CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL DO PARANÁ – CRESS 11ª REGIÃO PARANÁ ANAIS DO VI CONGRESSO PARANAENSE DE ASSISTENTES SOCIAIS “Direitos Humanos e Serviço Social: Desafios e Propostas para o Exercício Profissional” Período: 11 a 14 de Novembro de 2015. ---------------------------------------------------------------------------------------------------------CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL CRESS 11ª REGIÃO PARANÁ Rua Monsenhor Celso, 154 – 13º Andar – Centro – Curitiba/PR GESTÃO 2014 – TRANSFORMAR”. 2017 “JUNTOS/AS PARA LUTAR, CONQUISTAR E DIRETORIA Presidente: Wanderli Machado Vice-Presidente: Uilson José Gonçalves Araujo 1ª Secretária: Renária Moura Silva 2ª Secretária: Fernanda Lopes de Camargo 1ª Tesoureira: Patrícia Correa da Silva 2ª Tesoureira: Ilda Lopes Witiuk CONSELHO FISCAL Janaine Priscila Nunes dos Santos Antonio Odair da Silva Júnior Maysa Nuermberg de Vasconcellos Costa SUPLENTES Daniela Möller Vera Lucia Armstrong Clarice Metzner Emanuelle Pereira Edilene Alves Costa Augusto Luiz de Lima ---------------------------------------------------------------------------------------------------------CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL CRESS 11ª REGIÃO PARANÁ Rua Monsenhor Celso, 154 – 13º Andar – Centro – Curitiba/PR COMISSÃO ORGANIZADORA DO CONGRESSO Emanuelle Pereira Janaine Priscila Nunes dos Santos COMISSÃO DAS OFICINAS Uilson José Gonçalves Araujo COMISSÃO DE INFRAESTRUTURA Grasiele Dalbão Modesto de Camargo Oengredi Mendes Maia dos Santos COMISSÃO CULTURAL Bruna Cardoso COMISSÃO FINANCEIRA Janaine Priscila Nunes dos Santos Odair da Silva Junior EQUIPE DE APOIO Graciele Babiuk Kellyane de Nazaré Vasconcelos de Oliveira Maysa Nuermberg de Vasconcellos Costa Wanderli Machado Vanessa Rocha COMISSÃO AVALIADORA DOS TRABALHOS Alfredo Aparecido Batista Ana Carolina Vidigal Andréa Luiza Curralinho Braga Angela de Fátima Ulrich Jeiss Cleci Elisa Albiero Daniela Moller Denise Ratmann Arruda Colin Elias de Souza Oliveira Elza Maria Campos Fernanda Lopes de Camargo Giselle Ávila Leal de Meirelles Ilda Lopes Witiuk Jayson Azevedo Marsella de Almeida Pedrosa Vaz Guimarães Jussara Marques de Medeiros Dias Kathiúscia Aparecida Freitas Pereira Coelho Kleber Rodrigo Durat Leandro José de Araujo Marcela Silva Marcelo Nascimento de Oliveira Márcia Terezinha de Oliveira Marco Antônio Barbosa Rafael Garcia Carmona Silvana Maria Escorsim Silvia Eufenia Albertini Solange Fernandes CERIMONIAL Uilson José Gonçalves Araujo CATALOGAÇÃO NA FONTE VI Congresso Paranaense de Assistentes Sociais (1.: 2015: Paraná) Direitos Humanos e Serviço Social: Desafios e Propostas para o Exercício Profissional, 2015. 806 p. ISBN: 978-85-63119-02-5 Disponível em: http://www.cresspr.org.br/site/cpas2015 1. Serviço Social. 2. Questão Social. 3. Direitos Humanos. 4. Ética. 5. Projeto Ético Político Conselho Regional de Serviço Social do Paraná – CRESS 11ª Região Paraná ---------------------------------------------------------------------------------------------------------CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL CRESS 11ª REGIÃO PARANÁ Rua Monsenhor Celso, 154 – 13º Andar – Centro – Curitiba/PR APRESENTAÇÃO O CRESS/PR, através da gestão “Juntos/as para lutar, conquistar e transformar”, organizou de forma coletiva com a categoria o VI Congresso Paranaense de Assistentes Sociais (VI CPAS), que foi realizado em Curitiba de 11 a 14 de novembro de 2015, com o tema Direitos Humanos e Serviço Social: desafios e perspectivas para o trabalho profissional. O CPAS é o maior evento do Serviço Social no Paraná e tem sido realizado com uma natureza político-científica, pois diante do atual contexto paranaense, brasileiro e latinoamericano, permeado por desmonte de direitos, contradições e desigualdades econômicas, políticas e sociais, a profissão defronta-se cotidianamente com um conjunto de desafios que exigem da categoria posicionamentos e propostas para o fortalecimento das lutas sociais, pela afirmação e ampliação de direitos bem como, para a construção de estratégias para a construção de uma nova sociabilidade. Nesse sentido, o CPAS tem como objetivo a instrumentalização e a capacitação continuada, além de subsidiar a construção da agenda de trabalho e lutas da categoria. A programação do evento contará com conferências, plenárias simultâneas, mini cursos, cine debates e sessões temáticas de apresentações de trabalhos. No processo eleitoral do Conjunto CFESS/CRESS em 2014, durante a apresentação da chapa “Juntos/as para lutar, conquistar e transformar”, propusemos a realização de eventos mais acessíveis e inclusivos, com organização de campanha que incentive e estimule a hospedagem solidária. Sendo assim, este VI CPAS, também teve como objetivo de cumprir com esta proposta. O evento teve um valor mais acessível, onde a comissão organizadora foi composta pela direção do CRESS e por profissionais e estudantes voluntários/as, e ainda contou com estratégias para hospedagem solidária, tornando o Congresso mais acessível também para quem não reside em Curitiba. Os trabalhos aprovados foram apresentados em salas simultaneamente, permitindo a reflexão e o debate acerca dos permanentes desafios que estão postos na realidade que envolve as várias dimensões do exercício profissional. Desejamos a todos/as uma boa leitura! 4 TRABALHANDO COM FAMÍLIA: COTIDIANIDADES, CONTINUIDADES E RUPTURAS Solange Fernandes1 Resumo: A centralidade que assumiu as famílias nas políticas públicas brasileira a partir do início do século XXI, exigiu dos profissionais de diversas áreas e particularmente do Serviço Social respostas cada vez mais qualificadas de trabalho com esse público. A ausência de uma metodologia especifica mobilizou um grande esforço de diversas categorias profissionais e de especialistas no sentido de construir uma metodologia de trabalho em consonância com os novos tempos e as novas demandas. Hoje percorrido um pouco mais de 10 anos do início deste percurso é possível conhecer alguns avanços e reconhecer muitas dificuldades. É disso que esse artigo trata. Palavras-chave: Família, contemporaneidade, metodologia. 1 Assistente social e Professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. 5 INTRODUÇÃO. A proposta deste artigo é refletir sobre os possíveis avanços e obstáculos em relação à construção e efetivação de metodologias de trabalho com famílias, principalmente àquelas atendidas pela Politica Pública de Assistência social, através dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e ou Centros de Referência de Especialidades em Assistência Social (CREAS). A partir do século XXI um conjunto de transformações sem precedente na história na humanidade conjurou novos modos de estabelecer relações sociais, econômicas, culturais, afetivas, religiosas, etc. Os países de economia capitalista sucumbiram a economia global, a reestruturação produtiva alavancada pelos japoneses imprimiam novos modos de organizar e otimizar a produção reduzindo tempo e força de trabalho na produção de mercadoria, a criação de novas tecnologias permitiram significativos avanços na agricultura, medicina e comunicação apresentando-nos um cenário absolutamente novo e desafiador. Contudo, esses significativos avanços resultaram em altos custos sociais peculiares ao modo de produção capitalista. O neoliberalismo implementado nos países de economia capitalista, e no Brasil particularmente, a partir dos anos 1990, deixou como legado para o novo milênio, décadas de abandono, pobreza, miséria e exclusão. Com esse cenário adentramos o século XXI com aproximadamente 47 milhões de famílias vivendo abaixo da linha da pobreza. A recém-criada Politica de Assistência Social assume o desafio de retomar as bases e reconstruir gradativamente um Sistema Único de Assistência Social que pudesse desenvolver, políticas, programas, projetos e oferecer benefícios com vistas a criar um atendimento sistemático e continuado às famílias em situação de violação de direitos. 10 anos ou mais de trabalho com família. 6 Os intensos e sucessivos debates travados ao longo da década de 1990 envolvendo a temática sobre família, seja na busca de caracterizar as novas configurações familiares, seja na tentativa de construir uma metodologia ou mesmo de estabelecer um conceito contemporâneo que contemplasse a realidade das famílias brasileiras, promoveu em níveis teóricos, um avanço absolutamente significativo se comparado, por exemplo, com o debate sobre a mesma temática nos anos de 1970, quando se responsabilizava exclusivamente as mulheres, por todas as “agruras” que incidiam sobre a família. As discussões realizadas a partir do século XXI em relação às transformações na organização e composição das famílias brasileiras exorcizaram em partes2 as mulheres como as responsáveis exclusivas pela crise das famílias tradicionais brasileira, e introduziu no debate, além dos dados históricos e antropológicos que indicavam que o processo de transformação é elemento constitutivo das famílias desde os primeiros grupos humanos3, bem como, a percepção quanto a necessidade de reconhecimento da existência de uma diversidade mosaica de composições familiares. Neste sentido, uma questão que nos parece consenso é que já não podemos falar em família (usando o singular) e sim o uso da palavra no plural referindo-se a elas como famílias, considerando as inúmeras possibilidades de arranjos, combinações, recombinações e configurações familiares. Contudo, é importante notar que esse processo de construção e assimilação de novos conceitos e configurações familiares, mesmo que a princípio apenas em bases teóricas, não é, e nunca foi tranquilo, pois se trata de um debate que envolve diversa nuances e perspectivas e, portanto implica em 2 Refiro-me “em partes” considerando que alguns setores mais conservadores da sociedade brasileira ainda mantem o discurso da responsabilização e culpabilização exclusiva das mulheres pelo que eles costumam chamar de declínio da família tradicional brasileira. 3 Sobre esse processo indicamos a leitura do livro de Friedrich Engels - A origem da família, da propriedade privada e do Estado- publicado no Brasil por diversas editoras. Nesta obra Engels baseandose nos estudos antropológicos de Lewis Henry Morgan resgatou as origens das famílias ao longo dos tempos, desde os primórdios indicando a existência das famílias consanguíneas, punaluanas, sindiásmicas e monogâmicas. A ideia é capturar o processo de mudança contínua e de analisar a interferência do Estado e da propriedade privada na constituição das noções ideológicas a respeito das famílias. 7 considerar os aspectos jurídicos, culturais, sociais, além do reconhecimento dos direitos à livre expressão e vivência da sexualidade. Mas apesar dos embates, uma questão é cada vez mais clara, que o “traço dominante da família é sua tendência a se tornar um grupo cada vez menos organizado e hierarquizado e que cada vez se funda mais na afeição mutua” (Genofre, 1995, p.100). Um conceito contemporâneo de família e que em nosso entendimento se destaca como um dos mais completos foi apresentado por Sayão e Aquino(2006) em sua obra: Família: modos de usar, e que diz: Família é o conceito que designa o grupo de pessoas associadas, as quais podem viver sob o mesmo teto ou não. Trata-se tanto da sucessão de indivíduos vivos num determinado momento que mantem entre si tais relações quanto do conjunto de ente que têm uma ancestralidade comum, incluindo aqueles que a ela se agregaram seja de modo perpetuo ou temporário. (2006, p.9) É possível observar que os autores do conceito apresentado acima não se debruçam ou esboçam preocupações em demarcar ou mesmo ressaltar questões de gênero, de cunho moral, jurídica ou legal. O que fica evidenciado é que a centralidade está nas relações que os seres humanos que convivem estabelecem entre si. Em relação a essa questão consideramos fundamental ultrapassarmos as noções que nos prende a limitar a concepção de família aos laços de consanguinidade e parentesco, pois essa compreensão reducionista de família nos impede de perceber que, o que de fato alicerça as relações familiares é o afeto e o respeito construído a partir das vivências de seres humanos livres em suas escolhas e decisões e, sobretudo que se cuidam e se protegem acima de tudo. Neste ponto, pouco importa sua composição4, se somos sós ou 4 Mioto e Nora (2006) e Lima (2005): referência a três indicadores para definir família: o domicílio, o parentesco e os afetos. Domicílio: família definida a partir da coabitação, na mesma estrutura física, de grupo de pessoas. Parentesco: existência de laços consanguíneos biológicos; não necessariamente coincide com a unidade de moradia ou com as relações afetivas. Relações afetivas: delimitam família a partir de vivências subjetivas, nas quais podem ser incluídas pessoas, como amigos e vizinhos, que não têm laço de parentesco nem partilham da mesma unidade de moradia. 8 acompanhadas, se somos mulheres e homens, homem com homem, mulher com mulher ou os avos, os tios, os primos, um grupo de pessoas que a vida aproximou, enfim o foco deve estar nas relações de cuidado e proteção entre seus membros. Também podemos constatar o avanço em termos conceitual quando da publicação da Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS) pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome que entende que: Trabalha-se com um conceito de família ampliada, considerando todos os desenhos atuais que envolvem laços consanguíneos, desde alianças, de afinidades, cujos vínculos circunscrevem obrigações reciprocas e de convivência (...) A família independente dos modelos que assume, é mediadora das relações entre sujeitos e a coletividade, delimitando continuamente os deslocamentos entre o público e o privado. (BRASIL, NOB/SUAS, 2005). Se por um lado é um avanço o reconhecimento da existência de um universo de famílias, por outro colocam os profissionais que atuam com famílias frente a um grande desafio, como trabalhar com elas? Costumamos afirmar que trabalhar com família é “bom”, porque todos têm uma, assim como trabalhar com família é “ruim”, porque todos têm uma. O que procuramos alertar com isso é que existe alguns riscos neste processo, e o maior dele e o mais comum é a reprodução ideologizada de um “tipo ideal”5 de família. Esse é um processo no qual o profissional se utiliza de parâmetros pessoais, morais, religiosos e valorativos de comparação. Neste caso, o modelo utilizado segue os moldes tradicionais e heteronormativos presente na sociedade brasileira. 5 Tipo Ideal- referimo-nos ao ideal weberiano que a partir do método compreensivo afirma que a principal caraterística do “tipo ideal” é NÃO existir na realidade mas servir de parâmetro ou referência para ajudar na comparação e compreensões, nisso Max Weber se aproxima do método sociológico de Emile Durkheim. Para conhecer mais sobre a teoria weberiana indico: A Ética Protestante e o Espirito do Capitalismo 9 Qual é o problema de modelos únicos e idealizados de família? Vários, primeiro é que eles encontram-se incompletos, pois desconsideram as relações sociais em detrimento da composição, segundo porque cria estereótipos e promove a recusa a todos que não se enquadram no modelo preestabelecido, caracterizando-as com famílias desestruturadas6. Por fim e não menos importante contribui para a reprodução do preconceito que estigmatiza e rotulam famílias que muitas vezes já são vítimas de outros tantos processos segregacionistas e excludentes. Partindo da concepção sócio histórica da realidade, fica evidente que as trajetórias dos sujeitos não são constituídas magicamente e tão pouco de maneira linear. Ao contrário, são processos constituídos de “rupturas e continuidades” que expressam a dinâmica da vida social. Trabalhar com família exige dedicação, uma mente aberta para o novo, o peculiar e o singular e a atenção voltada para as formas de relações cotidianas estabelecida por aquele grupo familiar A família é uma das mais antigas formas de organização social. E é sem sobra de dúvida de uma importância impar para a formação do indivíduo, ela é portanto um dos elemento constituinte e constitutivo de todo bem e todo mal vivenciado pelo ser humano em grande parte de seu processo de formação. Alguns autores nas Ciências Sociais indicam a família como a estrutura responsável pela proteção coletiva de seus membros o que Castel (2005:51) denominou de “socialização primária”, ou seja, aqueles mais carentes na comunidade (clã) recebia o auxílio dos demais. Quando o sujeito perde essa proteção inicia segundo o autor uma espécie de “desatrelamento” comprometendo o seu sentimento de pertença. (CASTEL, 2005: 51) E justamente em função desse conhecimento que a família deve recebem uma 6 O termo desestrutura é absolutamente equivocado quando utilizado para referirem-se as famílias que apresentam composições familiares diferentes daquelas consideradas adequadas aos padrões morais da sociedade ou mesmos para referirem-se as famílias que possuam dificuldades em atender às necessidades de seus membros sejam elas de caráter econômico ou emocional. Orienta-se que ao referirem-se as famílias em atendimento evitem qualquer tipo de qualificação, principalmente porque expressam juízo de valor, por exemplo: completa, incompleta, estrutura ou desestruturas, boas ou más, adequadas ou inadequadas, e assim por diante. 10 atenção especial em termos de investimento público. E quando me refiro a investimento não é somente econômico é também cultural, de acessos, de possibilidades, de atenções, de inclusões em programas, projetos e benefícios que proporcione espaços e construções coletivas de saberes. Precisamos romper rapidamente com as metodologias de trabalho com família sem a participação ativa das famílias, ou seja, alguns profissionais planejam o trabalho com elas sem ouvi-las e se as ouvem não as escutam, existe uma necessidade de controle por parte do profissional, que até certo ponto é compreensível, entretanto, apresentar tudo pronto impede e limita a participação das famílias nos moldes estabelecidos pelos profissionais. O que leva uma pessoa a se comprometer com algo? É o fato dela acreditar! Nenhum indivíduo investe tempo, dinheiro, sentimento ou qualquer outra coisa em algo que ele não vê sentido. Então, profissionalmente pensar em um trabalho com famílias é conhecer a vida, a história, a trajetória e o cotidiano dessas famílias. É partir das possibilidades e das condições materiais de existência e da capacidade de abstração que as famílias possuem naquele momento e gradativamente ir ampliando o universo de saberes e possibilidade de conhecimento e reflexão, para que as famílias possam oferecer respostas diferentes daquelas até então oferecida, ou seja, todas as pessoas nos oferecem o que elas têm para oferecer, se o que elas oferecem é pouco e podem de algum modo estar prejudicando elas mesmas é necessário um processo de investimento e construção coletiva entre famílias e profissionais, na construção de alternativas e possibilidade que viabilizem a superação daquela situação que deve ser compreendida sempre como temporária. A partir dessas considerações nos parece inconcebível trabalhar com rotulação que buscam caracterizar e colocar todas as famílias, suas dificuldades e conflitos em uma “vala comum”, ultra generalizando as alternativas, “impondo”7 7 Essa imposição em alguns casos vem caraterizado por parte do profissional como sugestão, e quando esse profissional é questionado pela família sobre a viabilidade ou não, ou mesmo da manifestação da impossibilidade em efetivar a sugestão, tenderá a rotular essa família como resistente a mudança. Evidentemente que temos conhecimento da existência de família poli queixosas, entretanto 11 às famílias, e quando elas por alguma situação não dão conta de atender àquela expectativa, temos dificuldades em compreende-las e as vezes chegamos mesmo que inconscientemente a responsabilizá-las. Essa é uma resposta profissional simples a um problema complexo e, portanto contêm equívocos. É extremamente compreensível que com o ritmo e volume de trabalho exigido dos profissionais por parte das instituições, que alguns deles acabem massificando o atendimento ou mesmo abandonando o trabalho de planejamento. E continuem oferecendo respostas simples para problemas complexos. Enquanto continuarmos tendo instituições de execução de políticas públicas que valorizam muito mais os números nos relatórios em detrimento da qualidade, dificilmente avançaremos na construção de um trabalho profissional que efetivamente contribua para construção de relações mais autônomas e protagônicas por parte das famílias atendidas pelas instituições. Concluo, reiterando a necessidade de atuarmos no atendimento familiar, sem perder de vista o contexto mais amplo ao qual se encontra submetido essa população. As ações profissionais devem ser pautadas na defesa intransigente da política pública, justiça social, equidade, igualdade e democracia e, sobretudo que sejamos nós àqueles profissionais que recusam ações de natureza discriminatória e preconceituosa, nos colocando na defesa de uma sociedade mais livre, justa e igualitária para todos. Por enquanto a metodologia de trabalho com famílias no Brasil ainda se mantêm fiel à velha formula: organizar e controlar. Só que agora, com um discurso mais inovador!. Referências CASTEL, R. As armadilhas da exclusão in Desigualdade e a questão social. orgs. BELFIOREWANDERLEY, M.; BÓGUS, L e YAZBEK, M. C. – São Paulo: EDUC, 2000. apelamos aos profissionais para compreender essas famílias a partir da realidade e das suas relações cotidianas. 12 GENOFRE, R.M. Família: uma Leitura Jurídica. In: CARVALHO, M. do C.B. A família Contemporânea em debate. São Paulo: Cortez, 1995. MIOTO, R. C. T. e NORA, N. I. Sistematização do conceito de família: indicadores para a ação profissional. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM SERVIÇO SOCIAL, 2006, Recife. Anais X ENPESS... Recife, ABEPSS, 2006 SAYÃO, R e AQUINO, J. G.. Família: modos de usar, 2ª edição, Campinas, São Paulo, Papirus, 2006 (Papirus Debate) A FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM SERVIÇO SOCIAL NO CONTEXTO DE MERCANTILIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR 13 Cristiane Carla Konno8 Resumo: A formação profissional formula os requisitos teórico-metodológico, ético-político e técnicooperativo que legitimam o exercício profissional do Assistente Social dando materialidade ao projeto ético-político do Serviço Social. Ao imbricarmos esta relação (projeto ético-político e formação profissional), muito nos insulta o processo de incisiva incompatibilidade entre os fundamentos que balizam as diretrizes curriculares para a formação profissional e os fundamentos que alicerçam a política de educação para o ensino superior no Brasil, sobretudo no ensino de modalidade à distância (EAD). Palavras – Chaves: formação profissional, educação, projeto profissional 1 - Introdução: O estudo parte de questões que vimos enfrentando no contexto da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, curso de Serviço Social, na operacionalização das diretrizes curriculares para os cursos de Serviço Social, aprovadas pela categoria profissional em 1996 e pelo Ministério Educação em 2001. Na relação direta com os sujeitos envolvidos no processo, identificamos situações de precarização das relações e condições objetivas de trabalho dos docentes, dificuldades de recursos para a manutenção da infraestrutura física, equipamentos e de recursos humanos, trabalhadores em situação de contrato de trabalho temporário e/ou terceirizado; falta ou baixo investimento na pesquisa e na extensão universitária, ocorrendo em muitos casos as ditas “parcerias” com órgãos privados para o financiamento de pesquisas e/ou prestação de serviços que atendam os interesses privados, dentre outras questões que se complexificam na expansão do ensino privado na modalidade à distância, pondo-nos a refletir sobre a educação como direito ou como serviço. Estas questões vêm sendo constantemente debatidas pelas entidades representativas da categoria profissional do Serviço Social - 8 Docente da Universidade Estadual do Oeste do Paraná-Unioeste, Curso de Serviço Social, Campus de Toledo. Mestre em Serviço Social e Politica Social pela Universidade Estadual de Londrina – UEL. 14 ABEPSS9, CFESS10/CRESS11 e ENESSO12, com pesquisas, publicações, orientações e com mecanismos legais para assegurar uma formação de qualidade, em consonância com as diretrizes curriculares da ABEPSS e MEC, na defesa dos fundamentos teórico-metodológico, técnico-operativo e éticopolítico que balizam o exercício profissional do assistente social para a consolidação do Projeto Ético-Político Profissional. 2- Formação Profissional e as inflexões no Projeto Ético-Político do Serviço Social Para esta reflexão, referenciamo-nos em José Paulo Netto, em sua obra, Capitalismo Monopolista e Serviço Social (1992), por considerar que a ordem monopólica evidencia a contradição basilar da sociedade capitalista entre a socialização da produção e a apropriação privada da riqueza produzida. O desejo intenso de maximização do lucro controlado pelos mercados, exponencia os constrangimentos inerentes à acumulação do capital, materializados sob a precarização das condições de vida da classe trabalhadora, demandando a intervenção do Estado. Para além de garantidor da propriedade privada dos meios de produção, o Estado passa a intervir sistematicamente articulando as suas funções econômicas e políticas. Ao ser capturado pela lógica do capital, o Estado passa a operar um conjunto de medidas e condições necessárias à acumulação e valorização do capital. Concomitante, para legitimar-se social e politicamente, incorpora as demandas do trabalho respondendo com a institucionalização de direitos e garantias cívicas, sob a forma de políticas sociais. Essa mediação admite a correlação das forças sociais em questão, que se colocam em disputa por distintos projetos societários, garantindo 9 ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social – entidade responsável pela formação profissional 10 CFESS- Conselho Federal de Serviço Social – entidade responsável pelo exercício profissional em âmbito nacional 11 CRESS- Conselho Regional de Serviço Social – entidade responsável pelo exercício profissional em âmbito regional/estadual 12 ENESSO- Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social – entidade estudantil 15 instrumentos de democracia política necessários à dinâmica contraditória do capitalismo. Não exclui o tensionamento entre as classes sociais, na medida em que as políticas sociais são respostas estratégicas do Estado ao processo de mobilização e organização política dos trabalhadores, o que representa uma ameaça à ordem social vigente. Nestas condições, a “questão social” 13 se torna alvo da intervenção contínua e sistemática do Estado por meio da implantação de políticas sociais, recortadas conforme suas expressões: violência, desemprego, ausência ou carência de moradia, educação, saúde, dentre outras. Embora a intervenção do Estado, mediante as políticas sociais, contribua para a preservação e controle da força de trabalho, simultaneamente, os direitos sociais delas advindos, somente são possíveis como conquistas da luta de classes. É exatamente nessa reflexão que situamos a educação, que ao ser institucionalizada pela lógica estatal, incorpora-se como direito social, portanto, como conquista das lutas sociais da classe trabalhadora. Porém, também é preciso considerar a relação entre a institucionalização e a consolidação do direito social, uma vez que o processo de valorização do capital reforça a mercantilização da vida social, inclusive dos direitos sociais. A partir da década de 1990, a ofensiva do capital associada aos princípios neoliberais, à ideologia da globalização e ao processo de reestruturação produtiva gera profundo impacto, complexificando as condições de vida dos trabalhadores, corroendo os direitos de cidadania (dentre eles a educação) conquistados ao longo do século XX, metamorfoseando o direito social, no âmbito do sistema de proteção social em serviço, que poder ser comprado e vendido no mercado. Segundo PEREIRA (2009:269), os serviços “são pautados na lógica mercantil e tem como finalidade última a obtenção do 13 Sobre a questão social, recorremos a Behring (2006, p:5) que a entende como (...) a configuração da desigualdade e as respostas engendradas pelos sujeitos a ela, se expressa na realidade de forma multifacetada como questão social. Desse ponto de vista, é correto afirmar que a tradição marxista empreende, desde Marx e Engels até os dias de hoje, um esforço explicativo acerca da questão social, considerando que está subjacente às suas manifestações concretas o processo de acumulação do capital, produzido e reproduzido com a operação da lei do valor, cuja contraface é a subsunção do trabalho pelo capital, a desigualdade social, o crescimento da pauperização absoluta e relativa e a luta de classes. 16 lucro”. Outra questão a considerar é a propagação da função ideológica da educação como instrumento para o “alívio da pobreza”. Segundo Leher (1998), os documentos do Banco Mundial14, atribuem à educação um papel ideológico fundamental, pois propaga a idéia de que a causa da pobreza é o não acesso ao conhecimento, culpabilizando o indivíduo pelo não acesso à “sociedade do conhecimento”. Para tanto, o Banco Mundial recomenda a prioridade na educação básica como forma de alcance da equidade social, exigindo reformas educacionais na América Latina, reforma da educação tecnológica e a privatização do ensino superior. No Brasil, esse processo foi deflagrado pelos governos Collor e Itamar e mais incisivamente pelos governos de Cardoso e Lula, obstaculizando a consolidação dos direitos sociais arduamente conquistados na Constituição Federal de 1988, instaurando o ajuste fiscal, as privatizações do patrimônio público, abertura de mercado e a contrarreforma15 do Estado. Pela reforma emergencial do aparelho do Estado, na administração pública gerencial16, as áreas sociais, dentre elas a educação17, são definidas como atividades não exclusivas do Estado, ficando a execução dos serviços sob a responsabilidade das instituições privadas ou públicas não estatais, o que 14“Os organismos internacionais – intelectuais orgânicos do projeto burguês - tratam as novas expressões da “questão social”, principalmente na periferia capitalista, de forma extremamente conservadora, isolando-as de questionamentos de ordem estrutural e dando-lhes um tratamento superficial, com o financiamento e apoio a programas e projetos de “combate à pobreza e à exclusão social”. (PEREIRA, 2008:77) 15 Nos termos de Berhing (2003), o que temos no Brasil a partir desse período, e continua no atual governo, é um processo de contrarreforma do Estado, que significou uma reestruturação do significado das funções públicas estatais. Para MONTANO (2002:29) a contrarreforma “estava articulada com o projeto de liberar, desimpedir e desregulamentar a acumulação do capital, retirando a legitimação sistêmica e o controle social da “lógica democrática” e passando para a “lógica da concorrência” do mercado. 16Bresser Pereira (1998, p. 33) advoga mudanças nas formas de organização e gestão do Estado por meio de uma administração pública gerencial que balize como setores do Estado moderno “o núcleo estratégico, as atividades exclusivas, os serviços não-exclusivos e a produção de bens e serviços para o mercado”. 17Marcadamente, a reforma educacional captaneada pela lógica do capital, foi instituída juridicamente com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, em 1996, na qual o Estado assumiu papel destacado no controle e na gestão das políticas educacionais, ao mesmo tempo em que liberalizou a oferta da educação superior pela iniciativa privada. 17 tornou a expansão da educação ao setor privado em negócio lucrativo. Essa expansão funda-se na base ideológica da democratização do acesso ao nível superior de ensino, tendo como meios: “a participação do setor privado presencial através da isenção fiscal possibilitada pelo Programa Universidade para Todos (PROUNI); participação dos setores públicos e privados de ensino à distância – EAD; reestruturação do sistema público de ensino por meio do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI); reforço, na universidade pública, da lógica da mercantilização, através das parcerias públicoprivado”.(PEREIRA (2009: 272) Uma das iniciativas de consolidação destas medidas é o ensino superior na modalidade à distância – EAD. De acordo com as legislações pertinentes, a Educação a Distância é a modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos.18A modalidade de ensino à distância – EAD, cresce vertiginosamente no ensino superior, tendo, primeiramente o enfoque nas licenciaturas em cursos da área de humanas e sociais e, posteriormente tem sido absorvida por outras demandas: o bacharelado, tecnólogos, especialização e mestrado. O processo de regulamentação do EAD no Brasil, de acordo com ANTUNES (2010:32) se coloca com as seguintes normatizações19: “Plano Nacional de Educação (PNE), Lei nº 010172, de 9 de janeiro de 2001; da Portaria nº 436130, de 29 de dezembro de 2004; do Decreto nº 562231, de 19 de dezembro de 2005, assim como do Decreto 577332, de 10 de maio de 2006, e também do Parecer nº 18Esta definição está presente no Decreto 5.622, de 19.12.2005 (que revoga o Decreto 2.494/98), que regulamenta o Art. 80 da Lei 9.394/96 (LDB) . 19Dentre outros, dispõe sobre o credenciamento e recredenciamento dos cursos de graduação à distância.(BRASIL, 2004b).Regulamenta o art. 80 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases daeducação nacional.” (BRASIL, 2005, s.p.).Dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições de educaçãosuperior e cursos superiores de graduação e seqüenciais no sistema federal de ensino.” (BRASIL, 2006, s.p.).Que traz como assunto as “Diretrizes para credenciamento de novas Instituições de Educação Superior e decredenciamento institucional para a oferta de cursos superiores na modalidade à distância e normas processuaispara o trâmite do(s) projeto(s) de curso(s) protocolado(s) em conjunto.” (BRASIL, 2008, p. 1). 18 6633 do Conselho Nacional da Educação/Câmara de Educação Superior, de 13 de março de 2008”. Conforme o Inep – Instituto Nacional de Estudo e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – o Censo de Educação Superior 201320, apresentou grande crescimento no ensino à distância (EAD), correspondendo a 15 % de matrículas no ensino superior no Brasil. O salto computado nesta modalidade de ensino, na última década é de 5 para 15 mil inscritos. São ofertados mais 1,2 mil cursos, considerando que em 2003 eram apenas 52 cursos, sendo as universidades responsáveis por 90% da oferta e 71% das matrículas nessa modalidade. Importante evidenciar que a mercantilização do ensino superior atinge a educação pública e privada, na modalidade de ensino presencial e à distância. Porém, face às características do ensino à distância – EAD, as implicações para uma formação profissional crítica e generalista, que contribua com a transformação da realidade mediante o ensino, a pesquisa, a extensão e a produção de conhecimento, torna-se mais complexa, pois sua peculiaridade (à distância), não possibilita que seja vivenciada determinados princípios e atividades para uma educação de qualidade. Mediante denúncias e informações acerca das condições objetivas da formação profissional, dadas as diversas situações que chegam ao conjunto CFESS/CRESS indicando o processo de precarização desta vinculada ao ensino à distância, as entidades ABEPSS, conjunto CFESS/CRESS e ENESSO, publicaram o documento intitulado “Sobre a Incompatibilidade entre Graduação à Distância e Serviço Social”, sendo o volume 1 publicado em 2010 e o volume 2 publicado em 2014, abordando as seguintes questões: falta de transparência e dificuldades no acesso à documentação junto às unidades de ensino à distância, projeto pedagógico incompatível com as diretrizes curriculares da ABEPSS e do MEC, tutores não assistentes sociais ou em situação irregular para o exercício profissional, o não cumprimento da lei nacional de estágio n 20 http://portal.inep.gov.br/visualizar/-/asset_publisher/6AhJ/content/matriculas-no-ensinosuperior-rescem-3-8 19 11.788/2008, da resolução n. 533/2008 do CFESS e da política nacional de estágio da ABEPSS pelo não credenciamento dos campos de estágio, listagem de estágio em discordância de informações com os fatos fiscalizados, supervisores de campo em mais de uma unidade de ensino e com excesso de estagiários, ausência de supervisão acadêmica, ausência de supervisão de campo, supervisão de campo à distância ou voluntária, supervisão acadêmica realizada por profissionais de outras áreas, carga horária de estágio inferior ao que consta no projeto pedagógico, criação de projetos de extensão para realização do estágio, funcionamento dos pólos de referência em locais inapropriados para atividades de ensino, ausência de funcionários administrativos e de biblioteca, ausência da relação entre ensino, pesquisa e extensão e assédio moral aos profissionais para a supervisão de campo. (CFESS, 2010:8-16) Mediante essa realidade, vislumbra-se que ensino à distância, reforça a lógica do processo de mercantilização do ensino superior que transmuta o direito social à educação em um serviço lucrativo, orientada pelas bases ideológicas dos organismos internacionais de expansão do ensino superior privado, demonstrando um processo de “desqualificação do processo formativo: “sem vivência acadêmica, sem a convivência com diferentes docentes e discentes (...) restrito ao contato esparso com tutores, sem a interlocução com os movimentos sociais históricos no âmbito acadêmico.” (CFESS, 2014:34). 3 - Conclusão O Serviço Social como profissão inserida na divisão sócio-técnica do trabalho é historicamente determinada pelas relações sociais estabelecidas na sociedade capitalista e pela capacidade de construir respostas ao conjunto de expressões da “questão social”, balizadas pelos princípios ético-políticos profissionais. Como tal, seu significado sociopolítico, está atento tanto ao movimento do capital, como às demandas e conquistas sociais dos trabalhadores, ou seja, aos diferentes interesses materializados em distintos projetos societários em disputa, possibilitando que a mesma (a profissão), 20 construa projetos profissionais também diversos, indissociáveis dos projetos societários em curso. Esse mesmo movimento viabiliza, cotidianamente, a construção de um Projeto Ético-Político Profissional vinculado ao projeto societário da classe trabalhadora, demarcado pelo trabalho profissional de luta por valores centrais como a liberdade, a justiça e a democracia, em contraposição aos valores que regem o projeto societário do capital. Como estratégia de enfrentamento a esta realidade social, a profissão possui alguns mecanismos de fortalecimento profissional, quais sejam: a organização política da categoria profissional, dadas pelo conjunto CFESS/CRESS que articula a categoria com o conjunto da classe trabalhadora, a legislação social que o ampara legalmente na luta pela garantia e ampliação dos direitos sociais, a legislação profissional (Código de Ética Profissional, Lei que Regulamenta a Profissão e outras) e a formação profissional, pautada nas diretrizes curriculares para os cursos de Serviço Social e nas instâncias de organização: Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social – ABEPSS e Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social - ENESSO, dentre outros. 4 - Referências ABEPSS. Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. Diretrizes gerais para o curso de Serviço Social: com base no currículo mínimo aprovado em Assembléia Geral Extraordinária de 8 de novembro de 1996. Rio de Janeiro, 1996. ___________Política Nacional de Estágio. Maio /2010. BEHRING, Elaine Rossetti. Brasil em Contrarreforma: desestruturação do Estado e perda de direitos. São Paulo: Cortez, 2003. _______Questão Social e Direitos. In: Serviço Social – Direitos Sociais e Competências Profissionais. CFESS, Brasília, 2006. CFESS. Resolução CFESS nº 493/2006 de 21 de agosto de 2006. ________Resolução CFESS nº 533/2008 de 29 de setembro de 2008. 21 _______Sobre a Inconpatibilidade entre Graduação à Distância e Serviço Social. Vol1.Brasília.2010 _______ Sobre a Inconpatibilidade entre Graduação à Distância e Serviço Social. Vol 2.Brasília.2014 BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Reforma do Estado e administração pública gerencial. Rio de Janeiro: FGV, 1998, p. 15-20. GUERRA, Yolanda D. A formação profissional frente aos desafios da intervenção e das atuais configurações do ensino público, privado e à distância. In: Revista Serviço Social e Sociedade. São Paulo: Cortez Editora.,n. 104. 2010. LEHER, Roberto. Da Ideologia do Desenvolvimento à Ideologia da Globalização: a educação como estratégia do Banco Mundial para “Alívio” da Pobreza. 1998. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – FEUSP. São Paulo, 1998. MONTAÑO, Carlos. Terceiro Setor e Questão Social:Criticas ao padrão emergente de intervenção social. São Paulo: Cortez, 2002. NETTO, José Paulo.Capitalismo Monopolista e Serviço Social. São Paulo: Cortez Editora, 1996. PEREIRA, Larissa D. Mercantilização do Ensino Superior, Educação à Distância e Serviço Social. In: Revista katálysis. Universidade Federal de Florianópolis. V. 12, n. 2009. (268-277) _______Política Educacional Brasileira e Serviço Social: do confessionalismo ao empresariamento da formação profissional. Tese de Doutorado apresentada a Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2007. 22 Desafios da Pessoa com Deficiência no Mundo do Trabalho: Breves Considerações Tatiane De Souza Luciano Ramos 21 Marcelo Nascimento De Oliveira 22 RESUMO: Esse artigo expressa resultados parciais de um estudo investigativo que constitui o Trabalho de Conclusão de Curso intitulado “A acessibilidade como precursora para o convívio social: desafios no município de Ivaiporã-PR”. Trata-se de uma pesquisa exploratória, ainda em execução, portanto os dados ora apresentados são parciais. Está organizado em três partes sintetizadas da seguinte forma: a primeira parte apresenta breves considerações acerca do processo histórico de luta da pessoa com deficiência no Brasil. Em seguida, descreve os desafios deste público e suas conquistas, ainda que tímidas, todavia voltadas ao mercado de trabalho e apropriadas pelo mundo do capital. Por fim, tece as considerações finais refletindo a acessibilidade, quando esse assunto ainda não faz parte da agenda governamental e o desrespeito a esse direito tende a ser naturalizado inclusive pelos órgãos de defesa de direitos. Palavras-chave: Pessoa com deficiência. Exclusão social. Mundo do trabalho. INTRODUÇÃO A pessoa com deficiência vive historicamente o desafio de estigma e preconceito da sociedade em não ter suas dimensões e conquistas ao longo do século XX respeitadas. Nesse sentido, a exclusão dos espaços públicos, tornase apenas mais um elemento que se agrega à exclusão dos seus direitos à convivência familiar e comunitária e o próprio direito à vida no mundo do capital onde ocorrem a produção e a reprodução das relações sociais. Compreender o processo histórico de luta da pessoa com deficiência no Brasil nos permite compreender seu processo histórico onde se principia a exclusão social deste segmento em relação aos espaços públicos que 21 Mestre em Serviço Social e Política Social pela UEL. Docente do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Maringá – Campus Regional do Vale do Ivaí – Ivaiporã-PR. 22 Acadêmica do 4º ano do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Maringá – Campus Regional do Vale do Ivaí, Ivaiporã-PR. 23 constituem as cidades. A partir desse contexto, nos surgem indagações que refletem diretamente o respeito da sociedade face às legislações que se constituem ao longo desse processo, bem como dos órgãos competentes a efetivar os dispositivos legais e a eliminação das barreiras estruturais que excluem cotidianamente a pessoa com deficiência do convívio social. Sendo esse o sentido que o trabalho expressa, constituinte de uma primeira exploração acerca da temática, nos moldes de uma pesquisa bibliográfica, buscamos aqui apresentar sínteses que contribuam com a reflexão acerca do caminho a percorrer e da atenção que o assunto requer. 1. Pessoa com deficiência: os desafios históricos para o convívio social De acordo com Silva (1987), o marco da exclusão social da pessoa com deficiência passou a ser visível em nosso País a partir do período do Brasil Colônia. Nesta época, ser deficiente era a mesma, senão a pior comparação que ser pobre e incapaz, principalmente quando essas pessoas eram advindas de famílias pobres. Enquanto para os pobres a segregação ocorria de tal forma, às pessoas com deficiência pertencentes às classes ricas ou médias eram escondidas em mansões e fazendas de seus familiares, sem nenhuma contribuição social dos demais para alterar o cenário político e social desta população (SILVA, 1987). O primeiro registro que a história nos traz sobre um olhar mais inclusivo às pessoas com deficiência no Brasil, ocorreu ainda no período imperial, com o decreto Nº 1.428, de 12 de setembro de 1854, promulgado por Dom Pedro ll, e a criação do Instituto para Meninos Cegos. É importante salientar que em meados de 1857, o Imperador Dom Pedro ll, mostrando-se propício às iniciativas do professor francês Hernest Huet, deu início ao Imperial Instituto de Surdos Mudos. Tais instituições tinham como responsabilidade permitir a meninos e meninas cegos atividades de ofício para o trabalho. 24 Destaca-se ainda, que as poucas e principiantes ações ocorridas no País até o século XIX, estiveram mais ligadas ao acolhimento de pessoas com deficiência e em situações de abandonos, ou situações oriundas de acidentes de guerra, do que aos demais espaços de participação na sociedade. A maioria desses lugares, eram tidos como depósitos de pessoas e, muito se espelhavam nos modelos de asilos europeus, numa síntese de orgulho, ufania, comiseração, caridade emocional, interesse genuíno e reconhecimento patriótico a seus heróis de guerra, mas nem se quer passaram perto de uma verdadeira reintegração junto à família ou comunidade (SILVA, 1987). Em linhas gerais, as pessoas com deficiências estiveram historicamente privadas do acesso aos meios de sobrevivência, ao direito de viver e principalmente do acesso à mobilidade nos espaços públicos da cidade. Mais do que excluídas dos espaços físicos, essas pessoas sempre estiveram privadas do direito à vida, do direito à participação e ao convívio social. Além de sofrer diretamente a tutela familiar ou institucional, que os consideram incapazes de decidirem sobre questões que os envolviam, ficando diretamente à mercê da boa vontade individual da sociedade, sem a oportunidade de opinar ou sequer apresentar propostas, politicamente, em favor de situações às quais estavam relacionadas. (LANNA & JUNIOR, 2010). Destacam-se no decorrer do século XX, mais precisamente no nos idos dos anos de 1960, movimentos que ganharam forças e que passaram a dar destaque e contribuir de forma significativa na mobilização e na luta por direitos desse segmento. Destacam-se aqui as instituições especializadas que passaram a atuar em defesa dos direitos das pessoas com deficiência, como as escolas especiais, os centros de habilitação e reabilitação, as oficinas protegidas de trabalho, clubes sociais especiais e associações desportivas especiais, dentre outras instituições. (SASSAKI, 1997). O século XX passou então a ser marcado pelas primeiras grandes conquistas para as pessoas com deficiência, principalmente sob o aspecto da legislação constitucional. A Constituição Federal (1988) trouxe regulamentações importantes para a legalização de direitos humanos, civis e sociais, voltados para 25 esse público (LANNA & JUNIOR, 2010). Destaca-se que as últimas três décadas desse século serviram de palco de luta contra o preconceito e a discriminação, buscando o direito à integração social. Muito se fez pela busca por conscientização dos direitos das pessoas com deficiência, enfatizadas principalmente pelos familiares, utilizando-se dos princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), sendo este um dos primeiros instrumentos que nortearam a ação das famílias na luta por direitos. 2. Avanços legais no âmbito do mundo do trabalho: possibilidades e desafios A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi um documento de extrema importância para embasar e dar força na luta pelos direitos da pessoa com deficiência. Salienta-se que advém de um contexto, pós-segunda guerra mundial, que ficou marcado na história com atrocidades e atos discriminatórios, que levaram alguns líderes mundiais, no ano de 1945, a elaborarem um guia, que trouxesse a perspectiva da garantia dos direitos de todas as pessoas e em todos os lugares do mundo. Tais contribuições foram detalhadas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, o que trouxe significados importantes quanto aos direitos da liberdade, da igualdade, proibindo toda forma de discriminação e partindo em defesa da justiça social, quando 50 países participaram na elaboração da redação, e o documento foi apresentado em setembro de 1948 (BRASIL, 2009). Para que esse segmento social tenha maior amplitude na efetivação dos direitos e na sua efetividade, é preciso que a sociedade em geral entenda o que significa o termo pessoa com deficiência e reconheça sua história. Nesse sentido, Maciel (2000) nos contribui que a falta de conhecimento da sociedade com relação ao termo “pessoa com deficiência”, faz com que a mesma seja entendida como uma pessoa que possui doença crônica, um peso ou um problema. O estigma da deficiência é grave, transforma pessoas cegas, surdas 26 e com deficiências mentais ou físicas em seres incapazes, indefesos, sem direitos, sempre deixados em segundo plano, principalmente nas agendas governamentais. Na perspectiva de desmistificar o preconceito e a discriminação que perpassa nas relações sociais, quanto ao conceito de pessoa com deficiência, enfatiza-se as ações da Convenção Internacional da Organização das Nações Unidas (2007), que no Brasil se tornou Decreto em 2009, trazendo alguns destaques acerca dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Dentre eles: [...] pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas. (BRASIL, 2007p. 27). A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da Organização das Nações Unidas teve seu Protocolo Facultativo assinado pelo Brasil em 2009, transformando-se no Decreto 6.949, de 25 de Agosto do mesmo ano. Esse documento nos traz a avaliação de que a desvantagem não corresponde a estrutura do corpo, mas é fruto de um processo cultural, arraigado a atitudes e práticas que discriminam o corpo por não apresentar características que condizem com o que o modelo médico propõem como normal. Ao problematizar esse estudo, bem como aos determinantes remetidos à pessoa com deficiência e mobilidade reduzida, uma das principais questões que tem sido colocada na ordem do dia se refere ao acesso ao mercado de trabalho. Uma vez que no histórico de luta desse público, observase o processo de exclusão social, ao refletirmos o mercado de trabalho, que na dinâmica do capitalismo neoliberal expressa se excludente por natureza, os desafios são ainda maiores. Arendt (2010) destaca que o trabalho é um processo histórico, que perpassa todo contexto da Revolução Industrial, sendo responsável para assegurar a vida da espécie em sociedade. Além de ser caracterizado por um processo biológico do corpo, que supre as necessidades vitais para sobrevivência humana, na sociedade moderna esse se expressa 27 como um meio a possibilitar a relação entre o homem, a natureza e o produto dessa relação que se constitui como a finalidade do trabalho. É importante ressaltar que a função primaria do trabalho, que visava usufruir dos recursos naturais para garantir a sobrevivência foi apropriada pelo modo de produção capitalista como estratégia de ampliação de lucros. Ou seja, o homem deixou de produzir apenas para sobrevivência e passou a buscar meios de acumulação de capital e obtenção de poder. Para este fim, a espécie humana utilizou-se da expropriação da mão de obra das pessoas que por não possuírem os meios de produção, apresentavam a venda da sua força de trabalho para manterem-se vivas (MARX, 1985 apud COLMÀN; POLA, 2009). Partindo desse conceito, podemos identificar o motivo das pessoas com deficiência, desde o Período Colonial, no Brasil, serem vistas como indigentes. Fica evidente que o trabalho é uma necessidade vital para sobrevivência e, diante disso, para o modelo de produção capitalista quem não está inserido no mercado de trabalho, portanto, não é agregado de valor. E muitas vezes, passa pelo processo exclusão, propiciado pelo fato de não atender aos critérios estabelecidos pela evolução industrial e tecnológica. Ao problematizar questões que envolvem o mundo do trabalho e inserção das pessoas com deficiência, entra em destaque o raciocínio de que as pessoas com deficiência eram consideradas incapazes para o mercado de trabalho, uma vez que eram vistas como fracas, incapazes e lentas, quando de repente elas passam a ser requisitadas (SOUZA; KAMIMURA, 2010). Ou seja, mesmo nesse processo “inclusivo” o que antecede à essa reflexão é que ocorre ainda uma seleção de quais os tipos de deficiência serão incluídas, uma vez que ao não corresponder os parâmetro das exigências da produção, são "naturalmente" discriminados e demitidos por evidenciarem explicitamente as contradições do sistema, desvendando sua inserção forçada e submetidas aos interesses antagônicos do capital. Além da exclusão do mundo do trabalho, Maciel (2000) nos aponta que nos estados e municípios não existe uma política efetiva de inclusão social que viabilize planos integrados de urbanização e de acessibilidade, garantindo 28 ainda a inclusão das áreas de saúde, educação, esporte, cultura e estabelecendo metas e ações, convergindo para a obtenção de um mesmo objetivo. A perspectiva nesse contexto é a de resguardar o direito das pessoas com deficiência, tendo como meta o princípio fundamental da sociedade inclusiva onde todas as pessoas com deficiência devem ter suas necessidades atendidas, levando ao entendimento de que através do respeito às diversidades, as políticas públicas serão pensadas para todos. Para que se promova uma sociedade mais inclusiva, é preciso que as leis sejam respeitadas, começando pelo cumprimento do Artigo 7º da Constituição Federal de 1988, que estabelece a proibição de qualquer tipo de discriminação no que se refere ao salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência, uma vez que o mesmo deva ser tratado como o detentor dos mesmos direitos em sociedade. (Brasil, 1988). Muito embora se assevere tal concepção de legalidade constitucional, não é o que presenciamos quando nos deparamos com os dados da Organização Internacional do Trabalho. Esses dados, publicados em (2003) nos expressam índices alarmantes, que retratam que 80% (oitenta por cento) das pessoas com deficiência nos países em desenvolvimento, se encontram em situação de desemprego, além de descrever que deste percentual 20% (vinte por cento), permanecem em empregos precários ou subempregos. (SASSAKI, 2004). Ainda que tenhamos avanços legais para este público não podemos cair no engodo de que simplesmente pela legislação teremos efetivados os direitos conquistados. Esses direitos são suprimidos e antecipados pelo capitalismo neoliberal, na tendência de imprimir aos direitos e conquistas sociais nomenclaturas como o conceito de “benefícios”. Nesse sentido, são inúmeros os desafios postos ao movimento democrático brasileiro no processo de construir e consolidar políticas públicas a fim de garantir direitos de cidadania. Considerações finais 29 Considerando as reflexões ora apresentadas, constituintes de um Trabalho de Conclusão de Curso em andamento, nossa pretensão nesse artigo foi de contribuir ao debate da categoria profissional dos assistentes sociais, quando atuam diretamente e indiretamente com a temática. Partindo do que foi exposto, destacam-se os grandes desafios da pessoa com deficiência na efetivação de seus direitos, quando os mesmos ainda são desrespeitados. Dentre tais desafios destacam-se os aspectos das ações governamentais e da sociedade civil, quando estas ainda são incipientes e conservadoras na formulação de políticas públicas voltadas para a minoria. O processo de rejeição à pessoa com deficiência é histórico, entretanto, tem se perpetuado até os dias atuais, caracterizando que a sociedade em diferentes contextos, tem realizado um processo de seleção que chega ao ponto de determinar quem vive em sociedade ou quem morre até mesmo indigente. O que nos chama ainda mais a atenção nesse sentido é quando associamos tal seleção humana, ainda que racional, aos próprios animais que a procede por instinto. As formas históricas de banimento desse segmento do convívio social, como exemplo, remetendo-as aos atendimentos exclusivos de sanatórios, das APAES, além de excluí-las do mercado de trabalho expressam o real conservadorismo histórico presente na concepção de nossa sociedade. Na atualidade, associamos que tais desrespeitos ocorrem de forma não apenas velada, mas, determinadas pelas relações de poder. Muito embora os avanços legais, as ações dos órgãos de defesa de direitos tornam-se omissas, quando o próprio Ministério Público, que deveria se mobilizar na perspectiva da defesa de direitos, de forma branda e discreta, deixa de aplicar as exigências e dispositivos constitucionais aos órgãos públicos governantas e não governamentais que não cumprem e desrespeitam a legislação. REFERÊNCIAS 30 ARENDT, Hannah A Condição Humana. Rio de Janeiro: editora Forense, 2010. BARTALOTTI, Celina Camargo. A Inclusão social das pessoas com deficiência: utopia ou possibilidade? São Paulo: Paulus, 2006. MACIEL, Maria Regia Cazzaniga. Portadores de deficiência: a questão da inclusão social. São Paulo: v.14, Junho /2000. http://www.scielo.br/scielo.php. Acesso em 11 Mai. 2015. BRASIL, País DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS DE 1948. Brasília 1998. Disponível em: portal.mj.gov.br/. Acesso em 18 Jul. de 2015. BRASIL, Nº Decreto 6.949, de 25 de agosto de 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm. Acesso em 01/06/2015. Acesso em: 10 Set. de 2015. COLMAN Evaristo, POLA Karina Dala, Trabalho em Marx e Serviço Social. Revista em serviço social v. 12 nº1 2009. LANNA, JÚNIOR Mário Cléber Martins (Comp.). História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil. - Brasília: Secretaria de Direitos Humanos. Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, 2010. SASSAKI, Romeu Kasumi. Pessoas com deficiência e os desafios da Inclusão. Revista Nacional de Reabilitação, julho/agosto de 2004. SILVA, Otto Marques da A Epopeia Ignorada A Pessoa Deficiente na História do Mundo de Ontem e de Hoje. São Paulo--CEDAS, 1987 SOUZA, Maria Rúbia de.; KAMIMURA, Ana Lúcia Martins. Pessoas com deficiência e mercado de trabalho. Sem. de Saúde do Trabalhador de Franca. 2010. Disponível em: http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=MSC00000001 12010000100024&lng=en&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 15 Sep. De 2015. A ATUAÇÃO DO(A) ASSISTENTE SOCIAL EM PROCESSOS DE ALIMENTOS: apontamentos da prática profissional. 31 Silvia Godarth Correia Silvana de Andrade Toledo Vanessa Dorada Mikoski RESUMO O presente estudo tem por objetivo apresentar o trabalho e a atuação do (a) Assistente Social nos processos de alimentos do Núcleo Integrado de Apoio Psicossocial (NIAP) das Varas de Família de Curitiba. O trabalho contemplará a contextualização do espaço sócio ocupacional, do Serviço Social sócio jurídico e uma breve abordagem acerca da atuação cotidiana dos(as) profissionais. Ainda, serão apresentados os dados dos atendimentos realizados no primeiro semestre de 2015 no NIAP e a legislação pertinente à pensão alimentícia. O artigo também versará sobre a importância do trabalho do(a) Assistente Social e os instrumentais utilizados neste campo. Palavras-chave: Serviço Social Sócio Jurídico; Pensão alimentícia; Varas de Família. O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná está dividido em primeiro e segundo grau de Jurisdição, sendo o primeiro grau o qual atende diretamente à população e o segundo grau, que atua como instância recursal. Ainda, o primeiro grau, é composto, atualmente, por 151 comarcas23, nas quais estão inseridos(as) a grande maioria dos(as) Assistentes Sociais. O campo (ou sistema) sócio jurídico diz respeito ao conjunto de áreas em que a ação do Serviço Social articula-se a ações de natureza jurídica, como o sistema judiciário, sistema penitenciário, o sistema de segurança, os sistemas de proteção e acolhimento como abrigos, internatos, conselhos de direitos, entre outros (Fávero, 2010, p. 10). 23 De acordo com dados do Ministério Público do Estado do Paraná. Disponível em <http://www.planejamento.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=2213> Acesso em 18 ago 2015. 32 A atuação profissional do(a) Assistente Social no judiciário paranaense, atualmente, se dá em varas de família, infância e juventude, violência doméstica, juizados especiais, tribunal do júri, vara de execuções penais, vara de medidas e penas alternativas, violência contra a criança, adolescente e idoso e adolescente em conflito com a lei. A equipe interdisciplinar24, que atua no Poder Judiciário, trabalha de forma a produzir relatórios, laudos e pareceres com o intuito de subsidiar a decisão judicial. Para produzir o referido documento legal, os(as) profissionais de Serviço Social dispõem de diversos instrumentos e instrumentais técnico-operativos. Especificamente acerca das Varas de Família, a equipe atua em ações de divórcio, separação judicial, reconhecimento e dissolução de união estável, investigação de paternidade, negatória de paternidade, medida cautelar de busca e apreensão, tutela, curatela, interdição e, principalmente, guarda e responsabilidade, regulamentação de visitas e alimentos. Nessas ações priorizam-se fundamentalmente as questões pertinentes à infância e adolescência. Ainda que a gama de possibilidades de intervenção nas áreas supracitadas seja vasta, a possibilidade de aproximação com os(as) usuários(as) atendidos(as), de uma forma geral, é deveras limitada, vez que a atuação profissional nas varas de família é, na maioria das vezes, pontual e limita-se a um determinado quadrante histórico, cujo objetivo é responder ao despacho judicial25. Segundo Barison (2008, p. 58), a profissão de Serviço Social está inscrita na divisão social e técnica do trabalho, ou seja, no bojo das relações sociais são construídas necessidades e expectativas de que determinadas intervenções sejam realizadas por este profissional. Planejando, gerenciando e/ou executando políticas sociais, públicas ou privadas, ou ainda, assessorando outros 24 As equipes interdisciplinares deveriam ser dotadas de Assistente Social e Psicólogo/a, contudo, em diversas comarcas, há apenas um ou outro profissional. 25 Os despachos constituem ato do juiz, juntamente com as decisões interlocutórias e as sentenças. De acordo com o artigo 162, § 3º, do Código de Processo Civil, "são despachos todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma". Note-se que os despachos de mero expediente são aqueles que não têm nenhum conteúdo decisório e, por isso, não provocam prejuízos para as partes. Tem como finalidade primordial impulsionar o processo e impedir eventuais vícios ou irregularidades. Disponível em <http://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/868/Despacho>. Acesso em 24 de agosto de 2015. 33 profissionais através da elaboração de laudos e pareceres, o assistente social se aproxima do mundo real. É neste contexto que são apresentadas a demanda de trabalho para o assistente social. O Núcleo Integrado de Apoio Psicossocial das Varas de Família – NIAP foi implantado no Fórum da Família, da Criança e do Adolescente do Foro Central – Comarca da Região Metropolitana de Curitiba em novembro de 2012, constituindo-se de uma equipe técnica multidisciplinar composta atualmente por quatro assistentes sociais e doze psicólogos, sendo que uma assistente social passou a responder como coordenadora do setor no final do mês de abril deste ano, responsabilizando-se pela distribuição interna dos atendimentos a serem realizados, além de outras atividades administrativas pertinentes à função. No primeiro semestre de 2015, foram distribuídos 978 processos para os profissionais de psicologia, 369 processos para os(as) profissionais de Serviço Social e 48 processos para a profissional que atua como coordenadora do setor, totalizando 1.395 processos. Analisando de forma mais específica a demanda de trabalho apresentada para os(as) profissionais de Serviço Social no período mencionado foram concluídos nesse período um total de 323 processos, referente as seguintes ações: Quantidade de Processos concluídos 1º Semestre 2015 – Serviço Social Processos Alimentos N.º 256 Porcentagem 79,26% 34 Alimentos/Visita 09 2,79% Alimentos/Guarda 41 12,69% Guarda 13 4,02% Interdição 04 1,24% Total 323 100% Fonte: Tabela criada pelas autoras, 2015. De acordo com os dados apresentados, afere-se que a quantidade de ações específicas de Alimentos é em porcentagem superior as demais, seguida das ações de Alimentos cumulada com Guarda; Guarda; Alimentos cumulada com Regulamentação de Visitas e Tutela. Importante salientar que os processos de pensão alimentícia, envolvem: oferta, fixação, revisão e exoneração de alimentos. O gráfico abaixo indica que, ao se considerar a porcentagem de ações de alimentos incluindo as que estão cumuladas com guarda ou regulamentação de visitas, atinge-se a marca de 94,74% dos casos atendidos. Processos Alimentos; Alimentos c/c Guarda e Regulamentação de Visitas Guarda Interdição Fonte: Gráfico criado pelas autoras, 2015. Frente ao exposto, avalia-se que o número elevado de solicitações de estudos sociais pelos magistrados nas ações de alimentos tem sido uma prática recorrente nas Varas de Família de Curitiba, concomitantemente com a especificação de outras provas, tais como: documental, oitiva de testemunhas, depoimentos, etc. 35 Deste modo, faz-se mister apontar a legislação vigente em relação a esta temática. A ação de alimentos é regulamentada pela lei 5478, de 25 de julho de 1968, pelo Código Civil de 2002 e pela Constituição Federal de 1988. A pensão alimentícia “é a quantia fixada pelo juiz a ser atendida pelo responsável para manutenção dos filhos e/ou do outro cônjuge” (SIDOU, 1999, s/p). O dever de oferecer alimentos compete à família, ou seja, aos pais, e na ausência de um deles, pode ser suprida por outros familiares mais próximos, como tios ou avós. Destarte, conforme preconizado no artigo 1696 do Código Civil de 2002, “o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros”. Ademais, o art. 1697 elucida que “na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais”. Tem direito a receber a pensão alimentícia o(a) filho(a), ex-cônjuge, excompanheiro(a) de união estável e pais, desde que comprovada a necessidade de quem solicita (SILVA, s/a), ou seja, daqueles que não tem condições de prover a própria subsistência através do seu trabalho. Conforme o §1º do art. 1694 do Código Civil de 2002, “os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”. Assim, a fixação dos alimentos deve se pautar no binômio necessidade X possibilidade. Em suma, trata-se do “equilíbrio econômico que deve haver entre credor e prestador de alimentos, ao preceituar em quais circunstâncias o necessitado pode pleitear e, em quais limites se fixam os alimentos, para quem os deve”. (SANT´ANA, s/n, s/p) Os casos atendidos pelos(as) profissionais do NIAP envolvem, em sua maioria, a fixação de alimentos em favor dos(as) filhos(as). “O cônjuge que mantém a guarda do filho, seja ele pai ou mãe, tem o direito de requerer pensão para suprir as necessidades plenas da criança. Solicitando, em juízo ou não, que o ex-companheiro colabore com os gastos de alimentação, educação, saúde, entre outros” (LOCH, s/a, s/p). 36 O poder familiar dos pais extingue-se com a maioridade civil dos(as) filhos(as), conforme consta no artigo 1635, inciso III, Código Civil. Entretanto, esta circunstância não significa que cesse a responsabilidade dos pais em prover a subsistência destes, uma vez que, não há limitação de idade estipulada em lei. Contudo, em consonância com o entendimento jurisprudencial, a pensão alimentícia pode permanecer fixada até o(a) alimentado(a) completar 24 anos de idade ou concluir o ensino superior. Ainda, deve-se considerar os casos em que os(as) alimentados(as) são acometidos de doenças incapacitantes e não apresentam possibilidades para realizar atividades laborativas e suprir a própria subsistência. Destaca-se, todavia, que a pensão alimentícia não é interrompida automaticamente e o(a) alimentante deverá ajuizar ação de exoneração de alimentos. O estudo acerca da situação socioeconômica do(a) usuário(a), neste espaço sócio ocupacional, para fins de subsídio à decisão judicial, compete ao(a) profissional Assistente Social, devido ao contido na Lei de Regulamentação da Profissão, 8662/93, Art. 4, XI: “Constituem competências do Assistente Social: (...) realizar estudos socioeconômicos com os usuários para fins de benefícios e serviços sociais juntos a órgãos da administração pública, direta ou indireta e outras entidades”. Os instrumentais técnico-operativos mais utilizados para a produção do parecer social são: entrevistas, visitas domiciliares, contatos interinstitucionais (escolas, conselhos tutelares, unidades de saúde, CRAS, CREAS, NUCRIA, etc), escuta qualificada, estudo dos autos e observações. O objetivo do estudo social, nos processos de alimentos, é realizar sucessivas aproximações com a realidade social em que as partes estão inseridas, tendo como foco da investigação a dinâmica do ex-casal, as habilidades parentais, as necessidades sociais e desenvolvimentais das crianças e adolescentes em questão. Além disso, o estudo pode abranger a avaliação da família extensa, bem como as relações com as redes sociais e comunitárias. 37 Deste modo, deverá contemplar as seguintes questões: Avaliação da condição socioeconômica das partes; Levantamento da necessidade material da criança e do adolescente; Desvelamento das relações de trabalho, comunidade e território; Inserção em projetos ou programas sociais; Histórico de saúde, educação, transporte e saneamento; Planejamentos e expectativas futuras. A guisa de considerações finais, entende-se que o trabalho do(a) Assistente Social nas demandas de alimentos, necessitam de objetivos claros e seleção de procedimentos e técnicas adequados à produção de resultados imparciais e com embasamentos ético-políticos, teórico-metodológicos e técnico-operativos, bem como deve ser consoante com o projeto ético-político da profissão. O elevado número de processos de alimentos demandados aos(as) Assistentes Sociais do NIAP demonstram a importância da atuação destes(estas) profissionais, especialmente nos casos em que as provas constantes nos autos revelam-se como insuficientes. Outrossim, a atuação do(a) Assistente Social nas Varas de Família deve levar em conta a complexidade das relações familiares e sociais, abordando esse sujeito nas diversas relações em que está inserido. Referências: BARISON, Monica Santos. O trabalho do Assistente Social no Judiciário: a realização do estudo social e a elaboração do parecer técnico. Cadernos Unifoa, edição nº 5, dezembro/2007. Disponível em: <http://web.unifoa.edu.br/cadernos/edicao/06/49.pdf>. Acesso em 11 set 2015. FÁVERO, Eunice Terezinha. O estudo social: fundamentos e particularidades de sua construção na área judiciária. In BRASIL. CFESS (org). O estudo social em perícias laudos e pareceres técnicos: contribuição ao debate no judiciário, penitenciário e na previdência social. 9 ª ed. São Paulo: Cortez, 2010. LOCH, Ralf Eduardo. Direito e justiça: mitos e verdade sobre pensão alimentícia. Disponível em < http://taboaoemfoco.com.br/direito-e-justica-mitose-verdades-sobre-pensao-alimenticia/> Acesso em 22 set 2015. 38 SANT´ANA, Adelson. Cursos gratuitos online: Direito de família – Direito a alimentos módulo II. Disponível em <http://www.jurisway.org.br/v2/cursoonline.asp?id_curso=1150&pagina=5.> Acesso em 19 set 2015. SIDOU, J. M. Othon. Dicionário Jurídico da Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 5ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. ISBN 85-218-0357-5. SILVA, Regina Beatriz Tavares. Pensão alimentícia: o que é? Quem tem direito de receber? Disponível em <http://www.reginabeatriz.com.br/escritorio/noticias/noticia.aspx?id=280> Acesso em 22 set 2015 OS PROFISSIONAIS DE SERVIÇO SOCIAL DA PUC/PR NA INSERÇÃO DO MUNDO DO TRABALHO Márcia Terezinha de Oliveira Camila Loraynne Cordeiro Guilherme Coelho do Amaral Natália de Lima Oliveira RESUMO O artigo apresenta parte da pesquisa que está sendo desenvolvida sobre a inserção profissional dos egressos do curso de Serviço Social na PUCPR compreendendo o período de 2004 à 2014. A problematização está no processo de trabalho e na inserção profissional, buscando desvelar as competências que a formação profissional proporcionou bem como as contradições vivenciadas no exercício profissional. O estudo intenciona conhecer e analisar os diferentes modos de inserção dos profissionais no mundo do trabalho. A relevância da pesquisa está na necessidade de dar continuidade ao mapeamento dos 39 egressos, visando o aprofundamento de questões de formação e de exercício profissional que possibilitem aperfeiçoar a qualificação desses profissionais como também estabelecer estratégias de enfrentamento ao processo de exploração capitalista. PALAVRAS-CHAVE: trabalho, universidade, formação profissional e exercício profissional, 1. IINTRODUÇÃO O artigo aqui apresentando, trata-se de projeto de pesquisa em andamento, que se caracteriza como segunda aproximação de estudo anterior intitulado “O processo de inserção profissional dos ex-alunos do curso de Serviço Social da PUCPR em diferentes espaços sócio ocupacionais”, realizada por docente e estudantes do curso de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Paraná em 2004. O primeiro estudo efetuou o mapeamento dos egressos do curso de Serviço Social da PUCPR durante os anos de 1993 a 2003. Nesta primeira aproximação, constatou-se que 453 (quatrocentos e cinquenta e três) estudantes graduaram-se no período de 10 (dez) anos nesta universidade, ampliando consideravelmente o corpo profissional de assistentes sociais no Paraná. A primeira aproximação verificou que 83,08 dos participantes trabalhavam na área e 16,92 não trabalhavam. No que se refere ao tempo para o ingresso no mercado de trabalho constatou-se que a média foi de aproximadamente 01(um) ano. Um dado que chamou a atenção no estudo foi que 66,15 dos profissionais não haviam participado de nenhum concurso no decorrer de 10 anos, vale lembrar do período do governo neoliberal que esteve à frente do Estado. Outra informação significativa é de que 89,23 não fizeram curso de extensão como forma de atualização profissional, acredita-se que seja pelo fato da inexistência de oferta de cursos desta natureza pelas unidades de ensino, que nos últimos anos tem investido na área de especialização e no stricto sensu. Com relação a faixa salarial detectou-se que 46,16% dos profissionais recebem de 05 a 06 salários mínimos. 40 Com relação a participação política o dado evidenciado é preocupante visto que 73,85% não se inserem em atividades desta natureza, ou seja não estão inclusos em conselhos gestores de políticas públicas, de ações de organização da categoria e outros. No que tange as áreas de atuação que absorveram os profissionais se constatou, nos resultados da pesquisa, que 26,15% dos egressos foram para a área da Assistência Social. Na área da Educação foram 4,62%. Na Saúde o percentual foi de 6,15%, e na Saúde/ Hospitalar 13,85%. Na área Organizacional/ Empresarial foram contratados 6,15%. Na área da Criança e Adolescente o percentual foi de 9,23%. No Terceiro Setor foram 1,54%. Na área de Meio Ambiente teve o percentual de 3,08%. Em outras áreas 6,15% e os que não foram para nenhuma área de atuação 23,08%. A fim de dar continuidade à pesquisa anterior, transpondo-a para a década de 2004 a 2014, este projeto se compromete com a investigação e a contribuição em torno do debate sobre as formas de inserção profissional do Serviço Social, em suas distintas áreas de atuação. Ressalta-se que são incipientes estudos desta natureza voltados para os egressos de diferentes Cursos de Graduação de Serviço Social no contexto brasileiro como de outros cursos na PUCPR, o que dificulta e limita as coordenações de cursos possuírem uma visão real e clara do perfil dos profissionais que estão formando e como ingressam no mundo do trabalho, sendo que para debater e atualizar matrizes curriculares se faz necessário este conhecimento e não somente o perfil do que queremos atingir. Deste modo estabelecemos como objetivos: conhecer e analisar as particularidades do processo de inserção profissional dos egressos do Curso de Serviço Social da PUCPR, visando também contribuir para o adensamento e desvelamento do debate teórico sobre o processo de trabalho do Serviço Social junto a formação e ao exercício profissional. Como objetivos específicos temos: Atualizar o mapeamento da inserção profissional dos egressos do Curso de Serviço Social da PUCPR em diferentes setores nos últimos 10 anos; 41 Identificar e analisar os diferentes modos de inserção dos egressos do Serviço Social no mercado de trabalho; Descrever o significado para os egressos da formação continuada como a realização de cursos de atualização profissional, Lato Sensu e Stricto Sensu; Avaliar as situações de vulnerabilidade ou de precarização do trabalho em que se submetem ou que aderem, os egressos; Verificar a proporção de egressos que assumiram ativamente uma participação política e ética junto aos órgãos da categoria, bem como junto ao fortalecimento das políticas públicas Os caminhos metodológicos adotados na execução da pesquisa, são de natureza qualitativa, o universo da pesquisa é de 457 egressos e uma amostragem, de caráter intencional, em virtude da determinação do recorte cronológico estabelecido para o estudo, contudo em um segundo momento da pesquisa utilizar-se a amostra não probabilística utilizada quando o pesquisador quer obter a opinião de certas pessoas, não necessariamente representativas do universo todo, mas de parte dele. A pesquisa também é de caráter documental com fontes primarias e secundários. O estudo está sendo subsidiado por meio de pesquisa bibliográfica, visando aprofundamento teórico necessário a compreensão de categorias relacionadas ao processo de formação, exercício profissional e do mundo do trabalho. A coleta de dados está sendo efetuada por questionário eletrônico para o universo da pesquisa, como também fará uso de grupos focais, sendo que serão selecionados para os grupos focais cerca de 05 (cinco) profissionais de cada turma que se formou no período pesquisado. Para análise dos dados será utilizada a análise de conteúdo, cujo método oportunizará identificar o objeto de pesquisa através de: organização dos dados, categorização, inferência e interpretação dos mesmos, visando a extrair a riqueza do material coletado com ênfase nos dados qualitativos. 42 2. FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL Ao analisar as mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais que vêm ocorrendo ao longo do século XXI no Brasil, é importante destacar a transição político-ideológica que o país atravessou em meados dos anos 2000. Tal mudança configurou a tentativa de uma nova ótica de governo, com bases democráticas e populares e com ênfase interventiva no que tange à proteção social, fator que acarretou na elaboração e ampliação de políticas públicas. Nesta contextualização temos que dimensionar o processo de formação profissional do Serviço Social ocorrido no decorrer da década pesquisada, considerando a implantação das Diretrizes Curriculares da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social/ABEPSS concluída em 2000, que estabeleceu novos princípios e normativas voltadas para a formação sócio histórica- crítica com base no Marxismo, rompendo com o paradigma de cunho conservador na área do Serviço Social. Essa perspectiva sócia histórica- crítica foi devidamente aprovada no ano de 2001 pelo Ministério de Educação/MEC, o qual estabeleceu prazos de inserção do Currículo Mínimo nos cursos de Serviço Social, em todo território nacional. Concomitantemente a esse contexto já ocorria na PUCPR um reordenamento institucional que determinou a revisão de todas as matrizes curriculares das graduações. Isso contribuiu significativamente para o Serviço Social agilizar e implantar as Diretrizes Curriculares exigidas pela ABEPSS e MEC. Como também a sua constante atualização sendo a última ocorrida em 2013. A partir dessa configuração o processo de formação profissional passou por uma resignificação teórica-metodológica e ética dos profissionais formados na PUCPR, alinhando com uma perspectiva voltada para a investigação e intervenção crítica visando o enfrentamento e a superação de diferentes manifestações e expressões da questão social, a qual se tornou matéria prima de atuação profissional. Outro aspecto ressaltado e extremamente preocupante é a intensidade que a precarização do mundo do trabalho tem atingido diferentes 43 trabalhadores, entre eles os profissionais de serviço social, os quais tem se submetido a baixos salários, péssimas condições de trabalho sendo que em algumas organizações tem promovido desvio de funções. Além disso, como agravante é o acesso ao trabalho por meio de licitações públicas cujos salários são muito baixos, visto que os profissionais contratados são aqueles que propõem os menores salários. A graduação profissional da PUCPR tem proporcionado uma formação profissional cujas competências e qualificações vem assegurando melhores condições de inserção do mundo do trabalho? O campo de investigação do tema possibilita o aprofundamento sobre o debate da formação profissional no aspecto ético-político, teórico- metodológico e técnico-operativo. São essas as três dimensões da profissão são fundamentais para sedimentar o projeto profissional. Segundo Iamamoto (2011, p. 224), Esse projeto profissional é fruto da organização social da categoria e de sua qualificação teórica e política, construído no embate entre distintos projetos de sociedade que se refratam no seu interior. Eles redundam em diferenciadas perspectivas de leitura do significado social do Serviço Social, que reverberam na condução e operacionalização do trabalho profissional. 3. A QUESTÃO DA CATEGORIA TRABALHO A centralidade da categoria trabalho já estava presente na profissão nas discussões de 1982, visto os estudos sobre o processo capitalista de trabalho, seus elementos materiais e subjetivos, meios, objeto de trabalho, o que é atividade do trabalho, suas formas mais comuns, suas particularidades na sociedade capitalista. Atualmente o debate sobre a categoria trabalho mantém lastro e amplitude visto que conseguimos apreender a realidade capitalista, o caráter contraditório do serviço social indissociável das relações de produção e com 44 o Estado, como se efetiva o antagonismo entre as classes, o movimento do capital que cria e recria a mais valias, esta perspectiva de análise permitiu o rompimento com os fundamentos conservadores e deterministas possibilitando a aproximação do Serviço Social com o marxismo. O trabalho é considerado categoria fundante do mundo dos homens, porque é a partir dele que “o homem domina a natureza e demonstra a sua atividade criadora, a sua habilidade de persistência na satisfação de suas necessidades” (Simionatto, 1999: 10). Cabe aqui salientar, a substituição crescente da força de trabalho humana pelo aparato tecnológico, terceirização de grandes parcelas de produção para pequenas empresas, ajustes econômicos exigidos pelo capital internacional aos estados nacionais, o que resultou num impacto recessivo com crescente desemprego, articulado ao enfraquecimento dos movimentos dos trabalhadores que, ao longo dos anos, integraram-se à racionalidade funcional da ordem capitalista. Estas rearticulações do capital, transnacionalizado, impuseram um novo contingente no processo de acumulação do capital e sua reprodução, confrontando-se com o estado regulacionista e com os pactos democratizadores de proteção social, pois, suas novas formas de acumulação em seu estágio mais “avançado” revertem em precarização e banalização do próprio trabalho. A empresa já não tem vínculo formal com seus trabalhadores, cabendo a estes a satisfação de suas necessidades no mercado. Diante do acima exposto, desmonta-se gradativamente todo o aparato de garantias burocrático-jurídicas sob as quais o estado nacional foi constituindose, conquistadas como garantias à força de trabalho ao longo dos anos, sendo que a nova configuração do mundo do trabalho tende a rebaixar as conquistas políticas de proteção social aos trabalhadores. O capitalismo mundial implementou um vastíssimo processo de reestruturação, auxiliado pelo incremento tecnológico e informacional, 45 enfraquecimento dos movimentos operários, desmantelamento do bloco soviético, predominando assim o modelo globalizante do capital. O projeto político-econômico e social adotado pelos últimos governos brasileiros até então, demonstra claramente a subordinação da ação política estatal aos acordos firmados com os organismos do capitalismo internacional, com as privatizações de empresas públicas de serviços essenciais, política de redução de gastos públicos, principalmente nas políticas sociais, concessão dos serviços públicos à exploração privada e sucateamento do aparato burocrático-jurídico estatal. É certo que o declínio do emprego e dos salários hoje, está na sociedade global, criando novas e polarizantes forma de desigualdade, como constatase na Europa e em outros continentes. A algum tempo é utilizado o conceito de empregabilidade que representa uma nova tradução da teoria do capital humano sob, o capitalismo global – a educação ou aquisição (consumo) de novos saberes, competências e credenciais que habilitam apenas o indivíduo (ALVES, 2001) para a competição num mercado cada vez mais restrito, não garantindo sua inclusão. Enfim, a mera posse de novas qualificações não garante ao indivíduo um emprego no mundo trabalho. Trata-se apenas de mais um aparato capitalista de fundo ideológico, e de uma lógica perversa que coloca a responsabilidade da empregabilidade apenas no indivíduo. 4. ANÁLISE Considerando que a pesquisa está em desenvolvimento, podemos apresentar alguns dados selecionados em caráter preliminar visto que obtevese como retorno até aqui, de 5% por cento dos questionários eletrônicos. 46 47 Com relação aos dados preliminares obtidos, verificamos que a predomina a área de atuação da Política de Assistência Social, como na pesquisa anterior. A questão da renda demonstra ainda a precarização nos rendimentos salariais da classe trabalhadora. No entanto o que é mais preocupante a partir das descobertas até o momento é a informação de que 71,4% não participam de movimentos de lutas junto a órgãos da categoria, como também de fortalecimento das políticas públicas, demonstrado que aspecto deverá ser aprofundado no prosseguimento da pesquisa por meio dos grupos focais. 5. CONCLUSÃO Como considerações apreendidas até o momento, visto que a pesquisa ainda não foi concluída, buscaremos sinalizar algumas aproximações iniciais, como a oportunidade que estudo está possibilitando no aprofundamento do processo de formação profissional do Serviço Social, como também refletir sobre o exercício profissional no atual mundo do trabalho. Tem sido um convívio de aprendizado entre os participantes responsáveis pela pesquisa, seja no âmbito teórico, como também nas descobertas tecnológicas para uso de pesquisas no campo social. Por último os primeiros dados que chegaram até nós, nos surpreenderam mesmo que estejam ainda em um patamar inicial, como o 48 tempo de inserção dos participantes na área profissional que não ultrapassou mais que um ano, e de modo significativo a maioria respondeu 03 a 04 meses. 6. REFERÊNCIAS ALVES, Giovanni. O novo e precário mundo do trabalho. Boitempo Editorial, São Paulo,2000. ANTUNES, R. Os Sentidos do Trabalho – ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. Boitempo Editorial, São Paulo, 1999. BRENNER, R. A Crise Emergente do Capitalismo Mundial: do Neoliberalismo à Depressão? IN: Outubro, nº 03, Xamã, São Paulo, 1999. DRAIBE, S. As Políticas Sociais e o Neoliberalismo. IN: Revista da USP, nº 167, São Paulo, 1993. HARVEY,D. A Condição Pós-Moderna. 5ª ed., Edições Loyola, São Paulo,1992. IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na Contemporaneidade – Trabalho e Formação Profissional, 2ª ed., Cortez, São Paulo, 1999. __________ . Produção e Emprego: renascer das cinzas. IN: NETTO, J.P. Transformações Societárias – Notas para uma análise prospectiva e perspectiva da profissão no Brasil. Revista Serviço Social & Sociedade, n.º 50, São Paulo, 1996. SIMIONATTO, I. Crise, Reforma do Estado e as Políticas Públicas: Implicações para a Sociedade Civil e a Profissão. Internet. SERRA, R.M.S. (org.) O Serviço Social e seus Empregadores – O Mercado de Trabalho nos Órgãos Públicos, Empresas e Entidades sem Fins Lucrativos no Estado do Rio de Janeiro, UERJ/FSS, Rio de Janeiro, 1998. 49 DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR À LUZ DA QUESTÃO SOCIAL Ana Margarida Linhares Soares26 Izabel Herika Gomes Matias Cronemberger27 RESUMO O ambiente familiar é o local mais adequado para o desenvolvimento físico e psicológico de crianças e adolescentes, constituindo-se como o primeiro espaço de socialização dos indivíduos. A presente reflexão analisa a destituição do poder familiar como expressão da questão social. O estudo constata que as expressões da questão social influenciam na destituição do poder familiar, apontando ainda a responsabilização imputada às famílias, desprendida pela desproteção do Estado e a não garantia da efetivação de direitos já adquiridos. 26 Assistente Social. Tecnóloga em Recursos Humanos. Assistente Social do Instituto de Previdência dos Servidores do Município de Teresina (IPMT). Discente de Pós-Graduação em Gestão Social: Políticas Públicas, Saúde e Assistência Social. E-mail: [email protected] 27 Assistente Social. Assistente Social do CEIR. Especialista em Administração de Recursos Humanos pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Mestra em Políticas Públicas (UFPI). Doutoranda do Programa de Mestrado e Doutorado em Políticas Públicas (UFPI). Docente do Curso de Serviço Social da Faculdade Santo Agostinho (FSA). E-mail: [email protected] 50 Palavras-chave: Questão Social. Família. Destituição do Poder Familiar. ABSTRACT The family environment is the most appropriate location for the physical and psychological development of children and adolescents, establishing itself as the first space of socialization of individuals. This reflection analyzes the destitution of the family power as an expression of the social issues. The study finds that the expressions of the social issue influence the destitution of the family power, still pointing accountability attributed to families, detached unguarded state and no guarantee of enforcing rights already acquired . Keywords: Social Issues. Family. Destitution of Family Power. I CONSIDERAÇÕES INICIAIS A temática “destituição do poder familiar à luz da questão social” está entrelaçada com o entendimento de que, ao se aplicar essa medida, torna-se necessário analisar o contexto em que os indivíduos estão inseridos, pois a destituição do poder familiar é uma medida protetiva que visa resguardar as crianças e os adolescentes de situações que afetem a sua integridade física e psicológica. Entende-se que a perda do poder familiar é uma medida extrema que só acontece em último caso. No entanto, é de suma importância discuti-la, compreendendo que ela pode ser influenciada por causa das expressões da questão social ocasionadas pelo sistema capitalista, pela falta de políticas públicas eficazes e por programas sociais que visam soluções de caráter paliativo. 51 As reflexões ora suscitadas almejam fomentar olhares diferenciados à temática, com o intuito de agregar conhecimento e visibilizar que as dinâmicas familiares mudaram e que a expansão do capitalismo fez com que as expressões da questão social se ampliassem. Com isso, torna-se imprescindível que o Estado garanta condições mínimas de sobrevivência para as famílias mais afetadas pelas consequências do sistema capitalista, entendendo que não existem famílias desestruturadas, mas, sim, novas dinâmicas familiares que precisam ser respeitadas, bem como ter seus direitos assegurados no intuito de não sofrerem com medidas severas como a destituição do poder familiar. II AS EXPRESSÕES DA QUESTÃO SOCIAL E A REALIDADE NO BRASIL A discussão sobre as expressões da questão social no Brasil remete à ausência e à presença de uma renda, de um salário. No entanto, é essencial entender que a questão social não se reduz apenas ao valor da renda dos indivíduos, ela se refere a múltiplos fatores como privação dos direitos, de atendimento, de salários, de trabalho e de moradia. Privações essas que afetam diretamente as crianças e os adolescentes (SANTOS, 2012). Vale ressaltar que no período da Velha República (1889-1930), no Brasil, existiam duas formas de tratamento desempenhado pelo Estado à questão social, que eram: ora como caso de polícia, ora como caso de política. A questão como caso de polícia tinha como objetivo coibir os movimentos sociais que “atrapalhavam” o governo do país, que reprimia qualquer forma de greve, de protesto ou de comportamento que expressasse opiniões contrárias às das classes dominantes. Segundo Chalhoub (2001 apud BARISON, 2013, p. 48): Ao serem estigmatizados pelas autoridades policiais e judiciárias como “vadios”, “promíscuos”, “desordeiros” podem se ver arremessados, repentinamente, ao xilindró, onde seriam supostamente “corrigidos” – vale dizer, transformados em trabalhadores, por mais inverossímil que isto possa parecer. 52 A partir de 1930, a questão social passou a ser tratada como caso de política, pois as demandas sociais começaram a ter a atenção devida dos governantes, através de políticas trabalhistas. Com isso, a questão social deixou de ser vista como uma problemática de ordem moral para ser vista sob uma perspectiva política, no intuito de minimizar os danos causados com a expansão do capitalismo e a manutenção da ordem social (BARISON, 2013). A questão social no Brasil vem se ampliando em decorrência das consequências e da violência existentes no sistema capitalista, que afetam diretamente a vida dos indivíduos, sejam eles pais, crianças ou adolescentes. Vale ressaltar que as desigualdades são provocadas e ampliadas por esse sistema que tem como objetivo atender aos interesses da minoria, à obtenção de lucro, à expansão do mercado, à exploração do proletariado, à compra da força de trabalho e à manutenção de uma classe dominante (NETTO; BRAZ, 2010). É possível destacar, também, que o sistema capitalista é marcado por interesses diversos, má divisão de renda, conchaves políticos, conflitos de classes, condições de vidas antagônicas, instabilidade no trabalho. Apesar de todas as dificuldades enfrentadas pelos indivíduos no cotidiano, é nos vínculos afetivos que os sujeitos buscam apoio e se sentem acolhidos, por isso, é importante não deixar que os laços afetivos se enfraquecerem (FÁVERO, 2007). III A FAMÍLIA E A REALIDADE CONTEMPORÂNEA As famílias foram se modificando com o passar do tempo, e com isso a família chamada de “ideal” ou “estruturada”, na realidade, tem sua base histórica fixada em controvérsias veladas por uma falsa moral, por opressões de raça e de gênero. Engels (2005, p. 31) relata: “[...] o círculo compreendido na união conjugal comum, e que era muito amplo em sua origem, se estreita pouco a pouco até que, por fim, abrange exclusivamente o casal isolado, que predomina hoje”. 53 Ao se falar em família, é de suma importância levar em consideração os aspectos históricos e culturais na formação social. Com isso, é necessário que os vários profissionais que trabalham diretamente com família compreendam suas composições, pois a família ainda hoje é vista por muitos profissionais como uma estrutura fechada, compostas por pai, mãe e filhos, vivendo em uma casa (COSTA, 2011). Deve-se romper com a ideia de que a família nuclear burguesa é a única correta e perfeita, capaz de criar indivíduos moralmente corretos, sem desvios em sua ética. É de suma importância aceitar que, na contemporaneidade, as famílias têm suas particularidades e composições. Para entender melhor esses tipos de famílias existentes na contemporaneidade, Kaslow (2001 apud SZYMANSKI, 2002, p. 23) faz uma breve explicação sobre os noves tipos de composição que podem ser consideradas famílias: Família nuclear, incluindo duas gerações, com filhos biológicos; famílias extensas, incluindo três ou quatro gerações; famílias adotivas temporárias (Foster); famílias adotivas, que podem ser bi-raciais ou multiculturais; casais; famílias monoparentais, chefiadas por pai ou mãe; casais homossexuais com ou sem crianças; famílias reconstituídas depois do divórcio; várias pessoas vivendo juntas, sem laços legais, mas com forte compromisso mútuo. Com tanta diversidade, é necessário desconstruir a ideia de uma única forma de família e começar a expandir o olhar para as novas formas. Trazer à luz um novo olhar sobre o lócus familiar sem ideias preconcebidas torna-se fundamental para perceber as novas formas de famílias existentes na atualidade, e analisar que no cotidiano da vida familiar “[...] as trocas afetivas na família imprimem marcas que as pessoas carregam a vida toda, definindo direções no modo de ser com os outros afetivamente e no modo de agir com as pessoas” (SZYMANSKI, 2002, p. 12). Dessa forma, torna-se importante entender que a vida em família não pode ser separada do mundo, das transformações que ocorrem nele, das suas transições, do seu desenvolvimento, da criação de novos valores e da exclusão de velhos. Afinal a família, independentemente de sua estrutura, serve de base 54 para a formação dos indivíduos; é a primeira instância que o ser humano tem contato e por isso deve ser preservada a qualquer custo (SZYMANSKI, 2002). IV DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR À LUZ DA QUESTÃO SOCIAL Faz-se necessário entender que “[...] a expressão poder familiar adotada pelo Código Civil corresponde ao antigo pátrio poder.” (DIAS, 2013, p. 434). Termo esse que foi trocado a partir dos movimentos feministas e com a emancipação da mulher, porque o termo tinha uma conotação machista, “[...] pois o mesmo só menciona o poder do pai com relação aos filhos” (DIAS, 2013, p. 434). Com a mudança de nomenclatura, pretendeu-se alargar o entendimento de que o termo poder familiar acarreta um conjunto de direitos e de deveres dos pais perante os filhos (crianças e adolescentes), visando a protegê-los. Para Rodrigues (2004, p. 307), “[...] poder familiar é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, em relação à pessoa e aos bens dos filhos não emancipados, tendo em vista a proteção destes”. Aos pais são exigidas todas as responsabilidades sobre a proteção dos filhos e com isso fica velado que a perda do poder familiar, muitas vezes, ocorre de um abandono que parte primeiro do Estado e, por isso, “[...] em decorrência sobre tudo da carência social e econômica, ainda que esta nem sempre apareça explicitamente como fator condicionante [...]” (FÁVERO, 2007, p. 16), elas são as grandes causadoras das retiradas de crianças e de adolescentes dos seus lares por instâncias do Poder Judiciário. Para Diniz (2014), o Estado, precisa ser parceiro dos pais, assegurando os mínimos necessários para a sobrevivência dos indivíduos, garantindo direitos provenientes ao bem-estar das crianças e dos adolescentes, no intuito de facilitar a missão dos pais quanto à criação e formação do caráter e da espiritualidade dos filhos, e a corrigi-los, através de castigos quando for necessário. Castigo esse previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente e na 55 Lei de n. 13.010 sancionada pela presidenta Dilma Rousseff, em junho de 2014, popularmente conhecida como Lei da Palmada, ou Lei Menino Bernardo28, que acrescenta ao ECA (1990) os artigos 18-A, 18-B e 70-A, visando proibir castigos físicos moderados. O que se pretende com essa Lei é que os pais, mesmo legitimados a castigar os filhos, sejam cautelosos para que os castigos não virem torturas ou posturas abusivas. Entende-se, como assevera Aguera; Cavalli; Oliveira (2010), que é importante que o Estado efetive leis que protejam as crianças e os adolescentes, porém, torna-se necessário que a família como um todo receba mais atenção do Estado e que este não seja omisso quanto a sua responsabilidade em efetivar políticas públicas que atendam, de fato, às necessidades das famílias. Afinal, o núcleo familiar deve ser protegido, uma vez que, as famílias são vítimas da exclusão e da falta de proteção, pois vivem em uma sociedade marcada pelo capitalismo, em que o importante é o ter e não o ser. Percebe-se que com a desproteção do Estado e com as oportunidades desiguais para os indivíduos que “[...] por detrás de uma criança abandonada existe uma família que foi primeiramente abandonada e excluída socialmente [...]” (AGUERA; CAVALLI; OLIVEIRA, 2010, p. 6). Com isso, refletir, questionar e analisar os fatos é a melhor forma de agir, tendo como objetivo minimizar os riscos para os indivíduos, pois através do questionamento é possível desvelar o que está além do aparente. É preciso entender que a destituição do poder familiar só ocorre em casos extremos e, por isso, compreender o que causa a perda do poder familiar é importante para se desenvolver um trabalho preventivo (FÁVERO, 2007). 28 A medida visa garantir o direito de uma criança ou jovem de ser educado sem o uso de castigos corporais. Atualmente, a Lei 8.069, que institui o ECA, condena maus-tratos contra a criança e o adolescente, mas não define se os maus-tratos seriam físicos ou morais. Com as alterações, o artigo 18 passa a definir “castigo corporal” como “ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em dor ou lesão à criança ou adolescente”. Para os infratores, as penas são advertências, encaminhamento a programas de proteção à família e orientação psicológica. A lei traz as mesmas penas já previstas no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) para os pais, mães e cuidadores de crianças e adolescentes, visando justamente impedir os maus-tratos contra elas, vítimas diárias da intolerância, da ignorância e da prepotência de adultos (MOREIRA; TREVIZANI, 2014, p. 4). 56 V CONSIDERAÇÕES FINAIS Trazer à tona a temática destituição do poder familiar à luz da questão social faz com que seja abordada a realidade de pais, de crianças e de adolescentes que convivem diariamente com a privação e a negação de direitos já adquiridos. Com isso, buscou-se compreender a importância da família e apontar os novos tipos de famílias existentes na contemporaneidade, no intuito de afirmar que, independente do formato, o núcleo familiar é um local de proteção, de cuidado, e que funciona como um pilar de sustentação, porém necessita ser primeiro amparado e protegido por políticas públicas. Ciente dessa realidade, as expressões da questão social interferem na destituição do poder familiar, e observa-se, ainda, que é necessário que o Estado garanta proteção às crianças e aos adolescentes e, por conseguinte, às suas famílias, que na maioria das vezes, vivem em condições de vulnerabilidade, evitando que medidas como a destituição do poder familiar não sejam efetivadas. Contudo, pode-se perceber que é exigido dos pais o cumprimento dos seus deveres para com seus filhos, mas para que isso ocorra é necessário que o Estado garanta o cumprimento dos direitos já adquiridos seja por programas sociais e de políticas públicas que visem à garantia dos direitos de crianças e de adolescentes. Afirma-se ainda a necessidade de aprofundar as pesquisas nesse tema, por se tratar de assunto pertinente à sociedade, diante do recuo do papel do Estado em não garantir para muitas famílias condições mínimas de sobrevivência, deixando-as expostas às adversidades presentes no cotidiano. REFERÊNCIAS AGUERA, C. S; CAVALLI, M; OLIVEIRA, J. A. A destituição do poder familiar na perspectiva da família abandonada, 2010. Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php>. Acesso em: 4 out. 2014. BARISON, M. S. Caso de polícia: reflexões sobre a questão social e a primeira República, 2013. Disponível em: 57 <http://web.unifoa.edu.br/cadernos/edicao/22/43-51.pdf>. Acesso em: 30 ago. 2014. ______. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, DF: 1990. COSTA, A. C. G. da. A família como questão social no Brasil. In: KALOUSTIAN, S. M. (Org.). Família Brasileira, a base de tudo. São Paulo: Cortez, 2011. p. 19-25. DIAS, M. B. Manual de Direito das Famílias. 9. ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2013. DINIZ, M. H. Curso de Direito Civil Brasileiro: 5. Direito de família. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. ENGELS, F. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 17. ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 2005. FÁVERO, E. T. Questão Social e perda do poder familiar. 1. ed. São Paulo: Veras, 2007. MOREIRA, L. M. R ; TREVIZANI, G. B. Lei da Palmada: Educai as crianças para que não seja necessário punir os adultos, 2014. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12407 >. Acesso em: 10 dez. 2014. P. NETTO, J.; BRAZ, M. Economia Política: uma introdução crítica. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2010. RODRIGUES, S. Direito Civil. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. SANTOS, J. S. “Questão Social”: Particularidades no Brasil. 1. ed. São Paulo: Cortez, 2012. SZYMANSKI, H. Viver em família como experiência de cuidado mútuo: desafios de um mundo em mudança. Revista Serviço Social e Sociedade. São Paulo: Cortez, n. 71, p. 9-25, set. 2002. 58 SIGILO PROFISSIONAL: BREVES CONSIDERAÇÕES PARA O COTIDIANO PROFISSIONAL Marcelo Nascimento de Oliveira 29 Olegna de Souza Guedes 30 RESUMO Um dos grandes desafios que permeia hoje o cotidiano de atuação do assistente social se refere ao sigilo profissional. Com as diferentes dimensões do trabalho nas equipes multiprofissionais, esse assunto adquire maior significado ainda. Refleti-lo na dimensão do cotidiano a partir dos instrumentos de regulamentação da profissão, nas atribuições e competências, enriquece tal reflexão e nos permite afirmar a indissociabilidade entre o sigilo e a ética profissional. Este artigo foi construído a partir de uma primeira aproximação ao tema e organizado a partir de dois eixos: considerações sobre a dimensão crítica do exercício profissional e o sigilo profissional como uma das dimensões da ética profissional. Palavras-chave: Exercício Profissional. Ética Profissional. Sigilo. 29 Mestre em Serviço Social e Política Social pela UEL. Docente do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Maringá – Campus Regional do Vale do Ivaí – Ivaiporã-PR. Coordenador do Conselho Regional de Serviço Social – CRESS 11ª Região / Seccional de Londrina. 30 Doutora em Serviço Social pela PUC-SP. Docente do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina. 59 INTRODUÇÃO Nos marcos do capitalismo contemporâneo, e as dimensões políticas e sociais que sobre ele se erigem, grandes são desafios postos ao assistente social nos diferentes espaços sociocupacionais que tendem a ser pulverizados por ações fragmentadas, pela precarização das condições de trabalho, pelas dimensões do imediatismo presente na gestão das políticas públicas ou diante de exigências dos empregadores e, ainda, próprio profissional na perda de identidade com a profissão e no distanciamento de seu reconhecimento como classe trabalhadora. Uma das tendências que retrata estas refrações da conjuntura econômica e politica no cotidiano do trabalho dos assistentes sociais é a que insiste em naturalizar a questão social e afirmar ações profissionais sob a lógica de “casos” e “problemas sociais”. É, também, uma tendência que nos coloca diante de dilemas e equívocos, como a fragilidade da luta coletiva; o não aprofundamento da perspectiva crítica que tem, como uma de suas consequências, o imediatismo no exercício profissional e a perda do que efetivamente se caracteriza como objeto de trabalho do assistente social. Estes fatores têm como uma de suas manifestações as dificuldades em caracterizar e dar trato ético ao material sigiloso decorrente do atendimento do assistente social. Dificuldades que aparecem dissolvidas, muitas vezes, sob a égide da reprodução do discurso de que a atuação no trabalho multiprofissional e interdisciplinar não o requer, ou da própria ausência da consciência desse material; para além da dificuldade em decidir qual o instrumento correto a se utilizar sob sua autonomia profissional. É a partir deste marco que o presente artigo, resultado de uma primeira aproximação a este tema, aos moldes de uma pesquisa exploratória, foi construído com suporte bibliográfico para refletir sobre registros empíricos da vivência junto a Comissão de Fiscalização e Orientação do CRESS-PR, 60 pretende apresentar alguns elementos para problematizar o Sigilo Profissional do assistente social. Uma exigência ética, normativa, que se materializada no cotidiano profissional dos assistentes sociais, na organização e na concreticidade do seu trabalho profissional, numa perspectiva de totalidade. 1. Exercício profissional do assistente social: considerações sobre sua dimensão crítica O Serviço Social como profissão, cuja gênese o circunscreve como emergente das contradições engendradas nas relações de produção e na reprodução da sociedade capitalista principia-se em práticas interventivas, diante de necessidades de sua legitimação enquanto profissão (COELHO, 2014). Em seu amadurecimento, iremos encontrar uma profissão “organicamente vinculada às configurações estruturais e conjunturais da 'questão social' e às formas históricas de seu enfrentamento, que são permeadas pela ação dos trabalhadores, do capital e do Estado”. (ABESS/CEDEPSS, 1996, p. 154). Uma profissão cuja regulamentação a circunscreve com estatuto crítico que se materializa em atribuições e competências delimitadas na Lei de regulamentação, Lei, 8.662/1993 (BRASIL, 1993); nas Diretrizes Curriculares do Curso de Serviço Social de 1996 e no Código de Ética de 1993. A clareza teórica com relação a estes aspectos que afirmam a materialização de uma perspectiva crítica, fundada na necessária direção política para as práticas profissionais, não nos isenta de cair no engodo de inferirmos a reprodução de práticas profissionais de cunho conservador. Daí a importância da análise do cotidiano profissional. É nele que os assistentes sociais se deparam com situações que exigem autocríticas. Ele é o lócus privilegiado que permite historicamente a profissão se rever profissional e socialmente. E, para esse exercício, torna-se fundamental o debate da ética profissional e das atribuições e competências profissionais. E é partir destes 61 que se deve apreender as dimensões do sigilo no âmbito do exercício profissional. 2. Sigilo: desafios na captura do seu significado em relação à ética profissional As referências ao Sigilo Profissional sempre estiveram presentes na trajetória da profissão e está materializado, como exigência ética desde a formulação do primeiro Código de Ética Profissional dos assistentes sociais (1947). Contudo, aparecia sobre o nome de “Segredo”. A este respeito, Oliveira (2011) considera que: A palavra Segredo nos remete a idéia de uma relação mais informal e coloquial, relativa às relações pessoais, familiares e de amizade. O termo Sigilo já nos traz a idéia de uma relação técnica e formal, tendo em vista que a relação do Assistente Social com o usuário é uma relação profissional e não uma relação informal ou de amizade, mesmo que o Assistente Social em sua atuação profissional estabeleça com o usuário um vínculo de confiança, proximidade e empatia. O termo Segredo pode nos remeter a uma noção moralista das condições de vida da população usuária, tendo em vista seu caráter mais informal. (OLIVEIRA, 2011 p. 27). Ao retratar tais concepções, a autora faz considerações sobre a etimologia dos termos para demonstrar a construção dos seus significados. À medida que ocorrem alterações nos campos político, econômico e social, cada momento histórico na construção dos documentos também converge para projetos éticos e políticos no seio da profissão, que imprimem à categoria, formas diversas de interpretar a dimensão do sigilo. Consideramos que o sigilo profissional afeta diretamente o usuário dos serviços prestados pelos assistentes sociais e o próprio profissional. Sob a lógica do mercado, requisita se profissionais polivalentes, tecnicistas e, que 62 muitas vezes, assistentes sociais executam serviços distantes do projeto ético político. Em situações dessa natureza, como assegurar o necessário cuidado com o material técnico sigiloso do Serviço Social? Faz-se necessário, na reflexão sobre o sigilo profissional, associá-la ao posicionamento político dos profissionais quanto às suas atribuições e competências, tal como disposto na Resolução CFESS 493/2006; ao domínio de suas especificidades e autonomia profissional, sobre interesses institucionais, muitas vezes distantes dos interesses dos usuários das políticas. Sem esses cuidados a perspectiva da garantia e no dever do sigilo tona-se cada vez mais longínqua. O profissional deve ter claro que, quando se trata do atendimento em equipes multiprofissionais, quando lhe cabe o dever de “respeitar as normas e limites legais, técnicos e normativos das outras profissões” disposto pelo Artigo 3º do Código de Ética do Assistente Social, regulamentado pela Resolução CFESS nº 273, de 13 de março de 1993. (BRASIL, 2009). A formulação de políticas públicas e programas sociais, em seu processo histórico apresentam valores vinculados conformismo, quando estes são o avesso da esfera protetiva e da ampliação de direitos. Nesse sentido é que se torna a importância de reflexões: proteção e direito para quem e formulados por quem? Num estado que impõe políticas de fiscalização da vida privada e de ajustes econômicos hodiernamente, quais são as possibilidades da garantia de direitos? O Assistente Social é um profissional que exerce uma profissão orientada por um Código de Ética em que se vislumbra a defesa intransigente dos direitos humanos e sociais e que possui os princípios éticos fundamentais da profissão à defesa da liberdade como eixo norteador e direcionador dos valores da profissão. A liberdade é a capacidade para darmos um sentido novo ao que parecia fatalidade, transformando a situação de fato numa realidade nova: criada por nossa ação. Essa força transformadora, que torna real o que era somente possível e que se achava apenas latente como possibilidade, é o faz surgir... Um movimento antirracista, uma 63 luta contra a discriminação sexual ou de classe social, uma resistência à tirania e a vitória contra ela (CHAUÍ, 1994). Não existe possibilidade de refletir sobre exercício profissional, suas condições técnicas e éticas para o exercício profissional, desvinculando-as de determinantes sócio históricos da profissão. E o sigilo, por mais que apareça como determinações jurídicas e meramente técnicas, exige tal reflexão. As concepções e valores que norteiam a prática profissional e o trato com os usuários nas políticas públicas requerem, acima de tudo, compromisso e posicionamento ético e político. As bases para esse posicionamento de forma técnica, crítica e capaz de protagonizar transformações na realidade se assentam, entre outras formas, nas concepções dispostas nos conjuntos e documentos materializados pelos órgãos que regulamentam a profissão. Dentre as mais variadas ações realizadas pelo assistente social, podemos destacar: Estudos socioeconômicos; orientação e acompanhamento social a indivíduos, grupos e famílias; Assessoria, consultoria, auditoria e supervisão técnica; Formulação, administração e execução de políticas públicas; Avaliação de políticas, programas e projetos sociais; Mobilização social e práticas educativas; Instruções sociais de processos e sentenças e decisões; Magistério, direção e supervisão acadêmica; Formulação de projetos de trabalho profissional. (CFESS/ABEPSS, 2009). Reforçamos aqui que na realização dessas ações, a ética profissional não pode ficar em segundo plano no nosso exercício profissional, ainda que as dimensões ora dadas no cotidiano das políticas públicas imediatistas se coloquem na forma e na conformação de ações meramente pragmáticas. É nesta direção que ultrapassaremos, ou pelo menos enfrentaremos, o moralismo imposto pelo conservadorismo que se coloca na ordem do dia, principalmente na execução dos programas e benefícios, quer seja saúde, habitação, assistência social. CONSIDERAÇÕES FINAIS 64 Ultrapassar o cotidiano é fundamental para que possamos interpretar o sigilo não como um segredo frente a determinado problema social que aparece em nossos espaços sociocupacionais sobre a forma de casos. Ao contrário, sigilo profissional, é respeito aos direitos dos usuários das políticas viabilizadas pelos profissionais. Refletir sobre ele é desafio, exige a superação de práticas policialescas, fundadas em juízos de valor e à mercê de uma moralidade que, muitas vezes, reproduz desvalores. Uma moralidade propagada pelo senso comum e distante da reflexão contínua das dimensões das categorias mediação, totalidade e contradição no cotidiano profissional. Enfim, o sigilo só pode ser problematizado a partir da realidade concreta vivida pelos profissionais que atuam no dia a dia, a partir do necessário rigor ético e na orientação de suas ações profissionais por uma perspectiva crítica. Assim, por exemplo, no momento da produção do conteúdo que integra o relatório do/a assistente social é que toda a atenção ética deve ser dada. Como nos sinaliza Souza (2014), é preciso ter a clareza de que “é no momento em que esse relatório sai das mãos do/a assistente social que passa a não ser mais sua propriedade, portanto, é aquilo que se registra que vai construir a imagem do Serviço Social”, ou seja, a partir daquilo que se escreve e com a qualidade que se escreve, sem reflexão, é onde pode ser causado todo o prejuízo irrevogável na vida do usuário. Mais que uma exigência legal, o sigilo profissional afirma-se, portanto, como uma das mediações da ética profissional. E, na nossa categoria profissional a dimensão ética está associada à perspectiva da necessária construção de valores avessos a qualquer forma de dominação de classe, etnia, gênero. Está associada à construção de uma direção ética e política que exige constante reflexão sobre vertentes que balizam e orientam as ações cotidianas dos assistentes sociais. REFERÊNCIAS ABEPSS. Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. Diretrizes Curriculares do Curso de Serviço Social. In Cadernos ABESS nº7. São Paulo, Cortez Editora, 1997. 65 ABESS/CEDEPSS. Proposta básica para o projeto de formação profissional. Serviço Social & Sociedade: O Serviço Social no século XXI, São Paulo, ano XVII, n. 50, p. 143-171, abr. 1996. BARROCO, Maria Lúcia Silva. Ética e Serviço Social: fundamentos ontológicos. 8. Ed. São Paulo: Cortez, 2010. BRASIL. CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL, Resolução CFESS n. 273, de 13 de março de 1993. In Legislação brasileira para o serviço social: coletânea de leis, decretos e regulamentos para instrumentação da (o) assistente social. Organização Conselho Regional de Serviço Social do Estado de São Paulo, 9ª Região - 3ª ed. Ver., atual. e ampl. até dezembro de 2007. São Paulo, O Conselho, 2007. CFESS/ABEPSS. SERVIÇO SOCIAL: direitos e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009. CFESS. Conselho Federal de Serviço Social. Resolução CFESS nº 493/2006. Dispõe sobre as condições éticas e técnicas do exercício profissional do assistente social. Brasília, 2006. CFESS. Conselho Federal de Serviço Social. Resolução CFESS n° 556, de 15 de setembro de 2009. Procedimentos para efeito da Lacração do Material Técnico e Material Técnico-Sigiloso do Serviço Social. Brasília: CFESS, 2009. CFESS. Conselho Federal de Serviço Social. Resolução CFESS nº 557, de 15 de setembro de 2009. Dispõe sobre a emissão de pareceres, laudos, opiniões técnicas conjuntos entre o assistente social e outros profissionais 66 CHAUÍ. M. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2003. COELHO, Marilene. Imediaticidade na Prática Profissional do Assistente Social. Lumen Juris Editora, Rio de Janeiro, 2013. FORTI, Valéria. Ética, Crime e Loucura: Reflexões sobre a Dimensão Ética no Trabalho Profissional. Lumen Juris Editora, Rio de Janeiro, 2009. OLIVEIRA, Rayanne Danielle Costa Cardoso. O SIGILO PROFISSIONAL DOS ASSISTENTES SOCIAIS: Um estudo dos Códigos de Ética e da concepção de profissionais. 2011. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Serviço Social) - Universidade Federal Fluminense. SOUZA, Charles Toniolo de. Evento sobre sigilo profissional marca a semana de atividades do CRESS-SE e acende as discussões acerca do tema. Disponível em: http://www.cress-se.org.br/evento-sobre-sigilo- profissional-marca-semana-de-atividades-cress-se-e-acende-discussoesacerca-tema/. Acesso em: 10 Set. 2015. 67 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER: REDE DE SERVIÇOS DE LONDRINA-PR Ana Paula Galdin Ramos¹ Kamila Fernanda de Lima e Silva² Resumo: O presente artigo tem como objetivo refletirmos sobre o conceito de violência doméstica e relações de gênero. Também irá descrever os serviços de atendimento às mulheres em situação de violência doméstica do município de Londrina-Pr. Para tanto abordaremos conceitos e legislações que tratam sobre esta temática, visando um despertar da comunidade em geral sobre a importância de estudarmos sobre a violência doméstica contra as mulheres. Palavras-chave: Violência Doméstica, Lei Maria da Penha, Gênero. 1. INTRODUÇÃO A violência contra a mulher é um fenômeno que ocorre desde os tempos antigos e é reforçado constantemente através do preconceito e da discriminação de gênero. Muito se tem caminhado e lutado durante décadas através de movimentos sociais e órgãos feministas na preconização da igualdade entre os sexos; igualdade esta, por direitos civis, políticos, socais, econômicos, trabalhistas entre outros. No entanto não podemos esgotar o trabalho de lutarmos por igualdade e equidade entre os gêneros. Vivemos em uma sociedade machista onde existe uma tolerância da sociedade na execução do domínio e exploração dos homens perante mulheres, enfatizando a ideologia patriarcal. Segundo Bordeau (1998), citado por Safiotti (2001, p.118): ___________________________ 1 Assistente Social graduada pela Universidade Estadual de Londrina, servidora da Secretaria Municipal de Politicas para as Mulheres de Londrina, pós-graduada em Gestão de Politicas Sociais e Gestão de Centro de Socioeducação. 1 Assistente Social graduada pela Universidade Estadual de Londrina, servidora da Secretaria Municipal de Politicas para as Mulheres de Londrina, pós-graduada em Gestão de Políticas Sociais e Responsabilidade Social Sustentável: projetos. 68 “A força da ordem masculina pode ser oferida pelo fato de que ela não precisa de justificação; a visão se impõe como neutra e não tem necessidade de se enunciar, visando sua legitimação. A ordem social funciona como uma imensa máquina simbólica, tendendo a reedificar a dominação masculina na qual se funda: é a divisão do trabalho, distribuição restrita das atividades a cada um dos dois sexos”. Esse domínio e exploração do sexo masculino perante o feminino gera uma violência de gênero que se transforma em uma relação hierarquizada dentro das relações sociais, reforçando o projeto masculino de dominação sobre as mulheres. Segundo Safiotti (2001) compreende-se que violência de gênero é a violência que resulta das diferenças sociais e culturais entre homens e mulheres, em que ocorre a preponderância e supremacia do poder masculino sobre o feminino. No entanto outra situação que tem crescido, mesmo que de forma tímida, é a resistência das mulheres a esse processo de subordinação masculina; e dessa resistência feminista tem-se conseguido a criação e legitimação de mecanismos de controle à violência contra a mulher, sobretudo em relação a violência doméstica. Dessa forma a cidade de Londrina-Pr tem se esforçado para construir, efetivar e melhorar às ações de atendimento às mulheres vítima de violência doméstica; servindo de experiência para vários municípios da região do norte paranaense. 2.DESENVOLVIMENTO A Lei Maria da Penha - Lei 11.340/06, é um grande avanço no marco legal para o atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica, pois tipifica os crimes contra as mulheres e também estabelece procedimentos judiciais e policiais. “ Tipifica a violência doméstica como uma das formas de violação dos direitos humanos. Altera o Código Penal e possibilita que os agressores sejam presos em flagrante, ou tenham a prisão preventiva decretada, quando ameaçarem a integridade física da mulher”. (BRASIL, 2008, p.08). 69 Podemos compreender a violência doméstica e familiar contra a mulher, segundo a Lei 11.340/06, como a omissão ou qualquer ação contra a mulher (e que a violência seja fundamentada em situações de gênero) causando a morte ou algum dano físico, sexual, moral, psicológico ou material. O artigo 5º da Lei Maria da Penha de 2006, esclarece que a violência doméstica pode ocorrer nos seguintes âmbitos: “No âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas. No âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa. Em qualquer relação de íntima de afeto, no qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida independentemente da coabitação”. Em seu artigo 7º a mesma lei define as formas de violência causadas contra as mulheres, sendo elas tipificadas em violência física, violência psicológica, violência sexual, violência patrimonial e violência moral. Podemos compreender a violência física, como qualquer atitude que ofenda a mulher em sua integridade física ou que atinja a saúde do seu corpo. (BRASIL, 2008). A violência psicológica se entende por qualquer forma que cause danos emocionais a mulher ou que prejudique a autoestima. Também se inclui nessa violência qualquer situação que vise a controlar suas ações ou que prejudique seu desenvolvimento. São exemplos de violência psicológica a humilhação, perseguição, manipulação, insulto, chantagem etc. (BRASIL, 2008). Brasil (2008) explica que conduta que constranja a mulher a presenciar, manter ou participar de ato sexual sem sua vontade é caracterizada como violência sexual. E por fim, Brasil (2008) cita que a violência patrimonial se configura em reter, subtrair ou destruir qualquer pertence da mulher; tais como documentos pessoais, material de trabalho, recursos econômicos entre outros. A Lei Maria da Penha também sinaliza em seu artigo 23 as medidas de urgência para a ofendida, em que o juiz responsável as aplicará de modo imediato ao agressor e também para a mulher vítima da violência. Essas 70 medidas compreendem entre outros, o encaminhamento da mulher e seus dependentes para programa de proteção, afastamento do agressor da ofendida e seus dependentes, separação de corpos, restituição de bens e suspensão de procurações proferidas pela ofendida ao agressor. “A lei foi criada para modificar uma terrível realidade: entre 1998-2008 – período de apenas 10 anos – cerca de 42.000 mulheres foram mortas no país, o que significa 10 mulheres foram mortas dentro de casa. Esses são dados da pesquisa Mapa da Violência do Instituto Sangari/2011, a partir de informações do DATA/SUS. (BRASIL, 2011, p. 02). Outro marco legal para o atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica é o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres criado em 2103, que prevê contribuições efetivas no atendimento para as mulheres. Esse Plano é constituído de vários eixos estruturantes, e em seu capítulo 4, especifica o Enfrentamento de todas as Formas de Violência Contra as Mulheres. O principal objetivo desse eixo é reduzir os índices de todas as formas de violência contra mulher e podemos destacar como objetivos específicos: a garantia para implementação e aplicabilidade da Lei Maria da Penha, criar e fortalecer os serviços especializados no atendimento as mulheres, proporcionar atendimento humanizado às mulheres em situação de violência dentre outros. (BRASIL, 2013). Ainda dentro do eixo: Enfrentamento de todas as Formas de Violência Contra as Mulheres, foram criadas 5 linhas de ações que irão trabalhar na perspectiva de enfrentamento à exploração sexual e tráfico de mulheres, promoção da cidadania das mulheres em situação de violência, fortalecimento da segurança e acesso à justiça, implementação da Lei Maria da Penha e melhorar a rede de serviços especializada no atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica. (BRASIL, 2013). Diante dos avanços legais a União, o Estado, o Distrito Federal, os municípios e a sociedade civil têm se organizado para criar e efetivar serviços específicos de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica; sinalizando a relevância ao atendimento especializado a essas mulheres. 