anais do vi congresso paranaense de assistentes sociais - CRESS-PR

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CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL DO
PARANÁ – CRESS 11ª REGIÃO PARANÁ
ANAIS DO VI CONGRESSO PARANAENSE
DE ASSISTENTES SOCIAIS
“Direitos Humanos e Serviço Social: Desafios e
Propostas para o Exercício Profissional”
Período: 11 a 14 de Novembro de 2015.
---------------------------------------------------------------------------------------------------------CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL CRESS 11ª REGIÃO PARANÁ
Rua Monsenhor Celso, 154 – 13º Andar – Centro – Curitiba/PR
GESTÃO 2014 –
TRANSFORMAR”.
2017
“JUNTOS/AS
PARA
LUTAR,
CONQUISTAR
E
DIRETORIA
Presidente: Wanderli Machado
Vice-Presidente: Uilson José Gonçalves Araujo
1ª Secretária: Renária Moura Silva
2ª Secretária: Fernanda Lopes de Camargo
1ª Tesoureira: Patrícia Correa da Silva
2ª Tesoureira: Ilda Lopes Witiuk
CONSELHO FISCAL
Janaine Priscila Nunes dos Santos
Antonio Odair da Silva Júnior
Maysa Nuermberg de Vasconcellos Costa
SUPLENTES
Daniela Möller
Vera Lucia Armstrong
Clarice Metzner
Emanuelle Pereira
Edilene Alves Costa
Augusto Luiz de Lima
---------------------------------------------------------------------------------------------------------CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL CRESS 11ª REGIÃO PARANÁ
Rua Monsenhor Celso, 154 – 13º Andar – Centro – Curitiba/PR
COMISSÃO ORGANIZADORA DO
CONGRESSO
Emanuelle Pereira
Janaine Priscila Nunes dos Santos
COMISSÃO DAS OFICINAS
Uilson José Gonçalves Araujo
COMISSÃO
DE
INFRAESTRUTURA
Grasiele Dalbão Modesto de
Camargo
Oengredi Mendes Maia dos Santos
COMISSÃO CULTURAL
Bruna Cardoso
COMISSÃO FINANCEIRA
Janaine Priscila Nunes dos Santos
Odair da Silva Junior
EQUIPE DE APOIO
Graciele Babiuk
Kellyane de Nazaré Vasconcelos de
Oliveira
Maysa Nuermberg de Vasconcellos
Costa
Wanderli Machado
Vanessa Rocha
COMISSÃO AVALIADORA DOS
TRABALHOS
Alfredo Aparecido Batista
Ana Carolina Vidigal
Andréa Luiza Curralinho Braga
Angela de Fátima Ulrich Jeiss
Cleci Elisa Albiero
Daniela Moller
Denise Ratmann Arruda Colin
Elias de Souza Oliveira
Elza Maria Campos
Fernanda Lopes de Camargo
Giselle Ávila Leal de Meirelles
Ilda Lopes Witiuk
Jayson Azevedo Marsella de
Almeida Pedrosa Vaz Guimarães
Jussara Marques de Medeiros Dias
Kathiúscia Aparecida Freitas Pereira
Coelho
Kleber Rodrigo Durat
Leandro José de Araujo
Marcela Silva
Marcelo Nascimento de Oliveira
Márcia Terezinha de Oliveira
Marco Antônio Barbosa
Rafael Garcia Carmona
Silvana Maria Escorsim
Silvia Eufenia Albertini
Solange Fernandes
CERIMONIAL
Uilson José Gonçalves Araujo
CATALOGAÇÃO NA FONTE
VI Congresso Paranaense de Assistentes Sociais (1.: 2015: Paraná)
Direitos Humanos e Serviço Social: Desafios e Propostas para o Exercício Profissional,
2015. 806 p.
ISBN: 978-85-63119-02-5
Disponível em: http://www.cresspr.org.br/site/cpas2015
1. Serviço Social. 2. Questão Social. 3. Direitos Humanos. 4. Ética. 5. Projeto Ético Político
Conselho Regional de Serviço Social do Paraná – CRESS 11ª Região Paraná
---------------------------------------------------------------------------------------------------------CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL CRESS 11ª REGIÃO PARANÁ
Rua Monsenhor Celso, 154 – 13º Andar – Centro – Curitiba/PR
APRESENTAÇÃO
O CRESS/PR, através da gestão “Juntos/as para lutar, conquistar e transformar”,
organizou de forma coletiva com a categoria o VI Congresso Paranaense de Assistentes
Sociais (VI CPAS), que foi realizado em Curitiba de 11 a 14 de novembro de 2015, com
o tema Direitos Humanos e Serviço Social: desafios e perspectivas para o trabalho
profissional.
O CPAS é o maior evento do Serviço Social no Paraná e tem sido realizado com uma
natureza político-científica, pois diante do atual contexto paranaense, brasileiro e latinoamericano, permeado por desmonte de direitos, contradições e desigualdades
econômicas, políticas e sociais, a profissão defronta-se cotidianamente com um
conjunto de desafios que exigem da categoria posicionamentos e propostas para o
fortalecimento das lutas sociais, pela afirmação e ampliação de direitos bem como, para
a construção de estratégias para a construção de uma nova sociabilidade.
Nesse sentido, o CPAS tem como objetivo a instrumentalização e a capacitação
continuada, além de subsidiar a construção da agenda de trabalho e lutas da categoria.
A programação do evento contará com conferências, plenárias simultâneas, mini
cursos, cine debates e sessões temáticas de apresentações de trabalhos.
No processo eleitoral do Conjunto CFESS/CRESS em 2014, durante a apresentação da
chapa “Juntos/as para lutar, conquistar e transformar”, propusemos a realização de
eventos mais acessíveis e inclusivos, com organização de campanha que incentive e
estimule a hospedagem solidária. Sendo assim, este VI CPAS, também teve como
objetivo de cumprir com esta proposta. O evento teve um valor mais acessível, onde a
comissão organizadora foi composta pela direção do CRESS e por profissionais e
estudantes voluntários/as, e ainda contou com estratégias para hospedagem solidária,
tornando o Congresso mais acessível também para quem não reside em Curitiba.
Os trabalhos aprovados foram apresentados em salas simultaneamente, permitindo a
reflexão e o debate acerca dos permanentes desafios que estão postos na realidade
que envolve as várias dimensões do exercício profissional.
Desejamos a todos/as uma boa leitura!
4
TRABALHANDO COM FAMÍLIA: COTIDIANIDADES,
CONTINUIDADES E RUPTURAS
Solange Fernandes1
Resumo:
A centralidade que assumiu as famílias nas políticas públicas brasileira a partir
do início do século XXI, exigiu dos profissionais de diversas áreas e
particularmente do Serviço Social respostas cada vez mais qualificadas de
trabalho com esse público. A ausência de uma metodologia especifica mobilizou
um grande esforço de diversas categorias profissionais e de especialistas no
sentido de construir uma metodologia de trabalho em consonância com os novos
tempos e as novas demandas. Hoje percorrido um pouco mais de 10 anos do
início deste percurso é possível conhecer alguns avanços e reconhecer muitas
dificuldades. É disso que esse artigo trata.
Palavras-chave: Família, contemporaneidade, metodologia.
1
Assistente social e Professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
5
INTRODUÇÃO.
A proposta deste artigo é refletir sobre os possíveis avanços e obstáculos
em relação à construção e efetivação de metodologias de trabalho com famílias,
principalmente àquelas atendidas pela Politica Pública de Assistência social,
através dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e ou Centros
de Referência de Especialidades em Assistência Social (CREAS).
A partir do século XXI um conjunto de transformações sem precedente
na história na humanidade conjurou novos modos de estabelecer relações
sociais, econômicas, culturais, afetivas, religiosas, etc. Os países de economia
capitalista sucumbiram a economia global, a reestruturação produtiva
alavancada pelos japoneses imprimiam novos modos de organizar e otimizar a
produção reduzindo tempo e força de trabalho na produção de mercadoria, a
criação de novas tecnologias permitiram significativos avanços na agricultura,
medicina e comunicação apresentando-nos um cenário absolutamente novo e
desafiador.
Contudo, esses significativos avanços resultaram em altos custos sociais
peculiares ao modo de produção capitalista. O neoliberalismo implementado nos
países de economia capitalista, e no Brasil particularmente, a partir dos anos
1990, deixou como legado para o novo milênio, décadas de abandono, pobreza,
miséria e exclusão.
Com esse cenário adentramos o século XXI com aproximadamente 47
milhões de famílias vivendo abaixo da linha da pobreza. A recém-criada Politica
de Assistência Social assume o desafio de retomar as bases e reconstruir
gradativamente um Sistema Único de Assistência Social que pudesse
desenvolver, políticas, programas, projetos e oferecer benefícios com vistas a
criar um atendimento sistemático e continuado às famílias em situação de
violação de direitos.
10 anos ou mais de trabalho com família.
6
Os intensos e sucessivos debates travados ao longo da década de 1990
envolvendo a temática sobre família, seja na busca de caracterizar as novas
configurações familiares, seja na tentativa de construir uma metodologia ou
mesmo de estabelecer um conceito contemporâneo que contemplasse a
realidade das famílias brasileiras, promoveu em níveis teóricos, um avanço
absolutamente significativo se comparado, por exemplo, com o debate sobre a
mesma temática nos anos de 1970, quando se responsabilizava exclusivamente
as mulheres, por todas as “agruras” que incidiam sobre a família.
As discussões realizadas a partir do século XXI em relação às
transformações na organização e composição das famílias brasileiras
exorcizaram em partes2 as mulheres como as responsáveis exclusivas pela crise
das famílias tradicionais brasileira, e introduziu no debate, além dos dados
históricos e antropológicos que indicavam que o processo de transformação é
elemento constitutivo das famílias desde os primeiros grupos humanos3, bem
como, a percepção quanto a necessidade de reconhecimento da existência de
uma diversidade mosaica de composições familiares.
Neste sentido, uma questão que nos parece consenso é que já não
podemos falar em família (usando o singular) e sim o uso da palavra no plural
referindo-se a elas como famílias, considerando as inúmeras possibilidades de
arranjos, combinações, recombinações e configurações familiares.
Contudo, é importante notar que esse processo de construção e
assimilação de novos conceitos e configurações familiares, mesmo que a
princípio apenas em bases teóricas, não é, e nunca foi tranquilo, pois se trata de
um debate que envolve diversa nuances e perspectivas e, portanto implica em
2
Refiro-me “em partes” considerando que alguns setores mais conservadores da sociedade
brasileira ainda mantem o discurso da responsabilização e culpabilização exclusiva das mulheres pelo que
eles costumam chamar de declínio da família tradicional brasileira.
3
Sobre esse processo indicamos a leitura do livro de Friedrich Engels - A origem da família, da
propriedade privada e do Estado- publicado no Brasil por diversas editoras. Nesta obra Engels baseandose nos estudos antropológicos de Lewis Henry Morgan resgatou as origens das famílias ao longo dos
tempos, desde os primórdios indicando a existência das famílias consanguíneas, punaluanas, sindiásmicas
e monogâmicas. A ideia é capturar o processo de mudança contínua e de analisar a interferência do Estado
e da propriedade privada na constituição das noções ideológicas a respeito das famílias.
7
considerar os aspectos jurídicos, culturais, sociais, além do reconhecimento dos
direitos à livre expressão e vivência da sexualidade. Mas apesar dos embates,
uma questão é cada vez mais clara, que o “traço dominante da família é sua
tendência a se tornar um grupo cada vez menos organizado e hierarquizado e
que cada vez se funda mais na afeição mutua” (Genofre, 1995, p.100).
Um conceito contemporâneo de família e que em nosso entendimento se
destaca como um dos mais completos foi apresentado por Sayão e Aquino(2006)
em sua obra: Família: modos de usar, e que diz:
Família é o conceito que designa o grupo de pessoas associadas,
as quais podem viver sob o mesmo teto ou não. Trata-se tanto da
sucessão de indivíduos vivos num determinado momento que
mantem entre si tais relações quanto do conjunto de ente que têm
uma ancestralidade comum, incluindo aqueles que a ela se
agregaram seja de modo perpetuo ou temporário. (2006, p.9)
É possível observar que os autores do conceito apresentado acima não
se debruçam ou esboçam preocupações em demarcar ou mesmo ressaltar
questões de gênero, de cunho moral, jurídica ou legal. O que fica evidenciado é
que a centralidade está nas relações que os seres humanos que convivem
estabelecem entre si. Em relação a essa questão consideramos fundamental
ultrapassarmos as noções que nos prende a limitar a concepção de família aos
laços de consanguinidade e parentesco, pois essa compreensão reducionista de
família nos impede de perceber que, o que de fato alicerça as relações familiares
é o afeto e o respeito construído a partir das vivências de seres humanos livres
em suas escolhas e decisões e, sobretudo que se cuidam e se protegem acima
de tudo. Neste ponto, pouco importa sua composição4, se somos sós ou
4
Mioto e Nora (2006) e Lima (2005): referência a três indicadores para definir família: o domicílio,
o parentesco e os afetos. Domicílio: família definida a partir da coabitação, na mesma estrutura física, de
grupo de pessoas. Parentesco: existência de laços consanguíneos biológicos; não necessariamente
coincide com a unidade de moradia ou com as relações afetivas. Relações afetivas: delimitam família a
partir de vivências subjetivas, nas quais podem ser incluídas pessoas, como amigos e vizinhos, que não
têm laço de parentesco nem partilham da mesma unidade de moradia.
8
acompanhadas, se somos mulheres e homens, homem com homem, mulher
com mulher ou os avos, os tios, os primos, um grupo de pessoas que a vida
aproximou, enfim o foco deve estar nas relações de cuidado e proteção entre
seus membros.
Também podemos constatar o avanço em termos conceitual quando da
publicação da Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência
Social (NOB/SUAS) pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à
Fome que entende que:
Trabalha-se com um conceito de família ampliada, considerando
todos os desenhos atuais que envolvem laços consanguíneos,
desde alianças, de afinidades, cujos vínculos circunscrevem
obrigações reciprocas e de convivência (...) A família independente
dos modelos que assume, é mediadora das relações entre sujeitos
e a coletividade, delimitando continuamente os deslocamentos
entre o público e o privado. (BRASIL, NOB/SUAS, 2005).
Se por um lado é um avanço o reconhecimento da existência de um
universo de famílias, por outro colocam os profissionais que atuam com famílias
frente a um grande desafio, como trabalhar com elas?
Costumamos afirmar que trabalhar com família é “bom”, porque todos têm
uma, assim como trabalhar com família é “ruim”, porque todos têm uma. O que
procuramos alertar com isso é que existe alguns riscos neste processo, e o maior
dele e o mais comum é a reprodução ideologizada de um “tipo ideal”5 de família.
Esse é um processo no qual o profissional se utiliza de parâmetros pessoais,
morais, religiosos e valorativos de comparação. Neste caso, o modelo utilizado
segue os moldes tradicionais e
heteronormativos
presente na sociedade
brasileira.
5
Tipo Ideal- referimo-nos ao ideal weberiano que a partir do método compreensivo afirma que
a principal caraterística do “tipo ideal” é NÃO existir na realidade mas servir de parâmetro ou referência
para ajudar na comparação e compreensões, nisso Max Weber se aproxima do método sociológico de
Emile Durkheim. Para conhecer mais sobre a teoria weberiana indico: A Ética Protestante e o Espirito do
Capitalismo
9
Qual é o problema de modelos únicos e idealizados de família? Vários,
primeiro é que eles encontram-se incompletos, pois desconsideram as relações
sociais em detrimento da composição, segundo
porque cria estereótipos e
promove a recusa a todos que não se enquadram no modelo preestabelecido,
caracterizando-as com famílias desestruturadas6. Por fim e não menos
importante contribui para a reprodução do preconceito que estigmatiza e rotulam
famílias que muitas vezes já são vítimas de outros tantos processos
segregacionistas e excludentes.
Partindo da concepção sócio histórica da realidade, fica evidente que as
trajetórias dos sujeitos não são constituídas magicamente e tão pouco de
maneira linear. Ao contrário, são processos constituídos de “rupturas e
continuidades” que expressam a dinâmica da vida social.
Trabalhar com família exige dedicação, uma mente aberta para o novo, o
peculiar e o singular e a atenção voltada para as formas de relações cotidianas
estabelecida por aquele grupo familiar
A família é uma das mais antigas formas de organização social. E é sem
sobra de dúvida de uma importância impar para a formação do indivíduo, ela é
portanto um dos elemento constituinte e constitutivo de todo bem e todo mal
vivenciado pelo ser humano em grande parte de seu processo de formação.
Alguns autores nas Ciências Sociais indicam a família como a estrutura
responsável pela proteção coletiva de seus membros o que Castel (2005:51)
denominou de “socialização primária”, ou seja, aqueles mais carentes na
comunidade (clã) recebia o auxílio dos demais. Quando o sujeito perde essa
proteção
inicia
segundo
o
autor
uma
espécie
de
“desatrelamento”
comprometendo o seu sentimento de pertença. (CASTEL, 2005: 51) E
justamente em função desse conhecimento que a família deve recebem uma
6
O termo desestrutura é absolutamente equivocado quando utilizado para referirem-se as
famílias que apresentam composições familiares diferentes daquelas consideradas adequadas aos
padrões morais da sociedade ou mesmos para referirem-se as famílias que possuam dificuldades em
atender às necessidades de seus membros sejam elas de caráter econômico ou emocional. Orienta-se que
ao referirem-se as famílias em atendimento evitem qualquer tipo de qualificação, principalmente porque
expressam juízo de valor, por exemplo: completa, incompleta, estrutura ou desestruturas, boas ou más,
adequadas ou inadequadas, e assim por diante.
10
atenção especial em termos de investimento público. E quando me refiro a
investimento não é somente econômico é também cultural, de acessos, de
possibilidades, de atenções, de inclusões em programas, projetos e benefícios
que proporcione espaços e construções coletivas de saberes.
Precisamos romper rapidamente com as metodologias de trabalho com
família sem a participação ativa das famílias, ou seja, alguns profissionais
planejam o trabalho com elas sem ouvi-las e se as ouvem não as escutam, existe
uma necessidade de controle por parte do profissional, que até certo ponto é
compreensível, entretanto, apresentar tudo pronto impede e limita a participação
das famílias nos moldes estabelecidos pelos profissionais.
O que leva uma pessoa a se comprometer com algo? É o fato dela
acreditar! Nenhum indivíduo investe tempo, dinheiro, sentimento ou qualquer
outra coisa em algo que ele não vê sentido.
Então, profissionalmente pensar em um trabalho com famílias é conhecer
a vida, a história, a trajetória e o cotidiano dessas famílias. É partir das
possibilidades e das condições materiais de existência e da capacidade de
abstração que as famílias possuem naquele momento e gradativamente ir
ampliando o universo de saberes e possibilidade de conhecimento e reflexão,
para que as famílias possam oferecer respostas diferentes daquelas até então
oferecida, ou seja, todas as pessoas nos oferecem o que elas têm para oferecer,
se o que elas oferecem é pouco e podem de algum modo estar prejudicando
elas mesmas é necessário um processo de investimento e construção coletiva
entre famílias e profissionais, na construção de alternativas e possibilidade que
viabilizem a superação daquela situação que deve ser compreendida sempre
como temporária.
A partir dessas considerações nos parece inconcebível trabalhar com
rotulação que buscam caracterizar e colocar todas as famílias, suas dificuldades
e conflitos em uma “vala comum”, ultra generalizando as alternativas, “impondo”7
7
Essa imposição em alguns casos vem caraterizado por parte do profissional como sugestão, e
quando esse profissional é questionado pela família sobre a viabilidade ou não, ou mesmo da
manifestação da impossibilidade em efetivar a sugestão, tenderá a rotular essa família como resistente a
mudança. Evidentemente que temos conhecimento da existência de família poli queixosas, entretanto
11
às famílias, e quando elas por alguma situação não dão conta de atender àquela
expectativa, temos dificuldades em compreende-las e as vezes chegamos
mesmo que inconscientemente a responsabilizá-las.
Essa é uma resposta profissional simples a um problema complexo e,
portanto contêm equívocos. É extremamente compreensível que com o ritmo e
volume de trabalho exigido dos profissionais por parte das instituições, que
alguns deles acabem massificando o atendimento ou mesmo abandonando o
trabalho de planejamento. E continuem oferecendo respostas simples para
problemas complexos. Enquanto continuarmos tendo instituições de execução
de políticas públicas que valorizam muito mais os números nos relatórios em
detrimento da qualidade, dificilmente avançaremos na construção de um
trabalho profissional que efetivamente contribua para construção de relações
mais autônomas e protagônicas por parte das famílias atendidas pelas
instituições.
Concluo, reiterando a necessidade de atuarmos no atendimento familiar,
sem perder de vista o contexto mais amplo ao qual se encontra submetido essa
população. As ações profissionais devem ser pautadas na defesa intransigente
da política pública, justiça social, equidade, igualdade e democracia e, sobretudo
que sejamos nós àqueles profissionais que recusam ações de natureza
discriminatória e preconceituosa, nos colocando na defesa de uma sociedade
mais livre, justa e igualitária para todos.
Por enquanto a metodologia de trabalho com famílias no Brasil ainda se
mantêm fiel à velha formula: organizar e controlar. Só que agora, com um
discurso mais inovador!.
Referências
CASTEL, R. As armadilhas da exclusão in Desigualdade e a questão social.
orgs. BELFIOREWANDERLEY, M.; BÓGUS, L e YAZBEK, M. C. – São Paulo:
EDUC, 2000.
apelamos aos profissionais para compreender essas famílias a partir da realidade e das suas relações
cotidianas.
12
GENOFRE, R.M. Família: uma Leitura Jurídica. In: CARVALHO, M. do C.B. A
família Contemporânea em debate. São Paulo: Cortez, 1995.
MIOTO, R. C. T. e NORA, N. I. Sistematização do conceito de família:
indicadores para a ação profissional. In: ENCONTRO NACIONAL DE
PESQUISADORES EM SERVIÇO SOCIAL, 2006, Recife. Anais X ENPESS...
Recife, ABEPSS, 2006
SAYÃO, R e AQUINO, J. G.. Família: modos de usar, 2ª edição, Campinas,
São Paulo, Papirus, 2006 (Papirus Debate)
A FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM SERVIÇO SOCIAL NO CONTEXTO DE
MERCANTILIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR
13
Cristiane Carla Konno8
Resumo:
A formação profissional formula os requisitos teórico-metodológico, ético-político e técnicooperativo que legitimam o exercício profissional do Assistente Social dando materialidade ao
projeto ético-político do Serviço Social. Ao imbricarmos esta relação (projeto ético-político e
formação profissional), muito nos insulta o processo de incisiva incompatibilidade entre os
fundamentos que balizam as diretrizes curriculares para a formação profissional e os
fundamentos que alicerçam a política de educação para o ensino superior no Brasil, sobretudo
no ensino de modalidade à distância (EAD).
Palavras – Chaves: formação profissional, educação, projeto profissional
1 - Introdução:
O estudo parte de questões que vimos enfrentando no contexto da
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, curso de Serviço
Social, na operacionalização das diretrizes curriculares para os cursos de
Serviço Social, aprovadas pela categoria profissional em 1996 e pelo Ministério
Educação em 2001. Na relação direta com os sujeitos envolvidos no processo,
identificamos situações de precarização das relações e condições objetivas de
trabalho dos docentes, dificuldades de recursos para a manutenção da infraestrutura física, equipamentos e de recursos humanos, trabalhadores em
situação de contrato de trabalho temporário e/ou terceirizado; falta ou baixo
investimento na pesquisa e na extensão universitária, ocorrendo em muitos
casos as ditas “parcerias” com órgãos privados para o financiamento de
pesquisas e/ou prestação de serviços que atendam os interesses privados,
dentre outras questões que se complexificam na expansão do ensino privado na
modalidade à distância, pondo-nos a refletir sobre a educação como direito ou
como serviço. Estas questões vêm sendo constantemente debatidas pelas
entidades representativas da categoria profissional do Serviço Social -
8
Docente da Universidade Estadual do Oeste do Paraná-Unioeste, Curso de Serviço Social,
Campus de Toledo. Mestre em Serviço Social e Politica Social pela Universidade Estadual de Londrina –
UEL.
14
ABEPSS9, CFESS10/CRESS11 e ENESSO12, com pesquisas, publicações,
orientações e com mecanismos legais para assegurar uma formação de
qualidade, em consonância com as diretrizes curriculares da ABEPSS e MEC,
na defesa dos fundamentos teórico-metodológico, técnico-operativo e éticopolítico que balizam o exercício profissional do assistente social para a
consolidação do Projeto Ético-Político Profissional.
2-
Formação Profissional e as inflexões no Projeto Ético-Político do
Serviço Social
Para esta reflexão, referenciamo-nos em José Paulo Netto, em sua obra,
Capitalismo Monopolista e Serviço Social (1992), por considerar que a ordem
monopólica evidencia a contradição basilar da sociedade capitalista entre a
socialização da produção e a apropriação privada da riqueza produzida. O
desejo intenso de maximização do lucro controlado pelos mercados, exponencia
os constrangimentos inerentes à acumulação do capital, materializados sob a
precarização das condições de vida da classe trabalhadora, demandando a
intervenção do Estado. Para além de garantidor da propriedade privada dos
meios de produção, o Estado passa a intervir sistematicamente articulando as
suas funções econômicas e políticas. Ao ser capturado pela lógica do capital, o
Estado passa a operar um conjunto de medidas e condições necessárias à
acumulação e valorização do capital. Concomitante, para legitimar-se social e
politicamente, incorpora as demandas do trabalho respondendo com a
institucionalização de direitos e garantias cívicas, sob a forma de políticas
sociais.
Essa mediação admite a correlação das forças sociais em questão, que
se colocam em disputa por distintos projetos societários, garantindo
9
ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social – entidade responsável
pela formação profissional
10
CFESS- Conselho Federal de Serviço Social – entidade responsável pelo exercício profissional
em âmbito nacional
11
CRESS- Conselho Regional de Serviço Social – entidade responsável pelo exercício profissional
em âmbito regional/estadual
12
ENESSO- Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social – entidade estudantil
15
instrumentos de democracia política necessários à dinâmica contraditória do
capitalismo. Não exclui o tensionamento entre as classes sociais, na medida em
que as políticas sociais são respostas estratégicas do Estado ao processo de
mobilização e organização política dos trabalhadores, o que representa uma
ameaça à ordem social vigente. Nestas condições, a “questão social” 13 se torna
alvo da intervenção contínua e sistemática do Estado por meio da implantação
de políticas sociais, recortadas conforme suas expressões: violência,
desemprego, ausência ou carência de moradia, educação, saúde, dentre outras.
Embora a intervenção do Estado, mediante as políticas sociais, contribua para a
preservação e controle da força de trabalho, simultaneamente, os direitos sociais
delas advindos, somente são possíveis como conquistas da luta de classes.
É exatamente nessa reflexão que situamos a educação, que ao ser
institucionalizada pela lógica estatal, incorpora-se como direito social, portanto,
como conquista das lutas sociais da classe trabalhadora. Porém, também é
preciso considerar a relação entre a institucionalização e a consolidação do
direito social, uma vez que o processo de valorização do capital reforça a
mercantilização da vida social, inclusive dos direitos sociais.
A partir da década de 1990, a ofensiva do capital associada aos princípios
neoliberais, à ideologia da globalização e ao processo de reestruturação
produtiva gera profundo impacto, complexificando as condições de vida dos
trabalhadores, corroendo os direitos de cidadania (dentre eles a educação)
conquistados ao longo do século XX, metamorfoseando o direito social, no
âmbito do sistema de proteção social em serviço, que poder ser comprado e
vendido no mercado. Segundo PEREIRA (2009:269), os serviços “são pautados
na
lógica
mercantil
e
tem
como
finalidade
última
a
obtenção
do
13
Sobre a questão social, recorremos a Behring (2006, p:5) que a entende como (...) a
configuração da desigualdade e as respostas engendradas pelos sujeitos a ela, se expressa na realidade
de forma multifacetada como questão social. Desse ponto de vista, é correto afirmar que a tradição
marxista empreende, desde Marx e Engels até os dias de hoje, um esforço explicativo acerca da questão
social, considerando que está subjacente às suas manifestações concretas o processo de acumulação do
capital, produzido e reproduzido com a operação da lei do valor, cuja contraface é a subsunção do
trabalho pelo capital, a desigualdade social, o crescimento da pauperização absoluta e relativa e a luta
de classes.
16
lucro”.
Outra questão a considerar é a propagação da função ideológica da
educação como instrumento para o “alívio da pobreza”. Segundo Leher (1998),
os documentos do Banco Mundial14, atribuem à educação um papel ideológico
fundamental, pois propaga a idéia de que a causa da pobreza é o não acesso ao
conhecimento, culpabilizando o indivíduo pelo não acesso à “sociedade do
conhecimento”. Para tanto, o Banco Mundial recomenda a prioridade na
educação básica como forma de alcance da equidade social, exigindo reformas
educacionais na América Latina, reforma da educação tecnológica e a
privatização do ensino superior.
No Brasil, esse processo foi deflagrado pelos governos Collor e Itamar e
mais incisivamente pelos governos de Cardoso e Lula, obstaculizando a
consolidação dos direitos sociais arduamente conquistados na Constituição
Federal de 1988, instaurando o ajuste fiscal, as privatizações do patrimônio
público, abertura de mercado e a contrarreforma15 do Estado.
Pela reforma emergencial do aparelho do Estado, na administração
pública gerencial16, as áreas sociais, dentre elas a educação17, são definidas
como atividades não exclusivas do Estado, ficando a execução dos serviços sob
a responsabilidade das instituições privadas ou públicas não estatais, o que
14“Os
organismos internacionais – intelectuais orgânicos do projeto burguês - tratam as
novas expressões da “questão social”, principalmente na periferia capitalista, de forma
extremamente conservadora, isolando-as de questionamentos de ordem estrutural e dando-lhes
um tratamento superficial, com o financiamento e apoio a programas e projetos de “combate à
pobreza e à exclusão social”. (PEREIRA, 2008:77)
15 Nos termos de Berhing (2003), o que temos no Brasil a partir desse período, e continua
no atual governo, é um processo de contrarreforma do Estado, que significou uma reestruturação
do significado das funções públicas estatais. Para MONTANO (2002:29) a contrarreforma
“estava articulada com o projeto de liberar, desimpedir e desregulamentar a acumulação do
capital, retirando a legitimação sistêmica e o controle social da “lógica democrática” e passando
para a “lógica da concorrência” do mercado.
16Bresser Pereira (1998, p. 33) advoga mudanças nas formas de organização e gestão
do Estado por meio de uma administração pública gerencial que balize como setores do Estado
moderno “o núcleo estratégico, as atividades exclusivas, os serviços não-exclusivos e a
produção de bens e serviços para o mercado”.
17Marcadamente, a reforma educacional captaneada pela lógica do capital, foi instituída
juridicamente com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, em 1996, na qual o
Estado assumiu papel destacado no controle e na gestão das políticas educacionais, ao mesmo
tempo em que liberalizou a oferta da educação superior pela iniciativa privada.
17
tornou a expansão da educação ao setor privado em negócio lucrativo. Essa
expansão funda-se na base ideológica da democratização do acesso ao nível
superior de ensino, tendo como meios:
“a participação do setor privado presencial através da
isenção fiscal possibilitada pelo Programa Universidade para
Todos (PROUNI); participação dos setores públicos e
privados de ensino à distância – EAD; reestruturação do
sistema público de ensino por meio do Programa de Apoio a
Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais (REUNI); reforço, na universidade pública, da lógica
da mercantilização, através das parcerias públicoprivado”.(PEREIRA (2009: 272)
Uma das iniciativas de consolidação destas medidas é o ensino
superior na modalidade à distância – EAD. De acordo com as legislações
pertinentes, a Educação a Distância é a modalidade educacional na qual a
mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre
com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com
estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou
tempos diversos.18A modalidade de ensino à distância – EAD, cresce
vertiginosamente no ensino superior, tendo, primeiramente o enfoque nas
licenciaturas em cursos da área de humanas e sociais e, posteriormente tem
sido absorvida por outras demandas: o bacharelado, tecnólogos, especialização
e mestrado. O processo de regulamentação do EAD no Brasil, de acordo com
ANTUNES (2010:32) se coloca com as seguintes normatizações19:
“Plano Nacional de Educação (PNE), Lei nº
010172, de 9 de janeiro de 2001; da Portaria nº 436130,
de 29 de dezembro de 2004; do Decreto nº 562231, de
19 de dezembro de 2005, assim como do Decreto
577332, de 10 de maio de 2006, e também do Parecer nº
18Esta
definição está presente no Decreto 5.622, de 19.12.2005 (que revoga o Decreto
2.494/98), que regulamenta o Art. 80 da Lei 9.394/96 (LDB) .
19Dentre outros, dispõe sobre o credenciamento e recredenciamento dos cursos de
graduação à distância.(BRASIL, 2004b).Regulamenta o art. 80 da Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases daeducação nacional.” (BRASIL,
2005, s.p.).Dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de
instituições de educaçãosuperior e cursos superiores de graduação e seqüenciais no sistema
federal de ensino.” (BRASIL, 2006, s.p.).Que traz como assunto as “Diretrizes para
credenciamento de novas Instituições de Educação Superior e decredenciamento institucional
para a oferta de cursos superiores na modalidade à distância e normas processuaispara o
trâmite do(s) projeto(s) de curso(s) protocolado(s) em conjunto.” (BRASIL, 2008, p. 1).
