:
O psíquico, a Mind - é o repertório dos predicados psíquicos disponíveis numa dada cultura.
 (o autor coloca essa teoria da atribuição à prova, com Jean-Pierre Changeux, Ce qui
mous fait penser. La nature et la a règle. Paris, Odile Jacob, 1998, PP. 141-150 )
O caso dos fenômenos mnemônicos é singular em muitos aspectos:
 caso singular A atribuição adere estreitamente à:
 afecção constitutiva da presença da lembrança e,
 ação do espírito para reencontrá-la, que a suspensão da atribuição parece
abstrata.
 Lembrar-se de algo é lembrar-se de si.
 Distanciamento íntimo- marcado pela diferença entre o verbo “lembrar-se” e o
substantivo “lembrança”. Torna-se imperceptível.
 Essa aderência da atribuição à:
 identificação e,
 nomeação dos fenômenos mnemônicos - explica com que os pensadores do olhar
interior conseguiram atribuir diretamente a memória à esfera do si.
 Pode-se caracterizar a escola do olhar interior por uma denegação do distanciamento
por meio do qual se pode (no vocabulário de Husserl) distinguir o noema, o “que”
lembrado, refletido em seu “quem”.
 É assim que a minhadade – pode ser designada como o primeiro traço distintivo da
memória pessoal.
 Essa aderência do “quem” ao “que”- é o que dificulta transferir uma lembrança de
uma consciência a outra. (p.136)
O segundo pressuposto é:
 2) a suspensão da atribuição que possibilita o fenômeno de atribuição múltipla:
 se um fenômeno é self-ascribable também deve ser other- ascribable.
 Expressos numa linguagem comum e num nível mais avançado.
 Assim, a atribuição a outrem é coextensiva à atribuição a si.
Chamado de Einfuhlung em outros contextos - imaginação afetiva que se projeta na vida de
outrem.
 Não é diferente da Paarung do plano perceptivo,
 nem da adscrição ao outro no plano da linguagem.
O terceiro pressuposto:
 3) a assimetria entre a atribuição a si e a atribuição ao outro, no escopo da atribuição
múltipla
 Refere-se às modalidades do “preenchimento” – ou da confirmação – da atribuição. A
confirmação - é seu nome - permanece conjetural.
 Repousa na compreensão e na interpretação das expressões verbais e não-verbais no
plano do comportamento de outrem.
Essas operações serão chamadas mais tarde, por Carlo Ginzburg de “método indiciário”.
 Este é levado pela imaginação afetiva – pela Einfuhlung- que nos transporta para perto
da experiência de outrem,
 No modo que Husserl denomina “apresentação” (Appeasentation) – que não pode ser
igualado a um “re-viver” efetivo.
 No caso da atribuição a si mesmo, o “preenchimento” - é seu nome- é direto, certo
 Imprime em meus atos a marca de uma possessão, de minhadade sem distância;
 uma aderência pré-temática, pré-discursiva subtende o juízo de atribuição a
ponto de tornar inaparente a distância entre si e suas lembranças, e de dar razão
às teses da escola do olhar interior.
O juízo de atribuição se torna explícito, quando replica no plano reflexivo da atribuição
espontânea a si dos fenômenos mnemônicos;
 Essa abstração não é arbitrária- é constitutiva do momento lingüístico da
memória, tal como a prática de linguagem cotidiana o gerou, e é ela que permite
nomear e descrever de maneira distinta o “mental”, a Mind.
 é esse distanciamento que justifica o emprego do termo “preenchimento” e depende
de uma teoria geral da significação.
É por esses traços que o “preenchimento” da significação “atribuível a si” distingue-se da
“apresentação” (Appeasentation) característica “atribuível a outrem” - não é conjetural,
indireto, mas certo, direto.
Um erro pode ser notado em seguida a respeito de outrem, uma ilusão na atribuição a si.
 erro e ilusão dizem respeito a procedimentos corretivos (eles próprios tão assimétricos
quanto às modalidades do juízo da atribuição) - a expectativa de uma verificação
assimétrica conferindo uma significação diferente à atribuição:
 self-ascribable de um lado,
 other-ascribable do outro.