71 Como exemplo desses serviços temos as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM), Ministério Público, defensoria Pública, Juizado ou Varas Criminais Específicas, Instituto Médio Legal e hospitais públicos; que respondem pelo aparato Federal e Estadual no combate a violência doméstica contra a mulher. No entanto os municípios devem contar com uma rede bem estruturada e equipada em recursos físicos, financeiros e humanos, afim de que possam construir um sistema integrado e multidisciplinar no atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica. Citaremos a seguir a experiência da cidade de Londrina-Pr, como cidade que possui uma rede de serviços de enfrentamento à violência doméstica contra a mulher, onde abordaremos quais são esses serviços e como eles realizam os atendimentos para esse público. Desde o ano de 1986 existe no município de Londrina-Pr uma Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher, atendendo as mulheres que desejam fazer o boletim de ocorrência contra seus agressores. Ressaltamos que nesta delegacia são registradas unicamente as ocorrências de violência doméstica contra as mulheres, não executando ações relacionadas a violência urbana contra a mulher, ou qualquer forma de violência contra o sexo feminino menor de 18 anos. (BRASIL, 2008). Brasil (2008), esclarece serviço também é responsável por fazer todo o inquérito policial referente a violência apresentada pela mulher; destaca-se a realização de representação criminal, encaminhamento de solicitação da medida protetiva para a Vara Criminal competente, busca de pertences da ofendida, prisão do agressor quando expedido mandado de prisão, solicitação de encaminhamento para exame de lesão corporal junto ao IML entre outros. O Centro de Atendimento à Mulher (CAM) é um serviço desenvolvido pela Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres (SMPM) que funciona desde 1993 com equipe multiprofissional composta por serviço social, psicologia, pedagogia e direito. Ele é a referência municipal no atendimento à mulher vítima de violência doméstica. 72 A equipe realiza atendimentos individuais, em grupo, visita domiciliar, palestras e busca ativa de denúncias que são encaminhadas por outros serviços do município. O foco do trabalho do CAM é orientar a sociedade londrinense sobre o combate a violência a mulher, bem como atender a mulher vitimizada para que esta consiga superar as condições de violência que muitas vezes são vivenciados a anos. (BRASIL, 2008). “Esse serviço constatou que 43,20% das mulheres que procuram o serviço em 2007, relataram que a natureza da violência é física; 3,74% sexual e 48,3% emocional. Em 15 anos de atendimento atendeu cerca de 7.800 mulheres, resultando em aproximadamente 30.869 procedimentos realizados nas áreas de psicologia, serviços social e atendimento jurídico”. (BRASIL, 2008, p.15). Londrina possui um Centro de Formação e Capacitação Profissional chamado Casa da Mulher, também desenvolvido pela SMPM. Neste serviço são oferecidas atividades de formação destinado às mulheres que se encontram em situação de vulnerabilidade social e pessoal. As atividades desenvolvidas preconizam a capacitação para a geração e renda, afim de que as mulheres possam ter um retorno financeiro para o sustento de suas famílias. (BRASIL, 2008). O trabalho realizado por esse serviço objetiva também promover um pensamento crítico e reflexivo sobre a condição feminista, para tanto a equipe da Casa da Mulher realiza atividades que trabalham temas como direitos da mulher, relações de gênero entre outros. Conforme Brasil (2008), a Secretaria Municipal de Política para as Mulheres fez parceria, no ano de 2001, com a Secretaria de Saúde de Londrina e juntos executam o Programa Rosa Viva. Este programa atende exclusivamente mulheres que foram vítimas de violência sexual, através de um atendimento humanizado com equipe multiprofissional das áreas de enfermagem, psicologia, medicina, serviços social e direito. O Programa funciona 24h e prioriza o atendimento até 72h após agressão, para prevenir com medicações uma gravidez e também doenças sexualmente transmissíveis. E por fim a SMPM oferece o serviço de abrigo para mulheres em situação de violência doméstica com ameaça e risco de morte. O abrigo tem por 73 nome “Canto de Dália” e foi criado em 2004, com construção de sede própria; atualmente estrutura física e multiprofissional que atendem as mulheres vítimas de violência e seus filhos menores de 18 anos. (BRASIL, 2008). O foco do trabalho da Casa Abrigo “Canto de Dália” é resgatar vínculos familiares, sociais e comunitários; permitindo que a mulher tenha um retorno social à comunidade com o aparato da medida protetiva prevista pela Lei Maria da Penha. 3.CONSIDERAÇÕES FINAIS Apresentaram-se, neste artigo, reflexões sobre a situação da violência contra a mulher, ainda hoje, serem tratadas com “naturalidade” por homens e mulheres, fatos estes construídos culturalmente como a ideologia do patriarcado. Na contramão dessa construção cultural machista, estão os movimentos sociais e feministas que durante décadas tem lutado contra este modelo que só gera violência e discriminação; luta esta que tem encontrado muitas resistências pelos movimentos religiosos, políticos etc.... A Lei Maria Da Penha e a Política Nacional de Enfrentamento a Violência são importantes instrumentos de coibição da violência contra a mulher, pois tipifica os tipos de violência, penaliza o agressor, cria eixos de enfrentamento às violências, porém ainda se faz necessária ampliação dos serviços de atendimento e agilidade no atendimento. Londrina possui uma rede de serviços estruturada para o atendimento às mulheres em situação de violência doméstica, executando o trabalho com muito comprometimento e seriedade no município; no entanto existem dificuldades a serem superadas. Os gestores e profissionais que atuam no atendimento às mulheres em situação de violência doméstica tem lutado pela garantia de recursos humanos, recursos financeiros e aplicabilidade da Lei Maria da Penha, com o objetivo de que as mulheres possam ser protagonistas da sua própria história, pois 74 “ A sociedade investe muito na naturalização deste processo. Isto é, tenta fazer crer que a atribuição do espaço doméstico a mulher decorre de sua capacidade de ser mãe. De acordo com este pensamento, é natural que a mulher se dedique aos afazeres domésticos...” (SAFIOTTI, 1987, p.9). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOSELLI, Giane. VII congresso Luso-afro-brasileiro de ciências. No Poder e sem Violência: dois desafios da inclusão feminista neste século. Coimbra, Portugal: CEFEMA, 2004. BRASIL. Prefeitura Municipal de Londrina. Manual de Orientação – Atendimento às mulheres em situação de violência. Londrina: Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres, 2014. BRASIL. Ministério da Saúde. A Violência Contra a Mulher é Crime: Cartilha de enfrentamento a violência doméstica e sexual em Londrina. Londrina: Secretaria Municipal de Política para as Mulheres, 2011. BRASIL. Cinco Anos de Lei Maria da Penha: Proteção e segurança que mudam a vida das mulheres. Presidência da República - Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Brasília: SPM, 2008. BRASIL. Coíbe a Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher: Lei Maria da Penha – Lei 11.340/06. Presidência da República - Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Brasília: SPM, 2008. BRASIL. Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Presidência da República - Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Brasília: SPM, 2013. BRASIL. Campanha Municipal de Enfrentamento à Violência contra a Mulher: um direito de todos as mulheres. Prefeitura de Londrina – Secretaria Municipal de política para as Mulheres. Londrina: SMPM,2007. 75 CARLOTO, Cássia Maria (org.). Gestão de Políticas Públicas com Perspectiva de Gênero: Uma experiência de gestores/as locais. Londrina: UEL, 2014. SAFIOTTI, Heleieth I.B. Contribuições Feministas para o Estudo da Violência de Gênero. Campinas: Cadernos Pagu. No.16, p.115 a 136, 2001. O PROCESSO DE REINTEGRAÇÃO FAMILIAR EM UMA UNIDADE DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL Cleide Lavoratti Luana Cristina da Luz RESUMO 76 O presente trabalho tem como objeto expor a realidade de uma pesquisa sobre o processo de reintegração familiar na Unidade de Acolhimento Institucional Casa Lar no município de Carambeí-PR. A pesquisa foi realizada em 2014, e teve caráter qualitativo e os procedimentos metodológicos utilizados foram: a observação, análise documental e entrevistas semi-estruturadas. O objetivo geral foi identificar o processo de reintegração familiar de crianças e adolescentes institucionalizados. Para tal, foram elencados os seguintes objetivos específicos: identificar e descrever os motivos que levam as crianças e adolescentes ao acolhimento institucional; refletir sobre o acolhimento institucional e o direito à convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes; conhecer os procedimentos adotados pela instituição de acolhimento de modalidade Casa Lar para promover a reintegração familiar; e descobrir se existem fatores que retardam ou dificultam o processo de reintegração familiar. Foi possível identificar através da realização da pesquisa, que a Instituição de Acolhimento não atende plenamente as necessidades apresentadas pelas crianças e adolescentes. Devendo assim, que suas metas e ações estabelecidas para promover o processo de reintegração familiar sejam avaliadas e aprimoradas a partir das demandas do cotidiano, para o desenvolvimento das potencialidades das crianças e adolescentes acolhidos e de seus familiares. Palavras-chave: Casa Lar; reintegração familiar; crianças/adolescentes. 1 INTRODUÇÃO Discutirmos sobre a institucionalização de crianças e adolescentes, e o processo de reintegração familiar não é um assunto fácil, pois durante muitos anos foi considerada resultante de situações individuais e familiares, sendo marcadas pela distinção entre as classes sociais. Foi com a Constituição Federal de 1988 e posteriormente com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, (ECA), (Lei 8069/1990), que todas as crianças e adolescentes foram vistas sob a perspectiva de direitos. De acordo com o ECA, a institucionalização de crianças e adolescentes deve ser uma medida excepcional e provisória, visando à reintegração familiar, e durante esse tempo as famílias devem buscar condições favoráveis para que seus filhos 77 retornem ao convívio familiar de origem e tal situação deve ser aparada pela rede pública de serviços. Contudo, existe uma grande dificuldade para a realização desse processo, pois na realidade isso não vem se concretizando conforme o estabelecido em lei. O acolhimento institucional está se tornando uma medida permanente para as crianças e os adolescentes brasileiros. Para refletirmos sobre o assunto, é importante saber que o levantamento realizado em junho de 2012 pelo Cadastro Nacional de Adoção, aponta que cerca de 40 mil crianças e adolescentes vivem em acolhimentos institucionais em todo o país. Identificamos assim, que a falta de políticas públicas efetivas que proporcionem condições favoráveis para a superação das vulnerabilidades vividas pelas famílias de crianças e adolescentes acolhidos, dificulta que sejam asseguradas a garantia da convivência familiar e comunitária desse segmento, que está perdendo os seus direitos e a sua referência familiar, pois sua permanência em instituições de acolhimento está sendo muito prolongada. (SILVA, 2009). 2 DESENVOLVIMENTO 1. Breve histórico sobre acolhimento institucional e o direito a convivência familiar de crianças e adolescentes Historicamente no Brasil o tema “crianças e adolescentes” possui inúmeras conotações, devido às diferentes formas em que foi vista essa população dentro da sociedade. Desde uma perspectiva correcional repressiva, visando proteger a sociedade de “menores” em “situação irregular”, até uma visão de garantia de direitos, objetivando a proteção integral de todas as crianças e adolescentes. (SILVA, 2004). Existe uma longa tradição de institucionalização de crianças e adolescentes no Brasil. “Desde o período colonial foram sendo criados no país colégios internos, seminários, asilos, escolas de aprendizes, educandários, reformatórios, dentre outras modalidades institucionais, educacionais e assistencialistas de cada época.” (RIZZINI e RIZZINI, 2004, p. 22). Um grande exemplo de acolhimento institucional foi o iniciado com a implantação da “Roda dos Expostos”, no século XVIII, por iniciativa da Santa Casa de Misericórdia que acolhia os bebês deixados nos muros de suas instalações. Esse sistema que no início contava com subsídio da Coroa Portuguesa persistiu no país até metade do século XX. Foi apenas com o surgimento do primeiro Juizado de Menores, em 1924, que foram definidas as regras específicas para o atendimento de crianças e adolescentes no país. 78 Devido às transformações que ocorreram na sociedade brasileira, houve a necessidade de se criar instituições para o atendimento das crianças e dos adolescentes em todo o país. A instituição encarregada do atendimento de crianças e adolescentes até 1964 era o Serviço de Assistência ao Menor (SAM), criado em 1941. Tal serviço era equivalente ao Sistema Penitenciário, mas direcionado para a população de menor idade. Em 1964 surgiu a Fundação Nacional de Bem Estar do Menor (FUNABEM), pela Lei 4.513, que extinguiu o SAM. A FUNABEM possuía um caráter normativo e a FEBEM31 executava o atendimento às crianças e adolescentes. A FUNABEM, com o processo de redemocratização da sociedade brasileira, começou a mudar sua política de atendimento, modificando as condições das medidas de internação de crianças e adolescentes. Foi com a promulgação da Constituição Federal de 1988 que amplas mobilizações e movimentos foram realizados pela população para alertar sobre as questões sociais vivenciadas pelas crianças e adolescentes no país. Como resultado destas lutas, os direitos infanto-juvenis foram regulamentados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA - Lei 8.069/90, promulgada em 1990, a partir da Doutrina da Proteção Integral. Foi nesse contexto que o poder público e a sociedade civil passaram a ter responsabilidades na garantia dos direitos das crianças e adolescentes, que saíram da condição de “menores em situação irregular” para a condição de sujeitos de direitos, sendo garantidos legalmente seus direitos fundamentais. Para que se cumprissem os princípios da prioridade absoluta e da proteção integral dos direitos da criança e do adolescente, o ECA sugere um trabalho articulado em rede, denominado Sistema de Garantias de Direitos da Criança e do Adolescente, que se apoia em três eixos estratégicos: Promoção dos Direitos, Defesa dos Direitos e Controle Social. O eixo da Promoção possui como principal espaço político os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente (nacional, estaduais e municipais) que são órgãos deliberativos e formuladores das políticas básicas. Tendo como objetivo garantir políticas públicas que atendam as demandas de crianças e adolescentes, além de monitorar e fiscalizar os órgãos de atendimento à população infanto-juvenil. 31 FEBEM – Fundação Estadual de Bem Estar do Menor. 79 Esse eixo propõe a execução de dois tipos de políticas públicas, as de caráter estrutural, destinadas a todas as crianças e adolescentes, tendo como objetivo atender os seus direitos fundamentais através das políticas sociais básicas como saúde, educação, habitação, e ainda as políticas de assistência social, destinadas à população em situação de vulnerabilidades sociais. O eixo da Defesa dos Direitos da Criança e do adolescente objetiva responsabilizar o Estado, a Sociedade e a família, pela violação dos direitos humanos de crianças e adolescentes e pelo não atendimento ou atendimento deficiente aos seus direitos fundamentais. Os principais órgãos públicos que atuam neste eixo de forma integrada são os órgãos judiciais, o Ministério Público, a Defensoria Pública e os órgãos de segurança pública (delegacias e polícias civis e militares). O eixo do Controle da efetivação dos direitos humanos é responsável pelo acompanhamento, monitoramento e avaliação dos eixos anteriores (Promoção e Defesa) e dos órgãos que têm por função a garantia dos direitos de crianças e adolescentes. O ECA estabelece em seu artigo 19 que “Toda criança ou adolescente tem direito de ser criado e educado no seio de sua família de origem ou em família substituta, assegurando a convivência familiar e comunitária”. E segundo Rizzini (2007), por convivência familiar e comunitária entende-se: A possibilidade de a criança permanecer no meio a que pertence. De preferência junto à sua família, ou seja, seus pais e/ou outros familiares. Ou, caso isso não seja possível, em outra família que a possa acolher. Assim, para os casos em que há necessidade das crianças serem afastadas provisoriamente de seu meio, qualquer que seja a forma de acolhimento possível, deve ser priorizada a reintegração ou reinserção familiar – mesmo que este acolhimento tenha que ser institucional. (RIZZINI, 2007, p. 22). A família é de grande importância na vida das crianças e dos adolescentes, devendo ser pensada e trabalhada como melhor lugar para essa população. Porém, quando a família, ao invés de proteger a criança e o adolescente, viola seus direitos, uma das medidas previstas no art. 101 do ECA, para impedir a violência e a negligência contra eles, é o acolhimento institucional. 80 O Estatuto em seu artigo 98 estabelece a aplicação de medidas de proteção, quando os direitos da criança e do adolescente forem ameaçados ou violados: “I – por ação ou omissão da sociedade e do Estado; II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; e III – em razão de sua conduta.” Sendo elas: Art. 101 – Verificada qualquer das hipóteses previstas no Art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: I – encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II – orientação, apoio e acompanhamento temporários; III – matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV – inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança ou ao adolescente; V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII - acolhimento institucional; VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar; IX - colocação em família substituta. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009). Estabelece também que toda criança ou adolescente que estiver inserido em programa de acolhimento institucional, no máximo a cada seis meses terá sua situação reavaliada por equipe interprofissional ou multidisciplinar. Devendo essa equipe informar através de relatórios a autoridade judiciária sobre a situação da criança ou adolescente, devendo aquela decidir se colocará os mesmos em família substituta ou será realizada a reintegração familiar. O Acolhimento Institucional é um dos Serviços de Proteção Social Especial de Alta Complexidade, sendo uma medida de proteção provisória e excepcional para crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social, cujas famílias ou responsáveis encontram-se temporariamente impossibilitados de cumprir sua função de cuidado e proteção. O Processo de Acolhimento Institucional inicia quando as autoridades competentes como a Vara da Infância e da Juventude e o Conselho Tutelar, verificam 81 que as medidas adotadas para manter a criança na família de origem não surtiram efeito, sendo necessário o afastamento da criança e ou adolescente de seu convívio familiar. A partir disso, eles serão encaminhados provisoriamente para uma Instituição de Acolhimento ou de acordo as suas necessidades, com o objetivo de resguardar a sua integridade física e afetiva, visando que as famílias consigam alcançar as condições necessárias para que seus filhos voltem para o convívio familiar. Conforme a pesquisa realizada, geralmente a negligência por parte dos familiares, o abuso sexual e a violência física, são os motivos mais recorrentes que levam as crianças e os adolescentes ao acolhimento institucional. QUADRO 1- PRINCIPAIS MOTIVOS QUE LEVARAM AS CRIANÇAS E OS ADOLESCENTES A SEREM INSTITUCIONALIZADOS NA CASA LAR, IDENTIFICADOS PELA EQUIPE TÉCNICA. Motivos do Acolhimento Institucional Negligência: 100% Abuso Sexual: 50% Violência física: 45% Situação de pobreza: 20% FONTE: Pesquisa de campo. ORG.: O Autor (2014). O Estatuto da Criança e do adolescente discrimina os tipos de violência a que as crianças e adolescentes podem estar submetidos, dizendo que: Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão punindo na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. (BRASIL, 1990. Art. 5). O artigo 7º da Lei nº 11.340/200632, estabelece que o abuso sexual pode ser compreendido como qualquer conduta que constranja e faça presenciar, manter ou a 32 A Lei nº 11.340/2006 cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. 82 participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça coação ou uso da força; induzindo a comercializar ou a utilizar a sua sexualidade, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos. A negligência pode ser classificada como um tipo de violência contra crianças e adolescentes, sendo na maioria das vezes ocorrida no âmbito familiar, geralmente pelo pai e/ou pela mãe das crianças e adolescentes. Ocorrendo quando os pais ou responsáveis, mesmo tendo condições de prover para a criança e/ou adolescente as necessidades básicas físicas e emocionais, se negam a isso. Na negligência existe a omissão em atender suas necessidades básicas, podendo resultar em danos à criança e ao adolescente e até mesmo em morte. Sendo que a negligência pode ocorrer como um ato de omissão como já citado, mas também devido à falta de condições sócio-econômicas dos pais ou responsáveis pelas crianças e adolescentes, em que, mesmo cientes da importância de suprir as necessidades básicas para seus dependentes, como alimentação, educação, e saúde, não as fazem devido à escassez de recursos sociais e econômicos. A violência física pode ser caracterizada pelo uso da força contra crianças e adolescentes, com o objetivo de ferir, deixando ou não marcas evidentes. Segundo o artigo 7º da Lei nº 11.340/2006, a violência física, é entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal. Durante o período em que a criança ou o adolescente estiverem em acolhimento, deverão ser encaminhados relatórios para a Justiça da Infância e da Juventude com periodicidade mínima semestral, para o acompanhamento da sua situação jurídicofamiliar, e a avaliação por parte da Justiça da possibilidade de reintegração familiar ou necessidade de encaminhamento para família substituta. (CONANDA/CNAS, 2009). È fundamental que se mantenha permanente articulação entre o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (Conselho Tutelar, Justiça da Infância e da Juventude, Ministério Público e outros), com a rede socioassistencial (Proteção Social Básica e Proteção Social Especial), e com as demais políticas públicas - em especial, saúde, habitação, trabalho e emprego, educação, cultura e esporte. E também com a sociedade civil organizada (Centros de Defesa do Direito da Criança e do Adolescente, Grupos de Apoio à Adoção, etc.). (CONANDA/CNAS, 2009). 83 2. O Processo de Reintegração Familiar realizado pela Unidade de Acolhimento Institucional/Casa Lar A retirada da criança ou do adolescente de seu convívio familiar de origem acontece quando estes tiveram seus direitos violados e que necessitam ser afastados, temporariamente, da convivência familiar ou comunitária. Porém, as famílias das crianças e ou adolescentes acolhidos necessitam de uma intervenção para a superação de suas dificuldades e vulnerabilidades sociais. A preservação dos vínculos familiares após a institucionalização de crianças e adolescentes, além de um direito estabelecido pelo ECA em seu artigo 92, é um facilitador para a reintegração familiar. Sendo que esses vínculos podem ser preservados, fortalecidos e por muitas vezes até construídos por meio da viabilização de várias ações por parte da Unidade de Acolhimento, “[...] como telefonemas, troca de cartas ou mesmo desenhos, atividades no abrigo que incluam os familiares – por exemplo, almoços, comemorações – bem como, estímulo à participação na vida escolar, [...] etc.”. (NECA, 2010, p. 42). Reintegração familiar é o termo utilizado para se referir ao processo em que crianças e adolescentes podem retornar a sua família de origem, natural ou extensa, depois de terem passado por um acolhimento institucional. No caso das crianças e dos adolescentes acolhidos, significa retornar à família de origem (pais, irmãos, avós, tios, primos) ou para outras pessoas próximas, que tenham vínculos de afinidade com a criança ou adolescente e que reúnam condições e motivações para assumi-las. Essas ações devem ser realizadas na família de origem, ou na família ampliada, como tios, avós, primos, entre outros. Esses familiares devem exercer relação de afinidade, cuidado e proteção significativos às crianças e adolescentes que se encontram institucionalizados. Porém, na realidade brasileira, e na Casa Lar do Município de Carambeí, identificamos as contradições da necessidade do acolhimento institucional pelo menor tempo possível e a sua real efetivação, e que esse se prolonga também devido à falta de ações, projetos e programas que favoreçam e efetivem a reintegração familiar dessas crianças e adolescentes institucionalizados. O que se faz necessário, é o fortalecimento das famílias, buscando a autonomia, a melhoria da auto-estima e das condições de vida desses familiares, 84 permitindo que se identifiquem potencialidades, perspectivas de vida e de mudanças significativas que favoreçam a convivência familiar, assim viabilizando a reintegração e diminuindo o tempo de permanência dessas crianças e adolescentes na instituição de acolhimento. Além das dificuldades para efetivar o processo de reintegração familiar, outra questão é a dificuldade para a garantia do direito à convivência familiar e comunitária, pois muitos adolescentes não possuem mais o perfil requerido por adotantes para colocação em família substituta, pois no Brasil muitos candidatos pensam em adotar crianças já com um perfil pré-estabelecido: branca, com até três anos de idade, pois possuem o desejo de que a criança tenha semelhanças físicas com a família. Percebemos que por muitas vezes toda a abordagem de como devem ser realizados os serviços de acolhimento para o segmento infanto-juvenil, não está sendo concretizada na realidade institucional e na prática dos profissionais. Assim, em seguida será discutido sobre a longa permanência de crianças e adolescentes em acolhimento institucional, e as consequências presentes e futuras que acarretam na vida dos mesmos. 3. As consequências presentes e futuras da longa permanência de crianças e adolescentes em acolhimento institucional Nosso objetivo não é afirmar que a instituição de acolhimento seja um mal e cause grandes danos às crianças e aos adolescentes acolhidos, pois muitas vezes, estas cumprem o papel de garantir os direitos e proteger, afastando-as de inúmeras situações de risco, tais como maus tratos, negligência, abusos físicos e sexuais. Entretanto, o que se deve evitar é o tempo prolongado de permanência de crianças e adolescentes. Percebemos que as crianças e adolescentes acolhidos por longo período de tempo vivenciam uma situação de vulnerabilidade física, emocional e social. Sendo que a institucionalização prolongada acaba potencializando outros fatores de risco para que essas crianças vivenciem episódios de revitimização dentro da instituição que deveria protegê-las. A institucionalização prolongada pode impedir a ocorrência de condições favoráveis para o desenvolvimento da criança e do adolescente, devido as suas rotinas 85 rígidas, pelo convívio restrito às mesmas pessoas, falta de vida em família e comunidade, não tendo a oportunidade de trocas afetivas significativas. Eles podem apresentar marcas muitas vezes profundas e sempre dolorosas, que se não forem trabalhadas de formas adequadas por profissionais capacitados, podem permanecer por toda a vida das crianças e dos adolescentes, inclusive com reflexos na saúde mental. Evidenciam-se as contradições apresentadas nessa situação, onde a medida de proteção vai garantir direitos básicos que poderiam já ter sido assegurados às famílias das crianças e dos adolescentes institucionalizadas, evitando por muitas vezes a separação do segmento infanto-juvenil de suas famílias de origem. A vivência no espaço institucional, quando não transitória e breve, além de violar o direito fundamental à convivência familiar e comunitária, pode causar às crianças e adolescentes graves consequências, em especial no campo psíquico e emocional, com reflexos na vida adulta. Portanto, mostra-se a necessidade da realização de um trabalho institucional comprometido, garantindo melhores condições para o desenvolvimento infanto-juvenil, buscando apoiar e orientar as famílias dos acolhidos, assim podendo realizar o processo de reintegração familiar. Com a realização da pesquisa foi possível identificar a necessidade da família natural do segmento infanto-juvenil ser pensada e trabalhada como o melhor lugar para a criança e o adolescente, e conforme consta nas legislações, somente quando não existirem mais possibilidades de retorno, após intenso trabalho multidisciplinar e intersetorial das políticas públicas, é que a possibilidade de família substituta pode ser cogitada. Sendo necessário que as metas e ações para efetivar os direitos de crianças e adolescentes, sejam avaliadas e aprimoradas a partir da prática profissional e das necessidades do cotidiano, desenvolvendo das potencialidades das crianças e dos adolescentes acolhidos e de seus familiares, visando o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. CONCLUSÃO 86 O trabalho exposto teve por finalidade identificar o processo de reintegração familiar de crianças e adolescentes institucionalizados na Casa Lar do município de Carambeí-Paraná. Com o resgate histórico sobre o acolhimento institucional de crianças e adolescentes no Brasil, foi possível identificar que a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente, romperam com muitos paradigmas, pois nas normatizações anteriores, a população infanto-juvenil era considerada como “menores em situação irregular”. Sabe-se que a permanência da criança e do adolescente na Instituição deve ser o menor possível, com o objetivo de fortalecer os vínculos familiares e comunitários, para que eles possam retornar para a família, evitando a reincidência no acolhimento institucional. Sendo que a vivência em instituições, quando não transitória e breve, além de violar o direito fundamental à convivência familiar, pode causar à crianças e adolescentes graves consequências, em especial no campo psíquico e emocional, com reflexos na vida adulta. A institucionalização prolongada pode impedir a ocorrência de condições favoráveis para o desenvolvimento da criança e do adolescente, que por muitas vezes perdem a noção de família, a noção de que eles possuem e pertencem a uma família. Mostra-se importante o trabalho com as famílias de origem das crianças e adolescentes institucionalizadas, e que as ações devem acontecer de forma comprometida com o objetivo de promover a autonomia e a emancipação dessas famílias, diminuindo assim o tempo de permanência em acolhimento institucional, fortalecendo seus vínculos familiares. È necessário que as políticas públicas atendam essas famílias em suas necessidades fundamentais, para que possam prover um ambiente adequado para seus filhos e para que o direito à convivência familiar e comunitária seja realmente efetivado, ocorrendo também o comprometimento de todos e principalmente dos gestores das políticas públicas dos Municípios com essa questão. Percebemos que por muitas vezes as mudanças advindas pela Constituição e pelo ECA, não foram suficientes para acabar com antigas práticas e desconstituir uma cultura de institucionalização prolongada de crianças e adolescentes. Deste modo, identificamos que as instituições de acolhimento devem rever suas ações, melhorando-as no sentido de atender integralmente o que estabelece a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Plano Nacional 87 de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária e as Orientações Técnicas para as Instituições de Acolhimento para Crianças e Adolescentes. Garantindo assim ao seguimento infanto-juvenil a efetivação de seus direitos, e que o seu tempo em acolhimento institucional seja o menos possível. Conclui-se que para que se possa garantir o direito de todas as crianças e adolescentes, e diminuir o seu tempo de permanência em instituições de acolhimento, é necessário a articulação de todas as políticas públicas, e que essas sejam eficientes e eficazes, atendendo às demandas de famílias, crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional. REFERÊNCIAS BRASIL, Código de Menores, Decreto nº 17.943-A, de 12 de outubro de 1927. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/19101929/D17943A.htm>. Acesso em: 22/12/2015. BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, com as alterações da lei 12.010 de 03 de agosto de 2009. BRASIL. Lei n° 11.340, de 07 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 24/12/2015. BRASIL. Presidência da República. Constituição Federal de 1988. BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial de Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA). Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e comunitária. Brasília, 2006. 88 BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial de direitos Humanos. Conselho Nacional dos direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA). Ministério do desenvolvimento social e combate a Fome (MDS). Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS). Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes. Brasília, 2009. NECA, Associação dos Pesquisadores de Núcleos de Estudos e Pesquisas sobre a Criança e o Adolescente. Cada Caso é um Caso: A Voz das Crianças e dos Adolescentes em Acolhimento Institucional. 1. ed. - São Paulo. 2010. PORTAL. Cadastro Nacional de Adoção. 2008. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/infancia-e-juventude/cadastro-nacional-deadocao-cna>. Acesso em: 27/12/2015. RIZZINI, Irene, RIZZINI, Irmã. A institucionalização de crianças no Brasil: Percurso histórico e desafios do presente. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio; São Paulo: loyola, 2004. RIZZINI, Irene et al. (Coord.). Acolhendo crianças e adolescentes: experiências de promoção do direito à convivência familiar e comunitária no Brasil. 2. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNICEF; CIESPI; Rio de Janeiro, RJ: Ed. da PUC-RIO, 2007. SILVA, Enid Rocha Andrade. O Direito à Convivência Familiar e Comunitária: os abrigos para crianças e adolescentes no Brasil. Brasília: IPEA/CONANDA, 2004. SILVA, Eliene Ferreira. Crianças e Adolescentes Abrigados: Dificuldades e Possibilidades de Reintegração Familiar. Monografia. Departamento de Serviço Social, Universidade de Brasília. 2009. Disponível em: <http://bdm.bce.unb.br/handle/10483/720>. Acesso em: 20/12/2015. 89 POLÍTICAS PÚBLICAS, TERRITÓRIO E CONDICIONALIDADES DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA EM PARANAVAÍ/PR: REVISÃO BIBLIOGRÁFICA E DOCUMENTAL Keila Pinna Valensuela33 Aline Lopes de Sousa34 33 Mestre em Serviço Social e Política Social pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Docente do curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná, UNESPAR Campus Paranavaí. E-mail: [email protected] 34 Orientanda do Programa de Iniciação Científica (PIC) e discente do curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná, UNESPAR Campus Paranavaí. E-mail: [email protected] 90 RESUMO: O objeto de pesquisa em questão refere-se ao cumprimento das condicionalidades do Programa Bolsa Família no âmbito da gestão municipal, considerando a abordagem do território entre as políticas públicas, sobretudo da Assistência Social, Educação e Saúde de Paranavaí/PR, que são fundamentais para a construção deste programa. A proposta basear-se-á na investigação do objeto de pesquisa por meio da técnica da triangulação que consiste na combinação de diversas metodologias qualitativas. Para tanto, analisamos as condicionalidades do Programa Bolsa Família, a partir da perspectiva de território e territorialidade. Em síntese, apontamos limites e possibilidades no processo de gestão e operacionalização do Programa Bolsa Família nas políticas sociais envolvidas, promovendo o distanciamento do senso comum acerca deste programa de transferência de renda reconhecido nacional e internacionalmente. PALAVRAS-CHAVE: Políticas Públicas. Programa Bolsa Família. Condicionalidades. Território. Territorialidade. INTRODUÇÃO Esta pesquisa de iniciação científica (PIC) esteve vinculada a proposta de Tempo Integral de Dedicação Integral (TIDE) da docente locada no colegiado de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná, UNESPAR Campus Paranavaí. A operacionalização desta pesquisa qualitativa contou com a contribuição de duas discentes do curso de Serviço Social com carga horária de 12 horas semanais cada. A pesquisa provém das discussões realizadas quinzenalmente no grupo de estudos e pesquisas “Desigualdades Territoriais e Proteção Social”, direcionadas ao objeto: Território e Condicionalidades do Programa Bolsa Família. Diante do exposto e considerando o objeto desta pesquisa, partimos do seguinte problema: como o município de Paranavaí tem se organizado territorialmente para ofertar serviços, sobretudo, na Assistência Social, Educação e Saúde que facilitem o cumprimento das condicionalidades para as famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família? 91 Partindo desse pressuposto, elencamos como objetivo geral: analisar o (des)cumprimento de condicionalidades do Programa Bolsa Família a partir da lógica territorial das Políticas de Assistência Social, Educação e Saúde em Paranavaí/PR. E como objetivos específicos: • Identificar a concepção de território para as Políticas de Assistência Social, Educação e Saúde, apontando as devidas semelhanças e distinções identificadas pela gestão municipal. • Caracterizar a configuração dos serviços municipais nas áreas de Assistência Social, Educação e Saúde na perspectiva da territorialidade, fazendo as devidas comparações. • Levantar os limites e possibilidades dos territórios vulneráveis de Paranavaí/PR no que tange ao cumprimento das condicionalidades das famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família. Quanto ao desenvolvimento da pesquisa qualitativa, em princípio realizamos uma revisão bibliográfica e documental sobre Território, Territorialidade e suas implicações no cumprimento de condicionalidades do Programa Bolsa Família. Posteriormente, desenvolvemos a pesquisa de campo. Quanto a análise das informações, por meio de um exame mais aprofundado, buscamos estabelecer aproximações, contradições e comparações entre os dados colhidos, utilizando a técnica de triangulação35, por meio da análise estatística, documental e de conteúdo. OS PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA NO BRASIL E O IMPACTO SOCIAL DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NA CONTEMPORANEIDADE 35 Segundo Minayo (2013), a técnica de triangulação consiste em uma dinâmica de investigação que integra processos de pesquisa objetiva e subjetiva na análise de estruturas, dos processos e dos resultados, implica na compreensão das relações envolvidas e na visão dos diferentes atores sociais. 92 Para Silva (2014), na atualidade, o Bolsa Família é o maior programa de transferência de renda condicionada em implementação no Brasil desde 2003. Surgiu com o propósito de unificar os programas federais da mesma natureza e que estavam sendo implementados desde 1995 no país: Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Cartão Alimentação, Vale Gás e, posteriormente, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). Iniciado em 2003, no governo petista do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi marcado pelo Fome Zero, principal estratégia do enfrentamento da fome e da pobreza no Brasil que foi coordenado, a partir de janeiro de 2004, pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). A presidenta Dilma Rousseff, também do Partido do Trabalhadores, em 2011 assume o governo e constitui três eixos programáticos no processo de operacionalização do Programa Bolsa Família (PBF): transferência direta de renda, inclusão produtiva e ampliação de serviços sociais básicos. A prioridade do programa é a erradicação da pobreza no Brasil, portanto, seu principal critério de inclusão é, para famílias pobres, uma renda per capita familiar de até R$ 140,00 e de até R$ 70,00 para famílias extremamente pobres. O perfil socioeconômico das famílias atendidas pelo PBF é fornecido pelo Cadastro Único (CadÚnico), que foi instituído em julho de 2001 via Decreto nº. 3.877, sendo atualmente regulamente pelo Decreto nº. 6.135 de 26 de junho de 2007. Cobo (2012) afirma que o Cadúnico é um instrumento de identificação e caracterização socioeconômica das famílias brasileiras de baixa renda, a ser obrigatoriamente utilizada para seleção de beneficiários e integração de programas sociais do governo federal ao atendimento do público alvo. 93 Silva (2014) também salienta o Índice de Gestão Descentralizada (IGD) enquanto indicador que mostra a qualidade da gestão descentralizada do PBF, tendo como objetivo medir a qualidade da gestão municipal e do Cadastro Único, constituindo-se também numa forma de controle sobre o cumprimento das condicionalidades do Programa no âmbito da Assistência Social, Educação e Saúde. Segundo dados do MDS (2015), o PBF encontra-se implementado em 5.565 municípios, atendendo um público de 14.086.199 famílias e representa o repasse de R$ 2.139.325.691,00. Com o último reajuste concedido em abril de 2011, o valor médio da transferência monetária para as famílias ficou em R$ 115,00, podendo varia de R$ 32,00 a R$ 242,0036. Os benefícios do Programa Bolsa Família contemplam: benefício básico, benefício variável de 0 a 15 anos, benefício variável à gestante, benefício variável vinculado ao adolescente de 16 a 17 anos, benefício para superação de extrema pobreza37. Ressalta-se que o Programa Bolsa institui-se a partir da Lei Nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004, Art.13 e é regulamentada pelo Decreto Nº 5.209 / 2004 que prevê, dentre outras ações, as condicionalidades envolvendo basicamente as políticas de Assistência Social, Saúde e Educação. Considerando o lócus da pesquisa, elencamos dados importantes sobre a realidade. No território do Estado do Paraná, consta no Relatório de Informações Sociais (MDS, 2015), encontra-se numa área de 1.202,47, com um total de habitantes de 81.590, com um total de famílias de 26.319. Foram destinados, no ano de 2014, o montante de R$ 697.177.161,00. Para o município de Paranavaí o recurso foi de R$ 4.848,883,00. As famílias que receberam foram 36 37 Dados disponíveis no site www.mds.gov.br. Acesso em 21 janeiro 2014. Mais informações, acessar www.mds.gov.br/bolsafamilia/beneficios 94 3.241 e os benefícios pagos foram de R$ 72,00 a R$ 6.408,00 no ano, com parcelas que variam de R$ 72,00 a R$ 618,00 mensais. De acordo com o MDS (2015), o PBF beneficiou, no mês de agosto de 2015, 2.227 famílias, numa cobertura de 109,6% das famílias do município, num valor médio de R$ 151,67 por família. AS CONDICIONALIDADES DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA As condicionalidades são de responsabilidade do MDS em articulação com os Ministérios da Saúde e Educação por meio de repasse de informações e prestações de contas via sistemas específicos38, com registros regulares e cumprimento de calendários fixados previamente. As famílias beneficiárias do Bolsa Família têm liberdade na aplicação do benefício monetário recebido, podendo permanecer no Programa enquanto atendam aos critérios de elegibilidade e cumpram as condicionalidades, na Educação: matrícula de crianças e adolescentes de 6 a 17 anos na escola; frequência regular mínima de 85% das aulas para as crianças de 6 a 15 anos e de 75% para jovens de 16 a 17 anos; na Saúde: frequência de crianças de 0 a 7 anos de idade aos postos de saúde para vacinação, pesar, medir e fazer exames de proteção básica à saúde, incluindo também a frequência de mulheres gestantes aos exames de rotina; na Assistência Social: as crianças e adolescentes de até 16 anos, em situação de risco ou retirados do trabalho infantil pelo PETI, devem ter uma frequência mínima de carga horária mensal de 85% aos Serviços de Convivência e Fortalecimentos de Vínculos (SCFV). Essas condicionalidades são consideradas pelo MDS compromissos atribuídos às famílias beneficiárias para o recebimento do benefício financeiro do Programa, igualmente são considerados compromissos do poder público, responsável pela oferta dos serviços públicos de saúde, educação e assistência social (SILVA, 2014, p.170). O descumprimento de condicionalidades é fixado pela Portaria GM/MDS nº 321 de setembro de 2008 que perpassa pela advertência escrita, bloqueio do benefício por 30 dias, suspensão por 60 dias e o cancelamento do 38 O registro de descumprimento é feito no Sistema de Condicionalidades do Programa Bolsa Família (SICON). 95 benefício. Para que possam continuar a receber o benefício monetário, o PBF propõe condicionalidades a serem compridas pelas famílias. Em relação às condicionalidades, o MDS (2015) aponta o acompanhamento da frequência escolar em Paranavaí/PR. Com base no bimestre de maio de 2015, atingiu o percentual de 90,3%, para crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos, o que equivale a 2.787 alunos acompanhados em relação ao público no perfil equivalente a 3.085. Para os jovens entre 16 e 17 anos, o percentual atingido foi de 82,2%, resultando em 511 jovens acompanhados de um total de 622. E o total de crianças e adolescentes das famílias do PBF no município equivale 3.921. Segundo o MDS (2015), “o acompanhamento da saúde das famílias, na vigência de dezembro de 2014, atingiu 83,5 %, esse percentual equivale a 2.020 famílias de um total de 2.419 que compunham o público no perfil para acompanhamento da área de saúde do município. Esses dados correspondem a 72 gestantes acompanhadas com o pré-natal em dia. Crianças acompanhadas são 1.316 de até 7 anos, 1.306 estão com vacinação em dia, os dados nutricionais das crianças são de 1.231. E as que não tiveram acompanhamentos na saúde foram de 399 famílias de Paranavaí-PR. Conforme o MDS (2015), neste período, o descumprimento de condicionalidades na saúde e na educação totaliza 104 famílias, distribuídas em advertências, bloqueios, suspensões e cancelamentos: 81 famílias foram advertidas, 18 famílias bloqueadas não tendo registro de suspensão e cancelamentos. Contudo, 39 famílias estão em fase de suspensão. TERRITÓRIO, TERRITORIALIDADE E PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA Para compreender essa discussão sobre território e territorialidade nos fundamentamos em Milton Santos (2001) que, a grosso modo, entende 96 território geralmente como a extensão apropriada e usada pelos atores sociais que o utilizam, portanto envolve ação humana; mas o sentido de territorialidade é sinônimo de “pertencer àquilo que nos pertence”, isto é, o sentimento de pertencimento que ultrapassa a dimensão geográfica ou política-administrativa. No âmbito da Assistência Social, Couto, Yazbek, Raichelis (2012, p. 63) ressalta: Trata-se de uma dimensão potencialmente inovadora, pelo entendimento do território: como espaço usado (Milton Santos, 2007), fruto de interações entre os homens, síntese de relações sociais; como possibilidade de superação da fragmentação das ações e serviços, organizados na lógica da territorialidade; como espaço onde se evidenciam as carências e necessidades mas também onde se forjam dialeticamente as resistências e as lutas coletivas. Nesta perspectiva, Couto, Yazbek, Raichelis (2012, p. 73) ressalta que “o território é também o terreno das políticas públicas, onde se concretizam as manifestações da questão social e se criam os tensionamentos e as possibilidades para seu enfrentamento”. Na educação, a territorialidade ganha visibilidade no contexto educacional. O conceito de território associado a educação direciona-se na discussão de políticas que visem a superação da crise da escola brasileira. Canário (1996) ainda menciona que, apesar da questão do território ser incontornável, há uma distorção entre teoria e prática: fala-se em territórios educativos, mas o que se objetiva são, na verdade, territórios escolares, sobretudo na perspectiva de educação integral. Fala-se em territórios no aspecto espacial de aprendizagem, isto é, ampliação de atividades dos alunos em múltiplos espaços, com o objetivo de proporcionar a formação integral dos mesmos. Segundo Arguelles (2014), a relação entre contextos não-escolares, formação de redes setoriais e Educação Integral é o que predomina na relação educação e território. Em linhas gerais, esse tipo de análise defende mais espaço 97 para a emergência de outros atores sociais que, de certa forma, dividiriam com a escola o protagonismo no processo educacional. No campo da saúde, Gondim et al (2014) afirma que conceito de território parte da categoria espaço e vem sendo utilizado com ênfase enquanto abordagem fundamental para dar suporte ao conceito de risco, em função das múltiplas possibilidades que se tem em localizar e visualizar populações, objetos e fluxos, e de se espacializar a situação de saúde através da distribuição de indicadores socioeconômicos, sanitários e ambientais que revelam as condições de vida das pessoas em seu interior. O reconhecimento desse território possibilita a caracterização da população e de seus problemas de saúde, bem como para avaliação do impacto dos serviços sobre os níveis de saúde dessa população. O espaço-território, muito além de um simples recorte político-operacional do sistema de saúde, é o locus onde se verifica a interação população-serviços no nível local. [...] Esse território apresenta, portanto, muito mais que uma extensão geométrica, também um perfil demográfico, epidemiológico, administrativo, tecnológico, político, social e cultural que o caracteriza e se expressa num território em permanente construção (MENDES, 1993; BARCELLOS E ROJAS, 2004 apud GONDIM, 2014, p. 2-3). Reconhecemos a pluralidade no que tange as abordagens da territorialização pelas políticas sociais envolvidas, o que consequentemente implica na organização das ações, serviços, programas e projetos das diversas áreas, inclusive da saúde. A territorialização de atividades de saúde vem sendo preconizada por diversas iniciativas no interior do Sistema Único de Saúde (SUS), como o Programa Saúde da Família, [...]. No entanto, essa estratégia, muitas vezes, reduz o conceito de espaço, utilizado de uma forma meramente administrativa, para a gestão física dos serviços de saúde, negligenciando-se o potencial deste conceito para a identificação de problemas de saúde e de propostas de intervenção. (MONKEN; BARCELLOS, 2005, p. 898). Em síntese, parafraseando Milton Santos, concluímos que o território não é fixo, inerte, pois é no território que se manifesta o exercício do poder, de correlações de poder. 98 CONCLUSÃO O Bolsa Família é o maior programa de transferência de renda condicionada da história brasileira, todavia sempre suscitou polêmicas, sobretudo no que se refere as condicionalidades na Assistência Social, Educação e Saúde. Embora as condicionalidades em Paranavaí/PR tenham alcançado índices significativos, a definição e a configuração do território e da territorialidade por se constituir plural e contraditória tem trazido implicações no âmbito da gestão e execução de políticas públicas envolvidas. REFERÊNCIAS ARGÜELLES, Regis. Escola, Território e Educação Integral: por uma reflexão crítica. Disponível em: <http://educacaointegral.wordpress.com/2009/10/20/escola-territorio-eeducacao-integral-por-uma-reflexao-critica/>. Acesso em: 10 mar. 2014. CANÁRIO, Rui. Territórios educativos e políticas de intervenção prioritária: uma análise crítica. Florianópolis-SC: UFSC, 2004. p. 47-77. COBO, Barbara. Politicas focalizadas de transferência de renda: contextos e desafios. São Paulo: Cortez, 2012. COUTO, Berenice Rojas; YAZBEK, Maria Carmelita; RAICHELIS, Raquel. A Política Nacional de Assistência Social e o SUAS: apresentando e problematizando fundamentos e conceitos. In: COUTO, Berenice Rojas et al. 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SILVA, Maria Ozanira da Silva e. O Bolsa Família: Intersetorialidade – dimensão central na implementação e nos resultados do programa. In: ALMEIDA, Ney Luiz Teixeira de; SOUZA, Rosimary Gonçalves de (Orgs). A Intersetorialidade na Agenda das Políticas Sociais. Campinas, SP: Papel Social, 2014. MONKEN, Mauricio; BARCELLOS, Christovam. Vigilância em saúde e território utilizado: possibilidades teóricas e metodológicas. 2005. Disponível em:<http://www.scielosp.org/pdf/csp/v21n3/24.pdf. Acesso em: 22 agosto 2015, 16:20. POLÍTICAS PÚBLICAS, TERRITÓRIO E CONDICIONALIDADES DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA EM PARANAVAÍ/PR: APRESENTAÇÃO DA PESQUISA EMPÍRICA 100 Keila Pinna Valensuela39 Priscila de Lima Santana40 RESUMO: Essa pesquisa tem como objeto de análise o cumprimento das condicionalidades do Programa Bolsa Família em Paranavaí/PR, considerando a abordagem de território e territorialidade entre as políticas públicas envolvidas na gestão e execução deste programa, com enfoque na Assistência Social, Educação e Saúde. Para a investigação do objeto de pesquisa adotar-se-á a técnica da triangulação que consiste na combinação de múltiplas metodologias qualitativas com o escopo de analisar as condicionalidades do Programa Bolsa Família, envolvendo os diversos sujeitos sociais: gestores do Programa Bolsa Família, operadores do Cadastro Único e as famílias beneficiárias. Em síntese, apontamos limites e possibilidades no processo gerencial e de operacionalização do Programa Bolsa Família desenvolvidos pelas políticas sociais, assim como as potencialidades e fragilidades das famílias beneficiadas, desmistificando mitos e preconceitos acerca deste programa de transferência de renda reconhecido nacional e internacionalmente. PALAVRAS-CHAVE: Políticas Públicas. Programa Bolsa Família. Condicionalidades. Território. Territorialidade. INTRODUÇÃO Esta pesquisa de iniciação científica (PIC) esteve vinculada a proposta de Tempo Integral de Dedicação Integral (TIDE) da docente locada no colegiado de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná, UNESPAR Campus Paranavaí e contou com a contribuição de duas discentes do curso de Serviço Social com carga horária de 12 horas semanais cada. A pesquisa provém das discussões realizadas quinzenalmente no grupo de estudos e pesquisas “Desigualdades Territoriais e Proteção Social”, direcionadas ao objeto: Condicionalidades do Programa Bolsa Família na perspectiva territorial. Diante do exposto e considerando o objeto desta pesquisa, partimos do seguinte problema: como o município de Paranavaí tem se organizado 39 Mestre em Serviço Social e Política Social pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Docente do curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná, UNESPAR Campus Paranavaí. E-mail: [email protected] 40 Orientanda do Programa de Iniciação Científica (PIC) e discente do curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná, UNESPAR Campus Paranavaí. E-mail: [email protected] 101 territorialmente para ofertar serviços, sobretudo, na Assistência Social, Educação e Saúde que facilitem o cumprimento das condicionalidades para as famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família? Partindo desse pressuposto, elencamos como objetivo geral: analisar o (des)cumprimento de condicionalidades do Programa Bolsa Família a partir da lógica territorial das Políticas de Assistência Social, Educação e Saúde em Paranavaí/PR. E como objetivos específicos: • Identificar a concepção de território para as Políticas de Assistência Social, Educação e Saúde, apontando as devidas semelhanças e distinções identificadas pela gestão municipal. • Caracterizar a configuração dos serviços municipais nas áreas de Assistência Social, Educação e Saúde na perspectiva da territorialidade, fazendo as devidas comparações. • Levantar os limites e possibilidades dos territórios vulneráveis de Paranavaí/PR no que tange ao cumprimento das condicionalidades das famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família. Quanto ao desenvolvimento da pesquisa qualitativa, em princípio realizamos uma revisão bibliográfica e documental. Posteriormente realizamos pesquisa de campo. Utilizamos como coleta de dados a entrevista semiestruturada. Foram entrevistados 10 sujeitos, sendo eles: as coordenadoras responsáveis pelo acompanhamento das condicionalidades na área da Educação e Saúde; a gestora e a coordenadora do Cadastro Único e do Programa Bolsa Família na área da Assistência Social; 2 entrevistadores/operadores do Cadastro Único alocados no CRAS Maringá e CRAS Vila Operária; 2 famílias referenciadas no CRAS Maringá e 2 famílias do CRAS Vila Operária, considerando as famílias com maior e menor índice de reincidência no descumprimento de condicionalidades do Programa Bolsa Família. Os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) a serem pesquisados foram escolhidos considerando os seguintes critérios: o território com maior índice de cumprimento de condicionalidades que corresponde ao CRAS Maringá; e um dos territórios com 102 menor índice de cumprimento de condicionalidades no município que corresponde aos CRAS da Vila Operária, segundo informações do Portal da Transparência41. Quanto a análise das informações, utilizamos a técnica de triangulação42, por meio da análise estatística, documental e de conteúdo. O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA EM PARANAVAÍ/PR: APRESENTAÇÃO DOS DADOS COLETADOS NA PESQUISA EMPÍRICA O Programa Bolsa Família, sempre suscitou polêmicas, sobretudo no que se refere as condicionalidades, como aponta Silva (2014, p. 171-173): As condicionalidades do Bolsa Família têm originado questões polêmicas, consensuais, antagônicas ou divergentes entre estudiosos, políticos, mídia, usuários e outros suj eitos sociais envolvidos com o Programa. Nesse aspecto, tenho identificado diferentes entendimentos sobre as condicionalidades no Bolsa Família, permitindo a sistematização das seguintes concepções: a. condicionalidades enquanto acesso a ampliação de direitos [...]; b. as condicionalidades enquanto negação de direitos [...]; c. as condicionalidades enquanto questão política e imposição moralista conservadora [...]. Nesta pesquisa identificamos pelo menos dois destes entendimentos, embora que em termos gerais os entrevistados são unânimes em afirmar que o Programa Bolsa Família é um programa de inclusão, isto é, um dos melhores programas de transferência de renda direta para famílias em situação de pobreza e extrema pobreza. Contudo são contraditórias as análises dos entrevistados sobre o programa. 41 Segundo MDS (2015), a lei que criou o Programa Bolsa Família - Lei n°10.836, de janeiro de 2004, Art.13 - prevê que deve ser de acesso público a lista dos beneficiários com os respectivos valores transferidos. A divulgação é feita vias eletrônicas e a relação pode ser vista no site da Caixa Econômica Federal e também no portal da transparência. Mais informações acessar: http://transparencia.gov.br/ 42 Segundo Minayo (2013), a técnica de triangulação consiste em uma dinâmica de investigação que integra processos de pesquisa objetiva e subjetiva na análise de estruturas, dos processos e dos resultados, implica na compreensão das relações envolvidas e na visão dos diferentes atores sociais. 103 Semelhante a concepção A, identificamos o entendimento de condicionalidades enquanto acesso a ampliação de direitos para as famílias beneficiárias, vislumbrando “quebrar o ciclo, mudar a vida, ter a qualidade de vida” (GESTORA 3). Complementando a ideia, a Gestora 4 ressalta a principal finalidade das condicionalidades: “diretamente o acompanhamento das famílias pela Assistência, Saúde e Educação podem refletir no rompimento histórico da situação de pobreza passada de geração para geração”. Vale salientar que a pobreza é uma questão estrutural, mas assume distintos contornos no contexto sócio histórico, portanto o rompimento da situação de pobreza nas famílias não é algo que dependa do esforço individual, embora essa seja a ideia equivocadamente enraizada na sociedade. Identificamos ainda, nesta pesquisa, o entendimento das condicionalidades como “compromisso” e não como “obrigação”, partindo “da perspectiva de direitos e deveres”, afirma a operadora do CRAS 2 e complementa a operadora do CRAS 1 que “esses compromissos são assumidos pelas famílias e poder público”, portanto constituindo-se um compromisso de ambos. No entendimento de condicionalidades enquanto questão política e imposição moralista conservadora, referente a concepção C, os beneficiários são culpabilizados pelo não cumprimento das exigências do programa, o que implica na criminalização da pobreza. Algumas frases das entrevistadas como “a ajuda deveria ser provisória”, “os usuários não se apoderam do programa”, “estimula a dependência dos usuários do programa”; “acarreta um comodismo”; “famílias consciente, quando superam a situação e vulnerabilidade [...], propõe o desligamento voluntário” são expressões comuns, principalmente da gestão, desconsiderando a noção de direito. Segundo Silva (2014, p. 173), nesse processo “[...] não é considerado a possibilidade da inexistência ou da precariedade dos serviços ofertados, não sendo o Estado responsabilizado ou punido pela omissão na prestação inclusive 104 dos serviços básicos para a população [...]”. Partindo desse pressuposto, a autora alerta que “assumimos a perspectiva de troca, concessão e a contrapartida, esvaziando a noção de proteção social como dever do Estado”. Não identificamos a concepção B, que entende as condicionalidades enquanto negação de direitos, isto é, de acordo com Silva (2014, p. 172), “essa concepção considera que a um direito não se deve exigir qualquer condição, no caso, representada pelas condicionalidades”. Neste prisma, entendemos que para a garantia e efetivação da cidadania e dos direitos, não se impõe obrigações. As entrevistadas defendem a perspectiva punitiva e fiscalizatória em torno do PBF. “Essa concepção fundamenta o dever do Estado por desenvolver o controle e o desligamento dos beneficiários que não cumprem o que se denomina de condicionalidades” (SILVA, 2014, p. 172-173). A possibilidade de isentar os beneficiários somente é considerada em casos que se comprovem que o descumprimento não dependeu deles, o que dificilmente acontece, aponta a autora. A gestão precisa criar estratégias que facilitem o cumprimento das condicionalidades e observar as condições concretas. Para exemplificar, a Gestora 1, cita as Unidades Básicas de Saúde, Escolas, Centro de Referências de Assistência Social que devem ser próximas as residências das famílias beneficiárias pelo PBF; e se distante, pensar no acesso a meios de transportes públicos, dentre outras diversas ações de natureza intersetorial. Os impactos provocados pelo PBF são complexos, antagônicos e abrangentes. A gestão entende, por exemplo, que o programa não reflete positivamente somente na vida dos beneficiários por meio do acesso a direitos sociais básicos, mas também da comunidade local, partindo da perspectiva de mercado, consumo, da economia da sociedade capitalista. Essa ideia é reforçada pelas Gestoras 1 e 4. Elas apontam cerca de R$ 400.000,00 que circula mensalmente no comércio local, promovendo o desenvolvimento do município. 105 Na nossa pesquisa ainda identificamos que é unânime por parte dos entrevistados o reconhecimento da necessidade de melhorias no acompanhamento gerencial das condicionalidades, conforme observamos em outra fala: “deveriam ser disponibilizados além dos recursos financeiros, cursos técnicos e meios dessas famílias de fato superarem a pobreza e situação de risco em que se encontram” (GESTORA 2). Partindo desse pressuposto a Gestora 1 complementa a necessidade de investir em cursos do PRONATEC43 para qualificação profissional dos beneficiários, mas ressalta que estas famílias são as que menos adere a proposta. A medida que ela não explica os motivos penaliza a família beneficiária. Contudo, as entrevistadas apontam outras limitações do PBF que impedem a erradicação da pobreza e miséria, contrariando o escopo do programa. Embora a Operadora do CRAS 1 reafirma que é um programa de “combate à pobreza e miséria, para reduzir a desigualdade social”; a Operadora do CRAS 2 faz uma ressalva: “é alívio imediato da pobreza”. Ressaltam ainda necessidade de um replanejamento para agilizar o sistema, o cadastramento e favorecer o cumprimento de condicionalidades por meio de ações acessíveis a população. Apontam a fragilidade do monitoramento e a omissão de informações como os principais pontos a serem revistos, pois estes podem facilitar a ocorrência de fraudes. Esses casos de omissão de informações referem-se, principalmente, a situação ocupacional de alguns membros familiares que mantém vínculos empregatícios na informalidade para não “perder” o benefício que complementa a renda familiar. A administração dos recursos financeiros pela família se concentra sobretudo em gastos com despesas domésticas, como o pagamento da conta de água, luz, gás e alimentação; seguida de outras despesas, como material escolar e medicação. 43 Para mais informações Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego, acessar: http://pronatec.mec.gov.br/ 106 Lembramos ainda que o Cadastro Único prioriza a mulher como titular do programa no âmbito da matricialidade sociofamiliar44. Nesta pesquisa, das quatro entrevistadas, duas mantinham algum tipo de relacionamento afetivo, porém afirmavam serem chefe da família uma vez que os companheiros não contribuíam efetivamente na manutenção do lar. No que se refere ao aspecto gerencial constatamos, portanto, que todos os entrevistados mencionam pontos a serem revistos quanto a eficiência, a eficácia e a efetividade. Todavia, na concepção do programa, tanto a gestão do PBF nas diversas áreas como as famílias beneficiárias, embora entendam o programa como direito, contraditoriamente verbalizam termos como “ajuda”. Apesar das famílias entrevistadas assumirem que o programa trouxe “muitas mudanças”, verbalizam pequenas contribuições cotidianas, ilustrando o recurso financeiro apenas e a ampliação da capacidade de consumo. As mesmas não apontam transformações significativas e de âmbito estrutural. Por fim, questionamos a concepção acerca do território e da territorialidade. Constatamos que há contradições quanto ao entendimento, sobretudo no âmbito da gestão das políticas públicas envolvidas. Uma parcela entende o território estritamente vinculado ao seu aspecto geográfico, de abrangência, isto é, de atuação das equipes de referência dos equipamentos públicos e, portanto, de organização dos serviços a partir da perspectiva da territorialização: “É o local de residência das famílias referenciadas no CRAS” (OPERADORA DO CRAS 1); “É uma área delimitada, local que a família se encontra [...]”(GESTORA 3); “[...] é uma área de atuação das equipes [...]”(GESTORA 2). Outra parcela tem uma concepção mais ampla, articulando-o as relações familiares, comunitárias e políticas, enquanto espaço de vivência e de pertencimento. “O território compreende o espaço onde vive o sentimento de pertencimento e também é uma forma de descentralizar os serviços. Os atendimentos, os serviços ao alcance do beneficiário” (GESTORA 4). 44 Um dos eixos estruturantes do SUAS. Ler Couto et al (2012). 107 Uma das entrevistadas conceitua território considerando sua diversidade e contradição no que tange o aspecto geográfico, político, econômico, cultural, social e familiar. Território é um espaço geograficamente delimitado onde a vida das famílias acontece. Suas relações familiares, comunitárias e políticas, sendo de grande importância que o indivíduo se reconheça como parte dele. Para a estruturação das políticas públicas é primordial que os envolvidos realizem diagnósticos das potencialidades e dos desafios para atuarem com e pelo território de abrangência das famílias beneficiarias dos serviços e programas da Política da Assistência Social e demais políticas públicas (OPERADORA DO CRAS 2). Observem que as entrevistadas entendem a importância do território, sobretudo para conhecer a realidade das famílias beneficiárias e configurar as políticas públicas de forma que atendam as necessidades e os interesses desta população. CONCLUSÃO A pesquisa em questão, de um lado, contribuiu para superar o senso comum, alimentado por setores da mídia e da oposição que desqualificam o Programa Bolsa Família com argumentos do tipo “Bolsa Esmola”, “é um incentivo para gente preguiçosa que não gosta de trabalhar”, “é compra de votos”, “as mulheres fazem mais filhos para receber mais dinheiro”, dentre outros mitos e preconceitos derrubados por pesquisas acadêmicas realizadas nesta área. E, por outro lado, observou aspectos importantes, como as fragilidades gerenciais do programa, suas potencialidades, o perfil das famílias beneficiárias, a concepção equivocada de “ajuda” atribuída ao PBF em detrimento da concepção de direito que implica direta e indiretamente na definição e configuração do território e da territorialidade que é plural e contraditória no âmbito das políticas públicas. REFERÊNCIAS COUTO, Berenice Rojas et al. O Sistema Único de Assistência Social no Brasil: uma realidade em movimento. 3 ed. rev. e atual. São Paulo: Cortez, 2012. p.54-87. 108 MDS, Ministério do Desenvolvimento Social Combate à Fome. Disponível em:<http://www.portaltransparencia.gov.br/PortalTransparenciaPesquisaAcaoD etalhado. Acesso em: 18 agosto 2015, 20:49. MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 13. ed. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco, 2013. SILVA, Maria Ozanira da Silva e. O Bolsa Família: Intersetorialidade – dimensão central na implementação e nos resultados do programa. In: ALMEIDA, Ney Luiz Teixeira de; SOUZA, Rosimary Gonçalves de (Orgs). A Intersetorialidade na Agenda das Políticas Sociais. Campinas, SP: Papel Social, 2014. A CONSTRUÇÃO SOCIO-HISTÓRICA DE GÊNERO NA SOCIEDADE PATRIARCAL: UMA ABORDAGEM NA TEORIA CRÍTICA DE DIREITOS HUMANOS 109 Tamíres Caroline de Oliveira45 Jucimeri Isolda Silveira46 RESUMO O presente artigo, que tendo como substrato a crítica à ofensiva conservadora presente no cenário brasileiro, aborda a compreensão da construção social de gênero na sociedade capitalista-patriarcal como produto sócio–histórico, que faz parte dos processos de reprodução do status quo. A teoria crítica de direitos humanos, em contraponto às concepções abstratas e liberais, sustentadas pelas perspectivas jusnaturalistas e juspositivistas, nos fornece elementos necessários ao enfrentamento das desigualdades de gênero na atualidade, pela abordagem sócio-histórica que procura explicitar as contradições da sociabilidade reproduzida pela hegemonia de classe, numa base cultural que associa valores relacionados ao capital e ao patriarcado. A análise da gênero por essa teoria supera prismas “culturalistas”, não só pelo posicionamento da crítica à desigualdade estrutural, como também, da função estratégica das lutas emancipatórias. Palavras-chave: Gênero. Patriarcado. Ideologia. Direitos Humanos. Introdução Este artigo parte das preocupações e análises críticas do cenário contemporâneo brasileiro, o qual apresenta uma ofensiva conservadora que se fortalece no cotidiano e dissemina-se como ideologia, inclusive junto à classe trabalhadora que, por sua vez, reproduz discursos de ódio e preconceitos em relação a determinados segmentos, notadamente por questões de gênero, engendrando expressões irracionais de violência em suas múltiplas faces. A problematização do tema considera o pressuposto da indissociabilidade entre conquistas parciais em direitos humanos, o que inclui as garantias legais, com as lutas das mulheres nas diversas formas de organização e resistência. 45 Assistente Social na Defensoria Pública do Estado do Paraná, formada pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR em 2012, especialista em Gestão de Políticas, Programas e Projetos Sociais pela PUCPR e compõe a Comissão de Ética e Direitos Humanos do Conselho Regional de Serviço Social - CRESS PR. 46 Assistente Social, docente do Curso de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Dirteitos Humanos e Políticas Públicas da PUCPR, Mestre em Sociologia pela UFPR, Doutora em Serviço Social pela PUCSP, atua como superintendente de planejamento da Fundação de Assistência Social de Curitiba, coordena a Área Estratégica e o Núcleo de Direitos Humanos da PUCPR, e é assessora editorial da Revista Gestão Social e do Fórum de Gestores Estaduais de Assistência Social. 110 Além do poder econômico que polariza a sociedade, a classe dominante hegemoniza a sociedade de modo a difundir e manter outra forma de poder de natureza político-ideológica: a desigualdade de gênero. Nesta sociabilidade, alguns segmentos de classe e grupos específicos – e dentre eles, as mulheres - são explorados em diferentes escalas, dado o próprio processo histórico de opressão. Por conta disso é que a análise sócio-histórica de gênero é sustentada pela teoria crítica dos direitos humanos, cuja finalidade é superar análises abstratas e “legalistas”, impondo-se como desafio central, reconhecer dimensões fundamentais em direitos humanos que possam representar avanços na análise teórica e nas práxis emancipatórias. 2. GÊNERO, IDEOLOGIAS MISÓGINAS E DOS DIREITOS DAS MULHERES A priori, quando se fala apenas da distinção entre homens e mulheres, gênero torna-se conceito neutro que não presume, necessariamente, desigualdade. É necessário, portanto, utilizarmos o conceito contextualizado na sociedade patriarcal, atribuindo o que SAFFIOTI (2004) chamou de gramática sexual na ordem patriarcal de gênero, uma vez que esta sociedade interfere diretamente na regulação das relações sociais, e faz da desigualdade entre homens e mulheres uma das expressões fundantes da sociedade capitalista, para além da relação desigual entre classes. Portanto, este conceito não se limita a ser apenas uma categoria analítica, seu significado será aqui abordado numa perspectiva sócio-histórica. Para compreender de modo totalizante a questão de gênero, é preciso recuperar seu processo ontológico, reconhecendo que há “instrumentos” que naturalizam as relações desiguais e autorizam a opressão-exploração. Trata-se das literaturas clássicas; da norma culta da língua portuguesa; do princípio humano defendido pelo cristianismo; bem como da própria história da humanidade. 111 Há registro de sociedades matriarcais onde não havia opressão de um gênero sobre o outro. Nestas, as mulheres eram adoradas, primeiramente porque era desconhecida a necessária participação do homem na procriação da espécie. Segundo, porque o modo de produção era baseado na caça de animais e coleta de plantas, sendo que a primeira era função dos homens e a segunda das mulheres: “(...) as mulheres eram responsáveis por mais de 60% da provisão dos víveres necessários ao grupo (LERNER, 1986). Enquanto a coleta é certa, acontecendo cotidianamente, a caça é incerta. (SAFFIOTI, 2004, p. 58).” A existência dessas sociedades datam aproximadamente 10.000 a.C. e seu fim data mais ou menos 2.000 a.C. (MURARO, 2002), sendo que a consolidação do patriarcado se deu somente no ano 600 a.C. (SAFFIOTI, 2004), quando os homens entenderam sua função na procriação e essa passa a ser um elemento de distinção e poder. A monogamia, defendida pela Igreja, se desenvolve na fase superior da barbárie, com êxito no período da civilização. O objetivo era garantir a propriedade privada e, para isso, a paternidade precisava ser legítima. É deste modo que se estabeleceu entre os gêneros a fronteira entre o público e o privado: a castidade feminina torna-se pré-requisito para a formação da família monogâmica. Processualmente, o germe do capitalismo foi se desenvolvendo no seio das sociedades escravocratas, e o patriarcado foi o sistema que permitiu tal processo. Apesar de ser um sistema antigo, por ser constitutivo da sociedade capitalista, continua presente na sociedade. Ele se reinventa e assume novas formas de opressão-exploração, ao mesmo tempo em que mantém as velhas práticas. Na sociedade fundada na luta de classes, a ideologia torna-se elemento necessário para manter a ordem patriarcal de gênero. Chaui (2003) pondera que 112 a ideologia, além de ser uma representação que serve ao domínio da sociedade burguesa, também é imprescindível para a dissimulação do real e ocultamento das contradições: “discurso ideológico é aquele que pretende coincidir com as coisas, anular a diferença entre o pensar, o dizer e o ser e, destarte, engendrar uma lógica da identificação que unifique o pensamento, linguagem e realidade.” (Idem, p. 3). São representações, valores e normas que aprofundam a desigualdade de gênero, se expressando materialmente nos mais diversos âmbitos da vida das mulheres, tais como: desigualdade salarial em quase a metade pelo mesmo tipo de cargo; minoria em cargos de poder e decisão; educação sexual diferenciada; divisão sexual do trabalho desigual; mercantilização do corpo das mulheres; crimininalização do aborto; feminilização da pobreza; violência contra as mulheres nos espaços públicos e privados; entre outras. Somado a isso, o cenário contemporâneo da sociedade brasileira apresenta uma ofensiva neoconservadora aos direitos humanos conquistados com árduas lutas e restauram uma cultura especialmente neofacista que, além de retirarem direitos, promovem: preconceito e a violência contra a população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais; genocídios contra a população negra, indígena, cigana e pobre; criminalização dos movimentos sociais e da pobreza; entre outros ataques e violações. Os preconceitos são produtos históricos produzidos pela classe dominante, a fim de manter sua ideologia hegemônica. Essa ideologia é universalizada, com evidente atuação da classe dominante pela “coesão social” da estrutura social em seu benefício. Tal ideologia tem como propósito “mobilizar em seu favor inclusive os homens que representam interesses diversos (e até mesmo, em alguns casos, as classes e camadas antagônicas)” (HELER, 1970, p. 54). 113 Na atual conjuntura, a ideologia dominante é retomada e encontra um cenário favorável para as regressões em termos de direitos humanos, conforme destaca SILVEIRA (2013, p.46): “(...) a cultura conservadora atende a lógica ruptura/restauração pela afirmação de valores e padrões ideais que reconfigurados possuem raízes naquele tempo de mera reprodução das relações feudais”. Importante considerar que “no tempo presente, contribuem (valores conservadores), sobremaneira nos juízos ultrageneralizados que orientam práticas cotidianas”. IASI (2015) afirma que este fenômeno conservador tem se expressado no cotidiano e se estrutura em três pilares: imediaticidade, pois o discurso não se remete a historicidade, é um “culto ao presentismo imediatista”; heterogeinidade, porque tornam as defesas conservadoras incoerentes, uma visão de mundo característica do senso comum e; superficialidade, pois ultrageneraliza suas experiências particulares e confunde-as com a totalidade. Neste sentido, observa-se que essa ideologia esta arraigada no senso comum, que interdita questionamentos e se pauta numa realidade já estabelecida, julgando-a imutável. Suas características, portanto, são irracionalidade, intolerância e preconceito, fortalecendo posições egoístas e se expressando por meio da violência, o que impede a autonomia e liberdade dos indivíduos. A negação da história, a modernização conservadora e a reprodução de seus valores no cotidiano - onde as práticas preconceituosas se reiteram - é funcional ao capitalismo, pois “os preconceitos servem para consolidar e manter a estabilidade e a coesão da integração dada” (HELLER, 1970, p. 53). Por consequência, aprofundam-se as desigualdades sociais, de gênero, raça/etnia. A crise contemporânea ao mesmo tempo que revela o predomínio de valores e práticas conservadoras, oferece condições históricas de afirmação das 114 formas de resistência e conhecimentos críticos com potência para desnaturalizar tais práticas e superar as ultrageneralizações, reafirmando princípios libertários e fortalecendo os mecanismos já conquistados. Por isso mesmo se faz imprescindível a leitura dos direitos humanos na perspectiva crítica, pois se a desigualdade de gênero é socialmente construída, a baliza para seu enfrentamento e superação, está na própria contradição do seu sistema e nas lutas sociais emancipatórias. 3. GÊNERO E A TEORIA CRÍTICA DE DIREITOS HUMANOS A concepção dos direitos pelo viés jusnaturalista e juspositivista, compõe o conjunto de mecanismos de reprodução da ordem dominante disseminados sutilmente por meio da ideologia, sustentadas por perspectivas a-históricas, fundamentalistas e/ou liberais, desconsiderando a historicidade das contradições existentes em cada sociedade e os conflitos sociais engendrados nestes contextos. Tais perspectivas têm diferentes concepções, as quais, entretanto, convergem na defesa de que os direitos são inerentes à condição humana, constituídos pela vontade individual, considerando o indivíduo isoladamente. Isto é, os direitos são originários da natureza humana, sendo ela universal e imutável. Para manter e regular a exploração, o capitalismo se apropria das normas jurídicas, regulando “direitos” que serão necessários para a realização da mediação das relações sociais, com maior ênfase naqueles relacionados à dimensão da liberdade, com centralidade na proteção da propriedade privada. Todavia, não se pode reduzir a ideia de que os direitos são apenas estratégias capitalistas em seu favor, pois a história de conquista, seus avanços e limites fazem parte de um processo de disputa entre diferentes sujeitos sociais e por isso cumprem um função histórica na constituição de uma nova base ideopolítica, com potencialidade transformadora. 115 Portanto, a “defesa” dos Direitos Humanos não é restrita aos movimentos sociais de perspectiva crítica. São várias as concepções existentes, algumas embasadas em princípios filosóficos e políticos, outras defendidas por setores liberais e outros segmentos que nem reconhecem a importância desse debate, tornando a efetivação dos direitos mais complexas à medida que, socialmente, essas diferentes concepções se enfrentam (RUIZ, 2014). É preciso demarcar que os direitos humanos não são naturais, tampouco apenas fruto da Revolução Americana através da Declaração de Virgínia (1776) ou da Revolução Francesa por meio da Declaração do Homem e do Cidadão (1789). Tais Declarações apenas dão aos direitos o reconhecimento formal, que – não por acaso – representam os interesses da classe dominante de suas épocas (RUIZ, 2014). A teoria crítica dos direitos humanos nega as abordagens que se restringem à definições que supervalorizam as dimensões dos direitos civis e políticos. Parte do princípio da indivisibilidade dos direitos, o que abarca os sociais, os econômicos, os culturais, novos direitos. Portanto, a crítica às concepções legalistas, supõe o reconhecimento da dinâmica das relações sociais, das classes e grupos, e destes com o Estado; a crítica às visões abstratas que abordam conceitos como homem e dignidade sem considerar as particularidades; a defesa da necessidade do fortalecimento das lutas sociais, na direção de outra sociedade, que afirme a emancipação e a diversidade humana, a liberdade e a igualdade substantivas. Os direitos humanos são produtos culturais resultantes de processos históricos e sociais engendrados por conflitos de interesses em cada sociedade, considerando, ainda, que há “(...) segmentos de classe que, em determinadas realidades, têm níveis de exploração e de violação de seus direitos e necessidades ainda superiores que os encontrados entre seus pares” (RUIZ, 2014, p. 124), ou seja: apesar dos estudos no campo dos direitos remontarem 116 seu início ao século XVIII, na questão de Gênero, o reconhecimento é muito recente, com frágeis garantias legais e institucionais para materialização dos direitos humanos. Isso não quer dizer que as mulheres não incorporaram as lutas, muito pelo contrário. Em 1791 Olympe de Gouges propõe à Assembleia Nacional da França a Declaração de Direitos da Mulher e da Cidadã, em contraponto a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão. Como resultado de sua ousadia, em 1793, é guilhotinada. Outro fato, muitas vezes desconhecido em seu significado, é a data que marca o Dia Internacional da Mulher. Em 1910, numa Conferência na Dinamarca, definiu-se essa data em homenagem as aproximadamente 130 mulheres que em 8 de março de 1857, em Nova Iorque, morreram queimadas numa fábrica têxtil por reivindicarem melhores condições de trabalho. Desta forma, é preciso destacar que o protagonismo de mulheres, singulares e coletivas, marcam as lutas travadas que buscaram trazer à tona as desigualdades de gênero e, por consequência, tiveram suas vidas ceifadas. O fato é que as mulheres, mesmo nos dias atuais, continuam morrendo quando das diversas formas ousam resistir e enfrentar as mais diversas opressões. Neste sentido, é que se defende que os direitos humanos devem estar relacionados à vida objetiva das mulheres, pois seus impactos são reais em seus cotidianos. Um dos desafios centrais é reconhecer a particularidade da América Latina, notadamente pelas implicações da colonização e suas marcas contidas nos planos normativos e culturais dos direitos humanos. O que se evidencia é a mera recepção acrítica de "modelos intelectuais ocidentais, que dispensa o processo de recepção criativa, (produção de discurso próprio)”. (Carballido, 2014, p.46). 117 Segundo o autor, a teoria crítica, engendrada na dinâmica da vida social, busca compreender, intervir, transformar, orientar escolhas, na direção emancipatória. Desse modo, produz "consequências práticas nos distintos âmbitos da ação". A efetivação dos direitos humanos implica, deste ponto de vista, a combinação “de um processo bastante complexo no qual se intervém aspectos normativos, políticos, ideológicos, sociais, culturais e econômicos". (Carballido, 2014, p.48). Assim, a luta e conquista de direitos não é neutra e os avanços libertários dependem da superação do “presentismo”, da insensibilidade reinante. A versão liberal dos Direitos Humanos no mundo ocidental, a mais mundializada e hegemômica, segundo Carballido (2014), atribui grande valor normativo aos Direitos Humanos, concebido a partir de uma “visão estática e legalista”, com efeito reprodutor da “modernidade ocidental capitalista”. Tonet (2002) apud Ruiz (2014, p. 136) afirma que a concepção de Direitos Humanos, para ser revolucionária – e não apenas reformista – não pode ter em seu objetivo final o aperfeiçoamento da democracia e da cidadania. É preciso reconhecer que há contradições e limites, mas que também há avanços históricos determinados pelas lutas sociais. Portanto, a conquista dos direitos humanos não pode ser um fim em si mesmo, mas como parte das lutas anticapitalistas. Neste processo, é fundamental desvelar a realidade e as contradições existentes, visando sua superação e, em condições objetivas, a emancipação humana. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A construção social de gênero é um produto histórico, regulado pela ordem patriarcal de gênero que estabelece uma assimetria entre homens e mulheres. Neste sentido, devemos compreender que os papeis sociais de 118 gênero e a adoção de comportamentos e padrões socialmente legitimados como verdadeiros são socialmente construídos e atendem aos interesses do capitalismo-patriarcal. As concepções abstratas, naturalistas e liberais de direitos humanos também fortalecem esse sistema, pois reproduzem sua ideologia quando negam os processos históricos e a luta de classes que engendraram a conquista de direitos. E diante do cenário atual de ofensiva neoconservadora, a afirmação da concepção crítica dos direitos humanos cumpre uma função histórica de alimentar lutas emancipatórias, de contribuir na saturação das contradições da sociabilidade vigente. Trata-se de uma sociabilidade que interdita o desenvolvimento das potencialidades humanas, desconsidera as diferenças e desrespeita a diversidade constitutiva do ser social. A luta por direitos humanos assume função estratégica na denúncia da desigualdade estrutural e das violações, especialmente porque a história da humanidade revela que a práxis é o elemento que engendra conquistas parciais e transforma relações na direção emancipatória. REFERÊNCIAS CARBALLIDO, Manuel Eugenio Gándara. Repensando los Derechos Humanos desde las luchas. Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 15, n. 15, p. 41-52, janeiro/junho de 2014. CHAUI, Marilena Souza. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. / Marilena Chaui – 10 ed. – São Paulo : Cortez, 2003. COUTO, Berenice Rojas. O direito social e a assistência social na sociedade brasileira: uma equação possível? – 4 ed. São Paulo : Cortez, 2010. HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. Editora Paz e Terra. São Paulo, 1970. IASI, Mauro. {Ofensiva Neoconservadora}. Palestra proferida no 44º Encontro Nacional de Serviço Social - Ofensiva Neoconservadora e Serviço Social no Cenário Atual, Rio de Janeiro - RJ, 04 de setembro de 2015. 119 MURARO, Rose Marie. Feminino e Masculino: uma nova consciência para o encontro das diferenças. / Rose Marie Muraro, Leonardo Boff, - Rio de Janeiro: Sextante, 2002. MURARO, Rose Marie. A Mulher no terceiro milênio: uma história da mulher através dos tempos e suas perspectivas para o futuro. – Rio de Janeiro, 4ª Ed. Record: Rosa dos Tempos, 1995. RUIZ, Jefferson Lee de Souza. Direitos Humanos e concepções contemporâneas. / Jefferson Lee de Souza Ruiz. – São Paulo : Cortez, 2014. SAFFIOTI, Heleieth I. B. Gênero, Patriarcado e Violência. – São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004. – (Coleção Brasil Urgente). SILVEIRA, Jucimeri Isolda. Profissionalidade do Serviço Social: Estatuto sócio-jurídico e legitimidade construída no “modelo” de competências. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP. Doutorado em Serviço Social. São Paulo, 2013. AVALIAÇÃO DO PROGRAMA VIDA NOVA, A PARTIR DA VISÃO DOS IDOSOS DA PREFEITURA MUNICIPAL DE CURITIBA Janaina Guimarães da Silva RESUMO 120 O presente estudo é fruto da experiência vivida no campo de estágio realizado no Programa Vida Nova, do Instituto de Previdência dos Servidores do Município de Curitiba - IPMC. Através das demandas que eram apresentadas ao Serviço Social envolvendo diversas problemáticas, considerando questões de ordem social que emergem com o processo de envelhecimento. Este estudo tem o intuito de possibilitar uma aproximação com a realidade dos idosos, considerando suas percepções à cerca do trabalho desenvolvido na instituição. Palavras-chave: Envelhecimento. Direitos. Avaliação. Idosos. INTRODUÇÃO O presente trabalho foi elaborado a partir das observações realizadas no campo de estágio e entrevistas feitas com os idosos, entre os meses de agosto de 2012 e dezembro de 2013, no Programa Vida Nova, do Instituto de Previdência dos Servidores do Município de Curitiba – IPMC. O Programa Vida Nova surgiu para atender uma necessidade dos idosos que, na maioria das vezes, não estão preparados para essa nova etapa de suas vidas. Além disso, outro fator para a criação, foi a constatação do crescimento de casos de depressão e outras doenças entre a população idosa. Nesse sentido, o trabalho realizado no Programa Vida Nova tem como objetivo central promover o bem estar aos idosos, a partir de ações educativas e culturais, preservando a identidade de cada um e promovendo a socialização entre eles. Em todas as ações desenvolvidas tem-se presente valores como a ética, o respeito e a valorização do indivíduo. Esses direitos são garantidos pelo Estatuto do Idoso, como define o Art. 20: O idoso tem direito a educação, cultura, esporte, lazer, diversões, espetáculos, produtos e serviços que respeitem sua peculiar condição de idade. (BRASIL, 2003, p. 12) A partir da realização do estágio, pudemos ter um contato direto com os 121 idosos que participam das atividades oferecidas. Essa aproximação possibilitou observações, conversas e discussões que apontaram a importância de ações voltadas para essa população. Dessa forma, esse estudo tem como objetivo geral avaliar, a partir da observação no campo de estágio, se o programa em questão está sendo eficaz, garantindo qualidade de vida e direitos básicos à população idosa, conforme preconiza o Estatuto do Idoso. BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO SOBRE O PROGRAMA VIDA NOVA O Programa Vida Nova, iniciado em 2007, foi instituído para atender as demandas de idosos, vinculados ao IPMC. Surge com a finalidade de realizar atividades que venham ao encontro dos interesses desse público, realizando ações que promovam a socialização, o lazer e o conhecimento. Como objetivos, tem-se a promoção da qualidade de vida e a realização de atividades de lazer e socioeducativas. Como metas, foi estabelecido que o Programa Vida Nova deveria atender a todos que procurassem a instituição. Atualmente, a Prefeitura Municipal de Curitiba conta com, aproximadamente, 10.000 idosos vinculados ao IPMC. Dentre esses sujeitos, cerca de 2.000 a 2.500 participam ou participaram das atividades desenvolvidas pelo Programa Vida Nova durante os anos de 2012 e 2013. As atividades semanais são realizadas de segunda à sexta-feira, das 09:00hs às 17:00hs. Existem ainda as ações mensais, como as palestras, as oficinas de artesanato e os passeios. Além disso, existem as atividades esporádicas, que surgem de acordo com a demanda dos usuários. Na instituição, cabe ao Serviço Social realizar o planejamento das atividades que serão desenvolvidas, bem como, através da observação e escuta qualificada, estar atento às demandas apresentadas pelos usuários. Além disso, o Assistente Social realiza pesquisas para verificar se as ações estão atendendo as expectativas dos idosos, para que possam ser modificadas e/ou melhoradas. Entre outras demandas apresentadas ao Serviço Social, o profissional tem a 122 responsabilidade de prestar informações a respeito da aposentadoria, dos processos de pensão e de concessão de benefícios. Com o princípio de identificar questões sobre o envelhecimento e questionar se os objetivos propostos pelo programa estão sendo alcançados, realizamos entrevistas individuais, semi-estruturadas, com os participantes que foram escolhidos através de critérios de participação nas ações desenvolvidas Para tanto, apresentamos os resultados obtidos, através das entrevistas qualitativas, realizadas com a amostra de aposentados escolhida, bem como as percepções da acadêmica sobre as categorias de análise definidas. ANÁLISE DAS ENTREVISTAS Para a escolha dos idosos que participaram das entrevistas foi utilizado o critério de elegibilidade, considerando que estes são sujeitos significativos, sendo três mulheres que conhecem e tem vínculo com o programa desde a sua criação, uma que, além de participar das atividades propostas, oferece os cursos de Italiano e Dança de Salão e um homem que participa de uma atividade semanal no programa, o que não é comum dentro da instituição. Realizamos este estudo para verificar se os objetivos propostos pelo Programa Vida Nova estão sendo atingidos, baseando-nos na avaliação de eficácia. Para tanto, apresentamos os objetivos definidos na constituição do programa: Promover a qualidade de vida aos aposentados e pensionistas da Prefeitura Municipal de Curitiba; Realizar ações socioculturais e educativas; Realizar atividades que vão ao encontro com a demanda dos aposentados e pensionistas da Prefeitura Municipal de Curitiba. Dessa maneira, as questões norteadoras, propostas para as entrevistas, foram baseadas nos três objetivos supracitados. No entanto, durante as respostas apresentadas pelos usuários, pudemos perceber outras situações presentes no cotidiano desses sujeitos. Por isso, além de relacionarmos as 123 respostas aos objetivos propostos pelo programa, analisamos também através da categoria envelhecimento. CATEGORIA 1: ENVELHECIMENTO E QUALIDADE DE VIDA Essa categoria foi composta para que possamos entender, de acordo com o ponto de vista da população idosa, como se dá o processo de envelhecimento e de que maneira isso afeta na qualidade de vida dessas pessoas. Ao longo do processo histórico brasileiro, o envelhecimento populacional foi concebido como algo ruim tanto para os idosos, devido as questões de saúde e perdas presentes nesta etapa da vida, como para o restante da população, que sempre considerou essa população como inativa e dependente. Somente nos últimos anos tem-se preocupado com as definições dadas à velhice, visto que a população idosa, cada vez mais, faz-se presente no cenário brasileiro. Apesar de não ter ocorrido o rompimento total com as visões citadas, atualmente, tem-se procurado destacar essa etapa da vida como uma fase de sucesso, que pode proporcionar aos idosos novas experiências de vida. Como definições de envelhecimento bem-sucedido, onde a qualidade de vida se faz presente. Os estudos sobre envelhecimento começam a se debruçar sobre os aspectos positivos dessa etapa da vida e, não mais, apenas sobre as características negativas, como perdas ou doenças. De acordo com Gusmão É importante reconhecer, no idoso, o seu papel mediador na vida social, nos diversos tempos e espaços. Partindo deste princípio, a velhice constitui um tempo estratégico da vida em sociedade. Porém, o que a velhice representa está em nós e na imagem que construímos (GUSMÃO apud LUZ; AMATUZZI, 2008, p. 304). Neste sentido, é visível a preocupação das questões que recorrem sobre envelhecimento, entre todos os entrevistados, conforme relato abaixo: “Para mim, qualidade de vida é quando estamos bem com nós mesmos e com as pessoas que convivemos. É possuir saúde física e mental e participar de atividades de lazer. A idade chega, mas a gente não pode ficar parado.” 124 Portanto, a preocupação com a qualidade de vida, através da manutenção da saúde e da realização de atividades do interesse dos indivíduos começa a ganhar destaque durante à velhice. Por se caracterizar como uma fase de mudanças e transformações, essa fase traz à tona o destaque de questões subjetivas, que não foram consideradas durante a vida adulta. Mediante os relatos apresentados, compreende-se que para os idosos a qualidade de vida está relacionada à manutenção da saúde, tanto física como mental, a autonomia em relação aos outros e a realização de atividades de lazer. Atualmente, a velhice não é concebida apenas como um momento de descanso e, devido ao avanço da medicina e outros setores específicos da sociedade que atendem esse público, o envelhecimento deixa de ser considerado um entrave para a realização de atividades que proporcionam o conhecimento e o lazer. Portanto, o envelhecimento passa demandar a atenção, além de questões físicas, questões culturais e psicológicas (DEBERT, 1999). Dessa maneira, é importante destacarmos a ligação existente entre a qualidade de vida e os “novos espaços de sociabilidade (como os grupos de convivência e as universidades para a terceira idade)” (DEBERT, 1997, p.120). Os idosos começam a reconhecer esses espaços como propiciadores de novos conhecimentos e aptidões, que não tiveram oportunidade de aprender ao longo de suas vidas. CATEGORIA 2: EFICÁCIA DAS AÇÕES PROPOSTAS PELO PROGRAMA VIDA NOVA Visando aprofundar o conhecimento da relação entre os participantes e as atividades propostas pelo Programa Vida Nova, buscamos identificar nesta categoria se os entrevistados consideram que as atividades propostas estão de acordo com as suas solicitações e se eles identificam se os objetivos colocados pelo programa estão sendo alcançados. Para analisar esse aspecto adotamos o conceito de eficácia, conforme elucida Baptista 125 A eficácia é analisada a partir do estudo da adequação da ação para o alcance dos objetivos e das metas previstos no planejamento e do grau em que os mesmos foram alcançados. Incide sobre a proposta e, basicamente, sobre os objetivos (gerais e específicos) por ela expressos, estabelecendo em que medida os objetivos propostos foram alcançados e quais as razões dos êxitos e dos fracassos (2000, p. 118). Novamente, a relação existente entre os idosos e a existência desses espaços, mostra-se vinculada à manutenção da saúde física e mental de seus participantes. Nesse sentido, avalia-se positivamente as atividades desenvolvidas na instituição, visto que além do lazer e da socialização, essas ações sugerem para a importância quanto à prevenção da saúde da população idosa. De acordo com as respostas podemos perceber que os objetivos “Realizar ações socioculturais e educativas” e “Realizar atividades que vão ao encontro com a demanda dos aposentados e pensionistas da Prefeitura Municipal de Curitiba” estão sendo atingidos conforme o esperado. Os participantes enxergam o Programa Vida Nova como um espaço feito por eles, através das demandas existentes, e para eles, de acordo com aquilo que os idosos têm interesse. O objetivo “Promover a qualidade de vida aos aposentados e pensionistas da Prefeitura Municipal de Curitiba” também é identificado e alcançado, na medida do que os próprios idosos entendem como qualidade de vida. Debert (1999) aponta que os idosos sentem-se valorizados quando são escutados e, principalmente quando têm suas solicitações atendidas. Por constituir um público que foi constantemente marginalizado e estereotipado, ao longo de tantos anos, os idosos sentem a necessidade de estarem inseridos em espaços onde são requisitados. Mediante as falas coletadas nas entrevistas, podemos perceber que os participantes estão satisfeitos com as atividades desenvolvidas na instituição, alegando que elas são importantes para suas vidas. Conforme Debert (1999), os programas e projetos voltados para a terceira idade possibilitam uma interação social diferenciada, pois esses espaços costumam não promover os estereótipos negativos relacionados à velhice. Ou seja, nessas instituições a velhice, 126 concebida, muitas vezes, como uma etapa em que o ser humano deve repousar e diminuir o ritmo, não é reforçada. Apesar de na entrevista não surgirem muitas sugestões para novas atividades, é possível perceber que, por mais que estejam satisfeitos com as ações desenvolvidas, os participantes possuem uma opinião crítica frente ao programa. É comum que os idosos façam comentários, sugestões e críticas para os funcionários da instituição. No entanto, isso acontece de forma voluntária, de maneira esporádica. CONCLUSÃO O presente trabalho tinha por objetivo avaliar a eficácia do Programa Vida Nova através da visão de seus participantes. Além da visão particular, dos idosos do Município de Curitiba em relação ao Programa Vida Nova, buscamos analisar a situação desse público, através de uma percepção mais ampla. Para análise, trouxemos a discussão à cerca do processo de envelhecimento, visto que os programas e projetos voltados para essa área possuem uma relação intrínseca com as demandas e angústias apresentadas na velhice. Através da vivência do estágio, a partir de aproximações sucessivas com os participantes do programa, percebemos as demandas apresentadas pelos idosos, além do vínculo criado por eles, com a instituição, e a importância dada ao trabalho desenvolvido neste espaço. A partir dessa relação, começamos as nos questionar sobre o alcance dos objetivos propostos pelo Programa Vida Nova, visto que os participantes sempre salientaram a relevância deste espaço, mas que um estudo aprofundado sobre essa relação ainda não havia sido realizado. Quanto às questões subjetivas, relacionadas ao bem-estar e a qualidade de vida durante a velhice, percebemos que esses espaço espaços estão conseguindo dar conta dos objetivos propostos, proporcionando aos seus participantes momentos e atividades que possibilitam a vivência de novas experiências durante esse momento da vida. No entanto, entende-se a 127 necessidade de um aprimoramento também nessas questões, visto que o público atendido nesses programas e projetos cresce a cada dia e torna-se cada vez mais exigente quanto ao que é oferecido. Percebemos então, a contribuição que os processos avaliativos podem dar a esses espaços, considerando que os programas e projetos sociais, destinados aos idosos, devem estar de acordo com aquilo que é demandado por esse público e, para isso, necessitam da constante realização de avaliações a respeito do trabalho desenvolvido. Nesse aspecto, compreende-se que o profissional de Serviço Social, inserido nessas instituições, pode contribuir para a realização desses processos avaliativos e possibilitar melhorias nas ações desenvolvidas, tendo em vista que o Assistente Social, através de sua formação teórica, crítica e investigativa, tem a capacidade de promover esses estudos e pontuar propostas para a qualificação dos trabalhos realizados. REFERÊNCIAS BAPTISTA, Myrian Veras. Planejamento Social: intencionalidade e instrumentação. 2ª Edição, Veras Editora, São Paulo – Lisboa: 2007. BRASIL. Estatuto do Idoso. Lei 10.741/03 – Brasília: 2003. DEBERT, Guita Grin. A Reinvenção da Velhice: Socialização e Processos de Reprivatização do Envelhecimento. Editora da Universidade de São Paulo: Fapesp, 1999. DEBERT, Guita Grin. Envelhecimento e curso da vida. Estudos Feministas, 120-128, 1997. Disponível em: http://www.ieg.ufsc.br/admin/downloads/artigos/12112009093723debert.pdf Acesso em: 09/10/2013 às 21hs20min. 128 LUZ, Márcia Maria Carvalho; AMATUZZI, Mauro Martins. Vivências de felicidade de pessoas idosas. Estudos de Psicologia, Campinas 25(2) 303307, 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/estpsi/v25n2/a14v25n2.pdf Acesso em: 20/11/2013 às 22hs35min. BREVE REVISÃO HISTÓRICA SOBRE A FORMAÇÃO E A PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL Bruno Alvarenga Ribeiro Aline Mendonça Silva Karyne Faria Teixeira Helena Rabelo Silva Garcia RESUMO Este ensaio é um produto da revisão bibliográfica que forneceu os subsídios teóricos para a condução da pesquisa intitulada “A Produção de Conhecimentos no Curso de Serviço Social do UNIFOR-MG: um levantamento e análise das categorias conceituais presentes nos trabalhos de conclusão de 129 curso produzidos entre os anos de 2010 e 2014”. O texto adotou como objetivo produzir uma reflexão sobre como a pesquisa se tornou uma atividade regular na formação em Serviço Social no Brasil. Para isso foi feito um breve resgate histórico dos currículos que marcaram o Serviço Social brasileiro e dos direcionamentos sociais que eles atribuíram ao processo formativo. Com este resgate foi possível elucidar como a Teoria Social de Marx foi adotada como a perspectiva teórica hegemônica da profissão. Por último, foram feitas algumas considerações sobre a pesquisa em Serviço Social e de seu compromisso com a superação da ordem do capital. Palavras-chave: Formação Profissional; Pesquisa em Serviço Social; Teoria Social de Marx. INTRODUÇÃO A pesquisa em Serviço Social não é pura e simplesmente um processo investigativo cujo objetivo é a produção do saber pelo saber. Ela tem um compromisso ético-político, pois o saber resultante da sua realização deve ser capaz de agir como um instrumento de libertação e não como instrumento de dominação. O saber que é produzido pelo Serviço Social não tem como fim garantir a concretização das condições que asseguram a reprodução da ordem do capital. Ao contrário, ele deve ser capaz de desvelar como esta ordem se estabelece e quais são as suas contradições, o que coloca a necessidade de resgatar a crítica como meio e não como fim. É Marx (2012) quem diz que a crítica como meio favorece a superação das condições que gestam e reproduzem a opressão. É se apropriando, portanto, da crítica como instrumento analítico, que o Serviço Social passa a ter condições de superar a visão de que a profissão se limita ao intervencionismo, dando, desta forma, vida à dimensão investigativa. Por sua vez, a pesquisa é a única via para a materialização desta dimensão. A PESQUISA NA FORMAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL A formação do Assistente Social deve ser compreendia a partir da inserção da profissão na divisão sócio-técnica do trabalho, compreensão gestada a partir do Movimento de Reconceituação, movimento “[...] cuja preocupação central foi a busca de uma nova qualidade da base teórica 130 metodológica e recriação de exercício profissional, fundamentando-se no compromisso de classe [...]” (BALDIOTI, 2013, p. 39). Os resultados mais expressivos do Movimento de Reconceituação foram o código de ética de 1993 e as diretrizes curriculares de 1996. Baldioti (2013) lembra que é a partir das diretrizes curriculares de 1996 que o trabalho de conclusão de curso vai ganhar destaque no processo de formação do Assistente Social. Essa é a prova mais cabal da importância que a pesquisa tem para o Serviço Social. Então é lícito afirmar que o exercício da pesquisa tem grande importância para a formação profissional, pois ele contribui para o desenvolvimento de uma atitude crítica, investigativa e propositiva, preparando, de acordo com Bourguignon (2005, p. 46), o Assistente Social para “[...] gestar conhecimentos que acrescentam subsídios téorico-metodológicos [...]” coerentes com a natureza do objeto de estudos do Serviço Social e com as demandas oriundas da sociedade. Ao se falar em pesquisa, a questão da produção do conhecimento precisa ser lembrada e Baldioti (2013) recorda que a busca do conhecimento não é uma especificidade da ciência, ou seja, é uma atitude tipicamente humana procurar respostas para indagações. Isso quer dizer que [...] a pesquisa ganha significado ontológico, ou seja, existencial e laborativo, pois faz parte da natureza humana se perguntar pelo desconhecido e através das possibilidades de respostas atender as necessidades do homem em suas dimensões individual e coletiva, produzindo e reproduzindo sua própria existência, não de forma mecânica, mas de forma complexa, processual, contraditória e histórica. (BOURGUIGNON, 2005, p. 85). Baldioti (2013) parece concordar com Bourguignon (2005) ao reafirmar o estatuto ontológico da pesquisa: “a produção de conhecimento via pesquisa é condição da existência humana, isto é, faz parte da natureza humana produzir conhecimento para responder às suas necessidades através da pesquisa.” Para que seja possível compreender como a pesquisa se tornou uma atividade regular na formação em Serviço Social no Brasil, é necessário reconstruir a trajetória histórica dos currículos que marcaram o Serviço Social brasileiro e dos direcionamentos sociais que eles atribuíram ao processo 131 formativo, pois só esta reconstrução pode elucidar como a Teoria Social de Marx foi adotada como a perspectiva teórica hegemônica da profissão, adoção que tem repercussões fecundas na forma como a categoria pensa a formação da realidade social. É bom salientar que uma proposta curricular imprime à formação uma direção social, que respaldada em determinados pressupostos teóricos, no caso do Serviço Social brasileiro os pressupostos da Teoria Social de Marx, subsidiará a atuação profissional. A implementação de um currículo, pressupõe uma seleção intencional de conteúdos, procedimentos e de comportamentos que o compõe, e serve como apoio e orientação para os meios de ensino, o que implica em falar sobre quais conhecimentos ensinar, para quem ensinar e como fazê-lo. (ARAÚJO, 2010, p. 54). Em se tratando da formação em Serviço Social, a seleção dos conteúdos visa superar a fragmentação das disciplinas, buscando, desta maneira, preservar a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Mas nem sempre a formação foi pensada nesta perspectiva. A primeira proposta de formação em Serviço Social é de 1936, ano em que foi implantada em São Paulo a primeira escola de Serviço Social do Brasil sob a égide da ação católica, via Centro de Estudos e Ação Social – CEAS. Esta proposta teve por um lado o suporte filosófico do neotomismo de São Tomás de Aquino e por outro o suporte institucional da Igreja Católica brasileira. Portanto, a formação esteve comprometida com o reformismo cristão, e o código de ética de 1947 é a materialização mais visível do conservadorismo reproduzido por esse reformismo, que encontrou na moral o seu estatuto científico, sendo esta entendida como a ciência dos valores que deveriam ser seguidos para que o bem comum pudesse ser promovido. Na década de 1950 a formação em Serviço Social no Brasil recebeu a influência da Escola de Serviço Social Americana. Essa influência tornou-se evidente por meio da adoção do Serviço Social de Casos, Grupos e Comunidades. Este foi um período dominado pelo desenvolvimentismo, modelo econômico que apostou no desenvolvimento da indústria nacional como meio de contornar o esgotamento do modelo econômico agrário-exportador. A adoção 132 deste modelo teve reflexos na formação dos Assistentes Sociais, exigindo, por sua vez, um perfil mais técnico e prático que fosse capaz de atender às exigências decorrentes do processo de acumulação capitalista. [...] A formação prática era entendida como apreensão do ‘como fazer’ em relação aos diferentes campos de atuação. A formação técnica, específica do assistente social, consistia no estudo das teorias do Serviço Social que respaldassem as ações dos profissionais quanto aos desajustados individuais e coletivos. A formação científica dava-se por meio de disciplinas como sociologia, psicologia e biologia e também da moral, para serem utilizadas como instrumentos de trabalho [...] (LEWGOY, 2009 apud ARAÚJO, 2010, p. 57) .47 Na década de 1960 o Serviço Social estreitou seus laços com as classes dominantes. O reflexo do estreitamento destes laços, que ocorreu na vigência da ditadura militar, que foi um regime que se instalou a partir de um golpe arquitetado por diversas frações da burguesia, materializou-se, segundo Silva (1995), na postura assistencialista assumida pelo Serviço Social, postura que difundiu-se por toda a categoria a despeito do rigor técnico e científico propagado no nível do discurso. Em 1970 ocorreu a aprovação do currículo mínimo pelo Conselho Federal de Educação, que em linhas gerais reproduziu a ideologia do desenvolvimentismo. De acordo com Baldioti (2013), dois projetos de grande envergadura se fizeram visíveis no horizonte da categoria profissional: 1) o Movimento de Renconceituação, na América Latina, que aposta na revisão crítica radical do tradicionalismo profissional e propõe uma construção nova de uma teoria e práxis para o Serviço Social contrária à abordagem desenvolvimentista vigente na realidade latinoamericana da época; 2) o processo de Renovação do Serviço Social brasileiro que busca novos recursos teóricos que pudessem auxiliar os Assistentes Sociais nas suas práticas profissionais e que atendessem as demandas de qualificação exigidas pela ditadura militar na área das ciências humanas, não só no Serviço Social, como a necessidade de aperfeiçoamento técnico, científico e cultural dos profissionais na área de planejamento e implantação de projetos de desenvolvimento. (BALDIOTI, 2013, p. 38). 47 LEWGOY, A. M. B. Supervisão de estágio em Serviço Social: desafios para a formação e exercício profissional. São Paulo: Cortez, 2009. 133 Foi colocada em marcha durante a década de 1970 a reforma universitária, que teve como o seu principal objetivo criar as condições para que o almejado aperfeiçoamento técnico, científico e cultural pudesse ser alcançado. Um dos sinais visíveis da reforma foi a ampliação da pós-graduação, que também contemplou o Serviço Social. Neves (2000) analisa esta ampliação e nela identifica as intenções do Estado: Com essa diretriz o Estado deixava à vista suas intenções de simultaneamente aumentar a capacidade científico-tecnológica do trabalho para a produção monopolista e modernizar o aparato educacional, promovendo, pela pós-graduação uma nova síntese entre teoria e prática, ao vincular mais estreitamente educação superior e produção. (NEVES, 2000, p. 51). Com a ampliação do Movimento de Reconceituação e a atuação mais consistente dos movimentos sociais, inclusive do movimento estudantil, criou-se um clima de efervescência social que favoreceu a formatação de um novo projeto de formação profissional. Em fins da década de 70 e início da de 80, a formação profissional do assistente social começa a ser questionada no quadro geral da sociedade brasileira, com a rearticulação e surgimento de novas forças políticas, em cujo contexto se destaca o movimento de organização da categoria e movimento estudantil. Busca-se nesse novo contexto, novas teorias e novas alternativas de prática, propondo-se um compromisso com as camadas populares, o que vem exigindo um novo projeto de formação profissional.. (SILVA, 1995, p. 50). Todas essas transformações marcam a aproximação entre o Serviço Social e a Teoria Social de Marx. Elas também marcam a compreensão de que a produção de conhecimento é um perene ato de apossar-se do real. É importante destacar que a Teoria Social de Marx e seu método de investigação estão baseados na concepção do materialismo histórico dialético. É por afirmar que a sociedade se constitui a partir de condições materiais de produção de da divisão social do trabalho, que as mudanças históricas são determinadas pelas modificações naquelas condições materiais e naquela divisão do trabalho, e que a consciência humana é determinada a pensar as ideias que pensa por causa das condições materiais instituídas pela sociedade, que o pensamento de Marx [...] é chamado de materialismo histórico. (CHAUÍ, 2000, p. 537, grifo original). 134 Chauí (2000, p. 537) ainda lembra que o pensamento de Marx é dialético “por afirmar que o processo histórico é movido por contradições sociais [...]” Já Santos (2013) destaca que toda a essência do pensamento marxiano se resume em captar as formas de produção da vida material no interior da sociedade burguesa, mas ressalta que essa sociedade só serve de modelo para a análise de outras sociedades que a precederam porque ela alcançou um grau exponencialmente maior de desenvolvimento das forças produtivas. O Serviço Social passa a fazer uma análise crítica da sociedade burguesa ao se apropriar da Teoria Social de Marx, produzindo um conhecimento sobre o ser social capaz de desvelar as contradições que determinam a sua forma de existir. Para Marx (2012) e também para o Serviço Social, a crítica não é um fim em si mesma. Ela é um meio para alcançar a revolução das condições que engendram a opressão. Sobre o exercício da crítica Marx diz: “ela não se dá mais como fim em si mesma, mas tão só como meio. Seu pathos essencial é a indignação, seu trabalho essencial, a denúncia.” (MARX, 2012, grifos originais). Na Teoria Social de Marx o Serviço Social consegue encontrar os elementos para analisar a processualidade histórica em seu movimento dialético de afirmação e negação da ordem instituída pelo capital, captando, desta forma, os determinantes históricos das totalidades que constituem as sociedades regidas pela apropriação privada dos meios de produção. Disso resulta que a análise do todo deve considerar que ele é muito mais do que a soma das partes. Nas palavras de Baldioti (2013, p. 34) “a compreensão dialética da totalidade significa não só que as partes se encontram em relação de interna interação e conexão entre si e com o todo, mas também que o todo se cria a si mesmo na interação das partes”. Há que se ressaltar que um dos saldos mais positivos da aproximação entre o Serviço Social e a Teoria Social de Marx foi a materialização do projeto ético-político da profissão. Alguns dos fundamentos do projeto ético-político podem ser encontrados no currículo de 1982. 135 O currículo mínimo de 1982 demarcou-se como uma forte contribuição para a superação da formação e prática de cunho tecnicistas demandadas pelas necessidades da “modernização conservadora” nos países periféricos cuja incidência na profissão, configurou o momento inicial da reconceituação do Serviço Social no país. (ABREU, 2008 apud BALDIOTI, 2013, p. 63).48 O marco do novo currículo foi a inserção da pesquisa como disciplina obrigatória na formação profissional dos Assistentes Sociais. Posteriormente o currículo de 1982 foi revisado. Da revisão surgiram as diretrizes curriculares de 1996, que de acordo com Setubal (2007), integraram a pesquisa ao currículo mínimo. No entanto, a aprovação das diretrizes curriculares de 1996 ocorreu em um contexto marcado pelo avanço da ofensiva neoliberal. Este avanço teve como resultado a mercantilização da educação. A mercantilização obstacularizou “[...] a proposta de construção de uma universidade pública, laica, de qualidade e socialmente referenciada, balizada no ensino, pesquisa e extensão, como pilares fundamentais de sua estrutura [...]” (SILVA, 2010, 411). A consequência disso é que as instituições de ensino superior (IES) se transformaram em emissoras de certificados, atuando, por assim dizer, apenas no nível da reprodução da ordem estabelecida e não na produção de uma nova ordem. (LEWGOY; MACIEL; REIDEL, 2013). Para o Serviço Social essa lógica representa grandes desafios. Uma educação que privilegia a formação técnica para o mercado de trabalho acaba desvalorizando a importância da pesquisa, que é o veículo capaz de integrar as três dimensões da profissão: técnicooperativa, teórico-metodológica e ético-política. E nunca é demais reforçar que é por meio da pesquisa que o Serviço Social consegue superar a visão de que a profissão não se limita ao intervencionismo. Do Assistente Social se espera uma postura de pesquisador e o 48 ABREU, M. M. ABEPSS: a perspectiva da unidade da graduação, pós-graduação e a produção do conhecimento na formação profissional. In: Serviço Social e Sociedade. n. 95. Anos 29. São Paulo: Cortez, p. 173-188, nov/2008. 136 pesquisador tem um compromisso para e com a sociedade, o processo de conhecimento al qual se embrenha pode e deve responder à sociedade, ou seja, o saber não deve servir como instrumento de dominação, mas como alternativa de libertação. (FILHO, 2009, p. 7). Isso quer dizer que ao assumir a postura de pesquisador o Assistente Social está na verdade estabelecendo um compromisso com a dimensão éticopolítica da profissão. Esta dimensão vai se realizar na medida em que ele atuar com base em uma fundamentação teórica e metodológica consistente, e o que vai conferir essa consistência é o resgate da crítica como meio e não como fim. A crítica como instrumento analítico transforma o saber em instrumento de libertação. Tão somente por isso a pesquisa é o único veículo capaz de integrar as três dimensões do Serviço Social. Portanto, a valorização da pesquisa só tende a produzir benefícios para a consolidação da categoria e de seu projeto ético-político. Inumeráveis são as vantagens da pesquisa, para os que a praticam. Mas essa importância tem que ser exaltada desde os momentos iniciais da graduação por todos os que têm a missão de contribuir com uma postura interdisciplinar, com uma formação profissional aliada às demandas do mercado, com a fundamentação teórico-metodológica e com o projeto ético-político da profissão. (SETUBAL, 2007, p. 70). Por conseguinte, o desenvolvimento da pesquisa durante a formação pode estimular a capacidade interpretativa, preparando, assim, o futuro profissional para apreender o seu objeto de estudos e intervenção em todas as suas facetas, como também possibilita o desvelamento dos determinantes que condicionam suas incontáveis formas de apresentação. CONCLUSÃO Ao percorrer brevemente a história dos currículos que marcaram a formação em Serviço Social no Brasil, este artigo pôde demonstrar que é através da integração da pesquisa ao currículo mínimo que foram criadas as condições para que a profissão fosse capaz de produzir um saber que evidencie as contradições que perpassam o seu objeto de estudos e intervenção. 137 Mas tal processo de desvelamento só se materializa na medida em que o Serviço Social incorpora ao seu arsenal teórico as categorias conceituais da Teoria Social de Marx. Portanto, é no diálogo com a Teoria Social Crítica que o Serviço Social consegue encontrar os elementos necessários para analisar a história em seu movimento dialético de afirmação e negação da ordem instituída pelo capital, superando, assim, a dominação e promovendo, enfim, a tão sonhada libertação. REFERÊNCIAS: ARAÚJO, A. Q. P. de. Formação profissional em Serviço Social: embates no estágio entre o projeto ético-político e as demandas no mercado de trabalho. 2010. 160 p. Dissertação (Mestrado em Serviço Social)-Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2010. BALDIOTI, C. M. de O. A produção do conhecimento no Serviço Social e sua relação com o exercício profissional: uma análise das dissertações de destrado em Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora. 2013. 149 p. Dissertação (Mestrado em Serviço Social)-Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, 2013. BOURGUIGNON, J. A. A particularidade histórica da pesquisa no Serviço Social. 2003. 340 p. Tese (Doutorado em Serviço Social)-Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003. CHAUÍ, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000. FILHO, M. J. A produção do conhecimento em Serviço Social. Revista Serviço Social e Saúde. v. 7-8, n. 7-8, Dez. 2009. 138 LEWGOY, A. M. B.; MACIEL, A. L. S.; REIDEL, T. A formação em Serviço Social no Brasil: contexto, conformação e produção de conhecimento na última década. Temporalis, ano 13, n. 25, p. 91-111, Jan./Jun. 2013. MARX, K. Para a crítica da filosofia do direito de Hegel. Introdução. In: NETTO, J. P. (Org.). O leitor de Marx. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. NEVES, L. M. W. Brasil 2000: nova divisão de trabalho na educação. 