18
6633 do Conselho Nacional da Educação/Câmara de
Educação Superior, de 13 de março de 2008”.
Conforme o Inep – Instituto Nacional de Estudo e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira – o Censo de Educação Superior 201320,
apresentou grande crescimento no ensino à distância (EAD), correspondendo a
15 % de matrículas no ensino superior no Brasil. O salto computado nesta
modalidade de ensino, na última década é de 5 para 15 mil inscritos. São
ofertados mais 1,2 mil cursos, considerando que em 2003 eram apenas 52
cursos, sendo as universidades responsáveis por 90% da oferta e 71% das
matrículas nessa modalidade.
Importante evidenciar que a mercantilização do ensino superior
atinge a educação pública e privada, na modalidade de ensino presencial e à
distância. Porém, face às características do ensino à distância – EAD, as
implicações para uma formação profissional crítica e generalista, que contribua
com a transformação da realidade mediante o ensino, a pesquisa, a extensão e
a produção de conhecimento, torna-se mais complexa, pois sua peculiaridade (à
distância), não possibilita que seja vivenciada determinados princípios e
atividades para uma educação de qualidade.
Mediante denúncias e informações acerca das condições objetivas
da formação profissional, dadas as diversas situações que chegam ao conjunto
CFESS/CRESS indicando o processo de precarização desta vinculada ao ensino
à distância, as entidades ABEPSS, conjunto CFESS/CRESS e ENESSO,
publicaram o documento intitulado “Sobre a Incompatibilidade entre Graduação
à Distância e Serviço Social”, sendo o volume 1 publicado em 2010 e o volume
2 publicado em 2014, abordando as seguintes questões: falta de transparência
e dificuldades no acesso à documentação junto às unidades de ensino à
distância, projeto pedagógico incompatível com as diretrizes curriculares da
ABEPSS e do MEC, tutores não assistentes sociais ou em situação irregular para
o exercício profissional, o não cumprimento da lei nacional de estágio n
20
http://portal.inep.gov.br/visualizar/-/asset_publisher/6AhJ/content/matriculas-no-ensinosuperior-rescem-3-8
19
11.788/2008, da resolução n. 533/2008 do CFESS e da política nacional de
estágio da ABEPSS pelo não credenciamento dos campos de estágio, listagem
de estágio em discordância de informações com os fatos fiscalizados,
supervisores de campo em mais de uma unidade de ensino e com excesso de
estagiários, ausência de supervisão acadêmica, ausência de supervisão de
campo, supervisão de campo à distância ou voluntária, supervisão acadêmica
realizada por profissionais de outras áreas, carga horária de estágio inferior ao
que consta no projeto pedagógico, criação de projetos de extensão para
realização do estágio, funcionamento dos pólos de referência em locais
inapropriados
para
atividades
de
ensino,
ausência
de
funcionários
administrativos e de biblioteca, ausência da relação entre ensino, pesquisa e
extensão e assédio moral aos profissionais para a supervisão de campo.
(CFESS, 2010:8-16)
Mediante essa realidade, vislumbra-se que ensino à distância, reforça a
lógica do processo de mercantilização do ensino superior que transmuta o direito
social à educação em um serviço lucrativo, orientada pelas bases ideológicas
dos organismos internacionais de expansão do ensino superior privado,
demonstrando um processo de “desqualificação do processo formativo: “sem
vivência acadêmica, sem a convivência com diferentes docentes e discentes (...)
restrito ao contato esparso com tutores, sem a interlocução com os movimentos
sociais históricos no âmbito acadêmico.” (CFESS, 2014:34).
3 - Conclusão
O Serviço Social como profissão inserida na divisão sócio-técnica
do trabalho é historicamente determinada pelas relações sociais estabelecidas
na sociedade capitalista e pela capacidade de construir respostas ao conjunto
de expressões da “questão social”, balizadas pelos princípios ético-políticos
profissionais. Como tal, seu significado sociopolítico, está atento tanto ao
movimento do capital, como às demandas e conquistas sociais dos
trabalhadores, ou seja, aos diferentes interesses materializados em distintos
projetos societários em disputa, possibilitando que a mesma (a profissão),
20
construa projetos profissionais também diversos, indissociáveis dos projetos
societários em curso. Esse mesmo movimento viabiliza, cotidianamente, a
construção de um Projeto Ético-Político Profissional vinculado ao projeto
societário da classe trabalhadora, demarcado pelo trabalho profissional de luta
por valores centrais como a liberdade, a justiça e a democracia, em
contraposição aos valores que regem o projeto societário do capital.
Como estratégia de enfrentamento a esta realidade social, a
profissão possui alguns mecanismos de fortalecimento profissional, quais sejam:
a organização política da categoria profissional, dadas pelo conjunto
CFESS/CRESS que articula a categoria com o conjunto da classe trabalhadora,
a legislação social que o ampara legalmente na luta pela garantia e ampliação
dos direitos sociais, a legislação profissional (Código de Ética Profissional, Lei
que Regulamenta a Profissão e outras) e a formação profissional, pautada nas
diretrizes curriculares para os cursos de Serviço Social e nas instâncias de
organização: Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social –
ABEPSS e Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social - ENESSO,
dentre outros.
4 - Referências
ABEPSS. Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço
Social. Diretrizes gerais para o curso de Serviço Social: com base no currículo
mínimo aprovado em Assembléia Geral Extraordinária de 8 de novembro de
1996. Rio de Janeiro, 1996.
___________Política Nacional de Estágio. Maio /2010.
BEHRING, Elaine Rossetti. Brasil em Contrarreforma: desestruturação
do Estado e perda de direitos. São Paulo: Cortez, 2003.
_______Questão Social e Direitos. In: Serviço Social – Direitos Sociais e
Competências Profissionais. CFESS, Brasília, 2006.
CFESS. Resolução CFESS nº 493/2006 de 21 de agosto de 2006.
________Resolução CFESS nº 533/2008 de 29 de setembro de 2008.
21
_______Sobre a Inconpatibilidade entre Graduação à Distância e
Serviço Social. Vol1.Brasília.2010
_______ Sobre a Inconpatibilidade entre Graduação à Distância e
Serviço Social. Vol 2.Brasília.2014
BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Reforma do Estado e administração
pública gerencial. Rio de Janeiro: FGV, 1998, p. 15-20.
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intervenção e das atuais configurações do ensino público, privado e à distância.
In: Revista Serviço Social e Sociedade. São Paulo: Cortez Editora.,n. 104.
2010.
LEHER, Roberto. Da Ideologia do Desenvolvimento à Ideologia da
Globalização: a educação como estratégia do Banco Mundial para “Alívio” da
Pobreza. 1998. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo – FEUSP. São Paulo, 1998.
MONTAÑO, Carlos. Terceiro Setor e Questão Social:Criticas ao padrão
emergente de intervenção social. São Paulo: Cortez, 2002.
NETTO, José Paulo.Capitalismo Monopolista e Serviço Social. São
Paulo: Cortez Editora, 1996.
PEREIRA, Larissa D. Mercantilização do Ensino Superior, Educação à
Distância e Serviço Social. In: Revista katálysis. Universidade Federal de
Florianópolis. V. 12, n. 2009. (268-277)
_______Política Educacional Brasileira e Serviço Social: do
confessionalismo ao empresariamento da formação profissional. Tese de
Doutorado apresentada a Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro, 2007.
22
Desafios da Pessoa com Deficiência no Mundo do Trabalho:
Breves Considerações
Tatiane De Souza Luciano Ramos 21
Marcelo Nascimento De Oliveira 22
RESUMO: Esse artigo expressa resultados parciais de um estudo
investigativo que constitui o Trabalho de Conclusão de Curso intitulado “A
acessibilidade como precursora para o convívio social: desafios no município de
Ivaiporã-PR”. Trata-se de uma pesquisa exploratória, ainda em execução,
portanto os dados ora apresentados são parciais. Está organizado em três partes
sintetizadas da seguinte forma: a primeira parte apresenta breves considerações
acerca do processo histórico de luta da pessoa com deficiência no Brasil. Em
seguida, descreve os desafios deste público e suas conquistas, ainda que
tímidas, todavia voltadas ao mercado de trabalho e apropriadas pelo mundo do
capital. Por fim, tece as considerações finais refletindo a acessibilidade, quando
esse assunto ainda não faz parte da agenda governamental e o desrespeito a
esse direito tende a ser naturalizado inclusive pelos órgãos de defesa de direitos.
Palavras-chave: Pessoa com deficiência. Exclusão social. Mundo do
trabalho.
INTRODUÇÃO
A pessoa com deficiência vive historicamente o desafio de estigma e
preconceito da sociedade em não ter suas dimensões e conquistas ao longo do
século XX respeitadas. Nesse sentido, a exclusão dos espaços públicos, tornase apenas mais um elemento que se agrega à exclusão dos seus direitos à
convivência familiar e comunitária e o próprio direito à vida no mundo do capital
onde ocorrem a produção e a reprodução das relações sociais.
Compreender o processo histórico de luta da pessoa com deficiência
no Brasil nos permite compreender seu processo histórico onde se principia a
exclusão social deste segmento em relação aos espaços públicos que
21
Mestre em Serviço Social e Política Social pela UEL. Docente do Curso de Serviço Social da
Universidade Estadual de Maringá – Campus Regional do Vale do Ivaí – Ivaiporã-PR.
22
Acadêmica do 4º ano do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Maringá –
Campus Regional do Vale do Ivaí, Ivaiporã-PR.
23
constituem as cidades. A partir desse contexto, nos surgem indagações que
refletem diretamente o respeito da sociedade face às legislações que se
constituem ao longo desse processo, bem como dos órgãos competentes a
efetivar os dispositivos legais e a eliminação das barreiras estruturais que
excluem cotidianamente a pessoa com deficiência do convívio social.
Sendo esse o sentido que o trabalho expressa, constituinte de uma
primeira exploração acerca da temática, nos moldes de uma pesquisa
bibliográfica, buscamos aqui apresentar sínteses que contribuam com a reflexão
acerca do caminho a percorrer e da atenção que o assunto requer.
1. Pessoa com deficiência: os desafios históricos para o convívio social
De acordo com Silva (1987), o marco da exclusão social da pessoa
com deficiência passou a ser visível em nosso País a partir do período do Brasil
Colônia. Nesta época, ser deficiente era a mesma, senão a pior comparação que
ser pobre e incapaz, principalmente quando essas pessoas eram advindas de
famílias pobres. Enquanto para os pobres a segregação ocorria de tal forma, às
pessoas com deficiência pertencentes às classes ricas ou médias eram
escondidas em mansões e fazendas de seus familiares, sem nenhuma
contribuição social dos demais para alterar o cenário político e social desta
população (SILVA, 1987).
O primeiro registro que a história nos traz sobre um olhar mais
inclusivo às pessoas com deficiência no Brasil, ocorreu ainda no período
imperial, com o decreto Nº 1.428, de 12 de setembro de 1854, promulgado por
Dom Pedro ll, e a criação do Instituto para Meninos Cegos. É importante salientar
que em meados de 1857, o Imperador Dom Pedro ll, mostrando-se propício às
iniciativas do professor francês Hernest Huet, deu início ao Imperial Instituto de
Surdos Mudos. Tais instituições tinham como responsabilidade permitir a
meninos e meninas cegos atividades de ofício para o trabalho.
24
Destaca-se ainda, que as poucas e principiantes ações ocorridas no
País até o século XIX, estiveram mais ligadas ao acolhimento de pessoas com
deficiência e em situações de abandonos, ou situações oriundas de acidentes
de guerra, do que aos demais espaços de participação na sociedade. A maioria
desses lugares, eram tidos como depósitos de pessoas e, muito se espelhavam
nos modelos de asilos europeus, numa síntese de orgulho, ufania, comiseração,
caridade emocional, interesse genuíno e reconhecimento patriótico a seus heróis
de guerra, mas nem se quer passaram perto de uma verdadeira reintegração
junto à família ou comunidade (SILVA, 1987).
Em
linhas
gerais,
as
pessoas
com
deficiências
estiveram
historicamente privadas do acesso aos meios de sobrevivência, ao direito de
viver e principalmente do acesso à mobilidade nos espaços públicos da cidade.
Mais do que excluídas dos espaços físicos, essas pessoas sempre estiveram
privadas do direito à vida, do direito à participação e ao convívio social. Além de
sofrer diretamente a tutela familiar ou institucional, que os consideram incapazes
de decidirem sobre questões que os envolviam, ficando diretamente à mercê da
boa vontade individual da sociedade, sem a oportunidade de opinar ou sequer
apresentar propostas, politicamente, em favor de situações às quais estavam
relacionadas. (LANNA & JUNIOR, 2010).
Destacam-se no decorrer do século XX, mais precisamente no nos
idos dos anos de 1960, movimentos que ganharam forças e que passaram a dar
destaque e contribuir de forma significativa na mobilização e na luta por direitos
desse segmento. Destacam-se aqui as instituições especializadas que passaram
a atuar em defesa dos direitos das pessoas com deficiência, como as escolas
especiais, os centros de habilitação e reabilitação, as oficinas protegidas de
trabalho, clubes sociais especiais e associações desportivas especiais, dentre
outras instituições. (SASSAKI, 1997).
O século XX passou então a ser marcado pelas primeiras grandes
conquistas para as pessoas com deficiência, principalmente sob o aspecto da
legislação constitucional. A Constituição Federal (1988) trouxe regulamentações
importantes para a legalização de direitos humanos, civis e sociais, voltados para
25
esse público (LANNA & JUNIOR, 2010). Destaca-se que as últimas três décadas
desse século serviram de palco de luta contra o preconceito e a discriminação,
buscando o direito à integração social. Muito se fez pela busca por
conscientização dos direitos das pessoas com deficiência, enfatizadas
principalmente pelos familiares, utilizando-se dos princípios da Declaração
Universal dos Direitos Humanos (1948), sendo este um dos primeiros
instrumentos que nortearam a ação das famílias na luta por direitos.
2. Avanços legais no âmbito do mundo do trabalho: possibilidades e
desafios
A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi um documento de
extrema importância para embasar e dar força na luta pelos direitos da pessoa
com deficiência. Salienta-se que advém de um contexto, pós-segunda guerra
mundial, que ficou marcado na história com atrocidades e atos discriminatórios,
que levaram alguns líderes mundiais, no ano de 1945, a elaborarem um guia,
que trouxesse a perspectiva da garantia dos direitos de todas as pessoas e em
todos os lugares do mundo. Tais contribuições foram detalhadas pela
Declaração Universal dos Direitos Humanos, o que trouxe significados
importantes quanto aos direitos da liberdade, da igualdade, proibindo toda forma
de discriminação e partindo em defesa da justiça social, quando 50 países
participaram na elaboração da redação, e o documento foi apresentado em
setembro de 1948 (BRASIL, 2009).
Para que esse segmento social tenha maior amplitude na efetivação
dos direitos e na sua efetividade, é preciso que a sociedade em geral entenda o
que significa o termo pessoa com deficiência e reconheça sua história. Nesse
sentido, Maciel (2000) nos contribui que a falta de conhecimento da sociedade
com relação ao termo “pessoa com deficiência”, faz com que a mesma seja
entendida como uma pessoa que possui doença crônica, um peso ou um
problema. O estigma da deficiência é grave, transforma pessoas cegas, surdas
26
e com deficiências mentais ou físicas em seres incapazes, indefesos, sem
direitos, sempre deixados em segundo plano, principalmente nas agendas
governamentais.
Na perspectiva de desmistificar o preconceito e a discriminação que
perpassa nas relações sociais, quanto ao conceito de pessoa com deficiência,
enfatiza-se as ações da Convenção Internacional da Organização das Nações
Unidas (2007), que no Brasil se tornou Decreto em 2009, trazendo alguns
destaques acerca dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Dentre eles:
[...] pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os
quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições
com as demais pessoas. (BRASIL, 2007p. 27).
A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da
Organização das Nações Unidas teve seu Protocolo Facultativo assinado pelo
Brasil em 2009, transformando-se no Decreto 6.949, de 25 de Agosto do mesmo
ano. Esse documento nos traz a avaliação de que a desvantagem não
corresponde a estrutura do corpo, mas é fruto de um processo cultural, arraigado
a atitudes e práticas que discriminam o corpo por não apresentar características
que condizem com o que o modelo médico propõem como normal.
Ao problematizar esse estudo, bem como aos determinantes
remetidos à pessoa com deficiência e mobilidade reduzida, uma das principais
questões que tem sido colocada na ordem do dia se refere ao acesso ao
mercado de trabalho. Uma vez que no histórico de luta desse público, observase o processo de exclusão social, ao refletirmos o mercado de trabalho, que na
dinâmica do capitalismo neoliberal expressa se excludente por natureza, os
desafios são ainda maiores.
Arendt (2010) destaca que o trabalho é um
processo histórico, que perpassa todo contexto da Revolução Industrial, sendo
responsável para assegurar a vida da espécie em sociedade. Além de ser
caracterizado por um processo biológico do corpo, que supre as necessidades
vitais para sobrevivência humana, na sociedade moderna esse se expressa
27
como um meio a possibilitar a relação entre o homem, a natureza e o produto
dessa relação que se constitui como a finalidade do trabalho.
É importante ressaltar que a função primaria do trabalho, que visava
usufruir dos recursos naturais para garantir a sobrevivência foi apropriada pelo
modo de produção capitalista como estratégia de ampliação de lucros. Ou seja,
o homem deixou de produzir apenas para sobrevivência e passou a buscar
meios de acumulação de capital e obtenção de poder. Para este fim, a espécie
humana utilizou-se da expropriação da mão de obra das pessoas que por não
possuírem os meios de produção, apresentavam a venda da sua força de
trabalho para manterem-se vivas (MARX, 1985 apud COLMÀN; POLA, 2009).
Partindo desse conceito, podemos identificar o motivo das pessoas
com deficiência, desde o Período Colonial, no Brasil, serem vistas como
indigentes. Fica evidente que o trabalho é uma necessidade vital para
sobrevivência e, diante disso, para o modelo de produção capitalista quem não
está inserido no mercado de trabalho, portanto, não é agregado de valor. E
muitas vezes, passa pelo processo exclusão, propiciado pelo fato de não atender
aos critérios estabelecidos pela evolução industrial e tecnológica.
Ao problematizar questões que envolvem o mundo do trabalho e
inserção das pessoas com deficiência, entra em destaque o raciocínio de que as
pessoas com deficiência eram consideradas incapazes para o mercado de
trabalho, uma vez que eram vistas como fracas, incapazes e lentas, quando de
repente elas passam a ser requisitadas (SOUZA; KAMIMURA, 2010). Ou seja,
mesmo nesse processo “inclusivo” o que antecede à essa reflexão é que ocorre
ainda uma seleção de quais os tipos de deficiência serão incluídas, uma vez que
ao não corresponder os parâmetro das exigências da produção, são
"naturalmente" discriminados e demitidos por evidenciarem explicitamente as
contradições do sistema, desvendando sua inserção forçada e submetidas aos
interesses antagônicos do capital.
Além da exclusão do mundo do trabalho, Maciel (2000) nos aponta
que nos estados e municípios não existe uma política efetiva de inclusão social
que viabilize planos integrados de urbanização e de acessibilidade, garantindo
28
ainda a inclusão das áreas de saúde, educação, esporte, cultura e
estabelecendo metas e ações, convergindo para a obtenção de um mesmo
objetivo. A perspectiva nesse contexto é a de resguardar o direito das pessoas
com deficiência, tendo como meta o princípio fundamental da sociedade
inclusiva onde todas as pessoas com deficiência devem ter suas necessidades
atendidas, levando ao entendimento de que através do respeito às diversidades,
as políticas públicas serão pensadas para todos.
Para que se promova uma sociedade mais inclusiva, é preciso que as
leis sejam respeitadas, começando pelo cumprimento do Artigo 7º da
Constituição Federal de 1988, que estabelece a proibição de qualquer tipo de
discriminação no que se refere ao salário e critérios de admissão do trabalhador
com deficiência, uma vez que o mesmo deva ser tratado como o detentor dos
mesmos direitos em sociedade. (Brasil, 1988).
Muito embora se assevere tal concepção de legalidade constitucional,
não é o que presenciamos quando nos deparamos com os dados da
Organização Internacional do Trabalho. Esses dados, publicados em (2003) nos
expressam índices alarmantes, que retratam que 80% (oitenta por cento) das
pessoas com deficiência nos países em desenvolvimento, se encontram em
situação de desemprego, além de descrever que deste percentual 20% (vinte
por cento), permanecem em empregos precários ou subempregos. (SASSAKI,
2004).
Ainda que tenhamos avanços legais para este público não podemos
cair no engodo de que simplesmente pela legislação teremos efetivados os
direitos conquistados. Esses direitos são suprimidos e antecipados pelo
capitalismo neoliberal, na tendência de imprimir aos direitos e conquistas sociais
nomenclaturas como o conceito de “benefícios”. Nesse sentido, são inúmeros os
desafios postos ao movimento democrático brasileiro no processo de construir e
consolidar políticas públicas a fim de garantir direitos de cidadania.
Considerações finais
29
Considerando as reflexões ora apresentadas, constituintes de um
Trabalho de Conclusão de Curso em andamento, nossa pretensão nesse artigo
foi de contribuir ao debate da categoria profissional dos assistentes sociais,
quando atuam diretamente e indiretamente com a temática. Partindo do que foi
exposto, destacam-se os grandes desafios da pessoa com deficiência na
efetivação de seus direitos, quando os mesmos ainda são desrespeitados.
Dentre tais desafios destacam-se os aspectos das ações governamentais e da
sociedade civil, quando estas ainda são incipientes e conservadoras na
formulação de políticas públicas voltadas para a minoria.
O processo de rejeição à pessoa com deficiência é histórico,
entretanto, tem se perpetuado até os dias atuais, caracterizando que a sociedade
em diferentes contextos, tem realizado um processo de seleção que chega ao
ponto de determinar quem vive em sociedade ou quem morre até mesmo
indigente. O que nos chama ainda mais a atenção nesse sentido é quando
associamos tal seleção humana, ainda que racional, aos próprios animais que a
procede por instinto.
As formas históricas de banimento desse segmento do convívio
social, como exemplo, remetendo-as aos atendimentos exclusivos de sanatórios,
das APAES, além de excluí-las do mercado de trabalho expressam o real
conservadorismo histórico presente na concepção de nossa sociedade. Na
atualidade, associamos que tais desrespeitos ocorrem de forma não apenas
velada, mas, determinadas pelas relações de poder. Muito embora os avanços
legais, as ações dos órgãos de defesa de direitos tornam-se omissas, quando o
próprio Ministério Público, que deveria se mobilizar na perspectiva da defesa de
direitos, de forma branda e discreta, deixa de aplicar as exigências e dispositivos
constitucionais aos órgãos públicos governantas e não governamentais que não
cumprem e desrespeitam a legislação.
REFERÊNCIAS
30
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deficiência: utopia ou possibilidade? São Paulo: Paulus, 2006.
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm.
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Político das Pessoas com Deficiência no Brasil. - Brasília: Secretaria de
Direitos Humanos. Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa
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Inclusão. Revista Nacional de Reabilitação, julho/agosto de 2004.
SILVA, Otto Marques da A Epopeia Ignorada A Pessoa Deficiente na História
do Mundo de Ontem e de Hoje. São Paulo--CEDAS, 1987
SOUZA, Maria Rúbia de.; KAMIMURA, Ana Lúcia Martins. Pessoas com
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2010.
Disponível
em:
http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=MSC00000001
12010000100024&lng=en&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 15 Sep. De 2015.
A ATUAÇÃO DO(A) ASSISTENTE SOCIAL EM PROCESSOS
DE ALIMENTOS: apontamentos da prática profissional.
31
Silvia Godarth Correia
Silvana de Andrade Toledo
Vanessa Dorada Mikoski
RESUMO
O presente estudo tem por objetivo apresentar o trabalho e a atuação do
(a) Assistente Social nos processos de alimentos do Núcleo Integrado de Apoio
Psicossocial (NIAP) das Varas de Família de Curitiba. O trabalho contemplará a
contextualização do espaço sócio ocupacional, do Serviço Social sócio jurídico
e uma breve abordagem acerca da atuação cotidiana dos(as) profissionais.
Ainda, serão apresentados os dados dos atendimentos realizados no primeiro
semestre de 2015 no NIAP e a legislação pertinente à pensão alimentícia. O
artigo também versará sobre a importância do trabalho do(a) Assistente Social e
os instrumentais utilizados neste campo.
Palavras-chave: Serviço Social Sócio Jurídico; Pensão alimentícia; Varas
de Família.
O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná está dividido em primeiro e
segundo grau de Jurisdição, sendo o primeiro grau o qual atende diretamente à
população e o segundo grau, que atua como instância recursal. Ainda, o primeiro
grau, é composto, atualmente, por 151 comarcas23, nas quais estão inseridos(as)
a grande maioria dos(as) Assistentes Sociais.
O campo (ou sistema) sócio jurídico diz respeito ao conjunto de áreas em
que a ação do Serviço Social articula-se a ações de natureza jurídica, como o
sistema judiciário, sistema penitenciário, o sistema de segurança, os sistemas
de proteção e acolhimento como abrigos, internatos, conselhos de direitos, entre
outros (Fávero, 2010, p. 10).
23
De acordo com dados do Ministério Público do Estado do Paraná. Disponível em
<http://www.planejamento.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=2213>
Acesso em 18 ago 2015.
32
A atuação profissional do(a) Assistente Social no judiciário paranaense,
atualmente, se dá em varas de família, infância e juventude, violência doméstica,
juizados especiais, tribunal do júri, vara de execuções penais, vara de medidas
e penas alternativas, violência contra a criança, adolescente e idoso e
adolescente em conflito com a lei.
A equipe interdisciplinar24, que atua no Poder Judiciário, trabalha de forma
a produzir relatórios, laudos e pareceres com o intuito de subsidiar a decisão
judicial. Para produzir o referido documento legal, os(as) profissionais de Serviço
Social dispõem de diversos instrumentos e instrumentais técnico-operativos.
Especificamente acerca das Varas de Família, a equipe atua em ações de
divórcio, separação judicial, reconhecimento e dissolução de união estável,
investigação de paternidade, negatória de paternidade, medida cautelar de
busca e apreensão, tutela, curatela, interdição e, principalmente, guarda e
responsabilidade, regulamentação de visitas e alimentos. Nessas ações
priorizam-se
fundamentalmente
as questões pertinentes à
infância
e
adolescência.
Ainda que a gama de possibilidades de intervenção nas áreas
supracitadas seja vasta, a possibilidade de aproximação com os(as) usuários(as)
atendidos(as), de uma forma geral, é deveras limitada, vez que a atuação
profissional nas varas de família é, na maioria das vezes, pontual e limita-se a
um determinado quadrante histórico, cujo objetivo é responder ao despacho
judicial25. Segundo Barison (2008, p. 58), a profissão de Serviço Social
está inscrita na divisão social e técnica do trabalho, ou seja, no
bojo das relações sociais são construídas necessidades e expectativas
de que determinadas intervenções sejam realizadas por este
profissional. Planejando, gerenciando e/ou executando políticas
sociais, públicas ou privadas, ou ainda, assessorando outros
24
As equipes interdisciplinares deveriam ser dotadas de Assistente Social e Psicólogo/a,
contudo, em diversas comarcas, há apenas um ou outro profissional.
25 Os despachos constituem ato do juiz, juntamente com as decisões interlocutórias e as
sentenças. De acordo com o artigo 162, § 3º, do Código de Processo Civil, "são despachos todos
os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo
respeito a lei não estabelece outra forma". Note-se que os despachos de mero expediente são
aqueles que não têm nenhum conteúdo decisório e, por isso, não provocam prejuízos para as
partes. Tem como finalidade primordial impulsionar o processo e impedir eventuais vícios ou
irregularidades. Disponível em <http://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/868/Despacho>.
Acesso em 24 de agosto de 2015.
33
profissionais através da elaboração de laudos e pareceres, o assistente
social se aproxima do mundo real. É neste contexto que são
apresentadas a demanda de trabalho para o assistente social.
O Núcleo Integrado de Apoio Psicossocial das Varas de Família – NIAP foi implantado no Fórum da Família, da Criança e do Adolescente do Foro
Central – Comarca da Região Metropolitana de Curitiba em novembro de 2012,
constituindo-se de uma equipe técnica multidisciplinar composta atualmente por
quatro assistentes sociais e doze psicólogos, sendo que uma assistente social
passou a responder como coordenadora do setor no final do mês de abril deste
ano, responsabilizando-se pela distribuição interna dos atendimentos a serem
realizados, além de outras atividades administrativas pertinentes à função.
No primeiro semestre de 2015, foram distribuídos 978 processos para os
profissionais de psicologia, 369 processos para os(as) profissionais de Serviço
Social e 48 processos para a profissional que atua como coordenadora do setor,
totalizando 1.395 processos.
Analisando de forma mais específica a demanda de trabalho apresentada
para os(as) profissionais de Serviço Social no período mencionado foram
concluídos nesse período um total de 323 processos, referente as seguintes
ações:
Quantidade de Processos concluídos 1º Semestre 2015 – Serviço Social
Processos
Alimentos
N.º
256
Porcentagem
79,26%
34
Alimentos/Visita
09
2,79%
Alimentos/Guarda
41
12,69%
Guarda
13
4,02%
Interdição
04
1,24%
Total
323
100%
Fonte: Tabela criada pelas autoras, 2015.
De acordo com os dados apresentados, afere-se que a quantidade de
ações específicas de Alimentos é em porcentagem superior as demais, seguida
das ações de Alimentos cumulada com Guarda; Guarda; Alimentos cumulada
com Regulamentação de Visitas e Tutela. Importante salientar que os processos
de pensão alimentícia, envolvem: oferta, fixação, revisão e exoneração de
alimentos.
O gráfico abaixo indica que, ao se considerar a porcentagem de ações de
alimentos incluindo as que estão cumuladas com guarda ou regulamentação de
visitas, atinge-se a marca de 94,74% dos casos atendidos.
Processos
Alimentos; Alimentos c/c Guarda e Regulamentação de Visitas
Guarda
Interdição
Fonte: Gráfico criado pelas autoras, 2015.
Frente ao exposto, avalia-se que o número elevado de solicitações de
estudos sociais pelos magistrados nas ações de alimentos tem sido uma prática
recorrente nas Varas de Família de Curitiba, concomitantemente com a
especificação de outras provas, tais como: documental, oitiva de testemunhas,
depoimentos, etc.
35
Deste modo, faz-se mister apontar a legislação vigente em relação a esta
temática.
A ação de alimentos é regulamentada pela lei 5478, de 25 de julho de
1968, pelo Código Civil de 2002 e pela Constituição Federal de 1988.
A pensão alimentícia “é a quantia fixada pelo juiz a ser atendida pelo
responsável para manutenção dos filhos e/ou do outro cônjuge” (SIDOU, 1999,
s/p). O dever de oferecer alimentos compete à família, ou seja, aos pais, e na
ausência de um deles, pode ser suprida por outros familiares mais próximos,
como tios ou avós. Destarte, conforme preconizado no artigo 1696 do Código
Civil de 2002, “o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos,
e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos
em grau, uns em falta de outros”. Ademais, o art. 1697 elucida que “na falta dos
ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de
sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais”.
Tem direito a receber a pensão alimentícia o(a) filho(a), ex-cônjuge, excompanheiro(a) de união estável e pais, desde que comprovada a necessidade
de quem solicita (SILVA, s/a), ou seja, daqueles que não tem condições de
prover a própria subsistência através do seu trabalho.
Conforme o §1º do art. 1694 do Código Civil de 2002, “os alimentos devem
ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da
pessoa obrigada”. Assim, a fixação dos alimentos deve se pautar no binômio
necessidade X possibilidade. Em suma, trata-se do “equilíbrio econômico que
deve haver entre credor e prestador de alimentos, ao preceituar em quais
circunstâncias o necessitado pode pleitear e, em quais limites se fixam os
alimentos, para quem os deve”. (SANT´ANA, s/n, s/p)
Os casos atendidos pelos(as) profissionais do NIAP envolvem, em sua
maioria, a fixação de alimentos em favor dos(as) filhos(as). “O cônjuge que
mantém a guarda do filho, seja ele pai ou mãe, tem o direito de requerer pensão
para suprir as necessidades plenas da criança. Solicitando, em juízo ou não, que
o ex-companheiro colabore com os gastos de alimentação, educação, saúde,
entre outros” (LOCH, s/a, s/p).
36
O poder familiar dos pais extingue-se com a maioridade civil dos(as)
filhos(as), conforme consta no artigo 1635, inciso III, Código Civil. Entretanto,
esta circunstância não significa que cesse a responsabilidade dos pais em prover
a subsistência destes, uma vez que, não há limitação de idade estipulada em lei.
Contudo, em consonância com o entendimento jurisprudencial, a pensão
alimentícia pode permanecer fixada até o(a) alimentado(a) completar 24 anos de
idade ou concluir o ensino superior. Ainda, deve-se considerar os casos em que
os(as) alimentados(as) são acometidos de doenças incapacitantes e não
apresentam possibilidades para realizar atividades laborativas e suprir a própria
subsistência. Destaca-se, todavia, que a pensão alimentícia não é interrompida
automaticamente e o(a) alimentante deverá ajuizar ação de exoneração de
alimentos.
O estudo acerca da situação socioeconômica do(a) usuário(a), neste
espaço sócio ocupacional, para fins de subsídio à decisão judicial, compete ao(a)
profissional Assistente Social, devido ao contido na Lei de Regulamentação da
Profissão, 8662/93, Art. 4, XI: “Constituem competências do Assistente Social:
(...) realizar estudos socioeconômicos com os usuários para fins de benefícios e
serviços sociais juntos a órgãos da administração pública, direta ou indireta e
outras entidades”.