Sobre isso, as considerações de Husserl na quinta Meditação a respeito da assimetria no
preenchimento e as que dizem respeito a uma teoria da atribuição múltipla dos predicados
psíquicos - coincidem perfeitamente. (p.137)
O espectro da discordância entre memória individual e memória coletiva não estaria voltando
à tona? Deve-se separar esse terceiro pressuposto dos dois anteriores:
 A assimetria é um traço adicional da capacidade de atribuição múltipla – pressupõe a
suspensão da atribuição - permite descrever os fenômenos mnemônicos como todo
outro fenômeno psíquico fora da atribuição a quem quer que seja.
 O problema das duas memórias não foi abolido- foi enquadrado.
O que distingue a atribuição a si é a apropriação da minhadade, my own.
 Forma de linguagem- autodesignação- no caso da ação, reveste a forma da imputação.
 Com Locke - fala-se em imputação em todo lugar - em que há self e consciousness.
Sobre essa base pode-se tomar a apropriação pela modalidade self- ascribable da atribuição.
 É essa capacidade de designar a si mesmo como o dono das próprias lembranças que,
pela via da Paarung, Einfuhlun, do other-ascribable - atribui a outrem como a mim os
mesmos fenômenos.
Sobre esses pressupostos que dizem respeito:
 à noção da atribuição a alguém dos fenômenos psíquicos em geral e,
 dos fenômenos mnemônicos em particular:
 Pode-se comparar entre a tese fenomenológica e sociológica.
Uma fenomenologia da memória – (que o autor chama de preconceito idealista)- pode extrair
da concorrência uma incitação a se desdobrar na direção de uma fenomenologia direta
aplicada à realidade social
 participação de sujeitos capazes de designar a si mesmos como sendo, em diferentes
graus de consciência refletida, os autores de seus atos.
 Traços do exercício da memória portadores da marca do outro.
 A memória entra na região da linguagem: a lembrança dita, pronunciada- um discurso
que o sujeito trava consigo mesmo.
 Isso ocorre dentro da língua materna - que é a língua dos outros.
Essa elevação da lembrança à palavra ocorre:
Ajudada por intervenção de um terceiro – o psicanalista: retirada dos obstáculos à
rememoração – autoriza o paciente a se lembrar.
Essa autorização que Locke chamaria de forensic – articula-se sobre o trabalho de memória do
paciente – que se esforça por levar à linguagem: sintomas, fantasias, sonhos etc.
 para reconstruir uma cadeia mneumônica compreensível e aceitável. (p.138)
Na via da oralidade, a rememoração também é posta na via da narrativa.
Esse ingresso da memória na esfera pública- fica mais claro com os fenômenos de identificação
com denominação à:
 memória impedida,
 memória manipulada:
 a comparação com outrem se torna uma fonte de insegurança pessoal.
O nome recebido de outro: situada na linha de filiação.
Essa palavra de outrem, depositada sobre uma vida inteira - apoio de linguagem, um aspecto
auto-referencial, a todas as operações de apropriação pessoal que gravitam em torno do
núcleo mneumônico.
Foi ao constituir-se diretamente em fenomenologia da realidade social que a fenomenologia
pode penetrar no campo fechado da sociologia.
 Encontra-se reforço na obra de Husserl, La Crise des sciences européennes – atenção
para os aspectos antepredicativos do “mundo da vida”- não se identifica com uma
condição solitária – se reveste de forma comunitária.
 Esta ampliação da fenomenologia à esfera social deu lugar à obra de Alfred Schutz:
Para Schutz, a experiência de outrem é um dado primitivo quanto à experiência em si.
 acreditamos na existência de outrem porque agimos com ele e sobre ele e somos
afetados por sua ação.
 É assim que a fenomenologia do mundo social penetra no regime do viver juntossujeitos ativos e passivos são membros de uma comunidade ou de uma coletividade.
Uma fenomenologia do pertencimento é acenada a dar a si mesma sua conceitualidade
própria sem se preocupar com uma derivação a partir de um pólo egológico.




Esta fenomenologia assemelha-se:
Com uma sociologia compreensiva como a de Max Weber:
A “orientação para outrem” é uma estrutura primitiva da ação social.
Na etapa seguinte, com uma filosofia política como a de Hannah Arendt, para quem a
pluralidade é um dado primitivo da filosofia prática. (p.139)
Um dos desenvolvimentos dessa fenomenologia da realidade social diz respeito à
fenomenologia da memória no plano da realidade social.
Alfred Schutz dedica um estudo (The Phenomenology of the Social World) a seqüência formada
conjuntamente pelos reinos dos contemporâneos, dos predecessores e dos sucessores.