2 ed. São Paulo: Xamã, 2000. SANTOS, S. R. dos. A questão do “método” na teoria social crítica marxiana. In: III Simpósio Mineiro de Assistentes Sociais. Anais eletrônicos... Horizonte: CRESS-MG, 2013. Disponível em: Belo www.cress- mg.org.br/arquivos/simposio/A QUESTÃO DO MÉTODO NA TEORIA SOCIAL CRÍTICA MARXIANA.pdf> Acesso em: 30 jun. 2015. SETUBAL, A. A. Desafios à pesquisa no Serviço Social: da formação acadêmica à prática profissional. Revista Katálysis, Florianópolis, v. 10, n. esp., p. 64-72, 2007. SILVA, R. S. da. A formação profissional crítica em Serviço Social inserida na ordem do capital monopolista. Serv. Soc. Soc., n. 103, p. 405-432, Jul./Set. 2010. SILVA, M. O. da S. e. Formação Profissional do Assistente Social. 2 ed. São Paulo: Cortez, 1995. 139 O SERVIÇO SOCIAL INCLUINDO PELA ARTE NA EDUCAÇÃO: EXPERIÊNCIAS DO GEPA. Karina Cardoso de Sousa Rafaela Soares Mayara Karla da Anunciação Silva RESUMO Este trabalho consiste em um relato de experiência das contribuições da Arte na formação educacional e inclusão social de adolescentes a partir da vivência do Grupo de Estudo e Pesquisa em Arte (GEPA) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão, no campus do município de Açailândia. A Arte, em suas mais diversas expressões, mostra-se um caminho para uma formação cidadã e integral dos adolescentes, na medida em que possibilita seu contato com um mundo estético que conduz a percepções distintas da sociedade, conduzindo o sujeito ao entendimento e captação de diferentes processos sociais, políticos e culturais que abrem espaço para a inclusão social desse sujeito. A experiência do grupo tem demonstrado que é possível a 140 construção de uma postura educativa interdisciplinar na qual o educando é o principal sujeito. Palavras-chave: Serviço Social; Arte; Educação; Inclusão Social. INTRODUÇÃO A discussão sobre a inserção do Serviço Social na política social pública de Educação ganhou força entre estudiosos, pesquisadores e profissionais da área, haja vista a proporção das tensões sociais vivenciadas pelo alunado ora ocasionadas pela questão social resultado da desigualforma de sociabilidade erguida pelo capital. Este artigo apresenta um relato de experiência que evidencia reais contribuições para o Serviço Social na Educação tendo o ensino da Arte como aliado no processo inclusivo juvenil em distintos aspectos e esferas. O foco está no ensino da arte-educação na contemporaneidade nos cursos integrados do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão no município de Açailândia, a partir dos objetos artísticos construídos pelo Grupo de Estudos e Pesquisa em Artes – GEPA. SERVIÇO SOCIAL NA EDUCAÇÃO Desde a década 1990, várias discussões surgiram em torno da implantação do Serviço Social nas escolas da rede pública tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio. Essas discussões renderam, já nos anos 2000, como fruto inicial um Parecer Jurídico no qual foram postos as atividades a serem desempenhadas pelos profissionais dessa área. No geral, compreendese que o diagnóstico e a análise das diferentes ordens que perpassam e conduzem o processo educacional, portanto o espaço da escola, e que repercutem no processo de formação do alunado só é possível quando realizado por profissionais que detenham competência teórica, metodológica, técnica e política para compreender a dimensão social e integral da educação e da escola. 141 Figueiredo (2009) pontua que a presença de profissionais do Serviço Social na política pública educacional tem contribuído com a construção de um espaço de escuta e acolhimento das dificuldades na escola que se manifestam em situações diversas.Martins (1999) ao realizar uma análise sobre o Serviço Social na Educação destaca como competências dos profissionais dessa área: contribuir para o ingresso, regresso, permanência e sucesso do educando na escola; favorecer a relação família-escola-comunidade ampliando o espaço de participação destes na escola; ampliar a visão social dos sujeitos envolvidos com a educação, decodificando as questões sociais e proporcionar uma articulação entre educação e demais políticas sociais e organizações do terceiro setor, estabelecendo parcerias, facilitando o acesso da comunidade escolar aos seus direitos. Verifica-se, pois, uma conformidade entre os autores quanto ao papel do Serviço Social no âmbito escolar ao mesmo tempo em que se constata um caráter socioeducativo dessa área na política educacional de modo a contribuir com o processo de formação dos educando numa perspectiva integral, na qual o profissional deve proporcionar articulação com diferentes frentes que possam favorecer os processos educativos. Nesse contexto, entende-se também que o Serviço Social na Educação tende a possibilitar discussões que conduzam a mudanças de mentalidade e postura, alterando modos de ser e pensar na perspectiva da conscientização e do acesso à informação que facilite o acesso aos direitos sociais, consequentemente à inclusão social do educando podendo este perceber-se como cidadão e dentro de uma totalidade da qual ele também é responsável. EDUCAÇÃO INCLUSIVA PELA ARTE A Educação que se almeja segundo todos os aparatos legais, entre, planos e projetos políticos pedagógicos, ora voltados para a formação plena do indivíduo, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o mercado de trabalho, numa perspectiva integral e interdisciplinar, ou seja, 142 considerando indissociáveis essas três visões, constitui um grande desafio na atualidade. As práticas pedagógicas nos estabelecimentos de ensino, sobretudo e com maior peso em instituições públicas, ora baseadas em concepções tradicionais do processo ensino-aprendizagem tem ido de encontro aos ideais de educação pretendida pelos documentos legais que visam um ensino voltado para uma formação integral do sujeito, bem como pelo próprio alunado que tem exigido novos modos de ensinar que atendam às suas expectativas, aos seus projetos de vida, aos seus anseios de um futuro promissor no qual se sinta de fato como sujeito incluso na sociedade. Toledo (2009, p. 76) corroborando com isso, ressalta que: O ensino, ainda memorativo, baseado quase que exclusivamente nos livros didáticos como fonte de consulta e nos recursos como giz e apagador, bem como em práticas ainda frequentemente utilizadas como cópias e questionários, já não atende à realidade nem às necessidades de aprendizagem e de inserção social reclamadas por nossos educando, sujeitos diversos, inseridos em espaços diferenciados. No geral, prevalece ainda em muitas unidades escolares um ensino com um aspecto racional que distancia dos processos educacionais o campo das emoções, da percepção estética,dos sentimentos, fragmentando pensamento e conhecimento, tornando, assim, cada vez mais difícil para os educando reconhecerem-se como sujeitos integrais dentro de uma totalidade. Ainda, percebe-se também a existência de instituições de ensino que tentam mascarar as dificuldades que têm impedido um avanço que possa conduzir a reais mudanças rumo a um ensino de qualidade e eficaz naquilo que se propõe, a saber, a formação de sujeitos críticos, conscientes, ativos e dinâmicos na sociedade, capazes de realizar mudanças efetivas nos processos sociais, políticos e culturais levando à sua ascensão social, cultural e política. Nesse contexto, percebe-se que a escola, ora mais preocupada com a transmissão de conhecimentos direcionados às exigências do mercado de trabalho, em vez de promover a inclusão social dos educando, tem sido um 143 espaço de exclusão social, auxiliando a perpetuar a desigualdade social, estando, pois, descomprometida com a cidadania dos sujeitos nela envolvidos. Sobre o modelo homogeneizante da escola da atualidade, Dayrell (2001) critica essa postura, propondo que haja um resgate dos educando como sujeitos socioculturais, isto é, integrantes de uma sociedade, com uma cultura, que trazem consigo experiências e vivências diversas que precisam ser consideradas, respeitadas e associadas ao processo ensino-aprendizagem. [...] os alunos já chegam à escola com um acúmulo de experiências vivenciadas em múltiplos espaços, através dos quais podem elaborar uma cultura própria, uns 'óculos', pelo qual sentem e atribuem sentido e significado ao mundo, à realidade onde se inserem (2001, p.14). A Arte, por sua vez, na medida em que propicia o contato com valores estéticos, com diferentes formas de conceber o mundo, respeitando e valorizando cada uma, tem uma importância no campo da educação, pois resgata o educando como sujeito do mundo, histórico, integral, dentro de uma totalidade. Promove ainda o desenvolvimento da autoestima do educando, de suas faculdades mentais, de sua capacidade ética ajudando-o na obtenção de uma postura crítica diante dos processos sociais, políticos, culturais que tende a levar à inserção e inclusão social dos sujeitos nesses processos. Para Macedo (2000), a Arte precisa ser buscada nos processos educativos, pois auxilia transformando o homem e ressignificando o mundo. Costa (2004) observa ainda como a Arte na Educação pode predispor o educando ao desejo de aprender e à busca incessante pelo conhecimento transformador, discorrendo que a prática artística nessa área é um estimulante para a imaginação, a criatividade, despertando aptidões que podem levar às áreas de criação, expressão e Por isso, assim como a arte invade todos os campos da vida humana, deve também estar presente nas diferentes disciplinas e práticas pedagógicas, despertando a atenção, o interesse e facilitando a memorização (2004, p.13). 144 A EXPERIÊNCIA DO GRUPO DE ESTUDO E PESQUISA EM ARTE (GEPA) É, pois, concebendo a escola como espaço de construção de saberes e cultura e considerando que os atores envolvidos neste espaço e estão inseridos em um mundo estético, e entendendo que a arte é fundamental para a formação humana e para a inserção e inclusão do sujeito na sociedade, uma vez que possibilita ao mesmo construir-reconstruir, criar-recriar, modificar e assim, intervir no meio onde vive de modo proativo, consciente e ético que sepensou na criação de um grupo no qual fosse possível criar um diálogo saudável entre a Arte, a Cultura, a Educação de modo a beneficiar os educando no processo de inclusão social e formação. Assim, nasceu o Grupo de Estudo e Pesquisa em Arte (GEPA) no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão do município de Açailândia. Com mais de cinco anos de existência, o GEPA está cadastrado no Núcleo de Pesquisa do instituto tendo como um de seus objetivos principais o desenvolvimento do ensino, pesquisa e extensão na sua forma indissociável, tendo em vista que as três formas de construção de conhecimento estão intimamente relacionadas. O grupo constitui-se num espaço a todo o corpo discente do instituto, sendo composto atualmente por dezoito estudantes do Ensino Médio Integrado e do Proeja, cursando do 1º ao 3º ano. O perfil dos estudantes integrantes do GEPA corresponde a adolescentes entre 15 a 18 anos de idade pertencentes a famílias com renda média de até três salários mínimos; alguns são provenientes da zona rural do município de Açailândia, mas residem atualmente no próprio município com familiares como tios e primos a fim de facilitar no processo de deslocamento diário para a escola. Os estudantes que fazem parte do GEPA foram escolhidos mediante seleção através de edital publicado no espaço escolar. A seleção envolveu duas etapas, a saber, análise dos documentos de caráter eliminatório e análise de habilidades artísticas e/ou entrevista de caráter classificatório. Na 145 primeira, os critérios observados foram: estar devidamente matriculado e cursando alguma modalidade de ensino no IFMA Campus Açailândia; ter bom desempenho/rendimento escolar; não possuir medida disciplinar e ter até quatro ND (não desenvolvido) no Histórico Escolar. A segunda etapa consistiu em verificar habilidades artísticas, nas suas mais diversas formas de expressão, considerando uma produção artística que o candidato deveria produzir; ressalte-se, contudo que o fato do estudante não apresentar habilidades artísticas não constituiu em motivo para sua eliminação, pois o interesse pela pesquisa e extensão no contexto da Arte e Educação foi o principal elemento considerado, tendo em vista também que um pressuposto defendido pelo GEPA é possibilitar caminhos para a inclusão e não exclusão social. O interesse pela pesquisa e extensão na área da Arte e Educação foi avaliado através de duas entrevistas, uma com profissional do ensino de Arte e outra da área de Serviço Social. A entrevista com profissional do Serviço Social foi necessária para identificar o perfil dos sujeitos que tinham demonstrado interesse pelo grupo e sua trajetória de vida, pois se entende que o contexto histórico e as condições reais dos candidatos são indissociáveis de sua prática educativa e artística, devendo, assim serem “analisados e considerados na busca de verificar o papel da arte no processo de construção humana e de formação do sujeito integral” (TOLEDO, 2009, p.79). Após seleção, os estudantes integrantes do GEPA passam a ter oficinas e palestras sobre temas diversos, no contraturno das aulas, na própria instituição de ensino. Após participarem do grupo e passarem a ter horários préestabelecidos para os encontros foi notório o desenvolvimento das noções de disciplina, responsabilidade, solidariedade, colaboração e respeito com o próximo entre os estudantes, questões pouco percebíveis antes da participação deles no grupo. 146 Ademais, é evidente a melhoria no rendimento escolar desses adolescentes, fato exposto por docentes de outras disciplinas, bem como pelo setor pedagógico da instituição. A participação no grupo não impossibilita o estudante de participar de outros grupos de estudo ou de outros programas e projetos da instituição. Há um incentivo para que esses adolescentes busquem enriquecer o currículo, aproveitando as oportunidades que a instituição oferece com vista na entrada no mercado de trabalho futuramente, mas, sobretudo, na continuação dos estudos em nível superior. Outro ganho considerável para os estudantes integrantes do GEPA percebido no decorrer da existência do grupo é a participação dos estudantes em eventos científicos e culturais que propiciam maior aprendizagem, diálogo entre teoria e prática, contato com culturas e modos de saber diferentes, abrindo novas percepções sobre o mundo e o homem. Essas participações mais que agregar conhecimentos, ajudam na valorização do saber acumulado e da aprendizagem adquirida aos poucos nos processos educativos formais, incentivando-as e contribuindo no processo do estudante perceber-se como parte do processo educativo, e sentir-se incluso socialmente. CONSIDERAÇÕES FINAIS A escola é um espaço rico no processo de inclusão social de adolescentes. A educação, por sua vez, é uma ferramenta imprescindível desse processo, e a Arte, ao possibilitar que a escola assuma práticas pedagógicas mais flexíveis, ressignificando conhecimentos, valorizando vivências e considerando os educando como sujeitos históricos, tem papel fundamental na formação humana e nos processos de inserção e inclusão social de modo qualitativo e abrangente. 147 A experiência do GEPA no Instituo Federal do campus Açailândia, por sua vez, tem demonstrado que embora existam entraves, ainda é possível construir uma postura educativa interdisciplinar na qual a educação esteja de fato direcionada para uma formação humana integral - cidadã, profissional e pessoal, na qual o educando é o principal sujeito do processo educativo. Desse modo, a Arte é uma forte aliada do Serviço Social na educação em seus objetivos inclusivos. REFERÊNCIAS CFESS. Serviço Social na Educação. Grupo de estudos sobre o Serviço Social na Educação. Brasília: DF, 2001. COSTA, Cristina. Questões de Arte. 2 ed. reform. São Paulo: Moderna, 2004. DAYRELL, Juarez. A escola como espaço sócio-cultural. In: ______.(org.) Múltiplos olhares sobre Educação e Cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001. P. 136-161. FIGUEIREDO, Charles Barros de.O Trabalho do Assistente Social na Educação: Demonstração do Plano de Ação na Escola. http://www.cibs.cbciss.org/relatos.html, 2009. MACEDO, Marle de Oliveira. O cenário da exclusão social – uma tentativa de desconstrução. In: BIANCHI, Ana Maria (org.) Plantando Axé: uma proposta pedagógica. São Paulo: Cortez, 2000. P47-77. MARTINS, Eliana Bolorino Canteiro. O Serviço Social na área da Educação. In: Revista Serviço Social & Realidade. V 8 nº 1. UNESP, Franca: São Paulo, 1999. TOLEDO, V. D.Inclusão social na educação não formal: o Instituto Arte no Dique como experiência alternativa diante da crise do ensino escolar. Revista de Educação (PUCCAMP), v. 27, p. 75-86, 2009. 148 CRÔNICA DE “MORTES ANUNCIADAS”: FEMINICÍDIO COMO MÁXIMA DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NA SOCIEDADE BURGUESA Naraiana Inez Nora49 RESUMO: Este artigo visa problematizar o feminicídio como expressão máxima da violência contra mulher na sociedade burguesa, bem como, pretende contribuir no Serviço Social, para a reflexão e debate da violência contra a mulher, entendendo que se trata de tema fundamental no campo ético profissional. As fontes primárias que compõe a pesquisa provêm de dados publicizados por órgãos oficiais. Os resultados apontam o crescimento do feminicídio e para as particularidades dessa forma de violação dos direitos das mulheres, o qual tem sua sustentação ideológica no patriarcado e sua objetivação na propriedade privada. Nas relações reificadas que se estabelecem na sociedade capitalista, a mulher é concebida como mercadoria, objetivada e coisificada, na relação com o homem. O feminicídio se nutre desta mercantilização do corpo e da vida das mulheres, ao mesmo tempo que se expressa como ápice da banalização do humano, revelando a face mais brutal 49 Docente do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Campus Toledo. Mestre em Educação. Email: [email protected] Telefone: (45) 3379-7051. 149 da dominação do homem pelo homem. Palavras-Chave: Feminicídio; Violência contra Mulher; Serviço Social. INTRODUÇÃO Ampliar o debate acerca das formas de opressão que permeiam a sociedade burguesa e, neste caso, com recorte para a violência contra a mulher é imperativo para o Serviço Social, sobretudo, considerando sua consolidação como profissão que possui um projeto profissional alicerçado em valores democráticos, universais e libertários do humano. Desde este prisma, por um lado há que se reconhecer a violência contra a mulher como uma das expressões da chamada “questão social”, que se coloca como objeto de intervenção do Serviço Social e atravessa a diversidade de espaços sócio-ocupacionais nos quais os profissionais se inserem. Por outro, apreender os determinantes da violência contra mulher e suas multifacetadas expressões é pressuposto para reafirmar o compromisso ético e político tão necessário ao enfrentamento dessa forma de violação dos direitos humanos, e, por conseguinte, ir ao encontro dos valores e preceitos preconizados pela profissão. Sendo assim, o presente artigo busca problematizar o feminicídio como expressão máxima da violência contra mulher na sociedade burguesa, considerando que dado o desenvolvimento das forças produtivas e de acumulação do capital – neste momento em especial subordinado ao capital financeiro – essa violência se expressa como ápice da banalização do humano. Adicionalmente, pretende-se contribuir, no âmbito do Serviço Social, para a reflexão acerca da violência contra a mulher, entendendo que se trata de tema fundamental no campo ético profissional, e desse modo, desvelar esse tema é, per si, basilar para sua desmistificação. Os procedimentos metodológicos escolhidos são a pesquisa bibliográfica e a documental. As fontes primárias foram coletadas de materiais organizados e publicizados por órgãos governamentais, institutos de pesquisa e organizações mundiais, como o Ministério da Saúde, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e a Organização Mundial da Saúde (OMS). 150 DESENVOLVIMENTO A violência contra a mulher encontra sustentação ideológica no patriarcado e no machismo (sendo este uma expressão do primeiro), como balizas presentes no processo histórico de desenvolvimento da sociedade capitalista. No Brasil, dado sua consolidação histórica recente de nação colonizada, escravizada e dependente, esse binômio adquire ainda maior centralidade nas relações sociais de dominação e exploração das mulheres pelos homens. As relações entre os gêneros estão imbricadas nas relações de poder, as quais hierarquizam homens e mulheres ao longo da história. Para Saffioti (2004) o conceito de gênero é um muito mais vasto que o de patriarcado, pois acompanha a humanidade desde sua existência, enquanto o patriarcado é um fenômeno recente, particularmente articulado à industrialização do capitalismo, sendo ainda um caso específico das relações de gênero onde estas são desiguais e hierárquicas. Sendo assim, o patriarcado diz respeito necessariamente à desigualdade e à opressão feminina pelo masculino. Essa opressão, que é a violência contra a mulher, se manifesta de diferentes modos, tendo sido caracterizada e tipificada na Lei nº 11.340/2006. A violência, como uma expressão da “questão social”, perpassa a totalidade da vida social e é um fenômeno multidimensional. Entretanto, há que se destacar que a violência contra a mulher no Brasil tem um nítido recorte de classe e etnia, sendo ainda mais perversa quando associada a estas duas outras determinações. De acordo com pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a violência contra as mulheres tem cor e classe no Brasil: 61% das mulheres assassinadas entre 2001 e 2011 eram negras, tinham baixa escolaridade e renda. As mulheres negras foram as principais vítimas em todas as regiões, à exceção do Sul, com destaque para a elevada proporção de óbitos nas regiões Nordeste (87%), Norte (83%) e Centro-Oeste (68%) (IPEA, 2013). 151 A violência contra a mulher configura a face mais brutal da ideologia patriarcal, e o feminicídio, a expressão máxima desta violência. De acordo com Radford e Russel (1992 apud GARCIA et al 2015), o termo feminicídio foi empregado na década de 1970 pelo movimento feminista para referir-se ao óbito de uma mulher causada por um homem em função do conflito de gênero. Na década de 1990, esses mesmos autores empregaram o termo para se referir às mortes de mulheres em razão de seu gênero. Posteriormente, o termo passou a ser utilizado para fazer referência a qualquer morte de mulher por violência. Muito embora a mortalidade feminina represente em média 8% do total dos homicídios ocorridos no Brasil, ela apresenta características diferenciadas e que devem ser levadas em consideração, haja vista a particularidade de ocorrerem principalmente no âmbito privado das relações – família e domicílio – e ter um viés sexista. Garcia et al (2015), em pesquisa desenvolvida junto ao IPEA sobre estimativas de feminicídios no Brasil, destacam que os feminicídios geralmente são cometidos por homens e diferem dos assassinatos de homens em diversos aspectos: Por exemplo, a maioria dos feminicídios tem envolvimento de parceiros ou ex-parceiros e decorre de situações de abuso no domicílio, ameaças, intimidação ou violência sexual ou de situações nas quais a mulher tem menos poder ou menos recursos do que o homem [...]. Os parceiros íntimos são os principais assassinos de mulheres. Aproximadamente 40% de todos os homicídios de mulheres no mundo são cometidos por um parceiro íntimo. (GARCIA et al, 2015, p. 251-252)50. Recentemente, foi sancionada a Lei Nº 13.104 de 9 de março de 2015, que altera o Código Penal criando a modalidade de homicídio chamada feminicídio, que agrava o homicídio cometido contra a mulher quando esta vem a ser vítima simplesmente por razões de sua condição de sexo feminino. Em 2013 o IPEA ao divulgar os dados de uma pesquisa sobre homicídios de mulheres no Brasil, já apontava para a necessidade de tipificação penal para o feminicídio. Tal pesquisa mostrou que no Brasil, entre 2001 a 2011, ocorreram 50 Já a proporção de homens assassinados por companheiras é próxima a 6%, isto significa que a proporção de mulheres assassinadas por parceiro é 6,6 vezes maior do que a proporção de homens na mesma situação. (STÖCKL, 2013; WHO, 2013 apud GARCIA et al 2015). 152 mais de 50 mil feminicídios, o que equivale a aproximadamente 5 mil mortes a cada ano (IPEA, 2013). O índice de homicídios de mulheres aumentou 17,2% nesse período. Só em 2011 foram mais de 4,5 mil mulheres assassinadas no país, ou seja, quase 13 mulheres assassinadas por dia no Brasil. O Ministério da Saúde tem fomentado a publicação de uma série denominada Mapas da Violência, os quais têm como fonte de dados as informações coletadas via Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS). Alguns destes Mapas compilaram dados específicos acerca da violência contra a mulher. O Mapa da Violência 2012 - Atualização: Homicídio de Mulheres no Brasil, de autoria do sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, ao analisar os homicídios de mulheres no Brasil, constatou que entre 1980 e 2010 foram assassinadas mais de 92 mil mulheres, aproximadamente 44 mil somente na última década, o que demonstra a evolução das taxas de feminicídio, ao mesmo tempo que justificam a necessidade de criação de mecanismos de coibição desta forma de violência. Gráfico 01. Evolução das taxas de feminicídio Fonte: SIM/SVS/MS apud WAISELFISZ, 2012, p. 9. Pode-se observar que o crescimento efetivo dos feminicídios ocorre até o ano de 1996, quando as taxas duplicam em relação à década anterior. Há uma estabilização de 1996 até 2006, com uma leve queda no primeiro ano de vigência da Lei Maria da Penha, em 200751. Em seguida volta a crescer de forma considerável até o ano de 2010, igualando ao máximo patamar 51 Uma estatística cabe destacar aqui: a Lei Maria da Penha fez diminuir em cerca de 10% a taxa de homicídios praticados contra mulheres no domicílio das vítimas, de acordo com a pesquisa realizada pelo Ipea em março deste ano - Pesquisa Avaliando a Efetividade da Lei Maria da Penha. (IPEA, 2015). 153 já observado no país: o de 199652. A tabela a seguir ilustra as taxas de feminicídio por Estados. Tabela 01 Número e taxas de homicídio feminino (em 100 mil mulheres) por UF. Brasil. 2010. Fonte: SIM/SVS/MS apud WAISELFISZ, 2012, p. 11. Enquanto a média dos Estados foi de 4,4 homicídios por cada 100mil habitantes, a taxa por capitais ficou acima disso, em 5,1. Entre as quatro primeiras capitais nas quais essa taxa aparece acima de 10 homicídios, a capital do Paraná, Curitiba, aparece em 4º lugar com 10,4 para cada 100 mil. O Espírito Santo continua a ser o Estado mais violento, com a maior taxa de mortes de mulheres (9,8 vítimas para cada 100 mil mulheres), número quase quatro vezes maior do que o do Piauí, Estado com o menor índice no país. O Mapa da Violência 2013: Homicídios e Juventude no Brasil, destacou que o índice de mulheres jovens assassinadas foi superior ao do restante da população feminina no período que compreende 2001 a 2011. As taxas de feminicídio entre as mulheres jovens praticamente duplicam em comparação com as não jovens (WAISELFISZ, 2013). Em 2011, a taxa de homicídios entre mulheres com idades entre 15 e 24 anos foi de 7,1 mortes para cada 100 mil habitantes, enquanto a média para as não jovens foi de 4,1. De modo similar, a pesquisa do IPEA constatou que entre 2009 e 2011 as mulheres 52 Essa evolução coloca o Brasil em 7º lugar na posição mundial em taxas de homicídio feminino, com dados homogêneos divulgados pela Organização Mundial da Saúde no período que compreende 2006 à 2010. 154 jovens foram as principais vítimas: 31% estavam na faixa etária de 20 a 29 anos e 23% de 30 a 39 anos. Outros dados do feminicídio informam ainda que: 50% envolveram o uso de armas de fogo e 34%, de instrumento perfurante, cortante ou contundente; enforcamento ou sufocação foi registrado em 6% dos óbitos; maus tratos – incluindo agressão por meio de força corporal, força física, violência sexual, negligência, abandono e outras síndromes de maus tratos (abuso sexual, crueldade mental e tortura) – foram registrados em 3% dos óbitos. (IPEA, 2013) CONCLUSÃO Os resultados apresentados neste artigo apontam para importância de se debater o tema do feminicídio, como pressuposto ético e político necessário no campo dos direitos humanos. A sociedade é perpassada não apenas por discriminações de gênero, como também de raça, etnia, classe social e orientação sexual. Saffioti (2004) acrescenta que a grande contradição da sociedade atual é composta pelo nó: patriarcado, racismo e capitalismo. É lógico que esses processos passam também pela naturalização dos processos socioculturais de discriminação do feminino, por isso é de extrema importância compreender como essa naturalização e outras categorias sociais constituem “o caminho mais fácil e curto para legitimar a ‘superioridade’ dos homens, assim como a dos brancos, a dos heterossexuais, a dos ricos” (SAFFIOTI, 1987, p.11). A violência contra as mulheres é estrutural e inerente aos sistemas patriarcal e capitalista de produção. Se constitui em uma ferramenta de controle da vida, do corpo e da sexualidade das mulheres. Dito isto, compreende-se que a protogênese da violência contra as mulheres está no sistema patriarcal e no capitalismo, que impõem uma necessidade de apropriação e exploração da mulher pelo homem. A mulher torna-se, assim, propriedade privada para o homem, e, por conseguinte, a violência contra a mulher é expressão máxima do direito de propriedade privada do homem sobre a mulher. 155 Engels (1984) ao estudar a origem da família burguesa, destaca sua gênese a partir da constituição da família monogâmica, entendendo que esta “foi a primeira forma de família que não se baseava em condições naturais, mas econômicas, e concretamente no triunfo da propriedade privada sobre a propriedade comum primitiva” (ENGELS, 1984, p. 70). A família burguesa surge, pois, sob a forma de escravização de um sexo pelo outro, ou ainda, como proclamação de um conflito entre os sexos, até então ignorado. Do triunfo da propriedade privada sobre a comunal e do homem sobre a mulher, se alicerçam os elementos contraditórios da sociedade e da família burguesa. Marx, no Capital, aprofunda a critica que faz ao conceito de mercadoria, demonstrando que sob o jugo do capitalismo, as relações humanas se reduzem a meras relações entre produtos, reificando as relações sociais e transformando, por sua vez, as relações entre as coisas em relações sociais (MARX, 1988). Nestas relações reificadas, o trabalhador torna-se mercadoria na relação com o capitalista, assim como a mulher é concebida como mercadoria na relação com o homem. Como mercadoria, a mulher, seu corpo, sua vida mesmo, não lhe pertencem, mas pertencem a um outro ser. Ela é objetivada e coisificada na relação com o homem, de modo que este a toma como bem de consumo, de propriedade, portanto, com direito para decidir sobre sua “vida e morte severina”53. Dessa mercantilização do corpo e da vida das mulheres que o feminicídio se nutre e toma forma como expressão máxima. O estágio atual do capitalismo, com o desenvolvimento das forças produtivas e a subordinação de toda a sociedade ao capital financeiro, impõe uma lógica perversa de mercantilização universal, aprofundando as desigualdades de todas as ordens e resultando, no que Iamamoto (2009) denomina de banalização do humano. O feminicídio como expressão máxima da violência contra mulher na sociedade burguesa, se exprime como ápice da banalização do humano, 53 Em alusão a obra de João Cabral de Melo Neto “Morte e Vida Severina”, publicada em 1955. 156 revelando a face mais brutal da dominação do homem pelo homem, da indiferença e do estranhamento do homem como ser genérico, e de sua personificação como mero objeto, mercadoria ou propriedade privada. Embora do ponto de vista jurídico-normativo tenham ocorridos avanços na sociedade brasileira, com a promulgação de legislações que visam coibir e punir atos que violem direitos das mulheres, o feminicídio tem crescido a passos largos, mostrando quão distante está a superação desse genocídio de gênero e quão anunciadas são ainda estas mortes54. Enfrentar o feminicídio passa pela construção de novos valores societários, de uma nova cultura livre de mecanismos de dominação, opressão e discriminação. Se como nos indicou Engels, essa contradição homem e mulher se origina com a sociedade de classes, a qual por sua vez tem seu fundamento na propriedade privada, então entendemos que sua superação só pode ser também a superação das condições materiais que lhe dão objetividade, isto é, com o fim da sociedade burguesa. REFERÊNCIAS ENGELS, F. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 9ªed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984. GARCIA, L.P.; FREITAS, L. R. S.; SILVA, G. D. M.; HÖFELMANN, D. A. Estimativas corrigidas de feminicídios no Brasil, 2009 a 2011. Revista Panam Salud Publica, 2015, nº 37(4/5), p. 251–257 IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na cena contemporânea. In: Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009. IPEA. Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil. In: GARCIA, L.P.; FREITAS, L. R. S.; SILVA, G. D. M.; HÖFELMANN, D. A. Versão Preliminar. 2013. MARX, K. O capital: crítica da economia política. Volume 1, livro primeiro. 3 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988. SAFFIOTI, H. I. B. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Editora fundação Perseu Abrano, 2004. Coleção Brasil Urgente. O título do artigo, “Crônicas de Mortes Anunciadas” faz alusão ao romance de Gabriel García Marquez “Crônica de uma morte anunciada”, de 1981. 54 157 SAFFIOTI, Helieth I.B. O Poder do Macho. Projeto passo à frente. Coleção polêmica; v. 10. São Paulo: Moderna, 1987, 120 p Waiselfisz, J. J. Mapa da Violência 2012 - Atualização: Homicídio de Mulheres no Brasil. Brasília: FLACSO Brasil, agosto de 2012. Waiselfisz, J. J. Mapa da Violência 2013: Homicídios e Juventude no Brasil. Brasília, Ministério da Saúde, 2013. A EXPERIÊNCIA DA CAPTAÇÃO DE DOADORES DE SANGUE NO CENTRO DE HEMATOLOGIA E HEMOTERAPIA DO PARANÁ – HEMEPAR Fabiane Natal Janata55 Marinalva Gonçalves da Silva56 Nely Maria Coimbra Moura57 Rosilda de Fátima Rodrigues58 Vânia Venzel Borges59 55 Assistente Social. Especialista em Auditoria e Programas de Atenção à Saúde Pública - ITECNE/PR e MBA em Gestão de Pessoas e Controladoria Pública na Saúde - ITECNE/PR. Assistente Social. Especialista em Didática do Ensino Superior – PUCPR, Administração Pública-FGV e Saúde Pública – FIOCRUZ. 56 57 Assistente Social. Especialista em: Gestão Estratégica de Pessoas – FAE e Administração em Saúde – Ênfase em Administração Hospitais e Serviços de Saúde – PUC/PR. Bacharel em Serviço Social. Especialista em Gestão de Políticas Públicas e Cidadania – Bagozi e Administração de pessoas com ênfase no setor público – UFPR. 58 59 Assistente Social. Mestre em Ciências Sociais - Linha: Democracia e Políticas Públicas – UNIOESTE/PR. Especialista em Fundamentos do Trabalho do Assistente Social – UNIOESTE/PR. 158 RESUMO: O Centro de Hematologia e Hemoterapia do Paraná - Hemepar é um banco de sangue público que tem como missão fornecer produtos e serviços de hematologia e hemoterapia de forma sustentável para a rede assistencial dentro dos padrões de qualidade. A Divisão de Suporte ao Usuário, responsável pela captação de doadores de sangue, desenvolve diversas atividades, envolvendo a população, formando parcerias com empresas, instituições, universidades entre outros segmentos sociais com a finalidade de doação voluntária de sangue. PALAVRAS-CHAVE: Política pública de sangue, Hemepar, captação. Introdução A regulamentação do Sistema Nacional de Sangue e Hemoderivados está baseada em diversas leis e resoluções, destacando-se a Constituição Federal de 1988, a Lei 10205/2001 e a Portaria 2712/2013. A Constituição Federal de 1988 diz em seu parágrafo 4º - “A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização”. Para atender este preceito constitucional foi criado e regulamentado pela Lei 10205/2001, o Sistema Nacional de Sangue, Componentes e Derivados – SINASAN, integrado pelos três níveis de governo federal, estadual e municipal e atualmente coordenado pela Coordenação Geral de Sangue e Hemoderivados / Ministério da Saúde. A Política Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados rege-se dentre outros, pelos seguintes princípios e diretrizes: I - universalização do atendimento à população; 159 II - utilização exclusiva da doação voluntária, não remunerada, do sangue, cabendo ao poder público estimulá-la como ato relevante de solidariedade humana e compromisso social; III - proibição de remuneração ao doador pela doação de sangue; IV - proibição da comercialização da coleta, processamento, estocagem, distribuição e transfusão do sangue, componentes e hemoderivados; (BRASIL: Lei 10205/2001, art. 14, I a IV) A Portaria 2712/2013 que redefine o regulamento técnico de procedimentos hemoterápicos vem corroborar que a doação de sangue deve ser voluntária, anônima e altruísta, não devendo o doador, de forma direta ou indireta, receber qualquer remuneração ou benefício em virtude da sua realização. Segundo o Ministério da Saúde, a Política Pública Setorial Nacional do Sangue prevê o fortalecimento da Hemorrede pública em todo o país, visando garantir a cobertura transfusional para todos os pacientes atendidos pelo SUS. No Estado do Paraná a Secretaria de Estado da Saúde – SESA é responsável pelo desenvolvimento das Políticas Públicas de Saúde, entre essas a Política Estadual do Sangue, em consonância com a Política Nacional do Sangue do Ministério da Saúde/Coordenação Geral do Sangue e Hemoderivados e com a Agência Nacional da Vigilância Sanitária - ANVISA. O Centro de Hematologia e Hemoterapia do Paraná – HEMEPAR, criado em 31 de março de 1982, é unidade prestadora de serviços da SESA, subordinada à Superintendência de Gestão de Sistemas de Saúde - SGS. A partir de 1988 foi desenvolvida a proposta de interiorização das Unidades da Hemorrede, com a implantação de unidades hemoterápicas em cada uma das 22 Regionais de Saúde do Estado. O Sistema Hemorrede Estadual que pode ser visualizado conforme figura abaixo, é formado pelo Hemocentro Coordenador localizado em Curitiba, Hemocentros Regionais nas cidades de Cascavel, Guarapuava, Londrina e Maringá, Hemonúcleos em Apucarana, Campo Mourão, Francisco Beltrão, Foz do Iguaçu, Pato Branco, Ponta Grossa, Paranavaí e Umuarama e Unidades de Coleta e Transfusão nos municípios de Cornélio Procópio, Cianorte, Irati, Ivaiporã, Jacarezinho, Paranaguá, União da Vitória, Telêmaco Borba e Toledo. 160 As Agências Transfusionais podem ser intra ou extra hospitalares e no contexto maior toda a rede está construída para atender a população paranaense. A principal meta para o estabelecimento da Política Estadual do Sangue é de que a Hemorrede Pública possa criar condições para atender 100% das necessidades de hemocomponentes dos leitos SUS no Estado do Paraná. Assim, o Centro de Hematologia e Hemoterapia - Hemepar é responsável pela captação, coleta, armazenamento, processamento, transfusão e distribuição de sangue para 384 hospitais 60 públicos, privados e filantrópicos que atuam em todas as regiões do Estado. O Hemocentro Coordenador - Hemepar é um banco de sangue público e precisa de aproximadamente 150 doadores/dia para atender a demanda de 43 hospitais conveniados 61 em Curitiba e Região Metropolitana. 60 Informação disponível no site da Secretaria Estadual de Saúde http://www.saude.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=2983. 61 do Paraná: Relação do número de 43 hospitais fornecida pela Divisão de Produção do Hemepar. 161 No Paraná, os dados apontam para a necessidade de intensificar os esforços na busca de doadores, pois, frente à demanda esse número ainda é reduzido. O percentual da população que comparece aos bancos de sangue alcançou cerca de 3%, quando ideal preconizado pela Organização Mundial de Saúde é de 5%. Os bancos de sangue passam por constantes dificuldades na manutenção do estoque de hemocomponentes, considerando que o sangue coletado e processado tem tempo de validade. O Hemepar tem como princípio à busca da doação voluntária de sangue, envolvendo a população, formando parcerias com empresas, instituições, universidades entre outros segmentos sociais. Em sua missão de fornecer produtos e serviços de hematologia e hemoterapia de forma sustentável para a rede assistencial dentro dos padrões de qualidade, o doador de sangue tem um papel essencial. Para que se possa atingir a meta da instituição, a Divisão de Suporte ao Usuário, responsável pela captação de doadores desenvolve diversas atividades com a finalidade de buscar novas parcerias, valorizar as existentes, implementando assim a política de captação de doadores por meio de ações sócio-culturais e campanhas de divulgação. Atividades desenvolvidas pela Captação de Doadores do Hemepar Projeto Doador do Futuro: Direcionado para educação de jovens, tem como objetivo contribuir para a “formação” dos futuros doadores de sangue. Também busca incentivar e estimular os alunos a se tornarem multiplicadores desta temática. Captação Hospitalar: Tem como objetivo intensificar a captação das doações de reposição, através de capacitação e orientação dos profissionais dos hospitais envolvidos, visando conscientizar os familiares dos pacientes transfundidos nos hospitais atendidos pelo Hemepar, 162 colaborando com a reposição e manutenção dos estoques de hemocomponentes. Convocação de doadores fenotipados: Tem como objetivo convocar doadores cadastrados no banco de doadores fenotipados para realizar doação de sangue hemocomponentes de para pacientes específicos e assegurar doadores fenotipados para procedimentos transfusionais em pacientes politransfundidos atendidos no ambulatório do Hemepar. Mobilização Social com palestras: Esta atividade apresenta os seguintes objetivos: aumentar os percentuais da população doadora de sangue, nos diversos segmentos entre homens, mulheres e jovens nas respectivas faixas etárias, com ênfase na doação voluntária e altruísta, através de palestras educativas, viabilizando mudanças culturais em relação à doação de sangue; aumentar as parcerias com instituições públicas e privadas, conscientizando os funcionários sobre a importância da doação voluntária de sangue; formar multiplicadores de informação sobre a doação de sangue, ampliar a inserção de doadores voluntários e fidelizados no Hemocentro Coordenador – HEMEPAR e divulgar o Centro de Hematologia e Hemoterapia – HEMEPAR, como Instituição Pública. Hemotur: Consiste na realização de visita técnica orientada, nas dependências do Hemepar, para oportunizar o conhecimento do fluxo de atendimento aos candidatos à doação de sangue. O processo inicia com palestra sobre doação de sangue e cadastro de medula óssea no auditório do Hemepar. A visita técnica inicia na captação de doadores, seguindo o fluxo vai para a recepção, onde é explicado o procedimento para cadastro, triagem clínica, triagem hematológica, sala de coleta e sala de lanche. Em seguida o facilitador acompanha o grupo à Divisão de Laboratório, onde são realizados exames sorológicos, tipagem sanguínea, fator Rh e anticorpos irregulares. Para finalizar a visita, o grupo é encaminhado à 163 Divisão de Produção onde um técnico explica os procedimentos realizados para o fracionamento e a distribuição dos hemocomponentes do sangue para os hospitais conveniados e pacientes do ambulatório do Hemepar. Trabalho de “ouvidoria interna”: Esta atividade tem como objetivo dar resposta às manifestações registradas no formulário de reclamações, sugestões e elogios, identificar e avaliar o processo de atendimento ao doador de sangue no Hemocentro e ao paciente do Ambulatório e identificar a opinião dos funcionários quanto ao processo de trabalho no Hemepar. Coleta interna: Consiste na realização de agendamento de grupos de doadores de diversos segmentos vinculados a instituições públicas, privadas, faculdades, universidade, igrejas, bancos, associações, cooperativas, empresas e outros. Coleta externa: Descentralização do atendimento através do deslocamento da unidade móvel, facilitando a doação de sangue para a comunidade de Curitiba e região de abrangência. São programadas com as secretarias municipais de saúde, empresas, associações, igrejas, hospitais e comunidade em geral. Parceira com as Empresas: Este serviço se pauta pela ação educativa e estímulo às doações voluntárias e espontâneas enquanto responsabilidade social de Empresas, Organizações, Instituições, entre outras, considerando que manter estoques de sangue é uma responsabilidade de todos. Esta parceria com a comunidade empresarial além de contribuir para a construção de uma cultura sobre a doação de sangue motiva, incentiva e educa para a participação dos empresários / 164 gestores nesse processo que salva vidas, apontando que é possível seus funcionários doarem sangue sem interferir na produção de bens e serviços da empresa. Divulgação do aplicativo Hemogram: Este Aplicativo permite que o processo da doação de sangue comece pela internet de forma rápida e segura, oferecendo vantagens que irão beneficiar os doadores e as pessoas que estão precisando de sangue nos hospitais do Estado do Paraná. Quem utiliza o aplicativo recebe informações sobre as solicitações de doação de sangue e os tipos sanguíneos necessários, os endereços dos locais de coleta de sangue mais próximos para realizar a doação e quando o usuário souber de alguém que esteja precisando de doação, também pode enviar a solicitação pelo aplicativo e, imediatamente mobilizar outras pessoas para que doem sangue. Considerações finais A Divisão de Suporte aos Usuários do Hemepar, em conjunto com as demais Divisões62 e Unidades da Hemorrede, contribui com o alcance da missão institucional através da realização de diversas atividades como: mobilização social com palestras, Hemotur, organização de coleta interna e externa, 62 A estrutura técnico-administrativa do Hemepar é composta por uma Direção e oito divisões, sendo: Divisão de Suporte Operacional – DVSOP, Divisão de Hematologia e Hemoterapia – DVHHE, Divisão de Suporte aos Usuários do Hemepar – DVSUH, Divisão de Produção – DVPRO, Divisão de Laboratório - DVLAB, Divisão de Gestão de Pesquisa Técnico Científica- DVPTC, Divisão de Gestão da Qualidade e Biossegurança – DVGQB e Divisão de Suporte ao Interior – DVSIN. 165 convocação de doadores fenotipados, parceira com as empresas, divulgação do aplicativo, Hemogram, captação hospitalar e trabalho de ouvidora interna. A Hemorrede pública tem um grande desafio em atingir a meta de criar condições para atender 100% das necessidades de hemocomponentes dos leitos SUS no Estado do Paraná. Para o estabelecimento da Política Estadual do Sangue, ressaltamos a importância da implementação das atividades de captação de doadores através de ações educativas e comunicação que possibilitarão a promoção da doação, bem como a fidelização dos doadores. A educação é fundamental para viabilização de um suprimento de sangue que seja sustentável e seguro para ajudar a salvar vidas. O comprometimento dos profissionais com os princípios e valores do projeto ético-político profissional do Serviço Social torna-se fulcral no trabalho com a temática captação de doadores na medida em que a doação de sangue é um “ato de cidadania”, o qual deve ser vivenciado de forma altruísta, voluntária, visando o bem de toda a sociedade. Neste sentido, Profissionais que têm consciência da importância de uma prática informativa, questionadora, argumentativa, enfim transformadora, trabalham na perspectiva de intervir como facilitador para a formação de usuários conscientes, que possam garantir seus direitos e buscar exercer sua cidadania. (BORGES, 2012, p.161) Nesta perspectiva busca-se um novo pensar para fundamentar a nossa prática profissional comprometida com valores democráticos e de cidadania na construção de estratégias para o trabalho de captação de doadores de acordo com os valores e princípios do projeto ético-político profissional do Serviço Social. Referências Bibliográficas BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm . 166 BRASIL. Presidência da Republica. Lei nº 10.205, de 21 de março de 2001. Regulamenta o § 4o do art. 199 da Constituição Federal, relativo à coleta, processamento, estocagem, distribuição e aplicação do sangue, seus componentes e derivados, estabelece o ordenamento institucional indispensável à execução adequada dessas atividades, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10205.htm. _________. Ministério da Saúde. Portaria nº 2712, de 12 de novembro de 2013. Redefine o regulamento técnico de procedimentos hemoterápicos. Disponível http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt2712_12_11_2013.html. em: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção a Saúde. Departamento de Atenção Especializada e Temática. Manual de orientações para promoção da doação voluntária de sangue. Brasília: Ministério da Saúde, 2015. BORGES, Vania V. O projeto ético-político profissional no dia-a-dia da prática profissional do Serviço Social. In: Revista Espaço Plural, Marechal Cândido Rondon, n.26, p.157-172, 1º semestre 2012. Disponível em: http://e-revista.unioeste.br/index.php/espacoplural. CÓDIGO DE ÉTICA Profissional do Assistente social. Resolução CFESS Nº 273 de 13/03/1993. 167 SEGURIDADE SOCIAL: A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E A INSTITUIÇÃO DE CRAS E CREAS COMO EQUIPAMENTOS DE REFERÊNCIA NA REGIÃO DE PONTA GROSSA Luciana Pavowski Franco Silvestre63 Lucia Cortes da Costa64 Resumo: O presente artigo trata da instituição da política de assistência social como Política Pública que integra a seguridade social no Brasil a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988. Tendo este marco referencial, apontam-se alguns dos princípios e diretrizes que vem pautando a gestão, planejamento e execução da referida política com o objetivo de garantir aos cidadãos em situação de vulnerabilidade e risco social, o acesso a serviços e benefícios de maneira a integrar o sistema de proteção social brasileiro. Apresenta-se um panorama do processo de instituição de CRAS e CREAS, enquanto equipamentos de referência do SUAS, na região de Ponta Grossa, bem como sobre os resultados já apresentados pelo MDS, no que se refere ao cumprimento das metas estabelecidas pelo Pacto de Aprimoramento do SUAS para os níveis municipais período 2014/2017 por parte dos municípios de Ponta Grossa de maneira específica sobre a proteção social básica e especial. Palavras-chave: Assistência Social; Pacto de aprimoramento; proteção social. Introdução: A política de assistência social, enquanto Política Pública que integra a seguridade social no Brasil, especialmente a partir da CF/1988, aponta perspectivas de fortalecimento da política de proteção social não contributiva no país ao mesmo tempo em que convive com desafios relacionados a busca pela 63 Assistente social graduada pela UEPG em 2003 e doutoranda em Ciências Sociais Aplicadas pela UEPG; 64 Professora adjunta do departamento de Serviço Social da UEPG e Doutora em Serviço Social pela PUC de São Paulo 168 efetividade de instituição de um sistema público composto por serviços e benefícios que de forma conjunta e articulada as demais políticas públicas possa ser capaz de dar concretude as diretrizes e princípios estabelecidos pela referida política. Seguridade Social: A política de Assistência Social A Política de assistência social, que é definida no Brasil como de proteção social não contributiva, tem como marco legal a Constituição Federal - CF de 1988, que em seu Art. 194 define as características da Seguridade Social no país, como “[...] um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. Importa compreender que estes aspectos permitiram que a assistência social alcançasse o status de política pública, direito do cidadão e dever do Estado, que passa a ser responsável por prover meios de gestão e execução de serviços e garantia de acesso à renda aos usuários da referida política pública, sendo este último concedido aos idosos e as pessoas com deficiência, e independem de contribuição. Desta forma, a política passa a ser inscrita como de afiançadora de direitos, e coloca o Estado, a partir dos seus diferentes Entes Federados com primazia de responsabilidade na execução da política de assistência social. A Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS, Lei 8.742 promulgada em 1.993 e que foi alterada pela Lei 12.435 em 2011, para execução da política de assistência social, prevê uma hierarquização entre a Proteção Social Básica e a Proteção Social Especial na organização dos serviços e benefícios que devem manter uma articulação entre si, bem como entre programas e projetos. A gestão da política e a execução dos serviços seguindo a referida hierarquização deve estar pautada nos seguintes princípios: Universalidade; Matricialidade sociofamiliar; Descentralização compartilhada; Territorialização e Intersetorialidade. Estes princípios expressam muitos dos desafios bastante presentes nas possibilidades efetivas de acesso aos cidadãos a política de assistência social, seja pela amplitude de demandas e de população a quem 169 deve ser garantido o acesso, seja pela diversidade de características territoriais e populacionais que demandam estratégias planejadas e diversificadas, “[...] é uma dimensão da política que supõe o reconhecimento da heterogeneidade dos espaços em que a população se assenta e vive, bem como o respeito cultural aos seus valores, referências e hábitos.” (SPOSATI, 2009, p. 45). Deve-se considerar neste processo o porte dos municípios e a corresponsabilização financeira e técnica para a execução de serviços. A questão do porte dos municípios se torna fundamental neste sentido, pois conforme a PNAS (2004), o Brasil possuía 72% dos municípios com até 20mil habitantes, ou seja, de pequeno porte I, o que diz muito sobre a capacidade de rede instalada para dar efetividade ao sistema de proteção social. Por estas e outras questões, é que a intersetorialidade deve permear a execução da política, garantindo-se a relação da Assistência Social com as demais políticas públicas, pois “[...] ao se considerar que nenhuma delas guarda resolutividade plena em si mesma. Deve ser, então, construída uma relação de complementariedade entre as políticas.” (SPOSATI, 2009, p. 45). Para isto, uma das referências que deve pautar a gestão e os serviços da política de assistência social é a vigilância social. Aspecto definido pela PNAS (2004) e que aponta para a necessidade de produção e sistematização de informações e de indicadores que possibilitem o conhecimento sobre as principais vulnerabilidades e riscos sociais presentes nos campos de atuação dos profissionais nos serviços de referência da Política de Assistência Social, além disto, a vigilância social deve possibilitar o cruzamento destes indicadores com a identificação dos serviços, programas, projetos e benefícios disponíveis aos cidadãos diante das demandas apresentadas, devendo-se analisar também os padrões destes serviços. Entende-se que a atuação desta política está voltada para as consequências das desigualdades sociais que são geradas através do modelo de sistema econômico vigente em nosso país, que permite que o resultado do trabalho não seja apropriado por todos os envolvidos no processo, mas permaneçam sobre posse dos donos dos meios de produção e mais do que isto, 170 permite que a decisão em realizar ou não investimentos, bem como que os meios de produção permaneçam concentrados nas mãos de uma minoria. Minoria esta que mantém em sua história um acumulo de riquezas e de poder que passam geração após geração, em um “ciclo de reprodução da riqueza” utilizando-se o termo recorrentemente utilizado nas pesquisas que tratam da pobreza, mas no sentido inverso. Além disto, a presença do capital financeiro e as consequências disto para o aumento do fosso de desigualdades que separa ricos e pobres, e que interferem diretamente nas possibilidades de investimentos que poderiam contribuir para a geração de emprego e renda, bem como nos investimentos públicos, que em detrimento dos fundos da dívida pública deixam de investir nas políticas de proteção social. Este aspecto que se relaciona diretamente ao financiamento da referida política pública, aponta para um dos argumentos bastante presente nos discursos conservadores liberais e que devem contribuir para a precariedade dos serviços oferecidos, descritos como “custos” e não como investimentos do Estado diante das suas responsabilidades na garantia de direitos voltados para a correção dos processos geradores de desigualdade social impostos historicamente no Brasil. A constituição de equipamentos de referência da política de assistência social na região de Ponta Grossa. A região de Ponta Grossa é composta por dezoito municípios, sendo: Arapoti, Carambeí, Castro, Ipiranga, Imbaú, Ivaí, Jaguariaíva, Ortigueira, Palmeira, Piraí do Sul, Porto Amazonas, Ponta Grossa, Reserva, São João do Triunfo, Sengés, Telêmaco Borba, Tibagi e Ventania. A população total da região é de 734.984 habitantes, sendo 600.818 residentes na área urbana e 134.166 na área rural. O que demonstra uma prevalência de residência nas áreas urbanas. No entanto, cinco municípios da região – Ivaí, Ipiranga, Ortigueira, Reserva e São João do Triunfo - possuem o número superior de moradores situados nas áreas rurais em comparação aos residentes nas áreas urbanas. 171 Além disto, uma das características importantes da região se refere a extensão territorial, com dispersão populacional, em municípios que são principalmente de pequeno porte65, sendo nove de pequeno porte I, seis de pequeno porte II, dois de médio porte e um município de grande porte. Estas características apontam para aspectos relevantes no que se refere a gestão da política pública de assistência social, considerando que deve existir equivalência no acesso aos serviços e benefícios para as populações residentes nas áreas urbanas e rurais, o que exige a definição de estratégias e planejamento alinhado aos indicadores apontados por um processo de vigilância social capaz de identificar as principais vulnerabilidades e riscos vivenciadas, bem como as potencialidade dos serviços existentes diante destas. Neste sentido, e considerando o processo de alinhamento teórico, técnico e político instituído e que visa a constituição de um sistema público da Política de Assistência Social através da instituição de uma rede de serviços e equipamentos que tenham capacidade física e de recursos humanos para identificar, acolher, atender e acompanhar indivíduos e famílias em situação de vulnerabilidade e risco social, através do efetivação da primazia de responsabilidade do Poder Público, que na história da proteção social do país, atuou de maneira fragmentada, descontinuada, precarizada e principalmente de forma subsidiária, ou seja, ausente diante das suas responsabilidades. Estes elementos apontam para dois dos grandes desafios para a efetivação do SUAS, a instituição de uma rede pública de serviços e a qualificação destes serviços, para que de maneira articulada as demais políticas públicas, possam contribuir para uma sistema de proteção social dos cidadãos, buscando constituir um sistema universal, integral, gratuito e com equidade de acesso. Desta forma, importa compreender como estão constituídos na região de Ponta Grossa os CRAS e CREAS enquanto equipamentos de 65 Conforme a Política Nacional de Assistência Social de 2004, os municípios de PPI são os que possuem até 20.000 habitantes, os de PPII de 20.0001 até 50.000 habitantes, os de médio porte de 50.001 até 100.000 habitantes e os de grande porte de 100.001 até 900.000 habitantes. 172 referências para a organização da rede de atendimento na política de assistência social, e buscar identificar algumas das perspectivas no que se refere a isto, considerando-se que ao se fazer um comparativo com as informações do Censo SUAS do MDS nos anos de 2011 e 2013, identifica-se um aumento significativo do número destes equipamentos da referida política pública. A PNAS de 2004 identifica o CRAS – Centro de Referência da Assistência Social como um dos equipamentos de referência desta política pública, devendo estar localizado em área de referência para a população em situação de vulnerabilidade social e que atue de forma a realizar a gestão do território e se torne uma das principais portas de entrada para os cidadãos no acesso a política de assistência social, bem como para as demais políticas publicas. Identifica-se na região de Ponta Gross que em 2011 estavam em funcionamento 30 CRAS, passando para 33 no ano de 2015. Com relação a este equipamento, ressalta-se que somente um dos municípios da região possui CRAS localizado na érea rural, sendo dois equipamentos que acabam por contribuir para o processo de busca ativa e de acesso mais facilitado a população. Registra-se que considerando a grande extensão territorial dos municípios da região, nos anos de 2012 e 2013, nove municípios foram contemplados com a expansão de financiamento através do FNAS para implantação de equipes volantes, equipes adicionais aos CRAS para atendimento e acompanhamento das famílias moradoras da área rural. No entanto, somente quatro destes municípios implantaram as referidas equipes. Com relação ao CREAS - Centro de Referência Especializado de Assistência Social, identificou-se no mesmo período um aumento muito mais significativo de equipamentos, pois em 2011, os dezoito municípios contavam com um total de seis CREAS, passando para quinze no ano de 2015, contando com mais que o dobro de equipamentos no período de quatro anos. Registrase ainda a existência de um Centro POP na região. Considera-se este aumento significativo, identifica-se um grande potencial nas possibilidades de fortalecimento da rede de serviços da política de assistência social diante da 173 complexidade que existe no processo de acompanhamento de situações de violações de direitos, bem como fragilização ou rompimento dos vínculos familiares e comunitários. No entanto, ressalta-se que sete municípios da região, todos de pequeno porte I, permanecem sem este equipamento, realizando os atendimentos e acompanhamentos dos indivíduos e famílias através dos profissionais da gestão municipal. Conforme já mencionado, um dos grandes desafios identificados no que se refere a efetividade do SUAS para que em conjunto com as demais políticas públicas possa contribuir no processo de proteção social das famílias visando a superação das situações de vulnerabilidade e risco vivenciados nos diversos territórios, se refere a busca de qualificação dos serviços, além da necessária articulação destes com os benefícios socioassistenciais. Neste sentido, a NOB SUAS/2012 estabeleceu a necessidade de elaboração de metas através de Pactos de Aprimoramentos para os diferentes Entes da Federação e tem como ponto fundamental que o justifica, a busca pelo aprimoramento do SUAS. Desta forma, a CIT – Comissão Intergestora Tripartite, pactuou para os municípios metas para o período de quatro anos, a serem cumpridas entre 2014 e 2017. As metas estão divididas em Proteção Social Básica - PSB, Proteção Social Especial - PSE e Gestão do SUAS. Com base nisto, apresentamos os resultados do processo de execução das metas referente a PSB e PSE na região, apontando os resultados apresentados pelo MDS que se referem ao período de 2013. Tabela 1. Apresentação das prioridades apontadas no Pacto de Aprimoramento do SUAS 2014/2017 e metas contabilizadas. Prioridade Meta alcançada Meta alcançada não Não se aplica 174 Acompanhar pelo PAIF as 1 17 famílias com até 1/2 salário registradas no Cadastro Único Acompanhar pelo PAIF as 18 famílias com membros integrantes do BPC Inserir no CadÚnico os 18 beneficiários do BPC Acompanhar pelo PAIF as 3 15 famílias beneficiárias do PBF Ampliar a cobertura da 1 17 Proteção Social Básica nos municípios de grande porte e metrópoles Aderir ao Programa BPC na 5 13 Escola (dez 2013) Ampliar a cobertura do PAEFI 9 9 nos municípios com mais de 20.000 habitantes Acompanhar pelo PAEFI 3 6 9 famílias com violação de direitos em decorrência do uso de substâncias psicoativas Fonte: RI Pacto de Aprimoramento do SUAS É possível identificar através deste levantamento, que das oito metas que foram calculadas pelo MDS, a grande maioria delas não foram alcançadas pelos municípios da região, tendo como únicos diferenciais neste processo, a adesão ao BPC Escola por parte de cinco municípios e com destaque a ampliação da cobertura do PAEFI nos municípios com mais de 20.000 habitantes, meta atingida por todos os municípios em que esta se aplicava. CONCLUSÃO A partir do exposto, é possível identificar a existência de potencialidades no processo de instituição de equipamentos de referência da política de 175 assistência social na região de Ponta Grossa, o que aponta para perspectiva de ampliação dos processos de proteção de indivíduos e famílias em situação de vulnerabilidades e riscos sociais a partir dos princípios e diretrizes definidas para esta política pública. No entanto, evidencia-se a necessidade de qualificação dos serviços e aprimoramento do SUAS, o que aponta-se através do pequeno percentual de atingimento das metas estabelecidas no Pacto de Aprimoramento do SUAS nos blocos que se referem a articulação entre benefícios e serviços da PSB e PSE. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BRASIL. Constituição Federal de 1988. _______. Política Nacional de Asistencia Social. Brasília. 2004. Disponível em: http://www.mds.gov.br/backup/arquivos/pnas_final.pdf. Acesso em: 20/03/2013. Brasil. Lei 12.435/2011. Lei Orgânica de Assistência Social. CENSO SUAS. Disponível em: http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/dicivip_datain/ckfinder/userfiles/files/Censo%2 0SUAS%202011.zip SPOSATI, Aldaíza. Modelo brasileiro de proteção social não contributiva: concepções fundantes. In Concepção e gestão da proteção social não contributiva no Brasil. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à fome, UNESCO, 2009. (p. 13 – 55). RELATÓRIO DE INFORMAÇÕES SOCIAIS. Pacto de aprimoramento. MDS. Disponível em: http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/RIv3/geral/index.php. Acesso em 23/09/2015. ADOÇÃO: CAMINHOS PARA A EFETIVAÇÃO DO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES 176 Thaís Eugênia de Sousa66 RESUMO Adoção é uma temática discutida por diversas áreas de conhecimento como a Psicologia, Direito e o Serviço Social. A intenção desse estudo foi realizar uma pesquisa e refletir sobre a realidade de políticas públicas de adoção no Brasil, com o intuito de compreender as dificuldades enfrentadas ao viabilizar o direito a convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes que residem em abrigos dentre outras instituições à espera de serem adotados. Palavras-Chaves: Política de Adoção; Direito, Crianças e Adolescentes, Dificuldades e Serviço Social. I. INTRODUÇÃO O presente trabalho aborda o direito à convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes no Brasil tendo como pressuposto a Constituição Federal de 1988 por meio do artigo 226 que afirma que a família é a base da sociedade, tendo proteção especial do Estado e também pelo Estatuto da Criança e Adolescente - ECA no artigo 19 “toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária”. Desse modo, trataremos da política de adoção compreender o processo de adoção de crianças e adolescentes e as dificuldades na efetivação desta política no Brasil visto que, as instituições que amparam crianças e adolescentes estão superlotados e o Cadastro Nacional de Pretendentes a Adotar consta com um vasto número, muito superior ao número de crianças/adolescentes, buscamos entender o que inviabiliza a conclusão da adoção. O trabalho é abordado a partir do eixo de proteção integral aos interesses de crianças e adolescentes. 66 Bacharelanda em Serviço Social – Universidade Federal de Goiás / Regional Goiás. 177 Realizaremos também um estudo sobre o papel do Serviço Social dentro dos Juizados de Crianças e Adolescentes, visto que a prática profissional do Assistente Social tem importante função na equipe multiprofissional e seu parecer é essencial dentro do processo de adoção. Esse trabalho está em andamento, portanto os resultados apresentados são parciais, a pesquisa tem como objetivo compreender os entraves que inviabilizam o processo de adoção negando o direito de crianças e adolescentes a um lar. II. FAMÍLIA E ADOÇÃO NO MUNDO Para falar de adoção é necessário falar de família, diversos teóricos ao longo da história contribuíram para uma definição de “família”, Philippe Ariès considerou a família uma criação histórica, que possui um tempo, mutável e assume características diversas, sendo sua história descontínua, não linear e não homogênea, ou seja, as relações sociais e modelos familiares modificam e adquirem novas formas. Pode-se utilizar o conceito de família formulado por Gomes In (PIO, 2003) como o mais completo e que mais aproxima da realidade [...] um grupo de pessoas, vivendo numa estrutura hierarquizada, que convive com a proposta de uma ligação afetiva duradoura, incluindo uma relação de cuidado entre os adultos e deles com as crianças e idosos que aparecerem nesse contexto. (GOMES apud PIO, 2003:67). Sendo assim, família não depende de laços sanguíneos; consiste em respeito, cuidado e afeto, o que uma criança ou adolescente a espera de adoção necessita. A Constituição Federal reconheceu direitos iguais entre homens e mulheres, afirmando no artigo 5º que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, sendo assim interpretar-se que todos os cidadãos brasileiros têm o direito de constituir família, seja ela de forma natural, artificial, ou por adoção, podem adotar independente de sexo, raça, religião, orientação sexual desde que este preencha os requisitos exigidos pela legislação. A palavra “adoção” deriva do latim “adoptio”, no sentido de "acolher alguém". A adoção é uma prática realizada desde a antiguidade, a lei mais antiga 178 sobre adoção ocorreu na Babilônia, através do Código de Hamurábi (1728-1686 a.C.) que era composto por oito artigos que definiam a adoção, nas civilizações gregas e romanas a adoção era associada aos princípios religiosos da época (STAFFOKER, 2013). No início da Idade Média a adoção perdeu sua importância, e a questão dos laços de consanguinidade começaram a ser valorizados, devido ao sistema sócio-político-econômico daquele período. “Para a nobreza, a transmissão dos títulos mobiliários dava-se por direito de sangue jus sanguínes e, com isto, cresce a rejeição por filhos não biológicos”. (PIO 2003, p 72, 2003). Outro motivo estudado era a postura da Igreja Católica que hostilizava a prática da adoção, alegando que a adoção servisse para legitimar filhos bastardos trazidos por maridos infiéis para o matrimônio. No final da Idade Média renasce a prática da adoção na Europa assumindo um viés caritativo, sendo comuns hospitais adotarem crianças abandonadas ou órfãs. A partir da Revolução Francesa (1789), o uso do instituto da adoção ganha impulso, o Código Civil Francês, ou Código de Napoleão regulou a filiação adotiva, conservando os laços entre o adotando e sua família de origem. (PIO, 2003) mas foi a partir do século XX que o Estado passou de fato a intervir na adoção. III. ADOÇÃO NO BRASIL O primeiro Código Civil Brasileiro de 1916 prescreveu a possibilidade da filiação adotiva, poderia adotar homens com mais de 50 anos e esse não possuir filhos, o objetivo da adoção era encontrar uma criança órfã para um casal sem filhos. O Código Civil de 1957 trouxe poucas mudanças para o critério de adoção, o adotante a partir dele poderia ter 30 anos, a diferença de idade entre adotante e adotado de 16 anos, sendo o casal casados com no mínimo cinco anos e poderia ter filhos. Mas o adotado não tinha os mesmos direito que os filhos biológicos. Em 1965 por meio da Lei n° 4655 foi autorizado o cancelamento do registro de nascimento original da criança e substituir por outro podendo esta adquirir o sobrenome dos pais permitindo a adoção de crianças de até sete anos. 179 O Código de Menores, criado em 1979, trouxe um grande avanço, no que se referia à adoção esse previa duas formas de adoção, a plena e a simples: a simples possuía as mesmas características da Lei n° 4655; a adoção plena o adotante poderia ter filhos, ter cinco anos de matrimonio, pelo menos um dos cônjuges deveria ter mais de 30 anos e 16 anos de diferença para a criança ou adolescente com caráter irrevogável. O Código de Menores vigorou simultaneamente com o Código Civil, até 1988, com a nova Constituição Federal - CF. A CF revogou todas as leis anteriores instaurando uma doutrina de proteção integral a crianças e adolescentes sendo dever do Estado e da sociedade zelar pela efetivação e defesa desses direitos. A proposta se materializou com o Estatuto da Criança e Adolescente - ECA. O ECA, Lei nº 8069, de 1990 abrangeu elementos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e da Declaração dos Direitos da Criança (1959). O capítulo III do ECA que trata do Direito a Convivência Familiar e Comunitária consta com 33 artigos, regulamentando a adoção tem 13 artigos dentre eles afirma que toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, vale ressaltar que a adoção é viável após esgotar todos os meios possíveis da criança/adolescente manter-se na família natural ou extensa. Segundo o ECA pode adotar maiores de 18 anos independentemente do estado civil com diferença mínima de 16 anos de idade entre adotando e adotado, atribuindo ao adotado a condição de filho. Em 2002 foi estabelecido um novo Código Civil que aboliu o termo pátrio poder sendo substituído por poder familiar e regulamentando a adoção para maiores de 18 anos. Em 2009 foi sancionada Lei do Direito à Convivência Familiar nº 12.010, essa lei foi criada para dar agilidade ao processo de adoção e revogando aspectos contidos nas legislações anteriores e acrescentando outras; esta promoveu alterações significativas no Estatuto da Criança e do Adolescente, precisamente no Capítulo III, a Subseção IV que trata da adoção. Foram sancionados 30 artigos e acréscimo de 16 artigos, ressaltando o direito 180 da criança e do adolescente, em coabitar em uma família e viver dignamente em comunidade. Entretanto, essa lei aumentou demasiadamente a burocracia para adoção. Desde o Código de Hamurabi na Babilônia até a Lei nº 12.010/09 no Brasil, diversas mudanças ocorreram na legislação, grandes conquistas foram alcançadas, mas existe um longo caminho para efetivar o direito a Convivência Familiar. IV. SERVIÇO SOCIAL E AS BARREIRAS INTERVENIENTES NA EFETIVAÇÃO DA ADOÇÃO O Serviço Social faz parte da equipe psicossocial das Comarcas e Juizados de Criança e Adolescente em conjunto com a Psicologia trabalham para proteger os interesses de crianças e adolescentes, atuando de maneira direta com o processo de adoção. A intervenção do Serviço Social frente à adoção baseia-se em informar que a adoção acontece por meio de processo judicial, realizar entrevistas sociais; orientações aos pretendentes a adotar quanto aos tramites burocráticos, sobre a adoção tardia; adoção interracial, encaminhamentos para grupos que discutam adoção; indicação de literatura a respeito da adoção, visitas domiciliares, além de avaliar se o candidato está apto para adotar uma criança/adolescente por meio do estudo social, informar sobre o estágio de convivência dentre outras funções. Somente a partir do parecer favorável do Assistente Social o candidato a adoção é cadastrado no Cadastro Nacional de Adoção - CNA, sendo assim, o exercício profissional do Assistente Social dentro das Comarcas e Juizados de Criança e Adolescente é extremamente importante. Em 2008 foi criado o Cadastro Nacional de Adoção, um sistema de informações para auxiliar o sistema judiciário a cruzar dados de todo território nacional e localizar pretendentes para adotar crianças e adolescentes de maneira mais rápida e eficaz, entretanto na prática esse sistema de informação não impede que crianças e adolescentes cresçam em abrigos adquiram a maioridade sem ter um lar. Crianças e adolescentes tem o direito de serem adotados na falta dos 181 pais biológicos por motivo de óbito ou perda do poder familiar, mas mesmo com o avanço da legislação nas últimas duas décadas e com a criação do Conselho Nacional de Adoção grandes dificuldades são encontradas no processo de adoção. No Relatório Estatístico de Pretendentes do Cadastro Nacional de Adoção na data de 20 de Setembro de 2015 mostra o número de 34.219 cadastros de pretendentes a adotar; o Relatório Estatístico de Crianças e Adolescentes disponíveis para serem adotados na mesma data apresenta o seguinte número; 6.087, percebe-se um grave problema com esses números. Sem mencionar que há um grande número de crianças que estão em abrigos ainda não foram destituídas do poder familiar podendo esse número aumentar. Por que crianças e adolescentes estão crescendo em abrigos com o número de interessados em adotar quase seis vezes maior que o número de crianças/adolescentes aptos para adoção? Essa questão nos move em direção, a saber, quais são os mecanismos que estão impedindo crianças e adolescentes a conquistar o direito a convivência familiar e comunitária assegurado pela Constituição Federal e pelo ECA. Uma hipótese é que a burocracia no processo de adoção inviabiliza sua efetivação, fazendo com que pessoas subestimem o processo procurem a “adoção à brasileira” ou simplesmente desistem de adotar. Sabe-se que a adoção só é viável após esgotar todos os meios possíveis da criança/adolescente manter na família de origem, trabalhando com o restabelecimento de vínculos com os pais, ou procurando a família estendida (avôs, tios, primos, etc.,). Segundo a jurista Maria Berenice Dias a Lei da Adoção dificultou a concretização da adoção, visto que ela burocratiza o processo de adoção e não reduz o tempo que as crianças e adolescentes ficam institucionalizadas, mesmo com o cruzamento de dados do Cadastro Nacional o número de adoções não teve aumento significativo. Os dados sobre adoção apresentam uma contradição entre o perfil desejado pelos pretendentes a adotar e o perfil de crianças e adolescentes disponíveis para adoção. Analisando os dados do Relatório Estatístico do Cadastro Nacional de Adoção em todo território brasileiro percebemos que mais 182 80% dos candidatos tem preferência por crianças de cor branca e com idade até 3 anos. Somente 1,02% dos candidatos aceitam crianças maiores de 10 anos, entretanto mais de 70% das crianças/adolescentes aptas a adoção tem mais de 10 anos e mais de 65% das crianças disponíveis para adoção tem cor parda ou negra. Somando a burocracia nos tramites da política de adoção com os dados obtidos no CNA chegamos a conclusão que existe uma longa estrada a ser percorrida. V. CONSIDERAÇÕES FINAIS No decorrer desse trabalho percebe-se que grandes desafios são postos para garantir o direito à convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes. Sabemos que a adoção não é uma pratica recente, entretanto ainda é permeado de preconceitos e desconfianças, porém sabemos que o único objetivo da adoção é fazer com que crianças e adolescentes tenham um lar. Um grande número de crianças/adolescentes estão institucionalizadas em abrigos e instituições governamentais ou caritativas por motivos como: perda dos pais, violência familiar, abandono, abusos, os pais impedidos de exercer essa função e crianças/adolescentes aguardando serem adotadas. O fato é que mais de 6.000 mil crianças e adolescentes estão disponíveis para adoção e segundo pesquisas esse número pode aumentar em quase 50% visto que, a maioria das crianças e adolescentes institucionalizadas estão em processo de destituição do poder familiar e não estão cadastrados no CNA. O judiciário precisa fazer uma campanha de conscientização da adoção, promover a adoção tardia e interracial. Os dados analisados mostra que o perfil de crianças buscado pelos pretendentes são crianças brancas com até 3 anos de idade, enquanto isso as demais crianças e adolescentes crescem sem família. O processo de destituição do poder familiar é lento e doloroso, não há como negar que a família natural seja um ótimo ambiente para viver, desde que 183 esse ambiente tenha cuidado, afeto, respeito, livre de drogas e qualquer tipo de violência se essas condições não são oferecidas nada é mais justo que dá a essas crianças e adolescentes a oportunidade de um novo lar por meio da adoção. Visto que é um direito previsto na Constituição e no ECA. Mas para isso precisa-se de mais agilidade no Judiciário, maior número de profissionais nesses espaços, para evitar que crianças e adolescentes cresçam em abrigos sem esperança de ter afeto e família. 5. REFERÊNCIAS ARIÉS, Philippe. História social da criança e da família. Trad. Dora Flaksman. 2ª ed. Rio de Janeiro: LTC, 2006. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, DF: Senado Federal, 35ª Ed. 1988. ______. Código Civil. Lei N. 10.406 2002 ______ Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal. N. 8069, julho 1990. ______ Nova Lei de Adoção, Lei Federal N. 12.010, de 03 de agosto de 2009. CNJ. Cadastro Nacional de Adoção (CNA). Disponível em: http://www.cnj.jus.br/sistemas/infancia-e-juventude/20530-cadastronacional-de-adocao-cna. Acesso em: 20 de Setembro de 2015. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 8.ª ed. rev. e atual. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011. EITERER, Carmem. Preconceito Contra a filiação adotiva / Carmem Lucia Eiterer, Ceris Salete Ribas da Silva, Walter Ude Marques. – São Paulo: Cortez, 2011. – (Coleção preconceitos; v.7). MINAYO, Maria (org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 29. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. (Coleção temas sociais). 184 PIO, M. da C. ÉTICA E SERVIÇO SOCIAL NOS CAMINHOS DA ADOÇÃO – Dissertação de Mestrado 2003. STAFFOKER. Nilvânia. O olhar do Serviço Social na Adoção. Disponível em: http://unifia.edu.br/revista_eletronica/revistas/direito_foco/artigos/ano2014/olhar .pdf Acesso em 18 de Abril de 2015. TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS PÚBLICOS PARA A SAÚDE PRIVADA POR MEIO DA RENÚNCIA FISCAL Antonio Pereira da Silva Teone Maria Rios de Souza Rodrigues Assunção Lais de Oliveira Souza Vera Lucia Tieko RESUMO: A renúncia de receitas na saúde transfere recursos para o segmento privado em detrimento da saúde pública. Esta prática consiste na 185 desistência de parte do potencial de arrecadação. O benefício fiscal é transformado num prêmio por tempo indeterminado para induzir o crescimento do mercado de saúde privado, em prejuízo do Sistema Único de Saúde – SUS. Neste sentido, o presente trabalho tem como objetivo analisar a política de renúncia fiscal e seus rebatimentos na saúde pública. Frente a isto, parte do pressuposto de que há uma maior apropriação do recurso público pelo âmbito privado em detrimento do SUS, o que foi constatado por meio dos dados do Ministério da Saúde e da Receita Federal. No ano de 2012, os valores referentes da Renúncia de Receita sobre o Orçamento do Ministério da Saúde corresponderam a 18,3 bilhões, representando 23% de um total de 98,37 bilhões. A renúncia de receitas compromete o financiamento da saúde pública. Palavras-chave: Renúncia de receitas; Saúde pública; Benefício privado. 1. Introdução O presente trabalho tem como objetivo analisar a política de renúncia fiscal e seus rebatimentos na saúde pública. Adota-se como pressuposto a apropriação do recurso público pela saúde privada, em detrimento do SUS (Sistema Único de Saúde), por intermédio da renúncia de receitas. A intervenção do Estado no comportamento da economia e na vida dos cidadãos, através de instrumentos fiscais67, consiste-se num mecanismo utilizado pelos governos, que ganhou realce nas últimas décadas. Alicerça-se na composição forçosa da receita através da arrecadação, por um lado, e na outra extremidade, a realização de gastos disciplinados por lei que tem como objetivo a oferta de políticas públicas e atuação na dinâmica da atividade macroeconômica. 67 Política fiscal é administração das receitas e despesas do governo. Se a receita é maior que a despesa, temos superávit orçamentário. No inverso temos déficit orçamentário. 186 De acordo com a norma constitucional brasileira vigente, o ato do governo executar a política fiscal fundamenta-se, na arrecadação de recursos junto aos cidadãos e, posterior distribuição à sociedade em forma de atendimento as suas demandas de caráter social, econômico, cultural, em âmbito setorial e regional. O que se observa é que esta distribuição de recursos está sujeita a uma disputa de poder que obedece a correlação de forças ou conjuntura política e social prevalente na representação estruturada no poder legislativo. A outra forma que o governo dispõe para realizar aplicação de recursos públicos, trata-se da renúncia de receita que é um gasto indireto e invisível, pelo fato de não ocorrer desembolso. Trata-se de um mecanismo utilizado pelo Governo, sob a justificativa de investir em políticas públicas. Este procedimento vincula-se ao processo de estímulo à atividade econômica, de maneira especial, em momentos de estagnação da economia, ou modesta expansão da atividade produtiva. Partilhando do pensamento de Afonso e Diniz (2014), a administração pública adota a estratégia fiscal que consiste na desistência de receber parte do potencial de arrecadação projetado, ao utilizar uma metodologia que envolve a perda de receitas. Esta medida oferece o benefício fiscal e obteve maior relevância em 2008, após a crise financeira do capitalismo, considerada a maior, depois da grande depressão de 1929. Teve início nos Estados Unidos, materializada no auxílio governamental às instituições financeiras e empresariais ao contemplá-las com alívio fiscal. Ocké-Reis (2010), alerta sobre a orientação prevalecente no setor da saúde, no que se refere a apropriação de recursos públicos pelo segmento privado68. O autor destaca à indispensabilidade de priorização e fortalecimento do SUS, em função do seu caráter universal, até por conta de cumprir o que está 68 [...] o Estado continua sustentando os planos de saúde, dada a presença da renúncia de arrecadação fiscal e a resistência das operadoras em ressarcir a ANS pelos serviços prestados à clientela da medicina privada. Essa renúncia permite, de um lado, que parte dos gastos com planos de saúde seja abatida do Imposto de Renda sobre Pessoa Física e, de outro, que as despesas operacionais das firmas empregadoras em assistência médica reduzam o lucro líquido, diminuindo o montante sob o qual incide a alíquota do Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica (OCKÉ, 2010). 187 previsto na própria constituição brasileira, que prescreve o atendimento de acordo com a necessidade de cada cidadão, independentemente da sua condição econômica e financeira. 2. Gastos públicos invisíveis O governo tem duas formas de encaminhar a aplicação do dinheiro público: a primeira, é a norma tradicional que se dá com a realização de gastos públicos diretos, representados pelos recursos contidos no orçamento público, que é distribuído e aprovado anualmente pelo Congresso Nacional. A outra maneira, que também representa uma aplicação de dinheiro público, tem um formato conceituado como indireto, em que ocorre um pagamento sem desembolso, caracterizada pela renúncia de receitas, cuja qualificação é facultada pela desistência proposital de receita por parte do ente público, ao deixar de receber recursos de um grupo específico de contribuintes. Parafraseando Afonso e Diniz (2014), este modelo de aplicação indireta, conhecido como renúncia fiscal, ganhou destaque nas últimas décadas. Na visão do governo é um modelo de ação institucional, cuja justificativa vincula-se ao processo de estímulo à atividade macroeconômica, de maneira especial em momentos de estagnação da economia, ou modesta expansão da atividade produtiva. Então, a administração pública adota a estratégia fiscal que consiste na desistência de receber parte do potencial de arrecadação projetado, ao utilizar-se uma uma metodologia que envolve a perda de receitas. A técnica que se fundamenta na renúncia fiscal é classificada como uma exceção ao sistema tributário brasileiro. Esta regra, de acordo com Ocké-Reis (2014), “(...) equivale a desvios em relação à estrutura básica do tributo”. A Constituição Federal do Brasil de 1988, em seu artigo 165, afirma que os benefícios decorrentes de renúncia fiscal podem ser categorizados nas seguintes dimensões: a) tributários: ocorre quando o governo desiste de receber parte dos tributos potenciais; b) financeiros: são caracterizados pelo ato do representante público deixar de cobrar em um empréstimo os juros e encargos 188 equivalentes e parte ou podendo alcançar a totalidade da dívida principal e; c) creditícios: são as receitas renunciadas ao conceder financiamentos com prazos e juros diferenciados e favorecidos, a uma parcela da sociedade. Quer dizer, são gastos resultantes de projetos oficiais que disponibilizam créditos, instrumentalizados por recursos públicos, à taxa de juros inferior ao seu custo de captação, que implica em ajuste fiscal, materializado na redução da oferta de políticas públicas (PELLEGRINI, 2014). A prática do instrumento de renúncia fiscal, tem como peculiaridade uma maior flexibilidade na manipulação de fundos públicos, uma vez que, ao inverso dos recursos correntes no orçamento clássico, que possui destinação específica, sua autorização, quase que integralmente, não transita ou submete-se previamente à aprovação do poder parlamentar. Portanto, a implementação de benefícios fiscais não depende de permissão preliminar do legislativo, consequentemente, possui maior liberdade de manuseio e independência na sua alocação, pelo poder executivo, valendose de medidas provisórias. Mendes (2012), afirma que, uma vez permitida a renúncia fiscal, a tendência é a sua permanência ou até a sua ampliação, transformando-se em um presente infinito. “[...] a tradição brasileira confere aos benefícios fiscais o formato de “benesse eterna”, já que depois de integrados ao sistema tributário, tais benefícios tendem a nele permanecer indefinidamente, em razão da ausência de fiscalização e de análise de custo-benefício das renúncias de receitas” (MENDES, 2012). Tendo em vista o fato de que a medida implica em desistência de recursos e provoca redução do potencial fiscal ou de arrecadação, e o consequente impacto nas políticas públicas, cabe a sociedade civil organizada assegurar mecanismos que possibilitem o acompanhamento e controle social, principalmente no que se refere ao processo de autorização, prazo de vigência e necessidade efetiva de se adotar a política de renúncia fiscal, garantindo maior transparência e a participação social. 189 Ao considerar a renúncia fiscal, pode-se afirmar que a maioria dos incentivos fiscais trafega à margem do orçamento tradicional. “[...] incentivos fiscais são concedidos uma única vez, sem registros nos orçamentos anuais”, esta “[...] opção torna cômoda para o poder público” (SANTA-HELENA, 2009 apud Mendes, 2012). Além do mais, a renúncia fiscal não se sujeita à análise criteriosa dos organismos responsáveis pelo controle e fiscalização das finanças públicas69, ou seja, a operacionalização da renúncia de receitas, acontece de forma periférica dentro do campo da extrafiscalidade70 que dispensa os registros de entradas e saídas. Decorrente disso, apresenta dificuldade de quantificação concreta dos valores envolvidos, assim como, estabelecimento de uma métrica dos seus resultados sociais, econômicos, nos contextos regionais e setoriais, pela circunstância de não integrar o orçamento público. 3. Benefícios fiscais e a política de saúde Para Ocké-Reis (2014), o setor da saúde também demanda um diagnóstico cuidadoso sobre a renúncia de receitas, afirmando que a medida fiscal “(...) induz o crescimento do mercado de planos de saúde, em detrimento do fortalecimento do SUS”71. Além disso, a renúncia fiscal gera uma situação de 69 Congresso Nacional e o Tribunal de Contas da União. A Constituição de 1988, em seu art. 70, caput, cabe ao Congresso Nacional a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União, inclusive quanto às renúncias de receita. O art. 71 da CF/88, por sua vez, estabelece o papel do Tribunal de Contas da União como órgão auxiliar do Congresso Nacional no tocante à função de controle externo, cujas atividades de fiscalização abrangem, nos dizeres da Lei 8.443/92 (art. 1º, § 1º), as renúncias de receita. 70 A extrafiscalidade dos impostos se resumem em algo muito além de uma mera arrecadação de receitas para o Estado, relaciona, principalmente com os deveres constitucionais do Estado, em manter a ordem econômica, política e social. Os impostos com o caráter de extrafiscal podem ser classificados como aqueles que detém o propósito de regular a conjuntura estatal. 71 Com base em uma política fiscal anticíclica, os recursos oriundos da renúncia poderiam ser aplicados na atenção primária – no Programa de Saúde da Família (PSF), de prevenção – e na média complexidade – em unidades de pronto atendimento (UPAs), com profissionais especializados e recursos tecnológicos de apoio diagnóstico e terapêutico. Assim, o governo federal poderia justificar, sob o critério da equidade, a redução ou a eliminação da renúncia de arrecadação fiscal. Nada garante, entretanto, que o governo federal transforme 190 injustiça, ao favorecer os estratos superiores de renda e atividades econômicas lucrativas. Dito de outra forma, os recursos da renúncia fiscal são alocados nos estratos superiores de renda, pois os valores que servem como abatimento nas despesas com saúde, por ocasião do ajuste anual do imposto de renda, foram gastos no setor privado, abastecendo os lucros da saúde particular. Portanto, este benefício tem um caráter parcial e regressivo, especialmente, ao beneficiar a parcela mais abastada da sociedade, na condição em que está recebendo um tratamento favorecido, o que expressa, na prática, uma dimensão desigual. Isto revela que a medida possui uma faceta perversa, ao desconsiderar os princípios da equidade e justiça social, previstos na Carta Constitucional, ao não contemplar de forma universal o conjunto dos cidadãos. O autor ainda questiona: há necessidade efetiva de patrocinar, economicamente, uma atividade privada com recursos públicos, considerando que os planos de saúde são altamente lucrativos? Ao que parece, este procedimento representa sucateamento da saúde pública, ao provocar o subfinanciamento, assim como, comprometimento do seu custeio e investimento. Portanto, o favorecimento da atividade econômica particular, só se dá em detrimento das condições estruturais e estruturantes do Sistema Único de Saúde (SUS), assim como, compromete o financiamento do sistema que é fundamentado na regra da universalidade, cujo direito ao atendimento, independe da capacidade de pagamento, mas sim, das necessidades sociais do cidadão. O que se promove é a regressividade do sistema, piora a distribuição per capita do gasto público e, novamente, reproduz condicionamentos vantajosos ao complexo privado de saúde. Portanto, o benefício fiscal ao setor privado de saúde, desconstrói o princípio da universalidade, ao contrário, disponibiliza bens e serviços públicos, de modo seletivo, sem atender a demanda e necessidades do conjunto da sociedade. gasto indireto (tributário) em gasto direto, apesar de o subsídio destinado ao consumo dos planos privados de saúde ter alcançado a cifra de R$ 7,7 bilhões em 2011. OCKÉ-REIS (2014). 191 Ocké-Reis (2014), propõe que o Ministério da Saúde, uma analise dos impactos da renúncia fiscal no Sistema Único de Saúde (SUS). Da mesma maneira, sugeri ainda, que busque alternativas no sentido de estabelecer limites na redução e desenvolver uma política regulatória, ou mesmo investigar a possibilidade de extinção do gasto tributário em saúde. Torna-se evidente que o subfinanciamento do agrupamento público de saúde brasileiro, deixa de ofertar bens e serviços públicos de qualidade e suficientes à sociedade. A tabela a seguir, compara o gasto público direto do Ministério da Saúde (MS), com o gasto indireto (benefício fiscal) que o Estado deixou de receber entre os anos de 2003 e 2012. Tabela 1 – Gasto tributário em saúde sobre a despesa do MS (2003-2012) Ano MS Gasto (R$ milhões) tributário em Saúde (R$ milhões) 2003 27.181 7.172 2004 32.703 8.819 2005 37.146 9.563 2006 40.750 12.453 2007 44.304 12.185 2008 48.670 13.770 2009 58.270 13.595 2010 61.965 14.422 2011 72.332 15.807 2012 80.063 18.313 Fonte: Ministério da Saúde e RFB, apud Ócke, 2014. % 26% 27% 26% 31% 28% 28% 23% 23% 22% 23% Conforme a tabela 1 demonstra, em termos de valores nominais, houve aumento progressivo no gasto tributário em saúde, no período de 2003 a 2012, sendo que em 2012 o gasto tributário representa 23% dos R$ 98,37 bilhões do 192 orçamento do Ministério da Saúde, o que resultou num montante de R$18,3 bilhões. Entretanto, em relação ao percentual, comparando ao ano de 2006, notase uma redução, pois em 2012 teve 23% e 2006 31%. Em 2006, a despesa com renúncia de receitas correspondeu a aproximadamente um terço do orçamento do ministério. Assim, conforme os dados apesentados, somente no segmento saúde, o gasto tributário concedido entre 2003 e 2012, variou entre 20% e 30% do orçamento do Ministério da saúde. 4. Considerações finais Este estudo teve como objetivo analisar a apropriação do recurso público pela saúde privada, mostrando como a renúncia de receitas favorece a saúde particular em detrimento do fortalecimento do SUS (Sistema Único de Saúde). Nota-se, que ao permitir o abatimento dos gastos médico-hospitalar, sem limites, por ocasião do ajuste anual do imposto de renda, o que significa beneficiar os estratos superiores de renda, além de promover a regressividade do sistema, o que piora a distribuição per capita do gasto público e, novamente, reproduz condicionamentos vantajosos ao complexo privado de saúde. Observa-se que, caso os benefícios fossem destinados à Seguridade Social, fortaleceria, primeiramente, a política pública de Saúde através do SUS, causando um impacto positivo, no âmbito da saúde, junto a população brasileira, respeitando o princípio de atendimento conforme a necessidade e não, segundo a capacidade de pagamento. Contudo, ao promover a renúncia fiscal na saúde, o governo coloca sob ameaças os avanços conquistados e contidos na Constituição Federal de 1988, no capítulo da Seguridade Social. Finalizando, fica evidente que a renúncia fiscal em saúde, compromete o custeio e investimento da saúde pública. A prática provoca sucateamento do SUS, ao tomar parte dos seus recursos, e transferi-lo para o setor privado. Além do mais, reduz a capacidade de assegurar à 193 sociedade o princípio do direito a saúde universal e de qualidade ao conjunto dos cidadãos brasileiros. REFERÊNCIAS AFONSO, J.R. e DINIZ, É. Benefícios fiscais concedidos (e mensurados) pelo Governo Federal. FGV – IBRE – janeiro de 2014. MENDES, G.R. Controle sobre renúncias de receita: quadro atual e oportunidades de aperfeiçoamento. 2012. Disponível em: www. portal2.tcu.gov.br. acesso em 19/08/2015. OCKÉ-REIS, C.O. SUS: o desafio de ser único. Gestão Pública e Relação Público Privado na Saúde/ Nelson Rodrigues dos Santos e Paulo Duarte de Carvalho Amarante (Organizadores) – Rio de Janeiro: Cebes, 2010. OCKÉ-REIS, C.O. Renúncia de arrecadação fiscal em saúde: a experiência institucional da Austrália, Brasil, Canadá e Estados Unidos. Rio de Janeiro: Ipea, 2014 (Texto para Discussão). No prelo. PELLEGRINI, J. A. Gastos Tributários: conceitos, experiência internacional e o caso do Brasil. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, Outubro/2014 (Texto para Discussão nº 159). Disponível em: www.senado.leg.br/estudos. PUREZA, Maria Emília Miranda. Disciplinamento das renúncias de receitas federais – inconsistência no controle dos gastos tributários. Cadernos Aslegis, v.8, nº 29, p. 41-74, maio/agosto, 2006. Revista do Tribunal de Contas da União • Brasil • ano 46 • número 129 • Janeiro/Abril 2014 SALVADOR, Evilasio. Renúncias tributárias: os impactos no financiamento das políticas sociais no Brasil. INESC , 2015. 194 O ATENDIMENTO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE: A EDUCAÇÃO NÃO FORMAL ENQUANTO POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO Loren Pelik Kempe Anhucci RESUMO O presente estudo tem como objetivo refletir sobre o atendimento à criança e ao adolescente, a partir de uma prática educativa não formal, analisando os sentidos e significados produzidos por estes que a vivenciaram em um determinado contexto social. Nesta perspectiva, pretende-se responder à seguinte problemática: Quais os sentidos e significados produzidos pelas crianças e adolescentes, moradores da Região Oeste A, do município de Londrina, sobre a prática educativa não formal? Nesta perspectiva optou-se por desenvolver uma pesquisa de cunho qualitativo, utilizando-se da técnica da história oral. Este estudo permitiu o aprofundamento da reflexão sobre a prática educativa não formal enquanto possibilidade de intervenção qualificada, ampliando o espaço e o acesso de crianças e adolescentes às práticas coletivas cotidianas. PALAVRAS-CHAVES: Criança e adolescente. Prática educativa não formal. Produção de sentidos e significados. 195 1. INTRODUÇÃO A educação existe desde os tempos mais remotos, nas mais diversas culturas, e compreende um processo de ensino e aprendizagem exercido nos diversos espaços de convívio social. O próprio termo abrange uma gama de conceitos, designações e significados, os quais permitem o entendimento de que ele não é restrito à ideia de escola. Nesta perspectiva, o presente artigo72 destaca uma área específica de desenvolvimento da educação na sociedade, configurando-se, então, enquanto campo de possibilidade de práticas educativas, aqui denominadas Educação Não Formal. Para Freire (1997, p. 96), o importante é que há de se reconhecer o papel da educação, mas também os seus limites, recusando “[...] de um lado, o otimismo ingênuo que tem na educação a chave das transformações sociais, a solução para todos os problemas, e de outro, o pessimismo igualmente acrítico e mecanicista [...]”. Assim, longe de apresentar a educação não formal enquanto única possibilidade de intervenção social, a intenção é expor elementos que viabilizem a reflexão crítica acerca desta temática e aprofundar a reflexão sobre a prática educativa não formal enquanto possibilidade de atendimento à criança e ao adolescente. 2. O lugar e o significado da infância e da adolescência a partir de uma prática educativa não formal Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade (BRASIL, 1990, p. 01). O que significa infância e adolescência? 72 O presente artigo foi elaborado a partir da dissertação de mestrado defendida no ano de 2015, na qual foi estudado o tema em questão. 196 A infância é considerada o lugar da brincadeira, da descoberta e do não saber, visto como aquele que não se posiciona e precisa ser guiado por um adulto. Já a adolescência é comumente associada à ideia de transformações físicas e emocionais, descobertas e rebeldia. Entretanto, esse olhar a respeito da criança e do adolescente só ganha reconhecimento jurídico no Brasil, na década de 1980, a partir dos diversos debates promovidos pelos movimentos populares, no processo de redemocratização do país. Morelli et al. (2000, p. 69) explicam que o Estatuto da Criança e do Adolescente [...] revogou o Código de Menores, instituindo uma nova referência à infância e à adolescência no nosso país, a Doutrina de Proteção Integral. Essa Doutrina foi aprovada e difundida através da Convenção Internacional dos Direitos da Criança de 1989. Assim, o ECA é baseado numa concepção educativa, voltado para a garantia dos direitos de cidadania a essa população, em detrimento da antiga visão repressiva, punitiva e assistencialista imposta pelo Código de Menores. O Estatuto assegura (ao menos legalmente) as oportunidades e facilidades imprescindíveis ao desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. Esse novo ordenamento jurídico introduz inovações principalmente no que diz respeito à promoção e à defesa dos direitos da criança e do adolescente, aplicada a todas as pessoas com idade inferior a 18 anos, independentemente de classe, credo, etnia ou qualquer outra condição que queira impor distinção entre o segmento em questão. Contudo, após 25 anos de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8069/1990), completos no ano de 2015, e ainda, apesar de avanços significativos no que diz respeito às conquistas nas políticas sociais para a infância e a juventude, o que se percebe ainda, segundo aponta Rizzini e Pilotti (2009, p. 35) são algumas polêmicas em torno das políticas sociais para o segmento, uma vez que denotam um conflito de visões e estratégias quando fica 197 evidente o avanço no aparato legal e seu distanciamento da realidade de um número expressivo de crianças e adolescentes. Peloso e Paula (2008) afirmam que as recentes discussões sobre a infância e a adolescência se voltam para elementos que não eram contemplados historicamente. Essas discussões presentes, por exemplo, em Dallari e Korczak (1986) e Rizzini e Pilotti (2009) são consonantes em afirmar que a criança e o adolescente precisam ser considerados como seres históricos e sociais já nessa fase da vida. Histórico e social na medida em que a infância e a adolescência passam a ser concebidas como um momento singular, provisório e de transição, porém, relevante e fundamental no que diz respeito ao seu desenvolvimento. A criança e o adolescente são (ou ao menos deveriam ser) entendidos como pessoas capazes de exercer participação direta sobre o mundo em que se encontram. Kuhlmann Junior (1998, p. 31, apud PELOSO; PAULA, 2008, p. 176) explicita que é preciso entender a infância e a adolescência, como uma condição peculiar: O conjunto de experiências vividas por elas em diferentes lugares históricos, geográficos e sociais é muito mais do que uma representação feita por adultos sobre esta fase da vida. É preciso conhecer as representações da infância e considerar as crianças concretas, localizá-las nas relações sociais, etc., reconhecê-las como produtoras de história. Assim, mais do que um período definido biologicamente, a infância e a adolescência surgem ao longo das transformações societárias, como uma referência histórica, cultural e social, o que permite a compreensão de que existem simultaneamente, em um mesmo momento histórico, distintas representações de infância e adolescência. Nessa perspectiva, Dallari (DALLARI; KORCZAK, 1986), se propõe compreender a criança e o adolescente em sua integralidade, bem como os direitos a eles inerentes. Para o autor é imprescindível a garantia do direito de ser, de pensar, de sentir, de querer, de viver e de sonhar, e que permitem identificar qual é o lugar e o significado da infância e da adolescência, ou seja, 198 “a criança é sempre um recomeço da humanidade”. É a oportunidade que o ser humano tem de começar de novo, de um novo tempo e uma nova oportunidade. Portanto, cumpre destacar o papel de crianças e adolescentes na educação não formal, considerando os seus anseios e desejos no processo de formulação e implementação de políticas públicas, contrária a proposta de natureza impositiva em que não se considera as suas reais necessidades. É fundamental problematizar a autonomia e o empoderamento (poder de decisão) deste segmento etário. Neste sentido, [...] “a educação não formal é aquela que se aprende no mundo da vida, via os processos de compartilhamento de experiências, principalmente em espaços e ações coletivas cotidianas” (GOHN, 2010, p. 16). Portanto, a importância da realização desta pesquisa está na possibilidade dos sujeitos envolvidos produzirem sentidos e significados, a partir do processo de participação na formulação e na implementação de todas as práticas coletivas (esportivas, culturais e de lazer) por eles vivenciados. Por respeitar os diferentes significados psicossociais e educativos que esses poderiam produzir na formação e no desenvolvimento integral de tais sujeitos e na potencialização das suas subjetividades, é que se tornou de fundamental importância estudar os sentidos e significados que este segmento atribuiu ao processo que vivenciaram. Assim, a pesquisa desenvolvida foi de natureza qualitativa, utilizando-se da história oral enquanto método investigativo, uma vez que ela possibilitou os encontros com sujeitos que participaram e/ou fizeram parte de um determinado acontecimento, em uma dada conjuntura. O universo da pesquisa empírica foi constituído pelas crianças e adolescentes que fizeram parte do Programa Atitude, um projeto do governo do Estado do Paraná, desenvolvido na Região Oeste A, do município de Londrina, integrado por 250 indivíduos, sendo 90 adolescentes e 160 crianças, no período de 2009 a 2011. A amostra da pesquisa foi constituída por nove pessoas – entre crianças, adolescentes e jovens, com experiência concreta vivenciada por estes sujeitos no projeto, à luz de uma prática educativa não formal. 199 A pesquisa realizada analisou os sentidos e os significados produzidos por crianças e adolescentes sobre uma prática educativa não formal. Nessa perspectiva, procurou-se, mediante a possibilidade de dar voz a esses sujeitos, buscar compreender em que medida eles vivenciaram essa prática educativa, que teve entre seus princípios o respeito à criança e ao adolescente em sua integralidade. O que ficou evidente ao analisar os depoimentos é que a criança e o adolescente não são, em muitos casos, respeitados no seu direito de “ser o que é” (DALLARI; KORCZAK 1986). Ainda, está distante de ser compreendido o lugar da criança e do adolescente como aquele em que eles possam se constituir em seres humanos melhores, plenos em seu desenvolvimento físico e emocional e livres de qualquer forma de opressão, violência ou constrangimento, colocando em risco o Sistema de Garantias de Direitos. A realidade de diversos meninos e meninas vem demostrando diariamente que não basta ser criança e adolescente, ou ter direitos garantidos em legislações consideradas avançadas. Há ainda uma enorme lacuna a ser preenchida, entre o legal e o real. Muitos dos atores sociais que se preocupam em compreender o sentido e o significado da criança na sociedade brasileira, compartilham de um mesma expectativa: “dar voz” à criança e ao adolescente. Entretanto, como aponta Lee (2010, p. 42): [...] ao conviver com as crianças, ficará claro que “voz” é algo que muitas delas já possuem em abundância. Existem então, ao mesmo tempo, visões de que as crianças não possuem voz e de que a possuem em abundância. Esta observação não sugere que é errada a intenção de dar voz às crianças; indica, antes, que aqui estão em discussão pelo menos dois conjuntos diferentes de “práticas de voz”. A primeira, conforme Lee (2010), são as práticas de voz relacionadas às relações e às interações informais, que ocorrem no dia a dia, nas conversas com familiares, amigos e conhecidos. A segunda, refere-se às práticas ditas formais, nas quais a criança e o adolescente são chamados (ou não) a emitir sua opinião sobre dado assunto. Para o autor, é nesse segundo 200 conjunto que se situa a ideia de que a criança e o adolescente “não tem voz”, colocando em dúvida se realmente eles são capazes de “falar por si próprias”. Assim, partindo do pressuposto de que a criança e o adolescente encontram-se em período peculiar de desenvolvimento, acredita-se que ampliar os espaços para que todos possam falar abertamente, sem restrições, sobre seus anseios, dúvidas, sonhos e desejos, isto implica em criar novas oportunidades e possibilidades para o pleno desenvolvimento desse segmento, por meio de ações coletivas em que os mesmos sintam-se respeitados e valorizados em suas subjetividades e particularidades. 3. CONCLUSÃO A análise dos depoimentos propiciou a percepção de que uma prática educativa não formal, em dado local e tempo histórico, se permeada pela reflexão crítica, além de uma postura profissional afetiva e comprometida, pode ser um campo inesgotável de possibilidades e oportunidades à criança e ao adolescente. Nas palavras de Dallari (DALLARI; KORCZAC, 1986, p. 21): “a criança é sempre um recomeço da humanidade”, e, assim como o adolescente, carrega dentro de si toda potencialidade de uma nova partida, de um novo recomeço. Ambos são seres humanos com a peculiaridade de estarem em desenvolvimento físico e emocional, os quais requerem proteção integral e integrado, de modo a crescer em segurança, com suas necessidades básicas atendidas. Na condição de sujeitos sociais de direitos, a criança e o adolescente são constituídos de inteligência, vontade e sensibilidade, e, dessa forma, são as vivências e as interações sociais que enriquecerão seu mundo interior com sonhos, desejos de vir a ser. É por meio do desenvolvimento de 201 seus sentidos e da potencialidade de dar significado a eles que a criança e o adolescente irão se relacionar e interagir em sua ação coletiva cotidiana. Para Dallari (1986), a criança e o adolescente têm o direito de serem tratados com a capacidade de sentir e de criar significado para suas vivências. considerando a sua vida afetiva, respeitando e valorizando o sentido e significado, capaz de influenciar direta e indiretamente seu comportamento (DALLARI; KORCZAC, 1986). Longe de querer afirmar que a prática educativa não formal é a única forma de atendimento ao segmento em questão, o que se pretendeu mostrar com este estudo é que tal prática, em dado contexto, produziu resultados significativos, tendo em vista a forma como foi executada. Assim sendo, a prática educativa não formal pode contribuir para que os direitos da criança e do adolescente sejam garantidos, por meio do respeito às suas particularidades, buscando no coletivo de suas ações dar atendimento das demandas que se apresentam. É preciso que a criança e o adolescente recebam proteção e estímulo para que cresçam e possam realizarse e desenvolver-se em sua plenitude. No entanto, ainda é preciso avançar muito para a concretização do que preconiza a lei. Isto significa ultrapassar a retórica e transformar a rotina de vida do segmento de crianças e adolescentes, a partir do real compromisso do Estado, da família e da sociedade civil, em uma realidade capaz de efetivar direitos para o pleno desenvolvimento da cidadania. 4. REFERÊNCIAS BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília: Editora da Fenabb, 1990. ______. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. DALLARI, Dalmo de Abreu; KORCZAK, Janusz. O Direito da Criança ao Respeito. 4. ed. São Paulo: Summus, 1986. 99p. (Coleção Novas Buscas em Educação, 28) 202 FREIRE, Paulo. Política e Educação. 3. ed. São Paulo: Cortez Editora, 1997. 119p. (Coleção Questões de Nossa Época, 23). GOHN, Maria da Glória. Educação não formal e cultura política. São Paulo: Editora Cortez, 1999. 120p. (Coleção Questões de Nossa Época, 71). LEE, Nick. Vozes das crianças, tomada de decisão e mudança. In: MÜLLER, Fernanda (Org.). Infância em Perspectiva: políticas, pesquisas e instituições. São Paulo: Cortez Editora, 2010. p. 42-64. MORELLI, Ailton J. et al. Desenho da Política dos Direitos da Criança e do Adolescente. Psicologia em Estudo, Maringá. v. 5, n. 1, mar. 2000. Disponível em: <http://www.scielo.php?script=sci_artext&pid=S1413737220000000100005&Ing=en&nrm=iso>. Acesso em: 13 dez. 2014. PELOSO, Franciele C.; PAULA, Ercilia Maria A. T. Ensaios sobre algumas concepções de infância: aproximações com o pensamento freiriano e o lugar da infância das classes populares. Revista Teoria e Prática da Educação, v. 11, n. 2, p. 173-179, maio/ago. 2008. Disponível em: <www.dtp.uem.br.rtpe/volumes/v11n2/006-artigo-franciele-173-179.pdf>. Acesso em: 13 dez. 2014. RIZZINI, Irene; PILOTTI, Francisco (Org.). A arte de governar crianças: a história das políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil. 2. ed. rev. São Paulo: Cortez Editora, 2009. 335p. 203 SERVIÇO SOCIAL NA ÁREA DA EDUCAÇÃO: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA COM ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL Relly Amaral R. Vicente73 Cláudia Neves da Silva74 Resumo: O artigo tem por objetivo apresentar o relato de uma atividade do Projeto de Extensão Atuação do Serviço Social na Área da Educação, vinculado ao Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina na divulgação dos direitos fundamentais do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente para alunos do ensino fundamental, em parceria com uma 73 Assistente Social, especialista em Metodologia do Ensino Superior, mestranda em Serviço Social e Política Social – UEL 74 Assistente Social e Cientista Social, Profa. Adj. Dpto de Serviço Social e do Programa de Pós Graduação em Política Social e Serviço Social - UEL. 204 escola pública municipal de Bela Vista do Paraíso e a comunidade local. Constatamos a necessidade da abordagem da temática “dos direitos” no processo educacional de crianças e adolescentes e que nunca é cedo para o despertar dessa consciência individual e coletiva. Palavras-chave: Prática profissional do Serviço Social; Educação; Política de Educação; Estatuto da Criança e do Adolescente. 1. Introdução O presente artigo é o resultado parcial de um trabalho que vem sendo desenvolvido por dois docentes, cinco discentes de graduação e uma discente do Programa de Pós Graduação Políticas Sociais e Serviço Social no projeto de extensão A atuação do Serviço Social na área da educação, vinculado ao Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina, cujo objetivo é implementar uma metodologia de intervenção do Serviço Social em uma escola pública municipal e em uma escola pública estadual da cidade de Londrina e região e possibilitar aos estudantes do curso de Serviço Social e profissionais da área conhecerem a Política de Educação, o cotidiano escolar e seus sujeitos. O projeto de extensão Serviço Social na área da educação iniciou-se no ano de 2010 com o objetivo de “Investigar as novas demandas que se apresentam para o serviço social na área da educação”. Em 2013, a partir das respostas dos diretores e pedagogos entrevistados, iniciamos um novo projeto com a finalidade de conhecer e implementar uma metodologia de intervenção do Serviço Social na área da educação como estratégia interventiva no fortalecimento da luta da categoria profissional do Serviço Social para que o Estado do Paraná implante o “Programa de Atendimento Psicopedagógico e Social em todas as unidades escolares” previsto na Lei nº15075/2006. 205 Através do contato de uma das discentes com a coordenadora de uma escola pública de ensino fundamental do município de Bela Vista do Paraíso-PR - região metropolitana de Londrina - surgiu o convite para que o projeto fizesse um trabalho interventivo socioeducativo junto aos alunos do ensino fundamental do 3º ao 5º ano (faixa etária entre 10 e 12 anos), com o objetivo de “esclarecer sobre os Direitos Humanos”. Aceito o desafio deste trabalho em parceria com a Escola Municipal Alcenira Ribeiro de Castro propusemos a realização de uma oficina em que discutiríamos o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente, com o objetivo de estimular esses “pequenos cidadãos” o despertar de seus direitos. Cerca de um mês antes da data prevista, debatemos e organizamos a metodologia da oficina e as estratégias que seriam utilizadas. Buscamos também outras parcerias na execução do mesmo (Igreja Católica, Pastoral da Juventude),na busca de infraestrutura e de um maior envolvimento da comunidade local na realidade escolar. Concomitantemente, a escola fez um trabalho junto aos alunos que participariam da oficina onde eles puderam expor, de forma anônima, suas dúvidas quanto aos seus direitos. Apresentamos a transcrição literal das principais perguntas por compreendermos as falas enquanto instâncias reveladoras dos valores, compreensão de mundo e de direitos, e dificuldades da realidade dos alunos, nelas contidas: Sabemos que a criança tem deveres, caso ela não os cumpra, existe alguma punição? Qual seria?; Com quantos anos criança pode andar na rua sozinha?; As crianças de oito anos podem ficar em casa sozinhas?; ; O que fazer quando um homem se aproxima em um carro perto da criança e tem a intenção de sequestrar; Qual é a punição do professor que não respeita o aluno?; O que fazer quando ver uma criança sendo descriminada?; Que atitude tomar quando alguém faz alguma coisa contra a vontade?; O que é abuso sexual?; Meus pais estão brigando e meu pai agride a minha mãe. O que eu devo fazer?;Na separação dos pais, uma criança de 10 anos pode escolher com quem ficar?; Meu tio é drogado e maltrata a minha avó como que pode fazer para mudar? ; Quantos anos demora uma adoção?;Os pais são separados, se a criança ficar com o pai, a mãe é obrigada a pagar pensão? Se ela não pagar o que pode acontecer?; O que pode acontecer de grave se a criança reprovar na escola por faltas sem justificativa?; Com quantos anos podemos parar de estudar?; 206 Tais perguntas chegaram até nós e foram utilizadas como embasamento na condução e elaboração do conteúdo que iríamos abordar. Foi possível verificar que as perguntas perpassavam essencialmente pelos 4 primeiros Direitos Fundamentais do ECA: I - do Direito à Vida e à Saúde...II - do Direito à Liberdade, ao Respeito e a Dignidade... III - do Direito à Convivência Familiar e Comunitária...IV- Do Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer. (ECA, p. 11 - 22) Elaboramos apresentação em slides, via Data show, para abordagem de forma sucinta e através de imagens dos seguintes tópicos: A diferença entre igualdade e justiça, Trajetória histórica dos direitos das crianças e dos adolescentes, Os 4 primeiros Direitos Fundamentais do ECA, Diferentes tipos de violência contra a criança e o adolescente, O direito de buscar auxílio ( divulgação do Disque 100 e do Conselho Tutelar local). 2. Serviço Social e Educação 2.1 O que é educação na perspectiva do Serviço Social?751 A Educação é política social pública, sendo o direito ao seu acesso e permanência garantidos legalmente pela Constituição Federal/88 como Direito Social dentro dos Direitos e Garantias Fundamentais do cidadão brasileiro. Também temos como outros aportes legais o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) e a LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9,394/96), Plano Nacional de Educação (lei 13.005/14), entre outros. 75 Não apresentaremos o conceito de educação, educação escolarizada e escola em virtude do limite de espaço. Sugerimos algumas leituras para que o leitor possa entender o caminho teórico que adotamos: ALMEIDA, N. L. T. de. Apontamentos sobre a política de educação no Brasil hoje e a inserção dos assistentes sociais hoje. In CAMPOS, E. B. et al. Subsídios para o debate sobre o Serviço Social na educação. Conselho Federal de Serviço Social – Grupo de Trabalho de Educação. Brasília, 2011. MÉSZÁROS, E. A educação para além do capital. 2º ed. São Paulo: Boitempo, 2008. . 207 Sua importância para as crianças e dos adolescentes está ligada à garantia do pleno desenvolvimento intelectual, contribuindo em sua formação para o exercício da cidadania. Entende-se que o sistema de ensino brasileiro é um espaço de concretização dos problemas sociais, sendo o ambiente escolar permeado por contradições, reforço de estereótipos e reproduções de cunho alienante, meritocráticos e discriminatórios, típicos da sociabilidade capitalista. Sua função social apesar de marcada por contradições, projetos e lutas societárias, não encontra nela um espaço privilegiado, já que perpassa por todas as instâncias da sociedade. (CFESS, 2012) Segundo Gramsci, educar é por fim à separação entre Homo Faber e Homo Sapiens, é resgatar o sentido estruturante da educação e de sua relação com o trabalho, suas possibilidades criativas e emancipatórias. O Código de Ética do/da Assistente Social em seus princípios fundamentais destaca: II. Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo; III. Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis, sociais e políticos das classes trabalhadoras; Portanto, devemos defender, no caso da Política de Educação, não só o direito do educando ao seu acesso e permanência numa perspectiva de educação pública e de qualidade, como também os direitos fundamentais, de sua família e docentes, tendo em vista que para garantir um projeto educativo emancipatório é necessário que a educação escolar seja impulsionada por relações de respeito entre os sujeitos envolvidos na prática pedagógica, isto é, reconhecimento das diferenças sociais, culturais, étnicas, religiosas, de gênero: Discutir a contribuição do Serviço Social para a garantia desse direito, nos remete obrigatoriamente a temas que atravessam a realidade social, política, econômica e cultural, mas que nem sempre são identificados no dia a dia da escola e por muitas ficam ao largo das Políticas Educacionais. (CFESS, 2001, p.9) 208 E é dentro deste contexto que pensamos a atuação do Serviço Social na área da educação, tendo em vista que como profissionais que atuam na implementação e/ou gerenciamento de políticas públicas seria viável que o âmbito educacional também contasse com a intervenção do profissional do serviço social: Ela tem uma função social importante na dinâmica da reprodução social [...] marcada pelas contradições, pelos projetos e pelas lutas societárias e não se esgota nas instituições educacionais, embora tenha nelas um espaço privilegiado de objetivação (CFESS, 2012, p.16) As condições e relações que circunscrevem o trabalho do/da assistente social na área da educação precisam ser analisadas de forma crítica e conectada com as expressões da questão social que se fazem presentes e latentes na escola. Se acreditarmos que a Educação também é fruto das relações sociais que se estabelecem em uma dada sociedade e que o ato educativo também é político, os diferentes atores que participam da esfera educativa, dentre eles os/as assistentes sociais, são necessários/as para que essa dimensão seja retomada e fortalecida, bem como a diminuição das desigualdades e discriminações existentes dentro e fora da escola. E para a defesa de direitos com vistas a uma ação emancipatória, é de suma importância a consciência desses direitos na busca de sua concretização através de uma ação política. E o assistente social pode contribuir com essas ações através do seu exercício profissional, como explicitado em seu Código de Ética: IV -Defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida; V- Posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática; VI- Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças; O Serviço Social poderá atuar no campo educacional executando programas e projetos que subsidiem as políticas setoriais – saúde, habitação, assistência social – voltadas para as necessidades de estudantes, famílias e comunidade; além de desenvolver as atividades de interação grupal entre 209 professores e alunos, comunidade escolar e família, contribuindo para uma prática educativa que considere as perspectivas de todos os sujeitos envolvidos. É importante realizar um trabalho que considere o que se passa do lado de fora dos muros escolares, porque interfere com o que se passa intramuros. O trabalho do profissional do Serviço Social deve ser em parceria com a equipe profissional da escola – professores, pedagogos, diretores - contribuindo com seus saberes, experiências e discussões para que, de forma coletiva, o direito à educação seja efetivado e que sejam enfrentados os obstáculos que por ventura criem impedimentos ao acesso, garantia e qualidade de uma educação emancipadora. Afinal, o/a Assistente Social não será o solucionador dos problemas escolares, com respostas prontas e imediatas. O desvelamento dessa realidade será possível por meio de contatos constantes com a comunidade em torno da escola: comércio, igrejas, unidade básica de saúde, centro de referência da assistência social, ou seja, espaços frequentados pelos estudantes e seus familiares regularmente. Acreditamos que por meio destas práticas será possível a efetivação de uma educação emancipadora e base para o acesso às demais políticas sociais. É nessa perspectiva que compreendemos a intervenção do Serviço Social na Política Educacional. 