Os instrumentais técnico-operativos mais utilizados para a produção do
parecer social são: entrevistas, visitas domiciliares, contatos interinstitucionais
(escolas, conselhos tutelares, unidades de saúde, CRAS, CREAS, NUCRIA,
etc), escuta qualificada, estudo dos autos e observações.
O objetivo do estudo social, nos processos de alimentos, é realizar
sucessivas aproximações com a realidade social em que as partes estão
inseridas, tendo como foco da investigação a dinâmica do ex-casal, as
habilidades parentais, as necessidades sociais e desenvolvimentais das
crianças e adolescentes em questão. Além disso, o estudo pode abranger a
avaliação da família extensa, bem como as relações com as redes sociais e
comunitárias.
37
Deste modo, deverá contemplar as seguintes questões: Avaliação da
condição socioeconômica das partes; Levantamento da necessidade material da
criança e do adolescente; Desvelamento das relações de trabalho, comunidade
e território; Inserção em projetos ou programas sociais; Histórico de saúde,
educação, transporte e saneamento; Planejamentos e expectativas futuras.
A guisa de considerações finais, entende-se que o trabalho do(a)
Assistente Social nas demandas de alimentos, necessitam de objetivos claros e
seleção de procedimentos e técnicas adequados à produção de resultados
imparciais e com embasamentos ético-políticos, teórico-metodológicos e
técnico-operativos, bem como deve ser consoante com o projeto ético-político
da profissão.
O elevado número de processos de alimentos demandados aos(as)
Assistentes Sociais do NIAP demonstram a importância da atuação
destes(estas) profissionais, especialmente nos casos em que as provas
constantes nos autos revelam-se como insuficientes.
Outrossim, a atuação do(a) Assistente Social nas Varas de Família deve
levar em conta a complexidade das relações familiares e sociais, abordando
esse sujeito nas diversas relações em que está inserido.
Referências:
BARISON, Monica Santos. O trabalho do Assistente Social no
Judiciário: a realização do estudo social e a elaboração do parecer técnico.
Cadernos
Unifoa,
edição
nº
5,
dezembro/2007.
Disponível
em:
<http://web.unifoa.edu.br/cadernos/edicao/06/49.pdf>. Acesso em 11 set 2015.
FÁVERO, Eunice Terezinha. O estudo social: fundamentos e
particularidades de sua construção na área judiciária. In BRASIL. CFESS (org).
O estudo social em perícias laudos e pareceres técnicos: contribuição ao
debate no judiciário, penitenciário e na previdência social. 9 ª ed. São Paulo:
Cortez, 2010.
LOCH, Ralf Eduardo. Direito e justiça: mitos e verdade sobre pensão
alimentícia. Disponível em < http://taboaoemfoco.com.br/direito-e-justica-mitose-verdades-sobre-pensao-alimenticia/> Acesso em 22 set 2015.
38
SANT´ANA, Adelson. Cursos gratuitos online: Direito de família – Direito
a
alimentos
módulo
II.
Disponível
em
<http://www.jurisway.org.br/v2/cursoonline.asp?id_curso=1150&pagina=5.>
Acesso em 19 set 2015.
SIDOU, J. M. Othon. Dicionário Jurídico da Academia Brasileira de
Letras Jurídicas. 5ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. ISBN
85-218-0357-5.
SILVA, Regina Beatriz Tavares. Pensão alimentícia: o que é? Quem tem
direito
de
receber?
Disponível
em
<http://www.reginabeatriz.com.br/escritorio/noticias/noticia.aspx?id=280>
Acesso em 22 set 2015
OS PROFISSIONAIS DE SERVIÇO SOCIAL DA PUC/PR NA INSERÇÃO DO
MUNDO DO TRABALHO
Márcia Terezinha de Oliveira
Camila Loraynne Cordeiro
Guilherme Coelho do Amaral
Natália de Lima Oliveira
RESUMO
O artigo apresenta parte da pesquisa que está sendo desenvolvida sobre a
inserção profissional dos egressos do curso de Serviço Social na PUCPR
compreendendo o período de 2004 à 2014. A problematização está no processo
de trabalho e na inserção profissional, buscando desvelar as competências que
a formação profissional proporcionou bem como as contradições vivenciadas no
exercício profissional. O estudo intenciona conhecer e analisar os diferentes
modos de inserção dos profissionais no mundo do trabalho. A relevância da
pesquisa está na necessidade de dar continuidade ao mapeamento dos
39
egressos, visando o aprofundamento de questões de formação e de exercício
profissional que possibilitem aperfeiçoar a qualificação desses profissionais
como também estabelecer estratégias de enfrentamento ao processo de
exploração capitalista.
PALAVRAS-CHAVE: trabalho, universidade, formação profissional e exercício
profissional,
1. IINTRODUÇÃO
O artigo aqui apresentando, trata-se de projeto de pesquisa em
andamento, que se caracteriza como segunda aproximação de estudo anterior
intitulado “O processo de inserção profissional dos ex-alunos do curso de Serviço
Social da PUCPR em diferentes espaços sócio ocupacionais”, realizada por
docente e estudantes do curso de Serviço Social da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná em 2004.
O primeiro estudo efetuou o mapeamento dos egressos do curso de
Serviço Social da PUCPR durante os anos de 1993 a 2003. Nesta primeira
aproximação, constatou-se que 453 (quatrocentos e cinquenta e três) estudantes
graduaram-se no período de 10 (dez) anos nesta universidade, ampliando
consideravelmente o corpo profissional de assistentes sociais no Paraná.
A primeira aproximação verificou que 83,08 dos participantes trabalhavam
na área e 16,92 não trabalhavam. No que se refere ao tempo para o ingresso no
mercado de trabalho constatou-se que a média foi de aproximadamente 01(um)
ano. Um dado que chamou a atenção no estudo foi que 66,15 dos profissionais
não haviam participado de nenhum concurso no decorrer de 10 anos, vale
lembrar do período do governo neoliberal que esteve à frente do Estado.
Outra informação significativa é de que 89,23 não fizeram curso de
extensão como forma de atualização profissional, acredita-se que seja pelo fato
da inexistência de oferta de cursos desta natureza pelas unidades de ensino,
que nos últimos anos tem investido na área de especialização e no stricto sensu.
Com relação a faixa salarial detectou-se que 46,16% dos profissionais recebem
de 05 a 06 salários mínimos.
40
Com relação a participação política o dado evidenciado é preocupante
visto que 73,85% não se inserem em atividades desta natureza, ou seja não
estão inclusos em conselhos gestores de políticas públicas, de ações de
organização da categoria e outros.
No que tange as áreas de atuação que absorveram os profissionais se
constatou, nos resultados da pesquisa, que 26,15% dos egressos foram para a
área da Assistência Social. Na área da Educação foram 4,62%. Na Saúde o
percentual foi de 6,15%, e na Saúde/ Hospitalar 13,85%. Na área
Organizacional/ Empresarial foram contratados 6,15%. Na área da Criança e
Adolescente o percentual foi de 9,23%. No Terceiro Setor foram 1,54%. Na área
de Meio Ambiente teve o percentual de 3,08%. Em outras áreas 6,15% e os que
não foram para nenhuma área de atuação 23,08%.
A fim de dar continuidade à pesquisa anterior, transpondo-a para a
década de 2004 a 2014, este projeto se compromete com a investigação e a
contribuição em torno do debate sobre as formas de inserção profissional do
Serviço Social, em suas distintas áreas de atuação.
Ressalta-se que são incipientes estudos desta natureza voltados para os
egressos de diferentes Cursos de Graduação de Serviço Social no contexto
brasileiro como de outros cursos na PUCPR, o que dificulta e limita as
coordenações de cursos possuírem uma visão real e clara do perfil dos
profissionais que estão formando e como ingressam no mundo do trabalho,
sendo que para debater e atualizar matrizes curriculares se faz necessário este
conhecimento e não somente o perfil do que queremos atingir.
Deste modo estabelecemos como objetivos: conhecer e analisar as
particularidades do processo de inserção profissional dos egressos do Curso
de Serviço Social da PUCPR, visando também contribuir para o adensamento
e desvelamento do debate teórico sobre o processo de trabalho do Serviço
Social junto a formação e ao exercício profissional. Como objetivos específicos
temos:

Atualizar o mapeamento da inserção profissional dos egressos do Curso
de Serviço Social da PUCPR em diferentes setores nos últimos 10 anos;
41

Identificar e analisar os diferentes modos de inserção dos egressos do
Serviço Social no mercado de trabalho;

Descrever o significado para os egressos da formação continuada como
a realização de cursos de atualização profissional, Lato Sensu e Stricto
Sensu;

Avaliar as situações de vulnerabilidade ou de precarização do trabalho em
que se submetem ou que aderem, os egressos;

Verificar a proporção de egressos que assumiram ativamente uma
participação política e ética junto aos órgãos da categoria, bem como junto
ao fortalecimento das políticas públicas
Os caminhos metodológicos adotados na execução da pesquisa, são de
natureza qualitativa, o universo da pesquisa é de 457 egressos e uma
amostragem, de caráter intencional, em virtude da determinação do recorte
cronológico estabelecido para o estudo, contudo em um segundo momento da
pesquisa utilizar-se a amostra não probabilística utilizada quando o
pesquisador quer obter a opinião de certas pessoas, não necessariamente
representativas do universo todo, mas de parte dele.
A pesquisa também é de caráter documental com fontes primarias e
secundários. O estudo está sendo subsidiado por meio de pesquisa
bibliográfica, visando aprofundamento teórico necessário a compreensão de
categorias relacionadas ao processo de formação, exercício profissional e do
mundo do trabalho.
A coleta de dados está sendo efetuada por questionário eletrônico para
o universo da pesquisa, como também fará uso de grupos focais, sendo que
serão selecionados para os grupos focais cerca de 05 (cinco) profissionais de
cada turma que se formou no período pesquisado. Para análise dos dados será
utilizada a análise de conteúdo, cujo método oportunizará identificar o objeto de
pesquisa através de: organização dos dados, categorização, inferência e
interpretação dos mesmos, visando a extrair a riqueza do material coletado
com ênfase nos dados qualitativos.
42
2. FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL
Ao analisar as mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais que
vêm ocorrendo ao longo do século XXI no Brasil, é importante destacar a
transição político-ideológica que o país atravessou em meados dos anos 2000.
Tal mudança configurou a tentativa de uma nova ótica de governo, com bases
democráticas e populares e com ênfase interventiva no que tange à proteção
social, fator que acarretou na elaboração e ampliação de políticas públicas.
Nesta contextualização temos que dimensionar o processo de formação
profissional do Serviço Social ocorrido no decorrer da década pesquisada,
considerando a implantação das Diretrizes Curriculares da Associação Brasileira
de Ensino e Pesquisa em Serviço Social/ABEPSS concluída em 2000, que
estabeleceu novos princípios e normativas voltadas para a formação sócio
histórica- crítica com base no Marxismo, rompendo com o paradigma de cunho
conservador na área do Serviço Social. Essa perspectiva sócia histórica- crítica
foi devidamente aprovada no ano de 2001 pelo Ministério de Educação/MEC, o
qual estabeleceu prazos de inserção do Currículo Mínimo nos cursos de Serviço
Social, em todo território nacional.
Concomitantemente a esse contexto já ocorria na PUCPR um
reordenamento institucional que determinou a revisão de todas as matrizes
curriculares das graduações. Isso contribuiu significativamente para o Serviço
Social agilizar e implantar as Diretrizes Curriculares exigidas pela ABEPSS e
MEC. Como também a sua constante atualização sendo a última ocorrida em
2013.
A partir dessa configuração o processo de formação profissional passou
por uma resignificação teórica-metodológica e ética dos profissionais formados
na PUCPR, alinhando com uma perspectiva voltada para a investigação e
intervenção crítica visando o enfrentamento e a superação de diferentes
manifestações e expressões da questão social, a qual se tornou matéria prima
de atuação profissional.
Outro aspecto ressaltado e extremamente preocupante é a intensidade
que a precarização do mundo do trabalho tem atingido diferentes
43
trabalhadores, entre eles os profissionais de serviço social, os quais tem se
submetido a baixos salários, péssimas condições de trabalho sendo que em
algumas organizações tem promovido desvio de funções. Além disso, como
agravante é o acesso ao trabalho por meio de licitações públicas cujos salários
são muito baixos, visto que os profissionais contratados são aqueles que
propõem os menores salários.
A graduação profissional da PUCPR tem proporcionado uma formação
profissional cujas competências e qualificações vem assegurando melhores
condições de inserção do mundo do trabalho?
O campo de investigação do tema possibilita o aprofundamento sobre o
debate
da formação
profissional no aspecto
ético-político,
teórico-
metodológico e técnico-operativo. São essas as três dimensões da profissão
são fundamentais para sedimentar o projeto profissional. Segundo Iamamoto
(2011, p. 224),
Esse projeto profissional é fruto da organização social da
categoria e de sua qualificação teórica e política,
construído no embate entre distintos projetos de sociedade
que se refratam no seu interior. Eles redundam em
diferenciadas perspectivas de leitura do significado social
do Serviço Social, que reverberam na condução e
operacionalização do trabalho profissional.
3. A QUESTÃO DA CATEGORIA TRABALHO
A centralidade da categoria trabalho já estava presente na profissão nas
discussões de 1982, visto os estudos sobre o processo capitalista de trabalho,
seus elementos materiais e subjetivos, meios, objeto de trabalho, o que é
atividade do trabalho, suas formas mais comuns, suas particularidades na
sociedade capitalista.
Atualmente o debate sobre a categoria trabalho mantém lastro e
amplitude visto que conseguimos apreender a realidade capitalista, o caráter
contraditório do serviço social indissociável das relações de produção e com
44
o Estado, como se efetiva o antagonismo entre as classes, o movimento do
capital que cria e recria a mais valias, esta perspectiva de análise permitiu o
rompimento
com
os
fundamentos
conservadores
e
deterministas
possibilitando a aproximação do Serviço Social com o marxismo.
O trabalho é considerado categoria fundante do mundo dos homens,
porque é a partir dele que “o homem domina a natureza e demonstra a sua
atividade criadora, a sua habilidade de persistência na satisfação de suas
necessidades” (Simionatto, 1999: 10).
Cabe aqui salientar, a substituição crescente da força de trabalho humana
pelo aparato tecnológico, terceirização de grandes parcelas de produção para
pequenas empresas, ajustes econômicos exigidos pelo capital internacional
aos estados nacionais, o que resultou num impacto recessivo com crescente
desemprego,
articulado
ao
enfraquecimento
dos
movimentos
dos
trabalhadores que, ao longo dos anos, integraram-se à racionalidade funcional
da ordem capitalista.
Estas rearticulações do capital, transnacionalizado, impuseram um novo
contingente no processo de acumulação do capital e sua reprodução,
confrontando-se
com
o
estado
regulacionista
e
com
os
pactos
democratizadores de proteção social, pois, suas novas formas de acumulação
em seu estágio mais “avançado” revertem em precarização e banalização do
próprio trabalho. A empresa já não tem vínculo formal com seus
trabalhadores, cabendo a estes a satisfação de suas necessidades no
mercado.
Diante do acima exposto, desmonta-se gradativamente todo o aparato de
garantias burocrático-jurídicas sob as quais o estado nacional foi constituindose, conquistadas como garantias à força de trabalho ao longo dos anos, sendo
que a nova configuração do mundo do trabalho tende a rebaixar as conquistas
políticas de proteção social aos trabalhadores.
O capitalismo mundial implementou um vastíssimo processo de
reestruturação, auxiliado pelo incremento tecnológico e informacional,
45
enfraquecimento dos movimentos operários, desmantelamento do bloco
soviético, predominando assim o modelo globalizante do capital.
O projeto político-econômico e social adotado pelos últimos governos
brasileiros até então, demonstra claramente a subordinação da ação política
estatal aos acordos firmados com os organismos do capitalismo internacional,
com as privatizações de empresas públicas de serviços essenciais, política de
redução de gastos públicos, principalmente nas políticas sociais, concessão
dos serviços públicos à exploração privada e sucateamento do aparato
burocrático-jurídico estatal.
É certo que o declínio do emprego e dos salários hoje, está na sociedade
global, criando novas e polarizantes forma de desigualdade, como constatase na Europa e em outros continentes.
A algum tempo é utilizado o conceito de empregabilidade que representa
uma nova tradução da teoria do capital humano sob, o capitalismo global – a
educação ou aquisição (consumo) de novos saberes, competências e
credenciais que habilitam apenas o indivíduo (ALVES, 2001) para a
competição num mercado cada vez mais restrito, não garantindo sua inclusão.
Enfim, a mera posse de novas qualificações não garante ao indivíduo um
emprego no mundo trabalho. Trata-se apenas de mais um aparato capitalista
de fundo ideológico, e de uma lógica perversa que coloca a responsabilidade
da empregabilidade apenas no indivíduo.
4. ANÁLISE
Considerando que a pesquisa está em desenvolvimento, podemos
apresentar alguns dados selecionados em caráter preliminar visto que obtevese como retorno até aqui, de 5% por cento dos questionários eletrônicos.
46
47
Com relação aos dados preliminares obtidos, verificamos que a
predomina a área de atuação da Política de Assistência Social, como na
pesquisa anterior. A questão da renda demonstra ainda a precarização nos
rendimentos salariais da classe trabalhadora.
No entanto o que é mais preocupante a partir das descobertas até o
momento é a informação de que 71,4% não participam de movimentos de lutas
junto a órgãos da categoria, como também de fortalecimento das políticas
públicas, demonstrado que aspecto deverá ser aprofundado no
prosseguimento da pesquisa por meio dos grupos focais.
5. CONCLUSÃO
Como considerações apreendidas até o momento, visto que a pesquisa
ainda não foi concluída, buscaremos sinalizar algumas aproximações iniciais,
como a oportunidade que estudo está possibilitando no aprofundamento do
processo de formação profissional do Serviço Social, como também refletir
sobre o exercício profissional no atual mundo do trabalho.
Tem sido um convívio de aprendizado entre os participantes
responsáveis pela pesquisa, seja no âmbito teórico, como também nas
descobertas tecnológicas para uso de pesquisas no campo social.
Por último os primeiros dados que chegaram até nós, nos
surpreenderam mesmo que estejam ainda em um patamar inicial, como o
48
tempo de inserção dos participantes na área profissional que não ultrapassou
mais que um ano, e de modo significativo a maioria respondeu 03 a 04 meses.
6. REFERÊNCIAS
ALVES, Giovanni. O novo e precário mundo do trabalho. Boitempo
Editorial, São Paulo,2000.
ANTUNES, R. Os Sentidos do Trabalho – ensaio sobre a afirmação e a
negação do trabalho. Boitempo Editorial, São Paulo, 1999.
BRENNER, R. A Crise Emergente do Capitalismo Mundial: do
Neoliberalismo à Depressão? IN: Outubro, nº 03, Xamã, São Paulo, 1999.
DRAIBE, S. As Políticas Sociais e o Neoliberalismo. IN: Revista da USP,
nº 167, São Paulo, 1993.
HARVEY,D. A Condição Pós-Moderna. 5ª ed., Edições Loyola, São
Paulo,1992.
IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na Contemporaneidade – Trabalho
e Formação Profissional, 2ª ed., Cortez, São Paulo, 1999.
__________ . Produção e Emprego: renascer das cinzas. IN:
NETTO, J.P. Transformações Societárias – Notas para uma análise
prospectiva e perspectiva da profissão no Brasil. Revista Serviço Social &
Sociedade, n.º 50, São Paulo, 1996.
SIMIONATTO, I. Crise, Reforma do Estado e as Políticas Públicas:
Implicações para a Sociedade Civil e a Profissão. Internet.
SERRA, R.M.S. (org.) O Serviço Social e seus Empregadores – O
Mercado de Trabalho nos Órgãos Públicos, Empresas e Entidades sem Fins
Lucrativos no Estado do Rio de Janeiro, UERJ/FSS, Rio de Janeiro, 1998.
49
DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR À LUZ DA QUESTÃO SOCIAL
Ana Margarida Linhares Soares26
Izabel Herika Gomes Matias Cronemberger27
RESUMO
O ambiente familiar é o local mais adequado
para o desenvolvimento físico e psicológico de
crianças e adolescentes, constituindo-se como o
primeiro espaço de socialização dos indivíduos. A
presente reflexão analisa a destituição do poder
familiar como expressão da questão social. O estudo
constata que as expressões da questão social
influenciam na destituição do poder familiar,
apontando ainda a responsabilização imputada às
famílias, desprendida pela desproteção do Estado e a
não garantia da efetivação de direitos já adquiridos.
26
Assistente Social. Tecnóloga em Recursos Humanos. Assistente Social do Instituto de
Previdência dos Servidores do Município de Teresina (IPMT). Discente de Pós-Graduação em
Gestão Social: Políticas Públicas, Saúde e Assistência Social.
E-mail:
[email protected]
27
Assistente Social. Assistente Social do CEIR. Especialista em Administração de Recursos
Humanos pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Mestra em Políticas Públicas (UFPI).
Doutoranda do Programa de Mestrado e Doutorado em Políticas Públicas (UFPI). Docente do
Curso de Serviço Social da Faculdade Santo Agostinho (FSA). E-mail:
[email protected]
50
Palavras-chave: Questão Social. Família.
Destituição do Poder Familiar.
ABSTRACT
The family environment is the most appropriate
location for the physical and psychological
development
of
children
and
adolescents,
establishing itself as the first space of socialization of
individuals. This reflection analyzes the destitution of
the family power as an expression of the social issues.
The study finds that the expressions of the social issue
influence the destitution of the family power, still
pointing accountability attributed to families, detached
unguarded state and no guarantee of enforcing rights
already acquired .
Keywords: Social Issues. Family. Destitution of
Family Power.
I CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A temática “destituição do poder familiar à luz da questão social” está
entrelaçada com o entendimento de que, ao se aplicar essa medida, torna-se
necessário analisar o contexto em que os indivíduos estão inseridos, pois a
destituição do poder familiar é uma medida protetiva que visa resguardar as
crianças e os adolescentes de situações que afetem a sua integridade física e
psicológica.
Entende-se que a perda do poder familiar é uma medida extrema que
só acontece em último caso. No entanto, é de suma importância discuti-la,
compreendendo que ela pode ser influenciada por causa das expressões da
questão social ocasionadas pelo sistema capitalista, pela falta de políticas
públicas eficazes e por programas sociais que visam soluções de caráter
paliativo.
51
As reflexões ora suscitadas almejam fomentar olhares diferenciados
à temática, com o intuito de agregar conhecimento e visibilizar que as dinâmicas
familiares mudaram e que a expansão do capitalismo fez com que as expressões
da questão social se ampliassem. Com isso, torna-se imprescindível que o
Estado garanta condições mínimas de sobrevivência para as famílias mais
afetadas pelas consequências do sistema capitalista, entendendo que não
existem famílias desestruturadas, mas, sim, novas dinâmicas familiares que
precisam ser respeitadas, bem como ter seus direitos assegurados no intuito de
não sofrerem com medidas severas como a destituição do poder familiar.
II AS EXPRESSÕES DA QUESTÃO SOCIAL E A
REALIDADE NO BRASIL
A discussão sobre as expressões da questão social no Brasil remete
à ausência e à presença de uma renda, de um salário. No entanto, é essencial
entender que a questão social não se reduz apenas ao valor da renda dos
indivíduos, ela se refere a múltiplos fatores como privação dos direitos, de
atendimento, de salários, de trabalho e de moradia. Privações essas que afetam
diretamente as crianças e os adolescentes (SANTOS, 2012).
Vale ressaltar que no período da Velha República (1889-1930), no
Brasil, existiam duas formas de tratamento desempenhado pelo Estado à
questão social, que eram: ora como caso de polícia, ora como caso de política.
A questão como caso de polícia tinha como objetivo coibir os movimentos sociais
que “atrapalhavam” o governo do país, que reprimia qualquer forma de greve, de
protesto ou de comportamento que expressasse opiniões contrárias às das
classes dominantes. Segundo Chalhoub (2001 apud BARISON, 2013, p. 48):
Ao serem estigmatizados pelas autoridades policiais e
judiciárias como “vadios”, “promíscuos”, “desordeiros” podem se ver
arremessados, repentinamente, ao xilindró, onde seriam supostamente
“corrigidos” – vale dizer, transformados em trabalhadores, por mais
inverossímil que isto possa parecer.
52
A partir de 1930, a questão social passou a ser tratada como caso de
política, pois as demandas sociais começaram a ter a atenção devida dos
governantes, através de políticas trabalhistas. Com isso, a questão social deixou
de ser vista como uma problemática de ordem moral para ser vista sob uma
perspectiva política, no intuito de minimizar os danos causados com a expansão
do capitalismo e a manutenção da ordem social (BARISON, 2013).
A questão social no Brasil vem se ampliando em decorrência das
consequências e da violência existentes no sistema capitalista, que afetam
diretamente a vida dos indivíduos, sejam eles pais, crianças ou adolescentes.
Vale ressaltar que as desigualdades são provocadas e ampliadas por esse
sistema que tem como objetivo atender aos interesses da minoria, à obtenção
de lucro, à expansão do mercado, à exploração do proletariado, à compra da
força de trabalho e à manutenção de uma classe dominante (NETTO; BRAZ,
2010).
É possível destacar, também, que o sistema capitalista é marcado por
interesses diversos, má divisão de renda, conchaves políticos, conflitos de
classes, condições de vidas antagônicas, instabilidade no trabalho. Apesar de
todas as dificuldades enfrentadas pelos indivíduos no cotidiano, é nos vínculos
afetivos que os sujeitos buscam apoio e se sentem acolhidos, por isso, é
importante não deixar que os laços afetivos se enfraquecerem (FÁVERO, 2007).
III A FAMÍLIA E A REALIDADE CONTEMPORÂNEA
As famílias foram se modificando com o passar do tempo, e com isso
a família chamada de “ideal” ou “estruturada”, na realidade, tem sua base
histórica fixada em controvérsias veladas por uma falsa moral, por opressões de
raça e de gênero. Engels (2005, p. 31) relata: “[...] o círculo compreendido na
união conjugal comum, e que era muito amplo em sua origem, se estreita pouco
a pouco até que, por fim, abrange exclusivamente o casal isolado, que
predomina hoje”.
53
Ao se falar em família, é de suma importância levar em consideração
os aspectos históricos e culturais na formação social. Com isso, é necessário
que
os
vários
profissionais
que
trabalham
diretamente
com
família
compreendam suas composições, pois a família ainda hoje é vista por muitos
profissionais como uma estrutura fechada, compostas por pai, mãe e filhos,
vivendo em uma casa (COSTA, 2011).
Deve-se romper com a ideia de que a família nuclear burguesa é a
única correta e perfeita, capaz de criar indivíduos moralmente corretos, sem
desvios
em
sua
ética.
É
de
suma
importância
aceitar
que,
na
contemporaneidade, as famílias têm suas particularidades e composições. Para
entender melhor esses tipos de famílias existentes na contemporaneidade,
Kaslow (2001 apud SZYMANSKI, 2002, p. 23) faz uma breve explicação sobre
os noves tipos de composição que podem ser consideradas famílias:
Família nuclear, incluindo duas gerações, com filhos
biológicos; famílias extensas, incluindo três ou quatro gerações;
famílias adotivas temporárias (Foster); famílias adotivas, que podem
ser bi-raciais ou multiculturais; casais; famílias monoparentais,
chefiadas por pai ou mãe; casais homossexuais com ou sem crianças;
famílias reconstituídas depois do divórcio; várias pessoas vivendo
juntas, sem laços legais, mas com forte compromisso mútuo.
Com tanta diversidade, é necessário desconstruir a ideia de uma
única forma de família e começar a expandir o olhar para as novas formas.
Trazer à luz um novo olhar sobre o lócus familiar sem ideias preconcebidas
torna-se fundamental para perceber as novas formas de famílias existentes na
atualidade, e analisar que no cotidiano da vida familiar “[...] as trocas afetivas na
família imprimem marcas que as pessoas carregam a vida toda, definindo
direções no modo de ser com os outros afetivamente e no modo de agir com as
pessoas” (SZYMANSKI, 2002, p. 12).
Dessa forma, torna-se importante entender que a vida em família não
pode ser separada do mundo, das transformações que ocorrem nele, das suas
transições, do seu desenvolvimento, da criação de novos valores e da exclusão
de velhos. Afinal a família, independentemente de sua estrutura, serve de base
54
para a formação dos indivíduos; é a primeira instância que o ser humano tem
contato e por isso deve ser preservada a qualquer custo (SZYMANSKI, 2002).
IV DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR À LUZ DA
QUESTÃO SOCIAL
Faz-se necessário entender que “[...] a expressão poder familiar
adotada pelo Código Civil corresponde ao antigo pátrio poder.” (DIAS, 2013, p.
434). Termo esse que foi trocado a partir dos movimentos feministas e com a
emancipação da mulher, porque o termo tinha uma conotação machista, “[...]
pois o mesmo só menciona o poder do pai com relação aos filhos” (DIAS, 2013,
p. 434).
Com a mudança de nomenclatura, pretendeu-se alargar o
entendimento de que o termo poder familiar acarreta um conjunto de direitos e
de deveres dos pais perante os filhos (crianças e adolescentes), visando a
protegê-los. Para Rodrigues (2004, p. 307), “[...] poder familiar é o conjunto de
direitos e deveres atribuídos aos pais, em relação à pessoa e aos bens dos filhos
não emancipados, tendo em vista a proteção destes”.
Aos pais são exigidas todas as responsabilidades sobre a proteção
dos filhos e com isso fica velado que a perda do poder familiar, muitas vezes,
ocorre de um abandono que parte primeiro do Estado e, por isso, “[...] em
decorrência sobre tudo da carência social e econômica, ainda que esta nem
sempre apareça explicitamente como fator condicionante [...]” (FÁVERO, 2007,
p. 16), elas são as grandes causadoras das retiradas de crianças e de
adolescentes dos seus lares por instâncias do Poder Judiciário.
Para Diniz (2014), o Estado, precisa ser parceiro dos pais,
assegurando os mínimos necessários para a sobrevivência dos indivíduos,
garantindo direitos provenientes ao bem-estar das crianças e dos adolescentes,
no intuito de facilitar a missão dos pais quanto à criação e formação do caráter
e da espiritualidade dos filhos, e a corrigi-los, através de castigos quando for
necessário. Castigo esse previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente e na
55
Lei de n. 13.010 sancionada pela presidenta Dilma Rousseff, em junho de 2014,
popularmente conhecida como Lei da Palmada, ou Lei Menino Bernardo28, que
acrescenta ao ECA (1990) os artigos 18-A, 18-B e 70-A, visando proibir castigos
físicos moderados.
O que se pretende com essa Lei é que os pais, mesmo legitimados a
castigar os filhos, sejam cautelosos para que os castigos não virem torturas ou
posturas abusivas. Entende-se, como assevera Aguera; Cavalli; Oliveira (2010),
que é importante que o Estado efetive leis que protejam as crianças e os
adolescentes, porém, torna-se necessário que a família como um todo receba
mais atenção do Estado e que este não seja omisso quanto a sua
responsabilidade em efetivar políticas públicas que atendam, de fato, às
necessidades das famílias.
Afinal, o núcleo familiar deve ser protegido, uma vez que, as famílias
são vítimas da exclusão e da falta de proteção, pois vivem em uma sociedade
marcada pelo capitalismo, em que o importante é o ter e não o ser. Percebe-se
que com a desproteção do Estado e com as oportunidades desiguais para os
indivíduos que “[...] por detrás de uma criança abandonada existe uma família
que foi primeiramente abandonada e excluída socialmente [...]” (AGUERA;
CAVALLI; OLIVEIRA, 2010, p. 6).
Com isso, refletir, questionar e analisar os fatos é a melhor forma de
agir, tendo como objetivo minimizar os riscos para os indivíduos, pois através do
questionamento é possível desvelar o que está além do aparente. É preciso
entender que a destituição do poder familiar só ocorre em casos extremos e, por
isso, compreender o que causa a perda do poder familiar é importante para se
desenvolver um trabalho preventivo (FÁVERO, 2007).
28
A medida visa garantir o direito de uma criança ou jovem de ser educado sem o uso de castigos corporais.
Atualmente, a Lei 8.069, que institui o ECA, condena maus-tratos contra a criança e o adolescente, mas
não define se os maus-tratos seriam físicos ou morais. Com as alterações, o artigo 18 passa a definir
“castigo corporal” como “ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em
dor ou lesão à criança ou adolescente”. Para os infratores, as penas são advertências, encaminhamento
a programas de proteção à família e orientação psicológica. A lei traz as mesmas penas já previstas no
Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) para os pais, mães e cuidadores de crianças e adolescentes,
visando justamente impedir os maus-tratos contra elas, vítimas diárias da intolerância, da ignorância e da
prepotência de adultos (MOREIRA; TREVIZANI, 2014, p. 4).
56
V CONSIDERAÇÕES FINAIS
Trazer à tona a temática destituição do poder familiar à luz da questão
social faz com que seja abordada a realidade de pais, de crianças e de
adolescentes que convivem diariamente com a privação e a negação de direitos
já adquiridos. Com isso, buscou-se compreender a importância da família e
apontar os novos tipos de famílias existentes na contemporaneidade, no intuito
de afirmar que, independente do formato, o núcleo familiar é um local de
proteção, de cuidado, e que funciona como um pilar de sustentação, porém
necessita ser primeiro amparado e protegido por políticas públicas.