 O reino dos contemporâneos serve de eixo: exprime “a simultaneidade ou a quase
simultaneidade da consciência de si do outro com a minha”;
Em seu aspecto vivenciado – é marcado pelo fenômeno de “envelhecer junto”. Põem em
sinergia duas durações em desdobramento.
 Um fuxo temporal acompanha outro, enquanto eles duram juntos.
A experiência do mundo compartilhada estabelece numa comunidade:
 tanto de tempo quanto de espaço.
A originalidade reside na superposição dos graus de personalização e, inversamente, de
anonimato entre pólos de um “nós” autêntico e o do “se”, do “eles outros”.
 O mundo dos predecessores e dos sucessores estende nas duas direções: do passado e
do futuro, da memória e da expectativa:
 Esse traço do viver junto decifrado estabelece primeiro no fenômeno de
contemporaneidade.
Como orientação contemporânea, essa extensão da fenomenologia à esfera social aproxima
da sociologia:
 Em algumas de suas orientações contemporâneas, faz, na direção da fenomenologia
um movimento paralelo ao da fenomenologia em direção à sociologia.
É no campo da historiografia que essas evoluções imprimiram os efeitos que aqui importam.
Elabora três questões:
1. Trava-se no campo de uma teoria da ação.
 O autor enfatiza, com Bernard Lepetit (Les Formes de l’ expérience. Une autre historie
sociale, Paris, Albin Michel, col. “L’ évolution de l’ histoire”, 1995), a formação:
 do vínculo social no âmbito das relações de interações e
 das identidades edificadas sobre essa base.
 Iniciativas e coerções desenvolvem suas dialéticas respectivas.
 Os fenômenos de representação – dentre as quais os fenômenos mneumônicos- são
associados às práticas sociais.
2. Os problemas colocados pela sociologia da memória coletiva são reformulados pelos
historiadores ao tratar da dimensão temporal dos fenômenos sociais:
 Empilhamento das durações longas, médias e curtas, encontradas:
 em F. Braudel,
 nos historiadores da escola dos Annales,
 em considerações sobre as relações entre estrutura, conjuntura e acontecimento
dizem respeito a essa retomada, pelos historiadores, dos problemas encontrados
pelos sociólogos ao lado da memória coletiva. (p.140)
 Essa discussão é transferida à fronteira entre memória coletiva e história.
3. Considerando os historiadores dos jogos de escalas oferece uma redistribuição dos
fenômenos mneumônicos entre os escalões da micro-história e os da macro-história.
 A história oferece esquemas de mediação entre os pólos extremos da memória
individual e da memória coletiva.
O autor termina com uma sugestão, questionando se não existe entre os dois pólos da
memória individual e da memória coletiva, um plano intermediário de referência.
Esse plano é o da relação com os próximos - atribui uma memória de um tipo distinto.
 Os próximos- são pessoas que contam para nós e para as quais contamos: se situam
numa faixa de variação das distâncias na relação entre o si e os outros.
 variação de nas modalidades ativas e passivas dos jogos de distanciamento e de
aproximação que fazem da proximidade uma relação dinâmica constantemente em
movimento:
 A proximidade - réplica da amizade, dessa philia, celebrada pelos Antigos, a meio
caminho entre o individuo solitário e o cidadão definido pela sua contribuição à
politeia, à visão e à visão da polis.
 Do mesmo modo, os próximos estão a meio caminho entre o si e o se para o qual
derivam as relações de contemporaneidade descritas por Alfred Schutz. Os próximos
são outros próximos - outrens privilegiados.
Em qual trajeto de atribuição da memória se situam os próximos?
 A ligação com os próximos corta transversal e eletivamente
 tanto as relações de filiação e de conjugalidade
 quanto às relações sociais dispersas, segundo as formas múltiplas de
pertencimento ou de grandeza.
Em que sentido elas contam para mim, do ponto de vista da memória compartilhada?
 À contemporaneidade do “envelhecer junto” - acrescentam uma nota especial
referente aos dois acontecimentos que limitam a vida humana:
 o nascimento – que escapa à minha memória
 e a morte- que barra meus projetos (p.141)
O autor conclui que não é apenas com a hipótese da polaridade entre memória individual e
memória coletiva que se deve entrar no campo da história, mas como uma tríplice atribuição
da memória:
 a si, aos próximos, aos outros.
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