2.2 Breve relato de uma oficina promovida pelo projeto “Serviço Social na Educação” A oficina foi realizada no período da tarde, após o período regular de aulas, com cerca de 45 estudantes do 3º ao 5º ano da Escola Municipal Alcenira Ribeiro de Castro, estando eles acompanhados pela coordenadora da mesma escola. O local para a realização da mesma foi o salão paroquial da Igreja Matriz da cidade, sendo que contamos com a presença de jovens da Pastoral da Juventude para fazer a acolhida dos alunos através de musicalização ao vivo e 210 dinâmica previamente realizada por uma das alunas do projeto, moradora da região. O tempo previsto para duração dos trabalhos foi de 2 horas, levando-se em consideração a adaptação do local e a faixa etária dos participantes. A infraestrutura do salão paroquial contava com palco, instrumentos musicais, microfones, cadeiras plásticas, banheiros, bebedouros e ventiladores. O projeto e a universidade cederam data show, exemplares do ECA (suficientes para cada participante), material de papelaria (tesouras, lápis de cor, cola, canetas, papel, revistas, etc) e os recursos humanos. No primeiro momento do trabalho, introduzimos a fala nos apresentando de forma lúdica e direta a todos os estudantes ao mesmo tempo, no formato “palestra”, buscando uma metodologia participativa e interativa, através de perguntas diretas aos alunos, sempre dando espaço para suas falas e conduzindo a temática com o recurso visual do Data show e conforme a experiência e a compreensão dos temas expostos demonstrada pelos alunos. Buscamos abordar os direitos numa perspectiva do cotidiano, usando exemplos do dia a dia familiar e escolar e abordando a temática de forma que eles compreendessem que todo direito carrega consigo também uma responsabilidade. Dentro disso, buscamos tangenciar políticas públicas, bullying, discriminação, violência, negligência, trabalho infantil, respeito, entre outros. Após essa breve discussão sobre temas já citados na introdução, passamos para o segundo momento dos trabalhos no qual dividimos os estudantes em 4 grupos representados por 4 diferentes cores, conforme os direitos que seriam abordados nas oficinas: Direito à Vida e à Saúde(verde); Direito à Liberdade/Respeito/Dignidade (roxo); Direito à convivência Familiar e Comunitária (azul); Direito à Educação/Cultura/Esporte e Lazer (laranja). Cada aluno recebeu gratuitamente um exemplar do ECA para ser utilizado nas oficinas e depois para uso próprio. As oficinas foram conduzidas pelas alunas da graduação com a supervisão direta das docentes e da aluna da pós-graduação. As atividades/estratégias utilizadas nas oficinas foram: a leitura conjunta dos artigos pertinentes ao direito, discussão sobre o que foi 211 compreendido buscando responder as perguntas encaminhadas anteriormente pelos alunos, e a elaboração de uma atividade/trabalho para a apresentação perante todos. As atividades elaboradas e apresentadas posteriormente pelos alunos foram: confecção de cartazes com recortes de revista, desenhos e texto; letra de música (rap) e teatro. Alguns grupos, devido a diferenças e afinidades pessoais e no entendimento do tema, usaram da criatividade na elaboração de múltiplos trabalhos. Esta etapa foi finalizada com a escola servindo um lanche aos participantes da oficina. Passamos então para o terceiro momento, quando todos os trabalhos foram apresentados pelos próprios estudantes com as alunas do projeto como facilitadoras. Em seguida, buscamos, através da fala dos participantes e da coordenadora da escola, qual a percepção que tiveram sobre o que havia sido realizado. O material elaborado pelos alunos foi entregue à coordenadora, junto com um exemplar do ECA, para que os temas ali abordados pudessem ser socializados e aprofundados dentro do ambiente escolar. Ao final os alunos participantes receberam um Certificado de Participação e um exemplar do ECA. 3. Considerações Finais Ressaltamos que esta foi a primeira experiência do projeto com oficina ministrada diretamente ao público escolar infantojuvenil. Cabe aqui relatar brevemente nossa análise parcial dos pontos negativos e positivos de nossa abordagem. O local para realização da oficina necessitou de várias adaptações devido as altas temperaturas do dia sendo os poucos ventiladores insuficientes, o que nos levou a improvisarmos e transferir os alunos para o pátio externo do salão paroquial, tornando a realização dos trabalhos mais agradável, aumentando o nível de concentração e produção dos grupos. 212 Percebe-se que houve realmente a compreensão inicial dos direitos preconizados pelo ECA, principalmente no que tange à Educação, Respeito, Dignidade e Saúde, e que esse trabalho não cabe como um fim em si mesmo, mas como um início, um despertar não só dos estudantes, mas do sistema escolar quanto a importância da abordagem da temática “dos direitos” no processo educacional de crianças e adolescentes que, conforme observado nas perguntas transcritas, já têm sido vítimas de violência e negligenciados em seus direitos. Compreendemos que a consciência dos direitos coopera na emancipação e no exercício da cidadania, e que nunca é cedo demais para o despertar dessa consciência individual e coletiva, sendo o ambiente escolar propício para que essa primeira aproximação aconteça, já que conforme MÉSZÁROS (2008): A educação reconhecida como direito humano e universal se revela como elemento fundamental na construção de uma sociedade justa e igualitária, inclusive nas disputas sociais e históricas que determinam os avanços e retrocessos no processo de humanização. Foi perceptível a importância de um aporte teórico multidisciplinar (noções de psicologia, educação, dinâmicas de grupo) sólido para a intervenção do profissional do Serviço Social na educação, e como o conhecimento sensível, material, do campo de atuação faz-se necessário, pois o profissional precisa dessas sucessivas aproximações com a realidade social dos sujeitos com quem trabalhará na construção de mediações para uma intervenção profissional coerente, assertiva e dentro da lógica democrática e emancipadora proposta pela profissão. Referências Bibliográficas BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. BRASIL. Constituição. Brasília, DF. 1988. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, 1996. 213 CFESS. Grupo de Estudos sobre Serviço Social na Educação. Serviço Social na Educação. Brasília, 2001. CEFSS. Subsídios para a atuação de assistentes sociais na política de educação. Brasília, 2012. (Série Trabalho e projeto profissional nas políticas sociais) CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL GT DE EDUCAÇÃO CFESS, Subsídios para o Debate sobre Serviço Social na Educação, Brasília, 2011. MÉSZÁROS, István. A Educação para além do capital. Boitempo editorial, 2008. O SERVIÇO SOCIAL NA GARANTIA DO ACESSO À EDUCAÇÃO INFANTIL Rosilene de Fátima Pollis Leika Nakamura Cardoso RESUMO O trabalho expressa práxis do Serviço Social na garantia do direito à Educação Infantil no município de Paiçandu, Região Metropolitana de Maringá. O déficit de vagas na Educação Infantil afeta igualmente a milhares de famílias em todo o País, justificando a atuação do Serviço Social regionalizado no Ministério Público. De embasamento teórico crítico e análise quanti-qualitativa, a experiência exigiu interpretação da vasta documentação, narrando estratégias na promoção de direitos de famílias e crianças. Como resultados, enfatiza-se o reconhecimento legal do dever do Estado e do direito da criança a ser atendida nos Centros Municipais de Educação Infantil (CMEI) e o necessário incremento na política pública para impacto das dificuldades enfrentadas por famílias de trabalhadores com crianças sem vaga na creche. A experiência revela, em 214 síntese, a contribuição do Serviço Social com famílias que garantiram vaga para acesso de seus filhos pequenos à Educação Infantil pública. Palavras-chave: Vaga - Educação Infantil - Serviço Social. INTRODUÇÃO A História da Educação Brasileira é feita de rupturas marcantes. Por um longo período na história brasileira, a Educação Infantil foi tratada como assistência aos filhos dos trabalhadores empobrecidos. Só a partir da década de 80, com o advento da Constituição de 1988 e, fruto de luta por mães e famílias trabalhadoras, que a Educação Infantil alcança reconhecimento social e legal como direito da criança na Política Nacional de Educação. No município de Paiçandu/PR, as famílias são afetadas pelo déficit de vagas na Educação Infantil igualmente a milhares de outras pelo país afora. Paiçandu fica no Noroeste do Paraná, na Região Metropolitana de Maringá. Segundo o Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE, 2010), são 35.936 munícipes. Muito embora, em 2014 dados sinalizavam crescimento para 38.846 habitantes (IPARDES, 2014). De economia agrícola, a cidade de Paiçandu é majoritariamente ocupada por famílias de trabalhadores que se deslocam para Maringá, cidade-polo regional de pujança na indústria e comércio. Como cidade ‘dormitório’, em Paiçandu as famílias com filhos pequenos, buscam atendê-los no Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) para poder deixar o domicílio para trabalhar. De baixa arrecadação, a administração pública de Paiçandu depende do Fundo de Participação dos Municípios para a gestão de suas demandas. 215 No itinerário metodológico, a análise documental privilegiou as informações registradas no instrumental técnico-operativo construído pelo Núcleo de assessoria técnica em Serviço Social. Neste aparato constam registros das estratégias aplicadas pelo setor, tanto nos atendimentos individuais com estudo social das famílias que compareceram ao Ministério Público em busca de vaga em CMEIs em Paiçandu, como das reuniões e providências na responsabilização do gestor público municipal e estadual. O recorte temporal de um ano, serviu à análise do processo de trabalho técnico interventivo do Serviço Social no Ministério Público de Maringá, portanto, de abril/2013 a abril/2014. A coleta de dados reuniu 61 dossiers que registram atendimento de acesso à Justiça pelas famílias em busca de vaga para matricular seus filhos pequenos nos CMEIs de Paiçandu no período. A CONTRIBUIÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NA GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO INFANTIL NO MUNICÍPIO DE PAIÇANDU O Núcleo de Serviço Social atende a quem busca acesso à Justiça, encaminhado ou não por setores da rede de serviços sociais na comarca e região. A todo cidadão com direitos sociais violados, faz-se atendimento individual e o mesmo trato é oportunizado a grupos ou sujeitos coletivos76. Institucionalmente, o Núcleo procura mobilizar agentes de atuação nas políticas públicas setoriais visando com a intervenção técnica de proteção aos direitos sociais, maior alcance para a coletividade. Para tanto, realiza articulações setoriais, dentre gestores e conselheiros de gestão de política pública, na comarca e regionalmente sempre que necessárias à garantia de direitos coletivos e individuais. O marco regulatório do Núcleo de Serviço Social prevê o assessoramento técnico às demandas sociais que compareçam nas Promotorias de Justiça, subsidiariamente, nas matérias de defesa e promoção de direitos 76 Sujeitos coletivos: representante de comunidade; de associações; de um determinado grupo; entre outros sujeitos, seja um grupo ou um indivíduo em busca do acesso ao direito para coletividade. 216 coletivos, no monitoramento da efetividade de políticas sociais e realização de diagnóstico de vulnerabilidades sociais nos municípios de abrangência e entorno, conforme necessidade e possibilidades. Nesse sentido, exige-se postura profissional proativa, propositiva e em consonância com o projeto éticopolítico da profissão estabelecendo diálogo permanente com diversos atores sociais e constante busca por aperfeiçoamento profissional. Das ações planejadas para a atuação técnica do Serviço Social em 201314, consta a articulação fiscalizadora da gestão da educação para a criança e ao adolescente na comarca de Maringá. Com a redistribuição dos serviços na comarca (resolução 111/2013 PGJ), em abril de 2013 coube à 17ª Promotoria Justiça (PJ) acompanhar a gestão municipal da Educação dirigida ao público infanto-juvenil. Acionado então por esta PJ, o Núcleo de Serviço Social passou a assessorar a área especializada, prestando do atendimento individual à definição e execução de estratégias para a garantia da efetividade dos direitos que compareciam negligenciados pela má gestão da Educação. No período, o Núcleo fez atendimentos individuais formatando dentre os instrumentos, estudos sociais pormenorizados, dos quais se desdobravam encaminhamentos e condutas técnicas mediadoras entre as famílias e os gestores públicos municipais de competência. A partir da escuta e orientações às famílias, por aproximações sucessivas com a área, reconhecendo-se paulatinamente os fluxos internos dos serviços da rede pública e privada da educação infantil, extraíram-se elementos para o diagnóstico da realidade social em dois municípios da comarca, nos quais se identificou a fila de espera por vaga em Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs); evasão escolar; transferências involuntárias de alunos mudando de turno ou escola; conflitos entre alunos e professores; transporte escolar; entre outros em Paiçandu e Maringá. No bojo da atuação, o Núcleo promoveu reuniões entre promotores de justiça e gestores públicos da educação municipal e estadual, com engajamento de conselhos tutelares e instituições afetas ao tema. A práxis desencadeada monitorou a gestão de educação dos municípios da comarca desde a aplicação 217 de recursos para acesso do cidadão à educação pública na qual se insere a educação infantil. Da mesma forma que se aproximou de atores na gestão estadual da educação dirigida à adolescência na comarca, o fez mais detido e sistematicamente, com a gestão municipal da Educação dirigida ao público infanto-juvenil, seja pelo reconhecimento da oferta como da demanda reprimida por vagas reclamadas pela população de Maringá e Paiçandu. No cotidiano institucional, no período o Serviço Social no MP se tornou agente protagonista de encontros com gestores e representantes públicos no assunto, não apenas atendendo às famílias e empoderar ao cidadão, como promovendo reuniões ampliadas, que exigiam desde a elaboração da pauta, lista de presença, materiais/informativos, atas a demais estratégias de articulação. Nesta etapa do processo de trabalho, o Serviço Social reestruturou a comunicação entre a Promotoria de Justiça e as secretarias municipais de educação, tornando mais célere as informações e recriando fluxos de atendimento à população. Além disso, pelo olhar diferenciado do trabalhador social, este se apresenta como aliado na conquista do direito à educação de qualidade, do acesso à permanência do educando na escola, sem importar níveis. De acordo com o Plano de Ação do Núcleo de Serviço Social - 2014, a ação programática “Articulação fiscalizadora da gestão da Educação da Criança e do Adolescente na comarca”, tem dentre suas atividades, o que segue: Atender às famílias de crianças e adolescentes sem vaga na Educação Infantil, Ensino Fundamental ou Ensino Médio; Registrar e planilhar o atendimento social, buscando informes na gestão municipal e estadual para desencadeamento de providências protetivas; Agendar reuniões com gestores, conselho tutelares e de direitos da criança e adolescentes para corresponsabilidade nas estratégias afins; Sistematizar dados situacionais e macro para diagnóstico social da demanda e soluções aplicáveis (POLLIS, 2013). Nesta experiência, cujo objeto de estudo e análise é a atuação do Serviço Social no Ministério Público, comarca Maringá, na garantia do direito à Educação Infantil de crianças residentes no município de Paiçandu, um dos resultados 218 alcançados foi o perfil das famílias que aguardam em fila de espera por vaga na creche para seus filhos pequenos. Noutro alcance, deu-se a caracterização da demanda reprimida em dois municípios da comarca, demonstrando a contribuição da profissão mediando o empoderamento da população na conquista de seus direitos de modo a torna-los efetivos. Ao analisar os dados apurados, compreende-se a dificuldade de famílias sem acesso à educação infantil, conforme seguem traços do perfil revelado: Na composição familiar, 57% delas representam a família nuclear, constituídas por pai, mãe e filho (os). Outros formatos nas relações de parentesco e afetivas são identificados, tais como: família monoparental (23% são compostas por mãe e filhos); família extensa (5% composta por pai, mãe, mas com os filhos residindo com os avós), e por fim, família anaparental (2% formada por irmãos). Quanto aos meios de subsistência, 51% das famílias declaram que o pai e a mãe das crianças tem trabalho remunerado, formal ou informal; em 26% a mãe da criança trabalha, apresentando-se como única provedora do lar; em 12% das famílias, o pai está empregado e a mãe, desempregada. Nestas famílias, a mãe alega afastamento do mercado de trabalho remunerado porque precisa cuidar dos filhos pequenos enquanto aguarda a vaga no CMEI; e por fim, o índice mais preocupante, é de 11% das famílias com a mãe se declarando única provedora, desempregada e, sem meios para voltar ao trabalho enquanto os filhos não conseguem atendimento pela Educação Infantil. Analisando as formas de atendimento alternativo nos cuidados às crianças sem vaga em CMEIS em Paiçandu, constatou-se 67% das famílias sem ter com quem deixar as crianças, nem meios financeiros para custear babá enquanto trabalham; 22% contam com as avós ou bisavós, maternas ou paternas; 8% declaram contrato de terceiros (tia, prima, vizinha) para zelo dos filhos; em 3% as famílias se dizem tão desprovidas de alternativa que pagam a desconhecidos para zelo das crianças enquanto trabalham. Sobre a vulnerabilidade social nestas famílias, o indicativo de renda familiar revelou 82% delas vivendo com até três salários mínimos e, pagando aluguel. Com as mães fora do mercado de trabalho por ter que cuidar dos filhos, a participação financeira da mulher na economia doméstica desaparece durante a espera por vaga em CMEI. Noutro dado correlato, 20% das famílias são beneficiárias de Programas sociais tais como: Bolsa Família, Leite, Peti e da Tarifa Social (Água e Luz para todos). Dentre os 04 Centros de Educação Infantil em Paiçandu, é de 77% a lista de espera nos CMEIS: João Bolognese e Francisco Matheus Garcia, localizados no Centro da cidade. Com isso, identifica-se a região que concentra a espera por vaga em Centro de Educação Infantil sendo a mesma área de moradia dos trabalhadores. 219 Quanto à situação das crianças cujos familiares foram atendidos pelo Serviço Social no MP, no final de 2014, 73% delas estavam matriculadas nos CMEIs; 23% continuavam na lista de espera e, dentre estas, 4% seriam atendidas em 2015. Em outras palavras, a maioria das crianças foi matriculada em Centros Municipais de Educação Infantil de Paiçandu após seus familiares assegurarem seus direitos, buscando o Serviço Social no Ministério Público. De relevo nesta atuação do Núcleo especializado, destaca-se a escuta e a orientação qualificada oportunizada nos atendimentos às famílias. Nos atendimentos individuais, cada família se fortaleceu com as informações e encaminhamentos a que teve acesso sobre a rede de serviços, condições da gestão pública municipal, estadual outros quanto à Educação Infantil. Também pode ser considerada bem sucedida, a estratégia de engajamento de instituições na defesa da criança e da educação pública (Programa NEDIJ/UEM, CMDCA e Conselhos Tutelares, ONG Marista etc) que, articulados pelo Serviço Social, ampliaram o acesso de crianças aos Centros de Educação Infantil, ainda que pelo viés da judicialização de ações. CONSIDERAÇÕES FINAIS A importância em narrar esta ação de garantia ao direito da Educação Infantil, com o Serviço Social assessorando Promotorias de Justiça no Ministério Público Estadual em Maringá, é porque isto serve ao reconhecimento da contribuição do fazer profissional comprometido com a promoção e defesa intransigente dos direitos da população. A gestão municipal da educação em Paiçandu foi impulsionada a reordenar fluxos, critérios objetivos no atendimento à fila de espera por vagas em seus equipamentos com o monitoramento do Serviço Social no MP. A Educação Infantil se traduziu em pauta da agenda pública dos municípios na comarca, sendo com eles traçadas estratégias para cobertura protetiva às famílias com perfil de vulnerabilidade dentre as que aguardavam a vaga para os filhos nos Centros Municipais de Educação Infantil. 220 A demanda por vaga em creche é realidade na maioria dos municípios brasileiros, caso de Paiçandu e Maringá. Não raro, a espera para esse atendimento universal seguem crescendo. A quantidade e a qualidade deste atendimento são desafios imperiosos da Pátria Educadora. Na edificação de uma sociedade verdadeiramente justa, não se retarda o acesso universal pelas crianças à educação pública, desde os níveis infantil e fundamental. O Serviço Social, inscrito como profissão na divisão sóciotécnica do trabalho, consolida-se também na produção de conhecimento que parte da intervenção na realidade social de forma crítica e criativa, a guisa do Código de Ética Profissional (1993) e da Lei da profissão (Lei 8662/93). Este marco referencial para a profissão sinaliza os passos no caminho da formação do Assistente Social inventivo, crítico e atento ao contexto histórico-situacional. Assim, atuando num dado tempo, território e com a sua gente e, compreendendo a realidade social nas suas múltiplas contradições, que se alcançou um dos melhores frutos com esta ação no Núcleo. Por este campo e projeto de estágio, nova assistente social atenta ao direito de crianças, mães e mulheres solidificou sua identidade profissional a partir da ética e compromisso. De forma geral a práxis descrita alcançou os objetivos propostos, seja pelo compartilhamento do perfil identificado nas famílias atendidas com os gestores públicos, seja pela eficácia nas estratégias empreendidas na articulação de forças sociais que propiciaram impacto na demanda social de falta de vagas em Centros Municipais de Educação Infantil em Paiçandu. Por fim, considera-se que o Serviço Social, ao priorizar no Setor a escuta da população com direitos violados, empoderou famílias sem acesso à Educação Infantil para seus filhos pequenos e inaugurou relações novas entre promotores da justiça na área da Infância e gestores públicos municipais na comarca de Maringá. Com estas intervenções técnicas do Serviço Social, necessárias à viabilização e garantia de direitos, para além da resolução de demandas individuais, se contribuiu para a efetividade do direito coletivo. REFERÊNCIAS 221 BRASIL. Lei nº. 8.662 de 7 de junho de 1993. Dispõe sobre a profissão de Assistente Social e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 07 jun. 1993. IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas. Biblioteca, 2014. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view =detalhes&id=34219> Acesso em 10 set. 2015. IPARDES, Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social, 2014. Caderno Estatístico: Município de Paiçandu. Disponível em: <http://www.ipardes.gov.br/cadernos/MontaCadPdf1.php?Municipio=87140> Acesso em 10 set. 2015. PARANÁ. Plano Decenal dos Direitos da Criança e do Adolescente do Estado do Paraná: 2014-2013. Comitê Interinstitucional para Elaboração, Implementação e Acompanhamento do Plano Decenal dos Direitos da Criança e do Adolescente. (Org.); Secretaria da Família e Desenvolvimento Social (Equipe técnica). Curitiba: SECS, 2013. PASCHOAL, Jaqueline Delgado; MACHADO, Maria Cristina Gomes. A História da Educação Infantil no Brasil: Avanços, Retrocessos e Desafios dessa Modalidade Educacional. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.33, p.78-95, mar.2009, ISSN 1676-2584. POLLIS, Rosilene de Fatima. Núcleo de Serviço Social 10ª Região de Maringá: Plano de Estágio de Serviço Social, 2014. POLLIS, Rosilene de Fatima. Plano Setorial de Ação: Órgãos e Unidades Administrativas. Núcleo de Serviço Social do Ministério Público Paraná – Comarca de Maringá. Elaborado em: 22 de nov., 2013. 222 REFLEXÕES ACERCA DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E O ACOMPANHAMENTO DE CONDICIONALIDADES NO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA (PBF) Marília Gonçalves Dal Bello RESUMO O presente trabalho tem como objetivo estudar a operacionalização do Programa Bolsa Família pela proteção básica, tendo como enfoque reflexões sobre a perspectiva punitiva que tem assumido o acompanhamento de condicionalidades pela política de assistência social. Para tanto adotou-se como caminho metodológico, estudo qualitativo, com base em levantamento e estudo documental e bibliográfico, tendo como marco a Política Nacional de Assistência Social/2004. Os resultados apontaram que, apesar assistência social inscreverse como política protetiva, ao ter entre suas atribuições a gestão e o acompanhamento das condicionalidades exigidas pelo PBF, ao distanciar-se de leituras sobre os territórios de vivencias das famílias de baixa renda, reproduz perspectivas individuais e intrínsecas ao programa. Como caminhos para avançar no fortalecimento da proteção de famílias, sinaliza-se à política de assistência social o aprimoramento de estudos sobre as desigualdades territoriais, capazes de sinalizar demandas e respostas coletivas no trato do descumprimento de condicionalidades. Palavras chaves: política de assistência social, Programa Bolsa Família (PBF), proteção social. 223 INTRODUÇÃO Como resultado de pactos e correlações de forças entre governo e sociedade civil nos espaços de gestão compartilhada, foi aprovada, pela resolução nº 145 de 15 de outubro de 2004, no governo de Luís Inácio Lula da Silva, a PNAS, cujas definições pautam a implantação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). A PNAS/2004, ao prezar pela proteção social, tem entre suas principais matrizes a família e o território. Na proteção básica, foco desse estudo, a assistência social, tem por intuito a prevenção de vulnerabilidades e riscos, decorrentes das fragilidades dos vínculos familiares e comunitários, vivenciados por famílias em seus territórios de vivencia. Inscrita como política de seguridade social, a ação específica da assistência social é a proteção social não contributiva como direito de cidadania. Como outras políticas de proteção, a assistência social ultrapassa o campo da iniciativa privada, individual e espontânea, regendo-se por princípios de justiça social, respaldados por leis impessoais e objetivas. Os direitos sociais estariam, desse modo, associados a uma postura ativa e positiva do Estado em prover e fazer o que for devido ao cidadão, que, como tal, converte-se em credor e titular legítimo desses direitos. Criado pela lei 10.836/2005 e regulamentado pelo decreto 5.209/2004, o PBF caracteriza-se como principal programa de transferência de renda no Brasil, inserindo-se também como um dos principais benefícios da proteção social básica na assistência social. Constitui-se como programa condicionado de renda, destinado a famílias em situação de extrema pobreza e pobreza, cujo rendimento varia entre R$ 77,00 e R$ 154,00. As condicionalidades abrangem um conjunto de deveres a serem cumpridos na educação e saúde pelas famílias beneficiárias do PBF como 224 exigência para se manterem no programa. É dever, por exemplo, o acompanhamento da saúde de mulheres gestantes e nutrizes entre 14 e 44 anos e de crianças entre 0 e 7 anos de idade – manutenção da vacina em dia e acompanhamento de peso. A portaria interministerial do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) nº 666, de 28 de dezembro de 2005, institui como condicionalidade na assistência social a frequência mínima de 85% das crianças com até 15 anos em situação de risco e/ou retirada do trabalho infantil nos serviços de convivência familiar e comunitária. Entretanto, essa condicionalidade ainda não incorre em efeito punitivo. O descumprimento de condicionalidades é registrado pelos serviços de educação mediante justificativas de famílias pela ausência de crianças e adolescentes na escola, e pelos serviços de saúde pelo não comparecimento à UBS ou pela não localização de famílias pelas Equipes de Saúde da Família (ESF), constituindo-se como indicativos de descumprimento de condicionalidades no PBF. Orientados por perspectivas individuais, esses indicativos responsabilizam e punem as famílias, atribuindo-lhes a responsabilidade pelo descumprimento das condicionalidades exigidas pelo programa. A partir dessa perspectiva, o presente trabalho tem como objetivo estudar a operacionalização do Programa Bolsa Família pela proteção básica, tendo como enfoque reflexões sobre a perspectiva punitiva que tem assumido o acompanhamento de condicionalidades pela política de assistência social. Considera-se, para tanto, que os índices e indicadores da proteção básica na assistência social, bem como os indicativos do PBF, orientadores da gestão da proteção básica na assistência social, são insuficientes para nortear o fortalecimento da capacidade protetiva de famílias. Inflexíveis às desigualdades territoriais, esses indicadores reforçam perspectivas individuais, limitando a política de assistência social na identificação das multideterminações da pobreza e, logo, no reconhecimento de direitos, almejados pelo fortalecimento 225 intersetorial, no diálogo com as políticas setoriais como são as de educação e saúde. Com intuito de avançar na discussão, no item a seguir será discutido sobre a gestão do PBF na proteção básica, tendo em vista, ultrapassar perspectivas punitivas e individuais e fortalecer a perspectiva protetiva da política de assistência social, a luz dos territórios de vivencia das famílias beneficiarias do PBF. 1-Condicionalidade: punição ou meio de agir O decreto nº 5.209 de 2004 prevê como atribuição do MDS, além da gestão de benefícios e programas complementares, a gestão de condicionalidades pela política de assistência social. Cumprir condicionalidades é critério para a manutenção das famílias de baixa renda como beneficiárias do PBF. A aplicação de sanções punitivas, como são os bloqueios e os cortes de benefícios, é prevista em casos de descumprimento de regras. Frente ao propósito da PNAS/2004 de proteger famílias, a inclusão emergencial nos serviços socioassistenciais, prevista na Resolução CIT nº 07 de 2009, com base em indicadores do PBF, que culpam e punem famílias por deveres não cumpridos, aponta para a urgência na construção de olhares sobre as relações de proteção versus desproteção territorial. A Instrução Operacional nº 26/ 2008 prevê às famílias que receberam sanções decorrentes de descumprimento de condicionalidade a possibilidade de apresentar recurso à gestão municipal do PBF no município. Nesses recursos são expostas as justificativas das famílias, na tentativa de reversão das sanções recebidas. Tais recursos são elaborados pelo CRAS, a partir das justificativas das famílias pelo descumprimento de condicionalidade, encaminhados para serem avaliados pela gestão municipal do PBF e, em seguida, aprovados pelo gestor municipal da política de assistência social. 226 Essa lógica, que incide sobre o fato consumado descumprimento de condicionalidades do programa, e não sobre as possibilidades de acompanhamento das famílias e suas vivências no território, termina gerando um infindável trabalho de verificação burocrática das condicionalidades, e não das condições reais de vida das famílias. O que vem mobilizando as equipes profissionais e, não raro, deslocando-as do trabalho social qualificado que lhes cabe (BRASIL/MDS, 2013c). Nesse sentido, reafirma-se que a proteção básica assegurada pela política de assistência social não deve se limitar a atuar quando instalada a desproteção (SPOSATI, 2004a). Seu desafio também é o de evitar a desproteção e prevenir a violação de direitos no âmbito das relações, pressupondo o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Ainda, segundo a Resolução CIT nº 07 de 2009, aquelas famílias que estão em suspensão do benefício do PBF devem ser acompanhadas e incluídas nos serviços socioassistenciais da proteção básica prioritariamente. A inclusão nos serviços socioassistenciais deve ser orientada por listagem de famílias em descumprimento de condicionalidade na educação e saúde (anexo I/ Resolução CIT nº 07 de 2009), a ser disponibilizada pelo órgão gestor municipal da política de assistência social. Munida do montante de famílias que descumpriram condicionalidades, cabe à “equipe do CRAS atualizar o diagnóstico territorial, traçar estratégias e metodologias de atendimento das famílias e definir os serviços socioassistenciais necessários ao enfrentamento das situações de vulnerabilidades e riscos identificados” (p.21). Na área da educação, a condicionalidade consiste na exigência de frequência escolar de 85% para crianças com idade entre 6 e 15 anos em estabelecimento de ensino regular e de 75% de frequência para adolescentes com idade entre 16 e 17 anos. O descumprimento de condicionalidades na educação é registrado semestralmente pelas escolas. Na saúde, as famílias beneficiárias assumem o compromisso de acompanhar o cartão de vacinação, bem como o crescimento e o desenvolvimento das crianças menores de 7 anos. 227 As mulheres na faixa de 14 a 44 anos também devem fazer o acompanhamento do próprio cartão e, se gestantes, realizar o pré-natal e o acompanhamento de sua saúde e da saúde do bebê (BRASIL/MDS, 2013c). As famílias beneficiárias do PBF, para cumprirem condicionalidades na saúde, devem obrigatoriamente comparecer a uma unidade de saúde da rede municipal ao menos uma vez no semestre (períodos de vigência), em datas estipuladas e comunicadas pelo MDS/Senarc via extrato de pagamento do PBF. Conforme pauta a Portaria do Ministério da Saúde (MS) 2.488 de 2011, é também papel da equipe Estratégia Saúde da Família (ESF), vinculada às Unidades Básicas de Saúde (UBS), orientar e educar as famílias para o controle do peso e sobrepeso de crianças, assim como sobre os benefícios da imunização e do acompanhamento de pré-natal de gestantes. Na equipe de ESF, os agentes comunitários de saúde são os principais responsáveis pelo acompanhamento das condicionalidades (Portaria nº 2.488 de 2011). Entre suas atribuições estão as visitas às famílias beneficiárias do PBF, em busca do desenvolvimento de atividades educativas como orientações sobre imunização, baixo peso, sobrepeso e altura de mulheres e crianças, identificação do número de gestantes, frequência de gestantes ao pré-natal, orientações sobre aleitamento materno a nutrizes. Essas informações, entretanto, não geram descumprimento de condicionalidades. Na saúde, o descumprimento decorre do registro de ausência da família na UBS, e da não localização da família pelos agentes de saúde, pressupondo desatualização cadastral de endereço no Cadastro Único (CadÚnico). Não há previsão, nos dados da saúde, de indicadores que revelem a ausência ou fragilidade de equipamentos e serviços de saúde como motivo para o descumprimento de condicionalidades. Importante ressaltar que as famílias, para manterem-se como beneficiárias do PBF, devem processar a atualização de dados no CadÚnico a cada dois anos, tendo no CRAS um dos principais locais para tal procedimento, que, embora não incluso como condicionalidade, prevê bloqueios e 228 cancelamento de benefício, conforme Portaria nº 617 de 2010. Isto é, seja pela atualização cadastral ou em caso de cumprimento de condicionalidade, à família é atribuída a responsabilidade maior em buscar pelo serviço de proteção básica para a manutenção do beneficio. O não cumprimento de condicionalidades pelas famílias é passível de sanções como cortes e bloqueios, inscritos pela Portaria nº 251 de 12 de dezembro de 2012 nos seguintes termos. I - advertência no primeiro registro de descumprimento; II - bloqueio do beneficio por um mês no segundo registro de descumprimento; III - suspensão do benefício por dois meses no terceiro registro de descumprimento; IV - suspensão do benefício no quarto registro de descumprimento; e V - cancelamento do benefício no quinto registro de descumprimento. A suspensão dos benefícios pagos pelo PBF se dá mediante a coleta de dados nas escolas sobre as faltas justificadas das crianças e adolescentes nas aulas do ensino fundamental e médio. Essas justificativas devem se enquadrar em um conjunto de motivos divulgados, segundo Instrução Operacional nº 36 Senarc/MDS (BRASIL/MDS, 21/07/2010), como plausíveis ou não para que crianças e adolescentes se ausentem das aulas. No montante de 19 variáveis, aquelas com código inferior a 50 não geram descumprimento de condicionalidades; já os códigos superiores a 50 geram sanções sobre os benefícios pagos pelo programa. Informações pertinentes às fragilidades da rede de proteção social são previstas pela Instrução Operacional nº 36 Senarc/MDS (BRASIL/MDS, 21/07/2010) apenas pelos códigos 3, 4 e 5. Sendo assim, o conjunto de dados que compõem as faltas justificadas nas escolas denota que a maior responsável pelas faltas escolares é a família, conforme mostra o quadro 3. 229 Quadro 1 - Motivos da baixa frequência escolar Fonte: BRASIL/MDS, 21/07/2010. Em contraposição à centralidade das responsabilidades individuais das famílias nos indicadores de condicionalidades do PBF, Magalhães (2009) ressalta a importância de se superar a produção de informações que, ao reforçar responsabilidades individuais, permanecem alheias aos limites que cerceiam famílias de baixa renda à proteção social. Nas palavras do autor: “Como agir para que estas sanções deixem de sê-lo e se tornem indicadores de que o sistema de proteção social precisa agir com a eficácia e rapidez para assistir às famílias?” (MAGALHÃES, 2009, p.402) Ultrapassar essa perspectiva individual exige olhares cuidadosos sobre normas que regem a operacionalidade do PBF, na proteção básica da política de assistência social. São normativas que, ao prever sanções, em decorrência dos efeitos por descumprimento de condicionalidades, orientam a produção de dados que, deslocados do território, possibilitam conjecturar que grande parte 230 das punições aplicadas às famílias decorre de deveres do poder público não cumpridos. Considerando os preceitos protetivos da matricialidade sociofamiliar destacados como uma das principais diretrizes da PNAS (2004), é preciso transitar da esfera do “punir e cobrar” para a esfera do “prover” meios de agir de famílias. Para isso, são necessários conhecimentos mais profundos e flexíveis sobre as desigualdades territoriais, capazes de mostrar à assistência social, além de atributos individuais vinculados ao descumprimento de condicionalidade, as desigualdades expressas pelas fragilidades no campo das certezas com quais as famílias de baixa renda podem contar para se protegerem. Para tanto, não bastam as listagens territorializadas de famílias em descumprimento de condicionalidade, disponibilizadas pela gestão do PBF à proteção básica da assistência social, a partir da sistematização das justificativas de faltas coletadas pelas unidades de ensino, ou da constatação de famílias que não foram encontradas em seus domicílios pelos agentes de saúde. Levando em conta os propósitos protetivos da assistência social, o fundamental é que ao processo de vigilância socioassistencial sejam agregadas informações sobre a totalidade das famílias que, pela sua condição de beneficiárias do PBF, devem ser integradas aos serviços socioassistenciais e setoriais de forma preventiva, o que pressupõe práticas planejadas com enfoque na antecipação de riscos de vulnerabilidades sociais. A vigilância socioassistencial, inscrita como uma das principais funções da política de assistência social, articulada a outras duas, proteção e defesa institucional, coloca-se como estratégia privilegiada para superar indicadores abrangentes de proteção básica, de modo a coadunar serviços com as necessidades de famílias em seus territórios de vivência. Nesse sentido, a proteção social básica deve ser planejada e organizada de forma a garantir aos seus usuários conhecimento dos direitos socioassistenciais e sua defesa (BRASIL/MDS, 2004a). 231 A legislação que pauta a operacionalização do PBF preserva a família de sanção somente quando ficar comprovado que o cumprimento de condicionalidade foi prejudicado em razão de desproteções relativas à oferta de serviços por parte dos municípios. Entretanto, ainda são bastante limitadas as iniciativas do MDS/Senarc em incluir nos documentos norteadores do PBF a recolha e a sistematização de indicadores sobre as fragilidades das políticas de saúde e educação que limitam o cumprimento de condicionalidades. Outro fator a destacar é que nas legislações que regem o PBF não há previsão de ações de responsabilização e punição para os municípios inadimplentes. O resultado é a responsabilização quase que exclusiva da família pelo cumprimento de condicionalidades (SENNA et. al., 2007). Nos documentos que regem o programa, as condicionalidades orientamse pela premissa da provisão e do fortalecimento de acesso de famílias de baixa renda às políticas de proteção básica na assistência social, na educação e na saúde. Essa perspectiva é reforçada pela Resolução da CIT nº 07 de 200977: [...] as condicionalidades do PBF visam o reforço do direito de acesso às políticas de saúde, educação e assistência social e possibilitam por um lado, promover a melhoria das condições de vida da família beneficiaria e por outro, reforçar a responsabilização do poder público na garantia de oferta desses serviços. (p.2) A intersetorialidade é prevista na Resolução CIT nº 07 de 2009 como medida para o fortalecimento da proteção social nos seguintes termos: Nos casos em que a causa do descumprimento de condicionalidades for a falta de acesso das famílias às políticas de Assistência Social, Saúde e Educação, compete ao município, em conjunto com o Estado e a União, elaborar estratégias para sanar lacunas existentes na oferta dos serviços em seus territórios. (p.16) Essa faceta intersetorial, apesar de inscrita no campo normativo, apresenta-se limitada quando o enfoque é a responsabilidade de indivíduos, e não do Estado. Sendo assim, a prática interventiva das políticas públicas, como 77 Resolução CIT nº 07 de 2009 - Protocolo de Gestão Integrada de Serviços, Benefícios e Transferência de Renda no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUS). 232 é a assistência social na proteção social, sob a orientação de indicadores estanques, homogêneos e inflexíveis ao território, restringe-se a ações interventivas emergenciais, reforçando interfaces da política pública com a responsabilização e punição de famílias. Considerando-se o caráter complexo que assumem os processos de exclusão social no Brasil, e o necessário enfrentamento de vulnerabilidades e riscos que limitam o cumprimento de condicionalidades pelas famílias, é evidente que a proteção não pode se restringir à política de assistência social. Na relação com as políticas setoriais, não cabe à assistência social a soberania sobre outras políticas, mas sim o reconhecimento de que a efetivação da assistência social é indissociável dos processos constitutivos das demais políticas sociais. “Junto às demais o seu processo institucional pode introduzir na agenda pública novas demandas e induzir maior e melhor o acesso.” (BRASIL/MDS, 2013a). O Caderno de Informações do MDS (BRASIL/MDS, 2008), ao propor a construção de diagnóstico socioassistencial com base em informações sobre as várias áreas temáticas ou de atuação governamental, como saúde e educação, contribui para um maior conhecimento pela proteção básica das multideterminações da pobreza, bem como reúne informações que possibilitam à assistência social empreender diálogos intersetoriais com as políticas atreladas às condicionalidades. Trata-se de uma compreensão heterogênea e multidimensional da pobreza e da exclusão que informa diagnósticos em que a prioridade são as famílias e os territórios (BRONZO, VEIGA, 2005). Construir meios de agir de famílias frente à pobreza, para além de procedimentos voltados para o acompanhamento de condicionalidades de famílias de baixa renda ou elaboração de relatórios com indicativos de descumprimento de condicionalidades como subsídio para a inserção emergencial nos serviços socioassistenciais, exige como ponto de partida o comprometimento da gestão municipal com práticas republicanas, isto é, centradas nos direitos, no processo democrático entre Estado e Sociedade, no reconhecimento do bem público e da cidadania a ser aprovisionada às famílias 233 de baixa renda em seus territórios de vivência (SPOSATI, 2007). “A tarefa é bastante audaciosa!”, afirmam Monnerat e Souza (2010). A articulação intersetorial passa pela construção de um novo objeto de intervenção que respeite as particularidades setoriais, como aquelas atribuídas a cada política inserida no processo de acompanhamento de condicionalidades. A intersetorialidade, direcionada ao reconhecimento de direitos, ao possibilitar o distanciamento do campo protetivo de perspectiva punitiva, emergencial e improvisada, desafia gestores, mas também profissionais e famílias à luta pela ampliação e extensão de ofertas e certezas a serem reconhecidas no campo normativo institucional. Para tanto, é preciso que as informações territoriais, agrupadas em eixos alinhados com as políticas de assistência social, saúde e educação, sejam capazes de subsidiar processos educativos na proteção básica da assistência social, gestadas pelos Centros de Referencia da Assistência Social (CRAS) – no contexto do trabalho social com famílias, nas Unidades Básicas de Saúde – pelo trabalho educativo em saúde a ser desempenhado pelos profissionais da saúde básica, como são os que atuam na equipe de Estratégia Saúde da Família e nas escolas de ensino fundamental e médio – pela inclusão do tema dos direitos de cidadania como parte do conteúdo educativo ministrado em sala de aula. É nessas ações com forte caráter educativo que se vislumbra potencialidade para a constatação de vulnerabilidades territoriais, mas também para o desenvolvimento de potencialidades de proteção às famílias de baixa renda. Processo esse que, ao exigir reconhecimento normativo institucional como elemento essencial para o fortalecimento da proteção indissociável do reconhecimento de direitos à participação, bem como da inclusão de interesses de cidadãos na agenda pública, conforme defende Bohman (2008). Não é demais ressaltar que o Estado é o garantidor do cumprimento dos direitos, e responsável pelas políticas públicas. Conforme atesta Vieira (2004, p.59), “sem justiça e sem direitos, a política social não passa de ação técnica, de 234 medida burocrática, de mobilização controlada ou de controle da política quando consegue traduzir-se nisso”. O desafio está em incorporar o território, o que significa ultrapassar a abrangência dos indicadores, de modo a aprofundar as particularidades do território, na busca de alcançar equidade e justiça social e compreender como de fato as desigualdades sociais transformam territórios, geram formas espaciais, afetam dinâmicas sociais, influem no cotidiano das pessoas e reclamam por políticas públicas que tenham como meta minimizá-las. Em outras palavras, o que está sendo aqui proposto é a relação entre conhecimento, ética e política e um debate ampliado sobre as desigualdades sociais corporificadas nas cidades e em seus territórios, um debate que possa lançar referências partilhadas que sejam apropriados por atores coletivos e capazes de dar corpo e forma às “utopias de inclusão” no cenário de nossas cidades (TELLES, 2003, p.2). CONSIDERAÇOES FINAIS O presente trabalho ao refletir sobre a operacionalização do PBF pela proteção básica da Política de Assistência Social (PNAS/2004), sem a pretensão de apontar conclusões definitivas a respeito do tema trabalhado, algumas questões podem ser sintetizadas no sentido de apontar caminhos para o fortalecimento da perpsetiva protetiva da proteção básica, ao dedicar-se ao acompanhamento de condicionalidades do PBF. A compreensão da proteção social de famílias, indissociável do reconhecimento de direitos pelo poder público, permitiu contraposições aos indicativos, vistos como insuficientes à operacionalização da proteção social de famílias pela assistência social. Ou seja, os dados disponibilizados à proteção básica da assistência social, homogêneos e estanques às heterogeneidades dos territórios de vivência das famílias, mostraram-se insuficientes para garantia de reconhecimento de direitos e, logo, ao fortalecimento da proteção de famílias de baixa renda. 235 Nesse sentido, fortalecer meios de agir das famílias vincula-se a uma maior integração entre condicionalidades exigidas pelo PBF e políticas de proteção básica. Isso significa a responsabilização do Estado na provisão de políticas de proteção básica capazes de fortalecer a proteção social de famílias. Para além das exigências e punições aplicadas às famílias que descumprem condicionalidades, é preciso criar práticas interventivas que valorizem os territórios de vivência das famílias. Isso implica considerar que a premissa da proteção de famílias, na PNAS/2004, sustentada pela matricialidade territorial e familiar, pressupõe a incorporação do território por gestores e profissionais, bem como de metodologia capaz de suscitar leituras reflexivas sobre o chão de vivência dos territórios intraurbanos. Isto é, se hoje um conjunto de dados são disponibilizados à gestão da assistência social, qual a pertinência dessas informações para a captura de particularidades objetivas e subjetivas presentes nos territórios de vivência das famílias de baixa renda? Qual a aplicabilidade desses dados para responder às necessidades das famílias beneficiárias do PBF? Caminhar nessa direção implica uma maior proximidade entre serviços de proteção básica da assistência social e território, no sentido de mensurar e responder por demandas, expressas pelas necessidades das famílias de baixa renda. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS BOHMAN, J. Dèlibéaration, pauvreté politique et capacites. In: ZIMMERMANN, B.; MUNCK, J. (Orgs.). La Liberté au Prisme des Capacités. Amartya Sen Au-Delà Du Libéralisme. Èditions Del EHESS, Paris, 2008 BRONZO, C. Desafios, possibilidades e limites de programas locais de combate à pobreza e à exclusão: as iniciativas das cidades de São Paulo e de Belo Horizonte. Comunicação apresentada no X Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública. Santiago, Chile, 2005. 236 MAGALHÃES, E. P. Combatendo a Pobreza e enfrentando as vulnerabilidades: desafios para a articulação entre o PBF e a Proteção Básica. In: UNESCO; BRASIL/MDS. Concepção e gestão da proteção Social não contributiva no Brasil. Brasília, 2009. MONNERAT; G. L.; SOUZA, G. R. Política Social e intersetorialidade consensos teóricos e desafios práticos. SER Social, v. 12, n. 26, 2010. Disponível em: <http:// periodicos.unb.br/index.php/SER_Social/article/viewArticle/1023>. Acesso em: 14/ 09/2013. SENNA, M. C. M. et. al. Programa Bolsa Família: nova institucionalidade no campo da política social brasileira? Revista Katálysis, v. 10, Florianópolis, 2007. SPOSATI, A. Proteção e desproteção social na perspectiva dos direitos socioassistenciais. Cadernos e Textos, VI Conferência Nacional de Assistência Social, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome - MDS, Brasília, dez. 2007. TELLES, V. S. Medindo coisas, produzindo fatos, construindo realidades sociais. Centro de Estudos dos Direitos de Cidadania - Cenedic, 2003. VIEIRA, E. Os Direitos e a Política Social. São Paulo: Cortez, 2004. Documentos Analisados BRASIL. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Lei nº 8.742 de 7 de dezembro de 1993. Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Dispõe sobre a organização da assistência social e dá outras providências. Brasília, 1993. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10/05/2014. ________. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Decreto 5.209 de 17 de dezembro de 2004. Regulamenta a Lei nº 10.836, que cria o Programa Bolsa Família e dá outras providências. Brasília, 2004. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br>. Acesso em: 14/05/2014. ________. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Lei nº 10.836 de 9 de janeiro de 2004. Cria o Programa Bolsa Família e dá outras providências. Brasília, 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 14/05/2014. 237 ________. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MDS. Secretaria Nacional de Renda e Cidadania. Guia para Acompanhamento das Condicionalidades do Programa Bolsa Família – Volume I. Brasília, 2010. ________. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MDS. Portaria nº 617 de 11 de agosto de 2010. Regulamenta normas e procedimentos para a revisão cadastral das famílias beneficiárias do PBF. Brasília, 2010. 238 A MULHER NEGRA BRASILEIRA NO MERCADO DE TRABALHO – 30 ANOS DO CENÁRIO NACIONAL Andréa Aparecida Mendes1 Maria Luiza Milani2 RESUMO O estudo aborda as desigualdades do recorte racial e de gênero, na sociedade brasileira, para o acesso das mulheres negras ao mercado de trabalho mostrados pelos censos brasileiros de 1980, 1991, 2000 e 2010. Os dados dos Censos Demográficos considerados no presente estudo, foram extraídos do Integrated Public Use Microdata Series, concebido e administrado pelo Minnesota Population Center da Universidade de Minnesota. As definições descritivas e analíticas para a variável posição por ocupação foi processada utilizando-se o software Stata versão 10. Com os dados e análises constatou-se que existe uma diferenciação permanente entre o segmento de mulheres ocupadas, brancas e negras, no mercado de trabalho e o texto destaca o cenário brasileiro dos últimos 30 anos, com relação à ocupação da mulher negra. PALAVRAS-CHAVE: Desigualdades, mulheres negras, mercado de trabalho. INTRODUÇÃO 239 Estudos das desigualdades raciais e de gênero e das desigualdades sociais são necessários para a leitura do espaço socioeconômico que a mulher negra ocupa, na construção histórica do Brasil e, no processo de conquista de sua emancipação identitária. A reprodução de desigualdade racial e social insiste em não reconhecer, em que pese o sistema de proteção legal dos direitos humanos mais fundamentais, a condição de ator dos sujeitos e de igualdade de oportunidades fáticas, substantivas, explica, em parte, a dificuldade de inserção de mulheres e negros no mercado de trabalho no Brasil. É importante destacar que a menção “negra/negro”, em todo o corpo de estudo, refere-se às categorias preto e pardo como uma categorização 1Técnica da Assistência Social, Prefeitura Municipal de Prudentópolis Paraná, Mestre em Desenvolvimento Regional, e mail [email protected] 2 Docente da Universidade do Contestado (UnC) Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional, Doutora em Serviço Social, e mail [email protected] analítica, que toma as duas categorias conjuntamente. Para Osório (2003), o negro sintetiza, estatisticamente, as semelhanças socioeconômicas entre pretos e pardos. Além do que, segundo esse autor, são da mesma natureza as discriminações sofridas pelo negro, independente de ser pardo ou preto. Em se tratando da mulher negra, uma forma de discriminação potencializa a outra (MUNANGA, 2009). Incide sobre a mulher negra uma espécie de dupla discriminação, por pertencer à raça negra e ao gênero feminino. A desigualdade de oportunidades, no que se refere à inserção no mercado de trabalho, penaliza o segmento negro e, em especial as mulheres negras. Por isto o estudo aborda, por meio das estatísticas nacionais, como os processos discriminatórios ora excluem, ora comprometem a inserção dessas mulheres negras no mercado de trabalho. Com os dados evidenciou que, apesar do quadro de aparente melhora, as desigualdades raciais e de gênero potencializam obstáculos, contrastando a inserção social entre o segmento 240 branco e o negro. Portanto, demostrar a possível inclusão das mulheres negras, correlacionando-as ao mercado de trabalho pode ser uma ferramenta estratégica, pensada pela gestão pública, para o enfrentamento de uma problemática que tem contornos regionais bem característicos no território brasileiro. Para destacar as conquistas e desafios ao gênero feminino e assumidamente de cor negra, dados foram obtidos dos bancos censitários de 1980, 1991, 2000 e 2010, elaborados pelo IBGE nesses anos. Foram acessados os dados relativos à idade, sexo, raça/cor, escolaridade e mercado de trabalho, extraídos do Integrated Public Use Microdata Series (IPUMS), concebido e administrado pelo Minnesota Population Center da Universidade de Minnesota. A decisão temporal de 30 anos de trajetória da sociedade brasileira, revela ser um período suficiente para se poder falar, não apenas em termos de experiências de coortes78 distintas, mas também de gerações. Outro aspecto considerado se referiu aos cenários socioeconômico e político-cultural que mudaram significativamente neste intervalo, cujos reflexos se projetam sobre as manifestações dos movimentos sociais e as políticas públicas direcionadas para os segmentos gênero e raça, ou seja, das mulheres negras na faixa etária dos 15 aos 64 anos (condição de população em idade ativa). Ainda, neste delimite temporal (30 anos) ocorreram acontecimentos significativos para a democracia, direitos e inclusão social no Brasil, após a promulgação da Constituição Federal do Brasil de 1988, tais como: o fortalecimento dos movimentos sociais; o impacto dos tratados internacionais temáticos de direitos humanos ratificados pelo Brasil; a entrada das questões raciais e de gênero para agenda política brasileira; a criação de políticas públicas 78 Uma coorte é definida, de maneira geral, como um grupo de pessoas que vivenciam conjuntamente uma série de eventos em um período de tempo. 241 específicas, destinadas a ambos os grupos, até a aprovação do Estatuto Racial em 2010. Estes se constituem no marco legal das conquistas das mulheres negras. As variáveis raça/cor e sexo são importantes, mas se considera aqui a categoria analítica negra (preta e parda). Na estrutura ocupacional, considerouse os trabalhadores domésticos, outros empregados (inclusive funcionários públicos e militares), conta própria/empregador e outros (compreendidos aqui os trabalhadores não remunerados79 e trabalhadores para o próprio consumo). No ano censitário de 1980, a categoria trabalhadores domésticos foi incluída na categoria outros empregados, tendo em conta que não foi citada formalmente na pesquisa. Os dados e as respectivas reflexões acerca do propósito deste texto, a seguir apresentados, revelam que os desafios à sociedade brasileira foram preliminarmente colocados em cena. Não se pode negligenciar ou secundarizam outras dimensões relacionadas à mulher e a mulher negra (Mn). Portanto, a posição da mulher negra no mercado de trabalho é revelador no sentido de permanências da desigualdade racial e de gênero. POSIÇÃO DA MULHER NEGRA NO MERCADO DE TRABALHO Na análise sobre a participação das mulheres no mercado de trabalho nos últimos 30 anos, observa-se o contínuo crescimento da atividade feminina, possivelmente ligada ao maior nível de instrução. Embora o nível de ocupação 79Segundo publicação “Censo Demográfico 2010: resultados gerais da amostra ” (2010, p. 36) entende-se por trabalhador não remunerado “[...] pessoa que trabalhou sem remuneração, durante pelo menos uma hora completa na semana de referência, em ajuda na atividade econômica de morador do domicílio que era conta própria, empregador ou empregado do setor privado”. Disponível em: <ftp://ftp.ibge.gov.br/ Censos/ Censo_Demografico_ 2010/ Resultados_Gerais_da_ Amostra/resultados_gerais_amostra.pdf. Acesso em 07 de setembro de 2012. 239p. 242 entre as mulheres seja inferior ao registrado entre os homens. Tabela 1 - Ocupação da mulher negra de 15 aos 64 anos por ano censitário – Brasil BRASIL (%) TRAB A NO CATEG ORIA 1 980 990 DOMÉSTICOS EMPREGADOS PRÓPRIA/EMPR UTROS (1) (2) EGADOR (3) negra CONTA O 5, - 73,4 21,1 5 Mulher 3, 22,1 53,6 21,1 3 Mulher negra 2 010 S Mulher negra 2 000 ALHADORES negra 1 OUTRO 5, 25,7 48,4 20,4 5 Mulher 7, 19,9 56,5 16,4 1 Fonte: IBGE – Censo Demográfico (1) Em 1980, os trabalhadores domésticos estavam incluídos na categoria “Outros empregados” (2) Inclusive funcionários públicos e militares (3) Incluem trabalhadores não remunerados e trabalhadores para o próprio consumo Os maiores anos de escolaridade das mulheres não lhes asseguram a igualdade de concorrência com os homens, para uma melhor inserção em postos de trabalho com poder de decisão, tradicionalmente ocupados por homens (BRUSCHINI et. al. 2011). E a diferença salarial permanece em favor dos homens, mesmo quando as mulheres atingem o ápice da pirâmide ocupacional (LOVELL, 1994). Quando analisados os dados sobre a distribuição por setor de atividade é notória a segmentação ocupacional nos quadrantes raça/cor e sexo. As mulheres – especialmente as negras – concentram-se no setor de serviços sociais80 (IBGE, 2012; IPEA, 2011), com predomínio de mulheres negras no 80 Saúde, educação, serviços sociais e domésticos. 243 serviço doméstico remunerado em todo o Brasil. Os trabalhadores domésticos formam uma categoria profissional cuja interferência de raça/cor e sexo, revela as mais significativas desigualdades. A maior participação das mulheres negras no trabalho doméstico revela o peso da discriminação setorial-regional-ocupacional sobre elas (SOARES, 2000). Em 30 anos a proporção de trabalhadores domésticos não apresentou mudanças significativas para os homens. Sua participação manteve-se igual ou inferior a 1%. A evidência do menor acesso à educação formal, priva esse segmento, e o das Mb que aí se encontram, de ocupar melhores postos no mercado de trabalho. Deste modo estabelece-se uma relação causa-efeito entre mercado de trabalho, nível de escolaridade e qualificação para ocupação nos melhores empregos. Existe uma diferença de inserção entre o segmento de mulheres ocupadas, brancas e negras, mesmo quando elas possuem o mesmo nível de escolaridade. No Censo de 2010 19,9% das Mn ocupadas são trabalhadoras domésticas, ao passo que, entre as Mb elas correspondem a 11,1%. No quadrante de 2000 e 2010, entre as mulheres que estavam na ocupação trabalhadora doméstica, houve um decréscimo na participação: de 3,9 p.p. para as Mb, e de 5,8 p.p. para as Mn. Esta redução pode estar associada ao aumento nos anos de escolaridade da população brasileira – especialmente das mulheres – com possível migração para postos de trabalho não precários. Neste sentido, o trabalho doméstico pode ter deixado de ser a porta de entrada obrigatória para o acesso das Mn e das Mb, jovens e pobres, ao mercado de trabalho. Também se observa que, enquanto a inserção das Mn na ocupação “Conta Própria/Empregador” vem sendo reduzida, continuamente, desde o Censo de 1991, nos demais grupos ela esteve em crescente até o Censo de 2000, quando começa a declinar. . Em 2010 a população dos 15 aos 64 anos de idade representa 68,5% da população brasileira. Reflete-se sobre ela as transformações ocorridas no perfil demográfico do país, no que diz respeito a maior autodeclaração e/ou 244 heterodeclaração para a raça/cor negra. CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar da evolução da mulher em ocupações tradicionalmente masculinas, e apesar do maior nível de instrução, os salários não acompanharam este movimento, perpetuando a discriminação em razão da raça/cor e sexo. Um grande desafio para as mulheres desta geração é tentar reverter o quadro da desigualdade salarial entre homens e mulheres. Os avanços das mulheres negras ainda evidenciam a existência de uma hierarquização de raça/cor, que as projeta para uma posição de distanciamento em relação ao segmento branco. As mulheres negras melhoraram seu nível de escolaridade, mas a diferença persiste em relação ao segmento branco. Mesmo quando possuem o mesmo nível de escolaridade das mulheres brancas, percebem remuneração inferior. E, em razão de sua raça/cor têm a mobilidade laboral comprometida. Elas estão sobre-representadas no trabalho doméstico e, em ocupações precárias, informais, não remuneradas. Mas por outra via, as mulheres negras, jovens e pobres, pela maior escolaridade acabam encontrando outras formas de acesso ao mercado de trabalho, que não pela via do trabalho doméstico. Sua condição se reflete diretamente sobre os seus dependentes, no geral crianças e jovens. A desigualdade pressupõe a existência de múltiplos fatores agregados que afetam o desenvolvimento do país como um todo. Pobreza, renda, saúde, educação, trabalho, violência, quando associados à discriminação racial ou de gênero, interferem em todos os níveis de desenvolvimento, desde o humano, passando pelo local, regional e o nacional. Não por acaso, o Brasil ainda é considerado um país com sérios cenários de desigualdade. A exclusão socioeconômica a que está submetida o segmento negro também é responsável por naturalizar as desigualdades entre brancos e negros, 245 além de reforçar o processo de estigmatização, cujo impacto recai sobre a socialização e a cidadania da população negra. No estudo focou-se o mercado de trabalho. Mas, na verdade, a discriminação alcança todos os setores da vida social do segmento negro. As transformações no mundo do trabalho interferiram no contexto de inclusão da mulher e, em especial, da mulher negra. E elas estão associadas às mudanças nos padrões culturais e no reconhecimento da importância da mulher como força produtiva. Embora a divisão sexual do trabalho ainda oriente o mercado, a participação das mulheres com maior escolarização do que os homens vêm num crescente. Por outro lado, a participação do segmento feminino, no mercado brasileiro, identifica o esforço redobrado das mulheres para que esta inserção se realize em condições de igualdade. Pois a diferença que caracteriza o rendimento salarial, entre homens e mulheres, inter e intra grupos, aponta para a prevalência da discriminação racial e de gênero (BASTOS, et. al., 2007). Mais um aspecto relevante a ser mencionado é a referência ao empoderamento da mulher, e neste universo, o empoderamento da mulher negra. Exemplos extraídos de experiências internacionais demonstram na prática a interferência positiva do empoderamento sobre todos ODM’s. A sistematização das informações aqui apresentadas favorece uma reflexão sobre a inferência das desigualdades raciais e de gênero sobre a mulher e o negro, com enfoque na mulher negra, ao nível do território nacional. Ao se buscar a medida de igualdade para grupos socialmente excluídos, como no caso das mulheres negras, pauta-se pela ideia de que as desigualdades raciais e de gênero devem ser eliminadas por meio de políticas públicas, estendendo as vantagens de um dado grupo social à outros que dela se encontrem privados, ou pelo menos equiparando-os. Considera-se que o enfrentamento pelo Movimento de Mulheres, no que se refere às questões discriminatórias direcionadas ao segmento negro é tímido e, por isto deixa a descoberto questões pontuais que interessam às mulheres negras. Enquanto o Movimento Negro prioriza a luta contra o racismo, a 246 discriminação racial e o preconceito, secundarizando a problemática da mulher negra, cuja trajetória é marcada por um processo discriminatório típico. Neste sentido, o enfrentamento da desigualdade racial e de gênero dá-se num plano mais geral, e não responde a demanda das mulheres negras no mérito da sua problemática.. REFERÊNCIAS BASTOS, Raul L.A; MARQUES, Elizabeth K.; GALEAZZI, Irene M.S; TONI, Miriam de.; KRELING, Norma H. Dimensão da Precarização do Mercado de Trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre./Coordenado por Raul Luís A. Bastos. — Porto Alegre. FEE, 2007. 274p. ISBN 978-85-7173059-5. BRUSCHINI, Maria C. A.; LOMBARDI, Maria. R.; UNBEHAUM, Sandra. Trabalho, renda e políticas sociais: avanços e desafios. In Progresso das mulheres no Brasil: 2003 a 2010. Organização: Leila Linhares Barsted, Jacqueline Pitanguy – Rio de Janeiro: CEPIA; Brasília: ONU Mulheres, 2011. p.142 a 178. Disponível em http://www.cepia.org.br/progresso.pdf. Acesso em 2 de ago de 2012. IBGE. Mulher no mercado de trabalho: perguntas e respostas. Pesquisa Mensal de Emprego (PME). 2012. http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_ nova/Mulher_Mercado_Trabalho_Perg_Resp_2012.pdf .Acesso em 20 de dezembro de 2012. IPEA. Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. [Et.. al.]. - 4ª ed. - Brasília: Ipea, ONU, SPM e SEPPIR/ Brasília, 2011, 2011b. 39 p. il. 247 LOVELL, Peggy A. Race, Gender, and Development in Brasil, Latin American. Research Review, 1994, 29 (3): 7-35. MUNANGA, Kabengele. Negritude: usos e sentidos. Belo Horizonte: Autêntica editora, 2009. (Coleção Cultura Negra e Identidades). OSÓRIO, Rafael. G. O sistema classificatório de “cor” ou “raça” do IBGE. Texto para discussão n. 996. ISSN 1415 4765. Brasília, Novembro de 2003. SOARES, Sergei. A demografia da cor: a composição da população brasileira de 1890 a 2007. In: THEODORO, M. (Org.). As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil: 120 anos após a abolição. Brasília: Ipea, 2008. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/livros/Livro_desigualdadesraciais.pdf .Acesso em 17 de junho de 2012. 248 NOVOS DESAFIOS AO GÊNERO FEMININO: O UNO E MÚLTIPLO MUNDO RURAL E INFLUÊNCIA URBANA NA VIDA DA MULHER AGRICULTURA Josiane de Souza Passos1 Maria Luiza Milani2 RESUMO A reflexão refere-se aos desafios que se apresentam ao gênero feminino pela influência urbana na vida da mulher agricultura. O objetivo foi de analisar esses desafios e avanços, abrangeu 120 mulheres. A metodologia de abordagem qualitativa, exploratória, etnográfica, foi complementada por entrevistas e a pesquisa ocorreu durante dois anos. O território rural envolvido abrangeu foi seis microbacias localizadas em Canoinhas-SC. Pode-se afirmar que as transformações que vêm ocorrendo na vida das mulheres urbanas ou rurais, se expressam na conquista de direitos e que têm resultado em maior participação das mulheres no mercado de trabalho, garantido acesso a direitos trabalhistas e previdenciários, possibilitado maior liberdade sexual e participação política. O meio rural representa lugar subalterno ao urbano, permanecem desafios no meio rural. Mesmo com a adesão ampla ao trabalho e a vida domiciliar com ampla introdução da tecnologia, estas não modificaram a educação e atribuições das mulheres nesse contexto. Palavras-chave: gênero; meio rural. mulher agricultura; influências urbanas. 1 INTRODUÇÃO A reflexão aborda os desafios que se apresentam ao gênero feminino na complexidade do mundo rural e da influência urbana na vida da mulher agricultura. Estudar as mulheres agricultoras não foi uma escolha ao acaso. Por isso esta reflexão parte do entendimento do momento atual da mulher sem desvinculá-la do processo histórico e os seus avanços e desafios. Neste 249 processo coloca-se em questão a separação do espaço produtivo entre o campo e a cidade (MARX, 2000). Esta organização espacial da produção e da 1Extensionista Rural da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (EPAGRI), Socióloga, e mail [email protected] . 2Docente da Universidade do Contestado (UnC) Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional, Assistente Social, e mail [email protected] vida sustentada por mitos consolidou a supremacia da cidade e do modo de vida urbano, bem como fortaleceu uma idealização de subalternidade do campo e do modo de vida rural, ideologias ainda presentes nesses territórios sócio produtivos. No século 21 as diferenças se mantêm, mas se passou a constituir certa relação de complementaridade entre campo e cidade. A realidade se pluraliza ressaltando as contradições, o rural e o urbano são redefinidos, mas até que ponto o novo traz a ruptura com o pensar passado? Sob este entendimento a pergunta norteadora desta reflexão indagou sobre os desafios e avanços às rotinas e anseios das mulheres do meio rural diante das transformações sociais e culturais e das questões de gênero. Para respondê-la se considera que de um lado, o campo idealizado pelos atributos naturais; e de outro, a cidade idealizada pelo poder centralizador se fundamentam em negações e os territórios passam a ser visualizados pelo não ser. A existência do rural é entendida pela contraposição ao urbano, e assim também inversamente. Ao buscar aquilo que os espaços não contêm, ou seja, o que não são pela negação do que há no outro, impossibilitada fica a visualização daquilo que eles de fato são. Perdidos ficam seus significados e representações. Portanto, o objetivo da reflexão persegue a análise dos desafios e os avanços postos às rotinas e anseios das mulheres do meio rural diante das transformações sociais e culturais das questões de gênero, apresenta perfil das agricultoras pesquisadas e a influência dos valores urbanos nas suas vidas. 250 Efetuou-se estudos bibliográficos e duas pesquisas de campo com mulheres rurais. Como instrumentos de coleta de dados foi utilizada a entrevista semiestruturada, a observação sistemática (estudo etnográfico) sobre os grupos dos quais as mulheres agricultoras das comunidades participam, que abrangeu cerca de 120 mulheres. Foram realizados diálogos dirigidos, com profissionais da Empresa de Pesquisa e Extensão Rural de Santa Catarina (EPAGRI), que atuam na pesquisa e extensão, sobre as dinâmicas territoriais das Microbacias do Córrego do Souza; Córrego do Fuck; Córrego das Flores e Rio dos Pardos; Rio D’Areia do Meio e de Bonetes (situadas no município de Canoinhas-SC) O texto a seguir aborda dialeticamente os fundamentos teóricos e as expressões textuais das mulheres pesquisadas, caracterizando a pesquisa qualitativa, quando se destaca as condições e a complexidade dos enfrentamentos e conquistas das mulheres. O texto é finalizado com as considerações finais sobre as influências urbanas às mulheres que vivem no meio rural. A INFLUÊNCIA DOS VALORES URBANOS NA VIDA DAS MULHERES DO MEIO RURAL As mulheres pesquisadas se situaram na faixa etária entre 30 e 50 anos e estado civil casadas. A ocupação principal dos membros das suas famílias estava vinculada às atividades na agricultura. As opções de lazer da família, para 63,3% das pesquisadas se resumia a frequência as festas nas respectivas comunidades. Os bens de consumo familiar tais como: vestuários e certos alimentos, eram adquiridos no meio urbano municipal (para 93,3% das entrevistadas). Um paradoxo evidenciou-se quando foram tratados dos hábitos alimentares e 70% das pesquisadas respondeu que utilizavam produtos industrializados, como também que não cultivaram hortaliças. Os produtos consumidos pelas famílias eram adquiridos no comércio urbano local-regional. 251 Na sequencia as indagações adentraram aos aspectos subjetivos da vida cotidiana das mulheres entrevistadas. Os relatos evidenciaram que elas gostariam de não ter tantos afazeres e “que a vida fosse mais calma menos corrida com mais tempo para si próprias” (SIC). Denunciaram que elas realizavam “muitas atribuições ao longo do dia” (SIC). Mesmo assim havia tempo para analisarem as perspectivas de vida e confessaram que tinham “vontade de me sentir mais realizada” (SIC). Por outro lado, “gostaria de mudar radicalmente ir morar na cidade e sair do meio rural, pois a cidade apresenta mais oportunidades para todos e até mesmo para as mulheres, pois plantando fumo não se tem” (SIC). Sobre projetos de vida outras respostas em uníssimo foram: “queria mudar” (SIC). As mudanças pensadas são realizações que envolvem acessos e bem estar. Queriam mudar para melhorar a saúde e não trabalhar tanto em contato com agrotóxicos (“veneno” como disseram). Mudar para se sentirem mais realizadas. Mudar para terem mais ofertas de lazer. A vida já as colocava em condições um tanto precárias, mas com estas mudanças teriam mais tempo para fazer outras coisas que gostariam. As indicações de como poderiam proporcionar essas mudanças referem-se a escolarização. Disseram elas “estudar para mudar” (SIC), aspiração das entrevistadas que atribuiram ao estudo, o impulso para a mudança. E por que estas mulheres não buscaram estas mudanças? Elas responderam que após o casamento tudo ficara mais difícil, faltou-lhes oportunidade, faltou-lhes tempo, dinheiro e faltou-lhes coragem. A resposta está na pessoa própria e que só ela pode ter esta iniciativa”, a “resposta está em lutar sempre, não desanimar”, “mais apoio para as mulheres do interior, ter onde deixar os filhos para realizar suas tarefas e objetivos de vida”. “Nos mulheres que vivemos no meio rural, queremos uma creche como o pessoal da cidade (SIC). Estas mulheres se entendiam nas questões de gênero, sob a reflexão: A vida da mulher mudou bastante, mesmo no meio rural a vida 252 da mulher é muito corrida, sem tempo para parar um pouco e jogar conversa fora, até mesmo quando poderiam ter mais tempo à noite, daí ficam assistindo televisão e quando percebem o dia já acabou, mas também a vida da mulher mudou para melhor, pois a mulher tem mais direitos. (SIC) Com o desenvolvimento extensivo e intensivo do capitalismo e generalizada transformação das condições de vida e trabalho no mundo rural, a tecnificação, maquinização e quimificação dos processos de trabalho e produção no meio rural se assemelharam ao industrialismo urbano e e as rotinas do meio urbano. Os moradores do meio rural têm ampla relação com a cidade na qual as influências expõem as interferências no mundo globalizado. É como se fosse um roteiro pelo qual no meio rural se transforma a propriedade e a produção, baseados nas novas tecnologias, nas políticas de saúde e de educação. É possível afirmar que já houve a incorporação de hábitos de consumo urbanos no meio rural e não houve necessidade imprescindível da existência de uma urbanização física no espaço rural, mas há uma urbanização cultural, não material, presente nas percepções e nos anseios dos sujeitos e grupos do meio rural. Percebeu-se que há influência sim de valores urbanos sobre a população rural, principalmente sobre as mulheres mais jovens. Porém, o meio rural guarda especificidades que se apresentam com intensidades diferenciadas nos lugares. É impossível negar a influência da técnica, que penetra e modifica o espaço rural, não o transformando necessariamente em espaço urbano. Das tradições produtivas restaram hábitos e rotinas, mas o modo de conduzi-las modernizou-se ao ponto de os habitantes do meio rural apontarem a necessidade e a utilização, com certo grau de dependência dos eletrodomésticos diversos (computadores com acesso a rede mundial de computadores, antenas parabólicas, máquinas agrícolas de grande e pequeno porte, com alto grau de tecnologia para o desempenho da atividade rural). Desta forma, percebe-se que há aceitação da técnica para a vida e o 253 processo produtivo no meio rural, por meio da posição dos atores, de ações, dos objetos e do predomínio crescente da racionalidade técnica no rural, que se manifesta e é evidenciado em suas consequências, com mais intensidade nas cidades. O acesso aos veículos de comunicação contribuíram para o desencadeamento e ampliação de valores urbanos sejam os relacionados às características da indústria, dos serviços prestados, da comercialização, seja os de lazer, turismo, convívio social. Essa aproximação entre outras explicações, relaciona-se à perspectiva de acesso aos bens, recursos e serviços públicos ou não, que legitimam a condição de sujeito de direito na sociedade, previsto pela Constituição Federal brasileira de 1988, referendadas pelas políticas públicas. Por outro lado, a constante introdução no consumo de bens, produtos e serviços, vêm rompendo com a linha imaginária da separação entre o meio urbano e o meio rural. O conforto extensivo, muito embora com certas limitações pelo modo peculiar da configuração do meio rural, deve levar em consideração as mudanças nos padrões de consumo. Para que se analise se o meio rural adentra ao processo de urbanização, é preciso levar em consideração que essas transformações podem acontecer em um processo de ressignificação do rural. Desse modo, não se pode tomar esses processos de mudança nos padrões de consumo como sendo um padrão de urbanização. Ainda na trajetória de explicitar a rotina e os anseios das mulheres que vivem no meio rural, na observação realizada semanalmente, que se caracterizou como acompanhamento etnográfico, evidenciou-se que a tradição, a conservação de valores e os traços culturais das famílias que vivem no meio rural têm tomado nova configuração, principalmente entre os mais jovens. Contudo, não se pode pensar a família nesse território como um grupo homogêneo, pois ele é construído na sua história, com seu percurso social, seus processos econômicos e políticos, com seu modo de reprodução de unidades familiares, práticas agrícolas e culturais e suas formas de práticas comunitárias. 254 Esses fatores influenciam mudanças de valores, comportamentos e modos de vida. As mulheres são vetores dessa mudança tanto no que se refere ao trabalho, como na escolaridade, na sexualidade e na organização política nos últimos anos, questões que perpassam também o cotidiano da mulher do meio rural, pois ela acessa a informações pelas mesmas mídias das demais. Será preciso salientar que as transformações ocorridas no meio rural, não modificaram a educação das mulheres que ainda permanecem voltadas para as demandas domiciliares, para o cuidado da moradia e dos filhos, mesmo porque a aceitação da participação política das mulheres ainda é vista enviesada, com preconceito e com descrédito. As entrevistadas referem-se a sua experiência de ser mulher como complicada, apresentando certo mal estar na medida em que desejam acompanhar o ritmo das mudanças e carregam consigo um sentimento de ter ficado para trás, pois sua vida está centrada no âmbito doméstico, no entanto lamentam não ter continuado os estudos e terem outras profissões. As mulheres desejam ter maior autonomia, independência e liberdade para circular nos diversos espaços, o que podemos entender como expressão de outras saídas identificadas distante da identidade feminina tradicional rural. Porém, a representação positiva que fazem do urbano contrasta com a representação negativa que se tem do rural, a imagem do rural está associada a ideia de atraso, lugar de não desenvolvimento, sem acesso a infraestrutura e serviços básicos. Para algumas, essa imagem é criada pelo desconhecimento que as pessoas residentes na cidade têm do meio rural. CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa com as mulheres rurais possibilitou entender o contexto em que está imerso o cotidiano das entrevistadas, na estrutura familiar e nas relações sociais. 255 Foram observados estágios diferentes de percepção da realidade vivida, com representações sobre o mundo inter cotidiano, que estavam influenciando os determinantes do desenvolvimento da sociedade em que estão inseridas, expressando um certo senso crítico. Por isso, o rural deve ser pensado como espaço dinâmico, contraditório, que se transforma permanentemente, não está e nem pode “ser” isolado do resto do mundo. As mudanças porque passam as cidades e os grandes aglomerados urbanos, a economia, a ciência, as tecnologias, as artes, a cultura de um modo geral, se refletem no rural e com ele interagem, especialmente com as tecnologias de informação, comunicação e transporte, “objetos” que permitem uma maior mobilidade para as populações rurais. As transformações que vêm ocorrendo, de modo geral, na vida das mulheres urbanas ou rurais, se expressam na conquista de direitos e que têm resultado em maior participação das mulheres no mercado de trabalho, garantido acesso a direitos trabalhistas e previdenciários, possibilitado maior liberdade sexual, maior participação política, entre outros, dando-lhes condições de pensar e buscar outros destinos, diferentes da submissão absoluta à lógica patriarcal, que a muito organiza a agricultura familiar/camponesa. Porém, as mudanças que vêm ocorrendo são de suma importância, mas seu alcance é restrito, pois transforma apenas o seu entorno e a vida de poucas pessoas. Ainda que elas sejam fundamentais, ao provocar micro revoluções, será pela ação de sujeitos coletivos que se produzirão mudanças com a profundidade necessária para transformar a um só tempo a vida coletiva, isto é, a vida de muitos sujeitos. REFERÊNCIAS Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina – Epagri. Escritório do Município de Canoinhas. MARX, Karl. A origem do capital. [s/I]: Centauro Editora, 2000. 256 Microbacias 2 – Construindo a organização comunitária com o grupo de Animação da Microbacia, Florianópolis, 2004. SERVIÇO SOCIAL E UNIVERSIDADE: EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA COMO ELEMENTO IMPORTANTE NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL Alana Morais Vanzela81 81 Aluno da Graduação do curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Maringá- UEM 257 Ane Franciele Frutuoso da Silva82 Betânia de Melo Romagnole83 Edilene Ap. Fritz84 Jucilene de Souza Rodrigues85 Marcus Vinycius Rocha86 Maria Celeste Melo da Cruz87 Resumo: Este artigo tem o objetivo apresentar brevemente algumas reflexões sobre a extensão universitária como espaço de formação profissional para o Assistente Social, apresentando os desafios desse espaço na Universidade. Almejou-se discutir os projetos de extensão como um conjunto de ações que fomenta o intercâmbio entre o âmbito da formação dos discentes de Serviço Social e a comunidade local. Tendo como prioridade buscar a desconstrução do entendimento da extensão como menos relevante aos demais espaços do tripé universitário, ensino e pesquisa. PALAVRAS-CHAVE: extensão universitária, formação profissional, Serviço Social I – Introdução A profissão de Serviço Social é compreendida a partir do trabalho que o Assistente Social desenvolve, por isso, o profissional contemporâneo precisa ser comprometido, levando em consideração todas as transformações já ocorridas na sociedade, para que se possa entender o seu papel na sociedade e especificamente a importância de se buscar os direitos de cidadania. Destarte, no âmbito da formação, enquanto discente, o futuro Assistente Social tem oportunidade de realizar o reconhecimento da totalidade social e das expressões da questão social. Por isso a importância da extensão universitária, através dos projetos de extensão, que possibilita a compreensão e vivência reflexiva-crítica entre 82 Aluno da Graduação do curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Maringá- UEM Aluno da Graduação do curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Maringá- UEM 84 Aluno da Graduação do curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Maringá- UEM 85 Aluno da Graduação do curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Maringá- UEM 86 Aluno da Graduação do curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Maringá- UEM 87 Docente do curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Maringá - UEM 83 258 Universidade/Comunidade vislumbrando o conjunto das relações sociais capitalistas. II - Reflexões sobre o Serviço Social na atualidade Na década de 1970 a partir da crise mundial do capital os países imperialistas tendem a remover os obstáculos à concretização do projeto societário neoliberal, o qual tem como prerrogativas construir um mercado globalizado, diminuição do protagonismo do Estado em relação aos direitos sociais, o que resultou no desemprego estrutural, num mundo de trabalho precarizado e flexível. Esse processo objetivava atender as exigências do capital com inúmeras consequências para a classe trabalhadora, tais como a exploração intensificada, desde a força física à intelectualidade do trabalhador, demandando trabalhadores polivalentes. Estas medidas fazem parte da nova reconfiguração do mundo do trabalho, num processo de acumulação capitalista que alguns autores denominaram de “acumulação flexível”. (ALVES e ANTUNES, 2002) Tais prerrogativas começam a serem executadas na América Latina em meados da década de 1980, e no Brasil a partir da década de 1990, os países denominados de economia periférica foram alvo de ditames reformistas destinadas a salvar suas economias. Para isso foi necessário redefinir as funções do Estado, o que significou desarticular/desconstruir as políticas públicas, no sentindo de transferir a prestação de serviços (leia-se direitos sociais) à iniciativa privada que seria responsabilidade do Estado. Esse objetivo será gerido segundo Koike(2009) por meio dos /.../ organismos transnacionais como o Banco Mundial; Fundo Monetário Internacional; Organização Mundial do comércio; Banco Interamericano de Desenvolvimento encarregados pelos países do centro capitalista de restaurar a lucratividade do capital. (p.02) O ajuste neoliberal será acompanhado de uma onda ídeo-política centrado nos ditames do mercado, que irá alterar a concepção de direito das 259 políticas públicas, como a Política de Educação, principalmente no que diz respeito à autonomia na Universidade: /.../ a concepção de autonomia, entendida como liberdade acadêmica para produzir conhecimento com destinação social universal transmuta-se em autonomia financeira. Coagida a gerar seu próprio financiamento, a universidade pública passa a disputar recursos no mercado como qualquer empresa. O mercado e a inovação tecnológica referenciam a reforma educacional. A lógica é que o mercado democratiza o acesso (democracia igualada a poder de compra) e a inovação tecnológica, tida como meio e finalidade da educação por uma espécie de virtualidade intrínseca, asseguraria a inserção social. (KOIKE, 2007, p.06) Diante do quadro sócio histórico de ajuste neoliberal, a educação superior passou a ser mercantilizada, ou seja, foi adequada à lógica do capital. Quando se dimensiona está lógica acadêmica à área da profissão de Serviço Social verifica-se um quadro alarmante em 1994 do total de cursos disponibilizados em todo o Brasil e referenciados pelo Ministério da Educação e Cultura, naquele momento tinha-se cerca de 34% dos cursos ofertados em instituições de ensino público e 66% em instituições de ensino privado. A expansão do predomínio privado sobre o público pode ser visualizado com maior ênfase observando os dados como os do ano de 2006, do total de cursos em todo o Brasil 80% deles eram privado, sendo apenas 20% público. Isso representa um aumento percentual de 268% no período de 12(doze) anos. (KOIKE, 2009). Assim com a expansão do ensino privado, o surgimento dos cursos de Serviço Social à distância, torna-se um desafio acompanhar os níveis de qualidade de formação profissional preconizados nas Diretrizes Curriculares e legislações concernentes à profissão. A partir de Iamamoto (2015), no cenário da década de 1990 surgem novos requisitos que se materializam em forma de desafios profissionais para os Assistentes Sociais, há necessidade de sintonizar-se com a realidade social e realizar uma leitura crítica, deixando a função meramente executara de projetos, incorporando um novo perfil exigido para um profissional investigativo, propositivo, criativo e crítico, sendo capaz de propor, planejar e negociar propostas em prol dos direitos da classe trabalhadora. 260 III - Projetos de Extensão e formação profissional dos Assistentes dos Sociais A Universidade tem um papel fundante, o de produzir e divulgar o conhecimento a todos que se inserem na mesma, bem como em toda a sociedade. E concomitantemente ao seu papel primário ela exerce sua produção, e divulgação do saber pautada no tripé ensino, pesquisa e extensão, tripé este, que dá o aporte para que se construa o conhecimento. Diante disso, neste tópico discutir-se-á a extensão seu papel dentro da Universidade, bem como a importância no processo de formação da comunidade discente. Ao discutir a extensão faz-se necessário entender a definição da mesma, para não ocorrer achismos e/ou definições que são propagadas erroneamente, para tanto a definição mais explícita no Plano Nacional de Extensão Universitária (2000) é que. A extensão Universitária é o processo educativo, cultural e científico que articula o Ensino e a Pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre Universidade e Sociedade. A Extensão é uma via de mão-dupla, com trânsito assegurado à comunidade acadêmica, que encontrará, na sociedade, a oportunidade de elaboração da práxis de um conhecimento acadêmico. No retorno à Universidade, docentes e discentes trarão um aprendizado que, submetido à reflexão teórica, será acrescido àquele conhecimento. Esse fluxo, que estabelece a troca de saberes sistematizados, acadêmico e popular, terá como consequências a produção do conhecimento resultante do confronto com a realidade brasileira e regional, a democratização do conhecimento acadêmico e a participação efetiva da comunidade na atuação da Universidade. Além de instrumentalizadora deste processo dialético de teoria/prática, a Extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integrada do social. (2000, p.5) A definição acima é bem clara no que diz respeito ao processo educativo, cultural e científico, no entanto constata-se que essa definição (ou outras definições do mesmo nível) fica em geral no plano teórico, e não teórico-prático. Ou seja, na prática a extensão não é realizada nas definições como citado anteriormente. E isso se dá muitas vezes pela falta da leitura sobre extensão, bem como do entendimento do que realmente ela seja. A extensão nas universidades necessita de uma renovação sobre suas concepções e definições errôneas, como também superar dificuldades 261 existentes. Uma primeira definição/ideia que precisa ser desfeita é como ela é vista nas universidades, pois tem se tornado trivial relacionar a extensão a uma ação beneficente, assistencialista, que se volta unicamente às famílias necessitadas. Uma vez que a extensão também é um espaço de aprendizagem profissional, pode produzir conhecimento de forma interdisciplinar e pode ser vista como uma devolução de serviços à sociedade pelo que fora recebido da própria sociedade na forma de serviços. (NUNES e SILVA, 2011) Outra importante concepção que precisa ser desfeita aqui é a desqualificação da extensão como produção do saber dentro da Universidade, e minimização do seu valor frente ao ensino e a pesquisa. Temos que levar em conta que a extensão também é uma produção do saber, saber este que traz benefícios ímpares, tanto para a sociedade como para a comunidade acadêmica, Outro desafio que julgamos ser importante a ser superado é a questão do orçamento bem como de recursos humanos e físicos que são direcionados para o ensino, a pesquisa e extensão. Sendo esta última, desfavorecida, principalmente quanto aos recursos financeiros. Com isso a importância de se construir uma relação equânime entre os elementos do tripé. Como explicitam Quimelli e Silva(2006) analisa-se que a extensão tem contribuído e muito para a formação profissional. Refletindo sobre especificidades da profissão de Serviço Social, os projetos universitários têm contribuído cada vez mais para o intercâmbio Universidade e comunidade em que os discentes refletem e operacionalizam atividades/ações relevantes para a comunidade local. Os resultados são produtivos, por isso, a importância de se desmistificar o discurso da questão como o elemento menos importante do tripé da Universidade, ao lado do ensino e pesquisa. Como analisado os projetos de extensão são de extrema importância para os cursos universitários, e no caso do curso de Serviço Social não se faz diferente, não só a extensão, mas o conjunto de atividades diretas/indiretas, internas ou externas trazem ganhos ao aprendizado bem como formação profissional como ressalta Iamamoto 262 ...característica da logica curricular é que as mateiras básicas previstas, como áreas de conhecimento necessárias à formação profissional, podem ser tratadas em disciplinas, seminários temáticos, oficinas, laboratórios, atividades complementares, como monitorias, pesquisa e extensão, intercâmbios etc. Todos esses componentes curriculares são reconhecidas como mecanismos formativos do assiste social. Busca-se ultrapassar assim uma visão tradicional do currículo centrado exclusivamente em disciplinas, valorizando a participação do estudante na biodinâmica vida universitária. São múltiplos, portanto, os recursos para trabalhar os conteúdos temáticos das várias áreas do conhecimento. (2015, p.73) Dessa forma, é desenvolvido na Universidade Estadual de MaringáUEM(campus de Ivaiporã-PR), no curso de Serviço Social, com o objetivo de construir ações conjuntas Universidade/Comunidade, o Projeto de Extensão “Serviço Social, Trabalhadores e Sistema Único de Assistência Social de Ivaiporã e Região”. O projeto tem como objetivo desenvolver ações junto aos discentes e à comunidade externa à UEM, no que diz respeito à profissão de Serviço Social e sua contribuição para implementação da Política Nacional de Assistência Social, através do Sistema Único de Assistência Social – SUAS, além de criar uma rede de ações em relações aos seus trabalhadores. Almeja ainda, estimular e contribuir conjuntamente com as prefeituras discussões, pesquisas, fóruns, seminários, para discussão e publicização da rede de proteção social do SUAS, além de contribuir para analisar e discutir as relações e condições de trabalho do corpo de profissionais do SUAS, como preconiza a Norma Operacional de Recursos Humano – NOB/RH deste sistema. E por fim, o projeto tem se definido na direção de integração entre extensão, ensino e pesquisa dos discentes do curso de Serviço Social da UEM e comunidade externa. IV - Considerações finais Diante das reflexões apresentadas analisa-se que a Universidade deve propiciar aos acadêmicos e à comunidade local mecanismos de construção de saberes/conhecimento. Saberes estes, que possam contribuir para o 263 aperfeiçoamento das politicas públicas, no sentido do alcance dos direitos dos cidadãos. Assim, a profissão de Serviço Social, a partir da sua trajetória histórica, à luz de um projeto profissional crítico, pode contribuir com um conjunto de ações que movimente as realidades locais. V - Referências ALVES, G. e ANTUNES, R. As mutações no mundo do trabalho na era da mundialização do capita. Revista Educ. Soc., Campinas, vol. 25, n. 87, p. 335351, maio/ago. 2004. IAMMAOTO, M. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. São Paulo: Cortez, 2015. KOIKE, Marieta. Formação profissional em Serviço Social: exigências atuais. In: Curso de Capacitação em Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CEAD/ABEPSS/CFESS, 2009. REDE NACIONAL DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA. Documentos. Plano Nacional de Extensão Universitária, 2001. Disponível em: Acesso em: 15 dez. 2004. SILVA, Soraya Petla; QUIMELLI, Gisele A. de Sá. A extensão universitária como espaço de formação profissional do assistente social e a efetivação dos princípios do projeto ético-político. Paraná. Revista Emancipação, 6(1): 279-296, 2006. NUNES, Ana Lucia de Paula Ferreira; SILVA, Maria Batista da Cruz. A extensão universitária no ensino superior e a sociedade. Revista Mal-Estar e Sociedade - Ano IV - n. 7 – Barbacena. p. 119-133, 2011. REFLEXÕES SOBRE O TRABALHO DOS ASSISTENTES SOCIAIS E SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (SUAS) 264 Maria Celeste Melo da Cruz88 Resumo O artigo trata de um estudo que está em andamento que objetiva problematizar o trabalho dos Assistentes Sociais no Sistema Único de Assistência Social em municípios do estado Paraná. Trata-se de um estudo que busca compreender as expressões da precarização nas condições e relações do trabalho daqueles profissionais através de seu cotidiano. Palavras – chave: Condições de Trabalho, Sistema Único de Assistência Social e Assistente Social, Precarização. I – INTRODUÇÃO O artigo trata de um estudo que busca analisar a precarização das condições de e relações de trabalho dos profissionais assistentes do Sistema único de Assistência Social em municípios do Paraná. Em 2004, quando da aprovação da Política Nacional de Assistência Social tem-se a trajetória de construção de um marco legal no intento de materializar a discussão sobre a gestão do trabalho no Sistema Único de Assistência Social – SUAS avançou de forma expressiva. Exemplo disso é a Norma Operacional de Recursos Humanos - NOB/RH (2006) que representou um ganho para os trabalhadores, já que se constituiu em um instrumento de gestão do SUAS. Este documento foi aprovado em 2006 após longa e cuidadosa discussão abarcando todos os atores de forma coletiva. 88 Docente do curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Maringá-UEM 265 A partir de então, a NOB-RH desdobrou-se no ano de 2011 na proposta de uma Política Nacional de Capacitação, que aponta para a configuração do processo de educação permanente dos trabalhadores sociais, além das diretivas sobre concurso público, autonomia técnica e ética. Esta política, aprovada em 2013, pretende qualificar os trabalhadores e, consequentemente, refletirá na qualidade dos serviços, benefícios, programas e projetos. Assim, a gestão do trabalho contemplada na NOB/RH e na lei 12.345/2011 toma materialidade objetivando criar novos rumos para o coletivo dos trabalhadores do SUAS. A trajetória da política de assistência social e seu sistema operacional, através dos seus instrumentos legais, incorporam um compromisso de debates, interlocuções na busca do enfrentamento dos desafios para a construção de respostas qualitativas em relação à oferta de serviços, programas, projetos, benefícios. (SILVEIRA, 2008) Silveira (2009) analisa a importância do papel dos trabalhadores no SUAS na conjuntura histórica atual e demonstra que a realidade da política de assistência social vem se modificando, principalmente no entendimento dessa temática. Frisa ainda que, a gestão do trabalho contempla um conjunto de elementos que busca a desprecarização das condições e relações de trabalho. E para isso, além de um marco regulatório legal pactuado pelos entes federativos, há que se ter um envolvimento dos trabalhadores de todos os níveis e âmbitos nesta empreitada. Este processo depende, sobretudo, da afirmação do projeto político construído na assistência social, projeto este que supera interesses corporativistas e impulsiona uma reforma intelectual e moral na área, sem espaço para o conformismo, a naturalização da desigualdade e a banalização da vida. Uma reforma ampla destinada a alargar o Estado em resposta aos interesses legítimos e históricos dos usuários e dos trabalhadores, transformando o presente sempre rico de possibilidades de um novo tempo histórico.(BRASIL, Isto se deve porque é um momento ímpar para o coletivo dos trabalhadores dos SUAS, já que percebe-se uma compreensão da área 266 governamental e demais instâncias com a da educação permanente dos trabalhadores, além das discussões sobre os vínculos empregatícios através dos concursos. Já que se entende que há um processo histórico de precarização dos trabalhadores no Brasil, precarização esta que se conforma de forma mais aguda em tempos de flexibilização, terceirização, contratos temporários. Para isso é necessário que II – TRABALHO E TRABALHADORES NO SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – SUAS Ao refletir sobre o contexto das mudanças no mundo do trabalho, compreende-se o trabalho como central na sociabilidade humana, ou seja, na vida dos sujeitos sociais. Constitui-se como uma forma de realização objetiva e subjetiva, permitindo a transformação dos bens da natureza para a satisfação das necessidades humanas e consequentemente como transformação do próprio homem. O homem vive da natureza, significa: a natureza é o seu corpo, com o qual tem que permanecer em constante processo para não morrer. Que a vida física e mental do homem está interligada com a natureza não tem outro sentido senão que a natureza está interligada consigo mesma, pois o homem é uma parte da natureza.(MARX, 2004) Nos últimos séculos, contudo, o trabalho humano tem sido apropriado como forma exclusiva de satisfação das necessidades materiais, representando a mera função de sobrevivência no bojo de uma sociedade marcada por relações mercantis de produção. Estas relações mercantis capturam as relações pessoais transformando-as em coisas. O trabalho, neste sentido transforma-se não em realização humana, mas em sofrimento. Ou seja, o trabalho no atual contexto representa a negação da realização subjetiva do ser social do ser social, transfigurando-se em sobrevivência a qualquer preço.(ALVES, 2007) 267 As transformações no mundo do trabalho se tornam mais expressivas quando se analisa as mudanças em curso ocorridas no final dos anos de 1970 em âmbito mundial. O fim do padrão de acumulação de base industrial, iniciados no pós segunda guerra mundial sustentado pela constituição de um Estado de Bem-Estar com sistema de proteção amplo, respaldada pela garantia de direitos sociais, deu lugar a modelo de acumulação denominado por um conjunto de autores com Harvey (1992) de acumulação flexível. Antunes(1995) explica que as implicações deste novo estágio de acumulação, associado ao advento da robótica e da microeletrônica, acarretaram profundas mudanças o denomina de mundo do trabalho. Essas mudanças afetaram a organização da classe trabalhadora, reduzindo a participação dos sindicatos nas decisões quanto à defesa dos direitos, trazendo uma luta pela manutenção de postos de trabalho e não pela garantia de melhores condições de emprego. Por outro lado, assiste-se naquele momento, uma ausência do Estado no seu papel de executor de políticas sociais, haja vista que o retorno do pensamento neoconservador, o qual resgata a idéia de um Estado mínimo voltado para a garantia do mercado livre, considerando o pilar da justiça e da igualdade social. Esses dois elementos, reorganização do Estado e reconfiguração dos sindicatos, associados às mudanças em curso, agravaram as condições de trabalho e contribuíram para a precarização das relações de trabalho, estabelecendo uma dicotomia nítida entre trabalhadores qualificados e trabalhadores sem qualificação. A inserção neste mercado de trabalho, cada vez mais competitivo, passa a ser definida exclusivamente pela competência e força de vontade, estabelecida pelo próprio mercado, haja vista as “oportunidades para todos” (ALVES, 2010). Esse processo só avança precarizando e flexibilizando as condições e relações de trabalho, gerando uma rede de subcontratação, o que fomenta cada vez mais a precarização do trabalho. A desintegração do espaço coletivo de trabalho tornou-se uma realidade. 268 A experiência da precarização do trabalho no Brasil decorre da síndrome objetiva da insegurança de classe (insegurança de emprego, de representação, de contrato etc.) que emerge numa textura histórica específica – a temporalidade neoliberal. Ela é elemento compositivo do novo metabolismo social que emerge a partir da constituição do Estado neoliberal. Possui como base objetiva, a intensificação (e a ampliação) da exploração (e a espoliação) da força de trabalho e o desmonte de coletivos de trabalho e de resistência sindical-corporativa; além, é claro, da fragmentação social nas cidades, em virtude do crescimento exacerbado do desemprego total e a deriva pessoal no tocante a perspectivas de carreira e de trabalho devido à ampliação de um precário mercado de trabalho. (ALVES, 2007) Diante dessa expressão da precarização, a reestruturação do trabalho é o apelo exacerbado à qualificação do trabalhador. Qualificação/capacitação esta, que vai além das habilidades do trabalhador, para uma polivalência que incide sobre todas as áreas e decisões. O toyotismo impulsiona esse processo, através de treinamentos, de engajamento às estratégias mercadológicas também no âmbito das politicas públicas, como na Politica de Assistência Social. Com isto a captura da subjetividade e o controle sobre o trabalhador ocorrem de forma mais sutil diante das inseguranças do mundo do trabalho. (ALVES, 2007) Portanto, a necessidade indiscutível, de ampliar legalmente, conceitualmente os aportes para sustentar o trabalhador para que este se posicione através de competências teóricas, técnicas e éticas, qualificando os serviços da Política de Assistência Social/Sistema de Assistência Social. III – CONSIDERAÇÕES FINAIS 269 A partir das reflexões apresentadas verifica-se que o mundo do trabalho e suas mudanças contemporâneas têm rebatido diretamente no trabalhador assalariado e seus espaços sócio-ocupacionais. A questão que se coloca é que a Política Nacional de Assistência Social através do Sistema Único de Assistência Social vem se firmando em um processo de legitimação frente ao histórico trato de superficialidade e focalização das ações assistenciais (Paiva, 2008). Dessa forma, o coletivo dos trabalhadores de diversas áreas, e especificamente assistentes sociais, que trabalham no SUAS vivenciam condições e relações de trabalho ainda bastante precarizados, o que leva muitas vezes esses trabalhadores sujeição às condições de trabalho aviltantes que afetam a subjetividade seja no âmbito físico, como no psíquico e espiritual. Portanto, importa salientar, que esta investigação ainda está em processo de análise dos dados, mas é premente colocá-la como relevante para a discussão e compreensão do cotidiano dos trabalhadores do SUAS. IV - REFERÊNCIAS ALVES, G. Dimensões da reestruturação produtiva. Londrina: Práxis, 2007. ALVES, G.. Trabalho flexível, vida reduzida e precarização do homem – que -trabalha: perspectivas do capitalismo global no século XXI. In: Trabalho e saúde – a precarização do trabalho e a saúde do trabalhador no século XXI. São Paulo: Editora Ltr, 2010. ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? Ensaio Sobre as Metamorfoses e a Centralidade do Mundo do Trabalho. São Paulo: Cortez, 1995. 270 BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome. Secretária Nacional de Assistência Social. Política Nacional de Assistência Social – PNAS/2004. Brasília, 2004. ______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome. Norma Operacional Básica – NOB/SUAS. Brasília, 2005. ______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome. Secretária Nacional de Assistência Social. Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS – NOB-RH/SUAS. Brasília, 2006 _______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome. Secretária Nacional de Assistência Sócia. Lei Orgânica da Assistência Social nº 8742 de 07 de dezembro de 1993 - LOAS ANOTADA, Brasília, 2009. Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Caderno de Textos VIII Conferência Nacional de Assistência Social: Consolidar o SUAS e valorizar seus trabalhadores – Brasília, DF: Conselho Nacional de Assistência Social, MDS, 2011. COUTO, B.. O Sistema Único de Assistência Social: uma nova forma de gestão da assistência social. In: Concepção e gestão da proteção social não contributiva no Brasil. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, UNESCO, 2009. MARX, Karl, “Trabalho Estranhado e Propriedade Privada”. In: Manuscritos Econômico-filosóficos, São Paulo, Boitempo Editorial, 2004. (tradução de Jesus Ranieri) 271 PAIVA, Beatriz Augusto. Trabalhadores Sociais do SUAS: qual agenda construir?. In: Caderno de Textos da VIII Conferência Nacional de Assistência Social: Consolidar o SUAS e valorizar seus trabalhadores – Brasília, DF: Conselho Nacional de Assistência Social, MDS, 2011. SILVEIRA, Jucimeri. Sistema Único de Assistência Social: institucionalidade e processos interventivos. Serviço Social & Sociedade. São Paulo: Cortez, n. 98, 2009. ________________. A Centralidade do Trabalho e da Formação Continuada no Sistema Único de Assistência Social: realidade e agenda política. In. BRASIL, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Caderno de Textos VIII Conferência Nacional de Assistência Social: Consolidar o SUAS e valorizar seus trabalhadores – Brasília, DF: Conselho Nacional de Assistência Social, MDS, 2011. PROJETO MULHERES EM FOCO 272 Juliana Moura dos Santos89 Marcilene Aparecida Donatti Corrêa90 Maria de Lourdes de Almeida Paes91 Edilaine Rocha de Souza92 Resumo: O projeto “Mulheres em Foco” surge da união de esforços de órgãos governamentais e não – governamentais de Mandaguari – PR93, na tentativa de consolidar a trajetória de luta e defesa dos direitos das mulheres em todas as suas faces e dimensões. Suas ações são pautadas em mecanismos de luta dos direitos, com embasamentos a partir de reflexões nas reuniões do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher - CMDM, que busca analisar a atualização das próprias estruturas de organização estimulando a repensar suas estratégias de luta, revisitando velhas práticas, e que seja resgatado aquilo que historicamente foi feito de melhor, unificando ações já pensadas para auxiliar a potencializar novas formas de enfrentamento. Assim, este projeto, vem com o objetivo de contribuir com ações que busquem os direitos das mulheres, seja no enfrentamento das desigualdades ou nas estratégias que contribuam na ampliação do desenvolvimento humano e a valorização da vida. Palavras chaves: Direito, mulher, enfrentamento e ações; Introdução: 89 Assistente Social, Pós-graduanda do Curso Planejamento e Gestão de Programas e Projetos Sociais pelo Centro Universitário Filadélfia de Londrina – UNIFIL e Conselheira Municipal dos Direitos da Mulher de Mandaguari/PR – CMDM/representante governamental. 90 Contadora, Pós-graduada em Gestão, Controladoria e Análise de Balanço pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Mandaguari – FAFIMAM e Conselheira Municipal dos Direitos da Mulher de Mandaguari/PR – CMDM/representante não-governamental. 91 Assistente Social, Graduada no Curso de Serviço Social pela UNOPAR e Conselheira Municipal dos Direitos da Mulher de Mandaguari/PR – CMDM/representante governamental. 92 Conselheira Municipal dos Direitos da Mulher de Mandaguari/PR – CMDM/representante nãogovernamental. 93 Município classificado como Pequeno Porte II. 273 Para falar na luta em favor das mulheres em todos os segmentos, precisamos afirmar que o feminismo surgiu para dar voz às mulheres, buscando romper o silêncio que historicamente marca a não inserção das mulheres no debate público efetivo, pautando demandas necessárias para conquistas e assim evidenciar o seu lugar de direito. As vozes necessárias para a construção de uma luta a partir da experiência das mulheres é o que se busca. É necessário “romper o silêncio”, pois ele é cúmplice, colaborando pelo que não foi conquistado ainda pelas mulheres com relação aos seus direitos. Romper o silêncio abarcado pela cultura machista existente na vida política, no espaço doméstico, no cotidiano dentre outros. O Projeto Mulheres em Foco surge para ampliar o olhar e a compreensão da sociedade sobre a vida das mulheres e manifestar coletivamente revolta em relação ao papel que essa cultura nos impede de conquistas e avanços necessários para a sustentabilidade da vida de muitas mulheres, que hoje são mantenedoras de seus lares, buscando a construção e ocupação de novos espaços de ação e inserção. A luta das mulheres vem de uma trajetória de ações e movimentos históricos e se realiza em conjunturas distintas. Suas ações são pautadas no intuito de romper com modelos que as oprimem. Portanto, um movimento contra a cultura do machismo declarado e intrínseco. Instituímos assim, a partir das diversas propostas de ações indicadas pela Secretaria Municipal de Assistência Social - SMAS, pelo Conselho Municipal dos Direitos da Mulher - CMDM e pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social - CREAS, o “Projeto Mulheres em Foco”, com a percepção, que estamos diante de uma questão social que exige também ação política e um esforço cotidiano baseado em reflexões e ações para que possam ocorrer mudanças principalmente de paradigmas. A SMAS, o CMDM e o CREAS no processo de elaboração deste projeto buscou produzir debates sobre o dia a dia da mulher, e assim a partir de vivência, relatos e consciência da prática, formular possibilidades de enfrentamento. As experiências coletivas da práxis feminista precisa ser profundamente refletidas, 274 para que haja possibilidade de mudanças das estratégias de resistência e fortalecendo, buscando assim parcerias e apoio de redes, grupos de serviços, movimentos organizados e sociedade civil. Mediante à necessidade do empoderamento feminino e da autonomia das mulheres, se faz necessário reconhecer a promoção do direito da mulher e a igualdade de gênero como sendo criticamente imperativo para a evolução social, e assim, o projeto “Mulheres em Foco”, vem com a proposta de reafirmar o compromisso com a luta das mulheres que é histórica e se realiza em conjunturas distintas, tendo suas ações pautadas no intuito de romper com os moldes e estruturas que oprimem. Desenvolvimento: 1.1. Planejamento A Secretaria Municipal de Assistência Social sabendo de sua parcela de responsabilidade em propor ações de enfrentamento às diversas formas de violências vivenciadas pelas mulheres no município convocou uma Audiência Pública, que foi realizada no dia 23 de outubro de 2014, a partir das 19h, com o objetivo de propor alterações ou revogação de algumas Leis e decretos municipais, que discorriam sobre o Conselho Municipal da Mulher94. Na ocasião a plenária optou por revogar todos os normativos legais vigentes e aprovar, com as devidas alterações, a proposta da nova lei municipal. Não havia outra iniciativa como melhor proposta no sentido de fomentar políticas públicas para mulheres, uma vez que com a participação de sociedade civil seria possível ouvir as demandas sociais e também, a partir de então, propor um conjunto de ações, previamente planejadas. “Em síntese, há necessidade de compreendermos que, 1) o planejamento social, como instrumento de gestão das políticas públicas sociais na esfera pública governamental (federal, estadual e municipal), deve ser formulado a partir do que é discutido e articulado na instância dos Conselhos de Direitos, e a sua operacionalização, atualmente, tem se dado em parceria do Estado com as organizações do Terceiro Setor; Segundo documentos arquivados na SMAS a última reunião do então “Conselho Municipal da Mulher” foi realizada em 08/03/2003. Sendo que, posteriormente foi denominado como Conselho Municipal dos Direitos da Mulher. 94 275 2) tanto nas instâncias das instituições públicas como privadas, a gestão é de importância fundamental, para a qual um dos instrumentos é o planejamento; e 3) gestão significa pensar a instituição em sua totalidade, desencadeando o processo de planejamento institucional. Portanto, falar de gestão do processo de planejamento social significa entendê-lo enquanto instrumentalizador na elaboração e efetivação das políticas sociais públicas. COSTA (2011, p. 19) Neste sentido, após a devida aprovação da referida lei, o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher - CMDM vem atuando de forma muito presente e planejada no município, para isto propôs um calendário de reuniões mensais e até o momento foram realizadas 10 reuniões, excluindo aquelas realizadas pelas comissões temáticas, tais como: a) Comissão responsável pela alteração do Regimento Interno do CMDM, aprovada pela Resolução nº 02/2015; b) Comissão responsável pelas atividades de comemoração do dia 08 de março: Dia Internacional da Mulher, aprovada pela Resolução nº 03/2015; c) Comissão Responsável pela elaboração e execução do Projeto Mulheres em Foco, aprovada pela Resolução nº 04/2015; d) Comissão responsável pela organização de I Conferência Municipal de Políticas para as Mulheres. Por meio destas primeiras iniciativas vem sendo possível o levantamento e análise de dados e parcerias para propor ações de prevenção, bem como enfrentamento a todas as formas de violência cometida contra mulheres. 1.2. Objetivos Objetivo Geral: Propor diretrizes de ação voltadas à promoção dos direitos das mulheres e atuar no controle social de políticas de igualdade de gênero. Objetivos Específicos: Contribuir para uma maior efetivação da presença das mulheres nas múltiplas esferas tanto social, econômica e política. Gerar uma posição coletiva visível a partir dos diversos níveis de enfrentamento de superação de desigualdades geracionais que atingem as mulheres. 276 Promoção de ações fomentadoras de parcerias a partir de demandas de intervenções, que considerem as especificidades e necessidades para uma maior efetivação das políticas públicas de igualdade e direitos para as mulheres. Fortalecer as redes de mulheres para visibilizar e denunciar a problemática da violência contra as mulheres além de exigir e incidir na promoção de mudanças nos níveis institucionais e culturais e no trabalho conjunto na prevenção desta violência. 1.3. Estrutura do projeto O projeto vem sendo executado a partir das seguintes atividades: 1.3.1. Firmar parcerias: 1.3.1.1 Com a Secretaria Municipal de Saúde, promovendo reuniões: para verificar sobre como acontece a Notificação Compulsória para os casos de violência nas unidades de saúde; para verificar a possibilidade de adequação de local para o preenchimento da referida notificação, bem como profissional capacitado para tal. Realizar palestras para mulheres no sentido de informá-las sobre as doenças, saúde da mulher, entre outros. Realizar campanhas preventivas e de combate, em conjunto com esta secretaria, principalmente no mês de novembro, enfatizando o Dia Internacional da Não-Violência Contra a Mulher. 1.3.1.2 Com as Polícias Civil e Militar, solicitando efetiva participação das representantes para participarem das reuniões do CMDM. Realizar reuniões, palestras e capacitações para sensibilização dos profissionais sobre os casos de violência. Levantamento de dados sobre violência contra mulheres. 1.3.1.3 Com o Centro de Referência de Assistência Social – CRAS, reuniões com a equipe técnica para verificar a possibilidade de incluir temas ligados às mulheres dentro do Projeto “O CRAS perto de você”, que consiste em reuniões que são realizadas pela equipe técnica do órgão nos bairros do município, como estratégia de levar informação e conhecimento sobre os 277 serviços, programas, projetos e benefícios da Política de Assistência Social, ofertados pela rede socioassistencial. 1.3.1.4 Com a Prefeitura – “Programa Prefeitura nos Bairros”: que consiste em levar todos os serviços da prefeitura para todos os bairros, em datas definidas pela mesma. Participando com a entrega de panfletos, tablóides, adesivos com variados temas sobre a mulher, realizando desta forma, abordagem direta dos munícipes. 1.3.2. I Conferência Municipal de Políticas Públicas para as Mulheres 95: convocada pelo Decreto Municipal nº 250/2015, realizada no dia 16 de setembro de 2015, das 13h às 17h, com participação total de 148 pessoas, sendo 69 participantes do governo, 65 participantes da sociedade civil e 14 autoridades convidadas. A seguir citaremos algumas propostas aprovadas na plenária final da conferência, para serem incluídas no Projeto Mulheres em Foco: grupo de estudo para debater temas direcionados às mulheres; parceria com a secretaria de educação para atuação junto às crianças visando à conscientização da igualdade de direitos e respeito entre homens e mulheres, e, participação do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher – CMDM no projeto sobre a indisciplina na escola, com ações diretas com as mães; campanha: Não ao machismo, entre outros. A fim de levantar mais dados sobre os participantes da I Conferência a comissão disponibilizou a Ficha de Identificação dos participantes, na qual obtivemos os seguintes resultados: do total de pessoas presentes apenas 84 pessoas responderam e entregaram o documento; Tipo de participante: 1. Esfera Governamental – Poder Executivo (06), Ministério Público (01). 2. Sociedade Civil: ONGs (11), Sindicatos (01), Movimento Feminista (02), Movimento LGBT (02), Movimentos de Mulheres (05), Movimento Negro (01), Partidos Políticos (01) Outras (11). Sexo: Feminino (80) e Masculino (04). Raça/cor: Preta (07), Parda (23) e Branca(50). 95 Apesar da recente criação do CMDM e as orientações do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, o município de Mandaguari optou por não realizar conferência intermunicipal, levando em consideração o esforço conjunto do governo e da sociedade civil. 278 Estado Civil: Solteira/o(29), Casada/o(39), Viúva/o (02), Divorciada/o (04), União estável (05). Orientação Sexual: Homossexual (06), Heterossexual (57) e Bissexual (01). Origem: Rural (07) e Urbana (62). Participa de coletivo, associação ou grupo de mulheres ou feminista? Não (60) e Sim (11). Filiada/o em Partido Político? Sim (12) e Não (64). Escolaridade: Não Alfabetizado/o (01), Fundamental Incompleto (02), Fundamental Completo (05), Nível Médio (19), Curso Profissionalizante (03), Nível Universitário (46), Mestrado (03) e Doutorado: 1. Trabalha Remunerado: Sim (62) e Não (09). Renda Mensal individual: Nenhuma (03), Um Salário Mínimo – R$ 788,00 (08), De 1 até 3 Salários Mínimos – R$788,00 a R$2.364,00 (50), De 3 até 5 Salários Mínimos - R$2.634,00 a R$3.940,00 (09), De 5 até 8 Salários Mínimos – R$3.940,00 a R$6.304,00 (05) e Mais de 8 Salários Mínimos - +de R$6.304,00 (01). Você se considera Chefe de Família financeiramente? Sim (26) e Não (48). Mesma casada você se considera chefe de Família? Sim (27) e Não (31). E por fim, elaboração do Relatório Final para a equipe regional de Maringá da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social do Paraná – ERSEDS. 1.3.3. Campanhas: com a realização de campanhas sobre: “Dia Internacional da Mulher – Workshop - Eu me amo, eu me cuido, eu tenho atitude”, realizado pelo CRAS em parceria com o CMDM, em 06/03/2015, no período noturno; “Quebrando o Silêncio” em parceria com a Igreja Adventista do 7º Dia, com a participação das Secretarias Municipais de Assistência Social e Saúde, conselhos municipais (criança e adolescente, idoso, mulher) e conselho tutelar, realizada no dia 19/09/2015, por meio de passeata, com panfletagem; “Campanha Mundial de Combate a Não – Violência Contra as Mulheres”, que 279 será realizada em parceria com o CREAS no mês de novembro de 2015 e 2016; “Dia internacional de Mulher”, que será realizada em parceria com o CRAS, em março de 2015, “Campanha sobre Auto-estima da Mulher”, que será realizada em parceria com o CRAS em julho de 2016, dentre outros. 1.3.4. Divulgação das ações: realizada por meio de rádio, internet, jornal local. 1.3.5. Trabalho direcionado com as detentas da Polícia Civil de Mandaguari: foi criado em reunião plenária do CMDM uma comissão específica para fazer levantamentos acerca das demandas e propor ações de enfrentamento às situações levantadas. Sendo que, já foram realizadas 02 visitas institucionais, no mês de setembro de 2015. Considerações finais O Município de Mandaguari apenas começou sua caminhada na formulação de políticas públicas para mulheres, no entanto, levando em consideração ao tempo de criação do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, muitas ações foram desenvolvidas. Contudo, a cada atividade localizamos outras tantas que necessitam ser abordadas e atendidas. Um apontamento importante, que observamos principalmente na I Conferência Municipal de Políticas para as Mulheres é que temos a obrigação de trabalhar com os homens desta cidade, seja o pai, o empregado, o empregador, autoridades municipais, líderes comunitários, entre outros. Referências COSTA. Selma Frossard. Planejamento estratégico: Instrumento de Gestão em Organizações do Terceiro Setor. 2ª ed. – Londrina: EdUnifil, 2011. 