Ciente dessa realidade, as expressões da questão social interferem
na destituição do poder familiar, e observa-se, ainda, que é necessário que o
Estado garanta proteção às crianças e aos adolescentes e, por conseguinte, às
suas famílias, que na maioria das vezes, vivem em condições de vulnerabilidade,
evitando que medidas como a destituição do poder familiar não sejam efetivadas.
Contudo, pode-se perceber que é exigido dos pais o cumprimento dos
seus deveres para com seus filhos, mas para que isso ocorra é necessário que
o Estado garanta o cumprimento dos direitos já adquiridos seja por programas
sociais e de políticas públicas que visem à garantia dos direitos de crianças e de
adolescentes.
Afirma-se ainda a necessidade de aprofundar as pesquisas nesse
tema, por se tratar de assunto pertinente à sociedade, diante do recuo do papel
do Estado em não garantir para muitas famílias condições mínimas de
sobrevivência, deixando-as expostas às adversidades presentes no cotidiano.
REFERÊNCIAS
AGUERA, C. S; CAVALLI, M; OLIVEIRA, J. A. A destituição do poder
familiar na perspectiva da família abandonada, 2010. Disponível em:
<http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php>. Acesso em: 4 out. 2014.
BARISON, M. S. Caso de polícia: reflexões sobre a questão social e a
primeira República, 2013. Disponível em:
57
<http://web.unifoa.edu.br/cadernos/edicao/22/43-51.pdf>. Acesso em: 30 ago.
2014.
______. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, DF: 1990.
COSTA, A. C. G. da. A família como questão social no Brasil. In:
KALOUSTIAN, S. M. (Org.). Família Brasileira, a base de tudo. São Paulo:
Cortez, 2011. p. 19-25.
DIAS, M. B. Manual de Direito das Famílias. 9. ed. São Paulo: Revista
dos tribunais, 2013.
DINIZ, M. H. Curso de Direito Civil Brasileiro: 5. Direito de família. 29.
ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
ENGELS, F. A origem da família, da propriedade privada e do
Estado. 17. ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 2005.
FÁVERO, E. T. Questão Social e perda do poder familiar. 1. ed. São
Paulo: Veras, 2007.
MOREIRA, L. M. R ; TREVIZANI, G. B. Lei da Palmada: Educai as
crianças para que não seja necessário punir os adultos, 2014. Disponível em:
<http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12407 >. Acesso
em: 10 dez. 2014.
P. NETTO, J.; BRAZ, M. Economia Política: uma introdução crítica. 8.
ed. São Paulo: Cortez, 2010.
RODRIGUES, S. Direito Civil. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
SANTOS, J. S. “Questão Social”: Particularidades no Brasil. 1. ed. São
Paulo: Cortez, 2012.
SZYMANSKI, H. Viver em família como experiência de cuidado mútuo:
desafios de um mundo em mudança. Revista Serviço Social e Sociedade.
São Paulo: Cortez, n. 71, p. 9-25, set. 2002.
58
SIGILO PROFISSIONAL: BREVES CONSIDERAÇÕES PARA O COTIDIANO
PROFISSIONAL
Marcelo Nascimento de Oliveira 29
Olegna de Souza Guedes 30
RESUMO
Um dos grandes desafios que permeia hoje o cotidiano de atuação do
assistente social se refere ao sigilo profissional. Com as diferentes dimensões
do trabalho nas equipes multiprofissionais, esse assunto adquire maior
significado ainda. Refleti-lo na dimensão do cotidiano a partir dos instrumentos
de regulamentação da profissão, nas atribuições e competências, enriquece tal
reflexão e nos permite afirmar a indissociabilidade entre o sigilo e a ética
profissional. Este artigo foi construído a partir de uma primeira aproximação ao
tema e organizado a partir de dois eixos: considerações sobre a dimensão crítica
do exercício profissional e o sigilo profissional como uma das dimensões da ética
profissional.
Palavras-chave: Exercício Profissional. Ética Profissional. Sigilo.
29
Mestre em Serviço Social e Política Social pela UEL. Docente do Curso de Serviço Social da Universidade
Estadual de Maringá – Campus Regional do Vale do Ivaí – Ivaiporã-PR. Coordenador do Conselho Regional
de Serviço Social – CRESS 11ª Região / Seccional de Londrina.
30
Doutora em Serviço Social pela PUC-SP. Docente do Departamento de Serviço Social e do Programa de
Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina.
59
INTRODUÇÃO
Nos marcos do capitalismo contemporâneo, e as dimensões políticas
e sociais que sobre ele se erigem, grandes são desafios postos ao assistente
social nos diferentes espaços sociocupacionais que tendem a ser pulverizados
por ações fragmentadas, pela precarização das condições de trabalho, pelas
dimensões do imediatismo presente na gestão das políticas públicas ou diante
de exigências dos empregadores e, ainda, próprio profissional na perda de
identidade com a profissão e no distanciamento de seu reconhecimento como
classe trabalhadora.
Uma das tendências que retrata estas refrações da conjuntura
econômica e politica no cotidiano do trabalho dos assistentes sociais é a que
insiste em naturalizar a questão social e afirmar ações profissionais sob a lógica
de “casos” e “problemas sociais”. É, também, uma tendência que nos coloca
diante de dilemas e equívocos, como a fragilidade da luta coletiva; o não
aprofundamento da perspectiva crítica que tem, como uma de suas
consequências, o imediatismo no exercício profissional e a perda do que
efetivamente se caracteriza como objeto de trabalho do assistente social. Estes
fatores têm como uma de suas manifestações as dificuldades em caracterizar e
dar trato ético ao material sigiloso decorrente do atendimento do assistente
social. Dificuldades que aparecem dissolvidas, muitas vezes, sob a égide da
reprodução do discurso de que a atuação no trabalho multiprofissional e
interdisciplinar não o requer, ou da própria ausência da consciência desse
material; para além da dificuldade em decidir qual o instrumento correto a se
utilizar sob sua autonomia profissional.
É a partir deste marco que o presente artigo, resultado de uma
primeira aproximação a este tema, aos moldes de uma pesquisa exploratória, foi
construído com suporte bibliográfico para refletir sobre registros empíricos da
vivência junto a Comissão de Fiscalização e Orientação do CRESS-PR,
60
pretende apresentar alguns elementos para problematizar o Sigilo Profissional
do assistente social. Uma exigência ética, normativa, que se materializada no
cotidiano
profissional
dos
assistentes
sociais,
na
organização
e
na
concreticidade do seu trabalho profissional, numa perspectiva de totalidade.
1. Exercício profissional do assistente social: considerações sobre
sua dimensão crítica
O Serviço Social como profissão, cuja gênese o circunscreve como
emergente das contradições engendradas nas relações de produção e na
reprodução da sociedade capitalista principia-se em práticas interventivas,
diante de necessidades de sua legitimação enquanto profissão (COELHO,
2014).
Em
seu
amadurecimento,
iremos
encontrar
uma
profissão
“organicamente vinculada às configurações estruturais e conjunturais da
'questão social' e às formas históricas de seu enfrentamento, que são permeadas
pela ação dos trabalhadores, do capital e do Estado”. (ABESS/CEDEPSS, 1996,
p. 154). Uma profissão cuja regulamentação a circunscreve com estatuto crítico
que se materializa em atribuições e competências delimitadas na Lei de
regulamentação, Lei, 8.662/1993 (BRASIL, 1993); nas Diretrizes Curriculares do
Curso de Serviço Social de 1996 e no Código de Ética de 1993.
A clareza teórica com relação a estes aspectos que afirmam a
materialização de uma perspectiva crítica, fundada na necessária direção
política para as práticas profissionais, não nos isenta de cair no engodo de
inferirmos a reprodução de práticas profissionais de cunho conservador. Daí a
importância da análise do cotidiano profissional. É nele que os assistentes
sociais se deparam com situações que exigem autocríticas.
Ele é o lócus
privilegiado que permite historicamente a profissão se rever profissional e
socialmente. E, para esse exercício, torna-se fundamental o debate da ética
profissional e das atribuições e competências profissionais.
E é partir destes
61
que se deve apreender as dimensões do sigilo no âmbito do exercício
profissional.
2. Sigilo: desafios na captura do seu significado em relação à ética
profissional
As referências ao Sigilo Profissional sempre estiveram presentes na
trajetória da profissão e está materializado, como exigência ética desde a
formulação do primeiro Código de Ética Profissional dos assistentes sociais
(1947). Contudo, aparecia sobre o nome de “Segredo”. A este respeito, Oliveira
(2011) considera que:
A palavra Segredo nos remete a idéia de uma relação mais
informal e coloquial, relativa às relações pessoais, familiares e de
amizade. O termo Sigilo já nos traz a idéia de uma relação técnica e
formal, tendo em vista que a relação do Assistente Social com o
usuário é uma relação profissional e não uma relação informal ou de
amizade, mesmo que o Assistente Social em sua atuação profissional
estabeleça com o usuário um vínculo de confiança, proximidade e
empatia. O termo Segredo pode nos remeter a uma noção moralista
das condições de vida da população usuária, tendo em vista seu
caráter mais informal. (OLIVEIRA, 2011 p. 27).
Ao retratar tais concepções, a autora faz considerações sobre a
etimologia dos termos para demonstrar a construção dos seus significados. À
medida que ocorrem alterações nos campos político, econômico e social, cada
momento histórico na construção dos documentos também converge para
projetos éticos e políticos no seio da profissão, que imprimem à categoria, formas
diversas de interpretar a dimensão do sigilo.
Consideramos que o sigilo profissional afeta diretamente o usuário
dos serviços prestados pelos assistentes sociais e o próprio profissional. Sob a
lógica do mercado, requisita se profissionais polivalentes, tecnicistas e, que
62
muitas vezes, assistentes sociais executam serviços distantes do projeto ético
político. Em situações dessa natureza, como assegurar o necessário cuidado
com o material técnico sigiloso do Serviço Social?
Faz-se necessário, na reflexão sobre o sigilo profissional, associá-la
ao posicionamento político dos profissionais quanto às suas atribuições e
competências, tal como disposto na Resolução CFESS 493/2006; ao domínio de
suas especificidades e autonomia profissional, sobre interesses institucionais,
muitas vezes distantes dos interesses dos usuários das políticas. Sem esses
cuidados a perspectiva da garantia e no dever do sigilo tona-se cada vez mais
longínqua. O profissional deve ter claro que, quando se trata do atendimento em
equipes multiprofissionais, quando lhe cabe o dever de “respeitar as normas e
limites legais, técnicos e normativos das outras profissões” disposto pelo Artigo
3º do Código de Ética do Assistente Social, regulamentado pela Resolução
CFESS nº 273, de 13 de março de 1993. (BRASIL, 2009).
A formulação de políticas públicas e programas sociais, em seu
processo histórico apresentam valores vinculados conformismo, quando estes
são o avesso da esfera protetiva e da ampliação de direitos. Nesse sentido é que
se torna a importância de reflexões: proteção e direito para quem e formulados
por quem? Num estado que impõe políticas de fiscalização da vida privada e de
ajustes econômicos hodiernamente, quais são as possibilidades da garantia de
direitos?
O Assistente Social é um profissional que exerce uma profissão
orientada por um Código de Ética em que se vislumbra a defesa intransigente
dos direitos humanos e sociais e que possui os princípios éticos fundamentais
da profissão à defesa da liberdade como eixo norteador e direcionador dos
valores da profissão.
A liberdade é a capacidade para darmos um sentido novo ao
que parecia fatalidade, transformando a situação de fato numa
realidade nova: criada por nossa ação. Essa força transformadora, que
torna real o que era somente possível e que se achava apenas latente
como possibilidade, é o faz surgir... Um movimento antirracista, uma
63
luta contra a discriminação sexual ou de classe social, uma resistência
à tirania e a vitória contra ela (CHAUÍ, 1994).
Não existe possibilidade de refletir sobre exercício profissional, suas
condições técnicas e éticas para o exercício profissional, desvinculando-as de
determinantes sócio históricos da profissão. E o sigilo, por mais que apareça
como determinações jurídicas e meramente técnicas, exige tal reflexão. As
concepções e valores que norteiam a prática profissional e o trato com os
usuários nas políticas públicas requerem, acima de tudo, compromisso e
posicionamento ético e político. As bases para esse posicionamento de forma
técnica, crítica e capaz de protagonizar transformações na realidade se
assentam, entre outras formas, nas concepções dispostas nos conjuntos e
documentos materializados pelos órgãos que regulamentam a profissão.
Dentre as mais variadas ações realizadas pelo assistente social,
podemos destacar: Estudos socioeconômicos; orientação e acompanhamento
social a indivíduos, grupos e famílias; Assessoria, consultoria, auditoria e
supervisão técnica; Formulação, administração e execução de políticas públicas;
Avaliação de políticas, programas e projetos sociais; Mobilização social e
práticas educativas; Instruções sociais de processos e sentenças e decisões;
Magistério, direção e supervisão acadêmica; Formulação de projetos de trabalho
profissional. (CFESS/ABEPSS, 2009).
Reforçamos aqui que na realização dessas ações, a ética profissional
não pode ficar em segundo plano no nosso exercício profissional, ainda que as
dimensões ora dadas no cotidiano das políticas públicas imediatistas se
coloquem na forma e na conformação de ações meramente pragmáticas. É nesta
direção que ultrapassaremos, ou pelo menos enfrentaremos, o moralismo
imposto pelo conservadorismo que se coloca na ordem do dia, principalmente
na execução dos programas e benefícios, quer seja saúde, habitação,
assistência social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
64
Ultrapassar o cotidiano é fundamental para que possamos interpretar
o sigilo não como um segredo frente a determinado problema social que aparece
em nossos espaços sociocupacionais sobre a forma de casos. Ao contrário,
sigilo profissional, é respeito aos direitos dos usuários das políticas viabilizadas
pelos profissionais. Refletir sobre ele é desafio, exige a superação de práticas
policialescas, fundadas em juízos de valor e à mercê de uma moralidade que,
muitas vezes, reproduz desvalores. Uma moralidade propagada pelo senso
comum e distante da reflexão contínua das dimensões das categorias mediação,
totalidade e contradição no cotidiano profissional.
Enfim, o sigilo só pode ser problematizado a partir da realidade
concreta vivida pelos profissionais que atuam no dia a dia, a partir do necessário
rigor ético e na orientação de suas ações profissionais por uma perspectiva
crítica. Assim, por exemplo, no momento da produção do conteúdo que integra
o relatório do/a assistente social é que toda a atenção ética deve ser dada. Como
nos sinaliza Souza (2014), é preciso ter a clareza de que “é no momento em que esse
relatório sai das mãos do/a assistente social que passa a não ser mais sua propriedade, portanto,
é aquilo que se registra que vai construir a imagem do Serviço Social”,
ou seja, a partir
daquilo que se escreve e com a qualidade que se escreve, sem reflexão, é onde
pode ser causado todo o prejuízo irrevogável na vida do usuário.
Mais que uma exigência legal, o sigilo profissional afirma-se, portanto,
como uma das mediações da ética profissional. E, na nossa categoria
profissional a dimensão ética está associada à perspectiva da necessária
construção de valores avessos a qualquer forma de dominação de classe, etnia,
gênero. Está associada à construção de uma direção ética e política que exige
constante reflexão sobre vertentes que balizam e orientam as ações cotidianas
dos assistentes sociais.
REFERÊNCIAS
ABEPSS. Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social.
Diretrizes Curriculares do Curso de Serviço Social. In Cadernos ABESS nº7.
São Paulo, Cortez Editora, 1997.
65
ABESS/CEDEPSS. Proposta básica para o projeto de formação
profissional. Serviço Social & Sociedade: O Serviço Social no século XXI, São
Paulo, ano XVII, n. 50, p. 143-171, abr. 1996.
BARROCO, Maria Lúcia Silva. Ética e Serviço Social: fundamentos
ontológicos. 8. Ed. São Paulo: Cortez, 2010.
BRASIL. CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO ASSISTENTE
SOCIAL, Resolução CFESS n. 273, de 13 de março de 1993. In Legislação
brasileira para o serviço social: coletânea de leis, decretos e regulamentos para
instrumentação da (o) assistente social. Organização Conselho Regional de
Serviço Social do Estado de São Paulo, 9ª Região - 3ª ed. Ver., atual. e ampl.
até dezembro de 2007. São Paulo, O Conselho, 2007.
CFESS/ABEPSS.
SERVIÇO
SOCIAL:
direitos
e
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profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009.
CFESS. Conselho Federal de Serviço Social. Resolução CFESS nº
493/2006. Dispõe sobre as condições éticas e técnicas do exercício profissional
do assistente social. Brasília, 2006.
CFESS. Conselho Federal de Serviço Social. Resolução CFESS n° 556,
de 15 de setembro de 2009. Procedimentos para efeito da Lacração do
Material Técnico e Material Técnico-Sigiloso do Serviço Social. Brasília:
CFESS, 2009.
CFESS. Conselho Federal de Serviço Social. Resolução CFESS nº 557,
de 15 de setembro de 2009. Dispõe sobre a emissão de pareceres, laudos,
opiniões técnicas conjuntos entre o assistente social e outros profissionais
66
CHAUÍ. M. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2003.
COELHO, Marilene. Imediaticidade na Prática Profissional do
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FORTI, Valéria. Ética, Crime e Loucura: Reflexões sobre a Dimensão
Ética no Trabalho Profissional. Lumen Juris Editora, Rio de Janeiro, 2009.
OLIVEIRA, Rayanne Danielle Costa Cardoso. O SIGILO PROFISSIONAL
DOS ASSISTENTES SOCIAIS: Um estudo dos Códigos de Ética e da
concepção de profissionais. 2011. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação
em Serviço Social) - Universidade Federal Fluminense.
SOUZA, Charles Toniolo de. Evento sobre sigilo profissional marca a
semana de atividades do CRESS-SE e acende as discussões acerca do
tema.
Disponível
em:
http://www.cress-se.org.br/evento-sobre-sigilo-
profissional-marca-semana-de-atividades-cress-se-e-acende-discussoesacerca-tema/. Acesso em: 10 Set. 2015.
67
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER: REDE DE SERVIÇOS
DE LONDRINA-PR
Ana Paula Galdin Ramos¹
Kamila Fernanda de Lima e Silva²
Resumo: O presente artigo tem como objetivo refletirmos sobre o
conceito de violência doméstica e relações de gênero. Também irá descrever os
serviços de atendimento às mulheres em situação de violência doméstica do
município de Londrina-Pr. Para tanto abordaremos conceitos e legislações que
tratam sobre esta temática, visando um despertar da comunidade em geral sobre
a importância de estudarmos sobre a violência doméstica contra as mulheres.
Palavras-chave: Violência Doméstica, Lei Maria da Penha, Gênero.
1.
INTRODUÇÃO
A violência contra a mulher é um fenômeno que ocorre desde os
tempos antigos e é reforçado constantemente através do preconceito e da
discriminação de gênero.
Muito se tem caminhado e lutado durante décadas através de
movimentos sociais e órgãos feministas na preconização da igualdade entre os
sexos; igualdade esta, por direitos civis, políticos, socais, econômicos,
trabalhistas entre outros. No entanto não podemos esgotar o trabalho de
lutarmos por igualdade e equidade entre os gêneros.
Vivemos em uma sociedade machista onde existe uma
tolerância da sociedade na execução do domínio e exploração dos homens
perante mulheres, enfatizando a ideologia patriarcal. Segundo Bordeau (1998),
citado por Safiotti (2001, p.118):
___________________________
1
Assistente Social graduada pela Universidade Estadual de Londrina, servidora da Secretaria
Municipal de Politicas para as Mulheres de Londrina, pós-graduada em Gestão de Politicas Sociais e
Gestão de Centro de Socioeducação.
1
Assistente Social graduada pela Universidade Estadual de Londrina, servidora da Secretaria
Municipal de Politicas para as Mulheres de Londrina, pós-graduada em Gestão de Políticas Sociais e
Responsabilidade Social Sustentável: projetos.
68
“A força da ordem masculina pode ser oferida
pelo
fato de que ela não precisa de justificação;
a visão se impõe como neutra e não tem necessidade
de se enunciar, visando sua legitimação. A ordem social
funciona como uma imensa máquina simbólica,
tendendo a reedificar a dominação masculina na qual se
funda: é a divisão do trabalho, distribuição restrita das
atividades a cada um dos dois sexos”.
Esse domínio e exploração do sexo masculino perante o
feminino gera uma violência de gênero que se transforma em uma relação
hierarquizada dentro das relações sociais, reforçando o projeto masculino de
dominação sobre as mulheres.
Segundo Safiotti (2001) compreende-se que violência de
gênero é a violência que resulta das diferenças sociais e culturais entre homens
e mulheres, em que ocorre a preponderância e supremacia do poder masculino
sobre o feminino.
No entanto outra situação que tem crescido, mesmo que de
forma tímida, é a resistência das mulheres a esse processo de subordinação
masculina; e dessa resistência feminista tem-se conseguido a criação e
legitimação de mecanismos de controle à violência contra a mulher, sobretudo
em relação a violência doméstica.
Dessa forma a cidade de Londrina-Pr tem se esforçado para
construir, efetivar e melhorar às ações de atendimento às mulheres vítima de
violência doméstica; servindo de experiência para vários municípios da região
do norte paranaense.
2.DESENVOLVIMENTO
A Lei Maria da Penha - Lei 11.340/06, é um grande avanço
no marco legal para o atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica,
pois tipifica os crimes contra as mulheres e também estabelece procedimentos
judiciais e policiais.
“ Tipifica a violência doméstica como uma das
formas de violação dos direitos humanos. Altera o
Código Penal e possibilita que os agressores sejam
presos em flagrante, ou tenham a prisão preventiva
decretada, quando ameaçarem a integridade física da
mulher”. (BRASIL, 2008, p.08).
69
Podemos compreender a violência doméstica e familiar
contra a mulher, segundo a Lei 11.340/06, como a omissão ou qualquer ação
contra a mulher (e que a violência seja fundamentada em situações de gênero)
causando a morte ou algum dano físico, sexual, moral, psicológico ou material.
O artigo 5º da Lei Maria da Penha de 2006, esclarece que a
violência doméstica pode ocorrer nos seguintes âmbitos:
“No
âmbito
da
unidade
doméstica,
compreendida como o espaço de convívio permanente
de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as
esporadicamente agregadas. No âmbito da família,
compreendida como a comunidade formada por
indivíduos que são ou se consideram aparentados,
unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade
expressa. Em qualquer relação de íntima de afeto, no
qual o agressor conviva ou tenha convivido com a
ofendida independentemente da coabitação”.
Em seu artigo 7º a mesma lei define as formas de violência
causadas contra as mulheres, sendo elas tipificadas em violência física, violência
psicológica, violência sexual, violência patrimonial e violência moral.
Podemos compreender a violência física, como qualquer
atitude que ofenda a mulher em sua integridade física ou que atinja a saúde do
seu corpo. (BRASIL, 2008).
A violência psicológica se entende por qualquer forma que
cause danos emocionais a mulher ou que prejudique a autoestima. Também se
inclui nessa violência qualquer situação que vise a controlar suas ações ou que
prejudique seu desenvolvimento. São exemplos de violência psicológica a
humilhação, perseguição, manipulação, insulto, chantagem etc. (BRASIL, 2008).
Brasil (2008) explica que conduta que constranja a mulher a
presenciar, manter ou participar de ato sexual sem sua vontade é caracterizada
como violência sexual.
E por fim, Brasil (2008) cita que a violência patrimonial se
configura em reter, subtrair ou destruir qualquer pertence da mulher; tais como
documentos pessoais, material de trabalho, recursos econômicos entre outros.
A Lei Maria da Penha também sinaliza em seu artigo 23 as medidas
de urgência para a ofendida, em que o juiz responsável as aplicará de modo
imediato ao agressor e também para a mulher vítima da violência. Essas
70
medidas compreendem entre outros, o encaminhamento da mulher e seus
dependentes para programa de proteção, afastamento do agressor da ofendida
e seus dependentes, separação de corpos, restituição de bens e suspensão de
procurações proferidas pela ofendida ao agressor.
“A lei foi criada para modificar uma terrível
realidade: entre 1998-2008 – período de apenas 10
anos – cerca de 42.000 mulheres foram mortas no
país, o que significa 10 mulheres foram mortas dentro
de casa. Esses são dados da pesquisa Mapa da
Violência do Instituto Sangari/2011, a partir de
informações do DATA/SUS. (BRASIL, 2011, p. 02).
Outro marco legal para o atendimento às mulheres vítimas
de violência doméstica é o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres criado
em 2103, que prevê contribuições efetivas no atendimento para as mulheres.
Esse Plano é constituído de vários eixos estruturantes, e em
seu capítulo 4, especifica o Enfrentamento de todas as Formas de Violência
Contra as Mulheres. O principal objetivo desse eixo é reduzir os índices de todas
as formas de violência contra mulher e podemos destacar como objetivos
específicos: a garantia para implementação e aplicabilidade da Lei Maria da
Penha, criar e fortalecer os serviços especializados no atendimento as mulheres,
proporcionar atendimento humanizado às mulheres em situação de violência
dentre outros. (BRASIL, 2013).
Ainda dentro do eixo: Enfrentamento de todas as Formas de
Violência Contra as Mulheres, foram criadas 5 linhas de ações que irão trabalhar
na perspectiva de enfrentamento à exploração sexual e tráfico de mulheres,
promoção da cidadania das mulheres em situação de violência, fortalecimento
da segurança e acesso à justiça, implementação da Lei Maria da Penha e
melhorar a rede de serviços especializada no atendimento às mulheres vítimas
de violência doméstica. (BRASIL, 2013).
Diante dos avanços legais a União, o Estado, o Distrito
Federal, os municípios e a sociedade civil têm se organizado para criar e efetivar
serviços específicos de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica;
sinalizando a relevância ao atendimento especializado a essas mulheres.
71
Como exemplo desses serviços temos as Delegacias
Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM), Ministério Público, defensoria
Pública, Juizado ou Varas Criminais Específicas, Instituto Médio Legal e
hospitais públicos; que respondem pelo aparato Federal e Estadual no combate
a violência doméstica contra a mulher.
No entanto os municípios devem contar com uma rede bem
estruturada e equipada em recursos físicos, financeiros e humanos, afim de que
possam construir um sistema integrado e multidisciplinar no atendimento às
mulheres vítimas de violência doméstica.
Citaremos a seguir a experiência da cidade de Londrina-Pr,
como cidade que possui uma rede de serviços de enfrentamento à violência
doméstica contra a mulher, onde abordaremos quais são esses serviços e como
eles realizam os atendimentos para esse público.
Desde o ano de 1986 existe no município de Londrina-Pr
uma Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher, atendendo as mulheres
que desejam fazer o boletim de ocorrência contra seus agressores. Ressaltamos
que nesta delegacia são registradas unicamente as ocorrências de violência
doméstica contra as mulheres, não executando ações relacionadas a violência
urbana contra a mulher, ou qualquer forma de violência contra o sexo feminino
menor de 18 anos. (BRASIL, 2008).
Brasil (2008), esclarece serviço também é responsável por
fazer todo o inquérito policial referente a violência apresentada pela mulher;
destaca-se a realização de representação criminal, encaminhamento de
solicitação da medida protetiva para a Vara Criminal competente, busca de
pertences da ofendida, prisão do agressor quando expedido mandado de prisão,
solicitação de encaminhamento para exame de lesão corporal junto ao IML entre outros.
O Centro de Atendimento à Mulher (CAM) é um serviço
desenvolvido pela Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres (SMPM) que
funciona desde 1993 com equipe multiprofissional composta por serviço social,
psicologia, pedagogia e direito. Ele é a referência municipal no atendimento à
mulher vítima de violência doméstica.
72
A equipe realiza atendimentos individuais, em grupo, visita
domiciliar, palestras e busca ativa de denúncias que são encaminhadas por
outros serviços do município. O foco do trabalho do CAM é orientar a sociedade
londrinense sobre o combate a violência a mulher, bem como atender a mulher
vitimizada para que esta consiga superar as condições de violência que muitas
vezes são vivenciados a anos. (BRASIL, 2008).
“Esse serviço constatou que 43,20% das
mulheres que procuram o serviço em 2007, relataram
que a natureza da violência é física; 3,74% sexual e
48,3% emocional. Em 15 anos de atendimento
atendeu cerca de 7.800 mulheres, resultando em
aproximadamente 30.869 procedimentos realizados
nas áreas de psicologia, serviços social e atendimento
jurídico”. (BRASIL, 2008, p.15).
Londrina possui um Centro de Formação e Capacitação
Profissional chamado Casa da Mulher, também desenvolvido pela SMPM. Neste
serviço são oferecidas atividades de formação destinado às mulheres que se
encontram em situação de vulnerabilidade social e pessoal. As atividades
desenvolvidas preconizam a capacitação para a geração e renda, afim de que
as mulheres possam ter um retorno financeiro para o sustento de suas famílias.
(BRASIL, 2008).
O trabalho realizado por esse serviço objetiva também promover
um pensamento crítico e reflexivo sobre a condição feminista, para tanto a
equipe da Casa da Mulher realiza atividades que trabalham temas como direitos
da mulher, relações de gênero entre outros.
Conforme Brasil (2008), a Secretaria Municipal de Política para as
Mulheres fez parceria, no ano de 2001, com a Secretaria de Saúde de Londrina
e juntos executam o Programa Rosa Viva. Este programa atende exclusivamente
mulheres que foram vítimas de violência sexual, através de um atendimento
humanizado com equipe multiprofissional das áreas de enfermagem, psicologia,
medicina, serviços social e direito.
O Programa funciona 24h e prioriza o
atendimento até 72h após agressão, para prevenir com medicações uma
gravidez e também doenças sexualmente transmissíveis.
E por fim a SMPM oferece o serviço de abrigo para mulheres em
situação de violência doméstica com ameaça e risco de morte. O abrigo tem por
73
nome “Canto de Dália” e foi criado em 2004, com construção de sede própria;
atualmente estrutura física e multiprofissional que atendem as mulheres vítimas
de violência e seus filhos menores de 18 anos. (BRASIL, 2008).
O foco do trabalho da Casa Abrigo “Canto de Dália” é resgatar
vínculos familiares, sociais e comunitários; permitindo que a mulher tenha um
retorno social à comunidade com o aparato da medida protetiva prevista pela Lei
Maria da Penha.
3.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apresentaram-se, neste artigo, reflexões sobre a situação da
violência contra a mulher, ainda hoje, serem tratadas com “naturalidade” por
homens e mulheres, fatos estes construídos culturalmente como a ideologia do
patriarcado. Na contramão dessa construção cultural machista, estão os
movimentos sociais e feministas que durante décadas tem lutado contra este
modelo que só gera violência e discriminação; luta esta que tem encontrado
muitas resistências pelos movimentos religiosos, políticos etc....
A Lei Maria Da Penha e a Política Nacional de Enfrentamento a
Violência são importantes instrumentos de coibição da violência contra a mulher,
pois tipifica os tipos de violência, penaliza o agressor, cria eixos de
enfrentamento às violências, porém ainda se faz necessária ampliação dos
serviços de atendimento e agilidade no atendimento.
Londrina possui uma rede de serviços estruturada para o
atendimento às mulheres em situação de violência doméstica, executando o
trabalho com muito comprometimento e seriedade no município; no entanto
existem dificuldades a serem superadas. Os gestores e profissionais que atuam
no atendimento às mulheres em situação de violência doméstica tem lutado pela
garantia de recursos humanos, recursos financeiros e aplicabilidade da Lei Maria
da Penha, com o objetivo de que as mulheres possam ser protagonistas da sua
própria história, pois
74
“ A sociedade investe muito na naturalização
deste processo. Isto é, tenta fazer crer que a atribuição
do espaço doméstico a mulher decorre de sua
capacidade de ser mãe. De acordo com este
pensamento, é natural que a mulher se dedique aos
afazeres domésticos...” (SAFIOTTI, 1987, p.9).
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BOSELLI, Giane. VII congresso Luso-afro-brasileiro de ciências. No
Poder e sem Violência: dois desafios da inclusão feminista neste século.
Coimbra, Portugal: CEFEMA, 2004.
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Municipal de Políticas para as Mulheres, 2014.
BRASIL. Ministério da Saúde. A Violência Contra a Mulher é Crime:
Cartilha de enfrentamento a violência doméstica e sexual em Londrina. Londrina:
Secretaria Municipal de Política para as Mulheres, 2011.
BRASIL. Cinco Anos de Lei Maria da Penha: Proteção e segurança que
mudam a vida das mulheres. Presidência da República - Secretaria Especial de
Políticas para as Mulheres. Brasília: SPM, 2008.
BRASIL. Coíbe a Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher: Lei
Maria da Penha – Lei 11.340/06. Presidência da República - Secretaria Especial
de Políticas para as Mulheres. Brasília: SPM, 2008.
BRASIL. Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Presidência da
República - Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Brasília: SPM,
2013.
BRASIL. Campanha Municipal de Enfrentamento à Violência contra a
Mulher: um direito de todos as mulheres. Prefeitura de Londrina – Secretaria
Municipal de política para as Mulheres. Londrina: SMPM,2007.
75
CARLOTO, Cássia Maria (org.). Gestão de Políticas Públicas com
Perspectiva de Gênero: Uma experiência de gestores/as locais. Londrina: UEL,
2014.
SAFIOTTI, Heleieth I.B. Contribuições Feministas para o Estudo da
Violência de Gênero. Campinas: Cadernos Pagu. No.16, p.115 a 136, 2001.