280 DA FAMÍLIA IDEAL PARA A FAMÍLIA REAL: APONTAMENTOS SOBRE O TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS NO ÂMBITO DO SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL Larissa Giani Batalha Mello Considerando as constantes inquietudes profissionais dos assistentes sociais no que se refere a atuação, da referida categoria profissional com famílias, especificadamente no âmbito do Sistema Único de Assistência Social- 281 SUAS. É que se torna relevante a referida pesquisa, uma vez que busca contribuir e suscitar debates a cerca do tema, sem, contudo esgotar as discussões. Sendo assim, a presente pesquisa é de caráter bibliográfico, uma vez que se utilizou de livros, artigos e revistas da área de Serviço Social. Tendo por objetivo geral, apresentar reflexões sobre a atuação do assistente social no trabalho social com famílias no âmbito do Sistema Único de Assistência SocialSUAS. Tendo por objetivos específicos, discorrer sobre os conceitos de família na contemporaneidade; pontuar sobre o sistema de proteção social e o enfoque dado a família; abordar sobre a atuação do Assistente Social com famílias no âmbito do SUAS. Palavras-chave: Família, Sistema Único de Assistência Social, Proteção Social. 1 INTRODUÇÃO A escolha em desenvolver a presente pesquisa (que se encontra em andamento), está relacionada ao fato de que, no âmbito profissional há incessantes dúvidas e discussões, no que se referem ao trabalho social desenvolvido com famílias pelos profissionais Assistentes Sociais, no Sistema Único de Assistência Social-SUAS96. Havendo o consenso e entendimento de que não existem metodologias de trabalho com famílias pré-estabelecidas, dado o fato de que cada família apresenta uma dinâmica própria, se torna necessário suscitar debates e discussões sobre como o profissional Assistente Social pode atuar com essas famílias no SUAS, especificadamente nos Centros de Referência de Assistência Social-CRAS.. 96 O Sistema Único de Assistência Social (Suas) é um sistema público que organiza, de forma descentralizada, os serviços socioassistenciais no Brasil. Suas organiza as ações da assistência social em dois tipos de proteção social. A primeira é a Proteção Social Básica, destinada à prevenção de riscos sociais e pessoais. A segunda é a Proteção Social Especial, destinada a famílias e indivíduos que já se encontram em situação de risco e que tiveram seus direitos violados.( BRASIL, MDS, 2015, p. 01) 282 Com isso, refletimos, porque há em sua maioria, estudos e pesquisas que apontam as dificuldades do trabalho social com famílias nos CRAS, e há uma ausência de pesquisas voltadas, em realizar apontamentos de como superar essas dificuldades, enfrentadas no cotidiano profissional? Basta haver um encontro entre os profissionais, que é possível perceber que normalmente estes dialogam e buscam trocar informações sobre como estão executando o trabalho com famílias. Por isso, o desenvolvimento da pesquisa se torna relevante, e ocorre em momento oportuno, uma vez que buscaremos apontar não as dificuldades no trabalho social com famílias, mais sim apresentar possíveis possibilidades de intervenção junto aos mesmos. Inicialmente serão contextualizados conceitos de famílias, o sistema de proteção social brasileiro (mínimos sociais e necessidades básicas). E a posteriori será apresentado uma breve reflexão sobre a atuação do Assistente Social no CRAS. 2 Famílias na contemporaneidade Os núcleos familiares passaram por profundas transformações, dada as mudanças que ocorreram na área econômica, social e política do Brasil. Podese considerar que há uma dificuldade quando os profissionais atuam na área da família, em relação á metodologias de trabalho, sendo assim autores contemporâneos elaboraram conceitos com o intuito de tentar compreender esse complexo e difuso sistema que é a família. Para Mioto (1998, p. 21) família se apresenta como: “[...] um núcleo de pessoas que convivem em determinado lugar, durante um lapso de tempo mais ou menos longo e que se acham unidas (ou não) por laços consangüíneos. Ele tem como tarefa primordial o cuidado e a proteção de seus membros, e se encontra dialeticamente articulado com a estrutura social na qual está inserido”. Considera-se que as evoluções e transformações vivenciadas pelos núcleos familiares e os membros que compõe o mesmo, são resultados de necessidades societárias, sendo que é possível constatar, que diversas atitudes pessoais e principalmente dos profissionais quando trabalham com famílias, ainda estão calcados em costumes, tradições e modelos que vigoraram em 283 outros séculos e por este motivo há a tentativa de enquadrar os indivíduos em algo que não mais corresponde à realidade. Sendo assim a Norma Operacional Básica-NOB-SUAS97 do ano de 2005, traz como um de seus principios a matricialidade sociofamiliar. De acordo com Wanderley (2007. p. 65): O princípio de MATRICIALIDADE FAMILIAR98 que resgata a família como núcleo social básico de acolhida, convívio, autonomia, sustentabilidade e protagonismo social supera o conceito de família como unidade econômica, mera referência de cálculo de rendimento per capita, e a entende como núcleo afetivo, vinculada por laços consangüíneos, de aliança ou afinidade, onde os vínculos circunscrevem obrigações recíprocas e mútuas, organizadas em torno de relações de geração e gênero. Para o autor Bilac (2003, pp.36-37) “precisar quais relações estão estabelecendo entre unidades domésticas e como estas relações interferem no modo como estão sendo elaboradas, novas percepções de família é uma tarefa empírica fundamental para a análise teórica”. Há de se considerar as variedades de famílias, quanto às suas organizações, e desconsiderar tal fato é reduzir as famílias sob uma única perspectiva, e ressalta-se que, devido às mudanças que ocorreram, os membros familiares passaram a desempenhar novas funções dentro do núcleo familiar e também em relação à sociedade. E ao intervir com estes usuários tais fatos devem ser considerados. 3 Sistema de (des)proteção social brasileiro: mínimos sociais e necessidades básicas voltadas a família. As vulnerabilidades a que a família fica exposta são amenizadas no âmbito das políticas públicas, sendo que estas na maioria das vezes se 97 No ano de 2005, a chamada NOB-SUAS97 veio para implementar definitivamente os princípios constantes na Lei Orgânica de Assistência Social-LOAS. A partir deste NOB, delimitaram-se os níveis de gestão da política de assistência sob a égide de um sistema único, juntamente com a Politica Nacional de Assistência Social. 284 apresentam como assistencialistas e de caráter paliativo. A Lei Orgânica de Assistência Social-LOAS traz dois conceitos passíveis de reflexão: mínimos sociais e necessidades básicas. Uma vez que mínimo nos remete a conotação de menor, e necessidades básicas a algo que é fundamental. “Conforme Pereira (2000, p.26-27) “Em outros termos, enquanto o mínimo nega o “ótimo “ de atendimento, o básico é a mola mestra que impulsiona a satisfação básica de necessidade em direção ao ótimo”. Atualmente há Politica Pública de Assistência Social apresenta duas concepções em relação a família, uma a entende a relação entre famílias x sociedade como ajuda pública e a outra como direito de cidadania.(PEREIRA, 2000 ). A família é culpabilizada e apontado como problemática, caso não se enquadre nos padrões que a sociedade tem como sendo normais. E para que essa mesma família consiga ter acesso a bens e serviços, acessar a proteção social, ele deve responder a critérios. Em sua maioria os critérios são o de corte de renda, tais como o Programa Bolsa Família, e quando consegue ter acesso fica condicionada cumprir com condicionalidades. Mais e o que ocorre com as famílias que trabalham de maneira informal, que não tem condições de contribuir mensalmente para a Previdência Social, e que também não conseguem se enquadrar nos critérios de programas de transferência de renda? Que tipo de proteção social eles tem acesso? 4 A atuação do Assistente Social no âmbito do Sistema Único de Assistência O trabalho social com famílias, desenvolvido pelos Assistentes Sociais que estão inseridos no Sistema Único de Assistência Social-SUAS, apesar das contradições e incongruências, é possível de ser realizado e acima de tudo de apresentar êxito. Esclarecido tal fato, partimos do pressuposto então de que não existem modelos prontos, pré-estabelecidos de intervenções a serem realizadas com as famílias que se encontram em situação de vulnerabilidade e risco pessoal e social. 285 Esta intervenção, contudo, pode estar pautada em alguns princípios norteadores: estimulo á participação e ao protagonismo dos indivíduos; condução ética sigilosa de suas demandas; empoderamento com vistas de que tenham condições de assumir e conduzir suas vidas, diante das adversidades impostas.( FERNANDES, 2006, p. 21). Existem processos, estratégias e procedimentos metodológicos, que devem ser particularizados para determinadas situações onde vai ser realizada a intervenção profissional. O ordenamento das ações deverá corresponder às situações reais especificas, sempre fundamentado no referencial teórico-metodológico e ético-político, assim como da experiência do profissional e da própria população com a qual se vai trabalhar. Historicamente, a família esteve inserida na área de atuação do Serviço Social, porém ela sempre vem sendo contemplada de forma fragmentada, onde cada integrante da unidade familiar é visto de maneira individualizada e portador de um problema. Considerando isto, um dos desafios da profissão é a busca de metodologias para trabalhar com famílias, de forma que a mesma seja percebida como um grupo com necessidades únicas e próprias.(DE JESUS; ROSA; PRAZERES, 2007). O Assistente social, quando incorpora no seu fazer profissional as dimensões teórico-metodológico, ético-politico e técnico-operativo atua na premissa de, perpassar as contradições impostas de forma tão abrupta as famílias que fazem parte de seu território. Buscando assim efetivar e garantir o direito dos mesmos, ultrapassando conceitos e imposições do Estado, deixando de culpabilizá-las e acima de tudo, apresenta a clareza e o conhecimento de que, não se deve atuar/intervir nas ações do cotidiano profissional de acordo valores e crenças pessoais. Facilmente nos deparamos com profissionais, que ainda atuam sob a ótica higienista, e a favor da “moral e dos bons costumes”. Que realizam encaminhamentos, visitas, acompanhamentos com a finalidade de “fiscalizar” a família que ele considera problemática. Cada família possui uma dinâmica própria, uma trajetória de vida que necessita ser compreendida, portanto qualquer modelo pré-estabelecido se apresenta como 286 um risco. Porque cada família apresenta um tipo de demanda, e isso requer uma intervenção diferente para cada família. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O profissional deve atuar considerando que as famílias possuem um movimento próprio que dão sentido ao processo histórico em qual estão inseridas, em uma dada dinâmica, mais sim buscar sua historicidade, considerando-as como mais um componente do processo e não como um mero resultado dos fatos. O sistema de proteção social brasileiro, na realidade se apresenta como (des)proteção, uma vez que não contempla a todos os cidadãos, que oferece “mínimos sociais” somente. Atualmente uma família consegue sobreviver com um salário mínimo? Será que o provedor da família, tem a possibilidade de oferecer aos demais membros familiares, condições dignas de moradia? Alimentação? Transporte? Vestuário? Propiciar momentos de lazer e cultura? São essas famílias, o público alvo de usuários dos Centros de Referência de Assistência Social-CRAS, e compreender todo este universo familiar são fundamentais quando intervimos com os mesmos. Orientações técnicas, manuais, normativas são oferecidas aos profissionais do CRAS, que devem embasar sua atuação tendo como respaldo tais documentos. Contudo o que percebemos é um desinteresse por parte deles, em adquirir conhecimentos, em se proporcionar momentos de leitura e de capacitação. Tais fatores são essenciais, pois são nestes espaços de capacitações, de reuniões de equipe, de troca de conhecimento entre os profissionais que as compõe, é que metodologias de trabalho são sendo traçadas. E são traçadas, de acordo com a realidade do território, das famílias, das vulnerabilidades apresentadas pelos usuários, e com isso as potencialidades surgem e as intervenções são passíveis de serem realizadas. Há um longo caminho a ser percorrido, até que apontamentos para o trabalho social com família sejam realizados, mais as respostas começam a surgir a partir do 287 momento em que nós profissionais Assistentes Sociais nos propomos a pesquisar sobre o assunto, e compartilhamos experiências exitosas e não somente os problemas que enfrentamos. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate a Fome. Sistema Único de Assistência Social. Disponivel em: http://www.mds.gov.br/suas. Acessado em 01 de Setembro de 2015. BILAC, E.L.D. Família: algumas inquietações. In: CARVALHO,M.C(org) A Família Contemporânea em Debate. São Paulo: EDUC: Cortez, 2003. DESLANDES, S.F; NETO. O.C; ROMEU,G. Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Maria Cecília de Souza Minayo(org). Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1994. DE JESUS, C.S.; ROSA, K.T. PRAZERES, G.G.S. Metodologias de atendimento à família: o fazer do assistente social. Disponível em: <www.ppg.uem.br>. Acessado em 10/09/07. FERNADES, S. Concepções norteadoras de trabalho com famílias. Necessárias. In: PARANÁ. Secretaria Trabalho e Promoção Social. Caderno SUAS II:Trabalho com famílias e intrumentos de Gestão do Cras.Curitiba, 2006. PEREIRA-PEREIRA, Potyara A. Necessidades humanas: subsídios à crítica dos mínimos sociais. São Paulo: Cortez Editora, 2000. MIOTO, R.C.T. Família e saúde mental: contribuições para reflexão sobre processos familiares . In: Revista Katalysis. Família e Sociedade. Editora da UFSC, n.2, maio, 1998. NEDER, G. Ajustando o Foco das Lentes: um olhar sobre a organização das famílias no Brasil. In: Família Brasileira, a base de tudo. 7 ed. São Paulo:Cortez, Unicef, 2005. WANDERLEY, M.B. Metodologias de Trabalho com Famílias. In: Caderno SUAS I: Assistência Social Sistema Municipal de Gestão Local do CRAS, 2007. 288 O SERVIÇO SOCIAL NA GARANTIA DOS DIREITOS DE INCAPAZES Rosilene de Fátima Pollis Andreia Cristina Oliveira Andressa Santos Rafael Eber Ganbriel Rejane Dias Melão RESUMO O trabalho narra a práxis do Serviço Social na garantia do direito às pessoas declaradas incapazes judicialmente. Sem verificação pelo Estado do cumprimento dos deveres do curador no atendimento às necessidades do 289 interditado, tem assento o trato aquém do necessário nas interdições. Considerados sem saúde mental, incapazes ficam sujeitos no cotidiano aos atendimentos prestados por parentes ou instituições totais. Na Justiça de rito pouco célere, autos acumulados por mais de 10 anos restaram sem conhecer o trato assegurado ao incapaz pelo curador judicial. Pelo Serviço Social no Ministério Público, desencadeou-se estudo e parecer técnico quanto às condições de atendimento dos interditados na região. De 2012 a 2014, a intervenção em 100 situações inseriu as respectivas famílias em programas sociais com destaque para a Política de Saúde Mental e Assistência Social nos municípios e região de referência. A análise quanti-qualitativa revela ineficácia do Estado na proteção devida aos incapacitados pela Justiça. Palavras-chave: direito - incapaz – Serviço Social Introdução O Núcleo de Serviço Social no Ministério Público de Maringá foi criado em 201099 para assessorar as Promotorias de Justiça. Em 2011, da área Cível chegam ao setor autos de interdição100 que se avolumam em 2012. As remessas para estudo e parecer técnico do Serviço Social se estruturam via campo de estágio na ação programática Garantia de direitos ao cidadão incapaz. O objeto da intervenção técnica do Serviço Social nos autos de interdição se materializa na verificação da efetiva responsabilidade do curador judicial que, uma vez conclusa a ação de curatela101, tornou-se encarregado do zelo protetivo a ser dispensado à pessoa declarada incapaz dos atos cíveis. 99 Portaria Nº11/2010 da Coordenação Administrativa do MP Maringá, cria o Núcleo de Serviço Social para assessoramento técnico às Promotorias de Justiça, nas matérias de defesa e promoção de direitos coletivos, no monitoramento da efetividade de políticas sociais. 100 A interdição é ato judicial justificado pela incapacidade total ou parcial de pessoa sem discernimento para os atos da vida civil; direito de proteção e segurança social. 101 Curatela é encargo atribuído pelo Juiz a um adulto capaz, para que proteja, zele, guarde, oriente, responsabilize-se e administre os bens de pessoas judicialmente declaradas incapazes de reger os atos da vida civil, sem compreender as consequências de suas ações e decisões (impossibilitadas de assinar contratos, casar, vender e comprar, movimentar conta bancária). MPPR. Tutelas e curatelas: perguntas e respostas, Caop Cível, 2007. 290 Na etapa inicial da intervenção, levantamento em apenas uma Vara revelou mais de 700 autos sem que a Justiça verificasse nos últimos 10 anos, como viviam os interditados, dependentes de curadores. Desde a sentença, nada constava sobre o atendimento necessário e disponível aos incapazes. Na operacionalização do Programa, a equipe técnica do Núcleo inicia a intervenção pela localização domiciliar da pessoa interditada, planejando desde então a logística para o estudo sócio familiar, elaborando em seguida o informe e parecer técnico individualmente. Instrumentais técnicos são construídos e aplicados pelos estudantes e profissionais envoltos na ação, oportunizando a prática profissional desde a criação à testagem das ferramentas. Assim que recebidos em cota de 20 a 50 autos, é estudado cada processo traçando perfil do interditado, curador, motivo da interdição, contexto e trajetória da limitação da pessoa segundo o laudo de saúde mental que atestou sua incapacidade no rito judiciário. Pelo Serviço Social realiza-se a abordagem domiciliar visitando a pessoa interditada e curadora, reconhecendo suas relações intrafamiliares, sociais, ambiência, acesso e permanência às políticas sociais a que faz jus e das que necessita pelo quadro social e de saúde, avaliando-se a cobertura da proteção social. Ao se aproximar da realidade cotidiana destes interditados o Serviço Social identifica necessidades, dependência de terceiros, atendimento recebido ou negligenciado por familiares ou de serviços contratados, inferindo nos flagelos a que estejam submetidos em caso de negligência do curador. É por isso que se pode afirmar, que esta ação programática além de verificar situações individualizadas de respeito a direitos, conferindo cuidados necessários e prestados pelos curadores e cuidadores à pessoa incapaz, serve ao monitoramento de políticas sociais disponíveis ou deficitárias. Nas considerações técnicas, avalia-se a medida do atendimento pela gestão social no território, baseando-se nas ações interinstitucionais, abordagens familiares, farta documentação e contatos profissionais resultantes da abordagem a tais cidadãos. Ao se conferir o alcance das políticas sociais para esta população, tanto no volume da demanda como na cobertura dispensada, a 291 constatação da amostra é a expressiva proteção social especial pelo acesso ao Benefício Assistencial (SUAS) e atenção na Saúde Mental. De 2012-2014, o Núcleo atuou em mais de 100 autos de interdição. Nestes processos o Serviço Social produziu estudo social com emissão de parecer técnico sobre a responsabilidade do curador na atenção aos incapazes. Findo os estudos sociais particularizados, os resultados deles frutificados foram remetidos à promotoria requisitante assim como embasaram providências em demais promotorias, especializadas no monitoramento da efetividade de políticas públicas. Por esta narrativa, seguem compartilhadas descobertas durante a verificação da responsabilidade do curador judicial com 94 pessoas incapazes, em seus resultados na trajetória do Programa Garantia de direitos ao cidadão incapaz. Garantindo direitos ao cidadão incapaz À profissão cabe a promoção da justiça social e cidadania efetiva. Na relação estabelecida entre interditados e seus responsáveis judiciais, desaparecem os direitos civis de incapazes. Estes dependem de atendimento especializado pelas perdas na saúde mental, sem que em a família e ou curador saibam providenciá-lo. Com a aproximação de trabalhadores sociais do cotidiano de incapazes, são reconhecidas in loco tanto as necessidades atendidas como as negligenciadas pelos curadores responsáveis. Não raro, o Serviço Social se deparou com a violação de direitos de incapazes. Sem saúde mental e limitados na convivência social, a vulnerabilidade de incapazes aumenta com o interesse financeiro sobrepondose à solidariedade dos que buscam a interdição visando incremento na renda familiar com o Benefício Assistencial102. Diante de abusos, indicam-se providências em parecer técnico para levar à responsabilização o curador. 102 Benefício de prestação continuada previsto na LOAS, 1993 é direito de pessoas com deficiência e idosas, se em famílias empobrecidas e sem capacidade para o trabalho e vida independente. Ao verificar o trato a incapazes constata-se o BPC compondo renda mensal. CEMBRANELLI, Daniela S. Benefício de Prestação continuada: Conheça como é como funciona esse direito sócio-assistencial. Disponível em: <http://www.defensoria.sp.gov.br/ dpesp/repositorio/33/documentos/BPC_leitura.pdf.>. 292 Ao reconhecer a realidade dos incapazes orientando a seus familiares, media-se o rito judiciário com providências na rede de atendimento para acesso e melhoria em serviços públicos e privados afetos a esta população. A profissão não se limita à opinião técnica, promovendo e assegurando direitos dentre os agentes no SUAS e SUS do território. O Serviço Social no MP atende ao cidadão no acesso à Justiça visando impactar toda espécie de violação de direitos, seja em ações judicializadas, caso dos autos de interdição, seja extrajudicialmente. No caso se procura evitar atendimento indevido, orientando às famílias cuidadoras. Quando do encaminhamento aos serviços de Saúde e Assistência Social, articula-se a responsabilização de agentes da proteção social especial, aprimorando seu suporte às famílias, por vezes sobrecarregadas nos cuidados dirigidos de modo ininterrupto aos que delas dependem para tudo. Na ação o Serviço Social firma compromisso com o respeito a dignidade da pessoa humana. O público-alvo do Programa é composto majoritariamente de pessoas em famílias empobrecidas, com baixa escolaridade e em moradia modesta. Nas visitas se orienta às famílias cuidadoras para evitar a segregação e o isolamento social do interditado valorando sua participação na rotina cotidiana. O instrumental Informe Técnico Social serve à situação individualizada tanto na abordagem domiciliar como para fazer constar as considerações técnicas juntadas aos Autos. O formulário elaborado pela equipe do Serviço Social entre 2012 e 2013, comporta dados sobre a identidade do incapaz desde o vínculo com o curador; histórico da incapacidade; razão da interdição; serviços sociais de acesso; meios de socialização; nível de dependência de terceiros e aspectos do atendimento dirigido e necessário ao incapaz. Na análise da vasta documentação se demonstra o caminho e os resultados alcançados com a ação programática, nas categorias em destaque a seguir. A identidade da pessoa declarada incapaz A pessoa alvo da interdição, também chamada de interdito ou curatelado, é pessoa maior de 18 anos que devido a alguma enfermidade, doença mental ou dependência química está impedida, temporária ou permanentemente de 293 reger e discernir os atos da vida civil, incluindo a expressão de sua vontade. Segundo o Código Civil, Artigo 1.767, são: I - Aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida Civil; II - Aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir sua vontade; III - Os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos; IV – Os excepcionais sem completo desenvolvimento mental; V – Os pródigos. No perfil dos interditados, 62% são homens; em 18% das visitas o interditado falecera e a maioria tem de 18 a 40 anos, seguido de idosos. Sobre os vínculos mantidos pelo incapaz, a maioria reside e é assistido pela família. Poucos constituíram a própria família, vivendo a maioria com pais e irmãos. Os curadores prevalecem sendo ente familiar, na função de cuidadores. Tanto a visita domiciliar como institucional são atividades do trabalho social realizado com incapazes, curadores e cuidadores na Ação Programática. O contato com a pessoa do incapaz o torna protagonista da intervenção porque as entrevistas individuais se constituem de instrumento básico para a coleta de dados com vistas à elaboração de uma avaliação social. A esse instrumento são crescidos outros procedimentos que possam fornecer dados para melhor compreensão da situação, tais como visitas e contatos com colaterais, instituições e outros profissionais que atendam os envolvidos. Sobre a saúde, são 37% incapacitados desde o nascimento às atividades da vida diária103. Noutros 63%, as limitações surgiram na trajetória da vida sem saúde, com prevalência para o quadro de esquizofrenia. A identidade do (a) curador (a) judicial Sobre as características do responsável pelo incapaz na Justiça, o curador em geral é um dos pais, cônjuge ou parente próximo, ou ainda o Ministério Público na falta destes. A maior incidência no vínculo entre curadores 103 As atividades da vida diária (AVD) não se resumem ao auto-cuidado, vestir-se, alimentar-se, tomar banho, e pentear-se (…), engloba as habilidades de usar telefone, escrever, virar-se na cama, sentar-se, mover-se e transferir-se de um lugar a outro. TROMBLY, C. A., Terapia Ocupacional para Disfunção Física, 2a. ed., SP: Santos, 1989. 294 e interditados é de mães e irmãos. O curador precisa ser um adulto que se responsabilize na Justiça pelo interditado, representando-o para todos os fins. Ele deve atuar administrando bens, pensão ou aposentadoria e zelar pelo bemestar físico, psíquico, social e emocional do interditado durante toda a vida. Na maioria das situações o curador é também o cuidador104 do interditado. Os estudos sociais individualizados mostram curadores apenas administrando recursos previdenciários ou assistenciais dos interditados, diferentemente dos cuidadores que lhe prestam total assistência, acompanhando-os nas atividades e necessidades que comparecem no cotidiano, seio familiar, visita a médicos, passeios, para tudo enfim. A proteção através da interdição Na interdição judicial, são envolvidos profissionais de diversas áreas extrapolando o campo do direito. Caso de peritos em saúde mental, assistentes sociais de atuação com idosos, doentes crônicos, etc. Um rol de profissionais atende ao incapaz dependente de terceiros porque os incapazes, assim como suas famílias, por extensão, são usuários da saúde mental e assistência social independentemente da Curatela105. A motivação da maioria dos familiares ao buscar a via judicial para proteger seus entes é ter acesso ao BPC106. Mas a interdição serve também ao seguro por invalidez107. O curador não assume que procura a interdição para administrar os bens do incapaz ou para fazer uso do Benefício assistencial, mas 104 Cuidador é a pessoa que zela pelo bem-estar, saúde, alimentação, higiene pessoal, educação, cultura, recreação e lazer da pessoa interditada. Pode ser pessoa da família ou da comunidade que presta cuidados à outra pessoa que precise de cuidados por estar acamada, com limitações físicas ou mentais, com ou sem remuneração. HOME FAMILY. 2013. Disponível em: <http://www.homefamilydf.com/o-papel-do-cuidador> 105 A interdição ou curatela é medida de amparo pela legislação civil; processo judicial por meio do qual a pessoa é declarada civilmente incapaz, total ou parcialmente. 106 Segundo o MDS, o Benefício de Prestação Continuada de Assistência Social garante a transferência mensal de 1 salário mínimo à pessoa com mais de 65 anos e à pessoa com deficiência incapacitada para a vida independente e para o trabalho, que comprovem não possuir meios para prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/falemds/perguntas-frequentes/assistencia-social/bpc-beneficio-deprestacao-continuada/bpc-beneficio-de-prestacao-continuada> 107 No INSS a Invalidez é motivo para aposentadoria de trabalhadores que, por doença ou acidente, na perícia sejam declarados incapacitados para exercer atividades laborais que lhes garanta o sustento. Disponível em: <http://agencia.previdencia.gov.br/e-aps/servico/381> 295 de fato isto se constata na maioria das situações. As famílias informam que as interdições foram encampadas após orientação do INSS para acesso de seus entes ao BPC ou ao seguro. Ao serem reconhecidas as condições socioeconômicas e o diagnóstico de saúde dos interditados, constata-se a maioria das interdições propostas por vícios do costume no rito judiciário, sem observância ao contido no artigo 18 do Decreto Nº. 6.214: “a concessão do Benefício de Prestação Continuada independe da interdição judicial do idoso ou da pessoa com deficiência”. O BPC não prevê incapacidade civil, pautando-se em coeficientes da renda familiar da pessoa com deficiência e ou idosa, calculados pela média per capita, idade, incapacidade para o trabalho e para a vida independente (definido pela perícia no próprio órgão gestor, INSS)108. A comprovação da incapacidade para atividades da vida diária, que se traduz na dependência leve, moderada ou severa e aquela relativa ao trabalho (incapacidade laboral), não podem ser confundidas com incapacidade para os atos da vida civil. Neste trabalho social, é traço marcante esta confusão retirando direitos e ferindo ao artigo 1.767 do Código Civil que prevê somente em casos extremos e indispensáveis a interdição, como medida de proteção. É equivocado portanto, a maioria das interdições109 empreendidas para cerceamento de direitos civis de pessoas que fazem jus à proteção previdenciária e assistencial, mas preservam relativa autonomia. A decisão judicial na interdição melhor se pautaria por laudo de equipe técnica multiprofissional, Decreto nº 5.296/04, Código Internacional de Doenças (CID 10) e Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM IV). 108 Pela exigência indevida da Curatela para o BPC pelo INSS, o órgão editou em 23/02/2006 Memo-Circ. 09 realinhando a forma de análise e requisição documental. Para minorar os traços subjetivos na avaliação pericial, em 2009 foi editada Portaria Conjunta MDS/INSS N°. 1 com instrumentos para avaliação do grau de incapacidade dos requerentes ao BPC. 109 Pelo Código Civil, Art. 1.76, estão sujeitos a Curatela aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental ou por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade; os ébrios habituais e os viciados em tóxicos; os excepcionais. BRASIL. Código Civil (2002). Lei 10.406 de 10/01/2002. 296 O Código Civil reconhece e considera a possibilidade da existência de portadores de deficiência110 ou doença mental com capacidade para continuar a exercer a autonomia sobre si e sobre seus pertences. Contudo, o Direito e a Medicina seguem detentores de exponencial poder sobre esta pessoa. Considerações finais O programa Garantia de direitos ao cidadão incapaz, realizado pelo Serviço Social em atendimento à Promotoria de Justiça Cível, é competência do Núcleo de Assessoria Especializada do TJPR. Mas, ao monitorar a cobertura de políticas sociais na Região atinge meta e missão, institucional. A visita domiciliar é atividade central do Programa conforme lembra MIOTO (2001: 148), “o objetivo é conhecer as condições (residência, bairro) em que vivem tais sujeitos e apreender aspectos do cotidiano das suas relações, aspectos esses que geralmente escapam às entrevistas de gabinete”. Com a aproximação aos interditados, o Serviço Social intervém na realidade. De 2012-2014, realizou-se 130 visitas domiciliares, destas desencadeando orientações às famílias e interface com a rede de serviços sociais disponíveis no território das pessoas declaradas incapazes. A orientação aos que convivem com incapazes supera a desinformação sobre os direitos daqueles, principalmente quanto aos benefícios assistenciais e previdenciários. Nas quantificações, alcançadas: 130 abordagens individuais; 195 registros das intervenções empreendidas; 189 horas de supervisão acadêmica e outras 29 horas no planejamento e estudo de autos, consulta a banco de dados e interface com a rede (por telefone, e-mail e pessoalmente). O presente trabalho social oportunizou compreensão da dinâmica familiar nos cuidados a dependentes da atenção integral, promovendo o direito a pessoas incapazes. O estudo sociofamiliar se traduz em ferramenta eficaz para o atendimento às necessidades da pessoa-alvo da interdição, porque serve à conferência do trato recebido no convívio social, familiar e comunitário. Quando 110 Pelo Código Civil, Art. 1.76, estão sujeitos a Curatela aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental ou por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade; os ébrios habituais e os viciados em tóxicos; os excepcionais. BRASIL. Código Civil (2002). Lei 10.406 de 10/01/2002. 297 evidenciado o risco no trato a pessoa incapaz, são acionados agentes nas políticas sociais de competência, assim como a Justiça. Referências BARBOSA, Thais. Interdição Judicial. Disponível em:< http://www.fenix.org.br/ Interdicao_Judicial_Fenix.pdf. Acesso: 09/04/2014>. MIOTO, Regina C. Tamaso. Perícia social: proposta de um percurso operativo. In: Serviço Social e Sociedade, n.º 67. 2001. INTOLERÂNCIA RELIGIOSA: UM OLHAR DO SERVIÇO SOCIAL José Lucas Januário de Menezes111 Ilda Lopes Witiuk112 RESUMO 111Graduando Paraná (PUC/PR). em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Estudante pesquisador do PROETICA. E-mail: [email protected] 112Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Professora Titular da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) do Mestrado em Direitos Humanos. Líder do Grupo PROETICA. E-mail: [email protected] 298 O presente artigo resultado de pesquisa bibliográfica exploratória, tendo como motivação a vivência no meio acadêmico e profissional, propõe-se a apresentar breves reflexões sobre a temática intolerância religiosa no espaço da vida em comunidade e profissional. Significa os primeiros traços na construção de um desenho que retrate a intolerância religiosa presente no seio da profissão, que aponte alguns referenciais teóricos que norteiem o olhar do assistente social para a temática. Pretende destacar alguns aspectos que envolvem as diversas naturezas e dimensões da intolerância no contexto atual. Preocupa-se em apontar motivações, bem como identificar manifestações que caracterizem o objeto de estudo. Busca ainda destacar a importância de identificar quesitos que contribuam para a construção da discordância respeitosa no seio da profissão. Ressalta a importância da defesa do projeto ético político profissional na construção de uma sociedade pautada na defesa dos direitos humanos de todos os segmentos nela inseridos. Palavras Chave: Intolerância; Serviço Social, Direitos Humanos 1. INTRODUÇÃO A Declaração Universal dos Direitos Humanos, datada de 1948, define os direitos humanos básicos. Apesar de não ser um documento que os países tenham a obrigatoriedade legal de seguir, ela serviu de base para os dois tratados sobre Direitos Humanos elaborados pela Organização das Nações Unidas - ONU que tem caráter de força legal. Estes tratados são o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, e o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos aprovados em 1966 e em vigor a partir de 1976. Estes, juntamente com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, constituem a Carta Internacional dos Direitos do Homem. 299 A Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma em seu art. 2o que “toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou outra condição”. Diz ainda no seu art. 17 que “toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular”. 2. A INTOLERÃNCIA NO BRASIL COMO OFENSA AOS DIREITOS HUMANOS No que se refere ao Brasil, signatário das declarações e tratados à cima referidos, a Constituição de 1988, em seu art. 5o, inciso XLI, vai definir a pratica de racismo como crime inafiançável e imprescritível sujeito a pena de reclusão. Um ano depois em 1989, em consonância com a constituição, é aprovada a Lei 7.717/89, conhecida como Lei Caó, que coíbe o preconceito de raça e cor. Em 1997 esta lei vai ser ampliada com a Lei 9.459/97, que destaca como crime não somente o preconceito, mas também a discriminação e não só de raça e cor, mas também de etnia, religião ou procedência nacional. Destaca-se ainda que em abril de 2009, o Brasil se fez presente na 2a Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, em Durban na África do Sul. Nessa conferência, foram tratados assuntos relacionados aos direitos de mulheres, imigrantes, pessoas negras, pessoas com HIV/Aids, povos indígenas, povos ciganos e outros grupos discriminados. A conferência de Durban teve como preocupação a promoção da igualdade entre as pessoas. É importante destacar que no Brasil não há uma legislação especifica com relação à intolerância seja ela referente à raça, cor, etnia, religião e origem. Intolerância entendida como atitude “caracterizada pela falta de 300 habilidade ou vontade em reconhecer e respeitar diferenças em crenças e opiniões” ou ainda “ausência de disposição para aceitar pessoas com pontosde-vista diferentes”, caracterizando-se como uma atitude expressa, negativa ou hostil com pontos de vista diferentes. Temos legislação que criminaliza o preconceito e a discriminação, mas não a intolerância. Entendemos que a intolerância pode estar baseada no preconceito, podendo levar a discriminação, pois formas comuns de intolerância incluem ações discriminatórias de controle social como: racismo, sexismo, antissemitismo, homofobia, etaismo (discriminação por idade) intolerância religiosa e intolerância política. Todavia, não se limita a estas formas: alguém pode ser intolerante a quaisquer ideias de qualquer pessoa. Compreendendo a o campo do exercício profissional como um espaço multicultural, onde o debate de ideias, teorias, filosofias, se faz presente de forma acalorada e caracteriza-se como essencial para o processo de construção da práxis profissional, identifica-se como um grande desafio a ser vivido à convivência respeitosa com a diversidade cultural. No contexto atual, político, econômico e social, vivemos uma “crise” que não é somente local, mas que se reflete no nosso cotidiano levando à população as ruas e a manifestarem-se nos diversos espaços de convivência, posicionando-se defendendo o que acreditam, pontos de vista que muitas vezes se conflitam, emergindo a intolerância. Amizades, relações de proximidade, são fragilizadas, diante da dificuldade de aceitar o que é discordante, diferente. As pessoas vivem em um estado de indiferença, e quando envolvidas em situações que exigem posicionamento, por não terem maturidade no que se refere ao conhecimento, ou defesa de posicionamento, sentem-se agredidas e agridem num instinto de defesa. A discordância respeitosa deixa de existir e emerge a intolerância. A prática da intolerância caracteriza-se como ação antidemocrática, de desrespeito às diferenças e liberdades individuais de ser, de crer e de viver. Nesse sentido a intolerância precisa ser identificada e trabalhada no contexto da profissão, pois estas práticas se naturalizadas vão expressar-se no cotidiano profissional através do sectarismo e de atitudes antidemocráticas. 301 Na perspectiva de contribuirmos com a promoção da liberdade e defesa dos direitos humanos precisamos desenvolver práticas que exercitem a sensibilidade diante de qualquer discriminação percebendo as “cegueiras” que produzem injustiça e processos de exclusão e desigualdades. Nesse sentido é importante identificar as formas diversas de manifestação da intolerância, pois estas vão desde atitudes preconceituosas, passando por ofensa a liberdade de expressão, até as manifestações de força contra minorias. 3. A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA EM FOCO No Brasil, consta no artigo 5° parágrafo VI da Constituição Federal de 1988 “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Em outras palavras, podemos inferir que o Brasil é oficialmente um Estado laico, não podendo o governo e/ou órgãos públicos se fundamentarem em qualquer que seja a religião para tomada de decisões. A caminhada para chegarmos as legislações que temos hoje no Brasil foi longa e marcada por percalços. Realidade que não é só Brasileira, tendo presente que a humanidade historicamente é dominada por grupos que tentam impor aos demais seus estilos de vida, e suas crenças. Nesse sentido são inúmeros os casos de intolerância religiosa que registramos na história, todos os ataques tinham aspectos em comum, traziam consigo a necessidade de conquistar o poder e manter o poder já existente. O Massacre da Noite de São Bartolomeu (1572) foi um episódio significativo da história, esse período foi marcado por grandes repressões dos reis católicos contra os huguenotes113. Na França, estima-se que mais de trinta mil pessoas 113Era o nome dado aos protestantes franceses durante as guerras religiosas na França (segunda metade do século XVI). 302 tenham sido mortas nesses ataques sanguinários que espalhavam o ódio com o intuito de manter o poder soberano da igreja católica. Outro fato importante da história é apontado por Voltaire 114, em sua obra, “Tratado Sobre a Tolerância”, escrito logo após a execução da Jean Calas115 condenado injustamente pela morte de seu filho Marco Antônio. As autoridades da igreja acusaram Jean Calas de matar o próprio filho, pois o filho estava em processo de conversão ao catolicismo. A cidade sem pestanejar apoiou a informação repassada pelos líderes religiosos da cidade e influenciaram diretamente na decisão da sentença de Jean Calas, foi quando o autor escreveu a obra falando sobre a importância da tolerância no meio religioso. Importância esta que é reeditada em 1948 na Declaração Universal dos Direitos Humanos onde afirma como um dos primeiros direitos civis conquistados pelas sociedades ocidentais o direito à liberdade religiosa. Nesse sentido diante da história torna-se inadmissível que entre profissionais que tem como objeto de estudo e intervenção o social, ainda se faça presente estigmas e intolerâncias no que se refere aquilo que para alguns complementa a natureza do ser humano, seus aspectos de busca do transcendente. Destaca-se ainda que o que se percebe na realidade é que muitas vezes as pessoas são desrespeitadas e/ou perseguidas por terem optado por uma crença ou por terem optado por não crer, caracterizando-se assim situações de intolerância religiosa. Apesar de a Constituição Brasileira apregoar e defender a liberdade de expressão e o direito de acreditar e de não acreditar. É perceptível em nossa sociedade, e mesmo no espaço de atuação profissional do Assistente Social, a abstenção por parte de algumas pessoas, em lançarem mão de algumas pesquisas por irem de encontro a sua forma de ver o 114Poeta, contista, romancista, teatrólogo, historiados , membro da Academia Francesa. 115Protestante, importante comerciante da cidade de Toulouse. 303 mundo, muitas vezes respaldadas por questões religiosas. Tomadas pelo ímpeto de estarem sob posse da verdade (suas verdades), são incapazes de relativizar e entender o outro como um outro de si mesmo, porém com verdades opostas e que devem ser trazidas à luz do espaço profissional a fim de serem debatidas ampliando a democratização, a cidadania e o respeito pelas diferenças. A intolerância religiosa se faz presente hoje no Brasil e representa um desafio ao convívio numa sociedade plural. As formas de manifestação da intolerância são diversas passando por ofensas à liberdade de expressão da fé, até as manifestações de força contra minorias religiosas. O Projeto Ético Político do Serviço Social, expresso no Código de Ética Profissional trás como valor central o reconhecimento da liberdade, nessa ótica, faz-se necessário fomentar o debate acerca da diversidade existente na sociedade atual, essa diversidade que em muitos momentos não são respeitadas. Segundo reportagem do jornal alemão Deutsche Welle, há sinais claros de um aumento da intolerância religiosa no Brasil. Foram registrados em 2013 um total de 231 denúncias por discriminação religiosa, mais que o dobro do ano anterior. A intolerância religiosa, nos dias de hoje, está direcionada às religiões afro-brasileiras. As pessoas oriundas de terreiros, estão sofrendo fortes repressões, que variam de agressões verbais, até mortes, como podemos ver em alguns casos recentes no Brasil contra pessoas de religiões de matriz afro. Os negros foram trazidos ao Brasil povos de terreiro, carregam na sua religião, a tradição de seus antepassados e muita resistência, foi a forma de preservar a cultura trazida com eles da África, quando foram feitos escravos no Brasil. É imprescindível que enquanto assistentes sociais atuemos na defesa dos direitos garantidos constitucionalmente e que para além da lei compreendamos a importância de valorizar e respeitar as identidades individuais de cada profissional e usuário que na sua individualidade trás a riqueza das manifestações na perspectiva de construção de um coletivo que é plural. 304 É essencial defendermos o nosso projeto ético político, pensando que ele só se efetiva quando lutamos por direitos que não são nossos. Quando nos posicionamos também em relação a situações que não nos atingem, mas que por envolver ofensa ao direito de outros se tornam nossas bandeiras. REFERÊNCIAS BONIOLO, Roberta Machado. Da “feijoada” à prisão: o registro de ocorrência na criminalização da “intolerância religiosa” na região metropolitana do Rio de Janeiro. Monografia de conclusão de curso em Ciências Sociais, Universidade Federal Fluminense, 2011. CARDOSO, Clodoaldo Meneguello. 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São Paulo, 2000. 305 ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-COLETIVA DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS NO BRASIL: PERSPECTIVAS CONTRA HEGEMÔNICAS Rosângela Bujokas de Siqueira116 Danuta Estrufika Cantoia Luiz117 RESUMO Este artigo tem como objetivo conhecer a trajetória de organização política dos povos e comunidades tradicionais no Brasil e apontar possibilidades de construção de articulações contra hegemônicas, no sentido de tensionar aspectos da ordem vigente e impulsionar transformações políticas. As reflexões aqui apresentadas são fruto de uma revisão de literatura, parte de uma pesquisa mais ampla desenvolvida pelas autoras. O artigo está organizado em duas partes: a primeira versa sobre a questão da hegemonia, a partir do referencial gramsciano, já a segunda discute a organização político-coletiva dos povos tradicionais. A conclusão destaca que a luta empreendida pelos povos tradicionais tem contribuído para a articulação de práticas contra hegemônicas, ainda que correlatas a temas específicos. 116 Mestre em Ciências Sociais Aplicadas e Professora do Curso de Serviço Social na Universidade Estadual do Centro Oeste – UNICENTRO. 117 Doutora em Serviço Social, professora do Curso de Serviço Social e do Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais Aplicadas na Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG. 306 PALAVRAS CHAVE: Povos Tradicionais; Organização Política; Contra Hegemonia INTRODUÇÃO Este trabalho tem como objetivo conhecer a trajetória de organização política dos povos e comunidades tradicionais no Brasil e apontar possibilidades de construção de articulações contra hegemônicas, no sentido de tensionar aspectos da ordem vigente e impulsionar transformações políticas, ainda que relacionadas a pautas políticas específicas. A discussão foi realizada a partir da revisão de literatura e as reflexões aqui apresentadas fazem parte de um trabalho de pesquisa mais amplo, sendo a tese de doutorado de uma das autoras. O artigo conta com um primeiro momento de discussão acerca da questão da hegemonia e da contra hegemonia na obra de Gramsci e, na sequência, apresenta a trajetória de organização político coletiva dos povos e comunidades tradicionais no Brasil. A QUESTÃO DA HEGEMONIA EM GRAMSCI Na obra de Antonio Gramsci (1891 – 1937) a questão da hegemonia contribui para “explicar as formas específicas da produção e organização do convencimento em sociedades capitalistas e para pensar as condições das lutas das classes subalternas” (PRONKO e FONTES, 2012, p. 389). Para Gramsci, a luta pela transformação das relações de opressão política e econômica existentes no sistema capitalista deveria ser travada no âmbito da sociedade civil, em detrimento da tomada abrupta de poder do Estado, defendida anteriormente no âmbito da revolução socialista. Tal proposição nasceu da análise que este pensador empreendeu das transformações econômico-políticas vivenciadas no início do século XX, na Itália, que apontavam para certa socialização da política. Com isso, Gramsci situou a sociedade civil como espaço de disputa, responsável pela construção e disseminação de visões de mundo, inserindo-a 307 como um dos momentos do Estado, já que muitas pautas formuladas no âmbito da sociedade civil podem vir a influenciar as ações estatais e, assim, o campo das decisões políticas. As bases do processo revolucionário seriam construídas na sociedade civil, seguidas da ocupação de lugares estratégicos para a interferência nas relações de poder, como os parlamentos, por exemplo. Simionatto (2008) explica que entre a estrutura econômica e o Estado, com sua legislação e coerção, está a sociedade civil, representada pelos aparelhos privados de hegemonia, como: Igrejas, escolas, sindicatos, meios de comunicação, etc. É justamente nesta relação do Estado com o conjunto de instituições da sociedade civil que reside a ideia de ampliação do fenômeno estatal. “Em conjunto, as duas esferas formam o Estado em sentido amplo, que é definido por Gramsci como ‘sociedade política + sociedade civil, isto é, hegemonia escudada pela coerção’” (COUTINHO, 2008, p. 54). “Da concepção de ‘Estado ampliado’ decorre a tematização da sociedade civil, que, em sentido gramsciano, refere-se ao alargamento da esfera pública, espaço de construção da hegemonia e de formação de sujeitos políticos coletivos” (SIMIONATTO, 2008, p. 27). Desta forma, a maneira de encaminhar a conservação das relações de poder ou sua transformação assume estratégias distintas: no âmbito da sociedade civil as classes buscam exercer sua hegemonia, ou seja, buscam ganhar aliados para seus projetos através da direção e do consenso; já por meio da sociedade política exerce-se sempre uma dominação fundada na coerção (COUTINHO, 2008). Considerando a diversidade de interesses e forças presentes no âmbito da sociedade civil, podemos concluir que existe espaço para a formulação e disputa de projetos políticos alternativos ao modelo dominante. Diante dos novos arranjos democráticos das sociedades modernas, a conquista da sociedade civil, da direção política, ou seja, do consenso, é o caminho para confrontos hegemônicos. “Sendo a realidade contraditória e a 308 sociedade civil o espaço do antagonismo, pode-se encontrar brechas, pontos de cisão da hegemonia existente” (SCHLESENER, 2001, p. 29). Tomando a experiência da América Latina, podemos citar como exemplo de experiências contra hegemônicas as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que ganharam expressão a partir de década de 1960, fundamentadas pela chamada Teologia da Libertação, corrente de esquerda da Igreja Católica. Os grupos populares formados nas periferias das cidades e no campo impulsionaram a criação de outros espaços públicos. De acordo com Sader (1988), tinha-se como referência às carências materiais e às estruturas opressoras, contudo, as CEBs contribuíram para a formulação de diversas interpretações da realidade, como contraponto ao discurso oficial dominante. Semeraro (2009) lembra ainda que a interlocução entre a esquerda latinoamericana e o cristianismo popular levantava críticas profundas ao modelo dominante de desenvolvimento econômico. Tal matriz associou-se a descoberta e a valorização da cultura indígena e afro-americana, a efervescência de uma pluralidade de organizações populares e sujeitos nunca antes configurados entre os atores políticos. Esta experiência de construção de um novo sujeito político coletivo, identificado como oprimido, serviu para a valorização da cultura popular, em bases mais críticas, e para tensionar os governos no sentido de ampliar o acesso aos serviços sociais básicos por parte daquela população que vivia em regiões de vulnerabilidade social. O lugar que a cultura ocupa nas reflexões de Gramsci contribui profundamente para pensarmos a construção da noção de um projeto político contra hegemônico. Na obra do pensador italiano transparece uma ideia de cultura forjadora da liberdade, capaz de propiciar a ultrapassagem da heterogeneidade e da imediaticidade da vida cotidiana, das lutas econômicocorporativas para lutas mais duradouras e universais, voltadas à construção de uma nova hegemonia (SIMIONATTO, 2008). 309 Partimos do entendimento de que a luta dos povos e comunidades tradicionais pode contribuir para o tensionamento das relações dominantes e para o debate político em torno de um projeto societário radicalmente democrático. As reivindicações destes sujeitos coletivos partem de demandas econômicas, mas podem ultrapassar este momento, pautando com o questionamento do próprio capitalismo. Assim, “há na sociedade civil espaço para a emergência da crítica, a elaboração de novas concepções mundo e a luta por novas relações hegemônicas. A própria estrutura da sociedade e a característica dinâmica das relações de hegemonia abrem perspectivas de transformação” (SCHLESENER, 2001, p. 21). Neste sentido buscamos conhecer a experiência de organização políticocoletiva dos povos e comunidades tradicionais no Brasil. ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-COLETIVA DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS NO BRASIL No Brasil, podemos considerar que as lutas sociais envolvendo os povos e comunidades tradicionais datam desde o período da colonização, considerando como exemplos a resistência dos povos indígenas e as fugas dos escravos para os quilombos. De saída, estes conflitos já denotavam as formas arbitrárias de gestão da propriedade da terra, o papel do Estado na manutenção desta ordem e a opressão política e cultural sobre as formas de vida e dos saberes dos povos colonizados. Sabe-se que, historicamente, o país orientou seu projeto de desenvolvimento econômico assentado no latifúndio, na monocultura e na exportação, gerando uma economia primária dependente do capital externo. Como consequência, manteve a concentração fundiária repercutindo em altos índices de desigualdade social e na geração de impactos ambientais intensos (NAKATANI, FALEIROS e VARGAS, 2012). 310 A literatura indica que foi a partir de 1940 que a luta pela terra ganhou escopo no país, principalmente através das mobilizações de posseiros, ligas camponesas e boias-frias. Os conflitos oriundos do desenvolvimento do capitalismo passaram a atingir uma gama variada de comunidades e às lutas pela terra/território somaram-se os atingidos por barragens, indígenas e seringueiros, para citar alguns grupos sociais (SOUZA, 2005; SCHERERWARREN, 2011). Estas populações têm sido atingidas pela expansão econômica empreendida pelo Estado, em parceria com o capital estrangeiro e nacional, através do desenvolvimento agropecuário de grande porte e da utilização exaustiva e predatória dos recursos naturais. A década de 1970 foi pródiga na emergência de movimentos sociais contestatórios deste quadro geral, com pautas que denunciavam a situação de carência econômica e a necessidade de relações mais democráticas entre Estado e sociedade civil (GECD, 1998-1999). Da soma da luta pela terra, do questionamento do modelo de desenvolvimento econômico, da socialização da política e da emergência da pauta ambiental nasceu a discussão da sociobiodiversidade. A diversidade de populações que passou a sofrer os conflitos do desenvolvimento foi se articulando entre as lutas pela sobrevivência e pela defesa do meio ambiente, se auto denominando povos e comunidades tradicionais (CRUZ, 2012). Scherer-Warren (2013) reafirma a importância da emergência de movimentos desta natureza quando relata que, na América Latina, os grupos subalternos vêm transcendendo de uma situação de marginalidade na esfera pública para a condição de vozes que ecoam para além de seus territórios, passando a impactar (ainda que com resistência) a legitimação dos “direitos originários”, como o caso dos indígenas, quilombolas, posseiros, entre outros. Apesar de toda forma de resistência imposta pelo sistema econômico hegemônico, tais comunidades têm conquistado reconhecimento jurídico-formal. Respaldo importante nesta luta se deu através da aprovação, em 1989, da 311 Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), na qual se definiu um conjunto de direitos para os povos indígenas e tribais. No Brasil, esta discussão também ganhou espaço no movimento constituinte, que acabou por incorporar ao texto da Constituição Federal de 1988 os direitos dos indígenas e dos quilombolas, sobretudo a demarcação e titulação das terras tradicionalmente ocupadas. Já a Convenção 169 da OIT só foi ratificada pelo país em 2002, após muita pressão dos movimentos sociais. Podemos considerar que tais dispositivos jurídicos denotam que o processo de democratização instaurado no país, apesar de apresentar limites, permite que as demandas articuladas no âmbito da sociedade civil impactem, em alguma medida, a sociedade política. Contudo, as relações de força deste processo ficam evidentes ao considerarmos que mesmo para estes segmentos que já alcançaram algum reconhecimento jurídico persistem questões primordiais pendentes, como o acesso à terra, à saúde e educação diferenciadas, que garantam condições mínimas para que estes povos permaneçam em seus territórios e tenham sua identidade cultural preservada (SILVA, 2007). Neste cenário contraditório, de reconhecimento jurídico com espoliação de direitos, os povos e comunidades tradicionais do Brasil têm se fortalecido como um sujeito político coletivo de relevância na luta por reconhecimento perante o Estado e a sociedade em geral. Saldo positivo desta empreitada se deu em 2007, através da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, instituída por meio do Decreto n. 6.040. Tal Política busca promover o desenvolvimento sustentável das Comunidades Tradicionais através do reconhecimento, fortalecimento e garantia de seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, valorizando suas identidades e formas de organização (BRASIL, 2007). Esta Política esclareceu que os povos tradicionais são grupos culturalmente diferenciados, que possuem formas próprias de organização social, ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua 312 reprodução, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição. Esta diversidade alerta que a imposição da hegemonia elitista torna-se incapaz de universalizar direitos, o que acaba por impulsinonar uma rede de novas subjetividades políticas. Os Movimentos dos Sem Terra, Sem Teto, o Movimento Negro Unificado, os movimentos dos índios, dos migrantes, das mulheres, as cooperativas populares, as associações dos pacifistas, dos ambientalistas, a cultura underground, os levantes estudantis, inúmeras e diversas organizações da sociedade civil popular, etc; são expressões da força popular que sinaliza experiências de reinvenção da política e de formas de viver em sociedade (SMERARO, 2009). Assim, ainda que entre contradições e fragilidades, a força dos movimentos sociais e das organizações populares se constitui como um sujeito político indispensável para a universalização de direitos. A luta pelo território, bem como a conservação da biodiversidade, tem levantado uma forma de resistência ao modelo econômico hegemônico, o que pode contribuir para o debate público de temas tão caros no Brasil, como a questão fundiária. Por isso, entendemos que estes povos sustentam um discurso contra hegemônico que pode se concretizar em um projeto político alternativo, ainda que permeado de contradições. Tal projeto pode se converter em instrumento de debate e construção de consensos, mesmo que provisórios e correlatos a temas específicos. CONCLUSÃO A revisão de literatura aqui realizada nos permite concluir que a organização político-coletiva dos povos e comunidades tradicionais tem contribuído para a articulação e o fortalecimento de diversos segmentos étnicos que enquanto grupos sociais subalternos vêm transcendendo uma situação de exclusão na esfera pública para outra condição, de visibilidade e reconhecimento de direitos, mesmo que submetidos a conflitos sociais intensos. O produto desta tensão tem contribuído para o posicionamento contra hegemônico destes grupos 313 étnicos, redefinindo as relações entre Estado e sociedade civil, ainda que em pautas específicas. REFERÊNCIAS BRASIL. 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Ponta Grossa: UEPG, 2005. 315 A DIVERSIDADE SEXUAL SOB A ÓTICA DA EQUIPE DO CENTRO DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – CRAS VILA OPERÁRIA DE PARANAVAÍ/PR Maria Inez Barboza Marques118 Laís Taiane Ropelatto Campos119 RESUMO: A discriminação, o preconceito, a segregação à população LGBT vem sendo divulgados pelos meios de comunicação de massa e por diferentes órgãos públicos e privados, prova disto é que desde 2011 a Secretaria Nacional de Direitos Humanos vem publicando anualmente relatórios sobre a violência à população LGBT. Assim, a visibilidade da questão se faz necessária, tendo em vista a necessidade da conscientização da população brasileira em geral para o reconhecimento da população LGBT como sujeitos de direitos em todos os âmbitos. A pesquisa em andamento tem por objetivo averiguar o entendimento da equipe do Centro de Referência da Assistência Social – CRAS Vila Operária de Paranavaí/PR sobre a população LGBT atendida no local. A pesquisa é essencialmente qualitativa e vem sendo realizada através de entrevistas por meio de um roteiro de questões semiestruturadas. Os resultados preliminares evidenciaram que existe um conhecimento parcial por parte da 118 Professora Dra. do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR/Campus de Paranavaí. Coordenadora do Grupo de Pesquisa (CNPQ) Gênero, Trabalho e Políticas Públicas. 119 Aluna do 4º ano do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR/Campus de Paranavaí. Membro do Grupo de Pesquisa (CNPQ) Gênero, Trabalho e Políticas Públicas. 316 equipe, porém evidenciou-se a necessidade de capacitações para aperfeiçoamento da prestação dos serviços oferecidos. PALAVRAS-CHAVE: Diversidade Sexual, População LGBT, Preconceito. INTRODUÇÃO A motivação para realização desta pesquisa sobre a diversidade sexual no município de Paranavaí-PR sob a ótica da equipe do Centro de Referência de Assistência Social – CRAS Vila Operária foi originada a partir da participação da acadêmica no Grupo de Pesquisa Gênero, Trabalho e Políticas Públicas e discussões sobre gênero e questões relacionadas à diversidade sexual e suas especificidades. A pesquisa essencialmente qualitativa se materializou através de um levantamento bibliográfico e documental. Os materiais foram revisados, sistematizados e posteriormente elaborado um roteiro de questões semiestruturadas que nortearam as entrevistas realizadas com a equipe de referência do CRAS Vila Operária. Cabe ressaltar que através do estágio realizado pela acadêmica pesquisadora no CRAS Vila Operária houve a possibilidade da realização da observação participante, bem como a interação ao longo das entrevistas com cada membro da equipe. Martinelli (1999) esclarece que a pesquisa qualitativa busca interpretações dos sujeitos e de sua história, trazendo à tona o que os participantes da pesquisa têm a dizer a respeito do que está sendo pesquisado. “A realidade do sujeito é conhecida a partir dos significados que por ele lhe são atribuídos” (MARTINELLI, 1999, p. 23). Martinelli (1999) argumenta que ainda “(...) não é o número de pessoas que vai prestar a informação, mas o significado que esses sujeitos têm em função do que estamos buscando com a pesquisa” (MARTINELLI, 1999, p. 24). 317 Portanto, não se trata de uma pesquisa com grande número de sujeitos pesquisados, mas, com quantidade suficiente para a apreensão e elaboração da análise dos resultados obtidos. Entende-se que a temática é de relevância social, tendo em vista o atual contexto das políticas sociais públicas que busca a inclusão de segmentos considerados excluídos pela sociedade. Um exemplo é a possibilidade da troca do nome social de acordo com a orientação sexual de cada sujeito que luta pelo reconhecimento da sua identidade nos diferentes espaços. Além disso, a discriminação, o preconceito à população LGBT vem sendo divulgado pelos meios de comunicação de massa e por diferentes órgãos públicos e privados. A visibilidade da violência homofóbica no Brasil A discussão sobre o preconceito e a discriminação à população LGBT vem se tornando notória no contexto nacional. Desde 2011, a Secretária de Direitos Humanos vêm publicando relatórios anuais que retratam a violência homofóbica no Brasil. No ano de 2013 o Governo Federal lançou o Sistema Nacional de Promoção de Direitos e Enfrentamento à Violência contra Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - Sistema Nacional LGBT, na intenção de promover políticas públicas contra o preconceito ou discriminação que ocorre e possa vir ocorrer contra tal população. A partir do estudo dos relatórios citados, foi possível compreender a necessidade de implementação de políticas públicas e leis voltadas à população LGBT, esclarecendo questões relacionadas à violência e violação dos direitos humanos para que a população crie uma consciência e respeito à população LGBT, e que crimes de qualquer grau tenham uma punição adequada, facilitando assim a inclusão social e a melhoria no conviver social para todos. Foram expressas no relatório do ano de 2012, as principais formas de violência homofóbica, onde ocorreu com mais frequência, quem são os suspeitos/agressores na maioria dos casos e os índices de violência homofóbica no estado do Paraná. 318 Em 2012, houve um aumento de 166,09% das denúncias feitas aos órgãos públicos e 46,6% de violações de direitos humanos contra a população LGBT, conforme tabela abaixo: Tabela 1: Denúncias feitas aos órgãos públicos 2011 2012 % de aumento Denúncias 1.159 3.084 166,06% Violações 6.809 9.982 46,6% Vítimas 1.713 4.851 183,19% Suspeitos 2.275 4.784 110,29% Média 3,97 3,23 violação/vítima Fonte: BRASIL. MINISTÉRIO DE DIREITOS HUMANOS. Relatório sobre violência homofóbica no Brasil: ano de 2012. Na identificação por identidade de gênero da violência sofrida pela população LGBT, 60,44% foram identificados como gays; 37,59% como lésbicas; 1,47 como travestis e 0,49 como transexuais. Com a pesquisa realizada para a elaboração do relatório, observou-se que a maioria das vítimas (82,98%) não informa sua orientação sexual, dificultando assim o trabalho de prevenção e o planejamento de políticas públicas especificas para a população LGBT. Quem são os suspeitos/agressores destas violências que a população LGBT sofre? O perfil dos suspeitos, responsáveis pela ação de violência homofóbica, e suas características, é muito importante para uma análise de elaboração de políticas de prevenção e conscientização da população em geral. O relatório aponta que 58,90% dos suspeitos/agressores têm relação de intimidade ou conhece a vítima, e 34,10% são pessoas desconhecidas. Já, no detalhamento da pesquisa feita a partir de denúncias, 20,69% dos suspeitos são os vizinhos da vítima, 17,72% é algum familiar da pessoa. 319 Ainda de acordo com o relatório, as violações acontecem nos espaços público e privado, 38,63% das violações de direitos humanos acontece na casa da vítima, 30,89% ocorre na rua e outros locais (escola, hospital, ônibus e outros) apontados pelas vítimas correspondem a 19,88%. Assim, é possível perceber a necessidade da conscientização da população em relação aos direitos de liberdade da orientação sexual de cada pessoa, e a criação de políticas públicas para a prevenção de violências como apresentado no relatório. São algumas destas violências ou violação de direitos humanos: violência psicológica com 83,20% no total, discriminação com 74,01% e violência física com 32,68%. Também se destaca a negligência (5,70%) e a violência sexual (4,18%). A violência psicológica foi separada por subtipos: humilhações (35,32%), hostilizações (32,27%) e as ameaças (15,78%), tal violência psicológica pode acarretar em depressões profundas, e em alguns casos levar a vítima a cometer suicídio. Entre as discriminações mais denunciadas pelas vítimas encontra-se a discriminação pela orientação sexual (76,37%) e por identidades de gêneros (15,21%). As formas de violências físicas mais destacadas nas denúncias foram lesão corporal (59,35%) e maus tratos (33,54%). Os subtipos mais apontados de violência sexual são abuso sexual (65,91%) e estrupo (25,76%). A partir do levantamento realizado em 2012 em âmbito nacional para a elaboração do relatório, foi divulgado nos principais meios de comunicação que ocorreram 511 casos de violação contra a população LGBT, tendo 511 vítimas e 474 suspeitos/agressores, entre as denúncias registradas teve-se 310 casos de homicídios. Por um lado às noticias sobre as violações e violências homofóbicas são ainda pouco divulgadas e denunciadas, dificultando assim prevenção e controle destas. As notícias sobre a população LGBT estão sendo mais distribuídas nos Estados de São Paulo, Pernambuco e Bahia, e segundo o relatório, o Acre não teve nenhuma notícia sobre homicídio de caráter homofóbico. O relatório ainda aponta que 98,71% dos casos de homicídios noticiados no país são contra homossexuais, e que em 81,61% dos casos não são apontados o 320 suspeito/agressor, amantes totalizam 7,74% e clientes 4,84%. Segundo a imprensa em Alagoas encontra-se o maior número de homicídios com 0,58 por 100 mil habitantes. O levantamento realizado em cada Estado tem como objetivo que os governos estaduais e a população em geral conheçam sua realidade local e do público LGBT. Vale ressaltar, que no Estado do Paraná o disque denúncia (Disque 100) está em 11o lugar do Ranking, com 182 denúncias registradas por habitante em relação a 370 casos de violação a população LGBT e a cada 100 pessoas 1,74 denúncia. Teve um aumento de 167% em relação a 2011 e as violações mais registradas são de violência psicológica com 147, discriminação com 142 e violência física com 53. A partir dos dados apresentados, foi possível considerar a importância da pesquisa realizada junto à equipe do CRAS Vila Operária de Paranavaí/PR, pois dada a capilaridade no território, o CRAS atende diariamente essa população e suas demandas. Enfim, houve por parte da acadêmica pesquisadora e orientadora, a compreensão sobre a necessidade de pensar na população LGBT para que ela não continue marginalizada e discriminada na cidade de Paranavaí/PR e que cada pessoa, que faz parte desse público, tenha o direito de viver como se sente melhor, sendo atendida por órgãos públicos e privados como cidadãos de direitos garantidos pela Constituição e Federal e Leis que se desdobram desta. Assim a pesquisa realizada teve como objetivo geral averiguar o entendimento que a equipe do Centro de Referência de Assistência Social – CRAS Vila Operária tem sobre população LGBT no município de Paranavaí /PR. CONCLUSÕES Louro afirma que “as identidades de gênero e sexuais são, portanto, compostas e definidas por relações sociais, elas são moldadas pelas redes de poder de uma sociedade” (2000). Assim caminhamos com Louro (2000) que nos direciona dizendo que “o corpo se altera com a passagem do tempo, com a 321 doença, com mudanças de hábitos alimentares e de vida, com possibilidades distintas de prazer ou com novas formas de intervenção médica e tecnológica”. Ou seja, somos frutos de um processo que se altera conforme nosso posicionamento ideológico, político, social e sexual, alterando nossos corpos de acordo a cultura, a moral, a critérios estéticos de grupos que pertencemos ou desejamos pertencer. As primeiras sistematizações evidenciaram que existe a necessidade de políticas públicas e leis favoráveis à população LGBT, bem como um processo coletivo que leve a quebra de preconceitos que persistem em se manifestar, inclusive nos espaços sócios ocupacionais, particularmente nos órgãos públicos, que devem favorecer a promoção do acesso e usufruto a direitos visando à melhoria da qualidade de vida e convivo social para todos e todas. Resultados preliminares permitem considerar que o CRAS como instituição de referência dos sujeitos de determinado território, tem como dever viabilizar os direitos dos sujeitos LGBT, para que todos/das possam ter acesso e usufruto destes direitos visando à melhoria da qualidade de vida e convivo social para todos e todas. Conclui-se que a viabilização dos direitos da população LGBT pelo intermédio dos profissionais inserido no CRAS, só poderá ser efetivada completamente através de capacitações e instruções especificas a respeito do tema, pois em geral, existe um conhecimento parcial sobre a população LGBT e a diversidade sexual, deixando muitas vezes transparecer preconceitos culturalmente e socialmente construídos. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério de Direitos Humanos. Relatório sobre violência homofóbica no Brasil: ano de 2012. Disponível em: http://www.sdh.gov.br/assuntos/lgbt/pdf/relatorio-violencia-homofobica-ano2012. Acesso: 16 Ago. 2013. 322 MARTINELLI, M. L. (Org.). Pesquisa qualitativa: Um Instigante Desafio. São Paulo. Vera Editora, 1999. LOURO, G. L. (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 2. Ed. Belo Horizonte, Autêntica, 2000. 323 ORGANIZAÇÃO E REALIZAÇÃO DE CONFERÊNCIAS DE POLÍTICAS PARA MULHERES NA REGIÃO DE PARANAVAÍ/PR. Maria Inez Barboza Marques120 Evelin Tanikawa de Oliveira121 A pesquisa em andamento tem como objeto específico “O processo de organização e realização das Conferências Municipais de Políticas para mulheres na região de Paranavaí/PR” e conseqüentemente como objetivo geral “sistematizar o processo de organização e realização das Conferências Municipais na região de Paranavaí/PR”. Constitui-se em uma pesquisa ação com a participação direta da coordenação e membros do Grupo de Pesquisa Gênero, Trabalho e Políticas Públicas da Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR/Campus Paranavaí/PR em todo o processo. A contribuição no processo de organização e realização das conferências em âmbito municipal e intermunicipal deverá culminar na sistematização com objetivo de contribuir com estudos posteriores e fomento para as próximas conferências nos âmbitos municipal, regional e estadual. Palavras-chave: Participação. Conferências de políticas para mulheres. Políticas para Mulheres. Municípios da região de Paranavaí/PR. INTRODUÇÃO O sistema descentralizado e participativo em curso após o advento da Constituição Federal de 1988 vem oportunizando no cenário nacional, o desenvolvimento de políticas sociais públicas, seja no contexto da seguridade social (saúde, previdência e Assistência social) ou no contexto das políticas setoriais (educação, segurança, habitação e outras), ou ainda através das 120 Professora Dra. do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR/Campus de Paranavaí. Coordenadora do Grupo de Pesquisa (CNPQ) Gênero, Trabalho e Políticas Públicas. 121 Assistente Social. Secretaria Municipal de Assistência Social de Paraíso do Norte/PR. Membro do Grupo de Pesquisa (CNPQ) Gênero, Trabalho e Políticas Públicas. 324 políticas intersetoriais (idoso, criança e adolescente, mulheres, pessoa com deficiência), entre outras. No entanto, o desenvolvimento de tais políticas é potencializado quando de fato o sistema descentralizado e participativo é materializado em âmbito nacional, Estadual e municipal. As conferências constituem-se em um dos mecanismos para a efetivação desse sistema. A partir da década de 1990, a materialização desse sistema ocorre através das conferências nas três esferas do governo, pois essas têm como objetivo deliberar sobre tais políticas e eleger seus respectivos conselhos que se constituem em principais atores para a construção dessa dinâmica que ocorre no país. As Conferências de Políticas para Mulheres na região de Paranavaí/PR terão como objetivo discutir questões relacionadas aos quatro eixos propostos na documentação que orienta o processo em âmbito nacional. Cabe ressaltar que o Decreto Presidencial de 30 de março de 2015, publicado no Diário Oficial da União de 31/03/2015, que convoca a 4ª Conferência Nacional de Política para as Mulheres, estabelece quatro eixos centrais de debates, a saber: Contribuição dos Conselhos dos Direitos da Mulher e dos movimentos feministas e de mulheres para a efetivação da igualdade de direitos e oportunidades para as mulheres em sua diversidade e especificidades: avanços e desafios; Estruturas institucionais e políticas públicas desenvolvidas para mulheres no âmbito municipal, estadual e federal: avanços e desafios; Sistema político com participação das mulheres e igualdade: recomendações; Sistema Nacional de Política para as Mulheres: subsídios e recomendações. Considera-se relevante a realização da pesquisa que dará corpo às sistematizações de todo esse processo, pois o papel da universidade é atuar na perspectiva do ensino, da pesquisa e da extensão, sempre decifrando as demandas da sociedade, para construir respostas pertinentes a essas. Assim, a pesquisa sobre o processo de organização e realização das conferências municipais de políticas para mulheres na região de Paranavaí constitui-se em importante investigação no âmbito de uma das linhas de 325 pesquisa desenvolvidas pelo grupo de pesquisa Gênero, Trabalho e Políticas Públicas, a saber, “Relações de gênero: história, violência e políticas públicas”. 1- As Conferencias de Políticas para Mulheres no contexto da descentralização. A Constituição Federal de 1988, ao introduzir avanços e princípios na perspectiva da universalização dos direitos, também reconheceu os estados e municípios como entes de federação. (JOVCHELOVITCH, 1998). Neste período de 1980 a descentralização do Estado é apontada como exigência para um avanço democrático da sociedade brasileira. Nesse sentido, faz-se necessário refletir sobre o termo descentralização para melhor compreensão deste processo que se desencadeou no Brasil. Jovchelovitch (1998) aponta que a questão da descentralização não é algo tão recente e implica na existência de uma pluralidade de níveis de decisão exercida de forma autônoma pelos órgãos independentes do centro de poder. (JOVCHELOVITCH, 1998, p. 38). A mesma autora ainda contribui: A descentralização consiste em uma efetiva partilha de poder entre o Estado e as coletividades locais e implica a autogestão local. Envolve uma redefinição da estrutura de poder no sistema governamental, que se realiza por meio do remanejamento de competências decisórias e executivas, assim como dos recursos necessários para financiá-las. (JOVCHELOVITCH, 1998, p.37). Uga apud Jovchelovitch (1998) esclarece que: [...] ela é entendida enquanto um processo de distribuição de poder que pressupõe, por um lado, a redistribuição dos espaços de exercício de poder – ou dos objetivos de decisão -, isto é, das atribuições inerentes a cada esfera de governo e, por outro, a redistribuição dos meios para exercitar o poder, ou seja, os recursos humanos, financeiros e físicos. (UGA, apud JOVCHELOVICTH, p.38). A descentralização político-administrativa das ações para os estados e municípios, como também a participação da população, por meio de 326 organizações representativas, foram estabelecidas na Constituição Federal de 1988. O artigo 204 da CF/1988 aponta como diretrizes a descentralização político-administrativa e a participação popular, através de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações nos três níveis federativos. Souza (2004) afirma que: A descentralização é um dos princípios mais importantes e, estrategicamente, utilizados na definição desse novo pacto federativo. Somente dessa forma os municípios foram incorporados como entes autônomos de federação. Para o âmbito local passaram a ser transferidas novas competências e recursos públicos, capazes de fortalecer o controle social e a participação da sociedade civil nas decisões políticas. (SOUZA, 2004, p.177). A mesma autora enfatiza que a essência desta descentralização é a partilha de poder e a aproximação do Estado com a população. De um modo geral, a descentralização é vista como um avanço, tanto na relação entre os poderes governamentais, como também na relação do Estado com a sociedade civil, quando esta ocorre com a efetiva participação dos cidadãos organizados e a comunicação com os entes federados. Jovchelovitch (1998) expõe de forma clara a questão da participação com relação à descentralização. A descentralização torna-se possível a partir da participação. Quanto mais se descentraliza o poder e se repartem os recursos, mais se animam os cidadãos a engajar-se no processo de tomada de decisões e mais perto se chega do ideal da municipalização. (JOVCHELOVITCH, 1998, p. 43). O avanço da descentralização esta relacionada à ampliação da democracia e à participação social, desde que ocorra como reação contrária ao autoritarismo e à centralização. (STEIN apud JOVCHELOVITCH, 1998). No contexto da descentralização, as Conferências de Políticas para Mulheres em âmbito nacional constituem-se em um marco no que se refere às conquistas das mulheres na luta por seus direitos. 327 Cabe destacar, de acordo com o documento elaborado pela Secretaria de Políticas para Mulheres e Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (2015), que em 2002, organizações do movimento feminista brasileiro realizaram a sua Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras. Em 2004 a Presidência da República e a Secretaria de Políticas para as Mulheres (na época Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres) convocaram a 1ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres. Desta forma, o fortalecimento de políticas voltadas às mulheres vem ocorrendo concomitantemente com o que foi preceituado pela Constituição de 1988, que gerou a descentralização políticoadministrativa das políticas públicas para as esferas estaduais e municipais. As conferências posteriores aconteceram nos anos de 2007 e 2011. Em tais conferências foram aprovados os Planos Nacionais I, II e III de Políticas para as Mulheres (PNPM), respectivamente. Nesse sentido, cabe ressaltar a respeito desse processo: As conferências reafirmaram os princípios norteadores da Política Nacional para as Mulheres, aprovados na 1ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres: autonomia das mulheres em todas as dimensões da vida; busca da igualdade efetiva; respeito à diversidade e combate a todas as formas de discriminação; caráter laico do Estado; universalidade dos serviços e benefícios ofertados pelo Estado; participação ativa das mulheres em todas as fases da política pública; e transversalidade como princípio orientador de todas as políticas públicas. (SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA MULHERES; CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICAS PARA MULHERES, 2015, p.15) No ano de 2015, encontra-se em processo no Brasil, uma mobilização pelas forças governamentais e não governamentais para a realização da 4ª Conferência de Políticas para Mulheres em âmbito nacional e também nos Estados e municípios. A 4ª Conferência Nacional de Políticas para Mulheres, e consequentemente as que ocorrerão nos Estados e nos municípios, propõem-se discutir as estratégias de fortalecimento das políticas para as mulheres e a democratização da participação das mulheres nas diversas esferas institucionais e federativas. 2- A pesquisa ação sobre o processo de organização e realização das Conferências na região de Paranavaí/PR 328 Tendo em vista o processo em curso em âmbito nacional, a pesquisa ação que vem sendo realizada pelo Grupo de Pesquisa Gênero, Trabalho e Políticas Públicas da UNESPAR/Campus Paranavaí, propõe-se realizar o acompanhamento das Conferências Municipais de Políticas para Mulheres na regional de Paranavaí/PR, para posterior sistematização e publicação a respeito da organização e realização dessas, com a perspectiva de dar subsídios aos processos que poderão se instalar a partir do no de 2015. As políticas públicas constituem-se em principal espaço de atuação profissional de diferentes profissionais inseridos/as na divisão social e técnica do trabalho. A política para mulheres, por ser transversal e necessariamente desenvolver-se intersetorialmente, é campo fértil para pesquisas que subsidiem as pesquisas acadêmicas, mas também os trabalhos multiprofissionais, bem como a atuação dos movimentos sociais, particularmente dos movimentos feministas e de mulheres que participam do processo de construção dessa política. A motivação para a realização da pesquisa sobre o processo de organização e realização das conferências municipais de políticas para mulheres na região de Paranavaí/PR pauta-se na direção dos estudos que vem sendo realizados no âmbito do Grupo de Pesquisa Gênero, Trabalho e Políticas Públicas (CNPQ). Como exemplo, é possível mencionar o mapeamento realizado no final do ano de 2013 sobre a violência doméstica em Paranavaí e região. O resultado dessa pesquisa foi publicado no Encontro Nacional de Pesquisa em Serviço Social realizado em Nata/RN em novembro de 2014. É possível considerar a relevância social da pesquisa, pois além da possibilidade de obter informações que serão sistematizadas para posteriores estudos ou implementação de diferentes processos, será possível que pesquisadores e pesquisadoras, docentes, discentes e profissionais, que são membros do grupo de pesquisa, participem ativamente de todo o processo que ocorrerá na região, pois a pesquisa pode ser considerada uma “pesquisa ação” através da sua dinâmica e construção coletiva. Além disso, constituir-se-á em 329 um processo diretamente ligado à ações coletivas em diferentes contextos da região de Paranavaí, bem como no seu conjunto. Ressalta-se então a relevância da pesquisa que tem como objeto de estudo “O processo de organização e realização das conferências municipais de políticas para mulheres na região de Paranavaí.” A pesquisa em questão tem como objetivo geral sistematizar o processo de organização e realização das conferências municipais de políticas para mulheres na região de Paranavaí. Os objetivos específicos se constituem em identificar no contexto da região, quais os municípios que realizaram a conferência de Políticas para Mulheres de acordo com as orientações do Conselho Nacional de Políticas para Mulheres; Participar ativamente das respectivas conferências para contribuir com o processo e obter dados que fomentarão os resultados da pesquisa; Atuar parceiramente com a Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social, órgão responsável pela mobilização para a realização das conferências na região; Descrever a dinâmica das conferências municipais na região de Paranavaí, detalhando aspectos dessas em cada município e na região como um todo; Refletir sobre o processo através da “pesquisa ação” e das sistematizações que serão processadas pelo grupo de pesquisa. Cabe ressaltar, de antemão, que o processo relacionado ao acompanhamento das conferências vem ocorrendo de forma dinâmica. A região de Paranavaí tem 29 municípios, sendo 27 de pequeno porte, um de pequeno porte II e um de médio porte. Ressalta-se a relevância da adesão dos municípios da região ao processo de realização das conferências, pois a parceria entre Escritório Regional do Trabalho e Desenvolvimento Social e Grupo de Pesquisa Gênero, Trabalho e Políticas Públicas motivou-os à organização de conferências nos municípios específicos ou no formato intermunicipal. O processo instaurado resultou na organização das conferências assim distribuídas: Municipais Paranacity: 14/08 Amaporã: 27/08; Terra Rica: 09/09 330 Alto Paraná: 15/09 Guairacá: 16/09 Paranavaí: 23/09 Intermunicipais Inajá, Paranapoema, Cruzeiro do Sul e Jardim Olinda: 02/09 Planaltina do Paraná e Santa Monica: 09/09 Santo Antonio do Caiuá e São João do Caiuá: 16/09 São Pedro do Paraná, Porto Rico e Loanda: 17/09 Santa Isabel do Ivaí e Santa Cruz do Monte Castelo: 23/09 Nova Londrina, Itaúna do Sul, São Carlos do Ivaí, Marilena e diamante do Norte: 24/09 Paraíso do norte, São Carlos do Ivaí, Tamboara, Nova aliança do Ivaí e Mirador: 25/09. Em todas as conferências mencionadas, foram eleitas/os delegadas/os para participarem da etapa estadual que ocorrerá em Curitiba nos dias 03, 04 e 05 de dezembro de 2015. CONCLUSÃO Como mencionado no texto, a pesquisa encontra-se em andamento e no início da sua operacionalização, pois a sistematização que dará a visibilidade do processo em seu conjunto, só será possível após o acesso por parte do Grupo de Pesquisa Gênero, Trabalho e Políticas Públicas aos relatórios específicos que serão fornecidos pelo Escritório da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social de Paranavaí/PR. No entanto, a dinâmica instaurada em toda a região de Paranavaí/PR, já demonstra que os resultados desse processo vem contribuindo para uma participação popular significativa através da mobilização de diferentes atores e atrizes pertencentes ao poder público e a sociedade civil. A sistematização desse processo coletivo por parte do Grupo de Pesquisa Gênero, Trabalho e Políticas Públicas deverá resultar em subsídios para a continuidade dos trabalhos e aperfeiçoado das políticas públicas para mulheres pelo conjunto das pessoas e instituições envolvidas em toda essa dinâmica que vem demonstrando a importância da luta por uma sociedade mais democrática, justa e igualitária. 331 REFERÊNCIAS BRASIL. Texto Base para a 4ª Conferência Nacional de Políticas para Mulheres. Secretaria de Políticas para Mulheres e Conselho Nacional de Políticas para Mulheres. Junho de 2015. ______. Decreto Presidencial de 30 de março de 2015. Convoca a 4ª Conferência Nacional de Política para as Mulheres estabelece quatro eixos centrais de debates. Publicado no Diário Oficial da União de 31/03/2015. JOVCHELOVITCH, S. Representações Sociais: para uma fenomenologia dos saberes sociais. Psicologia e Sociedade, v. 10, n. 1, p. 54-68, 1998. Paranavaí. Orientações para a Conferências Municipais e Estaduais das Políticas para Mulheres. Secretaria de Estado do Trabalho e Desenvolvimento Social. Escritório Regional de Paranavaí. 15 de julho de 2015. SOUZA, Rodriane de Oliveira. Participação e controle social. In: SALES, Mione Apolinário; MATOS, Maurílio de Castro; (orgs.). Política Social, Família e Juventude: Uma questão de direitos. São Paulo: Cortez, 2004. A ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS SOCIOASSISTENCIAIS NOS 29 MUNICÍPIOS REFERENCIADOS PELO ESCRITÓRIO REGIONAL DE PARANAVAÍ-PR Priscila Semzezem122 Thaís Gaspar Mendes da Silva123 122 Mestre em Serviço Social e Política Social pela Universidade Estadual de Londrina UEL, Docente do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná - UNESPAR, campus Paranavaí. E-mail: [email protected]. 123 Doutoranda em Serviço Social pela Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” - UNESP/Franca. Docente do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná - UNESPAR, campus Paranavaí. E-mail: [email protected]. 332 Juliana Carolina Jorge124 Nathalia Da Silva Araújo125 RESUMO Esse artigo é parte de duas pesquisas em andamento de Iniciação Científica UNESPAR - Paranavaí 2015-2016 que visam responder ao objetivo de identificar a organização dos serviços socioassistenciais nos 29 municípios referenciados pelo Escritório Regional de Paranavaí - Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social do Estado Paraná. Este trabalho, fruto de pesquisa quantitativa foi construído através do levantamento de dados do CENSO/SUAS (2014) e SAGI/MDS (2015) objetivando apresentar a construção de um panorama regional de organização dos serviços socioassistenciais, para tanto, apresenta um panorama da organização e da quantidade de serviços de assistência social no Brasil, no Paraná e na região administrativa do ER de Paranavaí-PR. PALAVRAS-CHAVE: PNAS; SUAS; Organização Serviços Socioassistenciais. INTRODUÇÃO Esse estudo faz parte de duas pesquisas em andamento sobre as condições de trabalho do assistente social na Proteção Social Básica e na Proteção Social Especial. É também, parte de pesquisa de Iniciação Científica 2015-2016 da Universidade Estadual do Paraná - Unespar, campus Paranavaí, que objetiva identificar a organização dos serviços da Política de Assistência Social nos 29 municípios de abrangência do Escritório Regional de Paranavaí Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social do Estado Paraná. Esse artigo tem como objetivo apresentar a organização dos serviços de assistência social ofertados nos municípios referenciados pelo Escritório Regional de Paranavaí/PR da Secretaria de Estado Trabalho e Desenvolvimento Social. Os municípios são: Alto Paraná, Amaporã, Cruzeiro do Sul, Diamante do Norte, Guairaçá, Inajá, Itaúna do Sul, Jardim Olinda, Loanda, Marilena, Mirador, Nova Aliança do Ivaí, Nova Londrina, Paraíso do Norte, Paranacity, 124 Estudante do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná campus Paranavaí e Bolsista PIBIC 2015-2016. E-mail: [email protected]. 125 Estudante do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná UNESPAR, campus Paranavaí e Bolsista PIBIC 2015-2016.E-mail: [email protected]. UNESPAR, 333 Paranapoema, Paranavaí, Planaltina do Paraná, Porto Rico, Querência do Norte, Santa Cruz do Monte Castelo, Santa Izabel do Ivaí, Santa Mônica, Santo Antônio do Caiuá, São Carlos do Ivaí, São João do Caiuá, São Pedro do Paraná, Tamboara e Terra Rica. Cabe ressaltar que o Estado do Paraná organiza política e administrativamente os seus 399 municípios através de 22 regiões denominadas Escritórios Regionais que são unidades descentralizadas para o assessoramento dos municípios. O Escritório Regional de Paranavaí-PR referencia os 29 municípios de sua região. (PARANÁ, 2015). Essa região, possui particularidades em seu território de abrangência, uma delas é que a 27 municípios da região são pequeno porte I com população de no máximo 20 mil habitantes, 1 município de pequeno porte II e 1 município de médio porte, que não ultrapassa 100 mil habitantes. Ainda, no que se refere ao Índice de Desenvolvimento Social (IDH), a região congrega índices que variam de 0,605 (São Pedro do Paraná) a 0,763 (Paranavaí). (IPARDES, 2015). Dessa forma, torna-se importante a realização desse estudo, pois, possibilitará retratar um panorama regional da organização dos serviços socioassistenciais, principalmente no âmbito de municípios de pequeno porte I, o que possivelmente servirá de subsídio para diversos debates e poderá contribuir em avanços para a política de assistência social em nível regional. A ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO POLÍTICA PÚBLICA E A ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS SOCIOASSISTECIAIS A Constituição Federal de 1988 inaugura um novo paradigma para Assistência Social, apontando para o seu status de política pública de proteção social, no campo da Seguridade, compondo junto a Saúde e a Previdência, o tripé da Seguridade Social brasileira. Logo, é reconhecida enquanto direito social e dever do Estado na sua garantia. Essa concepção rompe substancialmente com a lógica historicamente impregnada na trajetória da assistência social no Brasil, marcada pela caridade, benemerência, clientelismo, assistencialismo e focalização. 334 A assistência social foi regulamentada somente em 1993, através Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, que define a assistência social como direito do cidadão e dever do Estado, enquanto política de seguridade social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública, para garantir o atendimento às necessidades básicas. (BRASIL, 1993). Em 2004 ocorre a aprovação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) em reunião do CNAS (Conselho Nacional da Assistência Social) (Resolução n. 145, de 15 de outubro de 2004, publicada no Diário Oficial da União em 28 de outubro). Essa por sua vez, estrutura a assistência social em níveis de proteção social a partir da perspectiva socioterritorial (considera as diversidades locais e regionais), tendo como base de referência a família e socialização primária. As mudanças ocorridas a partir de 2004 regulamentam a PNAS por meio da configuração no campo da proteção de um Sistema Único de Assistência Social – SUAS, que prevê a articulação de serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais, hierarquizados por níveis de gestão de acordo com a complexidade da proteção a ser garantida e do porte de cada município da federação. É um sistema público não contributivo, descentralizado e participativo, que tem por função a gestão do conteúdo específico da assistência social no campo da proteção social brasileira. Em 2009 aprova-se a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (Resolução nº 109/2009). Nesta, os serviços e programas assistenciais são divididos por nível de complexidade do SUAS. No nível de Proteção Social Básica estão os Serviços de Proteção e Atendimento Integral a Família-PAIF; Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos-SCFV; e o Serviço de Proteção Social Básica no domicílio para pessoas com deficiência e idosas. A Proteção Social Especial é subdividida em dois níveis: média e alta complexidade. Na média complexidade a responsabilidade pela oferta dos Serviços de Proteção Especial a indivíduos e Famílias - PAEFI; Serviço Especializado em Abordagem Social; Serviço de Proteção Social a Adolescentes 335 em Cumprimento de Medidas Socioeducativa de Liberdade Assistida- LA, e de Prestação de Serviços à Comunidade-PSC; Serviço de Proteção Especial para pessoas com Deficiência, Idosas e suas Famílias; Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua. Na alta Complexidade estão os Serviços de Acolhimento Institucional, dividido nas seguintes modalidades: Abrigo Institucional, Casa-Lar, Casa de Passagem e Residência Inclusiva; Serviço de Acolhimento em República; Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora; Serviço de Proteção em Situações de Calamidades Públicas e de Emergências. Após uma década da construção da PNAS e do SUAS, percebe-se que política de assistência social teve grandes avanços no que se refere a organização e capilaridade dos serviços em todo território nacional, mas, cabe ressaltar que é um processo em movimento e que possui suas contradições. A ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS NOS 29 MUNICÍPIOS REFERENCIADOS PELO ESCRITÓRIO REGIONAL DE PARANAVAÍ - PR A organização e a disponibilidade dos serviços ofertados refletem diretamente o acesso e cobertura da proteção social a população. A proteção social, por sua vez, deve ser entendida como direito, tendo a compreensão de que a vulnerabilidade social significa, além de ausência de renda, condições desiguais de vida. Ela deve causar impactos, através de mudanças de vida na população, se universalizando, trazendo debates em diversas áreas, ampliando a cobertura de todas as políticas sociais a todos que delas necessitarem, para que realmente se efetive como direito social que garanta “[...] o estabelecimento de um compromisso social em torno da garantia de proteção a riscos e vulnerabilidades estendida a toda a população”. (JACCOUD, 2009, p. 13). A responsabilidade de prover a proteção é do Estado, por meio de ações públicas específicas, e que se propõe a enfrentar situações de risco e de privações, uma vez que “[...] A proteção social pode ser definida como um conjunto de iniciativas públicas ou estatalmente reguladas para a provisão de serviços e benefícios sociais visando enfrentar situações de risco social ou privações sociais”. (JACCOUD, 2009, p. 58). 336 A proteção social expressa e que deve ser operada pela PNAS envolve um conjunto de seguranças: segurança de acolhida, segurança social de renda, segurança de convívio, segurança de desenvolvimento de autonomia e segurança de benefícios materiais ou em pecúnia. Contudo, para que as seguranças sociais se efetivem e promovam a proteção social é necessária a articulação de serviços e benefícios. Nesse sentido, conforme explica Sposati (2011), o benefício precisa estar vinculado a um conjunto de serviços, pois, o modelo de gestão além de cadastrar beneficiários, necessita vincular territorialmente os benefícios a um conjunto de serviços que fortaleçam as condições do cidadão. Nesse sentido, esse estudo apresenta a organização dos serviços cofinanciados pelo Governo Federal nos municípios referenciados pelo ER de Paranavaí, retratando o panorama da região que possui 246.526 mil habitantes, o que representa 2,36% da população do Estado do Paraná (PARANÁ, 2015). Desses 29 municípios da região, 27 são municípios de pequeno porte I, ou seja, com população até 20 mil habitantes, 1 município de pequeno porte II, com população de 20.0001 a 50.000 mil habitantes e 1 município de médio porte, com população de 50.001 a 100 mil habitantes. (PNAS/2004). Em termos de organização dos serviços socioassistenciais de proteção social básica, em nível nacional, o último relatório divulgado em abril de 2015 Censo SUAS (2014) - demonstra que a Proteção Social Básica é constituída no país por 8.088 CRAS. Destes, 6,9% estão localizados no Estado do Paraná, que possui atualmente 555 CRAS e na região objeto de estudo tem-se 29 CRAS em funcionamento, o que representa 5,22% do número de unidades do estado do Paraná. Ainda, levantou-se que das 8.088 unidades, 1.471 não possuem cofinanciamento Federal, sendo que 2 destes CRAS estão localizadas na região do ER de Paranavaí. Em relação à quantidade de CRAS por porte de município, constatou-se que 3998 (49,4%) se localizam em municípios de pequeno porte I, 1426 (17,6%) em municípios de pequeno porte II, 763 (9,4%) em municípios de médio porte, 1496 (18,5%) em municípios de grande porte e 405 (5,0%) em metrópoles. 337 O levantamento revela ainda que em termos nacionais mais de 90% das unidades oferecem atividades relacionadas ao Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), o que abrange o acompanhamento 1.708.372 de famílias. Na região, 100% dos municípios desenvolvem o serviço PAIF. No que tange ao Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), a pesquisa sinaliza que 88,9% dos CRAS oferecem o serviço, o que corresponde a 7.189 CRAS, enquanto que, apenas 899 unidades não ofertam tal serviço. No Estado do Paraná 1.456 unidades de CRAS desenvolvem o SCFV e em nível regional constatou-se que os 29 municípios desenvolvem o serviço. Verificou-se por meio da SAGI (2015), que em nível regional nenhum dos municípios possui o financiamento Federal para o desenvolvimento do Serviço de Proteção Social Básica no domicílio para pessoas com deficiência e idosas, o que possivelmente reflete para o não desenvolvimento de todos os serviços de proteção social básica, conforme expresso na Tipificação dos Serviços socioassistenciais. (2009). No âmbito da Proteção Social Especial, a quantidade de CREAS existentes no Brasil é de 2.372 unidades. Destes, 156 destes estão localizados em municípios do Estado do Paraná e 04 em nível regional, que corresponde 5,93% do total de unidades do país. O Censo SUAS (2014) aponta que o total de casos (famílias ou indivíduos) acompanhamento pelo Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI) em nível nacional em agosto de 2014 foi de 228.052, o que corresponde a uma média de 101,1 casos por unidade de atendimento - CREAS. No Paraná são 2.171 unidades de CREAS que desenvolvem o serviço PAEFI e na região são 03 unidades, que corresponde a 7,9% do Paraná. Verifica-se assim, que dos 04 CREAS em funcionamento na região, apenas 1 não desenvolve o PAEFI. O serviço Especializado em Abordagem Social é realizado por aproximadamente 38% dos CREAS brasileiros, ou seja, por 913 unidades, contudo, apenas 413 CREAS possuem equipe exclusiva para Abordagem 338 Social. Ainda, na região pesquisada, nenhum dos municípios desenvolvem este serviço com co-financiamento Federal (SAGI, 2015). Acerca do atendimento a situações de famílias com adolescentes em cumprimento de Medida Socioeducativa PSC e LA, no âmbito do PAEFI, 83,7% dos CREAS do Brasil possuem esse tipo de atendimento co-financiado, enquanto que 16,3% não. (CENSO SUAS, 2014). Em âmbito estadual são 1.456 unidades que desenvolvem o serviço, enquanto que, na região há 18 municípios com co-financiamento para do serviço de PSC, o que não necessariamente representa que o serviço se desenvolva no CREAS, visto que, apenas 04 municípios da região possuem essas unidades de atendimento. Quanto ao Serviço de Proteção Social Especial para pessoas com deficiência, idosos e famílias, o Estado do Paraná possui co-financimento Federal para 3474 municípios. Na região, 17 municípios possuem cofinancimento para esse tipo de serviço (SAGI, 2015). No que se refere ao Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua, constatou-se que nenhum dos 29 municípios possui co-financiamento Federal para o desenvolvimento desse serviço. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da PNAS/2004, SUAS/2005 e as regulações recentes da assistência social, observa-se a capilaridade da oferta de serviços da assistência social em todo o território nacional, cabe ressaltar que os Estados e regiões possuem particularidades em relação a cobertura e quantidade de oferta dos serviços. No que se refere a região pesquisada verificou-se que em todos os municípios da região possuem CRAS e recebem co-financiamento federal para o desenvolvimento dos serviços PAIF e SCFV. Ressalta-se que através da pesquisa identificou-se que não há o co-financiamento federal para o desenvolvimento do serviço de acompanhamento de idosos e deficientes na proteção básica. 339 No que se refere a proteção social especial a pesquisa demonstrou que nos 29 municípios referenciados pelo ER-Paranavaí existem apenas 4 CREAS co-financiados e apenas 3 desenvolvem o PAEFI e nenhum deles possui cofinanciamento para a oferta do serviço de abordagem de rua. Em relação ao serviço de medida socioeducativa – PSC e LA, 62% dos municípios da região recebem o cofinanciamento para o serviço PSC, ainda, 58% recebem para o desenvolvimento do serviço de proteção especial para pessoas com deficiência, idosos e famílias e nenhum deles possuem co-financiamento para o serviço de abordagem de rua. Cabe ressaltar que esse artigo deriva-se de pesquisa em andamento e representa o primeiro contato com o objeto de estudo. O levantamento apresentado, ainda que neste primeiro momento demonstre apenas a oferta dos serviços de assistência social com co-financiamento federal, o objetivo do projeto de pesquisa em andamento visa construir um retrato da organização dos serviços socioassistenciais nos 29 municípios da região administrativa do ER de Paranavaí – PR, tanto em termos de serviços co-financiados, quanto em relação à quantidade e organização daqueles executados por recursos próprios municipais. Para tanto, requer a realização de pesquisa in loco que poderá possibilitar uma reflexão mais aprofundada sobre o tema. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição Federal de 1988. BRASIL. Lei nº. 8.742, de 07 de dezembro de 1993. Cria a Lei Orgânica da Assistência Social. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 1993. ______. Política Nacional de Assistência Social (PNAS). 2004. ______. Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais. Brasília, 2009. ______. Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS). 2014. ______. Censo SUAS 2014. Brasília, 2015. 340 IBGE. Pesquisa de Informações Básicas Municipais: perfil dos municípios brasileiros. Assistência Social 2010. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/saladeimprensa/boletim-eletronico/informativosuas/023/pesquisa-munic.pdf/view?searchterm=munic.> Acesso em: 09 abr.2015. IPARDES. Pesquisa de indicadores: IDH. Disponível em: http://www.ipardes.gov.br/index.php?pg_conteudo=1&sistemas=1&cod_sistema =5&grupo_indic=2 Acesso em: 25 set.2015. JACCOUD, Luciana. Proteção Social no Brasil; Debates e Desafios; MDS, UNESCO, Nov, 2009, p. 57-86. __________. A consolidação da Seguridade Social e os desafios da Assistência Social. In: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação. Cadernos de Estudos Desenvolvimento Social em Debate. – N. 11. Brasília, 2009. PARANÁ. Secretaria de Trabalho de Desenvolvimento Social do Estado do Paraná. Escritórios Regionais. Disponível em: http://www.desenvolvimentosocial.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?c onteudo=526Acesso em: 26 abril 2015. SPOSATI, Aldaísa. Assistência Social em Debate: Direito ou Assistencialização? In: CFESS. O trabalho do/a Assistente social no SUAS: seminário Nacional. Brasília: CFESS, 2011. SAGI. Pesquisa de informações: Informações Municipais. Disponível em: http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/portal/ Acesso em: 21 set.2015. 341 SERVIÇO SOCIAL E MEIO AMBIENTE: UMA ANÁLISE DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA CONTEMPORÂNEA 126Katia Helena Pereira Gall RESUMO O presente trabalho propõe uma análise sobre o serviço social e o Meio Ambiente quanto à produção científica contemporânea brasileira, de acesso livre on-line, destacando as Revista Serviço social & Sociedade e Revista Kátalysis com avaliação “Qualis A1”, definida pela CAPES. Temporalmente, a pesquisa parte entre os anos 2003 a 2014, período dos artigos disponibilizados pelas revistas selecionadas. Esse período, também é marcado por uma maior problematização e necessidade de mudanças frente à degradação ambiental e as séries de desastres ambientais que marcaram o mundo. Nesta reflexão, a relação entre o homem e a natureza, parte de uma associação indissolúvel para 126 Assistente Social, graduada pela Universidade Cândido Mendes- RJ. Atualmente, cursando pós-graduação em: Assistência a usuários de álcool e drogas – PROJAD/IPUB- UFRJ. 342 a preservação e manutenção da vida. Ao mesmo tempo, constatamos que a inserção do assistente social nesse contexto ocorre como uma das variadas demandas emergentes das expressões da questão social e que requer urgência de pesquisa e intervenção na área. Conclui-se que as produções, dentro do universo de estudo analisado, ainda são ínfimas, diante da necessidade de enfretamento da barbárie capitalista ecológica. Palavras-Chaves: Serviço Social. Meio Ambiente. Produção Científica. Introdução Existe uma crise ambiental que a cada momento vem tomando proporções grandiosas. Há muito tempo a natureza vem demonstrando sua fúria com relação às ações inconsequentes e ambiciosas do homem: desmatamento, poluição, aquecimento global, degradação ambiental, contaminação, queimadas. A partir do surgimento do sistema capitalista e das relações sociais desarmônicas e conflituosas envolvendo a burguesia e o proletariado, a “Questão Social” tornou-se um desafio aos povos em termos econômicos e políticos. A questão social atinge os diferentes países, com menor ou maior intensidade conforme suas conjunturas, “[...] através de outras noções como pobreza, precariedade econômica, carência, desigualdade e exclusão” (JAMUR, 1997, p.183). O meio ambiente, enquanto uma expressão da questão social pode ser compreendido como “tudo aquilo que cerca ou envolve os seres vivos e as coisas, incluindo o meio sociocultural e sua relação com os modelos de desenvolvimento adotados pelo homem” (LEAL 2007, p.107). No entanto, a equidade dos meios de vida, a preservação dos recursos naturais não é partilhada equilibradamente. O uso crescente dos recursos naturais da sociedade industrial provocou desequilíbrios tantos sociais quantos ambientais. As preocupações ao longo da existência humana, devido à escassez dos recursos naturais, vêm despertando atenções dos diferentes espaços do globo. A apropriação da 343 natureza pelo homem está inserida numa forma social. O homem detém o poder de modificar a natureza, de modificar o comportamento da sociedade. O processo de analisar essas modificações e atuação por um aspecto político frente à crise ambiental iniciou-se no século XX, com participação dos movimentos sociais. As transformações decorrentes desses movimentos instituíram-se na organização política e econômica da sociedade, denominandose de “revolução ambiental”. Essa preocupação emergiu ainda no final do século XIX, e se aprofundou após a Segunda Guerra Mundial, com importantes e significativas mudanças em nível global. A consciência ambiental127 desperta um questionamento da ciência e da tecnologia, estas avançavam rapidamente diante da atividade produtiva no sistema capitalista. As décadas de 1960 e 1970 demarcaram uma profunda preocupação da sociedade, frente ao desenvolvimento econômico e o meio ambiente. No Brasil a atuação dos movimentos ambientais entorno dessa problemática ocorre a partir dos anos 1970, manifestando-se de diversas formas: mobilizações, recursos (materiais e intelectuais), produções de conhecimentos, problematizando e buscando perspectivas de soluções em relação ao tema (BERNARDES & FERREIRA, 2012). Nos anos 1980, os movimentos sociais em prol do meio ambiente aparecem na cena pública, visando à relação homem/natureza “ocasionado por todo um conjunto de processos econômicos, políticos, jurídicos, sociais e culturais- de forma que a questão socioambiental se materializa enquanto questão social no país” (SAUER & RIBEIRO, 2012, p.391). Diante desse contexto, em 31 de agosto de 1981, foi estabelecia a Lei n° 6.938, com a finalidade de definir e implementar a Política Nacional do Meio Ambiente. No inciso I, do artigo 3º, na qual define o Meio Ambiente como "o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (BRASIL, 1981). Este A consciência ambiental deriva da constatação trágica de que o meio ambiente não é um” bem público puro” (OLSON,1965). Em outras palavras, o consumo individual de recursos ambientais implica diminuição de recursos para a sociedade como um todo. A ameaça à sua disponibilidade como bem público torna, então, o meio ambiente um problema social (FUKS, 2001). 127 344 processo contribuiu com “A Constituição de 1988, que foi a primeira a tratar especificadamente da questão ambiental” (CUNHA & COELHO, 2012, p.53). Primeiras anotações sobre a inserção do Serviço Social na temática do Meio Ambiente A problemática ambiental tem sido apresentada a diversas áreas do conhecimento. Portanto, o serviço social também se posiciona ao tema e abre novos questionamentos. O serviço social é uma profissão de inserção em espaços políticos e estratégicos, ligado à ideia de cidadania e igualdade social. Nessa perspectiva, Pereira (2007), aponta que a profissão possui fortes vínculos com a temática ambiental, e aos ideais ambientalistas, na busca por uma sociedade sustentada no equilíbrio social e natural. Além disso, o papel do assistente social está inserido no de mediador entre o “ecológico” e o “social”, ou seja, de intermediar as relações “[...] entre o ser humano e seu meio, entre o cidadão e a sociedade, contribuindo como [...] facilitadores sociais de uma nova cultura: a participação social” (IRIGALBA, 2011, p. 17). Dentro desse âmbito, Silva (2012), o conjunto CFESS/ CRESS, intensifica que o serviço social está atento para dinâmica, e contribuindo de forma crítica e ética frente às possibilidades do projeto profissional da profissão a ser inserido no amplo debate acerca das questões ambientais. De acordo com Gomez, Pérez e Aguado (2011), o assistente social, a partir de sua atividade profissional, pode contribuir para a melhoria do entorno. Como ponto de partida, o I Congresso de Serviço Social e Meio Ambiente, através dos patrocinadores, assumiram uma tarefa de criar/ recriar consciência no âmbito humano que lhes compete, nas formas de pensar e agir de nossa sociedade. (LIBRERO, VÉLEZ E SANCHEZ 2011). Quando o homem modifica seu habitat natural para o meio modificado, ele ascende novas necessidades ao seu modo de vida, ou seja, a partir do meio modificado o homem altera os recursos naturais às necessidades do mercado que visa o crescimento econômico. Essa alteração no habitat natural aguça a problemática ambiental, a escassez dos recursos naturais em favor da sociedade de consumo (IRIGALBA 2011). 345 O profissional de serviço social está capacitado para analisar a dinâmica social, no contexto que requer uma ação interventiva pautado na visão crítica da realidade dos atores sociais (ROCHA 2013). Análise da produção teórica do Serviço Social Brasileiro sobre o tema Meio Ambiente Este trabalho trata-se de uma análise da contribuição da produção científica do Serviço Social Brasileiro na contemporaneidade referente à inserção do assistente social na temática ambiental. Recortamos o nosso estudo a partir dos periódicos científicos de acesso livre online, com qualificação “Qualis” A1, na área do Serviço Social, definidos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), especificados: Revista Serviço Social & Sociedade e Revista Kátalysis. O tema do meio ambiente é uma discussão recente no universo do serviço social, entra em cena, decorrente de um processo histórico de apropriação dos recursos naturais e degradação do meio ambiente. Para sistematização do tema, a pesquisa bibliográfica, como base para análise metodológica das produções cientificas contemporâneas. Gil (2014), a principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside na possibilidade de permitir ao investigador a abrangência de uma gama de fenômenos do que poderia pesquisar diretamente. Dentro desse âmbito, esse tipo de pesquisa requer um refinamento na obtenção de uma bibliografia adequada e de relevância nos meios acadêmicos e científicos. A visibilidade da produção científica, por meio da informação, demanda a produção de novas pesquisas, além da disseminação do conhecimento produzido e sua aplicabilidade na realidade social. Assim, conforme Chalhub e Guerra (2011, p. 186): “[...] pesquisa científica é conferido o aspecto social por meio da troca de informação entre pares. É na comunicação que a ciência se torna um fato social”. 346 O Código de Ética Profissional128 (1993, p. 34), do Assistente Social, promulga dentre seus princípios fundamentais “Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional”. Portanto, esse princípio elenca o aprimoramento científico e profissional dando visibilidade a profissão. Ressaltase que, a Lei n° 12.527/2011129, regulamentou o direito constitucional de acesso às informações públicas ao cidadão, no exercício pleno de acesso, previsto na Constituição Federal 1988. A Lei define dentre outros, prazos e procedimentos para a socialização das informações. Além disso, determina a divulgação mínima do rol de informações a serem disseminadas por meio da internet, em acesso livre. Nesse sentido, democratização ao a socialização acesso das dessas informações publicações, científicas explicita a inerentes à pesquisadores, estudantes e a todos que objetivam o conhecimento científico. Com base na Avaliação Trienal CAPES, documento de área (2013)130, o Estrato A1 classificado como de qualidade e excelência, utilizou-se as Revistas Katálysis e Serviço Social & Sociedade, como base para pesquisa bibliográfica/procedimento metodológico. Para responder o objetivo do trabalho faz-se fundamental a análise das produções teóricas encontradas. A revista Katálysis é dirigida ao Programa de Pós-graduação em Serviço Social e Curso de Graduação de Serviço Social É direcionado aos profissionais do Serviço Social e áreas afins, pesquisadores, professores e segmentos da sociedade civil e política. Iniciou a disponibilidade de publicações em acesso livre online no ano de 1997. Contabiliza-se até o ano de 2014: 251 periódicos em espaços temáticos. Todavia, para discussão e problematização 128 Referência a um dos onzes princípios fundamentais do Código de Ética Profissional dos Assistentes Sociais. Assistente Social: Ética e Direitos – Coletâneas de Leis e Resoluções.v.1. CRESS -7° Região/ junho 2008. 129 Lei de Acesso à Informação, n° 12.527 de 18 de novembro de 2011, sancionada pela Presidenta da República Dilma Roussef. 130 Dados obtidos dentro do documento de área 2013 de Serviço Social da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Diretoria de Avaliação. Disponível:http://www.capes.gov.br/images/stories/download/avaliacaotrienal/Docs_de_area/Se rvi%C3%A7o_Social_doc_area_e_comiss%C3%A3o_16out.pdf 347 foram identificados 15 artigos sobre a temática ambiental, iniciando-se no ano de 2003. O primeiro periódico, no ano de 2003, na revista v.6, n.2, com o título: “Cidade, participação, transformação”, explicita uma problematização em torno da questão ambiental, especificamente na expansão da questão urbana. Os autores já traziam à tona questões estruturais dos espaços. Os questionamentos eram acerca das gestões dos órgãos públicos. Totalizando (03) artigos. Decorrido um longo período, no ano de 2010, a revista publicou (01) artigo, em torno da temática ambiental: “A classe social entre parênteses? O caso da Aldeia Gay em Buenos Aires”, associando o tema meio ambiente e as desigualdades e gênero na edição: v.13n.1. No ano de 2011, a revista não disponibilizou artigos sobre o tema. No entanto, a produção do ano de 2012, direcionou-se ao tema por meio de um uma edição temática, intitulada: “Relações sociais, desenvolvimento e questões ambientais”, com (10) artigos v.15, n.1, retornando uma “tomada de consciência” aos assuntos relacionados a questionamentos e reflexões sobre a problemática ambiental. No ano de 2013, a temática não obteve expressividade nos periódicos, contabilizando, (01) artigo para discussão: “Mulheres e lutas socioambientais: as interseções entre o global e o local”, v.16, n.2. No ano de 2014, não contabilizou publicações sobre o tema. Constata-se após análise, que a maioria dos autores que abordaram o tema meio ambiente é da Universidade Federal de Santa Catarina. Cabe a ressalva, que a revista é dessa região. Contudo, os autores publicaram uma única vez. Dessa forma, avalia-se mais um ponto crítico na baixa produção científica sobre o tema. Destaca –se os descritores mais recorrentes: (05) meio ambiente; (04) natureza; (04) questão ambiental (02) desenvolvimento sustentável. Diante da análise bibliográfica, observa-se que a temática ambiental é um tema de pouca visibilidade disseminado cientificamente na referida revista. É relevante esse resultado, dado a atual conjuntura que retrata fatos alarmantes referentes as questões ambientais. Essa análise sistematizada, explicita a urgência e a articulação da categoria com a temática ambiental através da 348 produção e socialização nos meios acadêmicos e científicos, de um tema inerente à preservação da vida humana. A Revista Serviço Social & Sociedade, que foi criada em 1979 na versão impressa e passou a ter acesso livre online a partir de 2010. Na análise realizada nos periódicos de acesso constata-se que a revista disponibilizada online, possui em seu acervo a soma de 162 artigos publicados entre os anos de 2010 a 2014. Em adição, a revista possui 04 edições anuais. No entanto, foram publicados somente 04 periódicos sobre o tema meio ambiente e seus termos afins. No ano de 2010, o primeiro periódico de acesso livre abordou a ecologia de esquerda, o ecossocialismo, no qual o autor brasileiro Löwy, destaca as mudanças às reformas ecossociais. No segundo artigo em 2011, ênfase as cooperativas de catadores de materiais recicláveis, associando as condições precárias de trabalho, capitalismo a temática ambiental. Uma nova publicação no ano de 2013, destaca uma reflexão sobre o pensamento de Marx, Engels e Lukács associando o gênero humano a natureza, a partir da abordagem e aprofundamento teórico desses autores. No ano de 2014, o periódico, destaca a discussão sobre meio ambiente e a pesca artesanal. Verifica-se descritores recorrentes ao tema: Ecos socialismo; ambiente; meio ambiente; Ecossocialista e Esquerda Ecológica. Diante disso, constata-se em relação aos temas abordados, autores embasados e renomados. Todas as contribuições foram em nível nacional. Com destaque para Michael Löwy, brasileiro radicado na França. Conclusão O presente trabalho permitiu uma breve análise parte da contribuição científica contemporânea do Serviço Social na temática do meio ambiente. Verifica-se a importância da disseminação de informações, que venham contribuir a novos questionamentos e busca de soluções que efetivamente venham combater a barbárie ambiental. E como tal sistematizar toda a problemática como oriunda de um sistema capitalista, que vem dizimando a terra em prol dos lucros. De tal forma que toda sequela deste sistema, alarga mais as 349 expressões da Questão Social.Com base nas análises, constata-se que ambas revistas disseminam pesquisas de diversas áreas do conhecimento, todavia, poucos questionamentos acerca da urgência em decisões para o enfrentamento da questão socioambiental foram encontrados. Pôde-se constatar que as contribuições cientificas do Serviço Social ainda são ínfimas na temática ambiental, decorrente de uma recente, porém significativa inserção, no entanto necessita ser ampliada, elevando a contribuição e atuação na temática do meio ambiente em defesa dos sujeitos sociais e ao meio em que vivem. No desenvolvimento da pesquisa, questão norteadora como: “o que o serviço social pode contribuir na perspectiva de garantias de direitos, e transformar essa realidade que assola todo o globo? ”. Pois bem, a resposta não se finda nessa pesquisa, porém o assistente social pode sim contribuir no seu exercício profissional, lutar pela conscientização dos direitos coletivos, inseridos nesse universo da conscientização e preservação ambiental, no propósito de um meio ambiente mais saudável no exercício da cidadania, e no pleno direito à vida. Referências: BERNADES, A.J; FERREIRA, M.P.F. Sociedade e Natureza. In: CUNHA, B.S; GUERRA, B.S.A Questão Ambiental: Diferentes Abordagens.8°ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012. BULLA, L, C. Relações sociais e questão social na trajetória do serviço social brasileiro. In: Revista Virtual Textos & Contextos, n.2, p.8-10. Dez, 2003. CAPES. Disponível em: http://www.capes.gov.br/. Acesso em: maio.2015. 15 FUKS, M. A formação do sentido local do meio ambiente. In: Conflitos Ambientais no Rio de Janeiro: ação e debate nas arenas públicas. Rio de Janeiro: UFRJ, 2001. FUKS, M.O meio ambiente como bem público In: Conflitos Ambientais no Rio de Janeiro: ação e debate nas arenas públicas. Rio de Janeiro: UFRJ, 2001. GÓMEZ, D, A, J. AGUADO, V, O. PÉREZ, G, A J. A. Serviço Social e Meio Ambiente, São Paulo: Cortez, 2011. GUERRA, E. C; GUIMARÃES, M. C. R; DA SILVA, R. C. A QUESTÃO URBANA E A PRODUÇÃO ACADÊMICA DO SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO EM FOCO. Temporalis, [S.l.], v. 2, n. 24, p. 191-214, nov. 2012. ISSN 2238-1856. 350 Disponível em: <http://periodicos.ufes.br/temporalis/article/view/3132>. Acesso em: 18 Abr. 2015 IRIGALBA, C.A. A prática da ecologia social: a necessidade de integrar o social e o ecológico. In: Serviço Social e Meio Ambiente. 4.ed. São Paulo: Cortez, 2005. JAMUR, M. La Nouvelle Question Sociale. Repenser L´État- Providence. Estudo de política e Teoria Social. V.1, n.1. Praia Vermelha. 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In: simpósio internacional de ciências integradas universidades de Ribeirão Preto, UNAERP. – Campus Guarujá. 