O PROCESSO DE REINTEGRAÇÃO FAMILIAR EM UMA UNIDADE DE
ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL
Cleide Lavoratti
Luana Cristina da Luz
RESUMO
76
O presente trabalho tem como objeto expor a realidade de uma pesquisa sobre o
processo de reintegração familiar na Unidade de Acolhimento Institucional Casa Lar no
município de Carambeí-PR. A pesquisa foi realizada em 2014, e teve caráter qualitativo
e os procedimentos metodológicos utilizados foram: a observação, análise documental
e entrevistas semi-estruturadas. O objetivo geral foi identificar o processo de
reintegração familiar de crianças e adolescentes institucionalizados. Para tal, foram
elencados os seguintes objetivos específicos: identificar e descrever os motivos que
levam as crianças e adolescentes ao acolhimento institucional; refletir sobre o
acolhimento institucional e o direito à convivência familiar e comunitária de crianças e
adolescentes; conhecer os procedimentos adotados pela instituição de acolhimento de
modalidade Casa Lar para promover a reintegração familiar; e descobrir se existem
fatores que retardam ou dificultam o processo de reintegração familiar. Foi possível
identificar através da realização da pesquisa, que a Instituição de Acolhimento não
atende plenamente as necessidades apresentadas pelas crianças e adolescentes.
Devendo assim, que suas metas e ações estabelecidas para promover o processo de
reintegração familiar sejam avaliadas e aprimoradas a partir das demandas do cotidiano,
para o desenvolvimento das potencialidades das crianças e adolescentes acolhidos e
de seus familiares.
Palavras-chave: Casa Lar; reintegração familiar; crianças/adolescentes.
1 INTRODUÇÃO
Discutirmos sobre a institucionalização de crianças e adolescentes, e o
processo de reintegração familiar não é um assunto fácil, pois durante muitos anos foi
considerada resultante de situações individuais e familiares, sendo marcadas pela
distinção entre as classes sociais.
Foi com a Constituição Federal de 1988 e posteriormente com a promulgação
do Estatuto da Criança e do Adolescente, (ECA), (Lei 8069/1990), que todas as
crianças e adolescentes foram vistas sob a perspectiva de direitos.
De acordo com o ECA, a institucionalização de crianças e adolescentes deve
ser uma medida excepcional e provisória, visando à reintegração familiar, e durante
esse tempo as famílias devem buscar condições favoráveis para que seus filhos
77
retornem ao convívio familiar de origem e tal situação deve ser aparada pela rede
pública de serviços.
Contudo, existe uma grande dificuldade para a realização desse processo,
pois na realidade isso não vem se concretizando conforme o estabelecido em lei. O
acolhimento institucional está se tornando uma medida permanente para as crianças e
os adolescentes brasileiros.
Para refletirmos sobre o assunto, é importante saber que o levantamento
realizado em junho de 2012 pelo Cadastro Nacional de Adoção, aponta que cerca de
40 mil crianças e adolescentes vivem em acolhimentos institucionais em todo o país.
Identificamos assim, que a falta de políticas públicas efetivas que
proporcionem condições favoráveis para a superação das vulnerabilidades vividas
pelas famílias de crianças e adolescentes acolhidos, dificulta que sejam asseguradas
a garantia da convivência familiar e comunitária desse segmento, que está perdendo
os seus direitos e a sua referência familiar, pois sua permanência em instituições de
acolhimento está sendo muito prolongada. (SILVA, 2009).
2 DESENVOLVIMENTO
1. Breve histórico sobre acolhimento institucional e o direito a convivência
familiar de crianças e adolescentes
Historicamente no Brasil o tema “crianças e adolescentes” possui inúmeras
conotações, devido às diferentes formas em que foi vista essa população dentro da
sociedade. Desde uma perspectiva correcional repressiva, visando proteger a
sociedade de “menores” em “situação irregular”, até uma visão de garantia de direitos,
objetivando a proteção integral de todas as crianças e adolescentes. (SILVA, 2004).
Existe uma longa tradição de institucionalização de crianças e adolescentes no
Brasil. “Desde o período colonial foram sendo criados no país colégios internos,
seminários, asilos, escolas de aprendizes, educandários, reformatórios, dentre outras
modalidades institucionais, educacionais e assistencialistas de cada época.” (RIZZINI e
RIZZINI, 2004, p. 22).
Um grande exemplo de acolhimento institucional foi o iniciado com a
implantação da “Roda dos Expostos”, no século XVIII, por iniciativa da Santa Casa de
Misericórdia que acolhia os bebês deixados nos muros de suas instalações. Esse
sistema que no início contava com subsídio da Coroa Portuguesa persistiu no país até
metade do século XX. Foi apenas com o surgimento do primeiro Juizado de Menores,
em 1924, que foram definidas as regras específicas para o atendimento de crianças e
adolescentes no país.
78
Devido às transformações que ocorreram na sociedade brasileira, houve a
necessidade de se criar instituições para o atendimento das crianças e dos adolescentes
em todo o país. A instituição encarregada do atendimento de crianças e adolescentes
até 1964 era o Serviço de Assistência ao Menor (SAM), criado em 1941. Tal serviço era
equivalente ao Sistema Penitenciário, mas direcionado para a população de menor
idade.
Em 1964 surgiu a Fundação Nacional de Bem Estar do Menor (FUNABEM),
pela Lei 4.513, que extinguiu o SAM. A FUNABEM possuía um caráter normativo e a
FEBEM31 executava o atendimento às crianças e adolescentes. A FUNABEM, com o
processo de redemocratização da sociedade brasileira, começou a mudar sua política
de atendimento, modificando as condições das medidas de internação de crianças e
adolescentes.
Foi com a promulgação da Constituição Federal de 1988 que amplas
mobilizações e movimentos foram realizados pela população para alertar sobre as
questões sociais vivenciadas pelas crianças e adolescentes no país. Como resultado
destas lutas, os direitos infanto-juvenis foram regulamentados pelo Estatuto da Criança
e do Adolescente - ECA - Lei 8.069/90, promulgada em 1990, a partir da Doutrina da
Proteção Integral.
Foi nesse contexto que o poder público e a sociedade civil passaram a ter
responsabilidades na garantia dos direitos das crianças e adolescentes, que saíram da
condição de “menores em situação irregular” para a condição de sujeitos de direitos,
sendo garantidos legalmente seus direitos fundamentais.
Para que se cumprissem os princípios da prioridade absoluta e da proteção
integral dos direitos da criança e do adolescente, o ECA sugere um trabalho articulado
em rede, denominado Sistema de Garantias de Direitos da Criança e do Adolescente,
que se apoia em três eixos estratégicos: Promoção dos Direitos, Defesa dos Direitos e
Controle Social.
O eixo da Promoção possui como principal espaço político os Conselhos dos
Direitos da Criança e do Adolescente (nacional, estaduais e municipais) que são órgãos
deliberativos e formuladores das políticas básicas. Tendo como objetivo garantir
políticas públicas que atendam as demandas de crianças e adolescentes, além de
monitorar e fiscalizar os órgãos de atendimento à população infanto-juvenil.
31
FEBEM – Fundação Estadual de Bem Estar do Menor.
79
Esse eixo propõe a execução de dois tipos de políticas públicas, as de caráter
estrutural, destinadas a todas as crianças e adolescentes, tendo como objetivo atender
os seus direitos fundamentais através das políticas sociais básicas como saúde,
educação, habitação, e ainda as políticas de assistência social, destinadas à população
em situação de vulnerabilidades sociais.
O eixo da Defesa dos Direitos da Criança e do adolescente objetiva
responsabilizar o Estado, a Sociedade e a família, pela violação dos direitos humanos
de crianças e adolescentes e pelo não atendimento ou atendimento deficiente aos seus
direitos fundamentais. Os principais órgãos públicos que atuam neste eixo de forma
integrada são os órgãos judiciais, o Ministério Público, a Defensoria Pública e os órgãos
de segurança pública (delegacias e polícias civis e militares).
O eixo do Controle da efetivação dos direitos humanos é responsável pelo
acompanhamento, monitoramento e avaliação dos eixos anteriores (Promoção e
Defesa) e dos órgãos que têm por função a garantia dos direitos de crianças e
adolescentes.
O ECA estabelece em seu artigo 19 que “Toda criança ou adolescente tem
direito de ser criado e educado no seio de sua família de origem ou em família substituta,
assegurando a convivência familiar e comunitária”.
E segundo Rizzini (2007), por convivência familiar e comunitária entende-se:
A possibilidade de a criança permanecer no meio a que pertence. De
preferência junto à sua família, ou seja, seus pais e/ou outros familiares. Ou,
caso isso não seja possível, em outra família que a possa acolher. Assim, para
os casos em que há necessidade das crianças serem afastadas
provisoriamente de seu meio, qualquer que seja a forma de acolhimento
possível, deve ser priorizada a reintegração ou reinserção familiar – mesmo
que este acolhimento tenha que ser institucional. (RIZZINI, 2007, p. 22).
A família é de grande importância na vida das crianças e dos adolescentes,
devendo ser pensada e trabalhada como melhor lugar para essa população. Porém,
quando a família, ao invés de proteger a criança e o adolescente, viola seus direitos,
uma das medidas previstas no art. 101 do ECA, para impedir a violência e a negligência
contra eles, é o acolhimento institucional.
80
O Estatuto em seu artigo 98 estabelece a aplicação de medidas de proteção,
quando os direitos da criança e do adolescente forem ameaçados ou violados: “I – por
ação ou omissão da sociedade e do Estado; II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou
responsável; e III – em razão de sua conduta.” Sendo elas:
Art. 101 – Verificada qualquer das hipóteses previstas no Art. 98, a
autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes
medidas:
I – encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de
responsabilidade;
II – orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III – matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de
ensino fundamental;
IV – inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família,
à criança ou ao adolescente;
V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em
regime hospitalar ou ambulatorial;
VI – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio,
orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
VII - acolhimento institucional;
VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar;
IX - colocação em família substituta. (Incluído pela Lei nº 12.010, de
2009).
Estabelece também que toda criança ou adolescente que estiver inserido em
programa de acolhimento institucional, no máximo a cada seis meses terá sua situação
reavaliada por equipe interprofissional ou multidisciplinar. Devendo essa equipe
informar através de relatórios a autoridade judiciária sobre a situação da criança ou
adolescente, devendo aquela decidir se colocará os mesmos em família substituta ou
será realizada a reintegração familiar.
O Acolhimento Institucional é um dos Serviços de Proteção Social Especial de
Alta Complexidade, sendo uma medida de proteção provisória e excepcional para
crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social, cujas famílias ou
responsáveis encontram-se temporariamente impossibilitados de cumprir sua função de
cuidado e proteção.
O Processo de Acolhimento Institucional inicia quando as autoridades
competentes como a Vara da Infância e da Juventude e o Conselho Tutelar, verificam
81
que as medidas adotadas para manter a criança na família de origem não surtiram
efeito, sendo necessário o afastamento da criança e ou adolescente de seu convívio
familiar.
A partir disso, eles serão encaminhados provisoriamente para uma Instituição
de Acolhimento ou de acordo as suas necessidades, com o objetivo de resguardar a
sua integridade física e afetiva, visando que as famílias consigam alcançar as condições
necessárias para que seus filhos voltem para o convívio familiar.
Conforme a pesquisa realizada, geralmente a negligência por parte dos
familiares, o abuso sexual e a violência física, são os motivos mais recorrentes que levam
as crianças e os adolescentes ao acolhimento institucional.
QUADRO 1- PRINCIPAIS MOTIVOS QUE LEVARAM AS CRIANÇAS E OS ADOLESCENTES A
SEREM INSTITUCIONALIZADOS NA CASA LAR, IDENTIFICADOS PELA EQUIPE TÉCNICA.
Motivos do Acolhimento Institucional
Negligência: 100%
Abuso Sexual: 50%
Violência física: 45%
Situação de pobreza: 20%
FONTE: Pesquisa de campo.
ORG.: O Autor (2014).
O Estatuto da Criança e do adolescente discrimina os tipos de violência a que
as crianças e adolescentes podem estar submetidos, dizendo que:
Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão
punindo na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus
direitos fundamentais. (BRASIL, 1990. Art. 5).
O artigo 7º da Lei nº 11.340/200632, estabelece que o abuso sexual pode ser
compreendido como qualquer conduta que constranja e faça presenciar, manter ou a
32
A Lei nº 11.340/2006 cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a
mulher.
82
participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça coação ou
uso da força; induzindo a comercializar ou a utilizar a sua sexualidade, mediante coação,
chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos
sexuais e reprodutivos.
A negligência pode ser classificada como um tipo de violência contra crianças
e adolescentes, sendo na maioria das vezes ocorrida no âmbito familiar, geralmente
pelo pai e/ou pela mãe das crianças e adolescentes. Ocorrendo quando os pais ou
responsáveis, mesmo tendo condições de prover para a criança e/ou adolescente as
necessidades básicas físicas e emocionais, se negam a isso. Na negligência existe a
omissão em atender suas necessidades básicas, podendo resultar em danos à criança
e ao adolescente e até mesmo em morte.
Sendo que a negligência pode ocorrer como um ato de omissão como já citado,
mas também devido à falta de condições sócio-econômicas dos pais ou responsáveis
pelas crianças e adolescentes, em que, mesmo cientes da importância de suprir as
necessidades básicas para seus dependentes, como alimentação, educação, e saúde,
não as fazem devido à escassez de recursos sociais e econômicos.
A violência física pode ser caracterizada pelo uso da força contra crianças e
adolescentes, com o objetivo de ferir, deixando ou não marcas evidentes. Segundo o
artigo 7º da Lei nº 11.340/2006, a violência física, é entendida como qualquer conduta
que ofenda sua integridade ou saúde corporal.
Durante o período em que a criança ou o adolescente estiverem em acolhimento,
deverão ser encaminhados relatórios para a Justiça da Infância e da Juventude com
periodicidade mínima semestral, para o acompanhamento da sua situação jurídicofamiliar, e a avaliação por parte da Justiça da possibilidade de reintegração familiar ou
necessidade de encaminhamento para família substituta. (CONANDA/CNAS, 2009).
È fundamental que se mantenha permanente articulação entre o Sistema de
Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (Conselho Tutelar, Justiça da Infância
e da Juventude, Ministério Público e outros), com a rede socioassistencial (Proteção
Social Básica e Proteção Social Especial), e com as demais políticas públicas - em
especial, saúde, habitação, trabalho e emprego, educação, cultura e esporte. E também
com a sociedade civil organizada (Centros de Defesa do Direito da Criança e do
Adolescente, Grupos de Apoio à Adoção, etc.). (CONANDA/CNAS, 2009).
83
2. O Processo de Reintegração Familiar realizado pela Unidade de Acolhimento
Institucional/Casa Lar
A retirada da criança ou do adolescente de seu convívio familiar de origem
acontece quando estes tiveram seus direitos violados e que necessitam ser afastados,
temporariamente, da convivência familiar ou comunitária. Porém, as famílias das
crianças e ou adolescentes acolhidos necessitam de uma intervenção para a superação
de suas dificuldades e vulnerabilidades sociais.
A preservação dos vínculos familiares após a institucionalização de crianças e
adolescentes, além de um direito estabelecido pelo ECA em seu artigo 92, é um
facilitador para a reintegração familiar.
Sendo que esses vínculos podem ser preservados, fortalecidos e por muitas
vezes até construídos por meio da viabilização de várias ações por parte da Unidade de
Acolhimento, “[...] como telefonemas, troca de cartas ou mesmo desenhos, atividades
no abrigo que incluam os familiares – por exemplo, almoços, comemorações – bem
como, estímulo à participação na vida escolar, [...] etc.”. (NECA, 2010, p. 42).
Reintegração familiar é o termo utilizado para se referir ao processo em que
crianças e adolescentes podem retornar a sua família de origem, natural ou extensa,
depois de terem passado por um acolhimento institucional. No caso das crianças e dos
adolescentes acolhidos, significa retornar à família de origem (pais, irmãos, avós, tios,
primos) ou para outras pessoas próximas, que tenham vínculos de afinidade com a
criança ou adolescente e que reúnam condições e motivações para assumi-las.
Essas ações devem ser realizadas na família de origem, ou na família
ampliada, como tios, avós, primos, entre outros. Esses familiares devem exercer relação
de afinidade, cuidado e proteção significativos às crianças e adolescentes que se
encontram institucionalizados.
Porém, na realidade brasileira, e na Casa Lar do Município de Carambeí,
identificamos as contradições da necessidade do acolhimento institucional pelo menor
tempo possível e a sua real efetivação, e que esse se prolonga também devido à falta
de ações, projetos e programas que favoreçam e efetivem a reintegração familiar dessas
crianças e adolescentes institucionalizados.
O que se faz necessário, é o fortalecimento das famílias, buscando a
autonomia, a melhoria da auto-estima e das condições de vida desses familiares,
84
permitindo que se identifiquem potencialidades, perspectivas de vida e de mudanças
significativas que favoreçam a convivência familiar, assim viabilizando a reintegração e
diminuindo o tempo de permanência dessas crianças e adolescentes na instituição de
acolhimento.
Além das dificuldades para efetivar o processo de reintegração familiar, outra
questão é a dificuldade para a garantia do direito à convivência familiar e comunitária,
pois muitos adolescentes não possuem mais o perfil requerido por adotantes para
colocação em família substituta, pois no Brasil muitos candidatos pensam em adotar
crianças já com um perfil pré-estabelecido: branca, com até três anos de idade, pois
possuem o desejo de que a criança tenha semelhanças físicas com a família.
Percebemos que por muitas vezes toda a abordagem de como devem ser
realizados os serviços de acolhimento para o segmento infanto-juvenil, não está sendo
concretizada na realidade institucional e na prática dos profissionais.
Assim, em seguida será discutido sobre a longa permanência de crianças e
adolescentes em acolhimento institucional, e as consequências presentes e futuras que
acarretam na vida dos mesmos.
3. As consequências presentes e futuras da longa permanência de
crianças e adolescentes em acolhimento institucional
Nosso objetivo não é afirmar que a instituição de acolhimento seja um mal e
cause grandes danos às crianças e aos adolescentes acolhidos, pois muitas vezes,
estas cumprem o papel de garantir os direitos e proteger, afastando-as de inúmeras
situações de risco, tais como maus tratos, negligência, abusos físicos e sexuais.
Entretanto, o que se deve evitar é o tempo prolongado de permanência de crianças e
adolescentes.
Percebemos que as crianças e adolescentes acolhidos por longo período de
tempo vivenciam uma situação de vulnerabilidade física, emocional e social. Sendo que
a institucionalização prolongada acaba potencializando outros fatores de risco para que
essas crianças vivenciem episódios de revitimização dentro da instituição que deveria
protegê-las.
A institucionalização prolongada pode impedir a ocorrência de condições
favoráveis para o desenvolvimento da criança e do adolescente, devido as suas rotinas
85
rígidas, pelo convívio restrito às mesmas pessoas, falta de vida em família e
comunidade, não tendo a oportunidade de trocas afetivas significativas.
Eles podem apresentar marcas muitas vezes profundas e sempre dolorosas,
que se não forem trabalhadas de formas adequadas por profissionais capacitados,
podem permanecer por toda a vida das crianças e dos adolescentes, inclusive com
reflexos na saúde mental.
Evidenciam-se as contradições apresentadas nessa situação, onde a medida
de proteção vai garantir direitos básicos que poderiam já ter sido assegurados às
famílias das crianças e dos adolescentes institucionalizadas, evitando por muitas vezes
a separação do segmento infanto-juvenil de suas famílias de origem.
A vivência no espaço institucional, quando não transitória e breve, além de violar
o direito fundamental à convivência familiar e comunitária, pode causar às crianças e
adolescentes graves consequências, em especial no campo psíquico e emocional, com
reflexos na vida adulta.
Portanto, mostra-se a necessidade da realização de um trabalho institucional
comprometido, garantindo melhores condições para o desenvolvimento infanto-juvenil,
buscando apoiar e orientar as famílias dos acolhidos, assim podendo realizar o processo
de reintegração familiar.
Com a realização da pesquisa foi possível identificar a necessidade da família
natural do segmento infanto-juvenil ser pensada e trabalhada como o melhor lugar para
a criança e o adolescente, e conforme consta nas legislações, somente quando não
existirem mais possibilidades de retorno, após intenso trabalho multidisciplinar e
intersetorial das políticas públicas, é que a possibilidade de família substituta pode ser
cogitada.
Sendo necessário que as metas e ações para efetivar os direitos de crianças e
adolescentes, sejam avaliadas e aprimoradas a partir da prática profissional e das
necessidades do cotidiano, desenvolvendo das potencialidades das crianças e dos
adolescentes acolhidos e de seus familiares, visando o fortalecimento dos vínculos
familiares e comunitários.
CONCLUSÃO
86
O trabalho exposto teve por finalidade identificar o processo de reintegração
familiar de crianças e adolescentes institucionalizados na Casa Lar do município de
Carambeí-Paraná.
Com o resgate histórico sobre o acolhimento institucional de crianças e
adolescentes no Brasil, foi possível identificar que a Constituição Federal de 1988 e o
Estatuto da Criança e do Adolescente, romperam com muitos paradigmas, pois nas
normatizações anteriores, a população infanto-juvenil era considerada como “menores
em situação irregular”.
Sabe-se que a permanência da criança e do adolescente na Instituição deve
ser o menor possível, com o objetivo de fortalecer os vínculos familiares e comunitários,
para que eles possam retornar para a família, evitando a reincidência no acolhimento
institucional. Sendo que a vivência em instituições, quando não transitória e breve, além
de violar o direito fundamental à convivência familiar, pode causar à crianças e
adolescentes graves consequências, em especial no campo psíquico e emocional, com
reflexos na vida adulta.
A institucionalização prolongada pode impedir a ocorrência de condições
favoráveis para o desenvolvimento da criança e do adolescente, que por muitas vezes
perdem a noção de família, a noção de que eles possuem e pertencem a uma família.
Mostra-se importante o trabalho com as famílias de origem das crianças e
adolescentes institucionalizadas, e que as ações devem acontecer de forma
comprometida com o objetivo de promover a autonomia e a emancipação dessas
famílias, diminuindo assim o tempo de permanência em acolhimento institucional,
fortalecendo seus vínculos familiares.
È necessário que as políticas públicas atendam essas famílias em suas
necessidades fundamentais, para que possam prover um ambiente adequado para seus
filhos e para que o direito à convivência familiar e comunitária seja realmente efetivado,
ocorrendo também o comprometimento de todos e principalmente dos gestores das
políticas públicas dos Municípios com essa questão.
Percebemos que por muitas vezes as mudanças advindas pela Constituição e
pelo ECA, não foram suficientes para acabar com antigas práticas e desconstituir uma
cultura de institucionalização prolongada de crianças e adolescentes.
Deste modo, identificamos que as instituições de acolhimento devem rever
suas ações, melhorando-as no sentido de atender integralmente o que estabelece a
Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Plano Nacional
87
de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência
Familiar e Comunitária e as Orientações Técnicas para as Instituições de Acolhimento
para Crianças e Adolescentes. Garantindo assim ao seguimento infanto-juvenil a
efetivação de seus direitos, e que o seu tempo em acolhimento institucional seja o
menos possível.
Conclui-se que para que se possa garantir o direito de todas as crianças e
adolescentes, e diminuir o seu tempo de permanência em instituições de acolhimento,
é necessário a articulação de todas as políticas públicas, e que essas sejam eficientes
e eficazes, atendendo às demandas de famílias, crianças e adolescentes em situação
de acolhimento institucional.
REFERÊNCIAS
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Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/19101929/D17943A.htm>. Acesso em: 22/12/2015.
BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei n. 8.069, de 13 de julho
de 1990, com as alterações da lei 12.010 de 03 de agosto de 2009.
BRASIL. Lei n° 11.340, de 07 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir
a violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 24/12/2015.
BRASIL. Presidência da República. Constituição Federal de 1988.
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Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA).
Plano
Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e
Adolescentes à Convivência Familiar e comunitária. Brasília, 2006.
88
BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial de direitos Humanos.
Conselho Nacional dos direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA).
Ministério
do desenvolvimento social e combate a Fome (MDS). Conselho Nacional de
Assistência Social (CNAS). Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para
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NECA, Associação dos Pesquisadores de Núcleos de Estudos e Pesquisas
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<http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/infancia-e-juventude/cadastro-nacional-deadocao-cna>. Acesso em: 27/12/2015.
RIZZINI, Irene, RIZZINI, Irmã. A institucionalização de crianças no Brasil:
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<http://bdm.bce.unb.br/handle/10483/720>. Acesso em: 20/12/2015.
89
POLÍTICAS PÚBLICAS, TERRITÓRIO E CONDICIONALIDADES DO
PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA EM PARANAVAÍ/PR: REVISÃO
BIBLIOGRÁFICA E DOCUMENTAL
Keila Pinna Valensuela33
Aline Lopes de Sousa34
33
Mestre em Serviço Social e Política Social pela Universidade Estadual de Londrina
(UEL). Docente do curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná, UNESPAR
Campus Paranavaí. E-mail: [email protected]
34 Orientanda do Programa de Iniciação Científica (PIC) e discente do curso de Serviço
Social da Universidade Estadual do Paraná, UNESPAR Campus Paranavaí. E-mail:
[email protected]
90
RESUMO: O objeto de pesquisa em questão refere-se ao cumprimento
das condicionalidades do Programa Bolsa Família no âmbito da gestão
municipal, considerando a abordagem do território entre as políticas públicas,
sobretudo da Assistência Social, Educação e Saúde de Paranavaí/PR, que são
fundamentais para a construção deste programa. A proposta basear-se-á na
investigação do objeto de pesquisa por meio da técnica da triangulação que
consiste na combinação de diversas metodologias qualitativas. Para tanto,
analisamos as condicionalidades do Programa Bolsa Família, a partir da
perspectiva de território e territorialidade. Em síntese, apontamos limites e
possibilidades no processo de gestão e operacionalização do Programa Bolsa
Família nas políticas sociais envolvidas, promovendo o distanciamento do senso
comum acerca deste programa de transferência de renda reconhecido nacional
e internacionalmente.
PALAVRAS-CHAVE: Políticas Públicas. Programa Bolsa Família.
Condicionalidades. Território. Territorialidade.
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa de iniciação científica (PIC) esteve vinculada a
proposta de Tempo Integral de Dedicação Integral (TIDE) da docente locada no
colegiado de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná, UNESPAR
Campus Paranavaí. A operacionalização desta pesquisa qualitativa contou com
a contribuição de duas discentes do curso de Serviço Social com carga horária
de 12 horas semanais cada.
A pesquisa provém das discussões realizadas quinzenalmente no
grupo de estudos e pesquisas “Desigualdades Territoriais e Proteção Social”,
direcionadas ao objeto: Território e Condicionalidades do Programa Bolsa
Família.
Diante do exposto e considerando o objeto desta pesquisa, partimos
do seguinte problema: como o município de Paranavaí tem se organizado
territorialmente para ofertar serviços, sobretudo, na Assistência Social,
Educação e Saúde que facilitem o cumprimento das condicionalidades para as
famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família?
91
Partindo desse pressuposto, elencamos como objetivo geral: analisar
o (des)cumprimento de condicionalidades do Programa Bolsa Família a partir da
lógica territorial das Políticas de Assistência Social, Educação e Saúde em
Paranavaí/PR. E como objetivos específicos:
• Identificar a concepção de território para as Políticas de Assistência
Social, Educação e Saúde, apontando as devidas semelhanças e distinções
identificadas pela gestão municipal.
• Caracterizar a configuração dos serviços municipais nas áreas de
Assistência Social, Educação e Saúde na perspectiva da territorialidade, fazendo
as devidas comparações.
• Levantar os limites e possibilidades dos territórios vulneráveis de
Paranavaí/PR no que tange ao cumprimento das condicionalidades das famílias
beneficiárias do Programa Bolsa Família.
Quanto ao desenvolvimento da pesquisa qualitativa, em princípio
realizamos
uma
revisão
bibliográfica
e
documental
sobre
Território,
Territorialidade e suas implicações no cumprimento de condicionalidades do
Programa Bolsa Família. Posteriormente, desenvolvemos a pesquisa de campo.
Quanto a análise das informações, por meio de um exame mais
aprofundado,
buscamos
estabelecer
aproximações,
contradições
e
comparações entre os dados colhidos, utilizando a técnica de triangulação35, por
meio da análise estatística, documental e de conteúdo.
OS PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA NO BRASIL E O
IMPACTO SOCIAL DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NA
CONTEMPORANEIDADE
35
Segundo Minayo (2013), a técnica de triangulação consiste em uma dinâmica de
investigação que integra processos de pesquisa objetiva e subjetiva na análise de estruturas,
dos processos e dos resultados, implica na compreensão das relações envolvidas e na visão dos
diferentes atores sociais.
92
Para Silva (2014), na atualidade, o Bolsa Família é o maior programa
de transferência de renda condicionada em implementação no Brasil desde
2003. Surgiu com o propósito de unificar os programas federais da mesma
natureza e que estavam sendo implementados desde 1995 no país: Bolsa
Escola, Bolsa Alimentação, Cartão Alimentação, Vale Gás e, posteriormente, o
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI).
Iniciado em 2003, no governo petista do Presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, foi marcado pelo Fome Zero, principal estratégia do enfrentamento da
fome e da pobreza no Brasil que foi coordenado, a partir de janeiro de 2004, pelo
Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).
A presidenta Dilma Rousseff, também do Partido do Trabalhadores,
em 2011 assume o governo e constitui três eixos programáticos no processo de
operacionalização do Programa Bolsa Família (PBF): transferência direta de
renda, inclusão produtiva e ampliação de serviços sociais básicos.
A prioridade do programa é a erradicação da pobreza no Brasil,
portanto, seu principal critério de inclusão é, para famílias pobres, uma renda per
capita familiar de até R$ 140,00 e de até R$ 70,00 para famílias extremamente
pobres.
O perfil socioeconômico das famílias atendidas pelo PBF é fornecido
pelo Cadastro Único (CadÚnico), que foi instituído em julho de 2001 via Decreto
nº. 3.877, sendo atualmente regulamente pelo Decreto nº. 6.135 de 26 de junho
de 2007. Cobo (2012) afirma que o Cadúnico é um instrumento de identificação
e caracterização socioeconômica das famílias brasileiras de baixa renda, a ser
obrigatoriamente utilizada para seleção de beneficiários e integração de
programas sociais do governo federal ao atendimento do público alvo.
93
Silva (2014) também salienta o Índice de Gestão Descentralizada
(IGD) enquanto indicador que mostra a qualidade da gestão descentralizada do
PBF, tendo como objetivo medir a qualidade da gestão municipal e do Cadastro
Único, constituindo-se também numa forma de controle sobre o cumprimento
das condicionalidades do Programa no âmbito da Assistência Social, Educação
e Saúde.
Segundo dados do MDS (2015), o PBF encontra-se implementado em
5.565 municípios, atendendo um público de 14.086.199 famílias e representa o
repasse de R$ 2.139.325.691,00. Com o último reajuste concedido em abril de
2011, o valor médio da transferência monetária para as famílias ficou em R$
115,00, podendo varia de R$ 32,00 a R$ 242,0036.
Os benefícios do Programa Bolsa Família contemplam: benefício
básico, benefício variável de 0 a 15 anos, benefício variável à gestante, benefício
variável vinculado ao adolescente de 16 a 17 anos, benefício para superação de
extrema pobreza37.
Ressalta-se que o Programa Bolsa institui-se a partir da Lei Nº 10.836,
de 9 de janeiro de 2004, Art.13 e é regulamentada pelo Decreto Nº 5.209 / 2004
que prevê, dentre outras ações, as condicionalidades envolvendo basicamente
as políticas de Assistência Social, Saúde e Educação.
Considerando o lócus da pesquisa, elencamos dados importantes
sobre a realidade. No território do Estado do Paraná, consta no Relatório de
Informações Sociais (MDS, 2015), encontra-se numa área de 1.202,47, com um
total de habitantes de 81.590, com um total de famílias de 26.319. Foram
destinados, no ano de 2014, o montante de R$ 697.177.161,00. Para o município
de Paranavaí o recurso foi de R$ 4.848,883,00. As famílias que receberam foram
36
37
Dados disponíveis no site www.mds.gov.br. Acesso em 21 janeiro 2014.
Mais informações, acessar www.mds.gov.br/bolsafamilia/beneficios
94
3.241 e os benefícios pagos foram de R$ 72,00 a R$ 6.408,00 no ano, com
parcelas que variam de R$ 72,00 a R$ 618,00 mensais.
De acordo com o MDS (2015), o PBF beneficiou, no mês de agosto
de 2015, 2.227 famílias, numa cobertura de 109,6% das famílias do município,
num valor médio de R$ 151,67 por família.
AS CONDICIONALIDADES DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA
As condicionalidades são de responsabilidade do MDS em articulação
com os Ministérios da Saúde e Educação por meio de repasse de informações
e prestações de contas via sistemas específicos38, com registros regulares e
cumprimento de calendários fixados previamente.