351 SENSIBILIZANDO PARA EDUCAR NAS POLÍTICAS PÚBLICAS – RELATO DA PRÁTICA Marialda Esmanhotto RESUMO O presente trabalho tem como eixo norteador a práxis realizada através de encontros com Educadores Sociais de Abrigo Institucional para Adolescentes, no período compreendido de julho a novembro de 2015. O objetivo foi aproximar à práxis da teoria, além de intensificar a importância do Educador Social junto à Política de Assistência Social, oportunizar a socialização de informações e o trabalho interdisciplinar. A metodologia utilizada se formalizou através da “educação problematizadora”, libertadora e que favorece a aproximação da realidade vivenciada pelos educadores e da reflexão acerca da prática. Quando nos referimos a Educação Popular e Educação Problematizadora e as relações que são estabelecidas entre o refletir, agir e buscar respostas na própria realidade, só poderíamos utilizar como referencial teórico o educador Paulo Freire. Sendo educador que trabalhou no meio dos oprimidos, dos excluídos e a partir da realidade aponta caminhos que podem ser trilhados no sentido de discutir uma proposta educacional voltada a emancipação humana. Palavras-chave: Educadores Sociais; Abrigo Institucional para Adolescentes; Trabalho interdisciplinar. INTRODUÇÃO Convivemos em uma sociedade capitalista, que é moldada por uma cultura individual e segue regulamentos determinados pelo incentivo da 352 globalização, que promove modificações nas relações que refletem diretamente no âmbito familiar, educacional e social. Diante disso, educar se torna uma arte e nesse contexto tão atribulado encontramos o Educador Social como um profissional que atua diretamente com usuários em situação de vulnerabilidade social e com direitos violados. Desempenhar funções de educador junto a crianças, adolescentes e familiares não é uma tarefa fácil e além do mais, estes apresentam maneiras, condutas ímpares, próprias do ser humano e assim trazem consigo valores, experiências e culturas intrínsecas que podem interferir na atuação e no papel a ser desenvolvido pelo Educador Social. Assim, inicialmente através da escuta qualificada junto aos Educadores Sociais que atuam diretamente na Proteção Social Especial de Alta Complexidade, destacando Abrigo Institucional para Adolescentes, se verificou a necessidade da realização de um trabalho contínuo de capacitação. Partindo da definição de que Abrigo Institucional, Serviço que oferece acolhimento provisório para crianças e adolescentes afastados do convívio familiar por meio de medida protetiva de abrigo (ECA, Art. 101), em função de abandono ou cujas das famílias ou responsáveis encontram-se temporariamente impossibilitados de cumprir sua função de cuidado e proteção, até que seja viabilizado o retorno ao convívio com a família de origem ou, na sua impossibilidade, encaminhamento para família substituta. (BRASIL, 2009). Dentro da realidade apresentada foram elencados eixos temáticos a serem socializados com os Educadores Sociais, sendo: cuidados com quem cuida; o papel do educador, as competências (formas de intervenção, reflexões sobre os problemas que surgem no cotidiano profissional), o relacionamento educador e educando; o educador social e os familiares; legislações que envolvem a temática além da Política Nacional de Assistência Social (PNAS/2004), o Sistema Único de Assistência Social (SUAS/2005), a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistencias (2009), as Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes (2009) e o Estatuto da Criança e Adolescentes (ECA/1990). 353 Os Educadores Sociais possuem uma grande relevância no cenário profissional brasileiro, principalmente no âmbito social, peças importantes em equipes interdisciplinares juntamente com assistentes sociais, psicólogos, pedagogos, advogados, dentre outros profissionais que atuam junto as Políticas Públicas. DESENVOLVIMENTO Quando falamos em capacitações tomamos como referencial teórico as Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes (2009) que, estabelece: investir na capacitação e acompanhamento dos educadores, assim como de toda a equipe que atua nos serviços de acolhimento – incluindo coordenador, equipe técnica e equipe de apoio – é indispensável para se alcançar qualidade no atendimento, visto se tratar de uma tarefa complexa, que exige não apenas “espírito de solidariedade”, “afeto” e “boa vontade”, mas uma equipe com conhecimento técnico especializado. (BRASIL, 2009). Mesmo acontecendo capacitações aos Educadores Sociais, ainda observou-se a necessidade de um trabalho condizente com a realidade, onde a Assistente Social da Divisão de Proteção Social Especial (DPSE) realizou uma “escuta qualificada” junto aos mesmos. Para a realização da “escuta qualificada” foi elaborado um roteiro pré estabelecido de perguntas que oportunizaram que os educadores pudessem expor suas opiniões pertinentes, as suas funções dentro do Abrigo, apresentar situações que vivenciaram com famílias dos adolescentes e que marcaram o trabalho tanto positivo/negativo, como o educador percebe o adolescente que está acolhido, se tem conhecimento do trabalho executado pela equipe técnica e demais dificuldades ou entraves que pudessem prejudicar o desenvolvimento de seu trabalho. Desta maneira se optou em desenvolver uma capacitação baseada no cotidiano. Tomou-se cuidado em não chamar o trabalho de “capacitação” e sim de “sensibilização”, pois o mesmo veio para resgatar valores, aspectos culturais, o cuidar de quem cuida, o papel e o perfil do educador, bem como, apresentação 354 do serviço, suas especificidades e regras, além das legislações pertinentes as Políticas Públicas. Assim, com intuito de nortear o trabalho foi elaborado um projeto piloto, “Sensibilizando para Educar no âmbito das Políticas Públicas”. Onde foram estipulados “encontros” com os Educadores Sociais que tiveram como propósito uma abordagem de reflexão e análise, a partir da valorização da riqueza da experiência, assim como de todos os conhecimentos que estão embutidos nessa vivência e dão significados a ela. Nos encontros os Educadores Sociais puderam expor livremente as suas dificuldades, os desafios e entraves encontrados no cotidiano profissional e na experiência em como lidar com crianças e adolescentes. O importante é que os próprios Educadores puderam sinalizar os “problemas” e sugerir “soluções” para as situações apresentadas, sendo uma construção coletiva e um trabalho de equipe, através de “roda de conversa”. Estes encontros se baseiam na educação problematizadora que exige a superação da contradição educadora e educandos, sendo que, ao processo educativo problematizador cuja finalidade é a libertação da consciência oprimida, cabe a gestação da dialogicidade, uma vez que o homem é concebido como um ser da comunicação e que através do diálogo ele se comunica com o mundo e com os outros homens. Para tanto, o sujeito cuja consciência passa pelo processo de libertação e busca “ser mais” sente a necessidade de aprender e ensinar a dialogar. Uma vez que, a antidialogicidade e a dialogicidade são maneiras de atuar contraditórias, portanto, implicam em teorias igualmente inconciliáveis. (FREIRE, 1980). Os encontros foram elaborados e ministrados pela Assistente Social da Divisão de Proteção Social Especial (DPSE). Os recursos materiais e didáticos foram elaborados através de consultas bibliográficas, manuais, orientações e legislações pertinentes as Políticas Públicas existentes. Quando reportamo-nos ao processo de construção do saber profissional a partir de uma dinâmica, detectamos no âmbito do serviço social, bem explicitado por Baptista: a especificidade que particulariza o conhecimento produzido pelo serviço social é a inserção de seus profissionais em práticas concretas. O assistente social se detém frente às mesmas questões que os outros cientistas sociais, porém o que o diferencia é o fato de 355 ter em seu horizonte um certo tipo de intervenção: a intervenção profissional. Sua preocupação é com a incidência do saber produzido sobre a sua prática em serviço social, o saber crítico aponta para o saber fazer crítico (BAPTISTA, 1992). Em todos os encontros os Educadores puderam fazer uma avaliação através de instrumental escrito, sem identificação que foram balizadores para nortear temáticas, além daquelas já preestabelecidas no projeto piloto. CONCLUSÃO Partindo dos encontros realizados com os Educadores Sociais e das “rodas de conversa” que foram estabelecidas também como uma forma de metodologia, além da “escuta qualificada”, se constatou a importância da reflexão junto à equipe de trabalho e que desempenhar suas funções contando com o apoio de todos é essencial para o bom direcionamento de papéis de responsabilidade da família, e daqueles que demandam intervenção direta do Educador Social. Quando estamos na posição de Educadores nossos valores, atitudes, idéias e emoções se tornam visíveis e o que expressamos em um comentário, é tão destrutivo quanto o que o educando vive ou já viveu, que pode marcar por toda uma vida. Como contribuição os encontros favoreceram que os Educadores pudessem refletir que possuem características individuais e que como tais possuem limitações e que o apoio efetivo e apoio social externo por parte dos colegas, família e amigos é primordial para se auto proteger do seu cotidiano, visando uma melhor qualidade de vida. Detectou-se um fortalecimento entre as Educadoras Sociais, um maior entrosamento e principalmente um “olhar diferenciado para com os adolescentes”, “maior flexibilidade e aceitação da situação apresentada pelos adolescentes”. Portanto, os encontros resultaram em um começo de aproximação entre os educadores e os adolescentes. 356 Quanto ao trabalho interdisciplinar, se detectou que existe desconhecimento por parte dos Educadores sobre algumas atribuições/funções da equipe técnica, o que dificulta e impede o bom relacionamento entre toda a equipe. Frente à situação apresentada, foi repassada sistematicamente a função de cada trabalhador social e através de exemplos concretos, as educadoras puderam refletir de como agiriam perante uma situação de acolhimento e posteriormente foi demonstrado à práxis e toda a interação e o trabalho em rede socioassistencial que é executado pela equipe técnica. Realmente a concepção de que a equipe técnica teria somente a função de elaborar “relatórios para o Judiciário”, foi substituída pela conscientização de que todos os trabalhadores são importantes e que juntos é que fazem a diferença e a qualidade no trabalho em prol da efetivação dos direitos e deveres dos adolescentes. Assim são fatores essenciais “o apoio e orientação permanente por parte da equipe técnica do serviço, bem como de espaço para trocas, nos quais possam compartilhar entre si experiências e angústias decorrentes da atuação, buscando a construção coletiva de estratégias para o enfrentamento de desafios”. (BRASIL, 2009). Muitos são os pontos a serem trabalhados, principalmente em virtude das demandas sociais e exigências profissionais. Mas, se espera que a iniciativa do Projeto “Sensibilizando para Educar no âmbito das Políticas Públicas” possa ser contínua e proporcionar cada vez mais reflexões inerentes a temática. REFERÊNCIAS BAPTISTA, Myriam Veras. A produção do Conhecimento Social Contemporâneo e sua ênfase no Serviço Social. 5ª ed. São Paulo, Cadernos ABESS, 1992. 357 BRASIL, Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Conselho Nacional de Assistência Social. Orientações técnicas: Serviços de Acolhimento para crianças e adolescentes, 2º ed. 2009. FREIRE, Paulo. Extensão ou Comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. A PARTICIPAÇÃO POPULAR: POSSIBILIDADE DE FORTALECIMENTO DO CONTROLE SOCIAL NAS CONFERÊNCIAS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DOS CAMPOS GERAIS Eliane Fátima Voitena131 Maysa N. de Vasconcellos Costa** Resumo: O presente artigo tem por objetivo refletir sobre o processo de participação social da população nas discussões da política pública de assistência social nas instâncias de controle social, sinalizando a participação nas Conferências Municipais de Assistência Social. Para isso, partimos das reflexões históricas relativas a democratização cidadã, a política de assistência social, o controle social e a participação social. Procuramos destacar a importância da participação social e do controle social no Sistema Único de Assistência Social, a partir de autores que discutem a temática e das legislações em vigor. As 131 Assistente Social Consultora da Emancipar Assessoria e Consultoria, especialista Práticas Interdisciplinares Junto a Família (2007) e Políticas Públicas para a Infância e a Juventude(2011) pela UEPG ** Assistente Social Consultora da Emancipar Assessoria e Consultoria, membro do Conselho Fiscal do CRESS/PR Gestão 2014-2017, membro do Conselho Municipal de Direitos da Pessoa Idosa e do Conselho de Políticas Públicas sobre Drogas de Ponta Grossa-PR. 358 Conferências realizadas no ano de dois mil e quinze nos municípios dos Campos Gerais serviram como parâmetro de reflexão para este trabalho. Palavras-chave Política de Assistência Social; Participação social; Controle social; Conferências. Introdução Decorridos vinte e sete (27) anos de promulgação da Constituição Federal de 1988, vinte e dois (22) anos da regulamentação da Lei 8.742, de 07 de dezembro de 1993 - Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS e dez (10) anos de implantação do SUAS – Sistema Único de Assistência Social, faz-se necessário realizar uma análise sobre os caminhos do controle social no âmbito do SUAS. Iniciamos esta análise a partir do processo de construção histórica democrática, de cidadania, reconhecendo o fortalecimento do Estado e da sociedade civil, fundamentalmente pela via dos espaços de diálogos entre os sujeitos sociais governamentais e não governamentais. Desta forma entendemos a necessidade da publicização das práticas sociais que envolvem para além dos interesses individuais, que representam interesses coletivos no ambiente público, assim as Conferências vem para fortalecer a participação social popular e dar visibilidade pública as ações construídas em conjunto com a esfera governamental. Desenvolvimento As conquistas obtidas pelas lutas sociais para efetivação da democracia e da cidadania ocorridas na década de 1980, resultaram na Constituição Federal de 1988, instrumento de efetivação e garantia de direitos, que no seu artigo primeiro, parágrafo único, estabelece que todo poder emana do povo, que exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, que neste momento abre a perspectiva para a articulação entre a democracia representativa e a 359 participativa, “possibilitando a democratização do Estado e legitimando a criação, pelas leis que regulamentaram as políticas públicas, de órgãos deliberativos institucionalizados, com participação da sociedade civil, como as conferências e os conselhos” (OLIVEIRA e OLIVEIRA, 2011). No sentido de realizar um de seus princípios fundamentais - a cidadania, a Constituição Cidadã trouxe em sua concepção a assistência social como direito e não mais como ações de benemerência das Instituições e do Estado. Ou seja, a partir deste marco legal a assistência social passa a ser elemento fundamental na luta pela realização dos objetivos de justiça e igualdade social. A partir da década de 1990, iniciam os primeiros indicativos de consolidação da democracia através da regulamentação dos artigos constitucionais, dentre os quais podemos destacar os art. 203 e 204 da Assistência Social. Materializando esse processo, em 1993 o Presidente Itamar Franco aprovou a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que estabelece uma nova concepção para a Assistência Social, com o status de política social, incluída no tripé da Seguridade Social. Então a assistência social passa a ser reconhecida como um direito de cidadania, para todos que necessitarem, sem contribuição prévia e de responsabilidade pública. A Politica Nacional de Assistência Social132 - PNAS instituiu o SUAS, reiterou a diretriz da LOAS no que se refere à participação da população na formulação e no controle das ações, tendo como um dos eixos estruturantes do sistema o controle social, enquanto “novas bases para a relação entre o Estado e Sociedade Civil”. (PNAS, 2004) COLIN faz referência ao processo de aprimoramento da LOAS que representa a constituição do SUAS em todo o território nacional, “cumprindo no tempo histórico dessa política as exigências para a realização dos objetivos e resultados esperados que devem consagrar direitos de cidadania e inclusão social (PNAS, 2004 p.23). 132 PNAS – aprovada em 2004, esse documento apresenta as diretrizes para efetivação da assistência social como direito de cidadania e responsabilidade do Estado. 360 O Controle Social tem sua concepção decorrente da Constituição Federal de 1988, como meio de efetivação da participação popular no processo de gestão político administrativa-financeira e técnico-operativa, democrático e descentralizado. O termo controle social pode ser entendido como controle da sociedade civil sobre as ações do Estado, com a perspectiva de garantir a participação dos setores organizados da sociedade na formulação, gestão e controle das políticas públicas, ou mesmo na definição de recursos para que estas atendam aos interesses da coletividade (CORREIA, 2004). Entendemos que é o exercício de democratização da gestão pública, que permite à sociedade organizada intervir nas políticas públicas, interagindo com o Estado para a definição de prioridades e na elaboração dos planos de ação dos municípios, estados e ou do governo federal. Neste sentido RAICHELLIS afirma que a visão de controle social inscrita na Constituição Federal vai enfatizar a participação dos setores organizados da sociedade civil, especialmente dos trabalhadores e dos segmentos populares, na elaboração e implementação das políticas públicas, propondo novas relações ente o movimento social e a esfera da política institucional. (2011, p. 22). E SILVA reitera que “a concepção de controle social requer ainda um maior esclarecimento para poder superar limitações que impedem um exercício democrático” (SILVA et al., 2009, p.263). O controle social ocorre com a participação da população na gestão da política social, compreendendo além das funções de fiscalizar e avaliar os Planos de Assistência Social, as funções de controlar e acompanhar o financiamento e a gestão dos fundos de Assistência Social (Pereira e Dal Prá, 2012). Os conselhos destacam-se como espaço privilegiado de participação da sociedade no exercício do controle social sobre as políticas públicas, exercem um conjunto de ações de natureza sócio-política e técnicooperativa, objetivando exercer influências sobre as ações governamentais. Nesse contexto, é oportuno elencar, de acordo com CAMPOS (2009), três dimensões distintas e indissociáveis desse processo complexo: a) a dimensão política, que refere-se à mobilização da sociedade para influenciar a agenda governamental e indicar prioridades; 361 b) a dimensão técnica que corresponde ao trabalho da sociedade de fiscalizar a gestão de recursos e a apreciação das ações governamentais, inclusive sobre o grau de efetividade dessa última na vida dos destinatários; e c) a dimensão ética que diz sobre a construção de novos valores e de novas referências, fundadas nos ideais de solidariedade, da soberania e da justiça social. Segundo TATAGIBA (2002) os conselhos de políticas públicas, dentre os quais ele situa os Conselhos de Assistência Social: São em geral, previstos em legislação nacional, tendo ou não caráter obrigatório, e são considerados parte integrante do sistema nacional, com atribuições legalmente estabelecidas no plano da formulação e implementação das políticas na respectiva área governamental, compondo as práticas de planejamento e fiscalização das ações. [...]Neste grupo situam-se os conselhos de saúde, de Assistência social, de educação[....] [...]Dizem respeito à dimensão da cidadania, da universalização de direitos sociais e a garantia ao exercício desses direitos (TATAGIBA, 2002, p 49). Para RAICHELLIS (2011) os conselhos são espaços de exercício do controle social, mas também precisam ser controlados pela sociedade civil organizada, precisam ser ativados pela ação dos movimentos populares e organizações sociais e políticas que devem estar representados. O Controle Social, no âmbito dos conselhos de assistência social, é o exercício democrático de acompanhamento e a avaliação da implementação e execução do SUAS, cujo objetivo é zelar pela ampliação e qualidade da rede de serviços socioassistenciais para a universalização de atendimento a todos os destinatários da Política de Assistência Social e os gastos das verbas públicas. Outra forma de controle social são as conferências, definidas pelo Ministério do Desenvolvimento Social – MDS como sendo espaços de caráter deliberativo em que é debatida e avaliada a Política de Assistência Social. Também são propostas novas diretrizes, no sentido de consolidar e ampliar os direitos socioassistenciais dos seus usuários. Os debates são coletivos com participação social mais representativa, assegurando momentos para discussão e avaliação das ações governamentais e também para a eleição de prioridades políticas que representam os usuários, trabalhadores e as entidades de assistência social. (MDS) As Conferências são espaços amplos e democráticos de discussão e articulação coletiva entorno de propostas e estratégias de organização. Sua principal característica é reunir governo e sociedade civil para debater e decidir as prioridades nas Políticas Públicas para os próximos anos. Elas são realizadas em âmbito municipal, estadual e federal, periodicamente, fazem parte de um 362 processo amplo de diálogo e democratização da gestão pública e suas resoluções têm caráter vinculatório, devendo ser transformadas em ações do Executivo. A I Conferência Nacional de Assistência Social aconteceu em 1995, precedida pelas municipais e estaduais, desde então estamos trilhando um caminho de construção do direito ao acesso e participação nos benefícios e serviços socioassistenciais, pela população brasileira, na perspectiva pública e de cobertura universal em todo o país. (CNAS, 2015). Diante da relevância que o controle social possui para a promoção efetiva da cidadania e para a garantia dos direitos, o presente trabalho faz uma reflexão sobre a participação social nas Conferências Municipais de Assistência Social dos Campos Gerais. Como base de reflexão optamos pelo quantitativo de participantes nas Conferências Municipais de Assistência Social. A tabela abaixo nos mostra o número de participantes, por segmento, nas conferências realizadas em 2015, nos dezoito (18) municípios dos Campos Gerais. Participação dos delegados Governamental Trabalhadores Usuários Entidade Total 3 42 3 2% 2 02 2 0% 3 60 3 3% 1 65 1 5% 1 .069 1 00% Escritório Regional de Ponta Grossa – SEDS Podemos observar uma significativa participação de usuários do SUAS, do total dos 1.069 participantes, 360 são usuários. Se considerarmos o número de habitantes dos municípios em questão, percebemos que a adesão da população usuária é limitada, tornando-se um desafio para a política de 363 assistência social e o conselho da política pública a participação efetiva deste segmento nas Conferências. A consolidação da participação dos usuários nos conselhos de Assistência Social é um dos objetivos do SUAS e de acordo com a Resolução CNAS Nº 11, de 23 de setembro de 2015: Art. 5° A participação dos usuários na Política Pública de Assistência Social e no SUAS se dará por meio de diferentes organizações coletivas, que visam a promover a mobilização e a organização de usuários de modo a influenciar as instâncias de deliberação do SUAS, e que possibilitam a sua efetiva participação nas instâncias deliberativas do SUAS – os conselhos e as conferências. Conclusão De acordo com o SUAS, é necessário que os conselhos tenham capacidade de estimular a participação da população nos espaço de deliberação, fiscalização e controle das políticas públicas. Entendemos que a capacidade de mobilização dos conselheiros para o exercício do controle social está, em parte, atrelada ao acesso às informações técnicas, compreendendo desde suas atribuições até os aspectos financeiros da Política de Assistência Social. Mesmo percebendo a necessidade de avanço de participação nas instancias de controle social, devemos considerar que houve um número significativo de participantes usuários da política de assistência social nas Conferências Municipais dos Campos Gerais, visto que a participação popular nas instâncias deliberativas, é algo recente. Nesta perspectiva é extremamente importante criar estratégias de mobilização dos diversos atores coletivos envolvidos com a política de assistência social, na garantia de efetivar a participação de usuários por meio da ocupação dos espaços de deliberação e controle da referida política, idealizando novos avanços e desafios. Dentre os desafios que ainda encontramos no exercício do controle social no SUAS destacamos: a) fortalecer os espaços de diálogo, b) publicizar 364 as ações dos equipamentos públicos e c) estimular a participação nas instâncias de controle social. Referências Bibliográficas BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. ______. Lei Orgânica de Assistência Social – lei nº 8.742 de 7 de dezembro de 1993. ______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – Política Nacional de Assistência Social. Brasília, 2004. ______. Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome – Sistema Único de Assistência Social. Brasília, 2005. ______. 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PEREIRA, Daniela Cristina e DAL PRÁ, Keli Regina - Controle Social e Assistência Social: aspectos da realidade dos conselhos municipais do Estado de Santa Catarina - Sociedade em Debate, Pelotas, 18(2): 93-105, jul.-dez./2012 RAICHELLIS, Raquel - O Controle Social Democrático na Gestão e Orçamento Público 20 Anos Depois - Seminário Nacional O Controle Social e a Consolidação do Estado Democrático de Direito Conselho Federal de Serviço Social - CFESS (organizador) Brasília, 2011. SILVA, V. R. DA et al. Controle social no Sistema Único de Assistência Social: propostas, concepções e desafios. Textos & Contextos (Porto Alegre), v. 7, n. 2, p. 250–265, 2009. TATAGIBA, L. Os Conselhos Gestores e a Democratização das Políticas Públicas no Brasil. IN: DAGNINO, E. (org) Sociedade Civil e Espaços Públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra. (2002) 366 MIGRAÇÕES: O CASO DOS HAITIANOS EM CURITIBA Francine Taina Costa de Oliveira133 Angela de Fatima Urich Jeiss134 RESUMO Este artigo apresenta a pesquisa desenvolvida sobre a migração dos haitianos ao Brasil e, mais especificamente, sobre os haitianos residentes em Curitiba – PR. A problematização do estudo reflete sobre os limites enfrentados pelo Brasil para recebê-los, tendo em vista a necessidade de infraestrutura e políticas públicas que atendam essa demanda. O objetivo é descrever a situação prémigração e as condições de acolhida e encaminhamento desses migrantes. A pesquisa se justifica ao dar visibilidade à questão migratória, que está sendo vivenciada no Brasil e que precisa ser compreendida pela sociedade, bem como porque é necessário rever metodologias de acolhida e encaminhamentos realizados pelo Serviço Social. O método geral é o crítico-dialético. Quanto aos objetivos, trata-se de pesquisa descritiva e a coleta de dados realizou-se por meio de pesquisa bibliográfica. PALAVRAS-CHAVE: Direitos humanos. Migrações. Haitianos. Políticas públicas. Serviço Social. INTRODUÇÃO Este estudo tem como tema Direitos Humanos e sua delimitação é o estudo da migração dos haitianos para o Brasil, especialmente os residentes em Curitiba. A migração de haitianos demonstra diversos aspectos a serem tratados, como a análise do contexto vivido pelos haitianos em Curitiba, moradores de diversos bairros, em que podemos observar algumas situações de vulnerabilidade. A dificuldade de comunicação, devido aos diferentes idiomas 133 Graduanda do Curso de Serviço Socialda Pontifícia Universidade Católica do Paraná. 134 Assistente Social. Assistente Social. Especialista em Proteção Social e Rede de Direitos. Mestre em Gestão Urbana. Professora do Curso de Serviço Socialda Pontifícia Universidade Católica do Paraná. 367 falados nos dois países, Brasil e Haiti, parecem ser o primeiro entrave ao chegarem. Muitos deles possuem dificuldades no que se refere à regularização e solicitação de documentos pessoais essenciais para acesso a alguns serviços no Brasil como, por exemplo, saúde, moradia, educação e trabalho. Existem também conflitos culturais vividos por essa população, pois os brasileiros desconhecem informações em relação à situação econômica e social vivida no Haiti e os motivos que os levaram a migrar para o Brasil, o que acaba por gerar algum preconceito e, de certa forma, a não aceitação dessa população em nosso país, resultando nas situações desumanas de precariedade no trabalho, saúde e moradia, por exemplo. As mudanças que ocorreram no mercado de trabalho e na economia do país, a ligação dessas transformações e os desafios encontrados pelos imigrantes haitianos, no país que hoje se encontram, também são grandes dificuldades encontradas pelos imigrantes. A crescente diversidade de áreas de origem dos imigrantes, culmina na diferença cultural entre os imigrantes e as populações que os recebe, proporcionando desafios especiais à inserção no mercado de trabalho, a qual parece não ser tão fácil e rápida, sendo necessário um estudo da forma como os imigrantes serão integrados cultural e etnicamente na sociedade (CASTLES, MILLER, 1998; SILVA, 2012). A hipótese é que nosso país abriu as fronteiras para as famílias haitianas, mas não se preparou para recebê-las e garantir direitos humanos e sociais. Não houve a construção de políticas migratórias, nem o trabalho em rede se articulou de forma suficiente para garantir a permanência dos haitianos aqui no Brasil. Dessa forma, o objetivo geral é descrever a situação pré-migração e as condições de acolhida e encaminhamento desses migrantes, em Curitiba. E os objetivos específicos do trabalho são: conhecer a condição vivida pelos haitianos pré-migração; pesquisar sobre sua acolhida no Brasil; pesquisar sobre os serviços sociais e políticas públicas existentes ou em construção destinados aos migrantes haitianos; e identificar os serviços prestados pelo Serviço Social aos migrantes em Curitiba. 368 A relevância da pesquisa está na contemporaneidade da questão social sobre migração, cujos estudos podem contribuir para propor políticas públicas migratórias e para estruturar metodologias de acolhida e encaminhamentos pelos assistentes sociais. O método geral da pesquisa é o crítico-dialético. Quanto aos objetivos, trata-se de pesquisa descritiva quanto a coleta de dados, é do tipo bibliográfica. DIREITOS HUMANOS, MIGRAÇÕES E LEGISLAÇÕES Sobre direitos humanos e sua evolução, observamos que a partir do marco histórico dos direitos humanos, a “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, elaborada por representantes de diversos países e das mais diferentes culturas, proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em Paris, em 10 de dezembro de 1948, indicou-se aos países pactuados, pela primeira vez, a proteção universal dos direitos humanos. (NAÇÕES UNIDAS, 2015). Para que um ser humano tenha direitos e possa exercê-los, é indispensável que seja reconhecido e tratado como pessoa, o que vale para todos os seres humanos. Reconhecer e tratar alguém como pessoa é respeitar sua vida, mas exige que também seja respeitada a dignidade, própria de todos os seres humanos. Nenhum homem deve ser humilhado ou agredido por outro, ninguém deve ser obrigado a viver em situação de que se envergonhe perante os demais, ou que os outros considerem indigna ou imoral. (OLIVEIRA, 2015) O reconhecimento e a proteção dos direitos do homem devem estar presentes nas principais constituições democráticas modernas, incluindo os direitos dos migrantes. Para falar sobre migração é importante estar claro o conceito que está presente no sentido da palavra, que é o indivíduo ou grupo que se desloca do seu local de residência, de forma temporária ou permanente, por motivos afetivos, culturais, religiosos, politicos, profissionais, educacionais, climatórios, ambientais, econômicos, entre outros. O processo engloba tanto a saída (emigrar) quanto a chegada (imigração) e deve ser analisado com um todo 369 indissociável. Além disso, a migração também acontece internamente, os processos sazionais e os transfronteiriços cotidianos. A migração é “espontânea” quando o indivíduo tem a oportunidade de escolha do local e do momento de sua migração. Ao contrário, a migração é “forçada” sempre que o indivíduo toma a decisão de migrar para um novo local, sendo essa mudança motivada por situação de guerra ou catástrofe natural, por exemplo. Apesar das restrições de entrada em determinados países e da falta de políticas de premissas à migração, sabemos que migrar é um direito universal, portanto, seria um processo “legal”. Porém, a entrada e a permanência em um país é um privilégio, que depende de burocracias estatais, o que faz com que seja cada vez mais comum a migração “ilegal”. As migrações internacionais assumiram novo contorno após 1945, especialmente através do processo de globalização. No entanto, movimentos populacionais em resposta ao crescimento demográfico, mudança climática e ao desenvolvimento da produção e do comércio sempre fizeram parte da história da humanidade (CASTLES, MILLER, 1998). É importante entendermos que refúgio não é sinônimo de asilo, ambos são acolhimento daquele que sofre perseguição e, portanto, não pode mais continuar vivendo em seu local de nacionalidade ou de residência habitual. Porém, o asilo só pode ser concedido pelo Estado, sendo que é o Estado que decide a quem conceder o asilo. O refúgio é um direito do indivíduo, adquirido a partir do momento em que cruza a fronteira do seu local habitual. (MINI CURSO MIGRAÇÕES, 2015) Apátrida designa toda pessoa que não é considerada nacional por nenhum Estado. Surge em situações migratórias, em que o indivíduo perde ou é privado de sua nacionalidade naquele local em que ainda não garantiu a nacionalidade, sendo seu país de residência atual. Em alguns países perde-se a nacionalidade ao ficar mais de dois ou cinco anos no estrangeiro, impedindo o indivíduo ao direito de acesso a retirada de documentos como certidão de 370 nascimento, passaporte, CPF entre outros direitos legais. (MINI CURSO MIGRAÇÕES, 2015) Em relação aos principais marcos legais da politica migratória destacamos a legislação em vigor, Lei 6.815, de 19 de agosto de 1980, ou também conhecida como Estatuto do Estrangeiro, elaborada no contexto da ditadura militar, norteada por princípios de segurança nacional, na qual o estrangeiro era visto como uma ameaça em potencial, sendo negados seus direitos de organização e representação (SPRANDEL, 2015.p. 41). Já a Constituição Federal Brasileira de 1988 é um marco histórico de nossa sociedade, sendo resultado de um longo processo de luta e busca por direitos. Vamos recordar que os direitos individuais e coletivos são Direitos e Garantias Fundamentais, conforme seu artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. (BRASIL, 1988). O BRASIL COMO DESTINO DOS HAITIANOS Mesmo o Brasil sendo um país conhecido historicamente como hospedeiro a pessoas em situação de refúgio, somente em 1997 foi regulamentado juricamente a Lei de Refúgio. A Lei 9.474/97 concede aos refugiados direitos e deveres específicos, diferenciados dos direitos conferidos e exigidos dos demais estrangeiros e trata da questão da entrada, do pedido de refúgio, das proibições ao rechaço, à deportação e à expulsão, e ainda regula a questão da extradição dos refugiados. (SOARES, 2015). Dessa forma, alguns fatores foram fundamentais para que o Brasil se tornasse uma opção de acolhida aos haitianos, entre eles podemos destacar o fato da presença do Brasil no Haiti, por meio do comando das Nações Unidas, iniciado em 2004, outro fator também de grande relevância foram os trabalhos sociais desenvolvidos pela Pastoral da Criança em ações coordenadas pela Doutora Zilda Arns. 371 Sobre a situação vivida no Haiti, esta pode ser caracterizada como uma das maiores catástrofes vividas nas Américas. Não bastasse a crise política que vive o país, a mais de 20 anos, situações de extrema gravidade como intempéries climáticas e, mais recentemente, um terremoto que matou mais de 48.000 pessoas tem contribuído para a deteriorização do tecido social, bem como tem ampliado a extrema miséria em que vive a maior parte da população. O banco Mundial estima que, aproximadamente, 10% da população do país (1.009.400) tenha emigrado, e outras fontes afirmam que a diáspora haitiana já teria passado a casa dos 3 milhões de emigrantes (FERNANDES, 2015, p. 29) Pouco tempo após o terremoto em janeiro de 2010, os primeiros imigrantes começam a chegar ao Brasil. A miséria absoluta, escassez de emprego, baixa remuneração e o trabalho degradado que geram a pobreza e a fome são as principais causas das imigrações transnacionais massivas, quando a esperança de uma vida melhor leva à migração legal ou ilegal, permanente ou temporária, seja por livre e espontânea vontade ou por obrigação (BECK, 1999). Em 2012, o Conselho Nacional para Refugiados (CONARE) atribuiu à situação destes como migrantes oriundos de situações humanitárias, e assim desde o terremoto de 2010 até maio de 2013, entraram no Brasil cerca de 9.000 haitianos de forma legal e ilegal (ALESSI, 2013). Ao entrarem no Brasil os haitianos, apresentam pedido de refúgio, mas, sendo eles efetivamente imigrantes, a solução migratória concedida pelo Conselho Nacional de Imigração Brasileiro (CNIg) é a residência permanente por razões humanitárias. (RAMOS; RODRIGUES; ALMEIDA, 2011). Com a resolução do CNIg, todos os imigrantes haitianos que já estão em terras brasileiras terão permissão para permanecer aqui por até cinco anos. Findo esse prazo, poderão continuar no Brasil, solicitando a permanência definitiva, desde que comprovem que estejam trabalhando regularmente (RODRIGUES, 2013). CURITIBA COMO DESTINO FINAL 372 Em Curitiba, identificamos que grande parte dos atendimentos aos migrantes Haitianos são realizados pelo Centro de Acolhida ao Migrantes – CEAMIG, e pela entidade Caritas. Em contato com o CEAMIG, situado na Paróquia São José, no bairro de Santa Felicidade, com o Pe. Agler Cherizier, coordenador da Pastoral do Migrante, nos explicou que o centro se dedica desde 2000 a um trabalho mais intenso com os latino-americanos de língua hispânica e, a partir de 2007, agregou com o atendimento e acompanhamento de vários imigrantes do continente africano. Na atualidade, registramos a chegada de imigrantes asiáticos e um forte fluxo migratório dos imigrantes haitianos, que começam a chegar no Brasil em 2010 e hoje estão em cerca de 54 mil no país. Na Região Metropolitana de Curitiba há aproximadamente 12 mil imigrantes. Nesse número, o CEAMIG teria atendido mais de 4.000 mil haitianos e, ao perguntar aos imigrantes sobre o motivo da sua chegada ao Brasil, e sobretudo em Curitiba, as respostas são as seguintes: a maioria para trabalhar (e, nesse momento falta de emprego); alguns para estudar (sendo a inserção deles nas faculdades ou universidades nada facilitada); outros para se salvar dos problemas sócio-políticos de seus países (e isso exige a criação de leis que garantam a proteção dos refugiados), outros ainda para ficarem no país com toda a família (mesmo com falta de estrutura de acolhida, moradia...) Já em contato com o Caritas, a Mari Malheiros, nos explicou que foram realizados 45 atendimentos a haitianos. Esse número, que vem baixando nos atendimentos, se justifica pela rede aos haitianos hoje estar mais estruturada, e os haitianos que chegam a Curitiba já passaram por outras cidades onde já obtiveram maiores orientações. Entre as demandas apresentadas destacam-se atendimento e orientação à saúde, assistência social (inserção nos programas sociais como um todo), assistência jurídica, moradia, violação de direitos trabalhistas, violência policial, documentação, validação de diploma, reunião familiar. 373 Dentre os profissionais que atuam junto a essa expressão da questão social contemporânea destacam-se os assistentes sociais. Em relação aos migrantes, o Serviço Social se estrutura no exercício profissional, seguindo as atribuições privativas do Assistente Social como estabelecido no Código de Ética Profissional, no artigo 5º, alínea c, das relações com os usuários “democratizar as informações e o acesso aos programas disponíveis no espaço institucional, como um dos mecanismos indispensáveis à participação dos/as usuários/as” (RESOLUÇÃO CFESS Nº 273, 1993). CONCLUSÃO De acordo com o estudo realizado é possível afirmar que, entre os principais desafios enfrentados pelo Brasil com relação à temática da migração, verifica-se a falta de atualização nas legislações relacionadas a essa temática, tendo em vista que o Estatuto do Migrante data de 1980, período conflituoso do nosso país, devido ao regime militar e que, somente em 1997 teremos a regulamentação da Lei do Refugiado, estando assim bem distante da atual conjuntura vivida na migração contemporânea, o que resulta em políticas públicas desenvolvidas pelo Estado de forma ineficiente no atendimento a essa demanda. A experiência de trabalho desenvolvida pelo Serviço Social no atendimento aos Migrantes acaba por muitas vezes sendo realizadas por entidades e Ong’s. É importante destacar a falta de um trabalho intersetorial, que atenda as demandas apresentadas pelos haitianos em nosso país, bem como o mapeamento da rede de atendimento e ações desenvolvidas para que assim que cheguem em nosso país e, mais especificamente, em Curitiba, saibam para onde se direcionar para receber as primeiras orientações que necessitam. Para finalizar, fica nossa sugestão para uma articulação do poder público com a sociedade civil, com promoção de diversas ações, no sentido de dar visibilidade para a questão migratória dos haitianos. 374 REFERÊNCIAS ALESSI, M. L. B. A Migração de Haitianos para o Brasil. Conjuntura Global, Curitiba, Vol.2, n.2, abr./jun., 2013. BECK, U. O que é globalização? Equívocos do globalismo, respostas à globalização. Tradução de André Carone. São Paulo: Paz e Terra, 1999. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. 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Assim, se instituiu o Programa Consultório na Rua de Curitiba, que atua com equipes multidisciplinares constituídas também por assistentes sociais, que neste programa constroem um novo fazer profissional, uma prática para além das instituições formais, com o objetivo de ampliar o acesso aos direitos desta população. Palavras-chave: População em situação de rua, Consultório na Rua, assistente social. INTRODUÇÃO O fenômeno população em situação de rua se configura atualmente como uma complexa expressão da questão social, constitui uma problemática resultante do modo em que se estrutura a sociedade capitalista e estabelece condições de extrema vulnerabilidade de sobrevivência a essa população Nesse contexto, o Estado, através de políticas públicas intervencionistas é demandado a planejar e implementar estratégias de enfrentamento dessa realidade. O presente relato tem início na reflexão sobre o fenômeno população em situação de rua, busca elucidar brevemente as condições histórico-estruturais que deram origem a reprodução desse fenômeno e algumas características dessa população. Apresenta em seguida, a gênese dos marcos legais que determinaram as políticas públicas voltadas a esse segmento, inclusive, 377 específicas na área de saúde, o que culminou na criação do Programa Consultório na Rua. No item seguinte, procura-se contextualizar a implementação do Programa Consultório na Rua no município de Curitiba, cenário onde se dá a intervenção profissional das autoras, apresentando a dinâmica da construção do Programa, da realidade do município e do trabalho das equipes. No último item aprofundam-se as especificidades da intervenção dos/as assistentes sociais do Consultório na Rua, onde se demonstra um novo formato do fazer profissional. Posteriormente pontuam-se algumas considerações finais. O FENÔMENO POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA: CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO E INTERVENÇÃO ESTATAL Com o desenvolvimento do sistema capitalista no final do séc. XVIII iniciou-se um processo histórico, que se caracterizou por expulsar os trabalhadores rurais de suas terras, levando-os a vender a sua força de trabalho como mercadoria. Nesse contexto, deu início também um crescimento industrial que não teve capacidade de absorver esses trabalhadores, levando-os ao pauperismo (Silva, 2009). Cenário profícuo para o surgimento do fenômeno população em situação de rua. A população em situação de rua está envolvida em um contexto de exclusão social, relacionando-se com a situação extrema de ruptura de relações familiares e afetivas, além de ruptura total ou parcial com o mercado de trabalho e de não participação social efetiva. Assim, essa população pode se caracterizar como vítima de processos sociais, políticos e econômicos excludentes. Segundo Silva (2009), são múltiplas as causas de se vincular à rua, assim como são múltiplas as realidades da população em situação de rua. 378 A autora também traz o conceito de superpopulação relativa baseada em Marx, considerando que a população em situação de rua vincula-se ao processo de acumulação do capital, porém se torna excedente à capacidade de absorção do mercado. Diante disso, as pessoas que utilizam as ruas como o seu local de moradia, tendem a criar estratégias para a sua sobrevivência. Nesse sentido, Silva (2009) [...] concebe a população em situação de rua como um grupo populacional heterogêneo, mas que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, fatores que obrigam seus integrantes a procurar os logradouros públicos (ruas, praças, jardins, canteiros, marquises e baixo de viadutos), as áreas degradadas (dos prédios abandonados, ruínas, cemitérios e carcaças de veículos) como espaço de moradia e sustento, por contingência temporária ou de forma permanente, ainda que utilizem albergues para pernoitar, abrigos, casas de acolhida temporária ou moradias provisórias. (p.136) Diante dessa realidade, o Estado é demandado ao enfrentamento dessa expressão da questão social, inclusive pressionado por movimentos sociais, com suas necessidades coletivas. Em 2004, após a Chacina da Sé135 e em articulação com outros movimentos sociais, foi criado o Movimento Nacional da População de Rua – MNPR. Um movimento social que surgiu com o objetivo de luta pela ampliação dos direitos até então negados e como expressão de resistência dessa população. Outro marco importante para a população em situação de rua foi a criação da Política Nacional para a Inclusão Social da População em Situação de Rua, estabelecida para orientar a construção e execução de políticas públicas voltadas a este segmento da sociedade, instituída pelo Decreto s/nº, de 25 de outubro de 2008. Por Conseguinte, o Decreto n° 7.053 de 2009, instituiu a Política Nacional para População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial 135 Entre os dias 19 e 22 de agosto de 2004, quinze pessoas em situação de rua foram brutalmente agredidas enquanto dormiam na região da Praça da Sé, em São Paulo. Sete pessoas morreram e oito ficaram feridas e ninguém foi responsabilizado pelos assassinatos. Este fato dá significado ao Dia Nacional de Luta da População de Rua, que ocorre anualmente no dia 19 de agosto em diversas cidades do país e é promovido pelo MNPR e outros apoiadores. 379 de Acompanhamento e Monitoramento, apresentando entre seus objetivos o acesso amplo, simplificado e seguro da população em situação de rua aos serviços e programas que integram as políticas públicas de saúde, educação, previdência, assistência social, moradia, segurança, cultura, esporte, lazer, trabalho e renda. Nesse sentido, a política de saúde também foi responsabilizada a estabelecer estratégias para atendimento dessa população e em 2011, através da Portaria n° 2.488, foi aprovada a Política Nacional da Atenção Básica, que institui equipes de atenção básica para populações específicas, entre elas a população em situação de rua. O que culminou em 2012 nas portarias n° 122 e n° 123, que respectivamente definem as diretrizes de organização e funcionamento das Equipes de Consultório na Rua (eCR) e os critérios de cálculo do número máximo de equipes de Consultório na Rua por Município. O PROGRAMA CONSULTÓRIO NA RUA DE CURITIBA Através da Portaria n° 1.299/2013, o Município de Curitiba foi credenciado a receber incentivos referentes às Equipes de Consultório na Rua. Por conseguinte, a partir do mês de agosto de 2013 iniciaram as atividades das eCR no município. Com uma população em situação de rua estimada entre 3500 a 4000 pessoas, foram credenciadas quatro equipes, compostas por assistentes sociais, psicólogos, médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, cirurgiões dentistas e auxiliares de saúde bucal. E para a atuação dessas equipes, todo o território do município foi dividido em quatro macrorregionais. Cada equipe está referenciada em uma UBS (Unidade Básica de Saúde), onde ela realiza registros e planejamento do trabalho, além de atendimentos em geral. No início do programa, além de realizar o mapeamento dos territórios e da rede de serviços, as equipes buscaram trabalhar com a divulgação e sensibilização de outros profissionais de saúde, principalmente da atenção básica, com o objetivo de demonstrar, que a partir daquele momento, seria 380 necessária a execução de um trabalho articulado de cuidado compartilhado para a população em situação de rua. Este trabalho de sensibilização tornou-se perene, principalmente com algumas UBS que previamente não realizavam atendimento desse público e também diante da realidade e dos limites dos serviços, inclusive pela falta de empenho pontual de alguns colegas. Nesse sentido, o trabalho se tornou um tanto limitado e desafiador na luta pela ampliação do acesso dos usuários aos serviços. Um cenário de correlação de forças que não foi só negativo, mas que também contribuiu para o grande envolvimento e amadurecimento das equipes com a “causa pop rua” e na defesa do programa. O apoio da gestão foi primordial nesse panorama, principalmente quando foi publicada a Instrução Normativa n° 02 de 08 de julho de 2014, qualificando e respaldando as ações das equipes, objetivando também cadastrar e inserir as pessoas em situação de rua, que desejam atendimento, em toda rede de serviços, independente de possuírem ou não documentação. A ações interdisciplinares das eCR’s, se caracterizam pela troca e pelo saber coletivo, espaço ainda incipiente e por diversas vezes de conflito. Teixeira e Nunes (2004) oferecem uma reflexão importante no sentido da atuação de equipes interdisciplinares nas políticas públicas de saúde A interdisciplinaridade é uma ferramenta que pode contribuir para o avanço da atenção qualitativa, de satisfação completa do usuário do serviço. Para isso é necessário que a equipe se diversifique, inserindo profissionais que tenham, em sua formação, conteúdos teórico-metodológicos que possam trazer este conhecimento que se completa ao clínico e ao epidemiológico, como o social, e que caminhem para a alternativa do modelo de atenção à saúde. (p. 141) Esse é um grande desafio e demanda a necessidade de reavaliar constantemente o significado do saber e das relações de poder. Para isso se faz necessário também uma equipe aberta para estas reflexões, comprometida com a realidade social e com as lutas para a implementação da política de saúde no Brasil. Nesse sentido, as eCR se inserem em um processo de Educação Permanente. Às sextas-feiras são dedicadas às reuniões administrativas, 381 supervisões clínico-institucionais, avaliação da prática e integração entre as equipes. O Programa Consultório na Rua traz uma concepção universal e equitativa e grandes possibilidades para a consolidação dos princípios do SUS, uma vez que possui um contexto de serviço como uma questão de direito. Porém, essa dialética no cotidiano de trabalho ainda é muito limitada nas eCR, gerando ainda ações pontuais e pragmáticas. Mesmo diante desses limites, as equipes demonstram uma disposição no cuidado e na assistência em saúde, atuam com uma grande flexibilidade de horários, buscando adequar-se a realidade daqueles que estão fora do mundo do trabalho formal, aqueles que possuem uma dinâmica particular por ter a vivência de rua. Assim as equipes buscam se aproximar, iniciar uma relação de vínculo para daí intervir. Conseguiram se organizar a partir da realidade do usuário e ter sua prática dentro e fora das UBS, no território geográfico, no território existencial, no “beco”, na “boca” e claro, junto à rede de serviços, onde a população de rua também freqüenta (Centros Pop, Centros de Atenção Psicossociais, Casas de Passagem, etc.). Enquanto equipes interdisciplinares possuem atribuições concernentes a todas as áreas profissionais como: abordagem de pessoas em situação de rua e em situação de vulnerabilidade social, acolhida por meio de escuta qualificada objetivando a construção de vínculos, atendimento do usuário em suas necessidades específicas considerando a demanda e gravidade do caso, articulação de ações multiprofissionais e intersetoriais, apresentação do Consultório na Rua ao usuário e à rede de serviços, organização e planejamento das ações da equipe, sistematização do cotidiano de trabalho e rotinas de ação, bem como registro de dados e elaboração de relatórios, busca ativa dos agravos prevalentes na rua, atividades em grupo desenvolvendo ações de promoção da saúde e autocuidado, participação em reuniões de discussão de caso, entre outras. 382 A INTERVENÇÃO DO/A ASSISTENTE SOCIAL NO CONSULTÓRIO NA RUA DE CURITIBA A atuação do Serviço Social no Consultório na Rua pode ser considerada como desafiadora, o/a profissional assistente social foi caracterizado/a como profissional da saúde a partir da Resolução CFESS n° 383/1999, possibilitando em sua prática profissional, contribuir para o atendimento das demandas imediatas da população, além de facilitar o seu acesso às informações e ações educativas para que a saúde possa ser percebida como produto das condições gerais de vida e da dinâmica das relações sociais, econômicas e políticas. A partir da compreensão de que não existe um jeito único de produzir saúde, da necessidade de compreender os sujeitos em todas as suas dimensões, sem separar ou apenas focar a parte doente. No Consultório na Rua, o/a assistente social atua no atendimento direto aos/às usuários/as, na mobilização, participação e controle social, investigação e planejamento ressaltando a capacidade propositiva dos profissionais com ênfase na investigação da realidade, orientadas pelos fundamentos teóricometodológicos, ético-políticos e procedimentos técnico-operativos. A intervenção profissional é realizada com pessoas que estão desprotegidas dos espaços lógicos tradicionais, espaços onde a violência e a condição vulnerável estão presentes. Pessoas que não se adaptam a protocolos e a atendimentos habituais, uma experiência de superação das maneiras clássicas e burocráticas feitas para atender os pobres. A construção de um novo modo de atuar, a partir da troca, da realidade da rua, do respeito à vivência do/a usuário/a. Uma nova práxis, como diria Lancetti (2014), a “clínica peripetética”, que diante do Serviço Social perde o conceito de clínica, mas é onde se desenvolve uma experiência fora das salas de atendimento social, caminhando, conversando, sentando na praça ou mesmo embaixo da marquise. Estar ali, transpondo os consultórios, da instituição para fora, é onde se possibilitam escutas, comunicações e descobertas importantes, histórias, vivências e novas possibilidades de cuidado. 383 Para Lancetti (2014), os/as profissionais, independentemente de seus diplomas de graduação ou pós, de seu investimento de poder, terão sua ação insignificante se não forem movidos pela impossibilidade, pelo gosto por cuidar e ser agente de mudança, além da paixão pela diferença. Assim, a atuação do Serviço Social no Consultório na Rua torna-se diferenciada, sem dúvida, cheia de incertezas, dificuldades e incompreensões, porém cheia de possibilidades. Também, possui atribuições privativas como: democratizar as informações por meio de orientações individuais e coletivas e/ou encaminhamentos quanto aos direitos sociais da população usuária; construir o perfil socioeconômico do/a usuário/a evidenciando as condições determinantes de saúde, com vistas a possibilitar a formulação de estratégias de intervenção por meio da análise da situação habitacional, trabalhista, previdenciária e familiar dos/as usuários/as, bem como subsidiar a prática dos demais profissionais de saúde; fortalecer os vínculos familiares e comunitários, de acordo com a demanda do/ usuário/a, na perspectiva de incentivar o/a usuário/a e grupos sociais a se tornarem sujeitos do processo de promoção, proteção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde; elaborar estudos sociais com vistas a subsidiar a construção de laudos e pareceres sociais na perspectiva da garantia de direitos; e por fim, supervisionar diretamente estagiários de Serviço Social e estabelecer articulação com as unidades acadêmicas, considerando o Consultório na Rua também como espaço de vivência da realidade e de formação profissional. Outro fator importante e que é considerado muito válido no fortalecimento da Seguridade Social e que as assistentes sociais no Consultório na Rua conseguem efetivar, inclusive enquanto diretrizes da Política Nacional da População em Situação de Rua, é a articulação entre as Políticas de Saúde e Assistência Social. Onde se busca a integração das ações para a qualificação dos serviços. CONSIDERAÇÕES FINAIS Por fim, consideramos que a implantação do Programa Consultório na Rua em Curitiba foi uma conquista. Uma ação a partir da vontade política de 384 alguns setores que reflete na vivência e na ampliação de direitos de um segmento populacional que vive na e da rua, que representa um reflexo do sistema capitalista, uma expressão dramática da questão social. Nesse sentido, a intervenção do/a assistente social se constrói e reconstrói cotidianamente, torna possível contribuir para a viabilização da participação efetiva da população usuária nas decisões institucionais, buscando referendar as garantias constitucionais e o acesso às políticas sociais como direitos dos cidadãos e dever do Estado. Busca garantir a defesa intransigente dos direitos humanos da população em situação de rua, no emprenho para eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade, reconhecendo a liberdade como valor ético central, objetivando a autonomia, emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais. Apontando assim, para um novo projeto de sociedade, aquele em que não se produza e nem se reproduza desigualdades sociais. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Disponível em: http://dab.saude.gov.br/portaldab/. Acesso em: 18 set. 2015. BRASIL. Ministério da Saúde. Manual sobre o cuidado à saúde junto a população em situação de rua. Brasília: Ministério da Saúde, 2012. BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2012. CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais na Política de Saúde. Brasília, 2010. ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA SERGIO AROUCA. Foco nas populações vulneráveis e excluídas. Disponível em: <http://www6.ensp.fiocruz.br/radis/conteudo/foco-nas-populacoes-vulneraveise-excluidas>. Acesso em: 20 set. 2015 LANCETTI, Antonio. Clínica Peripatética. São Paulo: Hucitec, 2014. SILVA, Maria Lucia Lopes da. Trabalho e população em situação de rua no Brasil. São Paulo: Cortez, 2009. 385 TEIXEIRA, Mary Jane Oliveira; NUNES, Sheila Torres. A interdisciplinaridade no programa saúde da família: uma utopia? In: BRAVO, Maria Inês de Souza; VASCONCELOS, Ana Maria de; GAMA, Andréa de Souza; MONNERAT, Giselle Lavinas (Org.). Saúde e Serviço Social, 5ª ed.. São Paulo: Cortez; Rio de Janeiro: UERJ, 2012. OS PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA NA AGENDA SOCIAL DO MERCOSUL 386 Karine Fabiane de Lima136. Lucia Cortes da Costa.137 RESUMO: O MERCOSUL teve início em 1991, como uma estratégia política para elevar o comércio entre os países da região, no entanto, a partir de 2000 evidencia avanços no estabelecimento de uma agenda social. Na última década, foram criados mecanismos institucionais voltados para a realização da agenda social no MERCOSUL. A Agenda Social do MERCOSUL compreende um conjunto de medidas voltadas para o desenvolvimento dos países do bloco, tendo prioridade as medidas para redução dos níveis de pobreza. Entre as medidas adotadas pelos governos da região, ganharam destaque os programas de transferência de rendas como forma de redução da pobreza. O objetivo geral é avaliar a centralidade dos programas de transferência de rendas dentro da Agenda Social do MERCOSUL. A metodologia parte da pesquisa bibliográfica, estudo documental. Palavras-chave: Agenda social, Pobreza, MERCOSUL. ABSTRACT: The MERCOSUR began in 1991, as a strategic political in order to increase the trade among countries of the region, however, since 2000 advances in the establishment of a social agenda were evidenced. In the last decade, institutional mechanisms were created to the social agenda accomplishment in the MERCOSUR. The social agenda in MERCOSUR comprehends a group of measure directed towards the country development of trading bloc, with the decreasing priority of the poverty level. Among the measures adopted by region government, income transference programs were evidenced as a way to decrease the poverty. The general aim is evaluating the centrality of income transference programs on social agenda of MERCOSUR. The methodology comes through the bibliographical research, documental study. Keywords: Social agenda, poverty, MERCOSUR. 1. INTRODUÇÃO Criado em 1991 como estratégia política de desenvolvimento econômico, o Mercado Comum do Sul - MERCOSUL já vislumbrava, em seu preâmbulo, o desenvolvimento social (TRATADO DE ASSUNÇÃO, 1991). O objetivo primordial do bloco configurava o desenvolvimento econômico com justiça social. Nesse sentido, a partir de 2000 o MERCOSUL já evidencia avanços no estabelecimento da Agenda Social, sendo criados mecanismos institucionais 136 Assistente Social. Mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. 137 Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Doutorado pela Universitat Autònoma de Barcelona-UAB. 387 para sua concretização. A construção de uma Agenda Social do MERCOSUL compreende um conjunto de medidas voltadas para o desenvolvimento dos países do bloco, com prioridade para as medidas de redução dos níveis de pobreza138. O texto a seguir está estruturado em duas seções, na primeira descrevemos o MERCOSUL e o processo de construção da agenda social, destacando os organismos institucionais no âmbito social; na segunda seção destacamos a Agenda Social e os Programas de Transferência de Renda analisando sua centralidade junto a esta agenda. 2. O MERCADO COMUM DO SUL E A DIMENSÃO SOCIAL O bloco regional do MERCOSUL ganha personalidade jurídica internacional em 1994 com o Tratado de Ouro Preto e a dimensão social é incorporada através do Foro Consultivo Econômico e Social- FCES. O FCES foi criado em 1996, como órgão de representação dos setores econômicos e sociais, em igual número de representantes de cada Estado parte, e, por meio da Comissão Parlamentar Conjunta, como comissão preparatória para instauração do Parlamento do MERCOSUL, estabelecido em 14 de dezembro de 2006, com sede oficial a partir de 7 de maio de 2007, na cidade de Montevidéu - Uruguai139. Segundo Fier, o Parlamento MERCOSUL objetiva, [...] dar espaço político de referência popular, onde o cidadão e a cidadã possam registrar suas queixas, cobrar posições sobre determinados temas, etc., mas também e não menos importante, para criar uma identidade política para a região, pois sem a mesma não teremos bloco (FIER, 2009, p. 05). 138 O presente trabalho apresenta alguns resultados da pesquisa realizada junto ao Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual de Ponta Grossa em 2014, com o tema “A Centralidade dos Programas de Transferência de Renda na Agenda Social do MERCOSUL”. 139PARLAMENTO DO MERCOSUL. Disponível em: <http://www.parlamentodelmercosur.org/innovaportal/v/4495/1/secretaria/historia.html?rightmen uid=4493>. Acesso em: 15 mar. 2012. 388 A Agenda Social ganha relevância com a Carta Social do MERCOSUL em 2000140, com o objetivo de criar políticas sociais no bloco e garantir níveis de proteção social, visando à redução das assimetrias sociais. A carta sugeria fortalecer o trabalho em conjunto, deixando clara a necessidade de promover políticas para melhoria das condições de vida da população da região. A Dimensão Social também teve destaque no MERCOSUL, em 2000, com a criação da Reunião de Ministros e Autoridades de Desenvolvimento Social do MERCOSUL- RMADS. Tal reunião se configura como um espaço responsável em coordenar políticas e desenvolver ações conjuntas relacionadas ao desenvolvimento social no bloco. As Cúpulas Sociais do MERCOSUL também contribuíram na construção da agenda social do bloco. Conforme a Secretaria Geral da Presidência da República do Brasil141, as Cúpulas contam com a participação de organizações sociais e movimentos populares dos países que compõem o MERCOSUL e os Estados Associados. Desde 2006, as cúpulas sociais são realizadas semestralmente, em paralelo às reuniões de cúpula presidenciais. Em 2004, criou-se o Fundo de Convergência Estrutural do MERCOSUL (FOCEM), visando o aprofundamento do Mercado Comum do Sul. Observando as assimetrias existentes no bloco, os países que compõem o MERCOSUL delimitam a necessidade de seu enfrentamento. Fundo de investimento conjunto nos países integrantes do MERCOSUL, o FOCEM visa à diminuição das assimetrias entre os Estados partes, através de financiamento de projetos, sendo composto por subsídios anuais que não são reembolsáveis aos países que compõem o bloco, sendo administrado pelo Conselho Mercado Comum. 140MERCOSUL. Carta Social. Disponível em: <http://www.urjc.es/ceib/espacios/observatorio/cohesion/documentos/procesos_integracion/SO C-I-07.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2012. 141 BRASIL. Secretaria Geral da Presidência da República. Cúpula Social do MERCOSUL. Disponível em: <http://www.secretariageral.gov.br/atuacao/internacional/mercosul-social-eparticipativo/textofinal>. Acesso em: 03 de Novembro de 2015. 389 Conforme previsto no Art. 6 da Decisão Conselho Mercado Comum CMC Nº 18/05, o montante total anual da contribuição dos Estados partes ao FOCEM será de cento e vinte e sete milhões de dólares. Tendo em vista o objetivo de solidariedade do fundo, o Brasil aparece com maior contribuição 70%, seguido da Argentina 27%, 2% Uruguai e 1% Paraguai, sendo a distribuição dos recursos na lógica inversa, 48% serão retirados para projetos apresentados pelo Paraguai, 32% para os apresentados pelo Uruguai e 10% para os projetos apresentados pela Argentina e Brasil. (CMC Nº 18/05). A Decisão CMC Nº 41/12, definiu que a Venezuela contribuiria com aportes anuais de US$ 27 milhões ao FOCEM. A Decisão estabelece que US$ 11,5 milhões desse total deverão financiar projetos venezuelanos, ao passo que os 15,5 milhões restantes serão colocados à disposição dos demais Estados Partes142. Como avanço na agenda social do MERCOSUL, o FOCEM constitui-se como mecanismo de financiamento, objetivando criar uma convergência favorável ao desenvolvimento social. A proteção social na agenda social do MERCOSUL não se apresenta como proposta universalizada, tendo em vista a ausência de uma cidadania comunitária no bloco. Desse modo, a proteção social ainda permanece atrelada ao vínculo do cidadão ao Estado. Nesse sentido, os projetos vinculados às políticas sociais poderão apresentar impactos na proteção social de cada país que compõe o MERCOSUL. 3. A AGENDA SOCIAL DO MERCOSUL E OS PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA A necessidade de consolidação de uma agenda social no MERCOSUL coloca em pauta a demanda por mecanismos institucionais para fortalecimento da mesma. Com a criação da RMADS, a dimensão social foi organizada, necessitando de outro mecanismo para apoiar os seus projetos, o que se deu com a criação do Instituto Social do MERCOSUL, em 2007, pelo Conselho 142 MERCOSUL. Fundo de Convergência Estrutural. Disponível em: <http://www.mercosul.gov.br/index.php/fundo-para-a-convergencia-estrutural-do-mercosulfocem>. Acesso em 03 de Novembro de 2015. 390 Mercado Comum, através da decisão nº 03/07, com sede na cidade de AssunçãoParaguai, com a função, dentre outras, de “elaboração e planificação de projetos sociais” (CMC, Nº 03/07). Conforme estrutura do Instituto Social do MERCOSUL (ISM/Dec. Nº37/08), seu funcionamento será financiado com aportes voluntários dos Ministérios de Desenvolvimento Social dos países do bloco, podendo utilizar recursos provenientes de contribuições das Organizações não Governamentais e de Organismos Internacionais. O ISM constitui instância técnica de investigação na esfera das políticas sociais e implementação de linhas estratégias, aprovadas pela RMADS. O ISM é constituído pelo conselho, órgão diretivo do ISM, sendo composto por um representante da Presidência Pró-tempore e um representante governamental de cada país que compõem o MERCOSUL, designados pela RMADS, os quais definirão as pautas estratégicas e programáticas junto com o Diretor. A direção do ISM seguirá um regime de alternância entre os Estados parte, em ordem alfabética, por um período de dois anos. Após a criação do ISM, o objetivo voltou-se ao estabelecimento de um Plano de Ação, que envolveu os Ministérios de Desenvolvimento Social. Esse Plano foi enunciado como prioridades políticas dos Estados parte no âmbito das políticas sociais, no tocante aos problemas sociais na região. A construção do Plano Estratégico de Ação Social teve antecedentes, datados a partir de 2005, com a Cúpula Presidencial143, iniciativa de Assunção sobre a Luta contra a Pobreza Extrema. Em 2008, é adotado o documento em caráter preliminar: o Plano Estratégico de Ação Social- PEAS. Essa proposta é fundamentada em cinco eixos e um conjunto de diretrizes. O ISM e a Comissão de Coordenação de Ministros de Assuntos Sociais fazem parte desta proposta de plano estratégico. Os temas relacionados ao combate à fome, à pobreza, e às desigualdades sociais ganham 143 Nessa cúpula, expressava-se que a consolidação do processo democrático no bloco depende da construção de uma sociedade mais justa e equitativa, necessitando de um plano de ação para responder aos desafios na esfera social. 391 centralidade e prioridade na agenda governamental. Em 2011, é aprovada a versão final do Plano Estratégico de Ação Social, com objetivo de orientar o ISM na implementação do PEAS. O Plano Estratégico de Ação Social se configura como uma orientação de prioridades em matéria de políticas públicas da região, sendo um “instrumento fundamental para articular e desenvolver ações específicas, integrais e intersetoriais, que consolidem a Dimensão Social do MERCOSUL”. (MERCOSUL, 2012, p. 38). A aprovação do PEAS define um como avanço na consolidação da dimensão social do MERCOSUL, delimitando as prioridades do conjunto do bloco em dez eixos fundamentais, definidos pelo conjunto de ministérios e organismos públicos do MERCOSUL. O PEAS contém indicações e objetivos específicos para os Estados- partes no que se refere a: 1- Erradicar a fome, a pobreza e combater as desigualdades sociais; 2- Garantir direitos humanos, a assistência humanitária e igualdade ética, racial e de gênero; 3- Universalizar da saúde pública; 4- Universalizar a educação e erradicar o analfabetismo; 5- Valorizar e promover a diversidade cultural; 6- Garantir a inclusão produtiva; 7- Assegurar o acesso ao trabalho decente e aos direitos humanos de previdência social; 8- Promover a sustentabilidade ambiental; 9- Assegurar o diálogo social; e 10- Estabelecer mecanismos de cooperação regional para a implementação e financiamento de políticas sociais. (ISM, 2013, p. 30) No âmbito do MERCOSUL, a agenda social coloca a necessidade de efetivar medidas para garantir um padrão de proteção social. Dessa forma, o que vem sendo constatado na agenda governamental são as políticas de transferência de renda, como fator decisivo para consolidação de uma rede de proteção social, tendo em vista seu papel no enfrentamento à pobreza144. Inserindo os Programas de Transferência de Renda como estratégia de proteção social na agenda social do MERCOSUL, o Plano Estratégico de Ação 144 A centralidade nas discussões sobre enfrentamento à fome, pobreza no bloco regional pode ser observada nas Atas da Reunião de Ministros e Autoridades de Desenvolvimento Social do MERCOSUL- (11ª RMADS- 29/11/06/ 12ª RMADS- 16/06/07/ 13ª RMADS- 23/11/07 e 14ª RMADS- 13/06/08). 392 Social do MERCOSUL (PEAS) configura, em seu Eixo I, Diretriz 2, a promoção de políticas redistributivas, com vistas à superação da pobreza. Seu desafio é a universalização da política e maior articulação dos programas às políticas sociais, com vistas ao enfrentamento da pobreza. O Plano Estratégico de Ação do MERCOSUL é estabelecido pelo Conselho do Mercado Comum (Dec. N° 67/10), por meio de propostas estabelecidas pela RMADS, apresentando como tema de destaque as políticas de transferência de renda no enfrentamento à pobreza. Os PTR ganham centralidade a partir da década de 1990, nos países membros do MERCOSUL, como instrumento de enfrentamento à pobreza e mecanismo de garantir proteção social por meio do repasse monetário às famílias em situação de vulnerabilidade social, articulado às demais políticas públicas de educação e saúde. Observa-se que a inserção de governos centro-esquerda nos Estados partes reformula a direção política e social nos Estados. A implementação de políticas redistributivas contribui para o desenvolvimento econômico da região. Conforme Kerstenetzky (2012, p. 161), “a introdução de políticas distributivas por coalizões de centro-esquerda - o caso do Brasil, em particular, ilustra, inversamente, a contribuição de políticas redistributivas para o crescimento dos últimos anos”. Costa (2013, p. 93) assevera que, com a entrada dos governos centroesquerda, “houve uma retomada de desenvolvimento na região [...] e os índices de pobreza passaram a ser encarados como desafios a serem superados a partir da ampliação da atuação do Estado, como uma valoração do processo de integração regional”. Neste sentido, pode-se inferir que há nos Estados partes, especialmente na década de 2000-2010, a opção política voltada para perspectiva centro esquerda, a partir do compromisso com a democracia, enfrentamento à pobreza e promoção dos direitos humanos. Neste contexto, a integração regional é abordada como mecanismo de negociação na esfera internacional. 393 Neste sentido, as diretrizes de proteção social no MERCOSUL assumem um eixo central: o combate à pobreza extrema. As medidas para seu enfrentamento se dão através dos PTR. Os PTR nos Estados partes surgem em um contexto marcado pelo ideário neoliberal, como estratégia de focalização, e impondo condicionalidades para o repasse de benefícios às famílias em situação de extrema pobreza. A pobreza foi medida e definida a partir de um indicador de renda – a linha da pobreza. Nesse sentido, o enfrentamento à pobreza requer a atuação do Estado por meio de políticas redistributivas e oferta de serviços públicos, especialmente na área da saúde e educação. A prioridade de atendimento às crianças apresenta centralidade no enfrentamento à pobreza. A ausência de inclusão de todos no mercado de trabalho e no campo da seguridade social coloca as famílias com crianças pequenas no centro dos PTR. Observando as características dos programas de transferência de renda nos países que compõem o MERCOSUL, podemos identificar que os programas oferecem em curto prazo o alívio a situação de pobreza extrema, através das transferências monetárias. A articulação das políticas de educação e saúde apresenta-se em longo prazo como mecanismo para romper com o ciclo da pobreza através das condicionalidades de frequência escolar, das vacinações e atenção à saúde especialmente de crianças e gestantes. O problema da desigualdade social que condiciona parte da população dos países da região do MERCOSUL a viverem em situação de pobreza não pode ser equacionado apenas com os PRT. É preciso ir além dessa estratégia para reduzir os níveis de desigualdades sociais na região, o que demanda capacidade política para implementar reformas estruturais, e a universalização do acesso e a oferta de serviços públicos de qualidade na área da educação, saúde, a proteção previdenciária e assistencial. Para tanto é preciso investir articulando políticas sociais e econômicas com o objetivo do desenvolvimento com redução de desigualdades. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 394 No MERCOSUL, os PTR surgem com o objetivo de garantir mínimos sociais, pois o consumo é condicionado ao acesso à renda em uma sociedade de mercado. As questões estruturais da pobreza e da desigualdade social não foram alteradas na região. Ao se analisar os PTR, observa-se que os mesmos apresentam desafios para a consolidação da proteção social. A focalização dos programas na população em extrema pobreza, excluída do acesso aos serviços de educação e saúde apresenta um desafio, além da transferência de rendas deve-se ampliar a capacidade de ofertar serviços públicos de qualidade. O caráter temporário dos PTR não permite alterar a vulnerabilidade da família, é preciso medidas para reduzir as desigualdades sociais. No entanto, percebe-se que a transferência de renda, mesmo que em níveis mínimos, teve impacto na redução da pobreza na região e melhorou o consumo dos beneficiários dos PTR. O desafio consiste em articular esses programas de transferência de rendas com as políticas universais de educação e saúde, ampliar a inserção dos beneficiários no mercado de trabalho, o que exige a geração de empregos e de mecanismos para geração de rendas. Os PTR garantiram avanços na redução da extrema pobreza, mas ainda há que superar o histórico de assistencialismo e clientelismo dos países que compõem o MERCOSUL. Um aspecto positivo dos PTR é a forma de operacionalização, o benefício é pago diretamente ao usuário, sem intermediário, através de cartão eletrônico, na rede bancária, e o fortalecimento do papel da mulher, que recebe e administra os recursos provenientes do PTR. No MERCOSUL, os governos centro-esquerda no período 2003-2012 assumiram o desafio de reduzir a extrema pobreza na região, atuando de forma a estimular os processos de integração social. Articulado a estratégia dos PTR os serviços de educação e saúde foram ampliados a partir do esforço para incluir as famílias em situação de pobreza no sistema de proteção. Nesse sentido, a importância da dimensão social no processo de integração regional supõe entender e analisar as políticas sociais como instrumento estratégico para o desenvolvimento econômico. Ainda que de maneira restrita e limitada, os PTR 395 constituem um passo importante para o avanço da proteção social não contributiva. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Secretaria-Geral da Presidência da República. Cúpula social do MERCOSUL. Disponível em: <http://www.secretariageral.gov.br/internacional/mercosul-social-eparticipativo/textofinal>. Acesso em: 13 mar. 2013. 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Anais... Ponta Grossa: UEPG; Mestrado em Ciências Sociais Aplicadas; CDROM - Departamento de Serviço Social, 2009. INSTITUTO SOCIAL DO MERCOSUL. A Dimensão Social do MERCOSUL: Marco Conceitual, Assunção, 2013. KERSTENETZKY, C. L. O Estado do bem-estar social na idade da razão: a reinvenção do Estado social no mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. MERCOSUL. A Dimensão Social do MERCOSUL: Marco Conceitual. Assunção - Paraguai, 2013. Disponível em: http://ismercosur.org/wp396 content/uploads/downloads/2013/04/A-dimens%C3%A3o-social-doMERCOSUL-_web_spread.pdf. MERCOSUL. Plano Estratégico de Ação Social do MERCOSUL. Assunção- Paraguai, 2012.Disponível em: <http://ismercosur.org/doc/PEASPortugues-web.pdf>. Acesso em: 10abr. 2012. 397 FACETAS DO ATENDIMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL EM FOZ DO IGUAÇU/PR Susana Karen Hans Sasson145 RESUMO Ao longo do processo de vitimização da Infância foram sendo construídos mecanismos protetivos direcionados ao segmento, no intuito de coibir tais práticas. Recentemente, o CREAS foi o equipamento criado dentro da política de Assistência Social a fim de atender crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, com uma proposta de fortalecimento/reestabelecimento de seus vínculos familiares. Por ocasião da pesquisa de Mestrado, a autora procurou conhecer a especificidade, a periodicidade e a duração do acompanhamento prestado a essas vítimas no ano de 2012, bem como demais órgãos que tenham atuado nos casos, dentre outros dados. A partir das informações coletadas, acredita-se ser possível construir um entendimento concreto a respeito de algumas das deficiências ainda presentes na política de Assistência Social, e, de maneira mais ampla, na rede de atendimento, apontando para a urgente necessidade de estruturá-la e instituí-la enquanto rede intersetorial. PALAVRAS-CHAVE: CREAS; violência sexual contra crianças e adolescentes; intersetorialidade. INTRODUÇÃO O Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), unidade pública estatal de abrangência municipal ou regional, constitui-se em lócus de referência da oferta de trabalho social especializado no Sistema Único de Assistência Social (SUAS), prestado a famílias e indivíduos em situação de risco pessoal ou social, por violação de direitos. Presta atendimento e acompanhamento individualizado, especializado e continuado, o qual pressupõe acolhida, escuta qualificada e compreensão da situação vivenciada por cada 145 Graduação em Serviço Social pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Pós-Graduação em Metodologia para o Enfrentamento à Violência contra a Criança e o Adolescente pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR). Mestrado Interdisciplinar em Sociedade, Cultura e Fronteiras pela UNIOESTE. Atua como Assistente Social do Ministério Público do Estado do Paraná. E-mail: [email protected]. 398 família/indivíduo, considerando seu contexto de vida familiar, social, histórico, econômico e cultural (BRASIL, 2011). Considerado enquanto porta de entrada para a acolhida de situações de violência sexual, por ocasião da pesquisa de Mestrado, a autora coletou dados neste equipamento no intuito de observar a qualidade do acompanhamento realizado a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual no ano de 2012, através de variáveis como a especificidade, a periodicidade e a duração do acompanhamento ofertado. Além disso, observou-se a participação de outros órgãos no atendimento dos casos, dentre outros dados. A coleta de dados no CREAS ocorreu entre os meses de julho a outubro de 2013, totalizando 68 horas de pesquisa. O ano de 2012 foi eleito por tratar-se de período já finalizado. O levantamento inicial consistiu em encontrar nas agendas do ano de 2012 das quatro técnicas que ali atuavam (duas psicólogas e duas assistentes sociais) as crianças e adolescentes vítimas de violência atendidas neste ano, dado que tal informação não se encontrava sistematizada por tipo de violação. Após levantamento inicial, foram identificadas 57 vítimas. As “pastas de atendimento” as quais se constituíram em objeto de pesquisa, agrupavam o conjunto de informações levantadas ao longo de todo o acompanhamento prestado à criança/adolescente e sua família, a partir dos atendimentos realizados pela equipe do CREAS, contando seja com documentos produzidos pela própria equipe, seja com documentos produzidos pelos demais órgãos da “rede” de atendimento. A partir das informações coletadas, acredita-se ser possível construir um entendimento concreto a respeito de algumas das deficiências ainda presentes na política de Assistência Social, e, de maneira mais ampla, na “rede” de atendimento, apontando para a urgente necessidade de estruturá-la e instituí-la enquanto rede intersetorial. CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL ATENDIDAS PELO CREAS EM FOZ DO IGUAÇU 399 Para fins de pesquisa, primeiramente procurou-se delimitar àqueles órgãos de atendimento que pareceram imediatamente mais importantes para assistir à vítima de violência sexual, a fim de observar, se, ao menos estes, estariam estabelecendo entre si ações coordenadas, com protocolos e fluxos de referência e contra-referência. Os órgãos elencados foram: Hospital Ministro Costa Cavalcanti (HMCC), Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítimas de Crimes (NUCRIA), Conselho Tutelar (CT), Unidade Básica de Saúde (UBS) e CREAS. A tais órgãos, de maneira conjunta, caberia a prestação de atendimentos emergenciais e continuados em matéria de Saúde e Assistência Social, bem como a tomada de medidas para a segurança da criança/adolescente e responsabilização do agressor. No gráfico abaixo, no entanto, percebeu-se que nem todas as vítimas estavam em atendimento por parte da totalidade desses órgãos, o que torna impossível abordar uma situação de violência sexual de maneira adequada. Gráfico 1 – Órgãos de Atendimento às Vítimas Fonte: Dados coletados pela autora Em mais de 50% dos casos atendidos os responsáveis eram o CREAS e o CT. É possível, e bom seria, que essa fosse apenas uma falha de registro do CREAS, não mencionando os demais órgãos participantes do atendimento dessas vítimas. Contudo, isso nem mesmo o CREAS poderia saber, dado sua dificuldade de acompanhamento dos casos. 400 Porém, mesmo se a necessidade real por atendimento, nesses casos, fosse única e exclusivamente desses dois órgãos, seria de se supor que entre eles houvesse uma estreita articulação, o que não se confirmava. Em nenhum dos casos verificados houve a menção dos cinco órgãos atuando de maneira conjunta, e os casos em que quatro deles participaram perfazem apenas 10% do total. Os acompanhamentos de médio e longo prazo prestados a vítima, considerando os órgãos em questão, ficariam ao encargo da UBS e do CREAS. Contudo, no levantamento realizado, encontrou-se a informação de apenas uma vítima sendo acompanhada por profissional de Psicologia na UBS. A relação existente entre essas duas políticas (Saúde e Assistência Social), nos casos verificados, se resumiu a encaminhamentos emergenciais de vítimas do HMCC para o CREAS. A ação continuada não se concretiza e a criança/adolescente permanece vitimizado, antes pela ação de um sujeito, e em seguida pela omissão do Estado. No levantamento de dados realizado, também se procurou mensurar, ainda que de maneira quantitativa, a qualidade dos acompanhamentos prestados às 57 vítimas no ano de 2012. Para isso, uma das estratégias foi levantar as datas dos atendimentos direcionados a cada vítima individualmente, somando-as ao final a fim de saber por quantas vezes uma mesma crianças/adolescente fora atendida. Gráfico 2 – Quantidade de Atendimentos em 2012 Fonte: Dados coletados pela autora 401 Dos 57 casos, 22 (39%) obtiveram apenas um único atendimento. Três casos (5%) não contaram com nenhum atendimento e se referem a situações em que o atendimento foi agendado, sendo preenchida ficha de cadastro da criança/adolescente (não se sabe se mediante contato telefônico ou se a partir de informações de relatórios encaminhados por outros órgãos), mas não houve comparecimento da vítima ou de seus familiares, tampouco houve busca ativa por parte do CREAS a fim de agendar novo atendimento. Uma criança/adolescente vítima de violência sexual certamente precisa de constância e continuidade em seu atendimento. No entanto, o que se percebeu é que em 84% dos casos as vítimas de violência sexual não obtiveram mais de cinco atendimentos no CREAS. Um efetivo acompanhamento persegue a situação até que a mesma seja solucionada, e nos casos analisados isso não foi passível de verificação. As situações não eram resolvidas, simplesmente deixavam de ser atendidas. As pastas eram arquivadas de acordo com o ano do atendimento, e não consideravam a resolução ou não dos casos. Almejando uma possibilidade concreta de interferir na dinâmica das situações vivenciadas, haveria necessidade de atendimentos que fossem, ao menos, semanais. Afinal, quer-se acompanhar a repercussão da violência sobre a vida da criança/adolescente e sua família, minimizando suas consequências. Se considerássemos que todos os casos acima tivessem tido o início de seu acompanhamento em janeiro de 2012 e término em dezembro do mesmo ano, nenhum dos casos contaria sequer com atendimentos mensais, tendo em vista que o número máximo de atendimentos foi onze. Contudo, para uma melhor análise, é possível observar os dados de periodicidade apontados abaixo. 402 Gráfico 3 – Periodicidade dos Atendimentos em 2012 Fonte: Dados coletados pela autora Como é possível constatar, apenas quatro dos 57 casos contaram com frequência semanal ou quinzenal, e nenhum destes contou com mais do que três atendimentos. Na grande maioria dos casos que contaram com mais de um atendimento, não foi possível encontrar regularidade em sua frequência, deixando margem para a constatação de que os atendimentos ocorrem muito mais quando há procura espontânea por parte da família (que está ligada ao seu processo de aceitação/negação da violência sofrida, sendo por isso mesmo irregular) do que por parte do órgão que as atende. É preciso ter em vista também que, 14 dos 57 casos já se encontravam em atendimento em 2011 e 20 continuaram a ser atendidos em 2013. Mesmo assim a regularidade não conseguiu ser estabelecida. Diante de tais informações, teve-se a curiosidade de obter conhecimento a respeito do período total de atendimento. Sendo assim, a data inicial e final146 dos atendimentos foi considerada. Importa dizer que esta foi uma aproximação, dado que em algumas fichas de pesquisa, por não ser objeto inicial da análise, não foram considerados os meses de início do atendimento, apenas os anos. Alguns valores também foram arredondados a fim de materializá-los no gráfico. Os longos períodos se devem a casos que vinham sendo atendidos desde 2008. Nesses casos, pela baixa frequência de atendimentos, as situações não se resolvem e vez ou outra as vítimas acabam retornando ao CREAS. Assim, se 146 A data final limite foi outubro de 2013, quando do encerramento da pesquisa no CREAS. 403 comparado aos gráficos 3 e 4, este dado expressa, de maneira geral, o período sem adequado atendimento às vítimas desde o seu primeiro comparecimento ao CREAS. Gráfico 4 – Durabilidade Total Aproximada dos Atendimentos Fonte: Dados coletados pela autora Nesse gráfico, quer-se chamar a atenção para duas situações: para os atendimentos realizados num período inferior a um ano, e para aqueles com período superior ha três anos. Na primeira situação, tem-se um total de 20 casos, os quais representam 35% do total. Associada a frequência, esta nova constatação referente a curta durabilidade do acompanhamento apenas corrobora na não resolutividade dos casos. Na segunda situação, tem-se um quantitativo de 10 casos, representando 17,5% do total. Nesta já é possível inferir a respeito de um descaso das políticas públicas - voltando o olhar aqui mais especificamente para a política de Assistência Social a qual se constitui em objeto de análise deste estudo - no atendimento das vítimas. Se houvesse frequência na realização dos atendimentos, caracterizando de fato um acompanhamento, e fosse avaliada a necessidade de que estes sujeitos permanecessem sendo acompanhados por até cinco anos, seria uma situação. Contudo, estender um atendimento supérfluo, fragmentado e paliativo por todo esse período de tempo não pode consistir em outra coisa que não na revitimização dessas crianças e adolescentes, uma naturalização e banalização da violência. 404 Em várias situações alarmantes, quando acabou por se questionar as técnicas do CREAS a respeito da continuidade do atendimento nos casos analisados, a resposta obtida foi a seguinte: “Não conseguimos mesmo dar conta dos atendimentos. É a triste realidade”. Neste ponto cabe a seguinte reflexão: onde está o outro na política pública? Um ser coletivo é exposto à violência. Contudo, ao invés dessa coletividade ser invocada a fim de criar estratégias que aliviem um sofrimento coletivo, é invocada para se desviar o olhar do sujeito. É como se não houvesse uma vítima em sofrimento. O olhar é desfocado para aliviar o sofrimento físico e psíquico dos sujeitos que atendem a essas crianças e adolescentes, e que, caso não aderissem a uma espécie de conformismo, não suportariam a dor emocional advinda da frustração profissional por situações não resolvidas e por crianças/adolescentes que, possivelmente, permanecem sendo vítimas de violência sexual, mesmo após sua intervenção. CONCLUSÃO A situação da política social hoje reflete a opção pelo desenvolvimento de um Estado mínimo, que não prevê estratégias para a superação das violações, mas tão somente para a manutenção de um sistema econômico vigente. Desregulamentação e flexibilização exercem sua influência no sentido de políticas cada vez mais focalizadas. Ao contemplar a materialização de tal assertiva na coleta e análise dos dados da pesquisa, percebe-se que essa é a razão essencial, o cerne da questão do não atendimento adequado por parte da política pública. Em sua gênese, ela não foi criada para atender de fato, mas sim para escamotear relações desiguais, para tal como é, servir como paliativo para uma classe que vive do trabalho. O Estado necessita estruturar suas políticas, seus equipamentos. Os recursos públicos precisam ser geridos a fim de, prioritariamente, subsidiar recursos humanos suficientes e habilitados para um atendimento com tal complexidade. Essa seria uma resposta provisória à questão, e relativamente simples. A nova forma de conceber e gerir a política de Assistência Social, estabelecida pela Constituição Federal de 1988 e pela LOAS, exige alterações 405 no processo de trabalho de modo que a prática profissional esteja em consonância com os avanços da legislação. A concepção da Assistência Social como direito impõe aos trabalhadores da política que estes superem a atuação na vertente de viabilizadores de programas para a de viabilizadores de direitos. Há estratégias a serem desenvolvidas no âmbito das políticas sociais, a fim de oferecer efetivo atendimento às vítimas, a despeito da impossibilidade de resolução do problema da violência. O que impede que tais estratégias sejam operacionalizadas é a falta de priorização política desse atendimento, o que reflete nas precárias condições de trabalho vivenciadas pelos serviços. Dessa maneira, a política tem condições sim de sair da abstração e materializar-se na vida dos sujeitos ao qual se destina. REFERÊNCIAS ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. 2. ed. Traduzido por Dora Flaksman. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. AZEVEDO, Maria Amélia; GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo (org). Crianças vitimizadas: a síndrome do pequeno poder. 2. ed. São Paulo: Iglu, 2000. BIDARRA, Zelimar Soares. Pactuar a intersetorialidade e tramar as redes para consolidar o sistema de garantia de diretos. Serviço Social e Sociedade. São Paulo: Cortez Editora, nº99, 2009. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS. Orientações Técnicas: Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS. Brasília: Gráfica e Editora Brasil LTDA, 2011. MINAYO, Maria Cecília de Souza (org). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 29. ed. Petrópolis: Vozes, 2010. 406 I SEMINÁRIO MUNICIPAL DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DE TERRA ROXA-PR: “QUAL MEU PAPEL NO COMBATE DAS MÚLTIPLAS VIOLÊNCIAS?” Camila Andréia de Melo Agrella Jéssica Renata de Souza RESUMO: O presente artigo relata a experiência da organização através do trabalho intersetorial do I Seminário Municipal de Enfrentamento à violência doméstica, realizado no mês de setembro de 2015 no município de Terra RoxaPR, sob a coordenação da Secretaria Municipal de Saúde por meio do trabalho do profissional assistente social. O seminário realizado faz parte das ações do Projeto “Humanizando o Atendimento às Mulheres e Crianças Vítimas de Violência Doméstica” implantado no município desde 2011. Palavras-chave: Violência doméstica; assistente social; intersetorialidade. INTRODUÇÃO De acordo com o Ministério da Saúde “[...] a cada dois dias em média 5 crianças de até 14 anos morrem vítimas de agressão, ou seja, a cada dez horas uma criança é assassinada no Brasil.” (Molin, 2015) Em se tratando da mulher, informações trazidas durante palestra da assistente social Susana Dal Molin (2015) cada 15 segundos uma mulher é agredida no nosso país e, infelizmente a violência doméstica é a principal causa de morte e até deficiência naquelas mulheres pertencentes a faixa etária de 16 a 44 anos de idade, provocando mais mortes do que câncer e os acidentes de trânsito. Segundo a Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SDH, 2015), no ano de 2011, morreram cerca de 24.669 mil pessoas idosas por acidentes e violências no país, expressando por dia 68 óbitos. 407 Os dados apresentados trazem preocupações aos municípios que recebem todos os dias denúncias de violências praticadas a qualquer dos segmentos acima citados que estão em desenvolvimento peculiar (criança e adolescente) e são fragilizados e vulneráveis (idosos e mulheres). O presente artigo trata da construção do objeto de capacitação dos profissionais e da sociedade civil das diversas áreas, na temática da violência doméstica. O relato a ser apresentando diz respeito a prática profissional das Assistentes Sociais inseridas na política pública de Saúde e da Assistência Social do município de Terra Roxa-PR, na efetivação do I Seminário Municipal de Enfrentamento à Violência Doméstica, por meio do trabalho intersetorial. DESENVOLVIMENTO De acordo com o autor Porto (2014, p.13) quando falamos de violência consideramos com uma constante na natureza humana, pois desde a nascer do sol do homem até o anoitecer da civilização esse tema acompanha lado a lado a humanidade, em cada ação do cotidiano na condição humana. Desse modo, podemos perceber em Vazquez (1977, p.379) que a violência é algo exclusivo do homem, pois “[...] na medida que ele é único ser que, para manter-se em sua legalidade propriamente humana, necessita violar ou violentar constantemente uma legalidade exterior (a da natureza).” Neste contexto, na sociedade capitalista, na qual a base é a acumulação por meio da exploração do homem pelo homem, Vazquez (1977, p.382) ressalta que a violência se apresenta de duas formas, de modo direto na violência real ou possível, e indireta que é aquela vinculada a alienação e exploração presentes nas relações humanas. O autor ainda cita que evidenciamos essa violência em diversas expressões como a miséria, a prostituição e principalmente na negação dos direitos das crianças e adolescentes, da mulher, do idoso dentre outros segmentos que degradam o ser social e acontece de forma mais significativa no Brasil. (VAZQUEZ, 1977, P.382) 408 Ao tratar da violência da mulher Porto (2014, p.18) diz que a violência baseada no gênero e nas diversas formas como o assedio e exploração sexual, além dos preconceitos culturais, são conflitantes com a dignidade e os valores da pessoa humana e devem ser extintas. Diante disso, a erradicação dessas diversas violências pode acontecer pela aplicação de medidas legais a nível nacional e internacional em campos como “[...] desenvolvimento socioeconômico, a educação, a maternidade e os cuidados de saúde, e assistência social.” (PORTO, 2014, p.18) É por isso que a Constituição federal de 1988, em seu art. 226, $ 8º, impõe ao Estado assegurar a assistência à família, na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência, no âmbito de suas relações (grifo do autor). O artigo exposto reafirma a necessidade de políticas públicas na intenção de reduzir e erradicar a violência aqui se tratando da doméstica, especialmente aquela contra os mais vulneráveis que estão inseridos na estrutura família sendo eles os idosos, mulheres e crianças. (PORTO, 2014, p.17). Localizado no oeste do Paraná, próxima da região de fronteira com o Paraguai, o município de Terra Roxa originado 14 de dezembro de 1961, tem uma população estimada conforme Cadernos Municipais do IPARDES (2015) de 17.517 mil habitantes e uma economia baseada na confecção da moda bebê. Atualmente o município conta três profissionais assistentes sociais, em cargos efetivos com carga horária de 30 horas semanais. Destas duas estão lotadas na secretaria municipal de assistência social e uma contrata no inicio de 2015 lotada na secretaria municipal de saúde. Dentre as atribuições que a assistente social da saúde Camila Agrella vem realizando desde que assumiu o concurso, foi a retomada do Projeto “Humanizando o Atendimento às Mulheres e Crianças Vítimas de Violência Doméstica”, idealizado desde 2011, por meio das Enfermeiras Telma Camargo Tristão e Vanessa Betânia Palma, que habilitaram o município a receber recursos provenientes do Fundo Estadual de Saúde, de acordo com a Resolução Estadual nº790/2014: 409 Art. 1º - Instituir incentivo financeiro no valor de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) por meio do Tesouro do Estado, para até 96 municípios do Paraná que atenderem os critérios definidos por essa resolução, para o desenvolvimento de ações visando à implantação e/ou implementação do Núcleo de Prevenção de Violências e Promoção da Saúde no âmbito municipal durante o ano de 2015, (Resolução Estadual SESA nº 790/2014). No ano de 2012, foram realizadas atividades de prevenção em escolas e atendimento psicológico as vítimas de violência doméstica. Contudo com a alteração de gestão da Prefeitura Municipal, as enfermeiras responsáveis pelo projeto foram manejadas de cargos, incidindo deste modo na dificuldade de prosseguimento das ações. Em fevereiro de 2015, a Assistente Social, Camila Agrella ao retomar o Projeto, elaborou o Plano de Ações para utilização e execução dos recursos previstos para a realização do mesmo, levando para apreciação do Conselho Municipal de Saúde de Terra Roxa-PR que aprovou através da Resolução Municipal nº 009/2015 e ata nº 142, encaminhado ainda para a 20º Regional de Saúde, na qual pertence o município. Percebe-se aqui que a efetivação das atribuições dos assistentes sociais que passam a ser requisitados para atuar também na formulação e avaliação das políticas, bem como no planejamento e na gestão de programas e projetos sociais, desafiados a praticarem uma intervenção de forma mais critica e criativa. (RAICHELIS, 2009, p.388). Neste sentido, a coordenadora do Projeto realizou Visitas Técnicas a diversos serviços de atendimento as pessoas em situação de violência doméstica e ou/vulnerabilidade social para apresentar o projeto, propor parcerias e realizar a assinatura do termo de compromisso. Na data de 26/09/2015, foi realizada no Centro Administrativo Municipal uma reunião com objetivo de planejar o I Seminário Municipal De Enfrentamento À Violência Doméstica. “Qual Meu Papel No Combate Das Múltiplas Violências?”. Estiverem presentes representantes das secretarias municipais de Educação, Cultura, Saúde e Assistência Social, Conselho Tutelar e APAE. 410 Nesta oportunidade, definiu-se data, horário, local, meios de divulgação, metodologia e dinâmica do evento. A estratégia inicial seria promover o envolvimento e responsabilização da rede de atendimento municipal a demanda do fenômeno social da violência doméstica, partindo-se da compreensão da mesma enquanto dever de todos e importância da intersetorialidade. O objetivo geral do seminário foi a capacitação profissional e da sociedade civil acerca do fenômeno da violência. E como objetivos específicos a capacitação da equipe responsável pelo projeto e trabalhadores da área de saúde, educação, assistência social, segurança e justiça; a disseminação de informações para população sobre os tipos e consequências das violências; ampliação do número de denúncias por parte das vítimas e da sociedade de modo geral; o estabelecimento de parcerias com os setores de atendimento; fortalecimento de ações de prevenção da violência contra criança e adolescente, mulher, idoso e pessoa com deficiência e por fim a articulação e mobilização da rede de atenção intersetorial às pessoas em situação de violência. Dessa forma, ainda no dia 26 de agosto, foram atribuídas responsabilidades para os representantes presentes ficando da seguinte forma: a secretaria de educação comprometeu-se em contribuir na divulgação do evento nas escolas públicas; o Departamento de Cultura responsabilizou-se por oferecer o local para realização do evento, além de promover apresentação cultural de uma peça teatral que abordou a temática referida; a Escola Mundo do Aprender (APAE) sugeriu a dinâmica de acolhimento dos convidados através da entrega de pirulitos na forma de coração e exposição do painel confeccionado em parceria com os alunos trazendo a seguinte mensagem “Espalhe Amor” e a Secretaria de Assistência Social contribuiu efetivamente na divulgação junto às entidades, órgãos da Prefeitura Municipal, poder judiciário entre outros segmentos que atuam direta ou indiretamente com a temática. Além dos demais trabalhos que ficaram da secretaria de saúde que coordena o projeto. Destacamos o trabalho interdisciplinar e intersetorial que é fundamental e estratégico no momento amplia o arco de alianças em volta de temas e projetos comuns, ora no âmbito governamental como na relação com os diferentes 411 sujeitos e ora nas organizações da sociedade civil, principalmente com os usuários dos serviços públicos e suas organizações coletivas. (RAICHELIS, 2009, p.389). A realização do seminário ocorreu em 02 de setembro de 2015, na Casa da Cultura do município. Iniciou-se com a composição da mesa, formada pela coordenadora do projeto e assistente social da saúde Camila de Melo Agrella, os representantes do Ministério Público e Poder Judiciário, da 20ª Regional de Saúde, além do Prefeito Municipal e Secretária de Saúde. Na sequencia, ocorreu a palestra ministrada pelo Juiz de Direito da Comarca o Sr. Dr. Christian Reny Gonçalves que abordou o tema “Violência Doméstica contra Mulher, um enfoque na prática jurídica” (grifo nosso). Logo após a fala do juiz, foi realizada a palestra a Sra. Susana Dal Molin, que é Mestre em Educação e Assistente Social há 20 anos atuando na Prefeitura Municipal de Cascavel e falou sobre “Violência Contra Crianças, Adolescentes e Mulheres.” (grifo nosso). O tema abordado por Susana num contexto geral contribui de modo particular ao reafirmar a relevância do trabalho em rede articulado diante das situações de violência que aparecem nos diversos setores da administração pública. Para, além disso, Susana expôs a experiência da Cidade de Cascavel que conta com uma rede estruturada e articulada. Após a fala da palestrante, foi aberto espaço para debates onde os presentes puderam dialogar, tirar dúvidas e fazer esclarecimentos sobre a violência doméstica. CONCLUSÃO A experiência relatada neste artigo sobre a realização do I Seminário Municipal, na qual abordou sobre a temática da violência doméstica, foi um dos primeiros passos do Projeto “Humanizando o Atendimento à Mulheres e Crianças vitimas de violência doméstica”. A continuidade do projeto traz outras 412 várias ações como a capacitação dos professores das escolas públicas, concurso cultural, mas principalmente a criação e o fortalecimento de uma rede municipal de atendimento que possibilite a garantia dos direitos e a efetivação das políticas públicas no município de Terra Roxa-PR. REFERÊNCIAS BRASIL, Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Disponível em: http://www.sdh.gov.br/assuntos/pessoa-idosa/publicacoes/violencia-contra-apessoa-idosa/view. Acesso em 15 ago 2015. DAL MOLIN, Susana. Palestra: Violência Contra Crianças, Adolescentes e Mulheres. In: I Seminário Municipal de Enfretamento à Violência Doméstica: Qual meu papel no combate das múltiplas violências?, 2015. Terra Roxa. IPARDES. Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social. Disponível em: http://www.ipardes.gov.br/cadernos/MontaCadPdf1.php?Municipio=85990&btO k=ok. Acesso em 15 ago 2015. PARANÁ. RESOLUÇÃO SESA nº 790/2014. (Publicada no Diário Oficial do Estado nº 9363, de 05/01/15). Disponível em: http://www.saude.pr.gov.br/arquivos/File/Resolucao7902014.pdf. Acesso em 26 ago 2015. PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra mulher: Lei 11340/06: análise critica e sistêmica. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. RAICHELIS, Raquel. O trabalho do assistente social na esfera estatal. In: Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009, p.388-389. 413 VAZQUEZ, Adolfo Sanchez. Filosofia da Práxis. Trad. Luiz F. Cardoso, 2. ed. Rio de Janeiro: Pza e Terra, 1977. APROPRIAÇÃO DO TERRITÓRIO POR UM MÉDICO CUBANO EM UMA UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE EM LONDRINA Júlia Ramalho Rodrigues Líria Maria Bettiol Lanza RESUMO 414 O presente projeto buscou compreender o processo de territorialização em saúde vivenciado por um médico cubano do Programa Mais Médicos em um serviço de atenção básica de Londrina. Tendo um grande percentual de médicos cubanos ocupando as vagas do Programa federal através da parceria que o Brasil fez com a OPAS. Este projeto buscou analisar as estratégias utilizadas pelos cubanos para a apropriação do território londrinense e o processo de aproximação da população abrangente deste serviço. A pesquisa se deu de forma qualitativa, tendo como lócus da pesquisa uma Unidade Básica de Saúde, que se fazia presente um médico “cooperado”, que foi o sujeito do estudo. Tendo como fundamentação teórica Santos (2006), foram utilizados levantamento e análise documental e entrevista para compreender como o médico cubano que chega ao Brasil desterritorializado e a partir do estranhamento, se apropria do território londrinense, com sua história e particularidades. Palavras-chave: Programa Mais Médicos; territorialização; atenção básica. Introdução O grupo de pesquisa vinculado ao CNPq “Serviço Social e Saúde, formação e exercício profissional”, ao longo de sua trajetória tem se dedicado a apreender as relações entre a política de saúde e o trabalho do assistente social. Nesse sentido, ao avançar sobre a compreensão da referida política, os territórios147 onde estão os serviços de saúde se configuraram como um elemento a ser investigado e articulado com o trabalho em saúde, do qual participa o assistente social inserido nesse campo sócio ocupacional. Este estudo148 buscou contribuir e fomentar os debates sobre o uso do território pelos profissionais na política de saúde. A partir dos estudos de Santos (2006), consideramos que os migrantes ao chegarem a seu destino passam por um Projeto de pesquisa em curso: “O uso do território pela política de saúde e sua interface no trabalho do assistente social” coordenado pela Profª. Drª. Líria Maria Bettiol Lanza. 148 Iniciação Científica concluída em 2015 a partir da pesquisa “Apropriação do território e suas especificidades por um médico cubano em uma Unidade Básica de Saúde em Londrina PR”, orientada pela coordenadora do mencionado grupo de pesquisa e financiada pelo CNPq. 147 415 processo de desterritorialização, uma forma de estranhamento. Este momento exige-se novos saberes e descobertas para lidar com o novo território, nos aspectos culturais, econômicos, sociais e políticos. Tendo em vista que há essa disparidade entre sua cultura de origem e a qual está inserida agora, este estudo tem como objetivo geral conhecer a apropriação de um médico cubano do Programa Mais Médicos, regulamentada na Lei nº 12.871, do território em que está atuando, já que se apresentaram desterritorializados de sua realidade de origem, mas podem usar metodologias e ferramentas de suas experiências anteriores para o trabalho atual. Considerando também a utilização da concepção ampliada de saúde desde a Constituição Federal de 1988, afirma que a saúde precisa ser vista a partir de determinações sócias econômicas, políticas, culturais, além das biológicas. É preciso analisar o território que o usuário se encontra com suas condições de reprodução social para compreender o processo saúde-doença. Assim, este projeto busca compreender como os médicos cubanos em seu exercício profissional fazem esta aproximação com o território para compreender as determinações da vida humana daquela localidade. A opção por Cuba se justifica na reconhecida atuação no campo da Atenção Primária. Em razão do não preenchimento das vagas ofertadas pelo Programa por brasileiros, o Brasil estabeleceu um acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), que estabeleceu cooperação com o governo cubano, o qual disponibilizou profissionais com experiência e formação na atenção básica para atuar no Brasil. No caso de Londrina, segundo levantamento149 , o Programa Mais Médicos ofertou trinta e seis vagas, sendo preenchidas quinze por médicos intercambistas, sendo treze cubanos atuando em diversas Unidades Básicas de Saúde. O contexto do Programa Mais Médicos no Brasil 149 Consulta realizada no site oficial do Programa Mais http://maismedicos.saude.gov.br e contato com a Secretaria Municipal de Saúde. Médicos 416 Partindo de estudos de Lima (1999) compreendemos que a formação de médicos brasileiros se deu tardiamente e com forte recorte elitista, em que desde o início das primeiras escolas a restrição quanto ao ingresso e o local de sua instalação, ajudam a entender tanto a profissão médica quanto a sua espacialização geográfica no país. A saúde pública brasileira se configura de forma organizada no século em meados do século XX, tendo como marca as práticas campanhistas e higienistas (BRAVO, 2006), porém a assistência à saúde, lócus privilegiado do trabalho médico foi precária, oscilando entre as ações filantrópicas e particulares. Desde 1950, o atendimento hospitalar de natureza privada já estava com sua estrutura montada e iniciou-se a formação das empresas médicas. “A corporação médica ligada aos interesses capitalistas do setor era, no momento, a mais organizada, e pressionava o financiamento através do Estado, da produção privada, defendendo claramente a privatização.” (BRAVO, 2006, pág. 92). Nos anos seguintes do século XX, essa relação estreita dos médicos com o setor privado e os convênios particulares se acirrará. Somente com o processo de redemocratização, em que no caso da saúde, permitiu a construção do Movimento Sanitário, é que outra forma de relação entre os médicos e as necessidades de saúde, serão evidenciadas. Arouca (1975) descreve que os médicos dentro da estrutura social ocupam um lugar e uma função, sendo portadores de uma ideologia. O autor afirma também que a “melhor medicina” seria aquela com função social ampla, na qual o médico conhece toda a comunidade, as pessoas doentes e as sadias. A Constituição Federal de 1988 atende grande parte das reivindicações do movimento sanitário, prejudicando parcialmente os interesses empresarias do setor hospitalar privado, tendo como principais avanços: direito universal à saúde e dever do Estado. No que tange a distribuição dos médicos no país para suprir as demandas do Sistema Único de Saúde, implantado em 1990, os problemas persistem. No documento “Demografia médica no Brasil: cenários e 417 4 indicadores de distribuição”150(CFM; CRESMEP, 2011). O número de médicos para cada mil habitantes já é considerado inferior para o ideal. Quando o recorte da pesquisa são apenas os médicos que atuam nos serviços públicos municipais, estaduais e federais são apresentados índices preocupantes. Dos 388.015 médicos registrados nos conselhos, 55,5% atuam no SUS, sendo então 1,11 médicos para mil habitantes (índice nacional). Os índices regionais mais alarmantes são o da região Nordeste com a razão de 0,83 por 1.000 habitantes e o da região Norte com 0,66 por 1.000, na saúde pública151. A partir desse quadro, segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2015, pág. 14) “O Mais Médicos é um dos mais importantes capítulos da história da Saúde Pública Brasileira e está garantindo, a quem mais precisa do SUS, o direito à saúde152.” Uma das medidas mais polêmicas do governo brasileiro, no interior da categoria médica não há consenso sobre o programa. Alguns dos argumentos contrários é que um dos problemas da não efetivação do SUS é a desigualdade na distribuição médica a nível nacional, investimento nas condições de trabalho e não a falta de médicos, e segundo o Conselho Federal de Medicina, este quadro poderia se reverter se fosse criado um plano de carreira para os médicos no serviço público, garantindo a atração de profissionais para os espaços menos desenvolvidos. A entidade também considera que o Programa é uma medida paliativa, com intencionalidade eleitoral153. 150 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Demografia Médica 2013. Jornal MEDICINA Conselho Federal, Brasil, v / 2013. v.217. 151 Dados encontrados na referência: CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Demografia Médica no Brasil: cenários e indicadores de distribuição. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo: Conselho Federal de Medicina, 2013.v. 2. 256 fls. Disponível em: http://www.cremesp.org.br/pdfs/DemografiaMedicaBrasilVol2.pdf 152 Para mais informações sobre este programa, acesse: BRASIL. Ministério da Saúde. Programa Mais Médicos. Disponível em: http://maismedicos.saude.gov.br/ ou MINISTÉRIO DA SAÚDE. Programa Mais Médicos – Dois anos: Mais Saúde para os Brasileiros. Brasília – DF, 2015. 153 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. CFM rebate comentário de Dilma Roussef sobre atuação dos intercambistas cubanos. MEDICINA: Conselho Federal. Maio 2014. Volume nº 232, Caderno Política e Saúde, pág. 4. 418 O processo de territorialização em saúde: a visão de um médico cubano Considerando que o território é um conjunto de situações históricas, sociais e ambientais que promovem condições para a produção de doenças, o momento do trabalhador em saúde conhecer o território abrangente de seu campo ocupacional é o momento para a caracterização da população e de seus problemas de saúde. A partir de uma aproximação com um médico cubano em uma Unidade Básica de Saúde, através de uma entrevista exploratória, foi possível identificar alguns aspectos que apontam para o processo de territorialização do profissional. A trajetória profissional do médico cubano diversa e extensa, que já trabalhou como médico da Atenção Básica, intensivista em um hospital, professor de uma Universidade e gestor da Secretaria Municipal de Saúde, demonstra que o profissional tem um domínio sobre o sistema de saúde, e este percurso profissional do médico apresenta grande conhecimento da população, bem como do sistema de saúde. Durante a entrevista, percebe-se que uma das motivações do médico para participar do Programa no Brasil foi a solidariedade internacional, no sentido de ajudar outro país quando está com um déficit em algum aspecto. A partir da Lei nº 12.871, artigo 14 está previsto o momento em que o médico receberá orientações sobre a cultural e o perfil epidemiológico da região que irá atuar, como: § 3º O primeiro módulo, designado acolhimento, terá duração de 4 (quatro) semanas, será executado na modalidade presencial, com carga horária mínima de 160 (cento e sessenta) horas, e contemplará conteúdo relacionado à legislação referente ao sistema de saúde brasileiro, ao funcionamento e às atribuições do SUS, notadamente da Atenção Básica em saúde, aos protocolos clínicos de atendimentos definidos pelo Ministério da Saúde, à língua portuguesa e ao código de ética médica (BRASIL, 2013). Algo a ser ressaltado é que o médico cubano relata que no seu exercício profissional em Cuba, ele conhecia “toda a população do bairro, paciente por paciente.”, através de visitas domiciliares com horários adaptáveis à rotina da família. Grande parte da carga horária do médico se dava nas visitas domiciliares por este instrumento ser considerado tão importante para o processo saúdedoença, como Rojas considera: 419 “el servicio o el acceso, aún com conexión domiciliar en la totalidade de los barrios, situación ideal, de seguro tiene frecuencias variables de operación, em algunos barrios diária y en otros días alternos, una vez por semana en determinados períodos; diferente duración em horas del bombeo; y hasta em algunos barrios distribuídas por pipas” (ROJAS, 2008, pág. 101). O médico demonstra que para um bom atendimento ao usuário, requer um bom estudo, uma dedicação específica e aprofundada para cada situação, levando em consideração a concepção ampliada de saúde, observando as particularidades de cada usuário. A estratégia do cubano para reconhecer os atores de seu território abrangente é por meia da visita domiciliar e da própria consulta, por meio de um atendimento com mais comunicação, atenção e interesse pelo usuário. A partir do território, pode ser apreendidas informações como um conjunto específico de condições ecológico-ambientais, culturais, econômicos e políticos com o qual determina a forma e processo de reprodução social da vida humana. Um dos apontamentos do médico nas dificuldades de aproximação do território é que pelo serviço de saúde estar em um local de grande movimentação de pessoas, o profissional não consegue “conhecer todo mundo, muita gente de fora, trabalhando, diferente de Cuba”. O profissional alega que este processo de atração e retração ao território prejudica no bom atendimento ao usuário, visto que não é alguma coisa mecânica e sim um atendimento que requer o conhecimento das condições do usuário. Ainda, apontou que a política de saúde brasileira é no plano legal muito bem estruturada e organizada, mas percebe muitas barreiras para sua efetivação nos territórios. Conclusão Não podemos deixar de ressaltar que o Programa Mais Médicos garantiu acesso ao atendimento médico a 63 milhões de brasileiros em 4.058 municípios e 34 distritos indígenas (BRASIL, 2015) e a partir deste estudo, pode-se considerar que a política de saúde cubana também utiliza do território para a aproximação da população e que o médico cubano do Programa Mais Médicos se utiliza do instrumento da visita domiciliar e também a partir de um atendimento mais humanizado para este processo de territorialização. O médico cubano 420 apresenta diversidade em sua trajetória profissional, com experiência em Atenção Básica, nenhuma dificuldade com a língua portuguesa e que dedica um bom tempo para conhecer a população abrangente de sua UBS. No entanto, a estrutura da política de saúde local, marcada por um expressivo contingente de usuários e sua mobilidade, torna-se um limitador à um processo efetivo de territorialização, bem como a realidade do SUS e seus constrangimentos em relação ao acesso e qualidade dos serviços prestados. Referências AROUCA, A. S. S. O dilema preventivista: contribuição para a compreensão e crítica da medicina preventiva. Campinas, 1975. [Tese de Doutorado, Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP]. BRASIL. LEI 12871, de 22 de outubro de 2013. Institui o Programa Mais Médicos, altera as Leis nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e no 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br. Acesso em ago. 2015. BRAVO, Maria Inês Souza. Política de Saúde no Brasil. In: Mota, Ana Elizabete (et al). Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional. São Paulo: OPAS, OMS, Ministério da Saúde, 2006. p. 88 – 110. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. 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A geografia e o contexto dos problemas de saúde. Rio de Janeiro: ABRASCO: ICICT: EPSJV, 2008. Pág. 88 – 106. SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 4 ed. 2 reimpressão. São Paulo: Editora Da Universidade de São Paulo, 2006. 260 p. 421 DIREITOS HUMANOS E O MOVIMENTO DE CONSTRUÇÃO DA PROTEÇÃO DO TRABALHO INFANTIL Vanice Martins Fedrigo Resumo: O presente artigo visa discutir sob à luz dos Direitos Humanos a trajetória histórica, no cenário nacional e internacional, a construção das normas de proteção ao trabalho infantil. A análise histórica demonstra que o Brasil evoluiu de uma legislação menorista, estigmatizante e moralista, para uma legislação protetiva e garantidora dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes, considerados, sujeitos de direito em condição peculiar de desenvolvimento. Sabe-se que os direitos humanos são frutos de tratados 422 internacionais, ratificado por diversos países. O Brasil, como signatário de tratados de direitos humanos propõe-se a cumprir normas que preconizam a erradicação do trabalho infantil e a proteção ao trabalho do adolescente. Para tanto, é necessário que tais preceitos sejam incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro e cumprido pelos seus poderes e pela sociedade. Palavras-chave: Trabalho Infantil, Direitos Humanos e Direitos da Criança e do Adolescente. O presente estudo visa discutir sob à luz dos Direitos Humanos a trajetória histórica, no cenário nacional e internacional, a construção das normas de proteção ao trabalho infantil. Embora não discutiremos a questão social da origem, desenvolvimento e permanência do trabalho da criança e do adolescente, nos diferentes períodos históricos é importante destacar que na história da humanidade dois tipos de infância coexistem: a dos filhos das famílias nobres, reais e burguesas e a dos filhos dos servos, escravos, camponeses, trabalhadores e pequenos comerciantes. (SOUZA, 2001) Por isso, percebe-se que ao longo do desenvolvimento e organização das sociedades, a realidade do trabalho infantil tem sido vivenciada pelas crianças provenientes da classe dos excluídos das decisões políticas, da distribuição da riqueza socialmente produzida, das manifestações culturais, ou seja, da condição cidadã. Verifica-se que a exclusão social e econômica de crianças e adolescentes e de suas famílias, ensejou, ao mesmo tempo, a inclusão precoce na atividade laboral, desconsiderando a questão dos Direitos Humanos. Para tanto, inicia-se a definindo o que são os Direitos humanos, os quais são os direitos fundamentais da pessoa humana, enunciados historicamente a partir de processos de lutas entre projetos societários distintos de reconhecimento pelas legislações nacionais e normas internacionais, da inerente dignidade de todo indivíduo, independentemente de raça, sexo, idade ou nacionalidade. A busca por sua efetivação envolve interesses de classes sociais 423 e segmentos a elas internos. Sendo assim, estes interesses distintos e diversos levam a que direitos humanos sejam resultado de lutas sociais e de conflitos entre distintos sujeitos sociais, perspectivas políticas e ideológicas (RUIZ, 2014). A Declaração Universal dos Direitos Humanos é uma construção histórica e social que afirma os valores fundamentais proclamados pela humanidade no século XX, diante da necessidade de reconstrução da ordem internacional pautada em referenciais éticos e na valorização dos direitos humanos. Ela não se apresenta como documento definitivo, pois, sendo históricos os direitos do homem, estes acompanham as transformações sociais implementadas pela sociedade no curso de seu desenvolvimento. A consagração de tais direitos constitui um traço marcante do processo civilizatório, e sua efetiva implementação, um indicador do nível de desenvolvimento humano atingido por um povo ou nação. Tendo como antecedentes históricos a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão francesa de 1789 e a Constituição Norte-americana com suas dez primeiras emendas, aprovadas em 1789, o principal diploma proclamador dos direitos humanos, atualmente, é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela ONU em 1949. Ela reconhece como direitos fundamentais de todas as pessoas, além da dignidade, o direito à vida, à liberdade, à segurança, à igualdade perante à lei, ao trabalho e à propriedade, entre outros, presentes no Artigo 10 desta declaração. Disso resulta a responsabilidade de todos os Estados, de conformidade com a Carta das Nações Unidas, de fomentar e propiciar o respeito aos direitos humanos e as liberdades fundamentais de todos. O Brasil tem construído e aprovado inúmeras legislações de proteção e reparação de direitos, tais como, Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei que prevê a tortura como inafiançável e não-anistiável, Estatuto do Idoso, Lei de Defesa do Consumidor, dentre outras. Além disso, o país vem se tornando signatário de inúmeros instrumentos internacionais no campo da defesa dos direitos humanos, adotando princípios do Direito Internacional. Sendo assim, o Brasil compromete-se com o Sistema Internacional de Proteção dos Direitos 424 Humanos154 e às Liberdades Individuais. Dessa forma, instrumentos internacionais de proteção devem ser criados, partindo-se do pressuposto de que o campo dos direitos humanos não é apenas uma questão dos Estados nacionais, mas é assunto de interesse internacional. No cenário internacional durante o século XX, cresce a preocupação com o bem-estar, proteção e defesa da criança, expresso em documentos internacionais – declarações e convenções – emanados de diversos órgãos internacionais e regionais. Criou-se, assim, um direito internacional da criança, que engloba uma coleção de diplomas legais que visam uniformizar o tratamento protetor das crianças de todos os povos ligados às organizações internacionais e regionais. Com estes instrumentos concedem à criança a qualidade de sujeito de direito no plano internacional nas suas vertentes de direitos humanos e de direito humanitário. (JACOB, 2013) As iniciativas internacionais em prol da proteção de criança tem início com a Convenção aprovada pela Conferência Internacional do Trabalho de 1919, que adotou a idade mínima para o trabalho155. Nesta mesma convenção foi criada a Organização Internacional para o Trabalho – OIT156, criando princípios orientadores da política internacional para as relações trabalhistas, dentro deles estava à abolição do trabalho infantil. (COELHO, 2007) Em 1924, foi aprovada pela Assembléia da Liga das Nações Unida, a Declaração de Genebra dos Direitos da Criança157, o primeiro instrumento internacional de proteção internacional à infância. Contudo, por não possuir força 154 O Sistema Nacional de Proteção aos Direitos Humanos e as Liberdades Fundamentais institui obrigações gerais aos Estados que dele fazem parte em relação a todo indivíduo. 