As famílias beneficiárias do Bolsa Família têm liberdade na aplicação
do benefício monetário recebido, podendo permanecer no Programa
enquanto atendam aos critérios de elegibilidade e cumpram as
condicionalidades, na Educação: matrícula de crianças e adolescentes
de 6 a 17 anos na escola; frequência regular mínima de 85% das aulas
para as crianças de 6 a 15 anos e de 75% para jovens de 16 a 17 anos;
na Saúde: frequência de crianças de 0 a 7 anos de idade aos postos
de saúde para vacinação, pesar, medir e fazer exames de proteção
básica à saúde, incluindo também a frequência de mulheres gestantes
aos exames de rotina; na Assistência Social: as crianças e
adolescentes de até 16 anos, em situação de risco ou retirados do
trabalho infantil pelo PETI, devem ter uma frequência mínima de carga
horária mensal de 85% aos Serviços de Convivência e Fortalecimentos
de Vínculos (SCFV). Essas condicionalidades são consideradas pelo
MDS compromissos atribuídos às famílias beneficiárias para o
recebimento do benefício financeiro do Programa, igualmente são
considerados compromissos do poder público, responsável pela oferta
dos serviços públicos de saúde, educação e assistência social (SILVA,
2014, p.170).
O descumprimento de condicionalidades é fixado pela Portaria
GM/MDS nº 321 de setembro de 2008 que perpassa pela advertência escrita,
bloqueio do benefício por 30 dias, suspensão por 60 dias e o cancelamento do
38
O registro de descumprimento é feito no Sistema de Condicionalidades do Programa
Bolsa Família (SICON).
95
benefício. Para que possam continuar a receber o benefício monetário, o PBF
propõe condicionalidades a serem compridas pelas famílias.
Em relação às condicionalidades, o MDS (2015) aponta o
acompanhamento da frequência escolar em Paranavaí/PR. Com base no
bimestre de maio de 2015, atingiu o percentual de 90,3%, para crianças e
adolescentes entre 6 e 15 anos, o que equivale a 2.787 alunos acompanhados
em relação ao público no perfil equivalente a 3.085. Para os jovens entre 16 e
17 anos, o percentual atingido foi de 82,2%, resultando em 511 jovens
acompanhados de um total de 622. E o total de crianças e adolescentes das
famílias do PBF no município equivale 3.921.
Segundo o MDS (2015), “o acompanhamento da saúde das famílias,
na vigência de dezembro de 2014, atingiu 83,5 %, esse percentual equivale a
2.020 famílias de um total de 2.419 que compunham o público no perfil para
acompanhamento da área de saúde do município. Esses dados correspondem
a 72 gestantes acompanhadas com o pré-natal em dia. Crianças acompanhadas
são 1.316 de até 7 anos, 1.306 estão com vacinação em dia, os dados
nutricionais das crianças são de 1.231. E as que não tiveram acompanhamentos
na saúde foram de 399 famílias de Paranavaí-PR.
Conforme o MDS (2015), neste período, o descumprimento de
condicionalidades na saúde e na educação totaliza 104 famílias, distribuídas em
advertências, bloqueios, suspensões e cancelamentos: 81 famílias foram
advertidas, 18 famílias bloqueadas não tendo registro de suspensão e
cancelamentos. Contudo, 39 famílias estão em fase de suspensão.
TERRITÓRIO, TERRITORIALIDADE E PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA
Para compreender essa discussão sobre território e territorialidade
nos fundamentamos em Milton Santos (2001) que, a grosso modo, entende
96
território geralmente como a extensão apropriada e usada pelos atores sociais
que o utilizam, portanto envolve ação humana; mas o sentido de territorialidade
é sinônimo de “pertencer àquilo que nos pertence”, isto é, o sentimento de
pertencimento que ultrapassa a dimensão geográfica ou política-administrativa.
No âmbito da Assistência Social, Couto, Yazbek, Raichelis (2012, p.
63) ressalta:
Trata-se de uma dimensão potencialmente inovadora, pelo
entendimento do território: como espaço usado (Milton Santos, 2007),
fruto de interações entre os homens, síntese de relações sociais; como
possibilidade de superação da fragmentação das ações e serviços,
organizados na lógica da territorialidade; como espaço onde se
evidenciam as carências e necessidades mas também onde se forjam
dialeticamente as resistências e as lutas coletivas.
Nesta perspectiva, Couto, Yazbek, Raichelis (2012, p. 73) ressalta
que “o território é também o terreno das políticas públicas, onde se concretizam
as manifestações da questão social e se criam os tensionamentos e as
possibilidades para seu enfrentamento”.
Na educação, a territorialidade ganha visibilidade no contexto
educacional. O conceito de território associado a educação direciona-se na
discussão de políticas que visem a superação da crise da escola brasileira.
Canário (1996) ainda menciona que, apesar da questão do território
ser incontornável, há uma distorção entre teoria e prática: fala-se em territórios
educativos, mas o que se objetiva são, na verdade, territórios escolares,
sobretudo na perspectiva de educação integral. Fala-se em territórios no aspecto
espacial de aprendizagem, isto é, ampliação de atividades dos alunos em
múltiplos espaços, com o objetivo de proporcionar a formação integral dos
mesmos.
Segundo Arguelles (2014), a relação entre contextos não-escolares,
formação de redes setoriais e Educação Integral é o que predomina na relação
educação e território. Em linhas gerais, esse tipo de análise defende mais espaço
97
para a emergência de outros atores sociais que, de certa forma, dividiriam com
a escola o protagonismo no processo educacional.
No campo da saúde, Gondim et al (2014) afirma que conceito de
território parte da categoria espaço e vem sendo utilizado com ênfase enquanto
abordagem fundamental para dar suporte ao conceito de risco, em função das
múltiplas possibilidades que se tem em localizar e visualizar populações, objetos
e fluxos, e de se espacializar a situação de saúde através da distribuição de
indicadores socioeconômicos, sanitários e ambientais que revelam as condições
de vida das pessoas em seu interior.
O reconhecimento desse território possibilita a caracterização
da população e de seus problemas de saúde, bem como para
avaliação do impacto dos serviços sobre os níveis de saúde dessa
população. O espaço-território, muito além de um simples recorte
político-operacional do sistema de saúde, é o locus onde se verifica a
interação população-serviços no nível local. [...] Esse território
apresenta, portanto, muito mais que uma extensão geométrica,
também um perfil demográfico, epidemiológico, administrativo,
tecnológico, político, social e cultural que o caracteriza e se expressa
num território em permanente construção (MENDES, 1993;
BARCELLOS E ROJAS, 2004 apud GONDIM, 2014, p. 2-3).
Reconhecemos a pluralidade no que tange as abordagens da
territorialização pelas políticas sociais envolvidas, o que consequentemente
implica na organização das ações, serviços, programas e projetos das diversas
áreas, inclusive da saúde.
A territorialização de atividades de saúde vem sendo preconizada por
diversas iniciativas no interior do Sistema Único de Saúde (SUS), como
o Programa Saúde da Família, [...]. No entanto, essa estratégia, muitas
vezes, reduz o conceito de espaço, utilizado de uma forma meramente
administrativa, para a gestão física dos serviços de saúde,
negligenciando-se o potencial deste conceito para a identificação de
problemas de saúde e de propostas de intervenção. (MONKEN;
BARCELLOS, 2005, p. 898).
Em síntese, parafraseando Milton Santos, concluímos que o território
não é fixo, inerte, pois é no território que se manifesta o exercício do poder, de
correlações de poder.
98
CONCLUSÃO
O Bolsa Família é o maior programa de transferência de renda
condicionada da história brasileira, todavia sempre suscitou polêmicas,
sobretudo no que se refere as condicionalidades na Assistência Social,
Educação e Saúde.
Embora as condicionalidades em Paranavaí/PR tenham alcançado
índices significativos, a definição e a configuração do território e da
territorialidade por se constituir plural e contraditória tem trazido implicações no
âmbito da gestão e execução de políticas públicas envolvidas.
REFERÊNCIAS
ARGÜELLES, Regis. Escola, Território e Educação Integral: por uma
reflexão
crítica.
Disponível
em:
<http://educacaointegral.wordpress.com/2009/10/20/escola-territorio-eeducacao-integral-por-uma-reflexao-critica/>. Acesso em: 10 mar. 2014.
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prioritária: uma análise crítica. Florianópolis-SC: UFSC, 2004. p. 47-77.
COBO, Barbara. Politicas focalizadas de transferência de renda:
contextos e desafios. São Paulo: Cortez, 2012.
COUTO, Berenice Rojas; YAZBEK, Maria Carmelita; RAICHELIS, Raquel.
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problematizando fundamentos e conceitos. In: COUTO, Berenice Rojas et al. O
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3 ed. rev. e atual. São Paulo: Cortez, 2012. p.54-87.
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sistema
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etalhado. Acesso em: 18 agosto 2015, 20:49.
1. _________. RELATÓRIOS DE INFORMAÇÕES SOCIAIS.
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99
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MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento:
pesquisa qualitativa em saúde. 13. ed. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro:
Abrasco, 2013.
SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil: território e sociedade
no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001.
SILVA, Maria Ozanira da Silva e. O Bolsa Família: Intersetorialidade –
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território utilizado: possibilidades teóricas e metodológicas. 2005. Disponível
em:<http://www.scielosp.org/pdf/csp/v21n3/24.pdf. Acesso em: 22 agosto 2015,
16:20.
POLÍTICAS PÚBLICAS, TERRITÓRIO E CONDICIONALIDADES DO
PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA EM PARANAVAÍ/PR: APRESENTAÇÃO DA
PESQUISA EMPÍRICA
100
Keila Pinna Valensuela39
Priscila de Lima Santana40
RESUMO: Essa pesquisa tem como objeto de análise o cumprimento das
condicionalidades do Programa Bolsa Família em Paranavaí/PR, considerando
a abordagem de território e territorialidade entre as políticas públicas envolvidas
na gestão e execução deste programa, com enfoque na Assistência Social,
Educação e Saúde. Para a investigação do objeto de pesquisa adotar-se-á a
técnica da triangulação que consiste na combinação de múltiplas metodologias
qualitativas com o escopo de analisar as condicionalidades do Programa Bolsa
Família, envolvendo os diversos sujeitos sociais: gestores do Programa Bolsa
Família, operadores do Cadastro Único e as famílias beneficiárias. Em síntese,
apontamos limites e possibilidades no processo gerencial e de
operacionalização do Programa Bolsa Família desenvolvidos pelas políticas
sociais, assim como as potencialidades e fragilidades das famílias beneficiadas,
desmistificando mitos e preconceitos acerca deste programa de transferência de
renda reconhecido nacional e internacionalmente.
PALAVRAS-CHAVE: Políticas Públicas. Programa Bolsa Família.
Condicionalidades. Território. Territorialidade.
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa de iniciação científica (PIC) esteve vinculada a
proposta de Tempo Integral de Dedicação Integral (TIDE) da docente locada no
colegiado de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná, UNESPAR
Campus Paranavaí e contou com a contribuição de duas discentes do curso de
Serviço Social com carga horária de 12 horas semanais cada.
A pesquisa provém das discussões realizadas quinzenalmente no
grupo de estudos e pesquisas “Desigualdades Territoriais e Proteção Social”,
direcionadas ao objeto: Condicionalidades do Programa Bolsa Família na
perspectiva territorial.
Diante do exposto e considerando o objeto desta pesquisa, partimos
do seguinte problema: como o município de Paranavaí tem se organizado
39
Mestre em Serviço Social e Política Social pela Universidade Estadual de Londrina
(UEL). Docente do curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná, UNESPAR
Campus Paranavaí. E-mail: [email protected]
40
Orientanda do Programa de Iniciação Científica (PIC) e discente do curso de Serviço
Social da Universidade Estadual do Paraná, UNESPAR Campus Paranavaí. E-mail: [email protected]
101
territorialmente para ofertar serviços, sobretudo, na Assistência Social,
Educação e Saúde que facilitem o cumprimento das condicionalidades para as
famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família?
Partindo desse pressuposto, elencamos como objetivo geral: analisar
o (des)cumprimento de condicionalidades do Programa Bolsa Família a partir da
lógica territorial das Políticas de Assistência Social, Educação e Saúde em
Paranavaí/PR. E como objetivos específicos:
• Identificar a concepção de território para as Políticas de Assistência
Social, Educação e Saúde, apontando as devidas semelhanças e distinções
identificadas pela gestão municipal.
• Caracterizar a configuração dos serviços municipais nas áreas de
Assistência Social, Educação e Saúde na perspectiva da territorialidade, fazendo
as devidas comparações.
• Levantar os limites e possibilidades dos territórios vulneráveis de
Paranavaí/PR no que tange ao cumprimento das condicionalidades das famílias
beneficiárias do Programa Bolsa Família.
Quanto ao desenvolvimento da pesquisa qualitativa, em princípio
realizamos uma revisão bibliográfica e documental. Posteriormente realizamos
pesquisa de campo.
Utilizamos como coleta de dados a entrevista semiestruturada. Foram
entrevistados 10 sujeitos, sendo eles: as coordenadoras responsáveis pelo
acompanhamento das condicionalidades na área da Educação e Saúde; a
gestora e a coordenadora do Cadastro Único e do Programa Bolsa Família na
área da Assistência Social; 2 entrevistadores/operadores do Cadastro Único
alocados no CRAS Maringá e CRAS Vila Operária; 2 famílias referenciadas no
CRAS Maringá e 2 famílias do CRAS Vila Operária, considerando as famílias
com maior e menor índice de reincidência no descumprimento de
condicionalidades do Programa Bolsa Família. Os Centros de Referência de
Assistência Social (CRAS) a serem pesquisados foram escolhidos considerando
os seguintes critérios: o território com maior índice de cumprimento de
condicionalidades que corresponde ao CRAS Maringá; e um dos territórios com
102
menor índice de cumprimento de condicionalidades no município que
corresponde aos CRAS da Vila Operária, segundo informações do Portal da
Transparência41.
Quanto a análise das informações, utilizamos a técnica de
triangulação42, por meio da análise estatística, documental e de conteúdo.
O
PROGRAMA
BOLSA
FAMÍLIA
EM
PARANAVAÍ/PR:
APRESENTAÇÃO DOS DADOS COLETADOS NA PESQUISA EMPÍRICA
O
Programa
Bolsa
Família,
sempre
suscitou
polêmicas,
sobretudo no que se refere as condicionalidades, como aponta Silva
(2014, p. 171-173):
As condicionalidades do Bolsa Família têm originado
questões polêmicas, consensuais, antagônicas ou divergentes
entre estudiosos, políticos, mídia, usuários e outros suj eitos
sociais envolvidos com o Programa. Nesse aspecto, tenho
identificado
diferentes
entendimentos
sobre
as
condicionalidades
no
Bolsa
Família,
permitindo
a
sistematização das seguintes concepções: a. condicionalidades
enquanto acesso a ampliação de direitos [...]; b. as
condicionalidades enquanto negação de direitos [...]; c. as
condicionalidades enquanto questão política e imposição
moralista conservadora [...].
Nesta pesquisa identificamos pelo menos dois destes entendimentos,
embora que em termos gerais os entrevistados são unânimes em afirmar que o
Programa Bolsa Família é um programa de inclusão, isto é, um dos melhores
programas de transferência de renda direta para famílias em situação de pobreza
e extrema pobreza. Contudo são contraditórias as análises dos entrevistados
sobre o programa.
41
Segundo MDS (2015), a lei que criou o Programa Bolsa Família - Lei n°10.836, de
janeiro de 2004, Art.13 - prevê que deve ser de acesso público a lista dos beneficiários com os
respectivos valores transferidos. A divulgação é feita vias eletrônicas e a relação pode ser vista
no site da Caixa Econômica Federal e também no portal da transparência. Mais informações
acessar: http://transparencia.gov.br/
42 Segundo Minayo (2013), a técnica de triangulação consiste em uma dinâmica de
investigação que integra processos de pesquisa objetiva e subjetiva na análise de estruturas,
dos processos e dos resultados, implica na compreensão das relações envolvidas e na visão dos
diferentes atores sociais.
103
Semelhante a concepção A, identificamos o entendimento de
condicionalidades enquanto acesso a ampliação de direitos para as famílias
beneficiárias, vislumbrando “quebrar o ciclo, mudar a vida, ter a qualidade de
vida” (GESTORA 3).
Complementando a ideia, a Gestora 4 ressalta a principal finalidade
das condicionalidades: “diretamente o acompanhamento das famílias pela
Assistência, Saúde e Educação podem refletir no rompimento histórico da
situação de pobreza passada de geração para geração”. Vale salientar que a
pobreza é uma questão estrutural, mas assume distintos contornos no contexto
sócio histórico, portanto o rompimento da situação de pobreza nas famílias não
é algo que dependa do esforço individual, embora essa seja a ideia
equivocadamente enraizada na sociedade.
Identificamos
ainda,
nesta
pesquisa,
o
entendimento
das
condicionalidades como “compromisso” e não como “obrigação”, partindo “da
perspectiva de direitos e deveres”, afirma a operadora do CRAS 2 e
complementa a operadora do CRAS 1 que “esses compromissos são assumidos
pelas famílias e poder público”, portanto constituindo-se um compromisso de
ambos.
No entendimento de condicionalidades enquanto questão política e
imposição moralista conservadora, referente a concepção C, os beneficiários
são culpabilizados pelo não cumprimento das exigências do programa, o que
implica na criminalização da pobreza.
Algumas frases das entrevistadas como “a ajuda deveria ser
provisória”, “os usuários não se apoderam do programa”, “estimula a
dependência dos usuários do programa”; “acarreta um comodismo”; “famílias
consciente, quando superam a situação e vulnerabilidade [...], propõe o
desligamento voluntário” são expressões comuns, principalmente da gestão,
desconsiderando a noção de direito.
Segundo Silva (2014, p. 173), nesse processo “[...] não é considerado
a possibilidade da inexistência ou da precariedade dos serviços ofertados, não
sendo o Estado responsabilizado ou punido pela omissão na prestação inclusive
104
dos serviços básicos para a população [...]”. Partindo desse pressuposto, a
autora alerta que “assumimos a perspectiva de troca, concessão e a
contrapartida, esvaziando a noção de proteção social como dever do Estado”.
Não identificamos a concepção B, que entende as condicionalidades
enquanto negação de direitos, isto é, de acordo com Silva (2014, p. 172), “essa
concepção considera que a um direito não se deve exigir qualquer condição, no
caso, representada pelas condicionalidades”. Neste prisma, entendemos que
para a garantia e efetivação da cidadania e dos direitos, não se impõe
obrigações.
As entrevistadas defendem a perspectiva punitiva e fiscalizatória em
torno do PBF. “Essa concepção fundamenta o dever do Estado por desenvolver
o controle e o desligamento dos beneficiários que não cumprem o que se
denomina de condicionalidades” (SILVA, 2014, p. 172-173). A possibilidade de
isentar os beneficiários somente é considerada em casos que se comprovem
que o descumprimento não dependeu deles, o que dificilmente acontece, aponta
a autora.
A gestão precisa criar estratégias que facilitem o cumprimento das
condicionalidades e observar as condições concretas. Para exemplificar, a
Gestora 1, cita as Unidades Básicas de Saúde, Escolas, Centro de Referências
de Assistência Social que devem ser próximas as residências das famílias
beneficiárias pelo PBF; e se distante, pensar no acesso a meios de transportes
públicos, dentre outras diversas ações de natureza intersetorial.
Os impactos provocados pelo PBF são complexos, antagônicos e
abrangentes. A gestão entende, por exemplo, que o programa não reflete
positivamente somente na vida dos beneficiários por meio do acesso a direitos
sociais básicos, mas também da comunidade local, partindo da perspectiva de
mercado, consumo, da economia da sociedade capitalista.
Essa ideia é reforçada pelas Gestoras 1 e 4. Elas apontam cerca de
R$ 400.000,00 que circula mensalmente no comércio local, promovendo o
desenvolvimento do município.
105
Na nossa pesquisa ainda identificamos que é unânime por parte dos
entrevistados
o
reconhecimento
da
necessidade
de
melhorias
no
acompanhamento gerencial das condicionalidades, conforme observamos em
outra fala: “deveriam ser disponibilizados além dos recursos financeiros, cursos
técnicos e meios dessas famílias de fato superarem a pobreza e situação de
risco em que se encontram” (GESTORA 2).
Partindo desse pressuposto a Gestora 1 complementa a necessidade
de investir em cursos do PRONATEC43 para qualificação profissional dos
beneficiários, mas ressalta que estas famílias são as que menos adere a
proposta. A medida que ela não explica os motivos penaliza a família
beneficiária.
Contudo, as entrevistadas apontam outras limitações do PBF que
impedem a erradicação da pobreza e miséria, contrariando o escopo do
programa. Embora a Operadora do CRAS 1 reafirma que é um programa de
“combate à pobreza e miséria, para reduzir a desigualdade social”; a Operadora
do CRAS 2 faz uma ressalva: “é alívio imediato da pobreza”.
Ressaltam ainda necessidade de um replanejamento para agilizar o
sistema, o cadastramento e favorecer o cumprimento de condicionalidades por
meio de ações acessíveis a população. Apontam a fragilidade do monitoramento
e a omissão de informações como os principais pontos a serem revistos, pois
estes podem facilitar a ocorrência de fraudes.
Esses casos de omissão de informações referem-se, principalmente,
a situação ocupacional de alguns membros familiares que mantém vínculos
empregatícios na informalidade para não “perder” o benefício que complementa
a renda familiar.
A administração dos recursos financeiros pela família se concentra
sobretudo em gastos com despesas domésticas, como o pagamento da conta
de água, luz, gás e alimentação; seguida de outras despesas, como material
escolar e medicação.
43
Para mais informações Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego,
acessar: http://pronatec.mec.gov.br/
106
Lembramos ainda que o Cadastro Único prioriza a mulher como titular
do programa no âmbito da matricialidade sociofamiliar44. Nesta pesquisa, das
quatro entrevistadas, duas mantinham algum tipo de relacionamento afetivo,
porém afirmavam serem chefe da família uma vez que os companheiros não
contribuíam efetivamente na manutenção do lar.
No que se refere ao aspecto gerencial constatamos, portanto, que
todos os entrevistados mencionam pontos a serem revistos quanto a eficiência,
a eficácia e a efetividade. Todavia, na concepção do programa, tanto a gestão
do PBF nas diversas áreas como as famílias beneficiárias, embora entendam o
programa como direito, contraditoriamente verbalizam termos como “ajuda”.
Apesar das famílias entrevistadas assumirem que o programa trouxe
“muitas mudanças”, verbalizam pequenas contribuições cotidianas, ilustrando o
recurso financeiro apenas e a ampliação da capacidade de consumo.
As
mesmas não apontam transformações significativas e de âmbito estrutural.
Por fim, questionamos a concepção acerca do território e da
territorialidade. Constatamos que há contradições quanto ao entendimento,
sobretudo no âmbito da gestão das políticas públicas envolvidas.
Uma parcela entende o território estritamente vinculado ao seu
aspecto geográfico, de abrangência, isto é, de atuação das equipes de referência
dos equipamentos públicos e, portanto, de organização dos serviços a partir da
perspectiva da territorialização: “É o local de residência das famílias
referenciadas no CRAS” (OPERADORA DO CRAS 1); “É uma área delimitada,
local que a família se encontra [...]”(GESTORA 3); “[...] é uma área de atuação
das equipes [...]”(GESTORA 2).
Outra parcela tem uma concepção mais ampla, articulando-o as
relações familiares, comunitárias e políticas, enquanto espaço de vivência e de
pertencimento. “O território compreende o espaço onde vive o sentimento de
pertencimento e também é uma forma de descentralizar os serviços. Os
atendimentos, os serviços ao alcance do beneficiário” (GESTORA 4).
44
Um dos eixos estruturantes do SUAS. Ler Couto et al (2012).
107
Uma das entrevistadas conceitua território considerando sua
diversidade e contradição no que tange o aspecto geográfico, político,
econômico, cultural, social e familiar.
Território é um espaço geograficamente delimitado onde a vida
das famílias acontece. Suas relações familiares, comunitárias e
políticas, sendo de grande importância que o indivíduo se reconheça
como parte dele. Para a estruturação das políticas públicas é primordial
que os envolvidos realizem diagnósticos das potencialidades e dos
desafios para atuarem com e pelo território de abrangência das famílias
beneficiarias dos serviços e programas da Política da Assistência
Social e demais políticas públicas (OPERADORA DO CRAS 2).
Observem que as entrevistadas entendem a importância do território,
sobretudo para conhecer a realidade das famílias beneficiárias e configurar as
políticas públicas de forma que atendam as necessidades e os interesses desta
população.
CONCLUSÃO
A pesquisa em questão, de um lado, contribuiu para superar o senso
comum, alimentado por setores da mídia e da oposição que desqualificam
o Programa Bolsa Família com argumentos do tipo “Bolsa Esmola”, “é um
incentivo para gente preguiçosa que não gosta de trabalhar”, “é compra
de votos”, “as mulheres fazem mais filhos para receber mais dinheiro”,
dentre outros mitos e preconceitos derrubados por pesquisas acadêmicas
realizadas nesta área. E, por outro lado, observou aspectos importantes, como
as fragilidades gerenciais do programa, suas potencialidades, o perfil das
famílias beneficiárias, a concepção equivocada de “ajuda” atribuída ao PBF em
detrimento da concepção de direito que implica direta e indiretamente na
definição e configuração do território e da territorialidade que é plural e
contraditória no âmbito das políticas públicas.
REFERÊNCIAS
COUTO, Berenice Rojas et al. O Sistema Único de Assistência Social
no Brasil: uma realidade em movimento. 3 ed. rev. e atual. São Paulo: Cortez,
2012. p.54-87.
108
MDS, Ministério do Desenvolvimento Social Combate à Fome.
Disponível
em:<http://www.portaltransparencia.gov.br/PortalTransparenciaPesquisaAcaoD
etalhado. Acesso em: 18 agosto 2015, 20:49.
MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento:
pesquisa qualitativa em saúde. 13. ed. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro:
Abrasco, 2013.
SILVA, Maria Ozanira da Silva e. O Bolsa Família: Intersetorialidade –
dimensão central na implementação e nos resultados do programa. In:
ALMEIDA, Ney Luiz Teixeira de; SOUZA, Rosimary Gonçalves de (Orgs). A
Intersetorialidade na Agenda das Políticas Sociais. Campinas, SP: Papel
Social, 2014.
A CONSTRUÇÃO SOCIO-HISTÓRICA DE GÊNERO NA SOCIEDADE
PATRIARCAL: UMA ABORDAGEM NA TEORIA CRÍTICA DE DIREITOS
HUMANOS
109
Tamíres Caroline de Oliveira45
Jucimeri Isolda Silveira46
RESUMO
O presente artigo, que tendo como substrato a crítica à ofensiva
conservadora presente no cenário brasileiro, aborda a compreensão da
construção social de gênero na sociedade capitalista-patriarcal como produto
sócio–histórico, que faz parte dos processos de reprodução do status quo. A
teoria crítica de direitos humanos, em contraponto às concepções abstratas e
liberais, sustentadas pelas perspectivas jusnaturalistas e juspositivistas, nos
fornece elementos necessários ao enfrentamento das desigualdades de gênero
na atualidade, pela abordagem sócio-histórica que procura explicitar as
contradições da sociabilidade reproduzida pela hegemonia de classe, numa
base cultural que associa valores relacionados ao capital e ao patriarcado. A
análise da gênero por essa teoria supera prismas “culturalistas”, não só pelo
posicionamento da crítica à desigualdade estrutural, como também, da função
estratégica das lutas emancipatórias.
Palavras-chave: Gênero. Patriarcado. Ideologia. Direitos Humanos.
Introdução
Este artigo parte das preocupações e análises críticas do cenário
contemporâneo brasileiro, o qual apresenta uma ofensiva conservadora que se
fortalece no cotidiano e dissemina-se como ideologia, inclusive junto à classe
trabalhadora que, por sua vez, reproduz discursos de ódio e preconceitos em
relação a determinados segmentos, notadamente por questões de gênero,
engendrando expressões irracionais de violência em suas múltiplas faces.
A problematização do tema considera o pressuposto da indissociabilidade
entre conquistas parciais em direitos humanos, o que inclui as garantias legais,
com as lutas das mulheres nas diversas formas de organização e resistência.
45
Assistente Social na Defensoria Pública do Estado do Paraná, formada pela Pontifícia
Universidade Católica do Paraná - PUCPR em 2012, especialista em Gestão de Políticas, Programas e
Projetos Sociais pela PUCPR e compõe a Comissão de Ética e Direitos Humanos do Conselho Regional de
Serviço Social - CRESS PR.
46
Assistente Social, docente do Curso de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em
Dirteitos Humanos e Políticas Públicas da PUCPR, Mestre em Sociologia pela UFPR, Doutora em Serviço
Social pela PUCSP, atua como superintendente de planejamento da Fundação de Assistência Social de
Curitiba, coordena a Área Estratégica e o Núcleo de Direitos Humanos da PUCPR, e é assessora editorial
da Revista Gestão Social e do Fórum de Gestores Estaduais de Assistência Social.
110
Além do poder econômico que polariza a sociedade, a classe dominante
hegemoniza a sociedade de modo a difundir e manter outra forma de poder de
natureza político-ideológica: a desigualdade de gênero.
Nesta sociabilidade, alguns segmentos de classe e grupos específicos – e
dentre eles, as mulheres - são explorados em diferentes escalas, dado o próprio
processo histórico de opressão. Por conta disso é que a análise sócio-histórica
de gênero é sustentada pela teoria crítica dos direitos humanos, cuja finalidade
é superar análises abstratas e “legalistas”, impondo-se como desafio central,
reconhecer dimensões fundamentais em direitos humanos que possam
representar avanços na análise teórica e nas práxis emancipatórias.
2.
GÊNERO, IDEOLOGIAS MISÓGINAS E DOS DIREITOS
DAS MULHERES
A priori, quando se fala apenas da distinção entre homens e mulheres,
gênero torna-se conceito neutro que não presume, necessariamente,
desigualdade. É necessário, portanto, utilizarmos o conceito contextualizado na
sociedade patriarcal, atribuindo o que SAFFIOTI (2004) chamou de gramática
sexual na ordem patriarcal de gênero, uma vez que esta sociedade interfere
diretamente na regulação das relações sociais, e faz da desigualdade entre
homens e mulheres uma das expressões fundantes da sociedade capitalista,
para além da relação desigual entre classes. Portanto, este conceito não se limita
a ser apenas uma categoria analítica, seu significado será aqui abordado numa
perspectiva sócio-histórica.
Para compreender de modo totalizante a questão de gênero, é preciso
recuperar seu processo ontológico, reconhecendo que há “instrumentos” que
naturalizam as relações desiguais e autorizam a opressão-exploração. Trata-se
das literaturas clássicas; da norma culta da língua portuguesa; do princípio
humano defendido pelo cristianismo; bem como da própria história da
humanidade.
111
Há registro de sociedades matriarcais onde não havia opressão de um
gênero sobre o outro. Nestas, as mulheres eram adoradas, primeiramente
porque era desconhecida a necessária participação do homem na procriação da
espécie. Segundo, porque o modo de produção era baseado na caça de animais
e coleta de plantas, sendo que a primeira era função dos homens e a segunda
das mulheres: “(...) as mulheres eram responsáveis por mais de 60% da provisão
dos víveres necessários ao grupo (LERNER, 1986). Enquanto a coleta é certa,
acontecendo cotidianamente, a caça é incerta. (SAFFIOTI, 2004, p. 58).”
A existência dessas sociedades datam aproximadamente 10.000 a.C. e
seu fim data mais ou menos 2.000 a.C. (MURARO, 2002), sendo que a
consolidação do patriarcado se deu somente no ano 600 a.C. (SAFFIOTI, 2004),
quando os homens entenderam sua função na procriação e essa passa a ser um
elemento de distinção e poder.
A monogamia, defendida pela Igreja, se desenvolve na fase superior da
barbárie, com êxito no período da civilização. O objetivo era garantir a
propriedade privada e, para isso, a paternidade precisava ser legítima. É deste
modo que se estabeleceu entre os gêneros a fronteira entre o público e o privado:
a castidade feminina torna-se pré-requisito para a formação da família
monogâmica.
Processualmente, o germe do capitalismo foi se desenvolvendo no seio
das sociedades escravocratas, e o patriarcado foi o sistema que permitiu tal
processo. Apesar de ser um sistema antigo, por ser constitutivo da sociedade
capitalista, continua presente na sociedade. Ele se reinventa e assume novas
formas de opressão-exploração, ao mesmo tempo em que mantém as velhas
práticas.
Na sociedade fundada na luta de classes, a ideologia torna-se elemento
necessário para manter a ordem patriarcal de gênero. Chaui (2003) pondera que
112
a ideologia, além de ser uma representação que serve ao domínio da sociedade
burguesa, também é imprescindível para a dissimulação do real e ocultamento
das contradições: “discurso ideológico é aquele que pretende coincidir com as
coisas, anular a diferença entre o pensar, o dizer e o ser e, destarte, engendrar
uma lógica da identificação que unifique o pensamento, linguagem e realidade.”
(Idem, p. 3).
São representações, valores e normas que aprofundam a desigualdade
de gênero, se expressando materialmente nos mais diversos âmbitos da vida
das mulheres, tais como: desigualdade salarial em quase a metade pelo mesmo
tipo de cargo; minoria em cargos de poder e decisão; educação sexual
diferenciada; divisão sexual do trabalho desigual; mercantilização do corpo das
mulheres; crimininalização do aborto; feminilização da pobreza; violência contra
as mulheres nos espaços públicos e privados; entre outras.
Somado a isso, o cenário contemporâneo da sociedade brasileira
apresenta uma ofensiva neoconservadora aos direitos humanos conquistados
com árduas lutas e restauram uma cultura especialmente neofacista que, além
de retirarem direitos, promovem: preconceito e a violência contra a população de
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais; genocídios contra a
população negra, indígena, cigana e pobre; criminalização dos movimentos
sociais e da pobreza; entre outros ataques e violações.
Os preconceitos são produtos históricos produzidos pela classe
dominante, a fim de manter sua ideologia hegemônica. Essa ideologia é
universalizada, com evidente atuação da classe dominante pela “coesão social”
da estrutura social em seu benefício. Tal ideologia tem como propósito “mobilizar
em seu favor inclusive os homens que representam interesses diversos (e até
mesmo, em alguns casos, as classes e camadas antagônicas)” (HELER, 1970,
p. 54).
113
Na atual conjuntura, a ideologia dominante é retomada e encontra um
cenário favorável para as regressões em termos de direitos humanos, conforme
destaca SILVEIRA (2013, p.46): “(...) a cultura conservadora atende a lógica
ruptura/restauração pela afirmação de valores e padrões ideais que
reconfigurados possuem raízes naquele tempo de mera reprodução das
relações feudais”. Importante considerar que “no tempo presente, contribuem
(valores conservadores), sobremaneira nos juízos ultrageneralizados que
orientam práticas cotidianas”.
IASI (2015) afirma que este fenômeno conservador tem se expressado no
cotidiano e se estrutura em três pilares: imediaticidade, pois o discurso não se
remete a historicidade, é um “culto ao presentismo imediatista”; heterogeinidade,
porque tornam as defesas conservadoras incoerentes, uma visão de mundo
característica do senso comum e; superficialidade, pois ultrageneraliza suas
experiências particulares e confunde-as com a totalidade.
Neste sentido, observa-se que essa ideologia esta arraigada no senso
comum, que interdita questionamentos e se pauta numa realidade já
estabelecida,
julgando-a
imutável.
Suas
características,
portanto,
são
irracionalidade, intolerância e preconceito, fortalecendo posições egoístas e se
expressando por meio da violência, o que impede a autonomia e liberdade dos
indivíduos.
A negação da história, a modernização conservadora e a reprodução de
seus valores no cotidiano - onde as práticas preconceituosas se reiteram - é
funcional ao capitalismo, pois “os preconceitos servem para consolidar e manter
a estabilidade e a coesão da integração dada” (HELLER, 1970, p. 53). Por
consequência, aprofundam-se as desigualdades sociais, de gênero, raça/etnia.
A crise contemporânea ao mesmo tempo que revela o predomínio de
valores e práticas conservadoras, oferece condições históricas de afirmação das
114
formas de resistência e conhecimentos críticos com potência para desnaturalizar
tais práticas e superar as ultrageneralizações, reafirmando princípios libertários
e fortalecendo os mecanismos já conquistados. Por isso mesmo se faz
imprescindível a leitura dos direitos humanos na perspectiva crítica, pois se a
desigualdade de gênero é socialmente construída, a baliza para seu
enfrentamento e superação, está na própria contradição do seu sistema e nas
lutas sociais emancipatórias.
3.
GÊNERO E A TEORIA CRÍTICA DE DIREITOS HUMANOS
A concepção dos direitos pelo viés jusnaturalista e juspositivista, compõe
o conjunto de mecanismos de reprodução da ordem dominante disseminados
sutilmente por meio da ideologia, sustentadas por perspectivas a-históricas,
fundamentalistas
e/ou
liberais,
desconsiderando
a
historicidade
das
contradições existentes em cada sociedade e os conflitos sociais engendrados
nestes contextos.
Tais perspectivas têm diferentes concepções, as quais, entretanto,
convergem na defesa de que os direitos são inerentes à condição humana,
constituídos pela vontade individual, considerando o indivíduo isoladamente. Isto
é, os direitos são originários da natureza humana, sendo ela universal e imutável.
Para manter e regular a exploração, o capitalismo se apropria das normas
jurídicas, regulando “direitos” que serão necessários para a realização da
mediação das relações sociais, com maior ênfase naqueles relacionados à
dimensão da liberdade, com centralidade na proteção da propriedade privada.
Todavia, não se pode reduzir a ideia de que os direitos são apenas estratégias
capitalistas em seu favor, pois a história de conquista, seus avanços e limites
fazem parte de um processo de disputa entre diferentes sujeitos sociais e por
isso cumprem um função histórica na constituição de uma nova base ideopolítica, com potencialidade transformadora.
115
Portanto, a “defesa” dos Direitos Humanos não é restrita aos movimentos
sociais de perspectiva crítica. São várias as concepções existentes, algumas
embasadas em princípios filosóficos e políticos, outras defendidas por setores
liberais e outros segmentos que nem reconhecem a importância desse debate,
tornando a efetivação dos direitos mais complexas à medida que, socialmente,
essas diferentes concepções se enfrentam (RUIZ, 2014).
É preciso demarcar que os direitos humanos não são naturais, tampouco
apenas fruto da Revolução Americana através da Declaração de Virgínia (1776)
ou da Revolução Francesa por meio da Declaração do Homem e do Cidadão
(1789). Tais Declarações apenas dão aos direitos o reconhecimento formal, que
– não por acaso – representam os interesses da classe dominante de suas
épocas (RUIZ, 2014).
A teoria crítica dos direitos humanos nega as abordagens que se
restringem à definições que supervalorizam as dimensões dos direitos civis e
políticos. Parte do princípio da indivisibilidade dos direitos, o que abarca os
sociais, os econômicos, os culturais, novos direitos. Portanto, a crítica às
concepções legalistas, supõe o reconhecimento da dinâmica das relações
sociais, das classes e grupos, e destes com o Estado; a crítica às visões
abstratas que abordam conceitos como homem e dignidade sem considerar as
particularidades; a defesa da necessidade do fortalecimento das lutas sociais,
na direção de outra sociedade, que afirme a emancipação e a diversidade
humana, a liberdade e a igualdade substantivas.
Os direitos humanos são produtos culturais resultantes de processos
históricos e sociais engendrados por conflitos de interesses em cada sociedade,
considerando, ainda, que há “(...) segmentos de classe que, em determinadas
realidades, têm níveis de exploração e de violação de seus direitos e
necessidades ainda superiores que os encontrados entre seus pares” (RUIZ,
2014, p. 124), ou seja: apesar dos estudos no campo dos direitos remontarem
116
seu início ao século XVIII, na questão de Gênero, o reconhecimento é muito
recente, com frágeis garantias legais e institucionais para materialização dos
direitos humanos.
Isso não quer dizer que as mulheres não incorporaram as lutas, muito pelo
contrário. Em 1791 Olympe de Gouges propõe à Assembleia Nacional da França
a Declaração de Direitos da Mulher e da Cidadã, em contraponto a Declaração
Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão. Como resultado de sua ousadia,
em 1793, é guilhotinada. Outro fato, muitas vezes desconhecido em seu
significado, é a data que marca o Dia Internacional da Mulher. Em 1910, numa
Conferência na Dinamarca, definiu-se essa data em homenagem as
aproximadamente 130 mulheres que em 8 de março de 1857, em Nova Iorque,
morreram queimadas numa fábrica têxtil por reivindicarem melhores condições
de trabalho.
Desta forma, é preciso destacar que o protagonismo de mulheres,
singulares e coletivas, marcam as lutas travadas que buscaram trazer à tona as
desigualdades de gênero e, por consequência, tiveram suas vidas ceifadas. O
fato é que as mulheres, mesmo nos dias atuais, continuam morrendo quando
das diversas formas ousam resistir e enfrentar as mais diversas opressões.
Neste sentido, é que se defende que os direitos humanos devem estar
relacionados à vida objetiva das mulheres, pois seus impactos são reais em seus
cotidianos. Um dos desafios centrais é reconhecer a particularidade da América
Latina, notadamente pelas implicações da colonização e suas marcas contidas
nos planos normativos e culturais dos direitos humanos. O que se evidencia é a
mera recepção acrítica de "modelos intelectuais ocidentais, que dispensa o
processo de recepção criativa, (produção de discurso próprio)”. (Carballido,
2014, p.46).
117
Segundo o autor, a teoria crítica, engendrada na dinâmica da vida social,
busca compreender, intervir, transformar, orientar escolhas, na direção
emancipatória. Desse modo, produz "consequências práticas nos distintos
âmbitos da ação". A efetivação dos direitos humanos implica, deste ponto de
vista, a combinação “de um processo bastante complexo no qual se intervém
aspectos normativos, políticos, ideológicos, sociais, culturais e econômicos".
(Carballido, 2014, p.48). Assim, a luta e conquista de direitos não é neutra e os
avanços libertários dependem da superação do “presentismo”, da insensibilidade
reinante.
A versão liberal dos Direitos Humanos no mundo ocidental, a mais
mundializada e hegemômica, segundo Carballido (2014), atribui grande valor
normativo aos Direitos Humanos, concebido a partir de uma “visão estática e
legalista”, com efeito reprodutor da “modernidade ocidental capitalista”.
Tonet (2002) apud Ruiz (2014, p. 136) afirma que a concepção de Direitos
Humanos, para ser revolucionária – e não apenas reformista – não pode ter em
seu objetivo final o aperfeiçoamento da democracia e da cidadania. É preciso
reconhecer que há contradições e limites, mas que também há avanços
históricos determinados pelas lutas sociais.
Portanto, a conquista dos direitos humanos não pode ser um fim em si
mesmo, mas como parte das lutas anticapitalistas. Neste processo, é
fundamental desvelar a realidade e as contradições existentes, visando sua
superação e, em condições objetivas, a emancipação humana.
4.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A construção social de gênero é um produto histórico, regulado pela
ordem patriarcal de gênero que estabelece uma assimetria entre homens e
mulheres. Neste sentido, devemos compreender que os papeis sociais de
118
gênero e a adoção de comportamentos e padrões socialmente legitimados como
verdadeiros são socialmente construídos e atendem aos interesses do
capitalismo-patriarcal.
As concepções abstratas, naturalistas e liberais de direitos humanos
também fortalecem esse sistema, pois reproduzem sua ideologia quando negam
os processos históricos e a luta de classes que engendraram a conquista de
direitos. E diante do cenário atual de ofensiva neoconservadora, a afirmação da
concepção crítica dos direitos humanos cumpre uma função histórica de
alimentar lutas emancipatórias, de contribuir na saturação das contradições da
sociabilidade vigente. Trata-se de uma sociabilidade que interdita o
desenvolvimento das potencialidades humanas, desconsidera as diferenças e
desrespeita a diversidade constitutiva do ser social.
A luta por direitos humanos assume função estratégica na denúncia da
desigualdade estrutural e das violações, especialmente porque a história da
humanidade revela que a práxis é o elemento que engendra conquistas parciais
e transforma relações na direção emancipatória.
REFERÊNCIAS
CARBALLIDO, Manuel Eugenio Gándara. Repensando los Derechos
Humanos desde las luchas. Revista de Direitos Fundamentais e Democracia,
Curitiba, v. 15, n. 15, p. 41-52, janeiro/junho de 2014.
CHAUI, Marilena Souza.
Cultura e democracia: o discurso
competente e outras falas. / Marilena Chaui – 10 ed. – São Paulo : Cortez,
2003.
COUTO, Berenice Rojas. O direito social e a assistência social na
sociedade brasileira: uma equação possível? – 4 ed. São Paulo : Cortez,
2010.
HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. Editora Paz e Terra. São
Paulo, 1970.
IASI, Mauro. {Ofensiva Neoconservadora}. Palestra proferida no 44º
Encontro Nacional de Serviço Social - Ofensiva Neoconservadora e Serviço
Social no Cenário Atual, Rio de Janeiro - RJ, 04 de setembro de 2015.
119
MURARO, Rose Marie. Feminino e Masculino: uma nova consciência
para o encontro das diferenças. / Rose Marie Muraro, Leonardo Boff, - Rio de
Janeiro: Sextante, 2002.
MURARO, Rose Marie. A Mulher no terceiro milênio: uma história da
mulher através dos tempos e suas perspectivas para o futuro. – Rio de
Janeiro, 4ª Ed. Record: Rosa dos Tempos, 1995.
RUIZ, Jefferson Lee de Souza. Direitos Humanos e concepções
contemporâneas. / Jefferson Lee de Souza Ruiz. – São Paulo : Cortez, 2014.
SAFFIOTI, Heleieth I. B. Gênero, Patriarcado e Violência. – São Paulo:
Editora Fundação Perseu Abramo, 2004. – (Coleção Brasil Urgente).
SILVEIRA, Jucimeri Isolda. Profissionalidade do Serviço Social:
Estatuto sócio-jurídico e legitimidade construída no “modelo” de
competências. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP.
Doutorado em Serviço Social. São Paulo, 2013.
AVALIAÇÃO DO PROGRAMA VIDA NOVA, A PARTIR DA VISÃO
DOS IDOSOS DA PREFEITURA MUNICIPAL DE CURITIBA
Janaina Guimarães da Silva
RESUMO
120
O presente estudo é fruto da experiência vivida no campo de
estágio realizado no Programa Vida Nova, do Instituto de Previdência dos
Servidores do Município de Curitiba - IPMC. Através das demandas que eram
apresentadas
ao
Serviço
Social
envolvendo
diversas
problemáticas,
considerando questões de ordem social que emergem com o processo de
envelhecimento. Este estudo tem o intuito de possibilitar uma aproximação com
a realidade dos idosos, considerando suas percepções à cerca do trabalho
desenvolvido na instituição.
Palavras-chave: Envelhecimento. Direitos. Avaliação. Idosos.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho foi elaborado a partir das observações realizadas no
campo de estágio e entrevistas feitas com os idosos, entre os meses de agosto
de 2012 e dezembro de 2013, no Programa Vida Nova, do Instituto de
Previdência dos Servidores do Município de Curitiba – IPMC.
O Programa Vida Nova surgiu para atender uma necessidade dos idosos
que, na maioria das vezes, não estão preparados para essa nova etapa de suas
vidas. Além disso, outro fator para a criação, foi a constatação do crescimento
de casos de depressão e outras doenças entre a população idosa.
Nesse sentido, o trabalho realizado no Programa Vida Nova tem como
objetivo central promover o bem estar aos idosos, a partir de ações educativas
e culturais, preservando a identidade de cada um e promovendo a socialização
entre eles. Em todas as ações desenvolvidas tem-se presente valores como a
ética, o respeito e a valorização do indivíduo. Esses direitos são garantidos pelo
Estatuto do Idoso, como define o Art. 20:
O idoso tem direito a educação, cultura, esporte, lazer,
diversões, espetáculos, produtos e serviços que respeitem sua peculiar
condição de idade. (BRASIL, 2003, p. 12)
A partir da realização do estágio, pudemos ter um contato direto com os
121
idosos que participam das atividades oferecidas. Essa aproximação possibilitou
observações, conversas e discussões que apontaram a importância de ações
voltadas para essa população.
Dessa forma, esse estudo tem como objetivo geral avaliar, a partir da
observação no campo de estágio, se o programa em questão está sendo eficaz,
garantindo qualidade de vida e direitos básicos à população idosa, conforme
preconiza o Estatuto do Idoso.
BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO SOBRE O PROGRAMA VIDA NOVA
O Programa Vida Nova, iniciado em 2007, foi instituído para atender as
demandas de idosos, vinculados ao IPMC. Surge com a finalidade de realizar
atividades que venham ao encontro dos interesses desse público, realizando
ações que promovam a socialização, o lazer e o conhecimento.
Como objetivos, tem-se a promoção da qualidade de vida e a realização
de atividades de lazer e socioeducativas. Como metas, foi estabelecido que o
Programa Vida Nova deveria atender a todos que procurassem a instituição.
Atualmente,
a
Prefeitura
Municipal
de
Curitiba
conta
com,
aproximadamente, 10.000 idosos vinculados ao IPMC. Dentre esses sujeitos,
cerca de 2.000 a 2.500 participam ou participaram das atividades desenvolvidas
pelo Programa Vida Nova durante os anos de 2012 e 2013. As atividades
semanais são realizadas de segunda à sexta-feira, das 09:00hs às 17:00hs.
Existem ainda as ações mensais, como as palestras, as oficinas de artesanato
e os passeios. Além disso, existem as atividades esporádicas, que surgem de
acordo com a demanda dos usuários.
Na instituição, cabe ao Serviço Social realizar o planejamento das
atividades que serão desenvolvidas, bem como, através da observação e escuta
qualificada, estar atento às demandas apresentadas pelos usuários. Além disso,
o Assistente Social realiza pesquisas para verificar se as ações estão atendendo
as expectativas dos idosos, para que possam ser modificadas e/ou melhoradas.
Entre outras demandas apresentadas ao Serviço Social, o profissional tem a
122
responsabilidade de prestar informações a respeito da aposentadoria, dos
processos de pensão e de concessão de benefícios.
Com o princípio de identificar questões sobre o envelhecimento e
questionar se os objetivos propostos pelo programa estão sendo alcançados,
realizamos entrevistas individuais, semi-estruturadas, com os participantes que
foram escolhidos através de critérios de participação nas ações desenvolvidas
Para tanto, apresentamos os resultados obtidos, através das entrevistas
qualitativas, realizadas com a amostra de aposentados escolhida, bem como as
percepções da acadêmica sobre as categorias de análise definidas.
ANÁLISE DAS ENTREVISTAS
Para a escolha dos idosos que participaram das entrevistas foi utilizado o
critério de elegibilidade, considerando que estes são sujeitos significativos,
sendo três mulheres que conhecem e tem vínculo com o programa desde a sua
criação, uma que, além de participar das atividades propostas, oferece os cursos
de Italiano e Dança de Salão e um homem que participa de uma atividade
semanal no programa, o que não é comum dentro da instituição.
Realizamos este estudo para verificar se os objetivos propostos pelo
Programa Vida Nova estão sendo atingidos, baseando-nos na avaliação de
eficácia. Para tanto, apresentamos os objetivos definidos na constituição do
programa:

Promover a qualidade de vida aos aposentados e pensionistas da
Prefeitura Municipal de Curitiba;

Realizar ações socioculturais e educativas;

Realizar atividades que vão ao encontro com a demanda dos
aposentados e pensionistas da Prefeitura Municipal de Curitiba.
Dessa maneira, as questões norteadoras, propostas para as entrevistas,
foram baseadas nos três objetivos supracitados. No entanto, durante as
respostas apresentadas pelos usuários, pudemos perceber outras situações
presentes no cotidiano desses sujeitos. Por isso, além de relacionarmos as
123
respostas aos objetivos propostos pelo programa, analisamos também através
da categoria envelhecimento.
CATEGORIA 1: ENVELHECIMENTO E QUALIDADE DE VIDA
Essa categoria foi composta para que possamos entender, de acordo com
o ponto de vista da população idosa, como se dá o processo de envelhecimento
e de que maneira isso afeta na qualidade de vida dessas pessoas.
Ao longo do processo histórico brasileiro, o envelhecimento populacional
foi concebido como algo ruim tanto para os idosos, devido as questões de saúde
e perdas presentes nesta etapa da vida, como para o restante da população, que
sempre considerou essa população como inativa e dependente. Somente nos
últimos anos tem-se preocupado com as definições dadas à velhice, visto que a
população idosa, cada vez mais, faz-se presente no cenário brasileiro.
Apesar de não ter ocorrido o rompimento total com as visões citadas,
atualmente, tem-se procurado destacar essa etapa da vida como uma fase de
sucesso, que pode proporcionar aos idosos novas experiências de vida. Como
definições de envelhecimento bem-sucedido, onde a qualidade de vida se faz
presente.
Os estudos sobre envelhecimento começam a se debruçar sobre
os aspectos positivos dessa etapa da vida e, não mais, apenas sobre as
características negativas, como perdas ou doenças. De acordo com Gusmão
É importante reconhecer, no idoso, o seu papel mediador na vida
social, nos diversos tempos e espaços. Partindo deste princípio, a
velhice constitui um tempo estratégico da vida em sociedade. Porém,
o que a velhice representa está em nós e na imagem que construímos
(GUSMÃO apud LUZ; AMATUZZI, 2008, p. 304).
Neste sentido, é visível a preocupação das questões que recorrem sobre
envelhecimento, entre todos os entrevistados, conforme relato abaixo:
“Para mim, qualidade de vida é quando estamos bem com nós mesmos
e com as pessoas que convivemos. É possuir saúde física e mental e
participar de atividades de lazer. A idade chega, mas a gente não pode
ficar parado.”
124
Portanto, a preocupação com a qualidade de vida, através da manutenção
da saúde e da realização de atividades do interesse dos indivíduos começa a
ganhar destaque durante à velhice. Por se caracterizar como uma fase de
mudanças e transformações, essa fase traz à tona o destaque de questões
subjetivas, que não foram consideradas durante a vida adulta.
Mediante os relatos apresentados, compreende-se que para os idosos a
qualidade de vida está relacionada à manutenção da saúde, tanto física como
mental, a autonomia em relação aos outros e a realização de atividades de lazer.
Atualmente, a velhice não é concebida apenas como um momento de descanso
e, devido ao avanço da medicina e outros setores específicos da sociedade que
atendem esse público, o envelhecimento deixa de ser considerado um entrave
para a realização de atividades que proporcionam o conhecimento e o lazer.
Portanto, o envelhecimento passa demandar a atenção, além de questões
físicas, questões culturais e psicológicas (DEBERT, 1999).
Dessa maneira, é importante destacarmos a ligação existente entre a
qualidade de vida e os “novos espaços de sociabilidade (como os grupos de
convivência e as universidades para a terceira idade)” (DEBERT, 1997, p.120).
Os idosos começam a reconhecer esses espaços como propiciadores de novos
conhecimentos e aptidões, que não tiveram oportunidade de aprender ao longo
de suas vidas.
CATEGORIA
2:
EFICÁCIA
DAS
AÇÕES
PROPOSTAS
PELO
PROGRAMA VIDA NOVA
Visando aprofundar o conhecimento da relação entre os
participantes e as atividades propostas pelo Programa Vida Nova, buscamos
identificar nesta categoria se os entrevistados consideram que as atividades
propostas estão de acordo com as suas solicitações e se eles identificam se os
objetivos colocados pelo programa estão sendo alcançados.
Para analisar esse aspecto adotamos o conceito de eficácia,
conforme elucida Baptista
125
A eficácia é analisada a partir do estudo da adequação da ação para o
alcance dos objetivos e das metas previstos no planejamento e do grau
em que os mesmos foram alcançados. Incide sobre a proposta e,
basicamente, sobre os objetivos (gerais e específicos) por ela
expressos, estabelecendo em que medida os objetivos propostos
foram alcançados e quais as razões dos êxitos e dos fracassos (2000,
p. 118).
Novamente, a relação existente entre os idosos e a existência desses
espaços, mostra-se vinculada à manutenção da saúde física e mental de seus
participantes.
Nesse
sentido,
avalia-se
positivamente
as
atividades
desenvolvidas na instituição, visto que além do lazer e da socialização, essas
ações sugerem para a importância quanto à prevenção da saúde da população
idosa.
De acordo com as respostas podemos perceber que os objetivos “Realizar
ações socioculturais e educativas” e “Realizar atividades que vão ao encontro
com a demanda dos aposentados e pensionistas da Prefeitura Municipal de
Curitiba” estão sendo atingidos conforme o esperado. Os participantes enxergam
o Programa Vida Nova como um espaço feito por eles, através das demandas
existentes, e para eles, de acordo com aquilo que os idosos têm interesse.
O objetivo “Promover a qualidade de vida aos aposentados e pensionistas
da Prefeitura Municipal de Curitiba” também é identificado e alcançado, na
medida do que os próprios idosos entendem como qualidade de vida.
Debert (1999) aponta que os idosos sentem-se valorizados quando são
escutados e, principalmente quando têm suas solicitações atendidas. Por
constituir um público que foi constantemente marginalizado e estereotipado, ao
longo de tantos anos, os idosos sentem a necessidade de estarem inseridos em
espaços onde são requisitados.
Mediante as falas coletadas nas entrevistas, podemos perceber que os
participantes estão satisfeitos com as atividades desenvolvidas na instituição,
alegando que elas são importantes para suas vidas. Conforme Debert (1999), os
programas e projetos voltados para a terceira idade possibilitam uma interação
social diferenciada, pois esses espaços costumam não promover os estereótipos
negativos relacionados à velhice. Ou seja, nessas instituições a velhice,
126
concebida, muitas vezes, como uma etapa em que o ser humano deve repousar
e diminuir o ritmo, não é reforçada.
Apesar de na entrevista não surgirem muitas sugestões para novas
atividades, é possível perceber que, por mais que estejam satisfeitos com as
ações desenvolvidas, os participantes possuem uma opinião crítica frente ao
programa. É comum que os idosos façam comentários, sugestões e críticas para
os funcionários da instituição. No entanto, isso acontece de forma voluntária, de
maneira esporádica.
CONCLUSÃO
O presente trabalho tinha por objetivo avaliar a eficácia do
Programa Vida Nova através da visão de seus participantes. Além da visão
particular, dos idosos do Município de Curitiba em relação ao Programa Vida
Nova, buscamos analisar a situação desse público, através de uma percepção
mais ampla. Para análise, trouxemos a discussão à cerca do processo de
envelhecimento, visto que os programas e projetos voltados para essa área
possuem uma relação intrínseca com as demandas e angústias apresentadas
na velhice.
Através da vivência do estágio, a partir de aproximações
sucessivas com os participantes do programa, percebemos as demandas
apresentadas pelos idosos, além do vínculo criado por eles, com a instituição, e
a importância dada ao trabalho desenvolvido neste espaço.
A partir dessa relação, começamos as nos questionar sobre o
alcance dos objetivos propostos pelo Programa Vida Nova, visto que os
participantes sempre salientaram a relevância deste espaço, mas que um estudo
aprofundado sobre essa relação ainda não havia sido realizado.
Quanto às questões subjetivas, relacionadas ao bem-estar e a
qualidade de vida durante a velhice, percebemos que esses espaço espaços
estão conseguindo dar conta dos objetivos propostos, proporcionando aos seus
participantes momentos e atividades que possibilitam a vivência de novas
experiências durante esse momento da vida. No entanto, entende-se a
127
necessidade de um aprimoramento também nessas questões, visto que o
público atendido nesses programas e projetos cresce a cada dia e torna-se cada
vez mais exigente quanto ao que é oferecido.
Percebemos então, a contribuição que os processos avaliativos
podem dar a esses espaços, considerando que os programas e projetos sociais,
destinados aos idosos, devem estar de acordo com aquilo que é demandado por
esse público e, para isso, necessitam da constante realização de avaliações a
respeito do trabalho desenvolvido. Nesse aspecto, compreende-se que o
profissional de Serviço Social, inserido nessas instituições, pode contribuir para
a realização desses processos avaliativos e possibilitar melhorias nas ações
desenvolvidas, tendo em vista que o Assistente Social, através de sua formação
teórica, crítica e investigativa, tem a capacidade de promover esses estudos e
pontuar propostas para a qualificação dos trabalhos realizados.
REFERÊNCIAS
BAPTISTA,
Myrian
Veras.
Planejamento
Social:
intencionalidade
e
instrumentação. 2ª Edição, Veras Editora, São Paulo – Lisboa: 2007.
BRASIL. Estatuto do Idoso. Lei 10.741/03 – Brasília: 2003.
DEBERT, Guita Grin. A Reinvenção da Velhice: Socialização e
Processos de Reprivatização do Envelhecimento. Editora da Universidade de
São Paulo: Fapesp, 1999.
DEBERT, Guita Grin. Envelhecimento e curso da vida. Estudos
Feministas, 120-128, 1997.
Disponível em:
http://www.ieg.ufsc.br/admin/downloads/artigos/12112009093723debert.pdf Acesso em: 09/10/2013 às 21hs20min.
128
LUZ, Márcia Maria Carvalho; AMATUZZI, Mauro Martins. Vivências de
felicidade de pessoas idosas. Estudos de Psicologia, Campinas 25(2) 303307, 2008.
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/estpsi/v25n2/a14v25n2.pdf
Acesso em: 20/11/2013 às 22hs35min.
BREVE REVISÃO HISTÓRICA SOBRE A FORMAÇÃO E A PESQUISA EM
SERVIÇO SOCIAL
Bruno Alvarenga Ribeiro
Aline Mendonça Silva
Karyne Faria Teixeira
Helena Rabelo Silva Garcia
RESUMO
Este ensaio é um produto da revisão bibliográfica que forneceu os
subsídios teóricos para a condução da pesquisa intitulada “A Produção de
Conhecimentos no Curso de Serviço Social do UNIFOR-MG: um levantamento
e análise das categorias conceituais presentes nos trabalhos de conclusão de
129
curso produzidos entre os anos de 2010 e 2014”. O texto adotou como objetivo
produzir uma reflexão sobre como a pesquisa se tornou uma atividade regular
na formação em Serviço Social no Brasil. Para isso foi feito um breve resgate
histórico dos currículos que marcaram o Serviço Social brasileiro e dos
direcionamentos sociais que eles atribuíram ao processo formativo. Com este
resgate foi possível elucidar como a Teoria Social de Marx foi adotada como a
perspectiva teórica hegemônica da profissão. Por último, foram feitas algumas
considerações sobre a pesquisa em Serviço Social e de seu compromisso com
a superação da ordem do capital.
Palavras-chave: Formação Profissional; Pesquisa em Serviço Social;
Teoria Social de Marx.
INTRODUÇÃO
A pesquisa em Serviço Social não é pura e simplesmente um processo
investigativo cujo objetivo é a produção do saber pelo saber. Ela tem um
compromisso ético-político, pois o saber resultante da sua realização deve ser
capaz de agir como um instrumento de libertação e não como instrumento de
dominação.
O saber que é produzido pelo Serviço Social não tem como fim garantir a
concretização das condições que asseguram a reprodução da ordem do capital.
Ao contrário, ele deve ser capaz de desvelar como esta ordem se estabelece e
quais são as suas contradições, o que coloca a necessidade de resgatar a crítica
como meio e não como fim. É Marx (2012) quem diz que a crítica como meio
favorece a superação das condições que gestam e reproduzem a opressão.
É se apropriando, portanto, da crítica como instrumento analítico, que o
Serviço Social passa a ter condições de superar a visão de que a profissão se
limita ao intervencionismo, dando, desta forma, vida à dimensão investigativa.
Por sua vez, a pesquisa é a única via para a materialização desta dimensão.
A PESQUISA NA FORMAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
A formação do Assistente Social deve ser compreendia a partir da
inserção da profissão na divisão sócio-técnica do trabalho, compreensão
gestada a partir do Movimento de Reconceituação, movimento “[...] cuja
preocupação central foi a busca de uma nova qualidade da base teórica
130
metodológica e recriação de exercício profissional, fundamentando-se no
compromisso de classe [...]” (BALDIOTI, 2013, p. 39). Os resultados mais
expressivos do Movimento de Reconceituação foram o código de ética de 1993
e as diretrizes curriculares de 1996. Baldioti (2013) lembra que é a partir das
diretrizes curriculares de 1996 que o trabalho de conclusão de curso vai ganhar
destaque no processo de formação do Assistente Social. Essa é a prova mais
cabal da importância que a pesquisa tem para o Serviço Social.
Então é lícito afirmar que o exercício da pesquisa tem grande importância
para a formação profissional, pois ele contribui para o desenvolvimento de uma
atitude crítica, investigativa e propositiva, preparando, de acordo com
Bourguignon (2005, p. 46), o Assistente Social para “[...] gestar conhecimentos
que acrescentam subsídios téorico-metodológicos [...]” coerentes com a
natureza do objeto de estudos do Serviço Social e com as demandas oriundas
da sociedade.
Ao se falar em pesquisa, a questão da produção do conhecimento precisa
ser lembrada e Baldioti (2013) recorda que a busca do conhecimento não é uma
especificidade da ciência, ou seja, é uma atitude tipicamente humana procurar
respostas para indagações. Isso quer dizer que
[...] a pesquisa ganha significado ontológico, ou seja, existencial e
laborativo, pois faz parte da natureza humana se perguntar pelo
desconhecido e através das possibilidades de respostas atender as
necessidades do homem em suas dimensões individual e coletiva,
produzindo e reproduzindo sua própria existência, não de forma
mecânica, mas de forma complexa, processual, contraditória e
histórica. (BOURGUIGNON, 2005, p. 85).
Baldioti (2013) parece concordar com Bourguignon (2005) ao reafirmar o
estatuto ontológico da pesquisa: “a produção de conhecimento via pesquisa é
condição da existência humana, isto é, faz parte da natureza humana produzir
conhecimento para responder às suas necessidades através da pesquisa.”
Para que seja possível compreender como a pesquisa se tornou uma
atividade regular na formação em Serviço Social no Brasil, é necessário
reconstruir a trajetória histórica dos currículos que marcaram o Serviço Social
brasileiro e dos direcionamentos sociais que eles atribuíram ao processo
131
formativo, pois só esta reconstrução pode elucidar como a Teoria Social de Marx
foi adotada como a perspectiva teórica hegemônica da profissão, adoção que
tem repercussões fecundas na forma como a categoria pensa a formação da
realidade social. É bom salientar que uma proposta curricular imprime à
formação uma direção social, que respaldada em determinados pressupostos
teóricos, no caso do Serviço Social brasileiro os pressupostos da Teoria Social
de Marx, subsidiará a atuação profissional.
A implementação de um currículo, pressupõe uma seleção intencional
de conteúdos, procedimentos e de comportamentos que o compõe, e
serve como apoio e orientação para os meios de ensino, o que implica
em falar sobre quais conhecimentos ensinar, para quem ensinar e
como fazê-lo. (ARAÚJO, 2010, p. 54).