155 A Convenção nº 5, de 1919, estabeleceu a idade mínima de 14 anos para o trabalho na indústria (art. 2°), tendo sido ratificada pelo Brasil em 1934. A Convenção n° 6, de 1919, promulgada pelo Decreto n° 423, de 12-12-1935, proibiu o trabalho de crianças no período noturno nas indústrias. 156 O objetivo principal da OIT é reivindicar melhorias nas condições de trabalho no mundo, visando a proteção dos trabalhadores. A luta pelo fim do trabalho infantil é uma de suas prioridades. (COELHO, 2007) 157 Em seu Artigo IV, trata pela primeira vez sobre a proteção ao trabalho infantil, “A criança precisa ter a possibilidade de ganhar seu sustento e deve ser protegida de toda forma de exploração.” 425 vinculativa aos Estados, não conseguiu lograr amplo reconhecimento pelos países. (SOUZA, 2001) Apenas com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948, pela Assembléia Geral das Nações Unidas, verifica-se uma importante evolução na percepção sobre a proteção à criança. No seu art. 25, §2, estabelece que “a maternidade e a infância tem direitos a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças nascidas dentro e fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social”. Portanto, determina, universalmente, que a criança deve ter amparo e cuidados especiais, em face de suas peculiaridades físicas e psicológicas em que vive. O arcabouço valorativo construído pela Declaração Universal dos Direitos do Homem serviu de fundamento para elaboração da Declaração Universal dos Direitos da Criança, em 1959, que deu o passo inicial para fixação da Doutrina de Proteção Integral da Criança, a qual, prega, em síntese, o interesse superior da criança e considera pela primeira vez como sujeitos de direitos. A criança não é mais vista como extensão do núcleo familiar, mas sim como sujeito de direitos, merecendo pois, proteção integral, consoante determina o principio Segundo da Declaração in verbis: A criança gozará proteção especial, e lhes serão proporcionadas oportunidades e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade. Na instituição de leis visando este objetivo levar-se-ão em conta sobretudo os melhores interesses da criança. Essa teoria ganha força e aceitação com a aprovação da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989. 426 A Convenção sobre os direitos da criança é um instrumento normativo internacional de direitos humanos mais aceito na história da humanidade. Foi ratificado por 192 países. Apenas os Estados Unidos e a Somália não ratificaram a Convenção. Em seu artigo 3˚, a Convenção deixa expressa que todas as ações relativas as crianças devem levar em conta, primordialmente, seu melhor interesse. Dessa maneira, e estabelecendo princípios de amparo à infância, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança abarcou a Doutrina de Proteção Integral das Nações Unidas para a criança. Destarte, após séculos de esquecimento e desamparo com as crianças, a Declaração Universal dos Direitos das Crianças reconhecem os direitos capazes de assegurar vida digna e pleno desenvolvimento às crianças. No mesmo viés da historia mundial, no Brasil, a valorização da criança e do adolescente está intimamente relacionada à classe social que ocupa. Dessa forma, a origem do trabalho infanto-juvenil em solo brasileiro, estabelece-se alicerçado em um pensamento de segregação, o qual se mostra mais visível, quando verificada a evolução legislativa sobre o tema. Durante as vigências dos Códigos de Menores de 1927 e 1979, o tratamento disponibilizado pelo mundo jurídico à criança e ao adolescente foi o sistema tutelar, baseado na Doutrina da Situação Irregular. Consideravam-se os menores em situação irregular como uma patologia social, ou seja, aqueles que além de praticar infrações penais eram vitimas de maus-tratos, abandonados, abusados e negligenciados. Com este entendimento, a ação do Juiz de Menores, marcada pela ausência de rigor procedimental, que permitia um julgamento autoritário, disfarçado de discricionaridade, uma vez que cabia ao juiz as funções tanto jurisdicionais como administrativas. Sua ação era, portanto, restrita as situações que envolviam uma infância em condições de abandono ou em vias de tornar-se delinqüente. (SOUZA, 2011) A partir da década de 1980, o Brasil lentamente retorna ao regime democrático tendo como ápice a promulgação da Constituição Federal de 1988, 427 conhecida como a Constituição Cidadã, por priorizar de modo extensivo, em seu texto, a garantia dos direitos fundamentais. Com relação à criança e ao adolescente, merece destaque o artigo 227158, resultado das propostas das emendas constitucionais apresentadas pela sociedade civil em prol da proteção a infância. A Constituição de 1988 traz, sobretudo em seu Artigo 7º, inciso XXXIII e Artigo 227 - alterado pela Emenda Constitucional nº 20/1998, no art. 60 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – (Lei Federal nº 8.069/1990) e na Convenção nº 138 da OIT, ratificada pelo Brasil (Decreto nº 4.134/2002) - as principais regulamentações a respeito do trabalho infantil. O primeiro dispositivo diz respeito à idade mínima de acesso ao trabalho. Proíbe qualquer atividade laborativa abaixo dos 14 anos e o permite somente como regime de aprendiz entre os 14 e 16 anos, proibindo expressamente o trabalho perigoso ou insalubre abaixo dos 18 anos de idade. (BRASIL, 1988). O conceito de trabalho infantil adotado pelo Brasil está definido no Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador, e transcrito a seguir: “Trabalho infantil refere-se às atividades econômicas e/ou atividades de sobrevivência, com ou sem nacionalidade de lucro, remuneradas ou não, realizadas por crianças ou adolescentes em idade inferior a 16 anos, ressalvada a condição de aprendiz a partir dos 14 anos, independentemente da sua condição ocupacional.” (2011) A abordagem da criança e do adolescente na Constituição de 1988 tem uma diferença cabal em relação às outras normas semelhantes de outras eras do nosso país, ou seja, deve-se salientar que, nesse texto constitucional, a proteção deve ser assegurada a todas as crianças e adolescentes, e não apenas 158 "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão." (BRASIL, 1988) 428 às que estivessem em situação de risco, à margem da sociedade, como disciplinavam outros dispositivos, como os Códigos de Menores. A Constituição de 1988 entende todas as crianças como sujeitos de direitos, seres humanos em desenvolvimento. A partir disso é que a Constituição de 1988 deu sustentação jurídica para a elaboração e aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990. Que, por sua vez, estabeleceu uma das instituições que viria a ser fundamental na década de 90 na luta contra o trabalho infantil: o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) e os Conselhos de Direitos Estaduais e Municipais, bem como os Conselhos Tutelares. (BRASIL, 2011). Reconhecido internacionalmente como um dos instrumentos legais mais avançados na defesa dos direitos da infância, o ECA, instituído pela Lei n˚ 8069/1990, é a expressão da nova ordem constitucional inaugurada em 1988 e em sintonia com os diplomas internacionais na luta pela proteção especial de crianças e adolescentes, principalmente no que se refere à proteção do trabalho infantil, o qual reserva o Capítulo V, do Título II, para a regulamentação do direito à profissionalização e à proteção no trabalho. Os dispositivos do Estatuto, que englobam o art. 60 até o art. 69, tratam sobre a idade mínima para o trabalho, a aprendizagem, os trabalhos proibidos e, por fim, respeitam o tema do capítulo, frisando a necessidade de respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e de capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho. Diante do exposto, percebe-se que tanto no cenário nacional quanto mundial, historicamente, vem se ampliando a preocupação com a defesa dos Direitos Humanos e a proteção do trabalho infantil, configurados em normas, leis, tratados e convenções, mesmo assim, a violação desses direitos ainda persistem. O sistema capitalista em sua busca incessante pelo lucro, a manutenção do status quo, a hierarquização preservada pelas relações de poder, são “princípios” enraizados na sociedade que contribuem para a perpetuação do trabalho infantil e demais violações dos direitos humanos. 429 Novos desafios e novas questões surgem ao passo que velhas problemáticas não foram totalmente superadas, não raro adquirindo complexidades que lhe dificultam o combate e carecendo de novas e urgentes formas de enfrentamento. A análise histórica demonstra que o Brasil evoluiu de uma legislação menorista, estigmatizante e moralista, para uma legislação protetiva e garantidora dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes, considerados, legalmente como sujeitos de direito em condição peculiar de desenvolvimento, os quais necessitam de proteção especial. Sendo assim, para erradicar esta problemática, é preciso muito mais do que um desenvolvimento econômico distributivo, leis amplas de direitos, é necessário o rompimento com o projeto político-econômico posto. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. BRASIL. Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador. 2ed. Brasília: Ministério do Trabalho e Emprego, 2011. COELHO, Paiva Inês. Fazer girar o mundo. Promover a educação, eliminar o trabalho infantil. IN: XAVIER, Ana Izabel. A Organização das Nações Unidas. 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Trata-se de uma proposta iniciada a partir da percepção dos supervisores acadêmicos quanto às condições de execução da supervisão de campo. Desta observação, do acompanhamento dos encontros e análise das sistematizações produzidas evidenciou-se o predomínio da concepção de estágio associado à: treinamento, vivência da prática, aplicação da teoria, desconfigurando sua transversalidade no processo formativo. PALAVRAS-CHAVE: Serviço Social. Formação continuada. Estágio supervisionado. 431 1 INTRODUÇÃO Este artigo tem por objetivo apresentar a proposta de formação continuada executada pelo Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina, direcionada aos supervisores de campo, no biênio 2013 2014. Trata-se de uma proposta iniciada a partir de três indicadores fundamentais: a percepção dos supervisores acadêmicos, no momento da visita aos campos de estágio onde se identifica as condições de execução da supervisão de campo; o contato dos supervisores de campo com o coordenador de estágio, indicando a necessidade de aprimoramento profissional em decorrência da complexificação das demandas apresentadas no seu campo profissional; a necessidade de refletir sobre a construção de estratégias para envolver o estagiário tanto no planejamento como na execução das ações de caráter analítico e interventivo. A capacitação foi formulada pela equipe de supervisores acadêmicos responsáveis por acompanhar os alunos do terceiro e quarto anos após sua inserção no estágio. Para fins deste artigo serão apresentadas a proposta da capacitação, os procedimentos para a formação das turmas e a análise do modo como os supervisores planejam a supervisão. 2. A PROPOSTA DA CAPACITAÇÃO DIRECIONDA AOS SUPERVISORES DE CAMPO: a indissociabilidade entre formação e a execução da supervisão de campo O estágio é considerado como elemento fundamental para a formação teórica e prática do assistente social. Segundo as diretrizes curriculares do Serviço Social, o estágio supervisionado deve ser compreendido como uma atividade curricular obrigatória, que se estabelece a partir da inserção do aluno no espaço sócio-ocupacional /campo de estágio, com o objetivo de capacitá-lo para o exercício profissional. No decorrer do estágio o aluno é desafiado a reconhecer e experienciar situações decorrentes das desigualdades sociais, identificando a complexidade das expressões da “questão social” e o modo como se materializam e são vivenciadas pelos usuários. A educação permanente 432 assume uma densidade maior quando se trata de profissionais que supervisionam outros profissionais em formação. O processo de supervisão de estágio em Serviço Social permite a compreensão de um campo complexo de significações haja vista que, “[...] só o estágio permite a análise concreta de situações concretas” (Guerra & Braga, 2009, p. 534). A concretização do estágio supervisionado pressupõe algumas estratégias de operacionalização envolvendo as Universidades: a qualificação dos cursos de graduação; a eudcação permanente dos supervisores de campo; o planejamento e a realização do acompanhamento sistemático e permanente do aluno via supervisão acadêmica. Enquanto processo de ensino-aprendizagem, a supervisão envolve conjuntamente tanto o supervisor acadêmico quanto o de campo. Além disso, [...] prevê a realização de encontros sistemáticos nos quais se constrói, se acompanha e se avalia o plano de estágio, tendo por base os objetivos a serem alcançados, as metas, os instrumentos e estratégias didático-pedagógicas. Essa avaliação deve ser realizada continuamente, contemplando duas dimensões: a avaliação do processo de estágio e a avaliação do desempenho discente, assegurando a participação dos diversos segmentos envolvidos (supervisores acadêmicos e de campo e estagiários (GUERRA e BRAGA, 2009, p. 543). Esses encontros sistemáticos entre supervisores acadêmicos e de campo constituíram-se em espaços fundamentais para oportunizar condições para a apreensão crítica do cotidiano profissional, identificando as mediações que particularizam essa realidade à luz da produção teórica, contribuindo assim para a problematização necessária à formação e ao exercício profissional. A capacitação ocorreu por meio de dois módulos, divididos em seis encontros, a saber: no Módulo 1 o tema central é: “ O processo de estágio e a supervisão em Serviço Social”. A proposta deste módulo é garantir a capacitação inicial dos supervisores, problematizando a partir de suas experiências profissionais e do exercício da supervisão de campo, a centralidade do estágio no processo formativo, as concepções de estágio e de supervisão e as normativas legais. No Módulo 2, o tema central foi “O cotidiano profissional e as demandas contemporâneas da profissão”. Nesse módulo o objetivo foi de instrumentalizar 433 os supervisores teórica, ética, técnica e politicamente para pensar o cotidiano profissional; o projeto de intervenção; as condições objetivas e subjetivas de trabalho; a materialização dos princípios éticos; a dimensão investigativa e a produção do conhecimento, bem como os rebatimentos nas respostas profissionais e, particularmente, no processo de supervisão. A metodologia construída para o desenvolvimento da capacitação envolveu uma perspectiva dialógica, fazendo uso de estratégias didático-pedagógicas facilitadoras para o debate, discussão e problematização da realidade e do cotidiano profissional. Na realização das oficinas priorizou-se a partilha das experiências, cabendo aos executores acrescentar elementos que qualifiquem o exercício da supervisão. Para a execução da Capacitação foram montadas três turmas, obedecendo aos seguintes critérios: graduação em Serviço Social e atuar como supervisor de campo. O convite foi dirigido inicialmente a 219 (duzentos e dezenove) profissionais cadastrados na Coordenação de Estágio do Departamento de Serviço Social na UEL. A primeira turma recebeu 49 inscrições e 32 participantes. A segunda turma recebeu 22 inscrições e 12 participantes; e a terceira turma recebeu 21 inscrições e 18 participantes. Os participantes caracterizam-se da seguinte forma. Quanto a área de atuação, 34 assistentes sociais atuam ná área da assistência social; 04 na área de atendimento à mulher; 03 na área da habitação; 05, atuam no sistema sóciojurídico; 11 na área da saúde; 04 na área da sócioeducação; 01 empresa privada. Com relação ao ano de formação: na década de 1980 tem-se 10 supervisores; na década de 1990 tem-se 16 supervisores e nos anos 2000, tem-se 36 supervisores. Foi solicitado aos supervisores que informassem o tempo que exercem esta função. Esta pergunta foi deixada em branco por 20 profissionais. Os demais responderam a seguinte forma: 19 entre um a cinco anos; 18 informaram a mais de cinco anos e, 05 informaram a menos de um ano. Este artigo foi elaborado com o objetivo é o de compreender as concepções de estágio e de supervisão apresentadas pelos supervisores de campo participantes da capacitação e as implicações para o processo formativo dos assistentes sociais. Durante o desenvolvimento e acompanhamento da 434 capacitação dos supervisores de campo foi possível identificar as concepções que os mesmos têm a respeito do estágio e da supervisão e as implicações dessas no processo formativo dos assistentes sociais. Quando instigados a refletir sobre o que entendiam e compreendiam por estágio, os supervisores registraram: “Momento de preparação; construção de um olhar próprio sobre a profissão; formação da identidade profissional” / “Disciplina; processo de formação; processo que possibilita relacionar a teoria e a prática” / “Espaço de reflexão teoria e prática” / “Processo de aproximação da realidade social; mediação entre teoria e prática; possibilitar visão analítica e crítica do aluno/estagiário” / “É um dos eixos estruturantes no processo de formação; é uma condição para formação; pressupõe articulação das disciplinas x experiências” / “Exigência curricular; ação que possibilita experienciar a prática profissional” A discussão do estágio supervisionado está atrelada a condição de trabalho do assistente social, principalmente no que se refere ao assalariamento e a complexidade das demandas para a construção de respostas interventivas. Quando instigados a refletir sobre o estágio e sua concepção, os supervisores de campo tiveram a oportunidade de suspender temporariamente o cotidiano, uma vez que enquanto trabalhadores assalariados nem sempre se tem essa possibilidade. Nos registros identificamos uma compreensão de estágio que reflete as diferentes concepções de educação e de processo de ensinoaprendizagem que atravessaram historicamente a formação profissional dos assistentes sociais. Ainda que estejamos vivenciando um momento e um projeto de formação profissional que prima por sua criticidade, com densidade teórica, técnica, ética e politicamente, ancorada pela Política Nacional de Estágio da ABEPSS, pelas resoluções e normativas da profissão, pelas Diretrizes Curriculares, a contradição se faz presente na medida em que hegemonicamente o projeto de educação não caminha nessa perspectiva. Identifica-se que uma parte dos supervisores relaciona o estágio a uma disciplina. Outros relacionam o estágio a uma experiência por meio da qual os alunos podem se aproximar de forma concreta da realidade vivenciada pelos 435 profissionais nos respectivos campos ocupacionais. Outros ainda afirmam ser o estágio espaço de aprendizagem tanto do supervisor com do aluno. Os supervisores reconhecem o estágio como um espaço privilegiado da formação profissional, por garantir a aproximação com a realidade profissional e ser potencialmente uma oportunidade para a construção do conhecimento. Ainda se faz presente uma concepção de estágio associada a treinamento, a vivência da prática, a aplicação da teoria. O que se percebe é que o estágio continua sendo associado ao conhecimento prático desconfigurando a transversalidade que o mesmo assumiu no processo formativo. A percepção é de que há uma visão equivocada sobre a centralidade do estágio na formação, prevalecendo uma interpretação, sustentada em uma lógica instrumental, de que é através da vivência do estágio, exclusivamente, que o estagiário vivenciará o ensino da prática. Neste sentido o aprendizado é reduzido a repetição de tarefas, a apropriação do uso dos instrumentos técnico-operativos de atendimento direto ao usuário. Entende-se que o ensino da prática profissional ao privilegiar a análise da realidade sob a lógica da totalidade deve rechaçar a lógica instrumental que perpassa ainda os currículos das Escolas de Serviço Social que tendem separar disciplinas ditas “teóricas” e as disciplinas “práticas”. Essa dualidade na estrutura curricular reforça uma concepção de prática profissional reiterativa, mecânica e linear onde prevalece a ideia de que para ensinar a prática não se faz necessário aprimoramento teórico e intelectual e leitura crítica dos processos sociais. Nunca é demais relembrar o que nos apontou Kameyama (1989) ao refletir sobre a unidade teoria e prática, " a teoria e a prática constituem, portanto, aspectos inseparáveis do processo de conhecimento e devem ser consideradas na sua unidade," [...]" (KAMEYAMA, 1989, p. 101). É importante frisar que a teoria por si só não transforma a prática, pois para que isso ocorra é necessário realizar mediações, pois a teoria não se transforma de imediato em ações. Ao analisar a relação teoria e prática no currículo, Ferreira (2004) explicita que "[...] o caráter interventivo da profissão deve estar presente em todo currículo, isto é, todos os conteúdos do currículo devem ser a base para formar um profissional que vai intervir na realidade." (FERREIRA, 2004, p.29). 436 Portanto, o ensino da prática precisa perpassar os três núcleos fundantes da formação profissional, a saber: núcleo de fundamentos teórico-metodológicos da vida social, núcleo de fundamentos da particularidade da formação sóciohistórica da sociedade brasileira e núcleo de fundamentos do trabalho profissional. Com relação ao processo de supervisão, os supervisores registraram suas concepções em relação à supervisão direta e sua instrumentalidade. Em relação ao entendimento sobre supervisão, responderam: “Processo contínuo de aprendizado na relação direta entre aluno/supervisor”/ “Processo de aprendizagem que envolve aluno, profissional e academia buscando preparar o aluno para o exercício profissional” / “Orientação, acompanhamento, reflexão, observação sistemática e supervisão continuada” / “É aquela feita no campo de estágio com um estagiário, onde ele pode comparar teoria e prática, além de esclarecer as dúvidas. Acontece de forma "assistemática", conforme o campo” / “É aquela que ocorre entre o profissional e o estagiário, baseado na legislação do estágio” / “Acompanhamento sistemático entre o supervisor e estagiário acerca das ações realizadas e vivenciadas no campo de estágio”. Com relação a supervisão é nítida a percepção de que decorre de um acompanhamento construído pelo profissional para o estagiário; que deriva da percepção que os profissionais têm acerca das dificuldades vivenciadas pelos estagiários tanto na apreensão como na experienciação do exercício profissional do assistente social. Ao analisar como ocorre a supervisão, os supervisores responderam: “Através de planejamento sistemático num processo contínuo de aprendizado mútuo” / “Com encontros planejados e também concomitante na prática profissional” / “Supervisão direta periódica, com observação do estagiário em suas relações dentro da instituição, discutindo dúvidas e intervenções e relacionando-as com a teoria, a legislação, conceitos e concepções. Discussão de temas” / “Com dia e horário pré-estabelecido. Por meio de conversas informais, durante a rotina de trabalho”. As concepções de estágio dos supervisores rebatem na compreensão acerca do processo de supervisão bem como de sua instrumentalidade. A supervisão é compreendida muito mais como momento, reunião, encontro e não como processo. E mesmo quando se referem à supervisão como um processo a forma pela qual ela é materializada não corresponde à processualidade 437 referida. Alguns registros deixam explícito a ausência de um planejamento para a concretização da supervisão, tanto quando se referem ao seu como a sua periodicidade. Evidencia-se uma falta de clareza e de entendimento sobre a supervisão que passa a ser materializada com base nas necessidades pontuais e emergenciais apresentadas pelos alunos; na experiência do profissional. Sob esta lógica as dúvidas podem ser respondidas por meio de conversas informais, sem conteúdo previamente definido e sem sistematização. A discussão sobre o cotidiano profissional é realizada sem respaldo teórico, ético e político, o que contribui para reforçar a visão e um conhecimento imediatista da realidade e dos processos de trabalho. Se a supervisão pode ser considerada um processo e não atividade descontínua precisa ser planejada tanto pelo supervisor como pelo aluno estagiário. Neste planejamento devem estar contidos também os instrumentos de acompanhamento e avaliação do desempenho dos estagiários, que contribuam no processo de ensino-aprendizagem, e reconheçam sua condição de aprendiz. Ao desempenhar esta competência é requerido do assistente social uma formação que o capacite a formar outros profissionais para o exercício desta profissão. Isso se evidencia quando os supervisores de campo mostram-se inseguros para discutir acerca das ações que desenvolvem bem como das estratégias pedagógicas que colocam em movimento nesse processo, apontando um caleidoscópio de práticas e uma diversidade de concepções sobre a supervisão. Os dados revelam que a supervisão tem sido realizada em um contexto incerto, impreciso fazendo com os supervisores de campo transitem por onde se sentem seguros: a experiência profissional como modelo, como referência para o estagiário implicando em uma concepção de ensinoaprendizagem que prioriza a imitação, a repetição como estratégia de aprendizagem. É possível perceber também que a mudança na legislação que trata do estágio e da supervisão em Serviço Social não tem sido suficiente para resolver os problemas que temos vivenciado isso porque o estágio e a supervisão se materializam em um campo institucional que sofre todos os rebatimentos do mundo do trabalho e que, concretamente, podem ser visualizados através das condições objetivas de trabalho dos profissionais. 438 Condições essas que trazem implicações para o processo formativo, particularmente para o processo de supervisão que também se torna precarizado. Essa tensão que se coloca torna-se um grande desafio para a materialização dos princípios defendidos no projeto de formação que defende entre eles a indissociabilidade entre a formação e o exercício profissional. 3.CONCLUSÃO A capacitação possibilitou a reflexão acerca do estágio e da supervisão. Com relação ao estágio e a supervisão, percebe-se que o mesmo vem sofrendo os rebatimentos da organização do mundo do trabalho, através da precarização das condições de trabalho dos profissionais, sejam eles supervisores de campo ou acadêmicos, enfraquecendo a dimensão pedagógica e acirrando a dimensão controlista, gerencial, administrativa e burocrática. Os impactos desse cenário adverso no exercício e na formação profissional produzem um quadro preocupante. Em relação ao exercício profissional podemos identificar situações como: precárias condições de trabalho dos profissionais tanto pela ausência de condições éticas e técnicas como também pela fragilização dos contratos de trabalho e da condição salarial; a primazia da racionalidade instrumental que contribui para a fragilidade teórico-metodológica dos profissionais e, consequentemente, pela predominância de respostas profissionais imediatas e fragmentadas que reforçam a funcionalidade das políticas sociais e a despolitização da questão social. Em relação à prática da supervisão de estágio percebeu-se: o supervisor de campo que não se vê como educador comprometendo o processo formativo; há a desqualificação da supervisão vista como momento e não processo; a supervisão é entendida como sobretrabalho; as condições de estágio são precárias e não cumprem com a legislação profissional. Quanto aos impactos na formação profissional, destacam-se: formação aligeirada devido à precarização do ensino; precarização das condições de trabalho dos docentes; supervisão como sinônimo de práticas terapêuticas não havendo unidade teoria-prática; condução diversa da 439 supervisão o que demonstra o caleidoscópio de práticas e a fragilidade de referenciais teórico-metodológicos que não favorece a problematização das demandas trazidas pelos alunos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FERREIRA, I.S.B. O desenho das diretrizes curriculares e dificuldades na sua implementação. Temporalis, Brasília, ano IV, n. 8, jul.- dez. 2004. GUERRA, Y.; BRAGA, M.E. Supervisão em Serviço Social. In: Serviço Social: Direitos Sociais e Competências Profissionais. CFESS/ABEPSS, 2009, p. 531-552. KAMEYAMA, N. Concepção de teoria e metodologia. In: A Metodologia do Serviço Social. Cadernos ABESS n.3. São Paulo: Cortez, 1989, p.99-116. SERVIÇO SOCIAL NA PARANAPREVIDÊNCIA: Desafios e contribuições profissionais no asseguramento de direitos previdenciários. Elza Fernandes Kotowicz159; Francisca Maria De Assis De Queiroz160; Fabiane Bastos Lira161; Maria Auxiliadora Alencar De Oliveira162; Maria De Lourdes Murbach163; Marlene Domacoski164; Simone Louise Ross De Siqueira165. RESUMO Este artigo visa colaborar para o fortalecimento do projeto ético-político profissional na construção do Serviço Social na política previdenciária. Tem como finalidade apresentar a prática do Serviço Social na PARANAPREVIDÊNCIA e as contribuições profissionais no asseguramento de direitos previdenciários por meio do relatório social. Para tanto, contou com a participação de vários autores para a descrição da prática e o desenvolvimento 159 Assistente Social na Paranaprevidência; Assistente Social na Paranaprevidência; Especialista em Gestão de Políticas, Projetos e Programas Sociais PUC/PR; Mestranda em Direitos Humanos e Políticas Públicas na PUCPR; 161 Assistente Social na Paranaprevidência; 162 Assistente Social na Paranaprevidência; 163 Assistente Social na Paranaprevidência; 164 Assistente Social na Paranaprevidência; 165 Assistente Social na Paranaprevidência; Especialista em Gestão de Políticas, Projetos e Programas Sociais PUC/PR. 160 440 do trabalho. Evidencia a contribuição profissional para os diversos setores da empresa, na garantia de direitos previdenciários a uma parcela significativa de usuários da previdência social estadual. A conclusão é que os desafios são muitos, pois requer um olhar atento ao cenário atual, visando à qualidade no atendimento ao cidadão usuário da previdência e respeitando o projeto éticopolítico da profissão. Palavras-chave: PARANAPREVIDÊNCIA; Serviço Social; Prática Profissional. 441 1 INTRODUÇÃO O Serviço Social na PARANAPREVIDÊNCIA, desde a criação da instituição, tem contribuído de forma efetiva no asseguramento dos direitos previdenciários aos segurados e dependentes do regime de previdência do Estado do Paraná. Ao longo dos anos firmou-se como setor reconhecidamente indispensável para a manutenção atualizada do cadastro de beneficiários do sistema previdenciário e para a concessão e manutenção de benefícios. Desde o início, sempre contribuiu na fase de instrução dos processos administrativos de concessão de benefícios e inscrição de dependentes, nos casos em que os elementos constantes no processo são insuficientes para tomada de decisão. Além da garantia dos direitos, evita que o sistema seja fraudado através da concessão ou manutenção de benefícios indevidos. Também ampliou sua atuação no recadastramento domiciliar, para aposentados e curatelados. Inicia-se o presente artigo com breve histórico do Serviço Social, seguido das características da Paranaprevidência, da atuação do Serviço Social na instituição e por fim, conclui-se indicando os desafios constantes na busca do aprimoramento da prática. 2 O ESPAÇO SÓCIO-OCUPACIONAL: PARANAPREVIDÊNCIA A aposentadoria dos (as) servidores (as) e as pensões aos seus respectivos dependentes eram pagas pelo Instituto de Assistência aos Servidores do Estado do Paraná (IPE). Com a aprovação da Lei 12.398/98, de 30 de dezembro de 1998, o Estado criou a PARANAPREVIDÊNCIA 166, instituição sem fins lucrativos, com personalidade jurídica de direito privado, natureza de serviço social autônomo, paradministrativo, responsável pela concessão e manutenção de benefícios dos servidores públicos do Estado do Paraná. Vinculada à SEAP - Secretaria de Estado da Administração e da 166 As informações pertinentes à PARANAPREVIDENCIA estão elencadas no Estatuto da PARANAPREVIDENCIA Decreto 9.845/2013; Regimento Interno da PARANAPREVIDENCIA. Acessivel em: http://www.paranaprevidencia.pr.gov.br/ 442 Previdência e a Coordenação da Secretaria Especial para Assuntos de Previdência. Além da concessão dos benefícios previdenciários, a PARANAPREVIDÊNCIA desenvolve trabalho de recadastramento geral de aposentados e pensionistas. Abrange todos os servidores inativos e pensionistas, com vínculo funcional permanente de todos os Poderes, inclusive os membros do Poder Judiciário, Ministério Público, Tribunal de Contas e Instituições de Ensino Superior, bem como das respectivas administrações públicas, direta, autárquica e fundacional. Conforme o artigo 42 da Lei Estadual nº 12.398, de 30/12/1998: Art. 42. São dependentes dos segurados: I - o cônjuge ou convivente, na constância, respectivamente, do casamento ou da união estável: II - os filhos, desde que: a) menores de 21 (vinte e um) anos e não emancipados; b) definitivamente inválidos ou incapazes, se solteiros e sem renda e desde que a invalidez ou incapacidade seja anterior ao fato gerador do benefício; c) estejam cursando estabelecimento de ensino superior oficial ou reconhecido, se menores de 25 (vinte e cinco) anos, solteiros e sem renda; § 2º - O nascituro, cuja filiação seja reconhecida pela PARANAPREVIDÊNCIA, terá seus direitos à inscrição e benefícios assegurados. 3 SERVIÇO SOCIAL NA PARANAPREVIDÊNCIA A biografia profissional de Serviço Social brasileiro perpassa pela história da atuação de assistentes sociais na Previdência Social. As transformações marcantes pelas quais passou o capitalismo no século XX é resultado da intensa influência da luta dos (as) trabalhadores (as) por direitos. Em 2015, o Serviço Social completa 71 anos de inserção na Previdência Social. Elenca diversos desafios, conquistas e reflexões na atuação de assistentes sociais neste espaço sócio-ocupacional. O Serviço Social na PARANAPREVIDÊNCIA está vinculado à Diretoria de Previdência, a quem compete às ações referentes à inscrição e cadastro de segurados ativos, inativos, dependentes junto ao sistema previdenciário, bem 443 como ações pertinentes à concessão e manutenção dos benefícios. A demanda do Serviço Social provém de diversos setores da instituição, bem como de outros orgões do governo. Para elaboração do relatório social é utilizada a visita in loco. Segundo MIOTTO (2001, p.148): “a visita social tem como objetivo conhecer as condições (residência, bairro) em que vivem tais sujeitos e apreender aspectos do cotidiano das relações, aspectos esses que geralmente escapam à entrevista de gabinete”. O relatório social visa subsidiar as informações referentes aos segurados e dependentes. As atividades principais do Serviço Social são: recadastramentos de aposentadoes, pensionsitas e curatelados; visita social para concessão e manutenção de pensão, instituição de dependentes. A visita social para fins de recadastramento atende ao dispositivo legal167, que exige ao beneficiário fazer o recadastramento anualmente 168. As pessoas com mais de oitenta anos ou com incapacidade de locomoção, solicitam a visita domiciliar que é realizada pelas assistentes sociais, em todo o Estado do Paraná. No momento da visita podem ser prestadas orientações sobre instituição de dependentes, curatela, direito ao uso dos recursos da comunidade ou quaisquer outras orientações ou encaminhamentos que se fizerem necessários. Para fins de concessão e manutenção de pensão, bem como instituição de dependentes depara-se com diversas situações: mais de uma requerente solicitando pensão de um mesmo segurado; requerentes que recebem pensão alimentícia do segurado sem determinação judicial; menor sob guarda; etc. Orienta-se para a apresentação de novos documentos, para subsidiar análise da concessão dos benefícios. A principal fonte de informação são os vizinhos e familiares, não havendo um número específico, atenta-se para necessidade que a realidade exige. O 167 Resolução nº 49/2015 do Conselho Diretor da PARANAPREVIDÊNCIA, normatiza a solicitação de visita social para fins de recadastramento. 168 A Paranaprevidência possui Postos de Atendimento em diversos Municípios do Estado, nos Nucleos Regionais de Educação (NRE); nos Batalhões da Policia Militar, nas agencias da Caixa Economica Federal. 444 trabalho é realizado com a participação de duas assistentes sociais, com o propósito de agilizar as atividades externas com a qualidade necessária e proporcionar mais segurança às profissionais, devido à exposição a situações de risco pela natureza do trabalho, que eventualmente, frustram o interesse dos (as) requerentes. São respeitados os princípios éticos da profissão, o sigilo e restrição das informações e o direito do usuário acerca de informações sobre seu processo administrativo. Trabalha-se com autonomia técnica e ética. O trabalho subsidia a concessão ou não do benefício. O relatório social é anexado ao processo administrativo e encaminhado ao setor solicitante da visita social. É elaborado com base na coleta de dados da visita ‘in loco’. Algumas questões norteiam o relatório social: capacidade técnica; autonomia na escolha dos intrumentos de trabalho; princípios éticos; dentre outros. Estes instrumentos têm suas fundamentações baseados nos princípios éticos e técnicos da profissão e nas legislações pertinentes, as quais são: Lei que regulamenta a profissão de assistente social, Lei 8.662/93 –Art. 5 –Inciso IV: “realizar vistorias, perícias técnicas, laudos periciais, informações e pareceres sobre a matéria de Serviço Social”; Código de Ética Profissional: o reconhecimento da liberdade como valor ético central; a defesa intransigente dos direitos humanos; a ampliação e consolidação da cidadania; o posicionamento em favor da equidadee da justiça social; o empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, e a garantia do pluralismo; o compromisso com a qualidade dos serviços prestados na articulação com outros profissionais e trabalhadores. 4 TRAJETORIA DO SERVIÇO SOCIAL NA PARANAPREVIDÊNCIA O trabalho do Serviço Social da PARANAPREVIDÊNCIA vem desde a sua criação, em 1998, buscando aprimorar-se e produzindo condições para uma 445 melhor performance profissional na instituição. No inicio, o trabalho era realizado por uma assistente social, com a participação de estagiários. Para atender a demanda do trabalho, hoje a equipe é composta por sete assistentes sociais, atendendo os 399 municipios do Paraná. Em 2010, por ocasião da Lei 12.317/2010169, que regulamenta a jornada de trabalho do(a) assistente social em 30 horas semanais, a instuição adequou a carga horária à Lei, por meio da Resolução nº 131/2010 do Conselho Diretor, sendo esta uma conquista ao reconhecimento profissional. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A prática profissional na instuição é norteada por fundamentações teóricas, sua trajetória apresenta avanços, desafios e conquistas, sempre com um olhar ético e profissional, atento ao que deve ser ocultado ou exposto, utilizando-se da ferramenta do relatório social como meio de garantir um benefício previdenciário a quem de fato tem direito. De um lado o público, do outro o privado, que se complementam ao invés de colidir. Conforme assevera MODENA e WARTHA (2011, PÁG. 06): Vislumbrar o social, que contemple o interesse público, onde esferas pública e privada não conflitem mas se complementem, importa um Estado visível, que viabilize plano e ação às vistas da coletividade, abdicando de individualismos e conformismos.. O (a) assistente social é autônomo (a) no exercício de suas funções que se legitima essencialmente pela competência teórico-metodológica e éticopolítica por meio da qual executa seu trabalho, que se particulariza nas relações de produção e reprodução da vida social, como profissão interventiva no âmbito da questão social. Os desafios para o Serviço Social na PARANAPREVIDÊNCIA são muitos, exige um entendimento teórico e histórico da realidade e de sua própria 169 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12317.htm Acrescenta dispositivo à Lei no 8.662, de 7 de junho de 1993, para dispor sobre a duração do trabalho do Assistente Social. 446 intervenção técnico-operativa. Para dar conta desta demanda o profissional tem que estar atento. Como diz Iamamoto (2010, p. 20): “Um dos maiores desafios que o (a) Assistente Social vive no presente é desenvolver sua capacidade de decifrar a realidade e construir propostas de trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar direitos, a partir de demandas emergentes no cotidiano. Enfim, ser um profissional propositivo e não só executivo”. E sendo uma profissão que intervém na realidade, é imprescindível que tenha conhecimento da política em que está envolta, a correlação de forças, os agentes envolvidos, o processo. Para dar conta desta demanda o profissional tem que estar atento ao contexto atual. O trabalho realizado na PARANAPREVIDÊNCIA demonstra a importância do Serviço Social na instituição. REFERÊNCIAS CFESS – Conselho Federal de Serviço Social. O Estudo Social em Perícias, Laudos e Pareceres Técnicos. 10ª edição – Cortez Editora – 2012 _________Código de Ética Profissional do Assistente Social. Brasília, CFESS: 1993 IAMAMOTO, Marilda Vilela e CARVALHO, O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 18. ed. São Paulo: Cortez, 2009. MIOTTO, Regina Célia Tamaso. Perícia Social: proposta de um percurso operativo. In: Serviço Social e Sociedade. São Paulo: Cortez, nº 67, 2001. MODENA, Cesar Augusto; WARTHA, Patricia Maino. PÚBLICO E PRIVADO: dicotomia, confusão ou complementaridade na concretização de direitos e princípios. REVISTA DO DIREITO UNISC, SANTA CRUZ DO SUL Nº 35│P. 152-166│JAN-JUN 2011 http://online.unisc.br/seer/index.php/direito/article/view/2287/1726. Acesso em 04/10/2015 REGIMENTO INTERNO DA PARANAPREVIDÊNCIA. Disponivel em http://celepar7cta.pr.gov.br/PRPrevidencia/SitePRPrev.nsf/20783ff5decda06d8 32569fb003fbc43/1d77bf05c654ad6203256cbe006c1d3f?OpenDocument acesso em 25/09/2015. 447 DESIGULDADE TERRITORIAL: ELEMENTOS PARA O REPENSAR DO OLHAR DA ASSISTÊNCIA SOCIAL SOBRE O ACOMPANHAMENTO DAS CONDICIONALIDADES EM SAÚDE. 448 Marília Gonçalves Dal Bello RESUMO O presente trabalho tem como objetivo mensurar e analisar a gestão do Programa Bolsa Família (PBF) pela proteção básica da assistência social, tendo como foco o acompanhamento das condicionalidades em saúde pela política de assistência social. Considera-se para tanto que, os indicativos de descumprimento de condicionalidades na saúde, estanques e inflexíveis as desigualdades territoriais, são insuficientes para instrumentalizar a assistência social a provisão de proteção social. Desse modo, o estudo aqui proposto, tem como recorte a cidade de Maringá, onde foram analisados 7 bairros, que circunscritos pelo Centro de Referencia da Assistência Social (CRAS) Santa Felicidade, concentram os maiores contingentes de famílias beneficiárias do PBF. Os resultados alcançados possibilitaram apontar à proteção básica da assistência que, as desigualdades territoriais, na medida em que contribui para pensar o fortalecimento da proteção social, permite a contraposição às perspectivas punitivas almejadas pelo PBF. A ausências de cobertura do Estratégia Saúde da Família (ESF), bem como as elevadas distâncias a serem percorridas por mulheres e crianças até os equipamentos de saúde para cumprirem condicionalidades, constituem elementos que, mensurados e traduzidos pela política de assistência social, possibilitam ultrapassar indicativos, que na contramão da proteção social, punem e estigmatizam famílias e indivíduos. Palavras Chaves: condicionalidade, assistência social, direito a saúde INTRODUÇÃO Como resultado de pactos e correlações de forças entre governo e sociedade civil nos espaços de gestão compartilhada, foi aprovada, pela resolução nº 145 de 15 de outubro de 2004, no governo de Luís Inácio Lula da Silva, a PNAS, cujas definições pautam a implantação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). A PNAS/2004, ao prezar pela proteção social, tem entre suas principais matrizes a família e o território. Na proteção básica, foco desse estudo, a assistência social, tem por intuito a prevenção de vulnerabilidades e riscos, 449 decorrentes das fragilidades dos vínculos familiares e comunitários, vivenciados por famílias em seus territórios de vivencia. Inscrita como política de seguridade social, a ação específica da assistência social é a proteção social não contributiva como direito de cidadania. Como outras políticas de proteção, a assistência social ultrapassa o campo da iniciativa privada, individual e espontânea, regendo-se por princípios de justiça social, respaldados por leis impessoais e objetivas. Os direitos sociais estariam desse modo, associados a uma postura ativa e positiva do Estado em prover e fazer o que for devido ao cidadão, que, como tal, converte-se em credor e titular legítimo desses direitos. Criado pela lei 10.836/2005 e regulamentado pelo decreto 5.209/2004, o PBF caracteriza-se como principal programa de transferência de renda no Brasil, inserindo-se também como um dos principais benefícios da proteção social básica170 na assistência social. Constitui-se como programa condicionado de renda, destinado a famílias em situação de extrema pobreza e pobreza, cujo rendimento171 varia entre R$ 70,00 e R$ 140,00. As condicionalidades abrangem um conjunto de deveres a serem cumpridos na educação e saúde pelas famílias beneficiárias do PBF como exigência para se manterem no programa. Na saúde, foco desse trabalho, as condicionalidades abrange o acompanhamento da saúde de mulheres gestantes e nutrizes entre 14 e 44 anos e de crianças entre 0 e 7 anos de idade – manutenção da vacina em dia e acompanhamento de peso. O descumprimento de condicionalidade é registrado pelos serviços de saúde pelo não comparecimento à UBS ou pela não localização de famílias pelas Equipes de Saúde da Família (ESF). Orientados por perspectivas individuais, 170 A proteção social, principal proposição da Política Nacional da Assistência Social (PNAS/2004), organiza-se em proteção básica, especial e de média complexidade. A proteção básica, cujo foco é ao prevenção de riscos e vulnerabilidades, tem como principal equipamento público de referencia do Centro de Referencia da Assistência Social (CRAS). 171 Segundo informativo n º 144 de maio de 2014, divulgado pela Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (Senarc), os novos limites para concessão do Bolsa Família passam de R$ 70,00 para R$ 77,00 e de R$ 140,00 para R$ 154,00. 450 esses indicativos responsabilizam e punem as famílias, atribuindo-lhes a responsabilidade pelo descumprimento das condicionalidades exigidas pelo programa. O não cumprimento de condicionalidades pelas famílias é passível de sanções como cortes e bloqueios, inscritos pela Portaria nº 251 de 12 de dezembro de 2012 nos seguintes termos. I - advertência no primeiro registro de descumprimento; II - bloqueio do beneficio por um mês no segundo registro de descumprimento; III - suspensão do benefício por dois meses no terceiro registro de descumprimento; IV - suspensão do benefício no quarto registro de descumprimento; e V - cancelamento do benefício no quinto registro de descumprimento Tendo em vista a defesa da perspectiva protetiva na política da assistência social, sustentada pelos eixos de gestão família e território, este trabalho de pesquisa parte do tema proteção de famílias beneficiárias do PBF e seus territórios de vivência, tendo como objetivo estudar a operacionalização do programa pela proteção básica da assistência social, tendo como foco as condicionalidades em saúde. Considera-se, para tanto, que os índices e indicadores da proteção básica na assistência social, bem como os indicativos do PBF- entre os quais estão os da saúde, orientadores da gestão da proteção básica na assistência social, são insuficientes para nortear o fortalecimento da proteção de famílias. Inflexíveis às desigualdades territoriais, esses indicadores reforçam perspectivas individuais, limitando a política de assistência social na identificação das multideterminações da pobreza e, logo, no reconhecimento de direitos, almejados pelo fortalecimento intersetorial, no diálogo com as políticas setoriais é a de saúde. Essa perspectiva, na contramão da premissa protetiva da política 451 de assistência social, exige um focar de lentes sobre as desigualdades e desproteções que envolvem famílias e territórios. A partir dessa proposição o presente trabalho, tem como recorte a cidade de Maringá e nela o território de circunscrição do CRAS Santa Felicidade, bem como as Unidades Básicas de Saúde Jardim Universo e Cidade Alta, localizadas próximas ao CRAS Santa Felicidade. Sendo assim, o foco de estudo, ao propor-se a estudar a operacionalização do PBF pela proteção básica da assistência social, preocupa-se em compreender estudar com quais certezas podem contar as famílias do PBF para se protegem, tendo em vistas, estudo de unidade de vizinhança com base nas distancias a serem percorridas até as UBS para o cumprimento de condicionalidades. Estudos de unidade de vizinhança, desenvolvidos pelos arquitetos urbanistas brasileiros Santos (1998) e Campos Filho (2003), possibilitam correlacionar a oferta de equipamentos públicos e o público-alvo a ser alcançado, consideradas as distâncias para fixação de serviços públicos a serem alocados no bairro de moradia ou no entorno da vizinhança imediata. Segundo Santos (1998), para instalação dos equipamentos na saúde e de escolas de ensino médio, considera-se como adequada a distância de 1.000 metros. Para o estudo das desigualdades territoriais, considerado o estudo sobre unidade de vizinhança, estudou-se as distâncias entre Unidade Básica de Saúde e local de moradia de crianças de 0 a 7 anos, assim como por mulheres de 14 a 44 anos, moradoras junto a aos sete bairros delimitados para, sendo eles: Núcleo Habitacional Santa Felicidade, Jardim Universo, Jardim Ipanema, Cidade Alta, Residencial Tarumã, Parque Tarumã e Conjunto Habitacional Odwaldo Bueno Netto. O estudo proposto a partir dos bairros acima mencionados considerou dados sobre território e família, extraídos da folha de pagamento do PBF de março de 2014, bem como dos Relatórios semestrais de acompanhamento de condicionalidades na Saúde cedidos pela gestão do PBF no município de Maringá. 452 A identificação de informações por bairro demandou consulta aos endereços das famílias beneficiárias do PBF, segundo o Número de Identificação Social - NIS/CadÚnico (consultado em um CRAS da cidade de Maringá). Os dados colhidos dos relatórios da saúde não trazem, como na educação, informações detalhadas sobre os motivos que levaram ao descumprimento de condicionalidades, restringindo-se a apontar famílias acompanhadas ou não pelas UBSs e equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF). 1-Condicionalidade em Saúde: olhares sobre as desigualdades territoriais A saúde no Brasil é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doenças e de outros agravos e o acesso universal e gratuito às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (Constituição Federal de 1988). A Política Nacional de Atenção Básica em Saúde (2012) garante que as UBSs, principal equipamento público na saúde básica, devem estar situadas nas proximidades do local de moradia da população-alvo a ser atendida, de modo a assegurar o acesso aos serviços de saúde. Os resultados do acompanhamento das condicionalidades em saúde, mensurados a partir dos indicativos do PBF, são repassados para a política de assistência social, responsável por analisar e intervir junto às famílias em descumprimento de condicionalidades. Considerado as insuficiências dos indicativos punitivos, resultante do acompanhamento das condicionalidades em saúde disponibilizados à política de assistência social, segue estudo sobre as desigualdades territoriais, tendo por base 7 bairros circunscritos pelo CRAS Santa Felicidade, localizado na zona Sul da cidade de Maringá. 453 Tomando por base estudos de Santos (1998), será adotada a distância de 1.000 metros como referência para mensurar o percurso entre as UBSs Cidade Alta e Jardim Universo e o local de moradia de crianças e mulheres público-alvo das condicionalidades na saúde. O foco é compreender, na saúde, as multideterminações da pobreza, que analisadas mediante as desproporções na provisão de proteção/desproteção social, podem levar a assistência social a ultrapassar indicadores individuais e estanques no que diz respeito ao acompanhamento das condicionalidades do PBF na saúde. Em relação aos serviços de saúde, duas unidades de saúde básica constituem referência de cobertura para os bairros estudados. São elas a UBS Cidade Alta e a UBS Jardim Universo. O quadro 1 ao listar as distâncias entre as unidades de saúde e os bairros analisado. Quadro 1 - Distância entre os bairros estudados e sua UBS de referência UBS Bairro Distância (metros) Conjunto Habitacional Cidade Alta Núcleo Santa Felicidade Conjunto Habitacional Pioneiro Odwaldo Bueno Netto UBS Cidade Alta UBS Habitacional Jardim Universo 1.500 1.000 1.000 Jardim Ipanema 1.000 Parque Tarumã 1.000 Residencial Tarumã 2.000 Jardim Universo 1.500 Fonte: Secretaria de Saúde de Maringá / Quadro elaborado pela autora a partir dos mapas 6. A UBS Cidade Alta, com três Equipes de Estratégia Saúde da Família ESFs tem nas agentes de saúde as principais responsáveis pelo acompanhamento de famílias beneficiárias do PBF. Segundo informações da direção da referida UBS, há cerca de dois anos, entre os bairros a ela referenciados, encontram-se descobertos pelas ESFs os bairros Parque Tarumã I, Residencial Tarumã II e Conjunto Habitacional Pioneiro Odwaldo Bueno Netto. Durante o trabalho de campo, em contato com uma das agentes de saúde, foi 454 possível identificar que o principal motivo para as áreas descobertas é o adensamento populacional, decorrente da construção de novas moradias populares, dissociado de planejamento em relação à oferta de equipamentos de saúde. Segundo informações da direção da UBS Jardim Universo, a unidade abrange um total de sete bairros, entre os quais está o Jardim Universo. A unidade de saúde possui uma equipe de ESF, cuja abrangência é de apenas dois bairros, entre eles o Jardim Universo. Na tabela 1 segue síntese dessas informações Tabela 1 - Indicativos de famílias não acompanhadas pela ESF172 172 O Programa Saúde da Família (PSF), principal programa da Atenção Primária em Saúde (APS), surgido no Brasil em 1994, foi pensado inicialmente para estender a cobertura assistencial em áreas de maior risco social. Em 2006, por intermédio da Portaria nº 649 de 2006, adquiriu centralidade na agenda governamental, convertendo-se em estratégia estruturante dos sistemas municipais de saúde, válida para todo o Brasil. A Estratégia Saúde da Família (ESF) coloca-se, desde então, como modelo para a organização dos serviços da APS. Para tanto, incorpora os princípios do SUS, a partir das diretrizes inscritas na Portaria nº 2.488 de 2011, quais sejam: território adstrito, longitudinalidade, acesso contínuo e universal à saúde, vinculação de pessoas e grupos a profissionais e equipes, integralidade e estímulo à participação 455 Famílias não Bairros acompanhadas pela ESF F Conjunto Habitacional Pioneiro Odwaldo Bueno Netto Núcleo Habitacional Santa Felic.idade Parque Tarumã Conjunto Habitacional Cidade Alta Jardim Ipanema Jardim Universo Residencial Tarumã Totais Motivos % bairro não coberto 12 08 16 % bairro não coberto 8 66.7 Família localizada não 4 33.4 Família compareceu a UBS não 28.5 bairro não coberto 06 F bairro não coberto 5 83.4 Família localizada não 1 16.7 Família compareceu a UBS não 3 37.5 Família localizada não 5 62.5 Família compareceu a UBS não 7 43.7 Família localizada não 09 56.2 Família compareceu a UBS não 14 19 38 bairro não coberto bairro não coberto 42 42 Fonte: Relatório semestral por UBS (vigência jan./jun.2013 / Tabela elaborada pela autora No conjunto dos bairros estudados, o Pioneiro Odwaldo Bueno Netto, o Parque Tarumã e o Residencial Tarumã não são cobertos pelas equipes do ESF da UBS Cidade Alta, embora essa informação não conste do relatório de condicionalidades na saúde. Cabe notar que os principais responsáveis pelas visitas e acompanhamento de condicionalidades das famílias beneficiadas pelo PBF são as agentes da ESF, que monitoram a saúde de mulheres e crianças. Entre os bairros cobertos pela ESF, os maiores percentuais de famílias não acompanhadas pela saúde estão no Jardim Universo (38%) e no Núcleo dos usuários. Entre suas principais atribuições está o acompanhamento, em uma perspectiva educativa das condicionalidades em Saúde. 456 Habitacional Santa Felicidade (28.5%). No primeiro bairro referido 56.2% das famílias são culpabilizadas por não comparecer à UBS para cumprir condicionalidade, enquanto que no segundo 66.7% das famílias não foram localizadas por não terem atualizado o endereço no Cadastro Unico 173, ação a ser desempenhada obrigatoriamente pelas famílias a cada dois anos, como condição para se manterem como beneficiárias do PBF. O Conjunto Habitacional Cidade Alta (14%) e o Jardim Ipanema (19%), com percentuais menores de famílias não acompanhadas pelas equipes de ESF, apresentam, respectivamente, elevados percentuais de famílias que não foram localizadas (83.4%) e de famílias que não se dirigiram até a UBS para acompanhamento da saúde de crianças e mulheres (62.5%). Potencializar o acesso de famílias ao cumprimento de condicionalidades exigiria iniciativas alternativas da política de saúde e da assistência social para manutenção da atualização cadastral. Como exemplo pode ser citada a integração de sistemas informatizados, de modo que, ao articular dados entre UBSs, possibilitasse identificar informações atualizadas das famílias segundo a unidade de saúde que frequentam. Mensurar necessidades no sentido de compor meios de agir de famílias ao cumprimento de condicionalidades implica ainda identificar fragilidades dos serviços de saúde, como são as distâncias a serem percorridas para se alcançar a UBS de referência de cobertura para os bairros onde residem as famílias beneficiárias do PBF. A análise na escala dos setores censitários dos bairros estudados, localizados no território de abrangência do CRAS Santa Felicidade, permite identificar demandas vinculadas às distâncias a serem percorridas por mulheres grávidas para fazer o pré-natal, por exemplo, como ponto de partida para a 173 O Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (Cadastro Único) é um instrumento que identifica e caracteriza as famílias de baixa renda, permitindo que o governo conheça melhor a realidade socioeconômica dessa população. Nele são registradas informações como: características da residência, identificação de cada pessoa, escolaridade, situação de trabalho e renda, entre outras. A partir de 2003, o Cadastro Único se tornou o principal instrumento do Estado brasileiro para a seleção e a inclusão de famílias de baixa renda em programas federais, sendo usado obrigatoriamente para a concessão dos benefícios do Programa Bolsa Família, da Tarifa Social de Energia Elétrica, do Programa Minha Casa Minha Vida, da Bolsa Verde, entre outros. Também pode ser utilizado para a seleção de beneficiários de programas ofertados pelos governos estaduais e municipais. Por isso, ele é funciona como uma porta de entrada para as famílias acessarem diversas políticas públicas (Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), 2016. 457 provisão de equidade social, tendo em vista potencializar o cumprimento de condicionalidades, conforme será mostrado no mapa 1. Mapa 1 - Número de mulheres com idade entre 14 e 44 anos nos bairros analisados Embora a distância considerada adequada para alcançar a UBS mais próxima (UBS Jardim Universo) seja de até 1.000 metros, no Jardim Universo, com a maior concentração populacional de mulheres entre 14 e 44 anos, verificase que 33.7% das mulheres devem percorrer até 1.500 metros para o acesso à unidade de saúde para pesagem, vacinação e, em caso de gravidez, acompanhamento de pré-natal. O Conjunto Cidade Alta, localizado a 1.500 metros da UBS Cidade Alta, registra uma concentração populacional cerca de nove vezes menor (3.4%) na comparação com o Jardim Universo. Dados que sinalizam desproporções na presença de equipamentos de saúde básica quando 458 levada em conta a população a ser atingida de mulheres com idade entre 14 e 44 anos. Os dados analisados permitem à assistência social compreender que descumprir condicionalidades na saúde, para além do não comparecimento de famílias nas UBSs (tabela 4), tem relação com ausência de equipamentos públicos distribuídos de modo compatível com a população a ser atendida. Os resultados alcançados possibilitam ainda afirmar que distância não constitui fator que limita mulheres com idade entre 14 e 44 anos a comparecerem à UBS. É o que pode ser verificado quando considerados os bairros localizados perto das unidades de saúde (distância de até 1.000 metros). Os percentuais bastante elevados (tabela 4) de famílias que, mesmo residindo nos arredores da UBS, não comparecem nas unidades de saúde para cumprir condicionalidade - como é o caso do Jardim Ipanema, com percentual de 62% – possibilitam conjeturar que, apesar de as famílias por vezes se depararem com equipamento de saúde básica próximo ao local de residência, não há certeza em contar com os serviços disponibilizados pelas UBSs para cumprirem condicionalidades. Na saúde, para além das condicionalidades colocadas às mulheres entre 14 e 44 anos, é exigido ainda o acompanhamento médico de crianças entre 0 e 7 anos, o que pressupõe respostas a demandas a serem aprovisionadas, entre outras, no atenuar de distâncias a serem percorridas, muitas vezes, por adultos com crianças no colo, conforme analisado no mapa 2. 459 Mapa 2 - Número de crianças com idade entre 0 e 7 anos nos bairros analisados e raio de abrangência indicado das USBs No Jardim Universo, famílias com crianças entre 0 e 7 anos percorrem, muitas vezes com bebê no colo, até 1.500 metros para cumprir condicionalidade na saúde. Por sua vez, o Conjunto Habitacional Cidade Alta, com a menor (4.2%) concentração de crianças nessa faixa etária, também distante 1.500 metros do local de moradia do público-alvo, reafirma discrepâncias na oferta de serviços de saúde básica em relação à concentração populacional de crianças. Esse conjunto de dados, comparado aos números da tabela 1, possibilita afirmar ainda que a distância a ser percorrida até a unidade de saúde não constitui fator determinante para o descumprimento de condicionalidades. Isso pode ser verificado mediante os discrepantes percentuais de famílias que deixaram de comparecer às unidades de saúde para cumprir condicionalidades, 460 embora submetidas ao mesmo percurso de 1.500 metros para chegar às UBSs Cidade Alta e Jardim Universo. No Jardim Universo, 56.2% encontram-se nessa condição, ou seja, três vezes mais em relação ao Conjunto Habitacional Cidade Alta (16.7%). Portanto, no Jardim Universo, apesar da presença de unidade de saúde, conjectura-se que outros fatores além da distância interagem para que a UBS Jardim Universo não se traduza em certeza para as famílias beneficiárias do PBF quanto ao cumprimento de condicionalidade. O estudo de unidade de vizinhança, inserido como proposição metodologia para o estudo do território, possibilitou sinalizar à assistência social na proteção básica, para além do individual, a compreensão coletiva e flexível das desigualdades de desproteção/proteção no cumprimento de condicionalidades pelas famílias beneficiárias do PBF. Com isso, reafirmam-se os limites dos indicativos propostos pelo PFB para o acompanhamento de condicionalidades, reafirmando à assistência social elementos a imprescindíveis para o fortalecimento da proteção as famílias a partir da compreensão das multideterminacões da pobreza, com vistas a construção de práticas interventivas intersetoriais. Considerações Finais A política de assistência social, embora tenha entre suas principais intenções a proteção de famílias, certamente ainda depara-se com muitos desafios a serem vencidos no campo teórico e operacional. Isso implica considerar que a noção de capacidade protetiva na PNAS/2004, sustentada pela matricialidade territorial e familiar, pressupõe a incorporação do território por gestores e profissionais, bem como de metodologia capaz de suscitar leituras reflexivas sobre o chão de vivência dos territórios intraurbanos. Isto é, se hoje um conjunto de dados são disponibilizados à gestão da assistência social, qual a pertinência dessas informações para a captura de particularidades objetivas e subjetivas presentes nos territórios de vivência das famílias de baixa renda 461 Ir ao encontro dessas respostas exigiu uma maior observação dos territórios intraurbanos de Maringá, bem como das famílias, de suas dinâmicas e relações estabelecidas com os equipamentos de saúde. Os resultados daí extraídos constituem um conjunto de dados que, intrínsecos à relação entre proteção e desproteção social nos bairros estudados, sustentam a hipótese da insuficiência dos do PBF, para o fortalecimento da proteção social de famílias. Nesse sentido, fortalecer a proteção social de famílias, sob ótica da política de assistência social, das famílias vincula-se a uma maior integração entre condicionalidades exigidas pelo PBF e políticas de proteção básica. Isso significa que, para além das exigências e punições aplicadas às famílias que descumprem condicionalidades, é preciso criar práticas interventivas que valorizem a proteção a partir dos territórios de vivência das família. Referencias Bibliográficas BRASIL. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. BRASIL. Política Nacional de Assistência Social. Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), Brasília, 2004. ________. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Decreto 5.209 de 17 de dezembro de 2004. Regulamenta a Lei nº 10.836, que cria o Programa Bolsa Família e dá outras providências. Brasília, 2004. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br>. Acesso em: 14/05/2014. ________. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Lei nº 10.836 de 9 de janeiro de 2004. Cria o Programa Bolsa Família e dá outras providências. Brasília, 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 14/05/2014. ________. Ministério da Saúde. Portaria nº 649 de 2006. Brasília, 2006. ________. Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Atenção Básica. Portaria nº 2.488 de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB). Brasília, 2011. 462 ________. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MDS. Portaria nº 251 de 12 de dezembro de 2012. Regulamenta a gestão das condicionalidades do PBF, revoga a Portaria nº 321 de 29 de setembro de 2008. Brasília, 2012. SANTOS. Carlos Nelson. A cidade como um jogo de cartas. São Paulo: Projeto Editores, 1998. CIDADANIA DE PAPEL: 463 burocratização dos programas de assistência estudantil e a instrumentalidade profissional Ana Cristina do Nascimento Peres Albernaz e Ana Maria Soares Freire Pereira Leal174 RESUMO: O presente texto emerge da reflexão do nosso trabalho nos programas de assistência estudantil onde percebemos que a burocratização do processo por vezes exclui estudantes oriundos de camadas populares. Assim, concluímos que é preciso legitimar nas instituições a autonomia profissional da (o) assistente social no sentido ratificar a instrumentalidade como forma de ratificação dos direitos. Palavras-chaves: assistente social, direito e educação. INTRODUÇÃO “Eu não vi o edital”, “eram tantos documentos que desisti; “meus pais não têm carteira de trabalho, são lavradores e o edital falava que era obrigatório apresentar as carteiras de trabalho”; “eu não pude ir em casa buscar os documentos”. Aqui são algumas frases, que ouvimos quando são abertos os editais dos programas de promoção à permanência na instituição a qual somos vinculadas. Falas de estudantes oriundos de assentamentos, regiões quilombolas e da zona rural da região de Minas Gerais e de Goiás. Falas essas que nos inquietam repensar as contradições desse sistema que quer objetivar o que é subjetivo e quer quantificar o que é qualitativo, mesmo com valiosos instrumentos que legitimam os nossos direitos. A Constituição Federal, Art. 205, ratifica a educação como direito de todos e dever do Estado, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho. No entanto, em 174 Assistentes Sociais e Mestrandas em Educação Social e Intervenção Comunitária pelo Instituto Politécnico de Santarém 464 atendimento ao preconizado, quanto à oferta da educação para todos, como um direito social pleno, percebemos que às escolas não conseguem garantir e/ou democratizar a permanência de todos os seguimentos da sociedade, principalmente, daqueles oriundos das camadas populares. A democratização do acesso implica na expansão da rede pública, bem como na abertura de cursos noturnos. A democratização da assistência implica na manutenção e expansão dos programas de assistência estudantil. (“FONAPRACE, 1993, p. 110)”. Nestes termos, enfatizamos ser necessário entender à educação e a assistência estudantil como um direito social e inseri-los na práxis acadêmica é romper com a cultura arraigada por muitos de que esta é assistencialista, uma benesse e/ou concessão do Estado. É enxergá-la como promotora da cidadania, da dignidade humana da pessoa e nesta direção trazemos aqui reflexões, no caráter de relato de experiência, sobre a burocratização da assistência estudantil e possibilidade de utilizarmos os instrumentos do Serviço Social para inclusão. DESENVOLVIMENTO De que burocratização estamos falando? A base dos editais de seleção, dos programas de promoção à permanência é o estudo social. Mioto (2009), ao mostrar a origem dos estudos socioeconômicos, salienta que eles nascem vinculados a uma noção moral baseada em julgamentos das formas de vida dos sujeitos que iam até as instituições buscar auxílios materiais ou serviços. Quadro esse, que só muda, quando os profissionais começaram a buscar o embasamento profissional nas leituras de Marx, proporcionando o avanço teórico metodológico e ético político dentro da profissão e inclusive na formatação dos seus instrumentais. A autora ainda expõe que, a transformação, fez com que a instrumentalidade profissional da (o) assistente social se pautasse na perspectiva do direito e da cidadania a partir da leitura teleológica da realidade onde as singularidades individuais são parte de um processo contraditório que culminam em diversas expressões da questão social. 465 Porém, o que percebemos em nosso cotidiano é que os editais de assistência estudantil, por questões orçamentárias ou de gestão, saem com prazos curtos, levam em consideração a renda per capita das famílias e elencam uma gama de documentos obrigatórios que nos remete aos primórdios arcaicos da profissão que limitavam o fazer profissional às análises de papeis que ocultam as expressões da questão social na vida da (os) estudantes. Não conseguimos realizar visita social para todos, não conseguimos entrevistar todos, pois estamos sozinhas (os) nesse processo de trabalho que limita nossa ação a um prazo, a um espaço, que só ratifica a lógica racionalista, perversa e contraditória do capitalismo multifacetado que precariza nossas relações de trabalho configurando em uma “classificação” dos sujeitos, que demandam os auxílios da assistência estudantil, em papel, excluindo-os da cidadania. O trabalho em processo e não em formas estáticas e o processo de crítica implicam o desvelamento dos excluídos e das complexas mediações da exclusão em vez de consagrá-las a categorizações. (...) As categorizações ou classificações resultam em relações de poder entre dominantes e dominados, do processo de interação e da construção do imaginário inserido nessas relações e das reações e contra-reações que transformam as situações (FALEIROS, 2006, pp. 196) Nesses processos, temos que pontuar a vulnerabilidade social objetivandoa, pois a qualquer momento podemos ser auditadas (os), já que nossa relativa autonomia profissional não é validada pelo olhar positivista que marca o serviço público brasileiro. Pela lógica racionalista do capital, os papeis, a comprovação de quem é “miserável”, se torna mais importante do que efetivar o acesso ao direito pela real leitura, que vai muito além das particularidades individuais apresentadas. Assim, vemos nosso trabalho amarrado a editais que elencam como obrigatórias autenticações de documentos, apresentações de carteiras de trabalho, comprovações de que estudou a vida inteira em escola pública, declarações de ausência de renda, declarações de isenção de imposto de renda, declarações de trabalho informal e tantas outras que vão algumas vezes ser impressas com o dinheiro que era para a passagem do ônibus, para o leite dos filhos ou para comprar uma apostila essencial para a prova de amanhã. 466 Portanto, quando são feitas as publicações dos editais dos programas de promoção à permanência, muitos não conseguem comprovar algumas situações sobre suas trajetórias de vida, por terem, por exemplo, deixado os documentos na sua cidade de origem, ou por não compreenderem o que está sendo pedido no edital, materializando em uma exclusão indireta. Mas, é a partir desses nós, que o diferencial que faz o/a assistente social, por meio de seus instrumentais como entrevista, escuta ativa, visita social, parecer social, entre outros, podem fazer valer o direito. O Serviço Social poderá reduzir-se, aí, a um mero agente burocrático, na era dos serviços, como também poderá ampliar alternativas de ação para a defesa da cidadania. A força de trabalho tem seus limites e suas compensações por meio de uma garantia social definida pela força dos direitos que precisa ser exigido para não ser recuado, que implica ação consciente dos sujeitos historicamente constituídos na representação de si mesmos e do outro, de si e dos adversários (FALEIROS, 2006, pp.137). Na citação acima, Faleiros ratifica um limite e uma possibilidade para o Serviço Social. No âmbito do limite, é ele se deter aos papeis e ser um validador dessa burocratização que restringe o cidadão a um amontoado de papeis. Já no âmbito da possibilidade, é criar ações que promovam a cidadania e elucidam a importância do projeto ético político profissional, pois contribuí na transformação do cidadão passivo em agente ativo e ator principal, no coletivo, capaz de fazer tomadas de decisões que incidirão nos mecanismos que validam os processos regulamentadores do seu acesso aos programas socais, e no caso desse relato de experiência, da assistência estudantil. Estratégias do cotidiano para romper com a burocratização: Diante dos desafios que nos foram apresentados no cotidiano profissional, que limitavam nossa ação, nós, enquanto conjunto de assistentes sociais da instituição que estamos vinculadas, criamos algumas estratégias como: • Rediscutir a política de assistência estudantil a cada dois anos com toda comunidade de estudantes e servidores da instituição. Incentivo e divulgação nos campi para participação de estudantes. Nesses encontros 467 são formados grupos de trabalhos, onde os estudantes coordenam, opinaram e reconstroem a política de assistência estudantil; • Criação de um auxílio, que denominamos de emergencial, onde o assistente social utiliza-se da instrumentalidade para validar o direito de quem demanda algum suporte da instituição. Esses auxílios têm viabilizado a permanência de pessoas que foram excluídas do processo de auxílios via edital, que não tinham algum documento, como a carteira de trabalho por exemplo que é um documento obrigatório exigido; • Troca de experiências com os profissionais de outras áreas e outros campi; • Realizações de oficinas de capacitação para que os estudantes e suas famílias possam compreender os editais e apresentarem as documentações; • Articulação do trabalho em equipe; • Trabalho em rede; • Realização de minicursos, com temas como ética e cidadania, educação em direitos humanos, aprender a aprender, dentre outros com um dos objetivos promover o empoderamento para compreensão de diversos aspectos da sociedade capitalista. CONCLUSÃO Quando vemos, em nosso meio se falar bastante em democratização do ensino e a permanência viabilizada por meios de programas que ora inclui e ora exclui, devido à burocratização e exigências na comprovação de dados que em alguns casos são impossíveis de ratificar materialmente, situamos mais uma vez nossa profissão na relação contraditória entre o capital e o trabalho, como já afirmaram Marilda V. Yamamoto, Yolanda Guerra, Vicente de Paula Faleiros, dentre outros. Por vezes, nossa ação nesses editais são alvos de questionamentos baseados nos “achismos” pelas aparências das (os) estudantes que foram 468 “contemplados/selecionados”, pois no imaginário de muitos ainda imperam os “benificiários” dos processos de trabalho da (o) assistente social como “coitadinhos”, “pobrezinhos” e não sujeitos de direitos que questionam a ordem do sistema. Remete-nos ao início da profissão, ainda diversas pessoas, julgam o que “merece” e o que “não merece” ser assistido pelos programas sociais. Cabe ressaltar, que estamos situados numa região que é palco de desigualdades perversas. Alguns tiveram acesso ao ensino regular de qualidade e outros frequentaram escolas tão precárias que um edital de seleção, que exige inúmeros documentos seu e de sua família, é algo tão distante de sua realidade sendo mais fácil desistir. Esses, que vêm já de uma situação de exclusão, muitas vezes não sabem nem preencher um formulário e no contexto burocratizado do serviço público é mais uma vez excluído porque a obrigatoriedade deste e daquele documento o impede de acessar um recurso que minimamente poderia possibilitar sua permanência no direito à educação. Assim, finalizando nosso relato de experiência, parabenizamos cada profissional que mesmo em condições precárias de relação de trabalho, mesmo nesse contexto de acirramento da crise do capital, não deixam de lutar e ratificar a assistência estudantil como um direito por meio dos instrumentais utilizados em seu cotidiano. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 05 jan. 1988. CARDOSO. Maria de Fátima Matos. Reflexões sobre instrumentais em Serviço Social: observação sensível, entrevista, relatório, visitas e teorias de base no processo de intervenção. São Paulo, LCTE editora, 2008. FALEIROS, Vicente de Paula. Estratégias em Serviço Social. 6 ed. São Paulo, Cortez, 2006. Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e EstudantisFONAPRACE – Dez Encontros. Goiânia, 1993. 469 GUERRA, Yolanda. A instrumentalidade do Serviço Social. 8 ed. São Paulo, Cortez, . 2010 MIOTO, Regina Célia. Estudos socioeconômicos. In: Serviço Social: Direitos Sociais e Competências profissionais. Brasília, CFESS/ABEPSS, 2009. JUIZADO DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER DE PONTA GROSSA: CONTEXTUALIZANDO A REALIDADE E DESVELANDO POSSIBILIDADES DE ATUAÇÃO. Alessandra Pimentel Munhoz do Amaral175 175 Juíza de Direito Titular do Juizado de Violência contra a Mulher da comarca de Ponta Grossa. 470 Bruna Woinorvski de Miranda176 KatrinyRenostoLazarin177 RESUMO O presente artigo tem por objetivo apresentar os dados obtidos através de uma pesquisa por amostragem realizada em 286 processos eletrônicos de Medidas Protetivas de Urgência em trâmite no ano de 2014 (incluindo os arquivados) no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da comarca de Ponta Grossa. O referido levantamento visa identificar as características predominantes das vítimas atendidas incluindo informações como faixa etária, número de filhos, grau de parentesco com o agressor, dentre outros fatores, além de possibilitar o mapeamento das ocorrências de violência contra a mulher na cidade. Tal iniciativa é de grande relevância, pois possibilita o conhecimento da realidade institucional, bem como das demandas atinentes ao Juizado de Violência Doméstica da comarca de Ponta Grossa de forma que intervenções condizentes com a realidade e necessidades das vítimas possam ser futuramente implantadas consoante ao preconizado na Lei Maria da Penha. Palavras-chave: Violência. Mulher. Vara Criminal. INTRODUÇÃO Dados de um estudo preliminar realizado pelo Ipea em 2013 apontam que entre os anos de 2009 e 2011 foram registrados no Brasil 16,9 mil casos defeminicídios - que tratam-se de homicídios de mulheres causados por conflitos de gênero, especialmente oriundos de conflitos entre cônjuges. Diante de inúmeros casos de violência contra mulheres fez-se necessário a promulgação de legislação específica para a sua proteção com a criação de mecanismos de coibição e punição dos agressores. Assim, a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, popularmente conhecida como “Lei Maria da Penha”, tem como objetivo principal a erradicação de toda forma de violência contra a mulher. A mesma legislação define a violência contra mulher como doméstica ou familiar, sendo que primeira é compreendida como aquela que ocorre no espaço de convívio das pessoas, e a segunda vai para além deste espaço, desde que a vítima e o agressor tenham alguma relação, seja ela de parentesco, afinidade ou 176 Assistente Social do Juizado de Violência contra a Mulher da comarca de Ponta Grossa. 177 Estagiária do Juizado de Violência contra a Mulher da comarca de Ponta Grossa, acadêmica do 4º ano do curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Ponta Grossa. 471 civil.A Lei nº 11.340/2006 ainda dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, o que também passa a ser recomendado pelo Conselho Nacional da Justiça. Nesse sentido, com o intuito de reconhecer as demandas e construir formas de intervenções condizentes com as suas necessidades é que vislumbrou-se a realização de levantamento de dados junto ao Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, Vara de Crimes contra Crianças, Adolescentes e Idosos e de Execução de Penas e Medidas Alternativas de Ponta Grossa. Tal levantamento decorre de uma pesquisa documental realizada pelo setor de serviço social através da análise dos processos eletrônicos de requisição de medidas protetivas de urgência em andamento no ano de 2014 na referida Vara. 1. O Juizado de Violência contra a Mulher de Ponta Grossa O Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, Vara de Crimes contra Crianças, Adolescentes e Idosos e de Execução de Penas e Medidas Alternativas de Ponta Grossa é um dos seis Juizados do Estado do Paraná com competência para julgar crimes de violência contra a mulher. Teve sua instalação designada para o dia 27/11/2012 através da Portaria nº 4.611/2012 do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Além dos juízes titular e substituto, a equipe do Juizado é composta por técnicos e analistas judiciários com formação em Direito, bem como por uma assistente social e estagiários. Em suma, ao cartório há a incumbência da movimentação dos processos físicos e eletrônicos. Já ao setor de serviço social cabe, além da realização de laudos sociais que subsidiam a decisão dos magistrados, o atendimento especializado preconizado no artigo 29 da Lei Maria da Penha, tal como define Souza (2013, p. 204-205): A chamada equipe multidisciplinar tem como incumbência principal a humanização do ambiente judiciário onde se desenvolve a atividade jurisdicional de atendimento aos casos onde a vítima é uma mulher que sofreu agressão no âmbito doméstico e familiar, de forma a permitir um atendimento mais completo e voltado para o respeito à dignidade de todos os envolvidos, com ênfase na pessoa vitimada e nos seus dependentes. 472 A legislação e as recomendações não pontuam práticas estanques quanto ao atendimento psicossocial da vítima e de seus dependentes, mas direciona a utilização dos instrumentais técnicos das profissões para o seu atendimento e encaminhamento numa perspectiva de totalidade. Nesse viés, no caso do Juizado de Violência Doméstica e Familiar de Ponta Grossa, além dos laudos sociais, intervenções passaram a ser o enfoque do setor de serviço social a partir do reconhecimento das demandas institucionais. 2. Perfil das vítimas e mapa da violência Os atendimentos realizados cotidianamente pelo setor de serviço social do Juizado possibilitaram além da identificação de distintas demandas, a necessidade do encaminhamento das vítimas e respectivos familiares aos equipamentos da Rede de Enfrentamento à Violência contra a Mulher de Ponta Grossa. Neste contexto, viu-se como necessária a construção do perfil das vítimas atendidas na comarca de Ponta Grossa para que projetos e intervenções específicas fossem implantados de acordo com o perfil estudado. O referido perfil foi construído através de estudo documental com a metodologia de pesquisa por amostragem (amostra por conglomerados), tendo sido foco da análise 286 processos eletrônicos de medidas protetivas de urgência178, incluindo os arquivados. O levantamento de dados foi lançado numa planilha considerando informações básicas e fundamentais para a caracterização do perfil das vítimas, cuja tabulação permitiu a construção de gráficos. Os dados colhidos corresponderam a faixa etária, estado civil e número de filhos da vítima; informações do agressor como o sexo e grau de parentesco com a vítima; além de informações sobre o crime identificado nos autos, tais como: o tipo de violência sofrida pela vítima, a reincidência ou não das 178 Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal [...] remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência [...] Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente[...] 473 agressões, se houve pedido anterior de medidas protetivas desistência da de referida urgência ou medida no processo analisado. Ademais, também coletou-se localização informações das sobre ocorrências 15% 5% 29% 22% a visando mapeá-las e identificar as regiões com 29% Solteiro Convivente Divorciado Viúvo Casado maiores incidências na cidade de Ponta Grossa, dentre outros aspectos pertinentes. Com as informações tabuladas, constatou-se o que segue: GRÁFICO 1: IDADE DA VÍTIMA.GRÁFICO 2: ESTADO CIVIL DA VÍTIMA. 6% 7% 2% 24% 32% 29% Menos de 18 18 a 25 26 a 35 36 a 50 50 a 60 Idosa Fonte: Dados organizados pelas autoras. De acordo com os gráficos acima, constata-se que, quanto à faixa etária, há predominância da idade das vítimas entre 36 a 50 anos de idade e, quanto ao estado civil destas, nota-se que a maioria das vítimas são conviventes ou casadas. Tratam-se de mulheres adultas, com relacionamentos estabelecidos e, como se pode observar no gráfico 3, a maioria possui ao menos um filho. GRÁFICO 3: NÚMERO DE FILHOS DA VÍTIMA. 474 1% 0% 1%1% 5% 11% 23% 20% 38% Nenhum Três Filhos Seis Filhos Um Filho Quatro Filhos Sete Filhos Dois Filhos Cinco Filhos Oito Filhos Fonte: Dados organizados pelas autoras. Com base nos resultados deste tópico, nota-se que na maioria dos contextos familiares analisados há a presença de crianças ou adolescentes. Esse fato abre espaço para uma reflexão acerca das condições biopsicossociais de crianças e adolescentes que presenciam algum tipo de violência – aspecto sobre o qual pode-se compreender que, As crianças que vivem em ambientes estressantes como os que tem violência doméstica são afetadas em sua capacidade de discriminação, tendo dificuldades para identificar o que é certo e o que é errado. Por exemplo, acham que o comportamento violento dos pais é normal, que todas as pessoas se relacionam dessa forma, que brigar e se agredir é comum, pois como o ser humano aprende por meio de modelos, este tipo de relação pode ser o único modelo pelo qual a criança aprendeu tal comportamento (WILLIAMS; MALDONADO& PADOVANI, 2008, p.38). Entende-se a partir do exposto que a maioria das crianças e adolescentes que presenciam algum tipo de agressão entre os familiares também acabam por se tornar vítimas desse contexto - o que pode provocar prejuízo no seu pleno desenvolvimento, bem como no entendimento de valores e nas relações interpessoais. 475 GRÁFICO 5: PARENTESCO ENTRE VÍTIMA E AGRESSOR.. GRÁFICO 4: SEXO DO AGRESSOR 3% 2% 8% 1% Masculino 97% Feminino 5% 84% Fonte: Dados organizados pelas autoras Em constata-se continuidade nos dados à análise, acima a Sem parentesco Filho Neto Cônjuge Pai ou Mãe predominância dos agressores com sexo masculino. Ademais, como se vê no gráfico 5, tais agressores são em quase 90% das vezes o cônjuge – o que retrata que a realidade de muitas mulheres é conviver cotidianamente com a violência dentro de sua casa. Através dos atendimentos prestados pelo setor de serviço social às vítimas, situações como a dependência química ou etílica, bem como comportamentos machistas por parte dos companheiros são por elas apontados como fatores motivadores das situações de violência. Tais informações além de outras possíveis motivações (embora não apuradas no presente levantamento por se tratarem de questões subjetivas), certamente merecem ser consideradas para se vislumbrar formas de intervenção junto às mulheres em situação de violência. GRÁFICO 6: TIPO DE VIOLÊNCIA SOFRIDA PELA VÍTIMA. 476 1% 39% 60% Psicológica Física Sexual Fonte: Dados organizados pelas autoras. A respeito dos tipos de violência, o levantamento de dados levou a constatação da predominância da violência psicológica, conforme sugere o gráfico acima. Nessa informação também pode-se conjeturar o machismo ainda fortemente influente em nossa sociedade. Neste contexto (construído social e culturalmente ao longo dos anos) o homem tende a mostrar superioridade através da imposição de valores ou do uso da força física, mesmo, em muitas vezes, tendo o entendimento dos malefícios que a violência física pode causar a mulher. Ainda a respeito da violência sofrida pelas mulheres atendidas no Juizado de Violência contra a Mulher de Ponta Grossa, obteve-se: GRÁFICO 7: VÍTIMA SOFREU VIOLÊNCIAS GRÁFICO 8: VÍTIMA JÁ ANTERIORES AO PROCESSO? HAVIA REQUERIDO MEDIDAS PROTETIVAS ANTES? 14% 4% 86% Sim Não Fonte: Dados organizados pelas autoras. 96% Sim Não Realizando uma análise sobre os dois gráficos acima, percebe-se o quão contraditório eles se mostram: enquanto gráfico 7 demonstra que a maioria das mulheres já havia sido vítima de violência em outras ocasiões anteriores ao processo levantado, o gráfico 8 expõe que a 477 minoria delas já havia requerido medida protetiva de urgência, ou seja, o afastamento do agressor. Isso significa que a maioria das vítimas de violência, por razões que também merecem ser investigadas, posterga as providências necessárias para a sua proteção, aguardando que a violência reincida para então vislumbrarem medidas contra o agressor. Em suma, com base nos atendimentos realizados pelo setor de serviço social, constata-se que, geralmente, a maior motivação para que as vítimas não se distanciem de seus agressores é o vínculo afetivo (que permanece, mesmo depois da violência), a dependência financeira, ou ainda, a manutenção da proximidade dos filhos com a figura paterna e agressora. Esse dado, assim como os demais, também pode sugerir a forte presença do machismo na sociedade e nas famílias. Além das informações apresentadas, o presente estudo também tratou de levantar informações quanto ao local das ocorrências de violência contra a mulher, possibilitando o seu mapeamento. Nesse sentido, não foram constatadas ocorrências nas regiões rurais da cidade, todavia, averiguou-se que elas ocorreram em todos os dezesseis bairros da cidade, com maior proporção no bairro de Uvaranas (46 ocorrências), seguido do bairro do Contorno (41 ocorrências) e Oficinas (31), conforme pode ser visualizado na sequência. FIGURA 1: MAPEAMENTO DAS OCORRÊNCIAS DE VIOLÊNCIA NA CIDADE DE PONTA GROSSA. 478 Fonte: Dados organizados pelas autoras. CONSIDERAÇÕES FINAIS O levantamento de dados realizado junto aos processos de medidas protetivas de urgência em trâmite no ano de 2014 no Juizado de Violência contra a Mulher de Ponta Grossa permitiu detectar algumas características predominantes das mulheres vítimas de violência. Dentre elas, algumas necessitam de maior análise e aprofundamento, tais como: a) A presença de crianças e adolescentes nos contextos familiares em que a mulher é vítima de violência; b) As alterações biopsicossociais nas mulheres vítimas de violência; c) A predominância de agressores do sexo masculino, assim como a constatação da violência psicológica com maior índice de incidência; d) A motivação para as mulheres postergarem o pedido de medidas protetivas, mesmo sofrendo com situações de violência recorrentes, conforme apontam os dados; Inerente ao mapeamento das ocorrências de violência contra a mulher foi possível identificar que o número de casos na cidade de Ponta Grossa é bastante significativo e que ocorre em todas as áreas urbanas da cidade, especialmente nas regiões periféricas, com maior incidência em determinados bairros. Em suma, vê-se que as informações elencadas no presente estudo servem para iniciar a discussão sobre a questão da violência contra a mulher no município de Ponta Grossa, elucidando pontos que necessitam de maior 479 atenção. Ademais, ponderando-se que é recente a instalação do Juizado de Violência contra a Mulher na referida comarca, os dados ora elencados se apresentam como diagnóstico institucional a partir do qual será possível a construção de projetos e intervenções específicas para esse perfil, a serem implantadas especialmente pelo setor de serviço social. REFERÊNCIAS BRASIL. Lei nº 11.340/2006. (Lei Maria da Penha). Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e dá outras providências. Promulgada em 07 de agosto de 2006. IPEA. Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2013. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/index.php? option=com_content&id=19873>. Acesso em: 10 jun. 2015. PARANÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Portaria nº 4.611/12. Designa data para Instalação do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, Vara de Crimes contra Crianças, Adolescentes e Idosos e de Execução de Penas e Medidas Alternativas da Comarca de Ponta Grossa. Publicada em 20/11/2012. PARANÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Resolução nº 70/12. Fixa a competência dos Juizados Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, Vara de Crimes contra Crianças, Adolescentes e Idosos e de Execução de Penas e Medidas Alternativas. Publicada em 8 de outubro de 2012. SOUZA, Sérgio Ricardo de. Lei Maria da Penha comentada sob a nova perspectiva dos direitos humanos. 4ª edição revista e atualizada. Curitiba: Juruá Editora, 2013. WILLIAMS, Lúcia Cavalcanti de Albuquerque; MALDONADO, Daniela Patrícia Ado; PADOVANI, Ricardo da Costa. Uma vida livre da violência. Cartilha, 2008. Universidade Federal de São Carlos - Departamento de Psicologia, São Carlos. Disponível em: <http://www.lfcc.on.ca/uma_vida_livre_da_violencia.pdf>. Acesso em: Jun/2015. PROJETO PATRONATO DE PARANAVAÍ: As atividades do Serviço Social Isabela Barbosa Vasconcelos Camargo 480 Suellen Motta Resumo: O presente trabalho, enquanto relato de atuação profissional tem como objetivo apresentar brevemente as atividades do Serviço Social junto ao Projeto Patronato de Paranavaí-PR. Para tanto, utilizou-se de estudos bibliográficos junto a regulamentações e artigos que contextualizam historicamente sobre o projeto e discorrem a cerca da inserção do assistente social no Patronato. E por fim realizou-se análise sintetizada das atividades profissionais no contexto do Projeto Patronato de Paranavaí-PR. Os resultados apontaram que as atividades do Serviço Social junto ao Projeto Patronato, desenvolve-se por meio de acolhimento qualificado aos usuários, atendimento individualizado, encaminhamentos para a rede de serviços municipais de Paranavaí, identificação de violação de direitos, acompanhamento e monitoramento dos usuários submetidos via determinação judicial a Prestação de Serviço a Comunidade-PSC, contato telefônico, visitas domiciliares, estabelecimento de parcerias com instituições públicas e privadas tendo em vista promover condições de reinserção social dos usuários entre outros aspectos discorridos no desenvolvimento deste trabalho. Palavras-chave: Projeto Patronato, Atividades do Serviço Social, Trabalho interdisciplinar. Introdução O Projeto Patronato é um órgão de execução penal em meio aberto, que desenvolve-se por meio de atividades de monitoramento e acompanhamento junto a indivíduos que são submetidos a sanções penais via determinação judicial, tendo por fim “promover ações de inclusão social dos assistidos” (Cartilha de Municipalização, 2013, p.4) Embora atualmente o atendimento aos indivíduos sujeitos a penas alternativas em meio aberto seja disponibilizada pelo Projeto Patronato, este 481 serviço iniciou suas ações somente em 2013 (SOUZA et al, 2014). Ainda de acordo com os referidos autores, anteriormente a este período as atividades de “fiscalização e acompanhamento” das alternativas penais em meio aberto desenvolvia-se pelo extinto Pró-egresso, que desde 1984 com a regulamentação da Lei de Execução Penal n° 7.210/1984 desenvolvia ações junto a estes indivíduos. Para atender os objetivos propostos junto à regulamentação do Patronato em 2013, entre eles o atendimento humanizado, “pautada no respeito aos direitos humanos e na correlação entre direitos e deveres”, transferiu-se a responsabilidade dessas ações para os municípios. (Cartilha de Municipalização, 2013, p.4) Frente a isso, as Instituições de Nível Superior- IES estabeleceram parcerias junto aos munícipios, a Secretária da Ciência e Ensino Superior- SETI, a Secretária de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos- SEJU com o intuito de desenvolver atividades do Patronato enquanto atividade de extensão universitária. (SERON et al, 2014) Nesse sentido, no município de Paranavaí o Projeto Patronato: [...] iniciou suas atividades a partir de 2006, conveniadas a Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos – SEJU, por meio do Departamento Penitenciário do Estado do Paraná do Estado do Paraná e com a interveniência do Patronato Penitenciário de Curitiba e a Faculdade Estadual de Educação e Letras de Paranavaí e a Universidade Estadual do Paraná– FAFIPA/UNESPAR, atendendo egressos e apenados oriundos ou não do sistema penitenciário (Universidade Estadual do Paraná, 2014). O referido projeto em Paranavaí realiza-se nas dependências da Universidade Estadual do Paraná-UNESPAR, campus Paranavaí. Neste contexto, organiza-se uma equipe interdisciplinar com profissionais recém formados das áreas de direito, pedagogia, psicologia e serviço social, bem como estagiários e professores supervisores das áreas de administração, direito, pedagogia, psicologia e serviço social 482 Tendo em vista as reflexões anteriores, este trabalho insere-se como iniciativa no sentido de apresentar brevemente as atividades do Serviço Social junto ao Projeto Patronato de Paranavaí-PR e contribuir para uma melhor compreensão sobre a importância do trabalho profissional enquanto participe de uma equipe interdisciplinar para a execução de alternativas penais em meio aberto. Desenvolvimento Neste item serão apresentados os resultados e análise dos dados coletados a partir das experiências profissionais cotidianas, no que tange atividades privativas do assistente social, bem como atividades realizadas em conjunto com a equipe interdisciplinar do Projeto Patronato de Paranavaí. As atividades interdisciplinares no Projeto Patronato de Paranavaí ocorrem por meio de acolhimento/recepção dos usuários encaminhados por decisão judicial, cadastramento desses usuários ao projeto, coleta de documentos pessoais, e por fim atendimento individualizado pelos profissionais de cada área, onde desenvolvem-se: orientações jurídicas sobre a pena, atendimentos e encaminhamentos psicológicos, atendimentos e encaminhamentos pedagógicos e atendimentos e encaminhamentos sociais. Considerando que o objetivo deste trabalho destina-se a apresentação das atividades profissionais do serviço social junto ao projeto, nos restringiremos a uma breve analise das ações cotidianas do assistente social enquanto participe de uma equipe interdisciplinar. De acordo com Souza et al (2014) o espaço de atuação do Serviço Social junto a execução penal em meio aberto possibilita identificar múltiplas expressões da “questão social”, nas quais é possível intervir conforme previsto no projeto ético político da categoria profissional, uma vez que o mesmo se propõe a defesa intransigente de direitos. No atendimento individualizado junto aos usuários, o assistente social visa identificar: violações de direitos, vulnerabilidades sociais, vulnerabilidade de acesso, relações comunitárias fragilizadas ou potencializadas, relações 483 familiares fragilizadas ou potencializadas, bem como os fatores subjetivos que incidem sobre a vida dos sujeitos que impedem sua reinserção social, e dificultam o cumprimento da alternativa penal. Ou seja, o atendimento individualizado do serviço social desenvolve-se na perspectiva de olhar para além da infração cometida, sempre enxergando o usuário enquanto sujeitos de direitos. Neste contexto, caso haja necessidade, o assistente social realiza encaminhamentos para rede de serviços municipais de Paranavaí, tendo em vista atender as necessidades dos usuários expostas no atendimento, bem como instrumentaliza-lo enquanto sujeito de direitos, socializando informações e orientando-os. Ainda é de responsabilidade do assistente social encaminhamento dos usuários condenados a Prestação de Serviço a Comunidade-PSC para instituições conveniadas ao Projeto Patronato de Paranavaí, tendo em vista atender determinação judicial. Para isso, prioriza-se habilidades do usuário expostas em atendimento individualizado, bem como instituições conveniadas para PSC próximas as residências dos mesmos, considerando eventuais vulnerabilidades de acesso e por fim as circunstancias do delito praticado. Após analise de habilidades e acesso do usuário, realiza-se contato e encaminhamento junto à instituição que se encaixa ao perfil do usuário atendido. Após encaminhamento para PSC, realiza-se acompanhamento mensal junto às instituições, onde são questionadas eventuais dificuldades, sobre o cumprimento das penas, frequência e carga horaria dos usuários. Caso identificado a necessidade, realiza-se contato telefônico com o usuário condenado a PSC para eventuais esclarecimentos, verificar dificuldades, e estimular o cumprimento da pena. Isso pode ser dialogado a partir de pesquisas já realizadas que indicam que o trabalho do assistente social junto ao encaminhamento e acompanhamento para PSC, deve-se considerar o usuário das suas ações enquanto participe de uma coletividade “inserido em um trama de relações”, as 484 múltiplas facetas da questão social que incidem sobre o seu cotidiano e influenciam suas atitudes. (Pontíficia Universidade Católica-PUC, p.75) Ao observar as atividades cotidianas descritas nos parágrafos anteriores percebe-se que é coerente com o artigo 139 da Lei de Execução Penal que observa que o serviço social penitenciário do Patronato deve priorizar: “[...] observar o cumprimento das condições especificadas na sentença [...] e proteger o beneficiário, orientando-o na execução de suas obrigações [...]”. Outra atividade de relevância desenvolvida pelo assistente social no interior do Projeto Patronato de Paranavaí é a averiguação via pesquisa documental junto às assinaturas mensais dos usuários submetidos a alternativas penais na modalidade: domiciliar, aberto, semi aberto, liberdade condicional, suspensão e transação. Considerando que seja identificado irregularidades realizar-se-á contato telefônico, envio de oficio na residência e visitas domiciliares com intuito de incentivar o cumprimento da determinação judicial, evitar possíveis complicações com a justiça, conhecer como o usuário sobrevive, identificar vulnerabilidade de acesso e por fim quando esgotadas as alternativas, se necessário comunicar ao Juiz o descumprimento da alternativa penal. Para além de acompanhamento e fiscalização das alternativas penais em meio aberto, segundo Dick et al (2014) o Serviço Social desenvolve ações em grupos conforme as infrações cometidas com intuito de socializar informações e realizar encaminhamentos conforme as demandas identificadas. Os cursos disponíveis dentro das demandas do Projeto Patronato de Paranavaí são os cursos: Saiba e Basta. Eles são planejados na perspectiva de conscientização dos apenados acerca dos delitos cometidos, objetivando: “mudanças comportamentais, conscientização e internalização de novas condutas” (Cartilha de Municipalização das Alternativas Penais, p.15, 2013) Assim como descrito pela referencia supracitada, o Serviço Social no interior do Patronato de Paranavaí desenvolve palestras nos cursos SAIBA e BASTA, respectivamente: destinados a infratores relacionados a drogas e delitos de violência doméstica. Nestes cursos, a assistente social ministra discussão interativa em que expõe a rede socioassistencial do munícipio de Paranavaí, os 485 principais programas da política de assistência social e instituições de saúde, de tratamento de álcool e drogas, instituições de internação entre outros fatores. Uma atividade privativa do assistente social no Patronato, coerente com o artigo 5, inciso VI da Lei que Regulamenta a Profissão de Assistente Social refere-se a supervisão de estagio em serviço social. Onde realiza-se discussões teóricas profissional/estagiária, com intuito de relacionar a teoria com a pratica, identificar possibilidades e desafios impostos ao projeto, a equipe e a profissão, bem como entender as contribuições da categoria profissional neste espaço sócio ocupacional. Para efetividade da atuação profissional necessita-se articulação interdisciplinar entre a equipe e parcerias com instituições públicas e privadas do munícipio de Paranavaí que ofertem condições de reinserção desses usuários, concedam-lhes oportunidades de acesso aos serviços públicos, trabalho, escolarização, profissionalização entre outros aspectos que possibilitem a não reincidência aos delitos cometidos. A efetividade do trabalho do assistente social e da equipe como um todo, junto ao monitoramento e acompanhamento das alternativas penais em meio aberto, pode coincidir com o dado exposto por Barrelli (1999) apud Colman (2013, p.2) que destaca: “[...] por seus resultados que, embora preliminares, dão indicativos de eficácia. Em São Paulo, 80% dos detentos reincidem, enquanto apenas 12% que prestam serviço a comunidade voltam a cometer crimes”. Conclusão Considerando as reflexões realizadas é possível perceber as contribuições significativas do Serviço Social junto à execução das alternativas penais em meio aberto no município de Paranavaí, no que se refere ao atendimento humanizado, escuta qualificada, identificação de vulnerabilidades que impossibilitem o cumprimento da pena, tendo por fim antever inadimplências e traçar estratégias que estimulem o usuário a cumprir a alternativa penal entre outros fatores que contribuam para qualificação do projeto e permitam contribuir para: 486 Redução da lotação carcerária. O enfrentamento das estruturas que alimentam a criminalidade. A redução da reincidência criminal e dos conflitos sociais. O enfrentamento a drogadição. O reforço de ações de combate a impunidade. A readequação da conduta social dos usuários. E consequentemente restauração da cidadania. Referências BRASIL, Lei nº 7.210, de 11 de Julho de 1984: Institui a Lei de Execução Penal-LEP. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_3/leis/L7210.htm. Acesso em set. de 2015. BRASIL. Lei de Regulamentação da Profissão, Lei n. 8662 de 7 de Junho de 1993: dispõe sobre a profissão de Assistente Social e dá outras providências. Disponível em: http://www.cfess.org.br/arquivos/CEP2011_CFESS.pdf. Acesso em set. de 2015. BRASIL, Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos. Patronato Municipal: Municipalização da Execução das Alternativas Penais. Curitiba. 2013. COLMÁN, Silvia Alapanian. CONTRIBUIÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL PARA APLICAÇÃO DE PENAS ALTERNATIVAS. Londrina. 2013. DICK, Deborah Martins. PROGRAMA PATRONATO: Foco Ressocializador. Universidade Estadual de Ponta Grossa. 2014. Programa Patronato Paranavaí. Disponível em: http://www.fafipa.br/site/index.php/patronato Acesso em 20 set. 2015. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA- PUC, Rio de Janeiro. O Serviço Social e as Penas e Medidas Alternativas. Certificação digital, n°0912188/CA. SERON, Paulo Cesar et al. PROGRAMA PATRONATO DE MARINGÁ: BRAÇO DA EXECUÇÃO PENAL NO MEIO ABERTO. In_ 32º Seminário de Extensão Universitária da Região Sul. 2014. 487 SOUZA, Franciele de. As Condições de Trabalho do Assistente Social no Programa Patronato de Toledo-PR. In_ 6° Seminário Nacional Estado e Políticas Sociais. Toledo-Pr. 2014. AGENDA SOCIAL DO MERCOSUL: O PAPEL DAS INSTITUIÇÕES – INSTITUTO SOCIAL DO MERCOSUL E FUNDO DE CONVERGENCIA ESTRUTURAL DO MERCOSUL Giseli Aparecida de Oliveira179 Lucia Cortes da Costa180 179 Mestrado em Ciências Sociais Aplicadas; Universidade Estadual de Ponta Grossa, Assistente Social na Associação Beneficente Lua Nova. 180 Doutora, Professora Associado da Universidade Estadual de Ponta Grossa no Programa de Mestrado em Ciências Sociais Aplicadas. 488 Karine Fabiane de Lima181 RESUMO: O Artigo apresenta o debate sobre a agenda social no processo de integração regional. A partir dos anos 2000 que se identifica o estabelecimento de mecanismos institucionais voltados para a operacionalização da agenda social no bloco.Entre as medidas adotadas entre os países damos destaque à criação de duas instituições sendo elas: FOCEM – Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul, ISM – Instituto Social do Mercosul. O presente estudo tem como objetivo geral buscar identificar o papel que essas instituições desenvolvem no processo de operacionalização da agenda social no Mercosul. A pesquisa é de caráter exploratório usando os procedimentos da pesquisa bibliográfica e documental. PALAVRAS-CHAVE: Instituições, Agenda Social, Mercosul ABSTRACT:Thearticlepresents thedebateon the social agendain the regional integrationprocess.From the2000swhichidentifiesthe establishment of institutionalmechanismsfocused on theimplementationof the social agendain the block.Among the measures adoptedacross countrieswe highlightthe creation oftwo institutionswiththem:FOCEM-Structural Convergence Fundof MERCOSUR,ISMMercosur SocialInstitute. This studyhas the general objectiveseek to identifythe role ofthese institutionsin the process ofimplementationof the social agendain Mercosur.The research isexploratoryusing the proceduresofbibliographic anddocumentary research. KEY-WORDS: Institutions, Social Agenda, Mercosur 1. INTRODUÇÃO A dimensão social no Mercosul começou a ganhar visibilidade a partir da RMADS – Reunião de Ministros e Autoridades do Desenvolvimento Social do Mercosul e Estados Associados, com a criação no ano de 2000; sendo um espaço de discussão e construção de um processo para o fortalecimento da dimensão social, ficando estabelecidos a base conceitual comum para os países da região na integração, na formulação, desenho, implementação e na avaliação das políticas sociais regionais. Na XXIV Reunião do CMC – Conselho do Mercado Comum em Assunção, Paraguai em junho de 2003, reforçou-se sobre a necessidade de priorizar a dimensão 181 Mestrado em Ciências Sociais Aplicadas; Universidade Estadual de Ponta Grossa, Assistente Social na Associação Beneficente São José. 489 social no bloco, promovendo o incentivo e desenvolvimento dos Estados-partes, com ações de inclusão social e econômica dos grupos vulneráveis. A área social torna-se uma agenda no processo de integração regional, com objetivo de justiça social para seus cidadãos. Destacamos a criação do Instituto Social do Mercosul – ISM em 2007 com a missão de ampliar a dimensão social no bloco pautado nas diretrizes do PEAS182, “obtendo ações emancipatórias, desenvolvimento humano, reconhecendo o indivíduo como cidadão sujeito de direitos civis, políticos, sociais, culturais e econômicos”.183 Com a criação do Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul – Focem em 2004, com diretriz de reduzir assimetrias e aumentar o desenvolvimento de economias menores no Mercosul em três eixos de atuação: Convergência Estrutural, Desenvolvimento da Competitividade e Coesão Social. O presente estudo184 tem como objetivo de verificar a importância e o funcionamento de duas instituições vinculadas a agenda social do Mercosul, a saber: o Instituto Social do Mercosul – ISM e Fundo de Convergências Estrutural do Mercosul – FOCEM. A pesquisa é exploratória e de natureza descritiva, devido a escassez de estudos na área relacionado sobre a dimensão social no Mercosul; utiliza-se de pesquisa bibliográfica, que consiste em levantamento bibliográfico, em obter informações teóricas sobre o processo. Também se utiliza a pesquisa documental, de acordo com Chizzotti (2006, p.13) “a pesquisa documental visa responder as necessidades objetivas da investigação [...], a pesquisa documental é parte integrante de qualquer pesquisa sistemática e precede ou acompanha os trabalhos de campo”. O texto a seguir está estruturado em duas seções, na primeira descrevemos o processo de constituição da agenda social noMercosul, os fatos relevantes e as 182O Plano estratégico de Ação Social (PEAS), foi aprovado na Cúpula de Assunção realizada em junho de 2011, por meio da Decisão CMC Nº 12/11 183(PEAS, 2012, p. 10) 184 O estudo apresenta alguns resultados da pesquisa realizada no Mestrado em Ciências Sociaisem 2015 pela Universidade Estadual de Ponta Grossa com o tema de pesquisa “Instituto Social do Mercosule Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul no contexto da agenda social”. 490 principais iniciativas; na segunda seção os avanços institucionais voltados para implementar a agenda social no bloco, junto ao FOCEM – Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul e o ISM – Instituto Social do Mercosul. 2. AGENDA SOCIAL NO MERCOSUL Pensar em uma agenda social no Mercosul é observar as iniciativas que colaboraram para o desenvolvimento dos temas sociais no bloco, que são identificados na construção do processo institucional do Mercosul. De acordo com Almeida (2008, p. 47) “os estudos dos movimentos integracionistas atuais abarcam dois âmbitos: de um lado a integração econômica (a dimensão econômica), e de outro o envolvimento social dos cidadãos e das comunidades envolvidas (a dimensão social)”. Podemos destacar que o Mercosul não nasceu de uma integração baseada em uma agenda social, mas sim baseado em uma pauta de discussões as questões comerciais, desconhecendo as questões sociais como afirma Behring (2004, p. 186). Segundo o Instituto Social do Mercosul185 a construção da agenda social para o Mercosul se baseou em discussões sobre a Declaração do Milênio, uma reunião em setembro de 2000 com a presença de líderes de 189 países, que estabeleceram algumas metas para serem cumpridas, o pacto foi durante a Cúpula do Milênio promovida pela Organização das Nações Unidas em Nova York. Desta discussão foi construído o documento denominado Declaração do Milênio, ficando acordados oito objetivos, conhecido como: “Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – (ODM)”186, com ações de combate à fome e à pobreza, associadas à implementação de políticas de saúde, saneamento, educação, habitação, promoção da igualdade de gênero e meio ambiente187. 185Informações site oficial ISM disponível em <http://ismercosur.org/pt-br/mercosul-social/> acesso em janeiro de 2015 186Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) são divididos em oito prioridades sendo: 1- Acabar com a fome e a miséria; 2 - Educação Básica de qualidade para todos; 3 - Igualdade entre sexos e valorização da mulher; 4- Reduzir a mortalidade infantil; 5 - Melhorar a saúde das gestantes; 6 - Combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças; 7 - Qualidade de vida e respeito ao meio ambiente; 8 - Estabelecer uma Parceria Mundial para o Desenvolvimento. (CEPAL, 2005) 187 Informações em “Objetivos do desenvolvimento do Milênio - RELATÓRIO NACIONAL DE ACOMPANHAMENTO – 2004”. 491 Os Objetivos do Milênio têm como proposta a redução da desigualdade e propõe ações em áreas prioritárias. Foi diante deste acordo que os Ministros e Autoridades do Mercosul, fundamentaram seus conceitos para a dimensão social no Mercosul sendo eles: a) Centralidade da dimensão social na integração que pretenda promover um desenvolvimento humano e social integral. b) O indissociável do social e o econômico na formulação, desenho, implementação e avaliação das políticas sociais regionais. c) A reafirmação do núcleo familiar como eixo de intervenção prioritário das políticas sociais na região. d) A centralidade do papel do Estado. e) A proteção e promoção social desde uma perspectiva de direitos, superando a visão meramente compensatória do social. f) A participação de uma sociedade civil fortalecida organizacionalmente.188 Desse modo destacamos algumas iniciativas que compõe o processo de construção de uma agenda social para o Mercosul, sendo elas: 1991 – Mercosul Educacional; 1993 – Carta Social do Mercosul; 1996 – SGT10 e 11; 1996 – Foro Consultivo Econômico e Social (FCES); 1997 - Tratado Multilateral de Seguridade Social; 1998 - Declaração Sócio-laboral do Mercosul; 2000 - Institucionalização da Reunião de Ministros e Autoridades de Desenvolvimento Social; 2000 - Cúpula Social do Mercosul; 2004 - Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM); 2005 - Iniciativa Somos Mercosul; 2006 - Parlamento do Mercosul; 2007 – Instituto Social do Mercosul (ISM); 2011 – Plano Estratégico de Ação Social do Mercosul – PEAS. (IZERROUGENE, 2009) Dentre os avanços institucionais na área social destacamos FOCEM e o ISM, a seguir a análise parte de buscar compreender a estrutura institucional destas instâncias, buscaremos identificar as ações que vêm sendo desenvolvidas, formas de financiamento e sua organização normativa, apresentando os desafios e as possibilidades para a agenda social no Mercosul. 2.1FUNDO DE CONVERGÊNCIA ESTRUTURAL DO MERCOSUL (FOCEM) 188 Informações site oficial ISM disponível em <http://ismercosur.org/pt-br/mercosulsocial/> acesso em janeiro de 2015 492 O Focem surgiu a partir da premissa do desenvolvimento econômico com justiça social para os Estados-partes do Mercosul, tem como objetivo aprofundar o processo de integração regional, com ações de redução de assimetrias, a partir de ações de incentivo à competitividade e estímulo à coesão social entre os paísesmembros do bloco regional do Mercosul. (CMC, Nº 18/05). O Focem foi criado na XVVI Reunião do Conselho do Mercado Comum no dia 16 de dezembro de 2004, na cidade de Belo Horizonte a partir da Decisão do CMC no 45/04, com a destinação de um fundo para financiar programas para promover o desenvolvimento e reduzir assimetrias nos países de bloco.No ano de 2005 em Assunção o CMC propões a decisão no 18/05 sobre a “Integração e funcionamento do Fundo para a Convergência Estrutural e fortalecimento da estrutura institucional do Mercosul” tal documento deu as coordenadas sobre o uso do fundo e as ações do Focem. A decisão detalha os principais projetos a serem financiados que devem respeitar quatro programas sendo eles: A) Convergência Estrutural: As ações devem contribuir para o desenvolvimento e ajuste estrutural das economias menores e regiões menos desenvolvidas, incluindo a melhora dos sistemas de integração fronteiriça e dos sistemas de comunicação em geral. B) Desenvolvimento da Competitividade: Deve contribuir à competitividade no âmbito do Mercosul, incluindo processos de reorganização produtiva e trabalhista que facilitem a criação de comércio intra Mercosul e projetos de integração de cadeias produtivas e de fortalecimento da institucionalidade pública e privada nos aspectos vinculados à qualidade da produção (padrões técnicos, certificação, avaliação da conformidade, sanidade animal e vegetal, etc.), assim como a pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e processos produtivos. C) Coesão Social: Deve contribuir ao desenvolvimento social, em particular nas zonas de fronteira, e poderão incluir projetos de interesse comunitário em áreas da saúde humana, da redução da pobreza e do desemprego. D) Fortalecimento da Estrutura Institucional e do processo de integração: Deve visar à melhora da estrutura institucional do Mercosul e a seu eventual desenvolvimento. Uma vez cumpridos os objetivos dos projetos, as estruturas e atividades que venham a resultar serão financiadas em partes iguais pelos Estados Partes. (DECRETO, NO 5.969). A contribuição para o Focem será de contribuições não reembolsáveis, tem como orçamento anual o valor de cem milhões de dólares, esse valor deve ser dividido entre os países, o calculo para a divisão dos valores foi baseado no histórico 493 da média do PIBde cada país correspondente, sendo dividido da seguinte maneira: Argentina: 27%, Brasil: 70%, Paraguai: 1%, Uruguai: 2%. No caso do Brasil com o maior PIB apresenta a maior contribuição do valor no Focem já o Paraguai possui a menor porcentagem de contribuição sendo de 1%do valor total do fundo. Quanto à distribuição de recursos os mesmos serão repassados da seguinte maneira: Projetos apresentado pelos Paraguai: 48%; Projetos apresentados pelo Uruguai: 32%;Projetos apresentados pela Argentina: 10%; Projetos apresentados pelo Brasil: 10%. Atualmente o Focem possui 44 projetos aprovados, sendo que o Paraguai apresenta o maior número de projetos aprovados sendo 18 projetos, Uruguai 10, Brasil 5 e Argentina 4, Pluriestatais 4, Fortalecimento Institucional 3 projetos. Segundo informações da CRPM (2013) os projetos que foram concluídos tem somente 05 projetos, 37 estam em processo de execução e 02 foram rescindidos. Os projetos do Focem que tiveram maior investimento foi de Convergência Estrutural, com o valor total de US$ 874.760.293,00, seguido doPrograma de Desenvolvimento da Competitividade teve o investimento de US$ 45.878.842,00, e o Programa de Coesão Social com US$ 61.199.105,00 e o por ultimo o Programa de Fortalecimento Institucional com US$ 670.900,00. (CRPM, 2013) O valor total de investimento do Focem segundo CRPM (2013) foi de US$ 982.509.140, e com a contrapartida dos Estados um montante total de US$ 1.415.603.744. 2.2 O INSTITUTO SOCIAL DO MERCOSUL (ISM) O ISM foi criado a partir da decisão do CMC, no 03/07 estabelecida no dia 18 de janeiro de 2007, em que foi uma iniciativa da Reunião de Ministros e Autoridades do Desenvolvimento Social do Mercosul (RMADS). O ISM visa fortalecer o processo de integração com o desenvolvimento humano. O Instituto é uma instancia técnica permanente de pesquisa na área de politica social em que unem esforços de consolidação no processo de integração, com 494 iniciativas que contribuam para a redução das desigualdades sociais entre os Estados Partes, visando a promoção do desenvolvimento humano integral189. O ISM tem sua sede na cidade de Assunção, capital do Paraguai, e foi inaugurada durante o Pro Tempore presidente do Paraguai, em julho de 2009. Tem como objetivo: - Coordenar a concepção, acompanhamento, avaliação e disseminação de projetos sociais regionais. - Promover e desenvolver pesquisas para apoiar a tomada de decisões na concepção, implementação e avaliação dos impactos das políticas sociais. - Promover oportunidades de reflexão, análise e divulgação dos temas emergentes na agenda social do Mercosul. - Recolher, trocar e divulgar as melhores práticas e experiências sociais a nível regional e inter-regional.190 Em sua estrutura organizacional o ISM, possui um corpo técnico de investigação no campo das políticas sociais e implementação de estratégias, a fim de contribuir para o reforço da dimensão social no processo de integração do Mercosul. Sobre a contribuição orçamentária do Instituto o decreto no 08/11 vem regular sobre a divisão e contribuições dos estados partes, sendo uma contribuição regular, dividido da seguinte maneira: Argentina: 24%, Brasil: 39%, Paraguai: 24%, Uruguai: 13%. Já no decreto no 31/09, pode-se verificar que o ISM teve o primeiro orçamento em 2010, com um montante de orçamento no valor de US$ 227.952,00, foi o Brasil que teria que contribuiu com a maior parte, sendo de US$ 88.976,00, seguido da Argentina e Paraguai com o valor igual de US$ 54.488,00 e do Uruguai de US$ 30.000,00, mas o Brasil não repassa o recurso desde 2009. (ISM, 2014) Um dos primeiros avanços que o ISM desenvolveu foi a construção e elaboração do “Marco conceitual sobre a dimensão social do Mercosul”, que resultou na publicação do livro “Dimensão Social do Mercosul – Marco Conceitual” em 2013. O objetivo do marco conceitual foi mediante uma construção coletiva com várias pessoas envolvidas para apresentar estudos e reflexões sobre a dimensão social no contexto do Mercosul. Também podemos destacar a criação do SIMPIS iniciou em 2012, e somente no de 2014 é que ocorreu a primeira publicação entitulado “SIMPIS – Projetos e 189 Informações no site oficial do Instituto Social do Mercosul. 495 Programas Social do Mercosul em perspectiva” que contém estudos descritivos de cada país do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela), dando ênfase para programas nacionais que são voltados para o combate da probreza extrema, segurança alimentar e nutricional, economia solidária, inclusão produtiva e transferência de renda. Os programas apresentam conteúdo contendo objetivos, modalidade de execução, público alvo, financimanto etc. (ISM, 2014) Os projetos Segurança Alimentar e Nutricional e Economia Solidária é um dos projetos que vem sendo priorizados pelo ISM, e vem desenvolvendo em conjunto com as delegações, ações para estes projetos, medinate reuniões, orientações para as equipes de cada país. Uma das dificuldades que o ISM apresenta é referente à dificuldade financeira, com a defasagem nos valores repassados há um reflexo direto nas ações desenvolvidas. Mondelli (2013)191 destaca que “El problema es que el dinero no llega aqui. Pues el Brasil representa 40% del presupuesto del ISM y es muy grande el impacto”192 o técnico reforça que tal defasagemafetadiretamentenasatividades e fragiliza a instituição“o ISM desde el comienzo estaintentando fortalecer, pero es difícil fortalecer un espacio que no tiene recursos para desenvolver actividades concretas193.Garcia (2013)194, tambémcompartilhadestadificuldade e destaca “Lo más importante es ver si realmente el Instituto va a mantener el sistema financiero, el problema ahora es el financiero”195, os recursos refletemdiretamentenascondições de trabalho. Para 191 Entrevista, realizada em 03/12/2013, MarceloMondelli do Chefe do Departamentode Pesquisa eGestão da Informação do Instituto Social do Mercosul, na pesquisa se referenciará como Mondelli (2013).Mestre emRelações Internacionais (Universidade de Dublin-Irlanda) e se formou na UniversidadedeLincoln (Reino Unido). 192 O problema é que o dinheiro não chega aqui. Pois o Brasil represente 40% do orçamento do ISM e é muito grande o impacto. (Tradução Nossa) 193 O ISM desde o início vem tentando fortalecer, mas é difícil fortalecer um espaço que não tem recursos para desenvolver atividades concretas. (Tradução Nossa) 194 Entrevista, realizada em 03/12/2013, Maria Carmem Garcia, técnica do Departamento de Investigação e Gestão de Informação no Instituto Social do Mercosul, na pesquisa fará referência como Garcia (2013). Possui graduação em Serviço Social,se formou na UniversidadeNacional de Assunção, Mestre em Política de MigraçãoInternacional,Universidade deBuenosAires.Professorada Escola deServiço Socialda Universidade Nacionalde Assunção 195O mais importante é ver se realmente o instituto vai se manter financeiramente, o problema agora é financeiro. (Tradução Nossa) 496 que uma instituição possa operar é necessário contar com repasse de recursos para dinamizar as ações e planejamento adequadamente. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Podemos destacar que as duas instituições o Focem e ISM possuem um papel importante para a dimensão social do bloco, primeiramente destacamos o Focem como sendo uma atuação inovadora em pensar no Mercosul Social. Verifica-se que o Focem ainda se apresenta com poucos e projetos aprovados e poucos concluídos, e em processo de execução. A maior parte dos projetos financiados pelo Focem é em infraestrutura e se torna relevante principalmente para o Paraguai, por tratar de investir no país para melhorar a sua condição econômica e comercial diante do bloco. O Focem vem cumprindo com seus objetivos e se tornando uma principal fonte de investimento internacional para o Paraguai e Uruguai, e vem ganhando seu espaço na pauta da agenda social por possuir uma linha que se preocupa com a coesão social com a diretriz de fortalecer as economias menores com o propósito do autodesenvolvimento. O ISM também tem avançado no diálogo e estudos para a região resultando num aporte de dados dos países membros, um marco para definir estratégias para os países. Dentre as dificuldades do ISM que foram reveladas pelos entrevistados, principalmente na dificuldade financeira, quando não existe o repasse efetivo e prejudica nas ações e nas atividades a serem desempenhadas. O enfoque social conferido ao Mercosul nestes últimos anos esta em processo de fortalecendo e amadurecimento, pois pretende-se com esse estudo contribuir para o debate acadêmico, político e social, a partir da tentativa de melhor observar os rumos das ações das instituições sociais que visam garantir a construção de uma integração mais justa, entre os países. 4. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Rosângela da Silva Almeida. Proteção Social no Mercosul: a saúde dos trabalhadores de municípios fronteiriços do rio grande do sul. Tese de doutoradoPrograma de Pós-Graduação do Curso de Doutorado em Serviço Social. Porto Alegre, 2008 497 BERING, Elaine Rossetti. O Serviço Social e o Mercosul. In: Serviço Social e Sociedade: serviço social: formação e projeto político. 79. São PauBlo: Cortez, 2004, p. 173-95. CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa em Ciências humanas e sociais. 8a São Paulo: Cortez, 2006. CRPM, Informe sobre funcionamento do FOCEM elaborado pela CRPM para consideração do Conselho de Administração do FOCEM, Montevidéu, dezembro de 2013 (Anexo VIII ATA CRPM Nº 01/14) ISM, MERCOSUL. Proyectos y Políticas Sociales del MERCOSUR en perspectiva. Assunção, 2014. Disponível em: ttp://aplicacoes.mds.go.br/sagirm IZERROUGENE, Bouzid. O desafio da integração social no MERCOSUL. Revista PROLAM, v. 1, p. 100-112, 2009. Disponível em http://www.revistas.usp.br/prolam/article/view/82323 PLANO ESTRATÉGICO DE AÇÃO SOCIAL DO MERCOSUL - (PEAS). Produção editorial: Tekoha, Assunção, Paraguai - Junho de 2012 MERCOSUL. Decisões CMC Nº 26/03, 45/04, 18/05, 03/07,37/08, 51/08, 31/09, 08/11, 41/12. RELAÇÕES DE GÊNERO E MULHERES NO CAMPO: ESTUDOS REALIZADOS EM TOLEDO/PR196 Ana Carolina de Paula197 Giane Franciele Negri198 Marize Rauber Engelbrecht 199 Rosana Mirales200 196 Resultados da pesquisa estão no artigo “O cotidiano das relações de gênero e agricultura familiar”, Revista Retratos de Assentamentos, v.18, n.1, 2015, p.43-65. 197 Assistente Social, bolsista do projeto <[email protected]>. 198 Graduanda em Serviço Social, bolsista do projeto <[email protected]>. 199 Professora na Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE/Campus de Toledo, colaboradora do projeto <[email protected]>. 200 Professora na UNIOESTE/Toledo, coordenadora do projeto <[email protected]>. Registram-se as contribuições de Vidiane Forlin e Ivanice de 498 RESUMO Neste artigo apresentam-se reflexões resultantes de análises das informações (dados) coletadas em entrevistas realizadas pelo projeto de pesquisa Relações de Gênero e Agricultura Familiar: Estudo na Linha Cerro da Lola – Toledo-PR, com dezoito mulheres participantes Clube de Damas ou Clube do Bolãozinho, relacionadas ao cotidiano familiar de trabalho e de socialização nos espaços coletivos existentes no território. O texto teve por objetivo conhecer os mecanismos de resistência das mulheres no campo, observando as mediações decorrentes das formas de sociabilidade entre moradores de um dado território e as políticas sociais desenvolvidas. Considerou-se para isso, a dinâmica cultural das relações de gênero, presentes na organização das famílias de agricultores(as) e do trabalho realizado pelas mulheres. Palavras-chave: Agricultura; Gênero; Política Social; Território; Trabalho. 1 INTRODUÇÃO Esse texto apresenta resultados do projeto de pesquisa Relações de Gênero e Agricultura Familiar: Estudo na Linha Cerro da Lola – Toledo-PR, que foi desenvolvido no período de 2013 a 2015201. O objetivo do projeto foi aprofundar o conhecimento sobre os mecanismos de resistência das mulheres Oliveira Cândido, bolsistas do projeto respectivamente como profissional recém graduada e graduanda; Leoni Wammes, assistente social da UTFPR/Toledo e colaboradora do projeto <[email protected]>; Loiara Gund graduanda em Serviço Social, bolsista do projeto <[email protected]>. 201 O projeto em desenvolvimento concorreu à Chamada nº 32/2012, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), por intermédio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Secretária de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM/PR) e o Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) e reservava recursos específicos para pesquisas voltadas às temáticas das relações de gênero no campo e na floresta (BRASIL, 2012). 499 no campo. Nesse contexto, visa-se observar as mediações decorrentes das formas de sociabilidade entre as(os) moradoras(es) de um dado território local e as políticas sociais desenvolvidas na região e conhecer a dinâmica cultural das relações de gênero, presentes na organização das famílias de agricultores(as) e do trabalho realizado pelas mulheres nas chácaras ou sítios onde se observa a diversificação de atividades produtivas e também fora delas em que se percebe a realização de pluriatividades. A questão norteadora para servir como um guia de condução no processo de investigação e de pesquisa foi: há uma relação entre os processos de resistência cultural das agricultoras que compõem esses grupos familiares e as políticas sociais (serviços, programas, projetos, atividades). O objetivo deste texto é apresentar informações da pesquisa, relacionadas ao perfil das mulheres entrevistadas e o cotidiano em que se inserem, tendo como foco central as suas rotinas de trabalho e as formas de sociabilidade que estabelecem no território de moradia. 2 IGUALDADE DE GÊNERO NO CAMPO No aprofundamento deste debate teórico, duas categorias tornam-se essenciais para compreensão da situação das mulheres: gênero e patriarcado. A primeira, entendida como relacional e construída historicamente, sem condições de ser compreendida independente dos sexos, constitui-se em uma categoria ontológica, ou seja, que demarca os processos de transformações que levaram ao desenvolvimento do ser social. O vínculo orgânico entre sexo e gênero torna as três esferas da vida social (inorgânica, orgânica e social) uma unidade, ainda que sexo não seja gênero e vice-versa. Gênero ou sexo não se reduzem a biologia, mas não podem ser compreendidos fora dessa dimensão, uma vez que também compõem o corpo humano em sua condição biológica (SAFFIOTI, 2004). A segunda categoria, o patriarcado, por sua vez, constitui-se em uma categoria epistemológica que, com o desenvolvimento de outras formas de sociabilidade, poderá deixar de existir, uma vez que demarcada pela desigualdade de gênero, em favor de um poder masculino sobre o feminino. A 500 ampliação de uma igualdade de gênero necessariamente diminui a relação de hierarquia estabelecida dos homens sobre as mulheres e altera então a dominação patriarcal que sedimenta a opressão e a subalternidade feminina. Esse processo sócio-histórico expressa estas e outras formas de sustentação das formas de ampliação das relações sociais, em que os direitos tornam-se o elo de sustentação de consensos entre as classes sociais, com a mediação fundamental dos Estados, que têm a hegemonia da burguesia e apresentam contradições em sua dinâmica. Por isto, os direitos são compreendidos como expressão de contradições, que legitimam a ordem burguesa e, ao mesmo tempo, expressam os confrontos e “consensos” 202 entre as classes sociais. Com o avanço das conquistas dos direitos à igualdade de gênero, crescem, no âmbito das políticas sociais, medidas em torno da gestão das políticas para as mulheres, sendo que no II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (II PNPM) (BRASIL, 2008), apresenta-se a discussão de várias dimensões que abrangem a diversidade humana. A discussão de gênero no meio rural, conforme traz o II PNPM por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios realizada em 2006 (BRASIL, 2008, p. 141), traz que “As mulheres representam 47,8% da população residente no meio rural, o que corresponde a um contingente de 15 milhões de pessoas, muitas delas sem acesso à cidadania, saúde, educação e sem reconhecimento da sua condição de agricultora familiar, trabalhadora rural, [...]”. O processo de formação social brasileiro segmentou as mulheres agricultoras familiares203 do país, levando a uma naturalização das formas de dependência de gênero e sustentação do patriarcado. 2.1 A LINHA CERRO DA LOLA E O OESTE DO PARANÁ 202 Entre aspas porque embutem-se nos consensos expressos nos direitos, as disputas nos processos que os constituíram e as pressões que os legitimam e também os negam. 203 No decorrer dos três textos propostos a serem desenvolvidos com os resultados do projeto de pesquisa, pretende-se deixar mais evidente o debate sobre a construção da concepção sobre agricultura familiar. 501 No que diz respeito à territorialização204, a região oeste do Paraná caracteriza-se por apresentar boa qualidade de solo, favorecendo o desenvolvimento do complexo agroindustrial (MÜLLER, 1989) - tendência que ganhou lugar nos agronegócios, movidos pelo ciclo do capital produtivo do país e do mundo (SANT’ANA, 2012). A ocupação agrária e agrícola no Paraná se intensificou a partir de 1850, quando o governador do Paraná concedia grandes áreas de terra a companhias particulares, principalmente inglesas e argentinas, para explorar madeira e ervamate. Essas companhias eram espoliadoras, depredadoras e exploradoras, além de que expulsavam os posseiros e indígenas que ocupavam o território (COLODEL, 2003). Em relação ao município de Toledo, a região foi colonizada a partir de meados de 1946, pela Indústria Madeireira Colonizadora Rio Paraná S.A. – MARIPÁ, em uma área que compreendia 274.846 hectares de terra (2.748 Km²), sob o nome de Fazenda Britânia (SILVA, 1988). Segundo Gregory (2008), a colonizadora que se estabeleceu na região implantou uma colonização sistemática e seletiva direcionada à pequena propriedade, com adoção da cultura diversificada de produtos agrícolas. No processo de ocupação regional, foram selecionados agricultores que, segundo os critérios estabelecidos, apresentassem facilidade na adaptação205 à região e isto implicava, segundo os entendimentos adotados, em buscar candidatos no sul do país, descendentes de alemães e italianos, experientes na agricultura. Assim, segundo o mesmo autor, o espaço teria sua estrutura fundiária, estradas e núcleos populacionais, demarcada pela experiência do espaço colonial das antigas áreas colonizadas anteriormente mais ao sul do país. 204 Território compreendido como fruto das relações sociais estabelecidas entorno das apropriações espaciais, demarcando as formas de pressões, disputas e interesses expressos nos lugares pela “questão social”. No terceiro artigo a ser produzido resultante da pesquisa realizada, pretende-se aprofundar esse aspecto dos debates sobre a realidade agrária. 205 Além de adaptado ao trabalho agrícola, o “elemento humano” (aspas nossas) também deveria ter a característica de “[...] pacífico e tranquilo, porque em uma área tão grande poderiam ocorrer desavenças entre os moradores, e os fatos desagradáveis seriam muito difíceis de serem controlados por uma empresa comercial particular.” (NIEDERAUER, 2004, p. 201). 502 As famílias selecionadas, segundo esse pressuposto, para ocupar as terras da região foram as de colonos gaúchos do Rio Grande do Sul e catarinenses de Santa Catarina e, confirmando os critérios adotados, descendentes de imigrantes italianos e alemães. A escolha pelo morador anteriormente colonizado no sul do país não foi aleatória, uma vez que ele tinha conhecimento da tecnologia agrícola possível para a época, considerada “mais evoluída”. A cultura desses agricultores selecionados demonstrava a condição de possuidores de recursos necessários para aquisição dos lotes de terras. Para isto, a colonizadora definiu que as terras seriam divididas em pequenas propriedades denominadas colônias de 10 alqueires ou chácaras de 24 hectares - forma de denominação para as pequenas propriedades agrícolas ainda presentes na região e sítio para aqueles um pouco mais amplos. Outra orientação para o processo de colonização era que cada grupo de colônias deveria estar provido de um povoado (GREGORY, 2008). O município de Toledo-PR se constituiu de um espaço agrário demarcado pela presença de pequenas propriedades, fundado em uma dinâmica de agricultura diversificada e autossuficiente, ou seja, capaz de gerir condições de autossustentação para aqueles que foram colonizados. Atualmente Toledo é considerado um município de médio porte com uma população de 119.313 mil habitantes (IBGE, 2010); apresenta uma agricultura resultante de uma expansão intensiva do capitalismo no campo, que transforma substancialmente as condições de produção, direcionada ao agronegócio e a agroindústria, interferindo diretamente nas formas de organização dos produtores para a (re)produção no campo. Como parte dessa dinâmica produtiva, demarcada por vários ciclos de modernização conservadora, modificam-se as bases técnicas da produção, baseadas, anteriormente, em culturas tradicionais voltadas à subsistência, afetando profunda e diretamente, em maior escala, a pequena produção familiar. Essa realidade social instiga compreender quais são as singularidades das resistências das agricultoras, uma vez que, no desenvolvimento agrário 503 brasileiro, esses processos também resultam na expulsão de parcela dos pequenos, ou seja, não asseguram a distribuição dos recursos igualmente, de maneira a garantir as populações em seus espaços. Objetivou-se verificar na pesquisa, qual o papel desempenhado pelas mulheres em suas resistências à expansão capitalista, presentes nos processos produtivos, observando se as políticas sociais contribuem para o fortalecimento de suas estratégias de persistência em serem agricultoras. Nesse sentido, o trabalho desempenhado pelos membros da família na agricultura exige funções diferenciadas que se expressam na divisão sociotécnica e sexual do trabalho e manifesta desigualdades de gênero, uma vez que mantém a mulher em um papel secundarizado na hierarquia posta pelas relações de trabalho e pela organização familiar e que ganha naturalização, vinculado aos argumentos de suas condições biológicas. 2.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A definição da Linha Cerro da Lola, como local de realização da pesquisa, contou com a indicação de técnicos da EMATER (Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural) de Toledo-PR, por constituir-se pela presença de agricultores familiares que intensificam a produção agrícola pela complementação do trabalho familiar. Foram entrevistadas, com roteiro previamente construído pela equipe do projeto, dezoito mulheres vinculadas ao Clube do Bolãozinho ou Clube de Damas de Cerro da Lola. Nas discussões realizadas com os sujeitos coletivos locais (Grupo de Idosos, Associação de pais e professores da Escola, Associação de Moradores, Grupo da Igreja Católica), identificou-se ser o Clube de Damas ou Bolãozinho o espaço que reúne as mulheres e que, segundo informações orais, originou-se nos anos de 1970. O projeto de pesquisa teve parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Todas as entrevistadas moram em Cerro da Lola sendo que onze possuem terras e sete não (destas sete, uma a mãe tem posses e outra herdará 504 o sítio do pai). Perguntou-se quais são as suas profissões e onde trabalham obtiveram-se as seguintes resposta: nove são Agricultoras; as demais dividemse em: Agricultora e Assalariada Rural; Agricultora e Costureira; Agricultora e Dona de Casa; Agricultora, Dona de Casa e Costureira; Cabeleireira; Diarista e Assalariada Rural; Diarista; Dona de casa e auxiliar de construção civil; Dona de Casa; Operadora de máquinas (urbana). Considerou-se que todas elas realizam também trabalhos domésticos em suas casas. Quatro das entrevistadas declararam serem aposentadas devido à idade, uma declarou receber pensão decorrente da morte do marido e uma declarou já ter recebido Bolsa Família e Auxílio Doença. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Pontuam-se algumas considerações, extraídas do conteúdo apresentado, finalidade do trabalho realizado com a sistematização das apresentações acima, que tiveram base nos levantamentos realizados em campo: – A rotina das mulheres entrevistadas tem em grande parte de seus horários como ocupação principal as atividades relacionadas ao trabalho, que nas formas assalariadas apresentam-se com contratos informais através de recebimentos diários; assalariado urbano; por tarefa (na situação da construção civil, a entrega é realizada após a conclusão da obra); combinadas em atividades assalariadas (diaristas) com atividades de serviços domésticos e agropecuários; nas chácaras ou sítios para aquelas que as possuem, combinadas em variadas atividades (domésticas: cuidados com pessoas especiais, alimentação, limpeza da casa; agropecuárias; artesanatos e culinária; costura; coletivas como as de associativismos de natureza social, recreativo e/ou religioso). . - A forma como realizam as atividades, às vezes, está combinada à contribuição de familiares e muitas vezes, as mulheres realizam sozinhas as atividades pelas quais são responsáveis, à exceção daquelas que as exercem nos espaços associativos, que geralmente é coletiva. 505 – As organizações coletivas estão mais diretamente relacionadas à convivência local, uma vez que poucas participam de sindicatos (merece destacar, aquelas que participam, às vezes, o fazem há muito tempo) e nenhuma seja filiada aos partidos políticos. – O Clube de Damas ou Bolãozinho é uma organização das mulheres, que merece ser melhor conhecida. - Foi identificado a renda familiar mensal da maioria em torno do salário mínimo e uma declarou ter a renda de dez mil reais. Pode-se observar que as mulheres que trabalham como diaristas (em serviços domésticos ou rurais), tem menor renda familiar e em algumas situações pagam aluguel para moradia. – As políticas sociais, relacionadas as informações empíricas que foram aqui apresentadas, podem apoiar o desenvolvimento da produção agropecuária e o fortalecimento da igualdade de gênero. No entanto, observou-se: as atividades de “proteção” social estão diretamente vinculadas às atividades femininas; há ausência de política de assistência social, habitação, saúde, previdência e “proteção” social e de espaços como de educação de adultos, cultura e lazer. Para as assalariadas rurais e dos serviços domésticos há ausência de qualificação para o trabalho e o emprego. – O trabalho feminino exige a promoção do debate sobre a igualdade de gênero. Foi possível observar que o trabalho masculino também apresenta questões, no entanto, por estar centrado neles o exercício (mesmo que aparente) do papel de provedor e terem a atribuição de realizarem as atividades externas como os contatos bancários, com as cooperativas e para comercialização, leva-os a outros níveis de sociabilidade, aos quais à mulher não é possível. REFERÊNCIAS BRASIL. MCTI; Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, Secretária de Políticas para as Mulheres da Presidência 506 da República - SPM/PR; Ministério de Desenvolvimento Agrário – MDA. Chamada MCTI/CNPq/SPM-PR/MDA nº 32/2012. Texto impresso. BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Brasília: SEPM, 2008. Disponível em: < http://spm.gov.br/publicacoesteste/publicacoes/2008/livro-ii-pnpm-co.09.2009.pdf >. Acesso em: 04 jun. 2013. COLODEL, José Augusto. Cinco séculos de história. In: PERIS, Alfredo Fonceca (org.). Estratégias de Desenvolvimento Regional: Região Oeste do Paraná. 2ª. reimpressão. Cascavel: Edunioeste, 2003, Capítulo 1, p. 29-76. GREGORY, Valdir. Os eurobrasileiros e o espaço colonial: migrações no oeste do Paraná. Cascavel: EDUNIOESTE, 2008. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. IBGE Cidades: Censo Demográfico 2010. Disponível em: < http://www.ibge.gov.br/cidadesat/link.php?codmun=412770 >. Acesso em: 23 abr. 2013. MÜLLER, Geraldo. Complexo Agroindustrial e Modernização da Agricultura. São Paulo: EDUC; Editora Hucitec, 1989 (Estudos Rurais). NIEDERAUER, Ondy H. Toledo no Paraná: a história de um latifúndio improdutivo, sua reforma agrária, sua colonização, seu progresso. 2ª. ed. Toledo/PR: Tolegraf, 2004. SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004. (Coleção Brasil Urgente). 507 SANT’ANA, Raquel Santos. O modelo do desenvolvimento agrário. In: ______. Trabalho bruto no canavial: questão agrária e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2012, Capítulo 1, p. 19-64. SILVA, Oscar. Toledo e sua história. Toledo: Prefeitura Municipal, 1988. A RELEVÂNCIA DO DEBATE ACERCA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DE GÊNERO POR MEIO DA OPERACIONALIZAÇÃO DE PROJETO DE INTERVENÇÃO. Aline Gelinski de Souza Yano206 Este artigo surgiu por meio de experiência de estágio de Serviço Social no Núcleo Integrado de Apoio Psicossocial das Varas de Família do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (NIAP/TJPR), ao planejar e operacionalizar projeto de intervenção atinente a temática da violência doméstica de gênero. Desta forma, o principal objetivo deste trabalho é descrever de forma breve a operacionalização desta intervenção, bem como refletir acerca dos resultados obtidos. Para isto, utilizou-se de levantamento bibliográfico acerca desta demanda, bem como dados alusivos à sistematização dessa ação. Por fim, nas considerações do presente estudo, ressalta-se outros desdobramentos que poderiam culminar em novas pesquisas inerentes a esse assunto, evidenciando a relevância do debate da violência doméstica de gênero nos campos de atuação profissional do/a assistente social. 206 Bacharela em Serviço Social pelo Centro Universitário Unibrasil e Licenciada em Geografia pela Universidade Federal do Paraná. 508 Palavras chave: violência doméstica; gênero; intervenção; assistente social. INTRODUÇÃO O presente artigo surgiu por meio da operacionalização e avaliação do projeto de intervenção intitulado: “Violência doméstica: Publicizar o tema e a rede de proteção social para mulheres vítimas de violência atendidas pelo Núcleo Integrado de Apoio Psicossocial (NIAP) – Tribunal de Justiça do Estado do Paraná”, que foi desenvolvido durante o período de experiência de estágio supervisionado no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Inicialmente, cabe pontuar como essa demanda mostrou-se relevante para a operacionalização do projeto de intervenção. Assim, durante as entrevistas neste setor, observou-se a incidência de casos de violência doméstica como um fator latente em relação a questão central do atendimento. Muitos/as usuários/as relataram tais episódios de maneira voluntária e demonstraram constrangimento ao abordá-los. Ainda, outro fator pertinente, é que muitas vezes, houve o desconhecimento acerca da conceituação deste fenômeno. Deste modo, a partir dessa expressão da questão social que se mostrou relevante nesse lócus de atuação profissional é que se pensou a elaboração do projeto de intervenção e do presente trabalho. Assim, este estudo baseou-se na breve descrição desse campo sócio ocupacional e da temática abordada, bem como na análise do processo de execução e avaliação do projeto de intervenção. Por fim, o presente artigo salienta que a violência doméstica de gênero ainda carece de estudo, pesquisa e debate, com o intuito de colaborar para a efetividade das formas de enfrentamento a essa expressão da questão social. DESENVOLVIMENTO O processo de elaboração do projeto de intervenção: Violência doméstica: Publicizar o tema e a rede de proteção social para mulheres vítimas de violência 509 atendidas pelo Núcleo Integrado de Apoio Psicossocial (NIAP) – Tribunal de Justiça do Estado do Paraná ocorreu durante o sexto período da graduação de Serviço Social, do Centro Universitário Unibrasil, no ano de 2014 e a aplicação do projeto se deu durante a vigência do sétimo período, entre os meses de abril a junho de 2015. O projeto tinha como objetivo geral informar acerca do conceito de violência doméstica, bem como publicizar os equipamentos sociais para mulheres em situação de violência, usuárias do NIAP. Tal objetivo se vislumbrou uma vez que observou-se, nos casos de violência doméstica de gênero, o desconhecimento acerca da temática bem como o desconhecimento em relação a rede de proteção social que atende o território do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba. Desta forma, o projeto se direcionava para o público entendido como mulheres vítimas de violência doméstica, bem como usuários/as do NIAP, que residem na área de abrangência do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba que recorrem ao Poder Judiciário. Para melhor compreender tal projeto, faz- se necessário conceituar brevemente este campo de atuação sócio ocupacional. Assim, de acordo com página online do Tribunal de Justiça, esta instituição tem como objetivo “buscar o grau ótimo na prestação de serviços judiciários a sociedade” e garantir a ela, “a prestação jurisdicional acessível, efetiva e célere, de forma transparente e ética, solucionando conflitos e promovendo a pacificação social”. Para cumprir com tal intento, o TJ-PR se divide em justiça de primeiro grau e segundo grau de jurisdição. O primeiro grau refere-se à atuação do Judiciário diretamente junto à população, por meio de Fóruns atuantes nas diversas Comarcas do Estado; inseridos nesses fóruns, destacam-se as Varas de Família que tem como demanda os conflitos familiares. Desta forma, em novembro de 2012, foi instalado, junto ao Tribunal de Justiça do Paraná, o Núcleo Integrado de Apoio Psicossocial das Varas de Família (NIAP), que atende à demanda judicial com equipe multidisciplinar formada por assistentes sociais e psicólogos/as. Este setor tem competência nos seguintes processos: separação judicial, alimentos, guarda e responsabilidade, 510 execução de alimentos, exoneração e oferecimento de alimentos, investigação de paternidade, divórcio, busca e apreensão, regulamentação de visitas, visitas monitoradas, entre outros. Assim, o Serviço Social inserido no NIAP, tem por objetivo conhecer e compreender a realidade das famílias inseridas nos conflitos que se apresentam por meio dos autos processuais. Isto posto, ressalta-se que o/a assistente social em seu fazer necessita ultrapassar a barreira do aparente, superar o cotidiano, para através de aproximações sucessivas, conhecer a realidade social de cada usuário/a, articulando as competências teóricometodológica, ético-política e técnico-operativa (IAMAMOTO, 2012) ao Código de Ética Profissional (1993) e ao Projeto Ético Político da profissão. Neste contexto, durante a prática de estágio no NIAP, notou-se nas entrevistas, além da demanda inicial, a questão da violência doméstica. Dentro deste contexto, torna-se relevante conceituá-la. Minayo (2007) afirma que é importante compreender a violência como um fenômeno multicausal e com características marcantes, além de salientar que existem formas de violência que persistem no tempo e se estendem por quase todas as sociedades, abrangendo todas as classes e os segmentos sociais. A autora prossegue o texto e afirma que a violência pode manifestar-se a partir de três níveis: a institucionalizada, a privada e a oficial. Neste sentido, a violência doméstica, encaixa-se no segundo nível e é compreendida como “aquela que se refere às agressões sofridas em casa ou nas relações intrafamiliares” (LUZ, 2009, p. 49). A partir deste recorte, observou-se que a violência doméstica relatada nas entrevistas no NIAP, era caraterizada, predominantemente, como violência doméstica de gênero. Minayo (2007, p. 36) afirma que esta constitui-se em formas de opressão e de crueldade nas relações entre homens e mulheres, estruturalmente construídas, reproduzidas na cotidianidade e geralmente sofridas pelas mulheres. Esse tipo de violência se apresenta como forma de dominação e existe em qualquer classe social, entre todas as raças, etnias e faixas etárias. Sua expressão maior é o machismo naturalizado na socialização que é feita por homens e mulheres. A violência de gênero que vitima sobretudo as mulheres é uma questão de saúde pública e uma violação explícita aos direitos humanos. 511 Desta forma, no campo de estágio do NIAP, por meio da coleta de dados de entrevistas realizadas por duas (2) assistentes sociais (cinquenta por cento (50%) dos recursos humanos do setor), no ano de 2014, abrangendo os meses de janeiro a agosto, observou-se a incidência de violência doméstica em dezesseis (16) casos dos trezentos e quarenta e dois (342) casos atendidos na Comarca de Curitiba. Desses dezesseis (16), treze (13) traziam relatos de violência doméstica de gênero. Gráfico criado pela autora. 2014. A partir desta breve apresentação, foram planejadas atividades com o intuito de viabilizar o projeto de intervenção. Inicialmente foi proposta a ação de mapear a rede sócio assistencial que atende ao território do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba e, para isso, realizou-se levantamento dos equipamentos sociais por meio de busca na internet, contato telefônico e institucional. Posteriormente, elaborou-se o material informativo, com o propósito de conceituar a questão da violência doméstica para os/as usuários/as. Objetivouse, neste item, organizar as informações de maneira clara e didática, ponderando a característica do perfil dos/as usuários/as do NIAP. Após a coleta de dados e feitio de folder informativo, disponibilizou-se o material primeiramente 512 para os/as profissionais e estagiárias que atuam no núcleo e, posteriormente, para os/as demais usuários/as do NIAP. Assim, o projeto de intervenção tinha como meta a entrega de sessenta por cento (60%) dos duzentos folhetos impressos (200), cerca de cento e vinte folders (120), em um período de quatro meses, até junho de 2015. Para a efetivação desta meta, foram definidos alguns indicadores com o objetivo de balizar as ações traçadas anteriormente. São eles: número de equipamentos sociais que atendem esta demanda em Curitiba; conteúdo do material informativo; número de atendimentos diários do NIAP; número de casos de violência doméstica de gênero. Ainda, com o intuito de contribuir com a avaliação do projeto de intervenção, foram traçados alguns indicadores para o processo avaliativo. São eles: número de contatos efetivos realizados com os equipamentos sociais; número de visitas institucionais realizadas; qualidade das informações contidas no folheto; número de folhetos distribuídos; número de feedbacks dos usuários (as); número de apresentações orais acerca da temática. CONSIDERAÇÕES Ao realizar a avaliação do projeto de intervenção, produziu-se algumas considerações acerca dele. Pontua-se que o projeto de intervenção atingiu o seu objetivo proposto, uma vez que disponibilizou no espaço de atuação profissional do NIAP, cento e cinquenta folders (150). Ainda, salienta-se que tal material foi disponibilizado também para outras instituições, por meio de solicitação das estagiárias de tais espaços. São eles: Ministério Público (CAOP da Pessoa com Deficiência); Tribunal de Justiça (Vara de Execuções Penais) e Hospital do Trabalhador, demonstrando assim, a relevância da temática, bem como a necessidade de se fazer mais por ela. Ainda, o desconhecimento acerca da violência doméstica de gênero por parte dos/as usuários/as culminou no planejamento do projeto de intervenção tendo em vista o que Faleiros (2011) preconiza: a garantia do acesso às políticas básicas, depende de condições mínimas de informação. Neste sentido, pontua513 se que uma das atribuições do/a assistente social é a de orientar os/as usuários/as para que estes/as obtenham a plena realização de seus direitos. Tal prática está embasada na lei de regulamentação da profissão (Lei 8.662 de 1993) e no Código de Ética do/a Assistente Social (1993). Desta maneira, em uma análise superficial, o projeto de intervenção poderia demonstrar um caráter bastante “simplista”, uma vez que este apenas realizou o levantamento dos dados de serviços já existentes. Contudo, frisa-se que o conhecimento da rede de proteção, das ações desenvolvidas por estes espaços, torna-se essencial para que o/a Assistente Social qualifique sua ação, mantenha-se em constante aprimoramento intelectual e, principalmente, reafirme cotidianamente seu compromisso com o Projeto Ético Político da Profissão. Ainda, durante o processo de aplicação do projeto de intervenção, outra inquietação se manifestou por meio de relatos das usuárias vítimas de violência doméstica. Qual é a efetividade da rede de atendimento à mulher vítima de violência doméstica na percepção da vítima? Dentro deste contexto se verifica a importância da pesquisa, do fazer interventivo e da sistematização, pois, a partir destes itens, o/a profissional realizará sucessivas aproximações com o seu lócus de trabalho, bem como com a realidade de seus/suas usuários/as. Pertinente a esta temática Almeida (2006, p. 4-5) expõe: O esforço de sistematização como um componente central do trabalho do assistente social não significa, portanto, apenas a geração de dados e informações, mas um processo que envolve a produção, organização e análise dos mesmos a partir de uma postura crítico-investigativa. Trata-se, na verdade, de um esforço crítico, de natureza teórica, sobre a condução da atividade profissional, constituindo-se como um esforço problematizador sobre suas diferentes dimensões em relação às expressões cotidianas da realidade social, mediatizadas pelas políticas sociais, pelos movimentos sociais, pela forma de organização do trabalho coletivo nas instituições e, sobretudo, pelas disputas societárias. A sistematização no trabalho do assistente social é antes de tudo uma estratégia que lhe recobra sua dimensão intelectual, posto que põe em marcha uma reflexão teórica, ou seja, revitaliza e atualiza o estatuto teórico da profissão, condição social e institucionalmente reconhecida para a formação de quadros nesta profissão. 514 Neste sentido ressalta-se, ainda, que o projeto de intervenção poderia culminar em uma outra pesquisa, com o objetivo de contribuir no processo de efetivação de direitos das mulheres, por entender a necessidade social do trato desta questão, com o intuito de colaborar para a efetividade das formas de enfrentamento da violência doméstica e favorecer a reflexão alusiva ao empoderamento da mulher em uma sociedade patriarcal, conservadora, machista e opressora. Por fim, conclui-se que há muito a ser feito em relação a temática da violência doméstica de gênero, mas que a aplicação e a avaliação do projeto de intervenção corroboraram para despertar na idealizadora deste, a possibilidade de transformar qualquer espaço de atuação, ao pensá-lo de maneira crítica, ponderando limites e possibilidades e agindo de maneira propositiva. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Ney Luiz Teixeira de. Retomando a temática da “sistematização da prática” em Serviço Social – Em Pauta – Revista da Faculdade de Serviço Social da UERJ nº10 – Rio de Janeiro, 1997. CFESS. Código de Ética do assistente social, 1993. P.37-48 9. Lei de 8.662/93 Ed. rev. e atual. Brasília: Conselho Federal de Serviço Social, 2011. FALEIROS, Vicente de Paula. Estratégias em Serviço Social. 10ª ed. São Paulo: Cortez, p.43-63. 2011. FÁVERO, E. T.; MELÃO, N. J. R.; JORGE, M. R. T. O Serviço Social e a Psicologia no Judiciário: Construindo saberes, conquistando direitos. São Paulo, Cortez: 2008. IAMAMOTO, Marilda Vilela. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. - 23. Ed. – São Paulo, Cortez, 2012. LUZ, Nanci Stancki da; CARVALHO, Marília Gomes de; CASAGRANDE, Lindamir Salete. Construindo a igualdade na diversidade: gênero e sexualidade na escola. Curitiba: UTFPR, 2009. 515 MINAYO, MC de S. Conceitos, teorias e tipologias de violência: a violência faz mal à saúde individual e coletiva. Impactos da violência na saúde, v. 2, p. 2142, 2007. TJPR. Histórico TJPR. Disponível em: tjprmuseu>. Acesso em 30 de maio de 2015 <http://www.tjpr.jus.br/historico- POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA DO PROCESSO SELETIVO NO IFPB CAMPUS CABEDELO Evelin Sarmento de Carvalho Kelly Samara do Nascimento Silva RESUMO: O presente artigo traz o relato de experiência vivenciado pelo serviço social na implementação da Politica de Assistência Estudantil no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba campus Cabedelo. A PNAES foi criada com objetivo de ampliar as condições de acesso, permanência e êxito dos estudantes em condições de vulnerabilidade socioeconômica além de contribuir para redução das taxas de retenção e evasão. No IFPB a politica de assistência estudantil foi instituída no ano de 2011, o acesso aos benefícios se dá através da submissão a um processo seletivo no inicio de cada ano letivo, no qual constam as etapas de: inscrição, entrega de documentação, entrevista social e analise documental. Assim sendo, neste trabalho podemos obter no quadro geral o perfil dos estudantes que acessaram a Politica de Assistência Estudantil no ano de 2015.1 e com isso traçar ações multiprofissionais que possibilite a efetivação desta politica. Palavras-chaves: assistência estudantil, acesso, permanência INTRODUÇÃO A ofensiva neoliberal trouxe consequências trágicas para as politicas sociais, no sentido da não garantia do direito, com a criminalização dos 516 movimentos sociais, o aumento do terceiro setor e desresponsabilização do Estado. Segundo Netto, para o neoliberalismo o Estado é mínimo quando se refere a “questão social” e máximo quando se tratar de questões relacionadas ao capital, capitaneado pela grande burguesia. A grande burguesia monopolista tem absoluta clareza da funcionalidade do pensamento neoliberal e, por isto mesmo, patrocina a sua ofensiva: ela e seus associados compreendem que a proposta do ‘Estado mínimo’ pode viabilizar o que foi bloqueado pelo desenvolvimento da democracia política – o Estado máximo para o capital. (Netto, 2012). O posicionamento da politica neoliberal frente à Educação pode em muitas vezes parecer paradoxal, mas ela está inteiramente voltada para transformar a politica de educação numa mercadoria que favoreça as demandas econômicas, principalmente o ensino tecnológico. A Educação no país tem se apresentado como uma tentativa de diminuição das desigualdades vivenciadas na sociedade brasileira. O reconhecimento da Educação como direito fundamental aparece efetivamente na Constituição Brasileira de 1988 que definiu, em seu artigo 205, o seguinte: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” Apontado para o princípio de igualdade de condições e permanência na escola, a LDB reitera a Carta Magna colocando a Educação como um dos pilares básicos para formação do individuo e desenvolvimento de sua cidadania, tendo como base a universalização do atendimento baseada nos princípios da democratização do acesso, permanência, gestão e qualidade social. O acesso à Educação foi ampliado ao longo dos anos, todavia a educação publica de forma precarizada em detrimento da educação privada com todo aporte do ideário neoliberal com investimentos que direcionam para a demanda do mercado. São muitos os desafios e dilemas da Educação no Brasil, um deles apresenta-se na necessidade de um maior investimento nesta área, apesar de 517 já observarmos esforços de ampliação da iniciativa pública. Um desses incentivos se dá na educação profissional e tecnológica que nos últimos anos vem crescendo o investimento, especificamente do governo federal, atribuindo a este a responsabilidade de inclusão dos menos favorecidos e discriminados socialmente na área da Educação. Com a publicação da Lei 11.879/2008 que cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFET) e institui a Rede de Educação profissional, Cientifica e Tecnológica, o governo passa a ofertar educação profissional e tecnológica em todos os níveis, desde a educação básica ate a educação superior. Os Institutos Federais passam a constituírem-se como centros de excelência na oferta do ensino, com estimulo à pesquisa e tecnologias com ênfase ao fortalecimento e consolidação dos arranjos produtivos locais. Como princípio em sua proposta político-pedagógica, os Institutos Federais deverão ofertar educação básica, principalmente em cursos de ensino médio integrado à educação profissional técnica de nível médio; ensino técnico em geral; graduações tecnológicas, licenciatura e bacharelado em áreas em que a ciência e a tecnologia são componentes determinantes, em particular as engenharias, bem como, programas de pós-graduação lato e stricto sensu, sem deixar de assegurar a formação inicial e continuada de trabalhadores. (PACHECO, 2010, p. 20). O modelo institucional e a proposta pedagógica dos Institutos Federais são concebidos, segundo Pacheco, a partir de um viés inovador e que tem suas bases em um conceito de educação profissional e tecnológica diferenciada, pois permite uma verticalização da educação básica a superior, e assim a atuação dos docentes em diferentes níveis de ensino e dos discentes em um espaço que possa ser utilizado ao longo da formação acadêmica. Na necessária articulação com outras políticas sociais, os Institutos Federais devem buscar a constituição de Observatórios de Políticas Públicas, tornando-as objetos de sua intervenção através das ações de ensino, pesquisa e extensão articulada com as forças sociais da região. É neste sentido que os Institutos Federais constituem um espaço fundamental na construção dos caminhos com vista ao desenvolvimento local e regional. (PACHECO, 2010, p. 09). 518 DESENVOLVIMENTO Atualmente na Paraíba o IF possui 12 unidades entre campus e centro avançado, são eles: João Pessoa, Campina Grande, Sousa, Cajazeiras, Picuí, Princesa Isabel, Monteiro, Cabedelo, Cabedelo Centro, Guarabira e Catolé do Rocha. A localização desta pesquisa deu-se no campus de Cabedelo. O campus está localizado numa cidade portuária que fica na península entre o Oceano Atlântico e o Rio Paraíba, sua economia é baseada nas atividades pesqueiras e portuárias. A cidade possui o segundo maior Índice de Desenvolvimento Humano do Estado da Paraíba (IDH = 0,748). Enquanto o IDH do Estado está no nível médio (0,658) o de Cabedelo se situa numa faixa alta, devido às dimensões de longevidade com índice de 0,822, seguido do índice de renda 0,782 e do índice da educação 0,651. O campus Cabedelo funciona efetivamente desde setembro de 2009, situado no Jardim Jericó, oferecendo os Cursos Técnico em Recurso Pesqueiro (técnico e subsequente) em Meio Ambiente (técnico e subsequente) e ainda o Curso Superior de Tecnologia em Design Gráfico. O Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) foi criado com o objetivo de ampliar as condições de permanência e diplomação dos estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica, reduzir as taxas de retenção e evasão, minimizar os efeitos das desigualdades sociais e regionais, além de contribuir para a promoção da inclusão social através da educação (Decreto nº 7.234, de 19 de julho de 2010). A Política de Assistência Estudantil do IFPB foi instituída no ano de 2011, através da resolução nº 40 de 06 de maio de 2011 do Conselho Superior da Instituição, e tem como finalidade assegurar a permanência dos estudantes em condições de vulnerabilidade social. No ano de 2015, o campus Cabedelo apresenta a quantidade de 602 (seiscentos e dois) alunos e tem realizado ações da Política de Assistência Estudantil, como: Edital de acesso ao Auxílio Alimentação, Auxílio Moradia, 519 Auxílio Transporte, à Bolsa de Iniciação ao Trabalho e no Programa de Atualização para o Mundo do Trabalho. O Processo Seletivo para os Programas da Assistência Estudantil em 2015.1 teve início no dia 16 de março, através do edital 04/2015 da Diretoria de Desenvolvimento do Ensino com a divulgação ampla e apresentação da Politica de Assistência Estudantil do IFPB (P.A.E.) em salas de aulas e murais de aviso da Instituição realizadas pela equipe da Coordenação Pedagógica e de Apoio ao Estudante (COPAE), no período de 16 a 20 de março. Nas turmas veteranas a equipe explicou os novos procedimentos para a inscrição dos alunos veteranos na PAE, no qual os mesmos não precisavam apresentar todas as documentações exigidas para os novatos, bastando o comprovante de renda atualizado, o comprovante de matrícula, e se houvesse mudança de endereço, um novo comprovante de residência. Isso ocorreu no período de 23 a 26 de março, conforme cronograma do processo seletivo, no setor de protocolo da Instituição. Os programas da PAE que foram disponibilizados no referido edital foram: Auxílio Alimentação, Auxílio Moradia e Auxílio Transporte (Cabedelo, Lucena e Demais municípios) e a vulnerabilidade social do aluno foi um dos critérios analisados dentro do processo. Além disso, para cada programa existiu alguns requisitos para atendimento, a seguir: 1. Programa de Auxílio Moradia Estudantil: a) possua renda familiar per capita não excedente a 1,5 (um e meio) salários mínimos nacional, conforme Art. 5º do Decreto nº. 7.234/2010; b) esteja residindo fora do seu município de origem; e c) apresente toda a documentação exigida no Edital que disciplina o processo seletivo do Programa. 2. Programa de Auxílio Alimentação: 520 a) possua renda familiar per capita não excedente a 1,5 (um e meio) salários mínimos nacional, conforme Art. 5º do Decreto nº. 7.234/2010; b) Prioritariamente quem necessitar permanecer em atividades acadêmicas em período integral no campus; e c) apresente toda a documentação exigida no Edital que disciplina o processo seletivo do Programa. 3. Programa de Auxílio Transporte Estudantil: a) possua renda familiar per capita não excedente a 1,5 (um e meio) salários mínimos nacional, conforme Art. 5º do Decreto nº. 7.234/2010; b) resida em localidades/bairros/comunidades consideradas distantes do campus, bem como municípios circunvizinhos; c) apresente toda a documentação exigida no Edital que disciplina o processo seletivo do Programa. O processo ocorreu entre os dias 16 de março e 29 de abril, entre as etapas de divulgação, inscrição e entrega de documentação, entrevista social, analise documental, resultado preliminar, recurso e resultado final. A fase que demandou mais tempo de trabalho ocorreu na análise documental, pois foram realizadas entrevistas sociais apenas com os alunos novatos na PAE, ficando na fase da análise dos documentos todos os alunos inscritos, novatos e veteranos, exigindo assim, um olhar mais cuidadoso e criterioso. Neste período, contamos com a colaboração da assistente social do Campus Avançado de Cabedelo, Ionara Amâncio, que nos auxiliou contribuindo significativamente na agilidade do processo. Contudo, tivemos que adiar a divulgação do resultado final devido a um número superior de solicitações frente ao número de auxílios concedidos. 521 Diante da demanda, a equipe da COPAE se preocupou em contemplar o maior número de alunos possíveis, realizando remanejamento de recurso para elevar o quantitativo de vagas em alguns Programas, como segue abaixo: PAE 2015.1 em números 1. Quantidade de auxílios por Programa: PROGRAMA VAGAS EM EDITAL VAGAS EFETIVADAS Alimentação Moradia Transporte 150, sendo 08 para pessoa com deficiência 05 Cabedelo/Lucena – 40, sendo 02 para pessoa com deficiência. Demais municípios – 70, sendo 03 para pessoa com deficiência. 148 07 57 65 2. Quantitativo no processo de seleção da PAE em 2015.1: Inscritos Novatos Faltosos na entrevista Inscrições analisadas Inscrições indeferidas Inscrições aptas ao benefício Inscrições aptas/desistentes* Inscrições contempladas Inscrições classificadas** Alunos com mais de um auxílio 341 161 42 299 07 292 15 277 21 29 * Alunos que estavam aptos ao benefício, porém não compareceram a reunião de orientação após a divulgação do resultado final e mesmo depois de uma segunda convocação, não compareceram a COPAE para assinar o termo de compromisso formalizando sua inclusão no Programa da Assistência Estudantil. ** Todos os alunos que estão classificados já recebem algum auxílio da Assistência Estudantil, seja Alimentação ou Transporte ou Programa de Monitoria Acadêmica. Sendo esta classificação para um segundo benefício. A equipe da COPAE também contemplou um número de alunos com mais de um auxilio, pois foi constatado a hipossuficiência econômica dos mesmos beneficiando-os com dois auxílios, de acordo com o quadro abaixo: Alimentação + Transporte 18 522 Moradia + Alimentação Moradia + Transporte 09 02 CONCLUSÃO E APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS Como forma de subsidiar a gestão e ter um panorama geral do publico que acessou a PAE do Campus de Cabedelo em 2015.1, apresentamos alguns dados abaixo no que se refere ao curso, sexo e local de moradia: Os cursos com maior publico na PAE do Campus Cabedelo em 2015.1, são os alunos dos Cursos Integrados ao Médio de Recursos Pesqueiros e Meio Ambiente (74% em Auxílio Alimentação e 67% em Auxílio Transporte Cabedelo) e Superior em Design Gráfico (46% em Auxílio Transporte Demais Municípios e 100% em Auxílio Moradia), este último dado nos mostra que todos os alunos que acessaram este benefício são oriundos de um outro município e ou Estado. Nos Auxílios Alimentação e Transporte Cabedelo, percebeu-se o acesso, em sua maioria, de estudantes do sexo feminino, 59% e 60% respectivamente; quanto nos Auxílios Transporte Demais Municípios e Moradia, estudantes do sexo masculino com 63% e 57,14% respectivamente. Observou-se que há uma grande concentração de alunos residentes no município de Cabedelo, apesar de termos um número considerável de alunos dos municípios de Lucena e João Pessoa. Destacase ainda, alunos dos municípios de Bayeux, Santa Rita, Pilar e Mari que fazem o trajeto, em média de 40km todos os dias, ida e volta, de suas residências a escola. O levantamento e sistematização desses dados são de fundamental importância para conhecermos, de modo geral, quem é o público que acessa a PAE no Campus Cabedelo e a partir daí planejar e executar ações pedagógicas desenvolvidas por uma equipe multiprofissional, que garantam 523 a assistência necessária a estes alunos, sua permanência na escola e a efetivação da Política de Assistência Estudantil na Instituição. REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA BRASIL, Ministério da Educação Lei 11.897 de 29 de dezembro de 2008. Acessado em 16/03/2015 às 10h38min em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11892.htm BRASIL, Ministerio da Educação Decreto nº 7.234/2010 de 19 de julho de 2010. Acessado em 05/102015 as 15h em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7234.htm DEMO, P. Metodologia do Conhecimento Científico. São Paulo: Atlas, 2000. NETTO. J. Paulo. Crise do capital e consequências societárias. Revista Serviço Social e Sociedade, n. 111. São Paulo, 2012. PACHECO, Eliezer. Os Institutos Federais: uma revolução na educação profissional e tecnológica. Natal: IFRN, 2010. O MINISTÉRIO PÚBLICO NAS ESCOLAS MUNICIPAIS: UMA APROXIMAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL 524 Adriéli Volpato Craveiro207 Ana Laura Coelho da Silva Heck208 Juliane da Silva Bahnert209 Resumo: No ano de 2014, a 15ª Promotoria de Justiça de Foz do Iguaçu e o Serviço Social – 7ª Unidade Regional de Apoio Técnico Especializado deram continuidade no processo de execução do projeto denominado: “Oficinas lúdicas de divulgação do Ministério Público em escolas municipais de Foz do Iguaçu”. O projeto teve como objetivo central possibilitar que crianças de 08 (oito) a 10 (dez) anos que estavam inseridas na rede municipal de ensino e que se encontravam em áreas de extrema vulnerabilidade social, o conhecimento em relação ao papel do Ministério Público, explicitando principalmente as ações da 15ª Promotoria de Justiça de Foz do Iguaçu, que atua nas áreas de educação, criança e adolescente, pessoa idosa e pessoa com deficiência. No total o projeto foi desenvolvido em 07 (sete) escolas, atingindo 202 (duzentas e duas) pessoas. O desenvolvimento deste projeto vem possibilitando uma aproximação do Ministério Público com a própria comunidade escolar, impactando de forma positiva no cotidiano daqueles que estão ligados direta e indiretamente no processo de execução do referido projeto. Palavras-chave: Ministério Público. Serviço Social. Educação. Direitos. 207 Assistente Social do Ministério Público do Estado do Paraná. Docente do Curso de Serviço Social da Faculdade União das Américas. Mestre em Serviço Social e Política Social pela Universidade Estadual de Londrina. Doutoranda em Sociedade, Cultura e Fronteiras pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná. E-mail: [email protected]. 208 Estagiária de Serviço Social do Ministério Público do Estado do Paraná. Acadêmica do Curso de Serviço Social da Faculdade União das Américas. E-mail: [email protected]. 209 Estagiária de Serviço Social do Ministério Público do Estado do Paraná. Acadêmica do Curso de Serviço Social da Faculdade União das Américas. E-mail: [email protected]. 525 5. INTRODUÇÃO O Ministério Público a partir de sua promulgação na Constituição Federal de 1988 expandiu o seu rol de atribuições voltado à ampliação do regime democrático e a garantia dos direitos: individuais e coletivos. Assim, uma de suas principais atribuições está na fiscalização das políticas públicas vigentes, visando que a sociedade tenha acesso integral aos direitos fundamentais previstos na Carta Magna, entre os quais, o direito ao acesso a política pública de educação. Buscando aproximar o Ministério Público da sociedade, com foco na comunidade escolar, no ano de 2014 foi dado continuidade210 ao projeto denominado: “Oficinas Lúdicas de divulgação do Ministério Público em escolas municipais de Foz do Iguaçu”. Tal projeto foi proposto no Plano Setorial de Ação da 15ª Promotoria de Justiça em parceria com o Serviço Social do Ministério Público do Estado do Paraná – 7ª Unidade Regional de Apoio Técnico Especializado (URATE). Tendo como base o Plano Setorial de Ação, o projeto promovido pela 15ª Promotoria de Justiça e o Serviço Social do Ministério Público – 7ª URATE tinha por objetivo possibilitar às crianças de 08 (oito) a 10 (dez) anos que estavam inseridas na rede municipal de ensino e que se encontravam em áreas de extrema vulnerabilidade social, o conhecimento em relação ao papel do Ministério Público. Assim, esse artigo busca trazer o relato da experiência desenvolvida neste projeto. Inicialmente abordamos sobre o papel do Ministério Público na defesa dos direitos e em seguida, apresentamos a proposta do projeto mencionado anteriormente, após, divulgamos alguns resultados preliminares. 210 O projeto vem sendo desenvolvido com este nome, desde o ano de 2013 pela 15ª Promotoria de Justiça de Foz do Iguaçu e o Serviço Social do Ministério Público do Estado do Paraná. Contudo, mesmo com a mudança da equipe profissional vinculada ao Serviço Social no ano de 2014, devido aos resultados oriundos do projeto, houve o interesse pela sua continuidade. 526 2. O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DOS DIREITOS O Ministério Público foi inserido no contexto jurídico como forma de defesa do regime democrático. Para se chegar a atual configuração a instituição passou por diferentes processos em sua estrutura. Porém, foi a partir de sua inserção na Constituição Federal da República de 1988, que sua autonomia administrativa foi conquistada, conforme o que dispõe o artigo 127 da referida Constituição, “o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (BRASIL, 1988, p.1). Diante dessa normativa, e considerando sua atual configuração, o Ministério Público tem sido considerado por muitos especialistas do Direito, como um quarto poder, sendo eles o Legislativo, Executivo, Judiciário e o Ministério Público, pelo fato de possuir sua autonomia funcional e administrativa. Nesse sentido, Barazal (2013, p.1) aponta que: Do princípio da independência ou autonomia funcional resulta que o órgão do Ministério Público é independente no exercício de suas funções, não se sujeitando às ordens de quem quer que seja, somente devendo prestar contas de seus atos à Constituição, às leis e à sua consciência. Como observamos acima, o Ministério Público possui autonomia própria, e seu papel intrínseco é o de fiscalizar as normativas legais vigentes. Assim, a partir desta nova organização, profissões de outras áreas não exclusivas ao Direito passaram a integrar o quadro funcional do Ministério Público, sendo uma delas, o Serviço Social. Nesse processo de inserção, o profissional de Serviço Social passou a obter visibilidade no Ministério Público, uma vez que, começou a atuar junto as Promotorias de Justiça, realizando assessoramento aos Promotores de Justiça. 527 A atual configuração institucional do Ministério Público possibilita a atuação nas mais diversas áreas, por meio das Promotorias Especializadas, principalmente na defesa e promoção dos direitos sociais. A fim de assegurar a defesa dos direitos sociais e fundamentais, bem como, aproximar e divulgar as suas atribuições, as Promotorias de Justiça têm elaborado Planos Setoriais de Ações que impactam de forma positiva no cotidiano da sociedade. De acordo com a Resolução nº 0997/2010, os Planos Setoriais de Ações se caracterizam como um: “documento específico de determinada unidade administrativa ou setor especializado, constituído de um conjunto de projetos e atividades funcionais a serem desenvolvidos no prazo de um ano, contemplando desdobramentos do plano estratégico” (BRASIL, 2010, p. 1). Nesse sentido, os Planos Setoriais de Ações tem como finalidade a divulgação das atribuições da instituição do Ministério Público, bem como, a defesa dos direitos sociais garantidos nas legislações. 3. OFICINAS LÚDICAS DE DIVULGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM ESCOLAS MUNICIPAIS DE FOZ DO IGUAÇU Um dos projetos vinculados ao Plano Setorial de Ação 2014 - da 15ª Promotoria de Justiça de Foz do Iguaçu - é denominado: “Oficinas Lúdicas de divulgação do Ministério Público em Escolas Municipais de Foz do Iguaçu” . Tal projeto teve como referência inicial o projeto denominado: “Oficinas de Prevenção a violência sexual contra criança” que ocorreu no ano de 2011, a partir de uma parceria do curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), com a 15ª Promotoria de Justiça de Foz do Iguaçu. Tal projeto serviu enquanto norteador para a elaboração do Plano Setorial realizado no ano de 2013, que vinculava ações articuladas entre a 15ª Promotoria de Justiça e o Serviço Social do Ministério Público do Estado do Paraná, através do projeto denominado: “Oficinas Lúdicas de divulgação do 528 Ministério Público em escolas municipais de Foz do Iguaçu” (MINISTÉRIO PÚBLICO, 2014). A partir dessas duas ações mencionadas no parágrafo acima, foi possível dar continuidade a esse trabalho através do Plano Setorial de Ação de 2014, que ocorreu em virtude da articulação entre o Serviço Social – 7ª URATE com a 15ª Promotoria de Justiça de Foz do Iguaçu. Para a efetivação das oficinas lúdicas de divulgação do Ministério Público houve todo um processo de planejamento, no qual elaboramos um roteiro das atividades que seriam realizadas, assim como, o tempo disponibilizado para cada ação. A equipe responsável pela execução do projeto foi composta pelos seguintes integrantes: Assistente Social do Ministério Público do Estado do Paraná – 7ª URATE, três estagiários de Serviço Social do Ministério Público do Estado do Paraná – 7ª URATE e um acadêmico do curso de Serviço Social da Faculdade União das Américas. Para a realização do projeto fez-se necessário inicialmente, entrarmos em contato com a equipe da Secretaria Municipal de Educação no mês de setembro de 2014, para apresentarmos a proposta e assim, solicitar a escolha das sete Escolas Municipais, localizadas em regiões de maior situação de vulnerabilidade social. A partir da escolha das Escolas Municipais, foi agendado o melhor dia e horário para efetuar as atividades em cada Escola, sendo que iniciamos a execução do projeto na segunda quinzena de outubro e finalizamos no final do mês de novembro de 2014. A metodologia para a execução das oficinas era a seguinte: iniciávamos a oficina com a apresentação de todos os membros do projeto. Após a apresentação, foi reservado um período para o diálogo, este espaço era dedicado para esclarecer sobre o objetivo do projeto, além de identificarmos qual era o entendimento das crianças sobre os direitos e o papel do Ministério Público. Após, era distribuido o gibi: “Turma da Mônica e o Ministério Público” de autoria do escritor Maurício de Sousa, no qual era destinado aproximadamente 15 minutos para a leitura. Uma cópia do gibi “Turma da Mônica e o Ministério Público” foi projetada na parede com o apoio do aparelho de data show, assim, 529 a leitura foi narrada pelos integrantes do projeto. Ao término da leitura foi realizado um diálogo sobre os elementos presentes na história, seguida da realização das atividades propostas no passatempo dentro do próprio gibi. Durante o período destinado a realização das atividades do passatempo, os alunos contavam com o apoio da equipe do projeto. Posteriormente a esta atividade, realizamos a correção explicativa do passatempo, seguida da apresentação do Teatro de Fantoches que tinha como finalidade relembrar os temas abordados durante a oficina, a fim de fixar e facilitar a compreensão de todos. Ao final, era realizada a avaliação da apresentação da oficina, momento este protagonizado pelas crianças, após este momento encerrávamos nossas atividades e nos colocávamos a disposição para possíveis dúvidas ou esclarecimentos. Nesse momento posterior, muitas crianças buscavam contar aos integrantes do projeto algumas experiências vivenciadas, em relação aos temas abordados no decorrer das atividades. Em seguida, a concretização da oficina, estabelecíamos um diálogo com os diretores e supervisores pedagógicos, objetivando a coleta de possíveis problemáticas envolvendo o ambiente escolar, para a intervenção do Ministério Público, e entregávamos uma cartilha impressa denominada: “Município que respeita a criança: manual de orientações aos gestores municipais", como forma de possibilitar subsídios teóricos para que os profissionais vinculados ao ambiente escolar identifiquem situações de violação de direitos envolvendo os alunos. 4. RESULTADOS OBTIDOS As oficinas foram realizadas para às crianças que estavam frequentando o 4° ano letivo do ensino fundamental nas Escolas Municipais do município de Foz do Iguaçu, sendo tais: Escola Municipal Ponte da Amizade; Escola Municipal Adele Zanotto; Escola Municipal Acácio Pedroso; Escola Municipal Padre Luigi; 530 Escola Municipal João Adão da Silva; Escola Municipal Duque de Caxias e Escola Municipal Eloi Loman. Durante o desenvolvimento das oficinas, foi possível apresentar aos participantes, os principais direitos das crianças e dos adolescentes, bem como, explanamos aos alunos sobre o papel do Ministério Público frente a identificação de possíveis situações de violências ao qual venham sofrer ou até mesmo que já sofreram. Foram beneficiados do projeto executado: 7 (sete) escolas municipais, 187 (cento e oitenta e sete) alunos, 10 (dez) professores e 5 (cinco) diretores e/ou supervisores pedagógicos, sendo o número total de 202 (duzentas e duas) pessoas beneficiadas diretamente pelo projeto. Contudo, acreditamos que o público atingido pela realização das oficinas vai além do mencionado, uma vez que, a proposta do projeto também era de formar agentes multiplicadores do papel do Ministério Público. Assim, além da execução das oficinas em sala de aula e da distribuição de materiais de apoio a equipe pedagógica, era solicitado aos alunos que compartilhassem o novo aprendizado adquirido em sala de aula com os seus pais, familiares, irmãos, amigos e vizinhos, de modo a contribuir com a divulgação das ações do Ministério Público. Durante a realização das oficinas, tivemos a oportunidade de conversar com professores, supervisores e diretores das escolas participantes, de modo que através dessa aproximação, entre o Ministério Público e os profissionais da educação, foi possível observar alguns desafios presentes no cotidiano escolar, bem como, identificar algumas situações envolvendo a violência contra crianças vinculadas as unidades de ensino. A execução desse projeto permitiu que algumas denúncias chegassem ao conhecimento do Ministério Público, pois, durante a concretização das oficinas, os alunos passaram a assimilar o conteúdo, e assim, realizaram diversas denúncias envolvendo situações de negligência dos pais e responsáveis, inclusive da própria instituição escolar. Além disso, outras problemáticas foram identificadas, pois alguns alunos buscaram conversar com a Assistente Social do Ministério Público, após a oficina, a fim de relatar sobre 531 situações de violência e/ ou negligência vividas no cotidiano, situações envolvendo desde violência sexual até mesmo em relação a violência institucional. No final da execução de cada oficina eram elaborados pelo Serviço Social – 7ª URATE, relatórios sociais para que a 15ª Promotoria de Justiça de Foz do Iguaçu pudesse intervir em determinadas situações, como por exemplo, em questões envolvendo o descumprimento da carga horária semanal de aulas por falta de infra-estrutura e recursos humanos adequados, e até mesmo em relação a falta de acessibilidade para pessoas com deficiência. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O projeto “Oficinas Lúdicas de divulgação do Ministério Público nas escolas municipais de Foz do Iguaçu”, proporcionou não somente aos alunos, como também a equipe do Ministério Público um grande rol de conhecimento. Acreditamos que a forma como o projeto foi executado, as abordagens sobre as atribuições do Ministério Público, através do lúdico, fez com que os objetivos do projeto fossem atingidos. Contudo, é importante ressaltar que a finalidade do projeto não era de apenas apresentar o papel do Ministério Público, mas também, criar ações interventivas que visavam impactar positivamente na vida das crianças inseridas no ambiente escolar, esclarecendo e assegurando o acesso aos direitos garantidos legalmente. Por meio das visitas realizadas as escolas, devido a aplicação do projeto pela equipe do Serviço Social do Ministério Público do Estado do Paraná – 7ª URATE, observamos muitas questões negativas presentes no cotidiano escolar, que por diversos motivos, muitas vezes, não chegavam ao conhecimento da 15ª Promotoria de Justiça de Foz do Iguaçu. Sendo esta aproximação fundamental para o desenvolvimento de ações que possibilitaram a intervenção ministerial e com isso, o fortalecimento da política pública de educação. 532 6. REFERÊNCIAS BARAZAL, Marcelo. O novo perfil constitucional do Ministério Público e suas investigações. Disponível em: < http://marcelobarazal2.jusbrasil.com.br/artigos/121943451/o-novo-perfilconstitucional-do-ministerio-publico-e-suas-investigacoes>. Acesso em: 01 de Dezembro de 2014. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 27 de Outubro de 2014. MINISTÉRIO PÚBLICO. Plano Setorial de Ação 2014: “Oficinas Lúdicas de Divulgação do Ministério Público em Escolas Municipais de Foz Do Iguaçu”. 15ª Promotoria de Justiça de Foz do Iguaçu. Foz do Iguaçu, 2014. ___________________. Resolução Nº 4467/2013-PGJ. Disponível em: <http://www.caex.mppr.mp.br/arquivos/File/Res4467CAEx.pdf>. Acesso em: 20 de Julho de 2015. ___________________. Resolução Nº 0997/2010. Disponível em: <http://www.mppr.mp.br/arquivos/File/res-0997-10.pdf>. Acesso em: 20 de Julho de 2015. 533 DESAFIOS DO PROTAGONISMO CIDADÃO NO CONTEXTO DOS CENTROS DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – CRAS DOS CAMPOS GERAIS SOUZA, Cristiane G211. BOURGUIGNON, Jussara Ayres212 211 Assistente Social, Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual de Ponta Grossa-PR – UEPG- Brasil. 212 Professora Drª, orientadora da pesquisa de doutorado. Docente do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual de Ponta Grossa-PR – UEPG-Brasil. 534 Resumo: Esta pesquisa objetiva analisar os desafios de constituição do protagonismo cidadão nos CRAS situados nos municípios que estão na área de abrangência do Escritório Regional da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social da cidade de Ponta Grossa-PR. Trata-se de pesquisa de natureza qualitativa, a Política de Assistência Social foi o pano de fundo da pesquisa e o contexto empírico foram os CRAS situados nos 17 municípios que integram o Escritório Regional de Ponta Grossa: Arapoti, Carambeí, Castro, Imbaú, Ipiranga, Ivaí, Jaguariaíva, Ortigueira, Palmeira, Piraí do Sul, Porto Amazonas, Reserva, São João do Triunfo, Sengés, Telêmaco Borba,Tibagi e Ventania. Partimos do pressuposto de que o homem é um ser humano mutável e nesse processo as práticas pedagógicas direcionadas pelo pensamento social crítico, tem condições de oportunizar um processo de reflexão junto aos usuários do CRAS com finalidade de contribuir para que os mesmos se percebam como sujeitos com potencial revolucionário. 6. 7. PALAVRAS-CHAVE: POLÍTICA DE SOCIAL. PROTAGONISMO. CIDADANIA. ASSISTÊNCIA 8. 1. INTRODUÇÃO Esta pesquisa de doutorado tem como foco analisar os limites e possibilidades das práticas pedagógicas contribuírem junto ao processo do exercício do protagonismo cidadão nos Centro de Referência da Assistência Social – CRAS situados nos municípios de pequeno e médio porte que estão na área de abrangência do Escritório Regional da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social da cidade de Ponta Grossa-PR. Para tanto foi necessário estabelecer os seguintes objetivos específicos: descrever o modo de produção capitalista para contextualizar a atual sociabilidade e seus limites junto ao processo de protagonismo e cidadania. Abordar sobre o Estado e seu papel no interior das políticas sociais públicas. 535 Contextualizar o SUAS no âmbito da Seguridade Social e a constituição da Proteção Social Básica no Brasil; caracterizar a organização da Proteção Social Básica nos municípios de pequeno e médio porte localizados na região de abrangência do Escritório Regional da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social da cidade de Ponta Grossa-PR; caracterizar a constituição das equipes interdisciplinares dos CRAS localizados na região de abrangência do Escritório Regional da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social da cidade de Ponta Grossa-PR; verificar os desafios e limites das práticas profissionais desenvolvidas pelas equipes interdisciplinares dos CRAS localizados no contexto da pesquisa e compreender como se efetiva o processo de potencializar o exercício do protagonismo cidadão a partir das práticas profissionais exercidas pelas equipes interdisciplinares dos CRAS localizados no contexto da pesquisa. Importa destacar que quanto à abordagem esta pesquisa é de natureza qualitativa, pois a mesma não trabalhou a partir de dados numéricos, todavia preocupou-se em compreender aspectos da realidade que não podem ser mensurados. Os dados quantitativos foram utilizados como apoio para qualificar nossa pesquisa, logo usamos os dados quantitativos disponibilizados pelo IBGE, IPARDES e dados estatísticos de fonte primária do próprio município. A Política de Assistência Social foi o pano de fundo de nossa pesquisa e o contexto empírico da mesma foram os CRAS situados nos dezessete (17) municípios que integram o Escritório Regional de Ponta Grossa213, os quais são: Arapoti, Carambeí, Castro, Imbaú, Ipiranga, Ivaí, Jaguariaíva, Ortigueira, 213A cidade de Ponta Grossa sedia o Escritório Regional e pertence à sua área de abrangência, no entanto, o mesmo não participou de nossa pesquisa tendo em vista que Ponta Grossa é município de grande porte isso gera dificuldade de análises e até mesmo de comparação em relação aos outros municípios que participarão da pesquisa, que em sua grande maioria são de pequeno porte. 536 Palmeira, Piraí do Sul, Porto Amazonas, Reserva, São João do Triunfo, Sengés, Telêmaco Borba ,Tibagi e Ventania. Os 17 municípios dispõem de 24 CRAS, de acordo com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Assistência Social – SUAS, a equipe de referência profissional atuante no CRAS é composta por uma equipe interdisciplinar: Assistente Social, Psicólogo e preferencialmente Pedagogo. Nesse sentido, o número total de sujeitos aptos a participar de nossa pesquisa eram 56214 profissionais. Com a finalidade de alcançar os objetivos propostos nes estabelecemos alguns momentos que nortearam o processo de investigação: Pesquisa bibliográfica; Pesquisa documental; Pesquisa de campo: Análise dos dados215. 2. Desenvolvimento Neste trabalho desenvolvemos uma linha de raciocínio que buscou considerar alguns aspectos: trabalho no sentido ontológico, o processo de alienação e subalternidade do ser humano no modo de produção capitalista e a importância da ideologia nesse contexto. Optamos por trilhar esse caminho na tentativa de, ao resgatar o debate em torno destas categorias, as mesmas nos auxiliassem junto à discussão em torno do nosso objeto de pesquisa: potencial das práticas pedagógicas contribuir junto ao processo do protagonismo cidadão dos usuários dos CRAS. O trabalho no sentido ontológico revela o potencial criador e transformador do homem, revela que o homem passa a se humanizar e ser um ser social através do trabalho, do intercâmbio realizado com a natureza e nesse sentido, ao realizar o intercâmbio com a natureza o homem transforma a si mesmo e ao seu entorno gerando um novo momento histórico. Dessa forma, podemos afirmar que na perspectiva defendida o homem é o ser revolucionário, produtor da história. 214 No total 40 profissionais participaram da pesquisa respondendo ao questionário. É oportuno destacar que a análise desta pesquisa está em processo, dessa forma o resultado apresentado é parcial. 2 537 Lukács (2013) assevera a urgência de se recuperar a ideia de que a revolução é possível, tendo em vista que toda a história da humanidade é feita pelos homens. O que determina a história é o que os homens fazem na vida cotidiana, os atos concretos dos mesmos. Portanto, é necessário resgatar o gênero humano no sentido de que ele se perceba como sujeito revolucionário, recuperar a responsabilidade dos homens pela história a partir da ontologia, não ser dominado pela alienação e construir relações sociais autênticas. A pesquisa em questão é composta por 04 capítulos: num primeiro momento tratamos do processo de alienação e subalternidade do ser, portanto foi necessário recuperar a discussão proposta por Marx (2013) e Lukács (2013) sobre a centralidade ontológica da categoria trabalho, pois estes autores recuperam o debate em torno do trabalho em um sentido genérico, não o trabalho em sua relação direta com o trabalho na sociedade capitalista, mas sim aquele trabalho no sentido ontológico. Pois estamos nos referindo ao trabalho que produz objetos que são úteis, ou seja, que produz valores de uso. “As novas funções que o trabalho adquire no curso da criação de uma produção social em sentido estrito (os problemas do valor de troca) ainda não estão presentes na nossa representação [...]” (LUKÁCS, 2013, p. 83). Por sua vez, no segundo capítulo abordamos sobre a relação que se estabelece entre capital e trabalho assalariado, relação em que emerge uma série de situações que reclamam a intervenção do Estado. Desta forma, tal intervenção, em alguns momentos até pode dar a impressão de haver elementos conciliáveis entre capital e trabalho e o papel que o Estado desempenha nessa relação e que ora, nos levam a perceber que se trata de elementos inconciliáveis. Nesse sentido, foi imprescindível recuperar a discussão em torno da função que o Estado exerce na relação capital e trabalho, pois compreender a função social desempenhada pelo mesmo no capitalismo é fundamental para que possamos perceber o limite da incorporação das demandas da classe trabalhadora pelo poder estatal e desta forma, poderemos compreender os motivos pelos quais o atendimento das necessidades dos cidadãos é inconciliável com a lógica do sistema capitalista (MELO, 2012). 538 Já o terceiro capítulo é onde apresentamos a trajetória da Assistência Social no Brasil, isso se faz importante tendo em vista que a história da assistência social revela uma ambiguidade: sua gênese é marcada pela ideia da caridade e filantropia, ações que desde a antiguidade se fazem presentes na sociedade, tais características persistem em se fazer presentes nas ações da assistência, mesmo que esta área seja reconhecida como direito social. Portanto, é necessário referenciar tal história, pois “[...] é importante considerar que mesmo com os avanços recentes, sempre na direção da ruptura desses traços [...], essa unidade de contrários parece sempre rondar as intenções republicanas de torná-la pública e reconhecê-la como política” (PAULA, 2013, p.89). Contextualizamos o SUAS no âmbito da Seguridade Social e a constituição da Proteção Social Básica no Brasil, bem como situamos a Gestão do SUAS em âmbito nacional e igualmente no Estado do Paraná. No capítulo quatro caracterizamos a organização da Proteção Social Básica nos municípios de pequeno e médio porte localizados na região de abrangência do Escritório Regional da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social da cidade de Ponta Grossa-PR. Para tanto procedemos, num primeiro momento, com uma caracterização dos municípios da região através da apresentação de alguns dados como a população da região, sua faixa etária, analfabetismo, famílias em condição de pobreza, etc. Na sequência apresentamos a constituição das equipes interdisciplinares dos CRAS localizados nos municípios da região, destacamos que para caracterizar as equipes utilizamos informações obtidas mediante o questionário preenchido para levantamentos de dados juntos aos profissionais. Nossa intenção com a aplicação do questionário foi proceder com uma caracterização dos sujeitos de nossa pesquisa e ainda observar, a partir do relato dos mesmos, as dificuldades, os limites e os desafios que os profissionais percebem no desenvolvimento do trabalho junto com a equipe em relação ao 539 propósito do exercício do protagonismo cidadão das famílias atendidas no CRAS. Quanto ao perfil dos profissionais, os mesmos são em sua grande maioria do gênero feminino, 37 mulheres e 03 do gênero masculino. Os profissionais são de perfil jovem, haja vista que a idade dos mesmos se concentra entre 26 a 35 anos, que se inseriram recentemente no mercado de trabalho devido a expansão da política de assistência social, principalmente expansão do CRAS. A formação profissional que predomina dentre os 40 profissionais é a de Serviço Social, sendo 27 Assistentes Sociais, 10 Psicólogas (os) e 03 Pedagogas. O fato de o Serviço Social se fazer mais presente no interior dos CRAS está relacionado com sua história muito próxima com a Assistência Social, em alguns momentos houve até mesmo uma confusão entre Serviço Social e Assistência Social como se fossem sinônimos. Pouco mais da metade dos profissionais (23) que responderam ao questionário são funcionários efetivos, os demais profissionais trabalham sob o regime de contrato, a NOB/RH-SUAS (2011) expõe que toda a equipe de referência do CRAS deve ser composta por servidores públicos efetivos. O questionário preenchido pelos profissionais continha questões abertas, no intuito de proceder com a análise das respostas obtidas trabalhamos com a concepção de categorias: 1) vulnerabilidade e risco social; 2) conhecimentos importantes para o trabalho profissional; 3) processo de trabalho junto às famílias e 4) protagonismo cidadão. Os profissionais destacam que as demandas que os mesmos atendem são demandas de famílias em situação de vulnerabilidades sociais, assim sendo, é importante delimitar o que é estar em risco ou vulnerabilidade social. Falar em riscos e vulnerabilidades sociais pode ter diversos significados, no entanto, há um desafio, no âmbito da política de assistência social em classificar quando uma pessoa se encontra em uma situação de risco ou vulnerabilidade social. Sposati (2009, p. 28) afirma que: 540 A constituição da assistência social como política que busca construir seguranças sociais, o que é próprio do ambiente da seguridade social, traz um necessário debate sobre as desproteções e suas causas, bem como a discussão sobre riscos e vulnerabilidades sociais. A proximidade desses dois conceitos tem gerado múltiplos debates e concepções entre os que militam e analisam a política de assistência social. A autora em questão afirma a necessidade de falar sobre desproteções e suas causas. Estar desprotegido em uma sociedade capitalista, que gira em torno do mercado, traz algumas consequências para o cidadão, desta forma, é necessário instituir ações, estratégias que possam proteger os mesmos, contra as contingências advindas dessa sociedade. Quanto à categoria conhecimentos profissionais importantes para o trabalho profissional, os sujeitos de nossa pesquisa relataram que é fundamental ter conhecimento a respeito do cotidiano do SUAS, do seu funcionamento, sua organização e estrutura. Porém, destacamos que existe um conhecimento que se torna fundamental para o exercício profissional no interior da Política de Assistência Social que é a história, sem o conhecimento deste contexto a ação profissional ficará limitada a meros repasses de informações, atendimentos emergenciais e cumprimento de agendas, em detrimento da garantia dos direitos socioassistenciais. Sobre a organização das atividades junto às famílias, ou seja, como a equipe profissional desenvolve seu processo de trabalho junto às famílias, os profissionais destacaram que o processo de trabalho passa pela articulação da equipe interdisciplinar, ou seja, as ações devem ser planejadas em conjunto considerando os diversos pontos de vista de cada profissional da equipe de referência. O processo de trabalho no contexto do CRAS está pautado em uma série de normas programáticas, guias, orientações etc, que têm como foco subsidiar os profissionais na organização das ações junto às famílias. No entanto 541 ressaltamos que ainda que tais normas sejam fundamentais para o exercício profissional, as mesmas, por si só são insuficientes se partimos do pressuposto da teleologia, isto é da intencionalidade dos profissionais. Dessa forma, é importante que os mesmos estejam munidos de um processo reflexivo, que lhes permita perceber a realidade como possibilidade de intervenção criadora, e não apenas visualizar os entraves. Sobre o protagonismo, cabe sublinhar que o texto da PNAS de 2004 expõe que na qualidade de política pública a assistência social passa a ter a “[...] possibilidade de reconhecimento público da legitimidade das demandas de seus usuários e espaço de ampliação de seu protagonismo” (BRASIL, 2005, p.31). Interessante destacar que quando indagamos aos profissionais a respeito das ações que os mesmos desenvolvem junto às famílias do CRAS com foco de oportunizar o desenvolvimento do protagonismo cidadão, os mesmos relacionam o protagonismo cidadão com a questão da profissionalização e a renda. Consideramos que isso vai ao encontro da afirmação de Duarte (2010) quando o autor expõe que antes de qualquer coisa o ser humano precisa assegurar sua existência, e isso ocorre uma vez que o mesmo, mediante trabalho assalariado vende sua força de trabalho. Feito isso, o ser humano tem condições de ter a garantia de renda, um dos objetivos da proteção social inscrita na política de assistência social é a segurança de renda, pois sem renda, não há sobrevivência, sem sobrevivência não há vida, sem vida, não há o desenvolvimento do ser humano. O problema reside no fato de que a fonte de humanização do homem é o trabalho e se este ato passa a ser vendido com objetivo de garantia da sobrevivência, então este sujeito se vê alienado, pois a existência do ser passa a ter mais importância do que a essência. 3. Conclusão O ser humano foi se transformando e juntamente o seu entorno sofreu modificações, foram os atos humanos que oportunizaram tal mudança, logo partimos do pressuposto de que o homem é um ser humano mutável e nesse 542 processo de mudança defendemos a ideia de que as práticas pedagógicas direcionadas pelo pensamento social crítico, tem condições de oportunizar um processo de reflexão junto aos usuários do CRAS com finalidade de contribuir para que os mesmos se percebam como sujeitos com potencial transformador/revolucionário. No entanto, é necessário destacar que nesse processo a práxis tem que estar presente, ou seja, um processo que envolve não apenas a reflexão por si só, mas é importante promover ações que envolva esse usuário onde ele tenha a oportunidade de colocar o seu potencial transformador em movimento. A julgar que a história é resultados dos atos humanos, portanto a ação é fundamental para o ser humano se descobrir como sujeito revolucionário. 9. REFERÊNCIAS BRASIL. POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL/Norma Operacional Básica – NOB/SUAS. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome/Secretaria Nacional de Assistência Social, 2005. LUKÁCS, G. Para uma ontologia do ser social II. São Paulo: Ed. Boitempo. 2013. MARX, K. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Ed. Boitempo. 2013. Livro I. MELO, Edivânia. Os limites objetivos da política parlamentar no sistema do capital. In: Marx, Mészáros e o Estado. PANIAGO, Maria Cristina Soares (org.). 2012. TONET, Ivo. Educação, cidadania e emancipação humana. Ed. Unijuí. Ijuí. 2005a. 543 __________. Educar para a cidadania ou para a liberdade?.Perspectiva, Florianópolis, v. 23, n. 2, p. 469-484, jan. 2005b. ISSN 2175-795X. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/view/9809>. Acesso em 04 abril de 2015. ASPECTOS ACERCA DO DESENVOLVIMENTO SÓCIO HISTÓRICO DOS FUNDAMENTOS DO SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO E AS TESES ANALISADAS POR IAMAMOTO Patrícia Vicente Dutra216 RESUMO O presente escrito se debruça de forma simples e breve sobre a discussão teórica acerca da gênese do Serviço Social no Brasil. Apresenta a concepção de Serviço Social adotada e apresenta a análise da pioneira Iamamoto sobre as teses produzidas de 1970 a 2000 sobre as condições sócio históricas que permitiram o nascimento e desenvolvimento do Serviço Social brasileiro. Palavras-chave: Serviço Social; Fundamentos; Gênese. INTRODUÇÃO 216 Assistente social da Defensoria Pública do Estado do Paraná, estudante do Programa de Mestrado em Serviço Social, Políticas Públicas e Direitos humanos da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. 544 O presente texto tem como objetivo, versar brevemente, a aspectos relacionados com o panorama histórico em que emerge o Serviço Social no Brasil, sob a perspectiva crítica de análise e a acerca da produção teórica sobre os fundamentos do Serviço Social à luz das teses analisadas por Iamamoto. Os autores de referências são Iamaoto e Netto, não sendo desprezadas outras referências sobre o tema que serviram de embasamento teórico no decorrer do desenvolvimento deste trabalho. EMERGÊNCIA DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL E AS DIFERENTES TESES SOBRE SEU SURGIMENTO Segundo José Paulo Netto (2001) é unânime entre as biografias que se dedicam à gênese do Serviço Social – tanto por parte das de inspiração na tradição crítica, quanto pelas de outras inspirações – que este evento não pode ser compreendido sem a vinculação com o que se convencionou denominar de questão social. Dentre as ideias que permeiam a gênese desta profissão duas correntes de pensamento são recorrentes. A que diz respeito à noção "endógena", está associado com o pensamento de que o que hoje compreendemos por Serviço Social consiste em uma evolução de práticas de caridade e filantropia. É sabida a forte presença da Igreja Católica na gênese do Serviço Social, tanto com seu ideário quanto com suas instituições, como é o caso da fundação da primeira escola de Serviço Social no Brasil em 1936, fundada com o apoio do Centro de Estudos e Ação Católica após a execução de diversos cursos para preparar aquelas pessoas que tinham "vocação" para ajudar os pobres, de modo que apenas a vocação e a boa vontade não bastavam, o momento requeria qualificação. Desde o surgimento das primeiras escolas manifestou-se a preocupação com o método para a realização das ações, bem como com as teorias a serem introduzidas no curso. Nos primórdios da profissão esse aparato foi respondido pela Doutrina Social da Igreja Católica, de forma que a visão de homem e mundo 545 disseminada por esta influenciou de maneira muito importante as concepções e ações dos primeiros assistentes sociais. A Igreja Católica justificava suas ideias e ações com base na filosofia de Santo Tomás de Aquino, cujos postulados marcaram o exercício e discurso da gênese desta categoria profissional. A filosofia de Santo Tomás de Aquino se fez presente de maneira notável no Serviço Social até aproximadamente a década de 1960, período histórico que no Brasil foram lançadas as bases para a possibilidade de novas concepções sociológicas adentrarem e influenciarem o interior da categoria (SILVA, 2003). A outra corrente de pensamento, da qual partilhamos, parte de um pressuposto teórico-crítico para realizar esta análise. Esta segunda perspectiva não desconsidera a presença de ações de cunho caritativo influenciadas pela Igreja Católica no Brasil, no entanto, coloca o desenvolvimento do Serviço Social como profissão no patamar do movimento dialético em que a profissão é entendida em um cenário histórico, político e social que possibilita as bases para o surgimento e desenvolvimento desta categoria. Cenário que vinha apresentando as características típicas do modelo de produção capitalista, especificamente a de organização monopólica. Do mesmo modo, entre os anos de 1960 a 1980, foram as condições sociais, econômicas e históricas que possibilitaram o processo conhecido como renovação do Serviço Social, um momento de réplica por parte dos assistentes sociais na relação desta profissão com a sociedade. Este processo é comumente identificado como "teorização". Acerca deste momento histórico Netto (2011) elucida que o centro de interesses acerca das questões vivenciadas pelo Brasil nos anos de 1961 a 1964 tem a ver com uma conjuntura perigosa da maneira de dominar o país por parte da burguesia, que fora produzida por uma oposição entre aquilo que a industrialização crescente demandava e o que as classes sociais reclamavam. Tal conjuntura histórica, econômica e social exigia um profissional capaz de dar conta das peculiaridades da ordem econômica que se colocava no país. A pretensão era a de que as ações de profissional contribuíssem para o êxito da 546 burguesia de tipo industrial que vinha crescendo e precisava dar respostas, além da repressão, às exigências da classe trabalhadora, considerando a emergência de consequências trazidas pelo modelo econômico. Sobre o processo de teorização do Serviço Social, inspirada pela perspectiva histórico-crítica a autora Marilda Villela Iamamoto (2014) fez uma importante análise, com o intuito de dar vasão às obras elaboradas de 1980 a 2000 sobre os fundamentos do Serviço Social apresentando os diferentes pontos de partidas acerca dos quais os autores expõem suas teses sobre o surgimento e desenvolvimento do Serviço Socila no Brasil. A autora elegeu sete teses escritas por diferentes autores sobre os fundamentos do Serviço Social e o exercício deste no Brasil. Sob sua análise estiveram as seguintes teses: 1) A tese do sincretismo e da prática indiferenciada, de José Paulo Netto (1991, 1992, 1996); 2) A tese da identidade alienada, de Maria Lúcia Martinelli (1989); 3) A tese da correlação de forças, de Vicente de Paula Faleiros (1972); 4) A tese da assistência social, de Maria Carmelita Yazbeck (1993); 5) A tese da proteção social, de Sueli Gomes Costa (1995); 6) A tese da função pedagógica do assistente social, de Marina Abreu (2002). A autora faz ainda um balanço da sua própria tese "Relações sociais e Serviço Social no Brasil". Dentre as teorias analisadas pela autora se sobressai a de José Paulo Netto, publicizada em seus livros "Capitalismo Monopolista e Serviço Social" e "Ditadura e Serviço Social", em que o autor apresenta argumentos sobre os aspectos que possibilitaram a emergência do Serviço Social no Brasil, como uma profissão posta no marco do desenvolvimento do capitalismo de monopólios no país; bem como apresenta quais aspectos possibilitaram o conhecido processo de renovação do Serviço Social, que aconteceu sob influência do período ditatorial e posterior. Aqui o autor aponta para a existência de três vertentes constitutivas deste processo, classificadas de modernização conservadora, reatualização do conservadorismo e intenção de ruptura. José Paulo Netto (2001) a profissionalização do Serviço Social não é resultado da organização e/ou racionalização da ajuda, da caridade e da 547 filantropia. O processo de profissionalização do Serviço Social está intimamente ligado ao movimento do capitalismo de monopólios, em que se organiza o caráter das circunstancias históricas e sociais para o desenvolvimento do Serviço Social e sua inserção na divisão social e técnica do trabalho. É de Iamamoto, - juntamente com Raul de Carvalho - em "Relações sociais e serviço social no Brasil: esboço de uma interpretação históricometodológica (2008)", sobretudo, o mérito de localizar o Serviço Social enquanto uma profissão, isso significa estar inserido na divisão social e técnica do trabalho como uma especialização do trabalho coletivo, atuando entre diferentes espaços sócio ocupacionais com destaque na execução das estratégias governamentais para dar respostas às diversas expressões da "questão social", ou seja, atuando na execução das políticas sociais. A autora se faz pioneira ao realocar o conjunto dos caracteres sobre a natureza do Serviço Social e elucidar que os profissionais desta categoria atuam em instituições públicas e privadas estando assim, no patamar de trabalhadores assalariados, ou seja, dentro da lógica da compra e venda da força de trabalho. Esta compreensão vinculou os assistentes sociais com a classe trabalhadora, enquanto iguais, de modo a fazer a escolha por esta classe, lutar por ela e expressar isso no posterior projeto ético político e na materialização de um perfil profissional distinto daquele da gênese, fortemente marcado pelo conservadorismo que a categoria ao longo de seu processo de desenvolvimento travou luta para superar e romper. Em seu esforço de analisar as teses sobre os fundamentos do Serviço Social, Iamaoto (2014) aponta que é de Martinelli (1989) o mérito de despontar sobre o tema da identidade e alienação ao propor o entendimento do significado do Serviço Social enquanto profissão posta na sociedade capitalista, participando ativamente do processo de produção e reprodução das relações sociais. Em sua tese Martinelli (1989) traça o caminho de tornar racional a política de assistência social, relacionando com o que denomina de "ilusão do servir". Com isto, Martinelli busca compor o rol de encontros e desencontros na 548 construção da identidade profissional e consciência social dos assistentes sociais. Segundo a própria autora, busca fazer isso inspirada pela tradição marxista, enfatizando que o Serviço Social. É uma profissão que já surge no cenário histórico com uma identidade atribuída pelo capitalismo. Ao invés de ser produzida historicamente, decorreu do projeto hegemônico da classe dominante, que roubou dos agentes a possibilidade de construir formas peculiares de prática (MARTINELLI, 1989, p.141; grifos do autor). Ao analisar a obra de Martinelli, Iamamoto percebe que apesar da intenção da autora em se basear na tradição marxista, a mesma apresenta fortes influências hegelianas, que teriam tido mais destaque, de modo que não poderia ser encarada como uma tese de estrutura teórica e metodológica baseada essencialmente na perspectiva marxista. É de Faleiros (1972) a tese reconhecida como de "correlação de forças", dando ao autor o reconhecimento de um dos mais importantes expoentes do movimento de reconceituação do Serviço Social latino americano (IAMAMOTO, 2014), de forma que para tanto se apropriou de vasta literatura internacional sobre o tema. Assim, Faleiros apresenta como tema central de sua tese a questão da relação do Serviço Social com a política, para tanto utiliza do pensamento de Gramsci sobre a ideia de "hegemonia" e "intelectual orgânico". Daí que para o autor o assistente social é encarado como um "intelectual orgânico", tendo a possibilidade de contribuir com uma nova hegemonia, que culminaria na construção do novo "bloco histórico" (FALEIROS, 1972). Com isso o autor inaugura um caminho para que a ação dos assistentes sociais, enquanto trabalho, possa ser analisada dentro de uma perspectiva política. Faleiros concebe a intervenção profissional, no paradigma da correlação de forças, como confrontação de interesses, recursos, energias e conhecimento inscritos no processo de hegemonia, dominação e resistência. Na tese da assistência social, de autoria de Maria Carmelita Yazbek (1993), com a obra intitulada "Classes subalternas e assistência social", a autora realiza o trabalho de estudar aspectos do que chama de "pobreza brasileira" e a forma de enfrentamento através das políticas públicas, enfatizando o papel do 549 Estado a analisando o impacto destas políticas para com a população atendida por elas (IAMAMOTO, 2014). O grande destaque desta obra é o espaço que dedicou para ouvir os usuários das diversas políticas sociais; a autora realizou entrevistas com pessoas em diferentes situações de vulnerabilidade que de alguma maneira dependem das ações de pelo menos uma política. Antes, Yazbek faz uma análise da política de assistência social no Brasil. Com isso afirma que as ações realizadas pelos assistentes sociais consistem em "mediação" entre o Estado e os "homens simples", de forma a atuar na concretização da função reguladora que cumpre o Estado. Deste modo, segundo Iamamoto (2014), a tese de Yazbek apresenta como ponto principal a profissão posta principalmente na esfera da política social e sua relação com o Serviço social. Yazbek utiliza os termos "de baixo" e "homens simples" para se referir aos sujeitos de sua pesquisa, influenciada pela categoria de subalterno resgata a história de vida desses sujeitos e sua trajetória de vida na relação com as políticas sociais. Já a tese da "proteção social" de Suely Gomes Costa (1995) merece destaque por ter se colocado no debate a nível nacional sobre o tema da formação profissional (IAMAMOTO, 2014). Para o pensamento desta autora os assistentes sociais se debruçam sob a "proteção social" desde sempre, de forma que este elemento seria demarcador na esfera profissional. Costa se destaca por apresentar a ânsia no avanço das teorias "economicistas", de fundamentação na teoria crítica marxista. Costa aponta que a tese "economicista" não é suficiente para explicar todas as questões relacionadas às expressões da questão social, afirma ainda a necessidade de se tomar conhecimento de teorias e estudos mais atualizados – sob o seu ponto de vista – evitando o pesado legado à tradição marxista presente nos debates da categoria desde os anos de 1960. Iamamoto (2014) tece uma crítica a este pensamento de Suely Costa ao afirmar a necessidade de se apropriar com clareza da verdadeira obra de Marx, sob o risco de se formar ideias a partir de "caricaturas". 550 Finalmente, também sob influência Gramsciniana a autora Marina Maciel Abreu realiza seu trabalho acerca do gênese do Serviço Social trazendo o debate sobre a função pedagógica do Assistente Social, através da mediação das políticas públicas. Para Abreu (2002, p. 17) a função pedagógica do Assistente Social seria [...] determinada pelo vínculo que a profissão estabelece com as classes sociais e se materializa, fundamentalmente, por meio dos efeitos da ação profissional na maneira de pensar e agir dos sujeitos envolvidos no processo de prática. Tal função é mediatizada pelas relações entre o Estado e sociedade civil no enfrentamento da questão social, integrada às estratégias da racionalização da produção das relações sociais e no controle social. Abreu (2002) sustenta a ideia de que uma relação pedagógica vai muito além das características escolares de ensino, para a autora – inspirada em Gramsci (1978) – toda relação de hegemonia carrega necessariamente a noção pedagógica. No entanto, para Iamamoto (2014) o entendimento que Abreu apresenta durante toda sua tese sobre Gramsci não é a mais consensual. Segundo Abreu o embate presente no Serviço Social acontece por conta das contradições no caminho do desenvolvimento do mesmo, em que em alguma medida nega as bases conservadoras, e em outra medida resiste à alterações para a reatualização e reafirmação do projeto conservador. CONSIDERAÇÕES FINAIS Apresentamos o percurso histórico dos fundamentos da gênese do Serviço Social no Brasil sob uma perspectiva crítica baseada principalmente na leitura da pioneira Marilda Villela Iamoto sobre o assunto. Com isso podemos observar quão rico é o arcabouço das teorias que se dedicam a explanar, pesquisar e analisar os processos históricos e sociais em que emergiu o Serviço Social bem como os caminhos de seu desenvolvimento, atestando a preocupação destes teóricos de destaque com o tema. Nas palavras de Iamaoto, que se dedicou a eleger e analisar sete teses sobre os fundamentos do Serviço Social, encontramos uma gama diversa de 551 pontos de vistas teóricos que formam uma rede fértil de uma herança acadêmica que ainda é muito recente, mas em igual medida expressiva. No entanto a autora destaca a necessidade de nos dedicarmos a apropriação do arcabouço teórico acerca do desenvolvimento da profissão, bem como que nos aproximemos verdadeiramente da teoria crítica, que tão recente vem sendo incorporada no Serviço Social em um movimento cuja a referida autora é protagonista. Verificamos que não é possível compreender o surgimento e as particularidades do caminho trilhado até aqui pelo Serviço Social sem ter em mente a noção histórica, política, social e econômica que foi cenário no Brasil donde esteve e está inscrito o Serviço Social. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, Marina. Serviço Social e organização da cultura: perfis pedagógicos da prática profissional. São Paulo: Cortez, 2002. COSTA, Sueli Gomes. Signos em transformação. A dialética de uma cultura profissional. São Paulo: Cortez, 1995. FALEIROS, Vicente de Paula. Trabajo Social. Ideologia y método. Buenos Aires: Ecro, 1972. IAMAMOTO, M. V.; CARVALHO, R. de. Relações sociais e serviço social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 25.ed. São Paulo, Cortez; [Lima, Peru]: CELATS, 2008. IAMAMOTO, Marilda Villela. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital finan-ceiro, trabalho e questão social. 8. ed. - São Paulo: Cortez, 2014. MARTINELLI, Maria Lucia. Serviço Social: identidade e alienação. São Paulo: Cortez, 1992. NETTO, José Paulo. Ditadura e serviço social: uma análise do serviço social no Brasil pós-64. 16. Ed. - São Paulo: Cortez, 2011. NETTO, José Paulo.Capitalismo monopolista e Serviço Social. 3. ed. Ampliada - São Paulo, Cortez: 2001. SILVA, Cláudia Neves. A presença de postulados tomistas na gênese do Serviço Social. Semina: Ciências Sociais e Humanas, Londrina, v. 24, p. 87 – 100, set. 2003. 552 YAZBEK, Maria Carmelita. Classes subalternas e assistência social. 3. ed. São Paulo: Cortez, SEGURIDADE SOCIAL BRASILEIRA: a inserção da Assistência Social como Política de Proteção Social 553 Gabriela Nunes da Silva217 Thaís Gaspar Mendes da Silva218 Resumo: O objetivo desse artigo consiste em realizar uma discussão teórica acerca do modelo de Seguridade Social do Brasil e a inserção da Assistência Social como Política de Proteção Social. O conceito de seguridade social foi instituído no Brasil pela Constituição Federal de 1988, em garantia do direito à saúde, à previdência social e à assistência social. A discussão aqui pretendida se deu a partir do desenvolvimento de um projeto de Iniciação Científica da Universidade Estadual do Paraná - UNESPAR, campus Paranavaí que pretende identificar o entendimento da função da vigilância socioassistencial sob a ótica dos trabalhadores da Política de assistência social do município de Paranavaí/PR. Assim, este estudo trata-se de uma pesquisa bibliográfica, de natureza qualitativa que pretende fornecer elementos para a compreensão do “atual” formato do sistema de Seguridade Social brasileiro e a inserção da assistência social, como uma das políticas de garantia de proteção social. Palavras chaves: Seguridade Social, Assistência Social, Proteção Social. INTRODUÇÃO A arquitetura da seguridade social brasileira prevista pela Constituição Federal de 1988 relaciona-se a garantia do direito à saúde, à previdência social e à assistência social. Na perspectiva de Boschetti (2009, p. 330) apesar de essas políticas sociais “terem sido constituídas de forma bastante diferenciada, de modo que não se instituiu um padrão de seguridade social homogêneo, integrado e articulado”. Foi somente com a Constituição de 1988 que essas políticas foram reorganizadas e reestruturadas com novos princípios e diretrizes e passaram a compor o sistema de seguridade social brasileiro. Paradoxalmente, o ingresso da assistência social e das outras políticas (saúde e previdência) no âmbito da seguridade social no Brasil surgem em meio a um contexto de reforma neoliberal do Estado contemporâneo, onde o mesmo 217 Discente do curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná UNESPAR, campus Paranavaí. Aluna de Programa de Iniciação Científica PIBIC/Fundação Araucária. E-mail; [email protected] 218 Mestre em Serviço Social e Política Social pela Universidade Estadual de Londrina UEL. Docente do curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná - UNESPAR, Campus Paranavaí. E-mail: [email protected] 554 não se reconhecia como agente promotor social. No caso específico da assistência social, um longo caminho é traçado, rumo à implantação da Política na perspectiva do direito e da proteção social. Nesse sentido, este artigo tem por objetivo realizar uma discussão acerca do modelo de Seguridade Social do Brasil e a inserção da Assistência Social como Política de Proteção Social. Esse estudo é parte de um Projeto de Iniciação Científica da Universidade Estadual do Paraná, campus Paranavaí, o qual pretende identificar o entendimento da função da vigilância socioassistencial sob a ótica dos trabalhadores da Política de assistência social do município de Paranavaí/PR. É importante ressaltar, que esta pesquisa de cunho bibliográfico representa as primeiras aproximações teóricas e documentais da acadêmica envolvida, referente à política de assistência social. A SEGURIDADE SOCIAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Em 1987 se instala a Assembleia Nacional Constituinte em meio a debates para a formulação de uma política pública de Assistência Social. A partir de então a conceituação da Assistência Social começa a ganhar contornos nítidos. Isso culmina em 1988 com a Constituição Federal anunciando a Assistência Social como política pública, inserida no tripé da Seguridade Social brasileira e como conquista dos movimentos sociais. (COUTO, 2008). Nesta perspectiva, a seguridade social ingressa na Constituição Federal de 1988, dispõe em seu artigo 194 que a seguridade social “compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. (BRASIL, 1988). A Política de Saúde configura-se como direito de todos os cidadãos independente de contribuição e dever do Estado brasileiro. Registra-se no campo dos direitos no artigo 196 da Constituição Federal onde se determina que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros 555 agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (BRASIL, 1998). A Política de Previdência Social possui caráter contributivo, ou seja, é considerada apenas direito os trabalhadores que contribuem para com a previdência e de seus dependentes. De acordo com Constituição Federal de 1988, “a previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial”. (BRASIL, 1998). A Política de Assistência Social configura-se como direito de todos os que dela necessitarem, independentes de contribuição à seguridade social. Na Constituição Federal de 1988, os artigos 203 e 204 descrevem os objetivos e as diretrizes da Política de Assistência Social. A Constituição de 1988 foi considerada pela maioria dos teóricos como balizadora da tentativa de estabelecer novas relações sociais no país. Couto (2008) aponta que significativos e importantes avanços foram construídos, o que criou novas configurações e novas concepções para a área dos direitos civis, políticos e sociais, direcionando uma nova forma de organizar e gestar o sistema de seguridade social brasileira. A arquitetura da seguridade social brasileira prevista pela CF de 1988 de acordo com Boschetti (2009) se constitui em um sistema híbrido, pois conjuga direitos da seguridade social, baseados em dois modelos de proteção social: modelo alemão bismarckiano e modelo beveridgiano inglês. Os princípios do modelo bismarckiano predominam na previdência social e os do modelo beveridgiano orientam a política de saúde e de assistência social. Assim, a “seguridade social brasileira se situa entre o seguro e a assistência social”. (BOSCHETTI, 2009, p. 330). O chamado modelo bismarckiano alemão de 1883 foi uma das primeiras iniciativas de benefícios previdenciários que constituíram a seguridade social. É considerado como um sistema de seguros sociais, porque suas características são semelhantes às de seguros privados. No que se refere aos direitos, os benefícios cobrem principalmente e quase exclusivamente os trabalhadores, só 556 tem acesso aquele que contribui diretamente e a soma das prestações e relativa ao valor da contribuição. (BOSCHETTI, 2009). Durante a Segunda Guerra Mundial, em 1942 na Inglaterra, críticas são proferidas em relação ao modelo bismarckiano até então vigente. Nesse contexto econômico e politico, formula-se o Plano Beveridge219, o qual propõe a implantação do WalfareState220. Neste modelo, os direitos possuem caráter universal, ou seja, a proteção social é destinada a todos os cidadãos garantindo mínimos sociais. Seus princípios fundamentais são a unificação institucional e uniformização dos benefícios. No que tange na diferença entre os modelos e o surgimento e instituição de modelos de seguridade social nos países capitalistas a autora, aponta que “Enquanto os benefícios assegurados pelo modelo bismarckiano se destinam a manter a renda dos trabalhadores em momentos de risco social decorrentes da ausência de trabalho, o modelo beveridgiano tem como principal objetivo a luta contra a pobreza”. (BOSCHETTI, 2009, p. 325). Nessa perspectiva, a política de Seguridade Social brasileira assume características híbridas, uma vez que, as políticas que a constituem assumem características distintas e atendem grupos sociais diferenciados. De acordo com Yazbek (2008) a legislação que regulamentou a Seguridade estabeleceu caminhos diversos e específicos para as áreas que a constituem - Saúde, Previdência e Assistência Social e ao segmentar essas áreas, não garantiu uma efetivação concreta de um Sistema de Seguridade Social. Ainda, do ponto de vista administrativo e financeiro, não se tem existência formal de um Sistema de Seguridade Social brasileiro. (VIANNA, 2005, p. 92-93 apud YAZBEK, 2008). 219 O Plano Beveridge foi encomendado em 1941 pelo governo da Inglaterra, que pretendia se reerguer após Segunda Guerra Mundial. O plano buscava um sistema de seguro social, onde a ideia era possuir benefícios universais de combate à pobreza causada pelo desemprego ou incapacidade, sendo que esta segurança social deveria ser prestada do berço ao túmulo. (MARQUES GUEDES, 2013). 220 O Welfare State marca uma mudança paradigmática na democracia, trata-se de uma tentativa de ruptura em relação ao capitalismo. Seu objetivo está justamente na tentativa de conciliar desenvolvimento econômico e desenvolvimento social, a partir da concepção de um Estado forte, interventor na economia e garantidor da efetivação disso que poderíamos chamar de direitos sociais de cidadania. (PRZEWORSKI E WALLERSTEIN, 2008). 557 No entanto, a autora pontua que “apesar da obscuridade a que foi relegada a Seguridade Social brasileira, sua concepção fundamenta, legitima e permite ampliar a proteção social no país”, uma vez que não cabe apenas às políticas sociais através de seus desenhos e objetivos reverter graus elevados de desigualdades sociais, mas sabe-se que cabe a elas responder a necessidades e direitos concretos dos cidadãos. “Nesse sentido, a constituição de Seguridade Social brasileira, traz sem dúvida inovações no campo das Políticas Sociais Inclusivas, particularmente para a assistência social”. (YAZBEK, 2008, p. 94) Em âmbito nacional, pode-se afirmar que a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, houve um avanço no campo dos direitos sociais, um progresso no arcabouço de princípios calcados em direitos universais em substituição a seletividade intermitente que predominava até então no Brasil. Entretanto, as recomendações constitucionais de 1988 não se efetivaram imediatamente, ficando para a década seguinte da aprovação da CF de 1988 a sua materialização. A ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO POLÍTICA DE SEGURIDADE SOCIAL NO CAMPO DA PROTEÇÃO SOCIAL Com a aprovação da Constituição Federal de 1988, a assistência social é definida como direito social, como política de seguridade social não contributiva, de responsabilidade do Estado e direito de cidadania. A inserção da assistência social na Seguridade Social aponta “para seu caráter de política de Proteção Social221 articulada a outras políticas do campo “[...] A proteção social pode ser definida como um conjunto de iniciativas públicas ou estatalmente reguladas para a provisão de serviços e benefícios sociais visando enfrentar situações de risco social ou privações sociais”. (JACCOUD, 2009, p. 58). Entende-se por Proteção Social as formas institucionalizadas que as sociedades constituem para proteger parte ou o conjunto de seus membros. Tais sistemas decorrem de certas vicissitudes da vida natural ou social, tais como a velhice, a doença, o infortúnio, as privações. (...) Neste conceito, também, tanto as formas seletivas de distribuição e redistribuição de bens materiais (como a comida e o dinheiro), quanto os bens culturais (como os saberes), que permitirão a sobrevivência e a integração, sob várias formas na vida social. (DI GIOVANNI, 1998, p.10, apud, BRASIL, 2004, p. 31). 221 558 social, voltadas à garantia de direitos e de condições dignas de vida”. Também, sua localização no grupo dos direitos sociais, faz com que a assistência social passe a ser direito reclamável do cidadão, não se trata mais de uma concessão de favores e sim um direito de prestação de serviços. (BRASIL, 2004, p. 31). A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) sancionada em 1993 consolida a assistência social como direito e regulamenta os artigos 203 e 204 da Constituição Federal de 1988. A assistência social, na direção da LOAS, tem uma dimensão distributiva (em contraposição à dimensão contributiva da previdência). Volta-se para a pobreza absoluta, mas também para a pobreza relativa e/ou para a desigualdade social e rompe com a visão contratualista de proteção social, baseada na ética capitalista do trabalho (PEREIRA, 2000). Para Mestriner (2008, p. 206) a LOAS “reconhece a assistência social como política pública de seguridade, direito do cidadão e dever do Estado, prevendo-lhe um sistema de gestão descentralizado e participativo”. Dessa forma, se constitui como principal estratégia de enfrentamento a pobreza no país. Somente em 2004, com a Política Nacional de Assistência Social (2004) se busca incorporar as demandas presentes na sociedade no que se refere à responsabilidade política, e assim, reafirmam-se as diretrizes da assistência social como direito de cidadania e responsabilidade do Estado presentes na LOAS. A PNAS (2004, p. 33) define que a assistência social deve ser realizada de “forma integrada às políticas setoriais, considerando as desigualdades socioterritoriais, visando seu enfrentamento, à garantia dos mínimos sociais, ao provimento de condições para atender contingências sociais e à universalização dos direitos sociais”. A assistência social como política de proteção social, no campo da seguridade social, articulada a outras políticas sociais, deve garantir proteção social, direitos e condições dignas de vida. Sob a ótica da proteção social deve garantir as seguranças de sobrevivência (de rendimento e de autonomia); de acolhida; de convívio ou vivência familiar. (BRASIL, 2004). 559 No campo da Proteção Social a assistência social é estruturada em duas modalidades: Proteção Social Básica e a Proteção Social Especial. Na Proteção Social Básica (PSB) o objetivo é prevenir os riscos e fortalecer o convívio familiar e comunitário, e destina se a população que vive em situação de vulnerabilidade social. Na Proteção Social especial (PSE) é destinada a famílias e indivíduos que se encontram em situações de risco e que tiveram seus direitos violados. (BRASIL, 2004). A Proteção Social Especial é subdividida em Proteção de Media e Alta complexidade, os serviços de média complexidade são destinados às famílias e indivíduos com direitos violados, mas cujos vínculos familiares não foram rompidos; e os serviços de alta complexidade são aqueles que “garantem proteção integral para famílias e indivíduos com seus direitos violados, que se encontram sem referência, e/ou, em situação de ameaça, necessitando ser retirados de seu núcleo familiar e/ou, comunitário”. (BRASIL, 2004, p. 32). Deste modo, compreende-se que partir da PNAS (2004) se expressa a “materialidade do conteúdo da Assistência Social como um pilar do Sistema de Proteção Social Brasileiro no âmbito da Seguridade Social”. (BRASIL, 2004). Assim, a assistência social se coloca na “perspectiva de materialização das diretrizes da LOAS e dos princípios enunciados pela CF 1988, entendendo a assistência social como Política Social inserida no Sistema de Proteção Social Brasileiro, no campo da Seguridade Social”. (COUTO; YAZBEK; RAICHELIS, 2010, p. 38). CONSIDERAÇÕES FINAIS A arquitetura da seguridade social brasileira prevista pela CF de 1988 se constitui em um sistema híbrido, baseados em dois modelos diferentes de proteção social. Apesar do reconhecimento de diversos autores da não efetivação concreta de um Sistema de Seguridade Social no país, implantado em meio a uma conjuntura de reforma neoliberal do Estado contemporâneo, não se pode negar que a inserção da assistência social na seguridade social, no 560 campo da proteção social, traz sem dúvidas inovações no campo das Políticas Sociais, inclusive para a assistência social. Um longo caminho é percorrido para que a assistência social, legalmente sancionada em 1988, se implemente a partir da nova concepção: direito à proteção social. Somente a partir da PNAS (2004) que a discussão rumo à efetivação da assistência social como política pública de Estado é traçada no sentido transformar em ações diretas os pressupostos da CF de 1988 e da LOAS (1993). Assim, a assistência social, como política de seguridade social passa a ser ofertada como campo do direito e da garantia de proteção social, direitos e condições dignas de vida. No campo da proteção social deve garantir seguranças de sobrevivência (de rendimento e de autonomia), de acolhida e de convívio ou vivência familiar, tendo por direção o desenvolvimento humano e social e os direitos de cidadania. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.Brasília, 1988. ______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. Conselho Nacional de Assistência Social. Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS). 2005 ______. Lei nº. 8.742, de 07 de dezembro de 1993. Cria a Lei Orgânica da Assistência Social. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 1993. ______. Política Nacional de Assistência Social (PNAS). Brasília, DF. 2004. BOSCHETTI, I. Seguridade social no Brasil: conquistas e limites à sua efetivação. In: Serviço Social: direitos sociais e competencias profissionais. Brasília: CFESS, 2009. BOSCHETTI, I; TEIXEIRA, S. O. Seletividade e focalização da política de assistência social no Brasil. In: Congresso Latinoamericano de escuelas de Trabajo Social, Costa Rica. Anais: Costa Rica: Universidad de Costa Rica, 2004. Disponível em: http://www.ts.ucr.ac.cr/binarios/congresos/reg/slets/slets018-081.pdf. Acesso em: 28 setembro 2015. 561 COUTO, B. R. ODireito Social e a Assistência Social na Sociedade Brasileira: uma equação possível? 3. ed. São Paulo: Cortez, 2008. COUTO. B. R.; YAZBEK, M. C.; RAICHELIS, R..A Política Nacional de Assistência Social e o Suas: apresentando e problematizando fundamentos e conceitos. In: COUTO, B. R; YAZBEK, M. C.; SILVA; M. O. S. e; RAICHELIS, R..A. (Orgs.). O Sistema Único de Assistência Social no Brasil: uma realidade em movimento. São Paulo: Cortez, 2010. p. 32-65. JACCOUD, Luciana. Proteção Social no Brasil; Debates e Desafios; MDS, UNESCO, Nov, 2009, p. 57-86. PEREIRA, L. D. A proteção social como “necessidade mínima”, o avanço dos preceitos (neo)liberais e a desconstrução da Seguridade Social brasileira na década de 1990. In: Revista Margen de Trabajo Social y Ciencias Sociales, ISSN 0327-7585, n. 39, Edición Primavera 2005 (para el hemisfério sur). Disponível em: http://www.margen.org/num39.html. Acesso em: 28 setembro 2015. MARQUES G.. O Plano Beveridge 2013. Disponivel em: http://www.ateneulivros.com/website/2013/06/o-plano-beveridge/. Acesso em: 04 de Out. 2015. YAZBEK, M. C. Estado, Políticas Sociais e Implementação do SUAS. In: Capacita SUAS volume 1. SUAS: Configurando eixos de mudança, Brasília: Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome/Instituto de Estudos Especiais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, p.79-136, 2008. YAZBEK. M. C.. As ambiguidades da assistência social brasileira após 10 anos de LOAS. Revista Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 77, p. 11-29, mar. 2004. MESTRINER, M. L.. O Estado entre a filantropia e a assistência social. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2008. PRZEWORSKI E WALLERSTEIN. O Capitalismo Democratico na Encruzilhada. Disponivel em: http://novosestudos.org.br/v1/files/uploads/contents/56/20080623_o_capitalism o_democratico.pdf. Acesso em: 04 de Out. 2015. 562 A NECESSIDADE DA QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL, PARA (RE)AFIRMAÇÃO DO PROJETO ÉTICO POLÍTICO India Nara Smaha222 Resumo: A atualidade social, política e econômica nos leva a muitos caminhos quando pensamos em exercício profissional, no entanto, neste texto, queremos focar em um que nos leve ao compromisso ético político assumido pelos Assistentes Sociais – categoria profissional que, no decorrer de sua construção ideopolítica no Brasil, pautou muitas lutas. Uma das últimas resultou na conquista de uma Política pensada pela categoria para subsidiar a qualificação profissional, a Política de Educação Permanente do conjunto CFESS/CRESS de 2012. Esse documento reúne propostas e substancia elementos que vêm aparecendo nos Códigos de Ética do Assistente Social desde 1947, ou seja, a necessidade de aprimoramento, para garantir a qualidade no atendimento daqueles que são usuários dos serviços prestados pelo profissional de Serviço Social. A proposta é pensar: como colocar em prática algo que é legitimo, mas que as condições objetivas, estruturais dão poucas possibilidades? Palavras-chave – Serviço Social, Qualificação profissional, Educação Permanente. 222 Assistente social, mestre em Serviço Social pela UEL. Docente colaboradora no curso de serviço Social da Unioeste-Toledo. 563 INTRODUÇÃO A fim de pensar a qualificação profissional, é necessário, primeiramente, remeter-nos a formação em Serviço Social, que, em virtude da lógica de mercado, tornou-se complexa para análise, tendo em vista o derrame de cursos em instituições privadas, não só na modalidade presencial, mas, agora, semipresencial e à distância, que foram aprovados pelo MEC com o discursos de democratização da educação e acesso aos locais mais longínquos. No entanto, o que podemos identificar é a intenção de atingir a meta de interesses internacionais, que exige m