Em se tratando da formação em Serviço Social, a seleção dos conteúdos
visa superar a fragmentação das disciplinas, buscando, desta maneira, preservar
a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Mas nem sempre a
formação foi pensada nesta perspectiva. A primeira proposta de formação em
Serviço Social é de 1936, ano em que foi implantada em São Paulo a primeira
escola de Serviço Social do Brasil sob a égide da ação católica, via Centro de
Estudos e Ação Social – CEAS. Esta proposta teve por um lado o suporte
filosófico do neotomismo de São Tomás de Aquino e por outro o suporte
institucional da Igreja Católica brasileira. Portanto, a formação esteve
comprometida com o reformismo cristão, e o código de ética de 1947 é a
materialização mais visível do conservadorismo reproduzido por esse
reformismo, que encontrou na moral o seu estatuto científico, sendo esta
entendida como a ciência dos valores que deveriam ser seguidos para que o
bem comum pudesse ser promovido.
Na década de 1950 a formação em Serviço Social no Brasil recebeu a
influência da Escola de Serviço Social Americana. Essa influência tornou-se
evidente por meio da adoção do Serviço Social de Casos, Grupos e
Comunidades. Este foi um período dominado pelo desenvolvimentismo, modelo
econômico que apostou no desenvolvimento da indústria nacional como meio de
contornar o esgotamento do modelo econômico agrário-exportador. A adoção
132
deste modelo teve reflexos na formação dos Assistentes Sociais, exigindo, por
sua vez, um perfil mais técnico e prático que fosse capaz de atender às
exigências decorrentes do processo de acumulação capitalista.
[...] A formação prática era entendida como apreensão do ‘como fazer’
em relação aos diferentes campos de atuação. A formação técnica,
específica do assistente social, consistia no estudo das teorias do
Serviço Social que respaldassem as ações dos profissionais quanto
aos desajustados individuais e coletivos. A formação científica dava-se
por meio de disciplinas como sociologia, psicologia e biologia e
também da moral, para serem utilizadas como instrumentos de
trabalho [...] (LEWGOY, 2009 apud ARAÚJO, 2010, p. 57) .47
Na década de 1960 o Serviço Social estreitou seus laços com as classes
dominantes. O reflexo do estreitamento destes laços, que ocorreu na vigência
da ditadura militar, que foi um regime que se instalou a partir de um golpe
arquitetado por diversas frações da burguesia, materializou-se, segundo Silva
(1995), na postura assistencialista assumida pelo Serviço Social, postura que
difundiu-se por toda a categoria a despeito do rigor técnico e científico propagado
no nível do discurso.
Em 1970 ocorreu a aprovação do currículo mínimo pelo Conselho Federal
de
Educação,
que
em
linhas
gerais
reproduziu
a
ideologia
do
desenvolvimentismo. De acordo com Baldioti (2013), dois projetos de grande
envergadura se fizeram visíveis no horizonte da categoria profissional:
1) o Movimento de Renconceituação, na América Latina, que aposta
na revisão crítica radical do tradicionalismo profissional e propõe uma
construção nova de uma teoria e práxis para o Serviço Social contrária
à abordagem desenvolvimentista vigente na realidade latinoamericana da época; 2) o processo de Renovação do Serviço Social
brasileiro que busca novos recursos teóricos que pudessem auxiliar os
Assistentes Sociais nas suas práticas profissionais e que atendessem
as demandas de qualificação exigidas pela ditadura militar na área das
ciências humanas, não só no Serviço Social, como a necessidade de
aperfeiçoamento técnico, científico e cultural dos profissionais na área
de planejamento e implantação de projetos de desenvolvimento.
(BALDIOTI, 2013, p. 38).
47
LEWGOY, A. M. B. Supervisão de estágio em Serviço Social: desafios para a
formação e exercício profissional. São Paulo: Cortez, 2009.
133
Foi colocada em marcha durante a década de 1970 a reforma
universitária, que teve como o seu principal objetivo criar as condições para que
o almejado aperfeiçoamento técnico, científico e cultural pudesse ser alcançado.
Um dos sinais visíveis da reforma foi a ampliação da pós-graduação, que
também contemplou o Serviço Social. Neves (2000) analisa esta ampliação e
nela identifica as intenções do Estado:
Com essa diretriz o Estado deixava à vista suas intenções de
simultaneamente aumentar a capacidade científico-tecnológica do
trabalho para a produção monopolista e modernizar o aparato
educacional, promovendo, pela pós-graduação uma nova síntese entre
teoria e prática, ao vincular mais estreitamente educação superior e
produção. (NEVES, 2000, p. 51).
Com a ampliação do Movimento de Reconceituação e a atuação mais
consistente dos movimentos sociais, inclusive do movimento estudantil, criou-se
um clima de efervescência social que favoreceu a formatação de um novo projeto
de formação profissional.
Em fins da década de 70 e início da de 80, a formação profissional do
assistente social começa a ser questionada no quadro geral da
sociedade brasileira, com a rearticulação e surgimento de novas forças
políticas, em cujo contexto se destaca o movimento de organização da
categoria e movimento estudantil. Busca-se nesse novo contexto,
novas teorias e novas alternativas de prática, propondo-se um
compromisso com as camadas populares, o que vem exigindo um novo
projeto de formação profissional.. (SILVA, 1995, p. 50).
Todas essas transformações marcam a aproximação entre o Serviço
Social e a Teoria Social de Marx. Elas também marcam a compreensão de que
a produção de conhecimento é um perene ato de apossar-se do real. É
importante destacar que a Teoria Social de Marx e seu método de investigação
estão baseados na concepção do materialismo histórico dialético.
É por afirmar que a sociedade se constitui a partir de condições
materiais de produção de da divisão social do trabalho, que as
mudanças históricas são determinadas pelas modificações naquelas
condições materiais e naquela divisão do trabalho, e que a consciência
humana é determinada a pensar as ideias que pensa por causa das
condições materiais instituídas pela sociedade, que o pensamento de
Marx [...] é chamado de materialismo histórico. (CHAUÍ, 2000, p. 537,
grifo original).
134
Chauí (2000, p. 537) ainda lembra que o pensamento de Marx é dialético
“por afirmar que o processo histórico é movido por contradições sociais [...]” Já
Santos (2013) destaca que toda a essência do pensamento marxiano se resume
em captar as formas de produção da vida material no interior da sociedade
burguesa, mas ressalta que essa sociedade só serve de modelo para a análise
de outras sociedades que a precederam porque ela alcançou um grau
exponencialmente maior de desenvolvimento das forças produtivas.
O Serviço Social passa a fazer uma análise crítica da sociedade burguesa
ao se apropriar da Teoria Social de Marx, produzindo um conhecimento sobre o
ser social capaz de desvelar as contradições que determinam a sua forma de
existir. Para Marx (2012) e também para o Serviço Social, a crítica não é um fim
em si mesma. Ela é um meio para alcançar a revolução das condições que
engendram a opressão. Sobre o exercício da crítica Marx diz: “ela não se dá
mais como fim em si mesma, mas tão só como meio. Seu pathos essencial é a
indignação, seu trabalho essencial, a denúncia.” (MARX, 2012, grifos originais).
Na Teoria Social de Marx o Serviço Social consegue encontrar os
elementos para analisar a processualidade histórica em seu movimento dialético
de afirmação e negação da ordem instituída pelo capital, captando, desta forma,
os determinantes históricos das totalidades que constituem as sociedades
regidas pela apropriação privada dos meios de produção. Disso resulta que a
análise do todo deve considerar que ele é muito mais do que a soma das partes.
Nas palavras de Baldioti (2013, p. 34) “a compreensão dialética da totalidade
significa não só que as partes se encontram em relação de interna interação e
conexão entre si e com o todo, mas também que o todo se cria a si mesmo na
interação das partes”.
Há que se ressaltar que um dos saldos mais positivos da aproximação
entre o Serviço Social e a Teoria Social de Marx foi a materialização do projeto
ético-político da profissão. Alguns dos fundamentos do projeto ético-político
podem ser encontrados no currículo de 1982.
135
O currículo mínimo de 1982 demarcou-se como uma forte contribuição
para a superação da formação e prática de cunho tecnicistas
demandadas pelas necessidades da “modernização conservadora”
nos países periféricos cuja incidência na profissão, configurou o
momento inicial da reconceituação do Serviço Social no país. (ABREU,
2008 apud BALDIOTI, 2013, p. 63).48
O marco do novo currículo foi a inserção da pesquisa como disciplina
obrigatória na formação profissional dos Assistentes Sociais. Posteriormente o
currículo de 1982 foi revisado. Da revisão surgiram as diretrizes curriculares de
1996, que de acordo com Setubal (2007), integraram a pesquisa ao currículo
mínimo.
No entanto, a aprovação das diretrizes curriculares de 1996 ocorreu em
um contexto marcado pelo avanço da ofensiva neoliberal. Este avanço teve
como
resultado
a
mercantilização
da
educação.
A
mercantilização
obstacularizou “[...] a proposta de construção de uma universidade pública, laica,
de qualidade e socialmente referenciada, balizada no ensino, pesquisa e
extensão, como pilares fundamentais de sua estrutura [...]” (SILVA, 2010, 411).
A consequência disso é que as instituições de ensino superior (IES) se
transformaram em emissoras de certificados, atuando, por assim dizer, apenas
no nível da reprodução da ordem estabelecida e não na produção de uma nova
ordem. (LEWGOY; MACIEL; REIDEL, 2013). Para o Serviço Social essa lógica
representa grandes desafios. Uma educação que privilegia a formação técnica
para o mercado de trabalho acaba desvalorizando a importância da pesquisa,
que é o veículo capaz de integrar as três dimensões da profissão: técnicooperativa, teórico-metodológica e ético-política.
E nunca é demais reforçar que é por meio da pesquisa que o Serviço
Social consegue superar a visão de que a profissão não se limita ao
intervencionismo. Do Assistente Social se espera uma postura de pesquisador e
o
48
ABREU, M. M. ABEPSS: a perspectiva da unidade da graduação, pós-graduação e a
produção do conhecimento na formação profissional. In: Serviço Social e Sociedade. n. 95. Anos
29. São Paulo: Cortez, p. 173-188, nov/2008.
136
pesquisador tem um compromisso para e com a sociedade, o processo
de conhecimento al qual se embrenha pode e deve responder à
sociedade, ou seja, o saber não deve servir como instrumento de
dominação, mas como alternativa de libertação. (FILHO, 2009, p. 7).
Isso quer dizer que ao assumir a postura de pesquisador o Assistente
Social está na verdade estabelecendo um compromisso com a dimensão éticopolítica da profissão. Esta dimensão vai se realizar na medida em que ele atuar
com base em uma fundamentação teórica e metodológica consistente, e o que
vai conferir essa consistência é o resgate da crítica como meio e não como fim.
A crítica como instrumento analítico transforma o saber em instrumento de
libertação. Tão somente por isso a pesquisa é o único veículo capaz de integrar
as três dimensões do Serviço Social.
Portanto, a valorização da pesquisa só tende a produzir benefícios para a
consolidação da categoria e de seu projeto ético-político.
Inumeráveis são as vantagens da pesquisa, para os que a praticam.
Mas essa importância tem que ser exaltada desde os momentos
iniciais da graduação por todos os que têm a missão de contribuir com
uma postura interdisciplinar, com uma formação profissional aliada às
demandas do mercado, com a fundamentação teórico-metodológica e
com o projeto ético-político da profissão. (SETUBAL, 2007, p. 70).
Por conseguinte, o desenvolvimento da pesquisa durante a formação
pode estimular a capacidade interpretativa, preparando, assim, o futuro
profissional para apreender o seu objeto de estudos e intervenção em todas as
suas facetas, como também possibilita o desvelamento dos determinantes que
condicionam suas incontáveis formas de apresentação.
CONCLUSÃO
Ao percorrer brevemente a história dos currículos que marcaram a
formação em Serviço Social no Brasil, este artigo pôde demonstrar que é através
da integração da pesquisa ao currículo mínimo que foram criadas as condições
para que a profissão fosse capaz de produzir um saber que evidencie as
contradições que perpassam o seu objeto de estudos e intervenção.
137
Mas tal processo de desvelamento só se materializa na medida em que o
Serviço Social incorpora ao seu arsenal teórico as categorias conceituais da
Teoria Social de Marx. Portanto, é no diálogo com a Teoria Social Crítica que o
Serviço Social consegue encontrar os elementos necessários para analisar a
história em seu movimento dialético de afirmação e negação da ordem instituída
pelo capital, superando, assim, a dominação e promovendo, enfim, a tão
sonhada libertação.
REFERÊNCIAS:
ARAÚJO, A. Q. P. de. Formação profissional em Serviço Social:
embates no estágio entre o projeto ético-político e as demandas no mercado de
trabalho. 2010. 160 p. Dissertação (Mestrado em Serviço Social)-Universidade
Federal da Paraíba, João Pessoa, 2010.
BALDIOTI, C. M. de O. A produção do conhecimento no Serviço Social e sua
relação com o exercício profissional: uma análise das dissertações de
destrado em Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora. 2013. 149
p. Dissertação (Mestrado em Serviço Social)-Universidade Federal de Juiz de
Fora. Juiz de Fora, 2013.
BOURGUIGNON, J. A. A particularidade histórica da pesquisa no Serviço
Social. 2003. 340 p. Tese (Doutorado em Serviço Social)-Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 2003.
CHAUÍ, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000.
FILHO, M. J. A produção do conhecimento em Serviço Social. Revista Serviço
Social e Saúde. v. 7-8, n. 7-8, Dez. 2009.
138
LEWGOY, A. M. B.; MACIEL, A. L. S.; REIDEL, T. A formação em Serviço Social
no Brasil: contexto, conformação e produção de conhecimento na última década.
Temporalis, ano 13, n. 25, p. 91-111, Jan./Jun. 2013.
MARX, K. Para a crítica da filosofia do direito de Hegel. Introdução. In: NETTO,
J. P. (Org.). O leitor de Marx. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.
NEVES, L. M. W. Brasil 2000: nova divisão de trabalho na educação. 2 ed. São
Paulo: Xamã, 2000.
SANTOS, S. R. dos. A questão do “método” na teoria social crítica marxiana. In:
III Simpósio Mineiro de Assistentes Sociais. Anais eletrônicos...
Horizonte:
CRESS-MG,
2013.
Disponível
em:
Belo
www.cress-
mg.org.br/arquivos/simposio/A QUESTÃO DO MÉTODO NA TEORIA SOCIAL
CRÍTICA MARXIANA.pdf> Acesso em: 30 jun. 2015.
SETUBAL, A. A. Desafios à pesquisa no Serviço Social: da formação acadêmica
à prática profissional. Revista Katálysis, Florianópolis, v. 10, n. esp., p. 64-72,
2007.
SILVA, R. S. da. A formação profissional crítica em Serviço Social inserida na
ordem do capital monopolista. Serv. Soc. Soc., n. 103, p. 405-432, Jul./Set.
2010.
SILVA, M. O. da S. e. Formação Profissional do Assistente Social. 2 ed. São
Paulo: Cortez, 1995.
139
O SERVIÇO SOCIAL INCLUINDO PELA ARTE NA EDUCAÇÃO:
EXPERIÊNCIAS DO GEPA.
Karina Cardoso de Sousa
Rafaela Soares
Mayara Karla da Anunciação Silva
RESUMO
Este trabalho consiste em um relato de experiência das contribuições da Arte na
formação educacional e inclusão social de adolescentes a partir da vivência do
Grupo de Estudo e Pesquisa em Arte (GEPA) do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Maranhão, no campus do município de Açailândia. A
Arte, em suas mais diversas expressões, mostra-se um caminho para uma
formação cidadã e integral dos adolescentes, na medida em que possibilita seu
contato com um mundo estético que conduz a percepções distintas da
sociedade, conduzindo o sujeito ao entendimento e captação de diferentes
processos sociais, políticos e culturais que abrem espaço para a inclusão social
desse sujeito. A experiência do grupo tem demonstrado que é possível a
140
construção de uma postura educativa interdisciplinar na qual o educando é o
principal sujeito.
Palavras-chave: Serviço Social; Arte; Educação; Inclusão Social.
INTRODUÇÃO
A discussão sobre a inserção do Serviço Social na política social pública
de Educação ganhou força entre estudiosos, pesquisadores e profissionais da
área, haja vista a proporção das tensões sociais vivenciadas pelo alunado ora
ocasionadas pela questão social resultado da desigualforma de sociabilidade
erguida pelo capital.
Este artigo apresenta um relato de experiência que evidencia reais
contribuições para o Serviço Social na Educação tendo o ensino da Arte como
aliado no processo inclusivo juvenil em distintos aspectos e esferas. O foco está
no ensino da arte-educação na contemporaneidade nos cursos integrados do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão no município
de Açailândia, a partir dos objetos artísticos construídos pelo Grupo de Estudos
e Pesquisa em Artes – GEPA.
SERVIÇO SOCIAL NA EDUCAÇÃO
Desde a década 1990, várias discussões surgiram em torno da
implantação do Serviço Social nas escolas da rede pública tanto no Ensino
Fundamental quanto no Ensino Médio. Essas discussões renderam, já nos anos
2000, como fruto inicial um Parecer Jurídico no qual foram postos as atividades
a serem desempenhadas pelos profissionais dessa área. No geral, compreendese que o diagnóstico e a análise das diferentes ordens que perpassam e
conduzem o processo educacional, portanto o espaço da escola, e que
repercutem no processo de formação do alunado só é possível quando realizado
por profissionais que detenham competência teórica, metodológica, técnica e
política para compreender a dimensão social e integral da educação e da escola.
141
Figueiredo (2009) pontua que a presença de profissionais do Serviço
Social na política pública educacional tem contribuído com a construção de um
espaço de escuta e acolhimento das dificuldades na escola que se manifestam
em situações diversas.Martins (1999) ao realizar uma análise sobre o Serviço
Social na Educação destaca como competências dos profissionais dessa área:
contribuir para o ingresso, regresso, permanência e sucesso do educando na
escola; favorecer a relação família-escola-comunidade ampliando o espaço de
participação destes na escola; ampliar a visão social dos sujeitos envolvidos com
a educação, decodificando as questões sociais e proporcionar uma articulação
entre educação e demais políticas sociais e organizações do terceiro setor,
estabelecendo parcerias, facilitando o acesso da comunidade escolar aos seus
direitos.
Verifica-se, pois, uma conformidade entre os autores quanto ao papel do
Serviço Social no âmbito escolar ao mesmo tempo em que se constata um
caráter socioeducativo dessa área na política educacional de modo a contribuir
com o processo de formação dos educando numa perspectiva integral, na qual
o profissional deve proporcionar articulação com diferentes frentes que possam
favorecer os processos educativos.
Nesse contexto, entende-se também que o Serviço Social na Educação
tende a possibilitar discussões que conduzam a mudanças de mentalidade e
postura, alterando modos de ser e pensar na perspectiva da conscientização e
do acesso à informação que facilite o acesso aos direitos sociais,
consequentemente à inclusão social do educando podendo este perceber-se
como cidadão e dentro de uma totalidade da qual ele também é responsável.
EDUCAÇÃO INCLUSIVA PELA ARTE
A Educação que se almeja segundo todos os aparatos legais, entre,
planos e projetos políticos pedagógicos, ora voltados para a formação plena do
indivíduo, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
mercado de trabalho, numa perspectiva integral e interdisciplinar, ou seja,
142
considerando indissociáveis essas três visões, constitui um grande desafio na
atualidade.
As práticas pedagógicas nos estabelecimentos de ensino, sobretudo
e com maior peso em instituições públicas, ora baseadas em concepções
tradicionais do processo ensino-aprendizagem tem ido de encontro aos ideais
de educação pretendida pelos documentos legais que visam um ensino voltado
para uma formação integral do sujeito, bem como pelo próprio alunado que tem
exigido novos modos de ensinar que atendam às suas expectativas, aos seus
projetos de vida, aos seus anseios de um futuro promissor no qual se sinta de
fato como sujeito incluso na sociedade.
Toledo (2009, p. 76) corroborando com isso, ressalta que:
O ensino, ainda memorativo, baseado quase que
exclusivamente nos livros didáticos como fonte de consulta e nos
recursos como giz e apagador, bem como em práticas ainda
frequentemente utilizadas como cópias e questionários, já não atende
à realidade nem às necessidades de aprendizagem e de inserção
social reclamadas por nossos educando, sujeitos diversos, inseridos
em espaços diferenciados.
No geral, prevalece ainda em muitas unidades escolares um ensino
com um aspecto racional que distancia dos processos educacionais o campo
das
emoções,
da
percepção
estética,dos
sentimentos,
fragmentando
pensamento e conhecimento, tornando, assim, cada vez mais difícil para os
educando reconhecerem-se como sujeitos integrais dentro de uma totalidade.
Ainda, percebe-se também a existência de instituições de ensino que
tentam mascarar as dificuldades que têm impedido um avanço que possa
conduzir a reais mudanças rumo a um ensino de qualidade e eficaz naquilo que
se propõe, a saber, a formação de sujeitos críticos, conscientes, ativos e
dinâmicos na sociedade, capazes de realizar mudanças efetivas nos processos
sociais, políticos e culturais levando à sua ascensão social, cultural e política.
Nesse contexto, percebe-se que a escola, ora mais preocupada com a
transmissão de conhecimentos direcionados às exigências do mercado de
trabalho, em vez de promover a inclusão social dos educando, tem sido um
143
espaço de exclusão social, auxiliando a perpetuar a desigualdade social,
estando, pois, descomprometida com a cidadania dos sujeitos nela envolvidos.
Sobre o modelo homogeneizante da escola da atualidade, Dayrell
(2001) critica essa postura, propondo que haja um resgate dos educando como
sujeitos socioculturais, isto é, integrantes de uma sociedade, com uma cultura,
que trazem consigo experiências e vivências diversas que precisam ser
consideradas, respeitadas e associadas ao processo ensino-aprendizagem.
[...] os alunos já chegam à escola com um acúmulo de
experiências vivenciadas em múltiplos espaços, através dos quais
podem elaborar uma cultura própria, uns 'óculos', pelo qual sentem e
atribuem sentido e significado ao mundo, à realidade onde se inserem
(2001, p.14).
A Arte, por sua vez, na medida em que propicia o contato com valores
estéticos, com diferentes formas de conceber o mundo, respeitando e
valorizando cada uma, tem uma importância no campo da educação, pois
resgata o educando como sujeito do mundo, histórico, integral, dentro de uma
totalidade. Promove ainda o desenvolvimento da autoestima do educando, de
suas faculdades mentais, de sua capacidade ética ajudando-o na obtenção de
uma postura crítica diante dos processos sociais, políticos, culturais que tende a
levar à inserção e inclusão social dos sujeitos nesses processos.
Para Macedo (2000), a Arte precisa ser buscada nos processos
educativos, pois auxilia transformando o homem e ressignificando o mundo.
Costa (2004) observa ainda como a Arte na Educação pode predispor o
educando ao desejo de aprender e à busca incessante pelo conhecimento
transformador, discorrendo que a prática artística nessa área é um estimulante
para a imaginação, a criatividade, despertando aptidões que podem levar às
áreas de criação, expressão e
Por isso, assim como a arte invade todos os campos da vida
humana, deve também estar presente nas diferentes disciplinas e
práticas pedagógicas, despertando a atenção, o interesse e facilitando
a memorização (2004, p.13).
144
A EXPERIÊNCIA DO GRUPO DE ESTUDO E PESQUISA EM ARTE
(GEPA)
É, pois, concebendo a escola como espaço de construção de saberes e
cultura e considerando que os atores envolvidos neste espaço e estão inseridos
em um mundo estético, e entendendo que a arte é fundamental para a formação
humana e para a inserção e inclusão do sujeito na sociedade, uma vez que
possibilita ao mesmo construir-reconstruir, criar-recriar, modificar e assim,
intervir no meio onde vive de modo proativo, consciente e ético que sepensou na
criação de um grupo no qual fosse possível criar um diálogo saudável entre a
Arte, a Cultura, a Educação de modo a beneficiar os educando no processo de
inclusão social e formação.
Assim, nasceu o Grupo de Estudo e Pesquisa em Arte (GEPA) no
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão do município
de Açailândia. Com mais de cinco anos de existência, o GEPA está cadastrado
no Núcleo de Pesquisa do instituto tendo como um de seus objetivos principais
o desenvolvimento do ensino, pesquisa e extensão na sua forma indissociável,
tendo em vista que as três formas de construção de conhecimento estão
intimamente relacionadas.
O grupo constitui-se num espaço a todo o corpo discente do
instituto, sendo composto atualmente por dezoito estudantes do Ensino Médio
Integrado e do Proeja, cursando do 1º ao 3º ano. O perfil dos estudantes
integrantes do GEPA corresponde a adolescentes entre 15 a 18 anos de idade
pertencentes a famílias com renda média de até três salários mínimos; alguns
são provenientes da zona rural do município de Açailândia, mas residem
atualmente no próprio município com familiares como tios e primos a fim de
facilitar no processo de deslocamento diário para a escola.
Os estudantes que fazem parte do GEPA foram escolhidos
mediante seleção através de edital publicado no espaço escolar. A seleção
envolveu duas etapas, a saber, análise dos documentos de caráter eliminatório
e análise de habilidades artísticas e/ou entrevista de caráter classificatório. Na
145
primeira, os critérios observados foram: estar devidamente matriculado e
cursando alguma modalidade de ensino no IFMA Campus Açailândia; ter bom
desempenho/rendimento escolar; não possuir medida disciplinar e ter até quatro
ND (não desenvolvido) no Histórico Escolar.
A segunda etapa consistiu em verificar habilidades artísticas, nas
suas mais diversas formas de expressão, considerando uma produção artística
que o candidato deveria produzir; ressalte-se, contudo que o fato do estudante
não apresentar habilidades artísticas não constituiu em motivo para sua
eliminação, pois o interesse pela pesquisa e extensão no contexto da Arte e
Educação foi o principal elemento considerado, tendo em vista também que um
pressuposto defendido pelo GEPA é possibilitar caminhos para a inclusão e não
exclusão social. O interesse pela pesquisa e extensão na área da Arte e
Educação foi avaliado através de duas entrevistas, uma com profissional do
ensino de Arte e outra da área de Serviço Social.
A entrevista com profissional do Serviço Social foi necessária para
identificar o perfil dos sujeitos que tinham demonstrado interesse pelo grupo e
sua trajetória de vida, pois se entende que o contexto histórico e as condições
reais dos candidatos são indissociáveis de sua prática educativa e artística,
devendo, assim serem “analisados e considerados na busca de verificar o papel
da arte no processo de construção humana e de formação do sujeito integral”
(TOLEDO, 2009, p.79).
Após seleção, os estudantes integrantes do GEPA passam a ter
oficinas e palestras sobre temas diversos, no contraturno das aulas, na própria
instituição de ensino. Após participarem do grupo e passarem a ter horários préestabelecidos para os encontros foi notório o desenvolvimento das noções de
disciplina, responsabilidade, solidariedade, colaboração e respeito com o
próximo entre os estudantes, questões pouco percebíveis antes da participação
deles no grupo.
146
Ademais, é evidente a melhoria no rendimento escolar desses
adolescentes, fato exposto por docentes de outras disciplinas, bem como pelo
setor pedagógico da instituição. A participação no grupo não impossibilita o
estudante de participar de outros grupos de estudo ou de outros programas e
projetos da instituição. Há um incentivo para que esses adolescentes busquem
enriquecer o currículo, aproveitando as oportunidades que a instituição oferece
com vista na entrada no mercado de trabalho futuramente, mas, sobretudo, na
continuação dos estudos em nível superior.
Outro ganho considerável para os estudantes integrantes do GEPA
percebido no decorrer da existência do grupo é a participação dos estudantes
em eventos científicos e culturais que propiciam maior aprendizagem, diálogo
entre teoria e prática, contato com culturas e modos de saber diferentes, abrindo
novas percepções sobre o mundo e o homem.
Essas participações mais que agregar conhecimentos, ajudam na
valorização do saber acumulado e da aprendizagem adquirida aos poucos nos
processos educativos formais, incentivando-as e contribuindo no processo do
estudante perceber-se como parte do processo educativo, e sentir-se incluso
socialmente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A escola é um espaço rico no processo de inclusão social de
adolescentes. A educação, por sua vez, é uma ferramenta imprescindível desse
processo, e a Arte, ao possibilitar que a escola assuma práticas pedagógicas
mais flexíveis, ressignificando
conhecimentos,
valorizando vivências e
considerando os educando como sujeitos históricos, tem papel fundamental na
formação humana e nos processos de inserção e inclusão social de modo
qualitativo e abrangente.
147
A experiência do GEPA no Instituo Federal do campus Açailândia,
por sua vez, tem demonstrado que embora existam entraves, ainda é possível
construir uma postura educativa interdisciplinar na qual a educação esteja de
fato direcionada para uma formação humana integral - cidadã, profissional e
pessoal, na qual o educando é o principal sujeito do processo educativo. Desse
modo, a Arte é uma forte aliada do Serviço Social na educação em seus objetivos
inclusivos.
REFERÊNCIAS
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Serviço Social na Educação. Brasília: DF, 2001.
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148
CRÔNICA DE “MORTES ANUNCIADAS”: FEMINICÍDIO COMO
MÁXIMA DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NA SOCIEDADE
BURGUESA
Naraiana Inez Nora49
RESUMO: Este artigo visa problematizar o feminicídio como expressão
máxima da violência contra mulher na sociedade burguesa, bem como, pretende
contribuir no Serviço Social, para a reflexão e debate da violência contra a
mulher, entendendo que se trata de tema fundamental no campo ético
profissional. As fontes primárias que compõe a pesquisa provêm de dados
publicizados por órgãos oficiais. Os resultados apontam o crescimento do
feminicídio e para as particularidades dessa forma de violação dos direitos das
mulheres, o qual tem sua sustentação ideológica no patriarcado e sua
objetivação na propriedade privada. Nas relações reificadas que se estabelecem
na sociedade capitalista, a mulher é concebida como mercadoria, objetivada e
coisificada, na relação com o homem. O feminicídio se nutre desta
mercantilização do corpo e da vida das mulheres, ao mesmo tempo que se
expressa como ápice da banalização do humano, revelando a face mais brutal
49
Docente do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
(UNIOESTE), Campus Toledo. Mestre em Educação. Email: [email protected] Telefone:
(45) 3379-7051.
149
da dominação do homem pelo homem. Palavras-Chave: Feminicídio; Violência
contra Mulher; Serviço Social.
INTRODUÇÃO
Ampliar o debate acerca das formas de opressão que permeiam a
sociedade burguesa e, neste caso, com recorte para a violência contra a mulher
é imperativo para o Serviço Social, sobretudo, considerando sua consolidação
como profissão que possui um projeto profissional alicerçado em valores
democráticos, universais e libertários do humano.
Desde este prisma, por um lado há que se reconhecer a violência
contra a mulher como uma das expressões da chamada “questão social”, que se
coloca como objeto de intervenção do Serviço Social e atravessa a diversidade
de espaços sócio-ocupacionais nos quais os profissionais se inserem. Por outro,
apreender os determinantes da violência contra mulher e suas multifacetadas
expressões é pressuposto para reafirmar o compromisso ético e político tão
necessário ao enfrentamento dessa forma de violação dos direitos humanos, e,
por conseguinte, ir ao encontro dos valores e preceitos preconizados pela
profissão.
Sendo assim, o presente artigo busca problematizar o feminicídio
como expressão máxima da violência contra mulher na sociedade burguesa,
considerando que dado o desenvolvimento das forças produtivas e de
acumulação do capital – neste momento em especial subordinado ao capital
financeiro – essa violência se expressa como ápice da banalização do humano.
Adicionalmente, pretende-se contribuir, no âmbito do Serviço Social, para a
reflexão acerca da violência contra a mulher, entendendo que se trata de tema
fundamental no campo ético profissional, e desse modo, desvelar esse tema é,
per si, basilar para sua desmistificação.
Os procedimentos metodológicos escolhidos são a pesquisa
bibliográfica e a documental. As fontes primárias foram coletadas de materiais
organizados e publicizados por órgãos governamentais, institutos de pesquisa e
organizações mundiais, como o Ministério da Saúde, Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA) e a Organização Mundial da Saúde (OMS).
150
DESENVOLVIMENTO
A violência contra a mulher encontra sustentação ideológica no
patriarcado e no machismo (sendo este uma expressão do primeiro), como
balizas presentes no processo histórico de desenvolvimento da sociedade
capitalista. No Brasil, dado sua consolidação histórica recente de nação
colonizada, escravizada e dependente, esse binômio adquire ainda maior
centralidade nas relações sociais de dominação e exploração das mulheres
pelos homens.
As relações entre os gêneros estão imbricadas nas relações de
poder, as quais hierarquizam homens e mulheres ao longo da história. Para
Saffioti (2004) o conceito de gênero é um muito mais vasto que o de patriarcado,
pois acompanha a humanidade desde sua existência, enquanto o patriarcado é
um fenômeno recente, particularmente articulado à industrialização do
capitalismo, sendo ainda um caso específico das relações de gênero onde estas
são desiguais e hierárquicas. Sendo assim, o patriarcado diz respeito
necessariamente à desigualdade e à opressão feminina pelo masculino.
Essa opressão, que é a violência contra a mulher, se manifesta de
diferentes modos, tendo sido caracterizada e tipificada na Lei nº 11.340/2006. A
violência, como uma expressão da “questão social”, perpassa a totalidade da
vida social e é um fenômeno multidimensional. Entretanto, há que se destacar
que a violência contra a mulher no Brasil tem um nítido recorte de classe e etnia,
sendo ainda mais perversa quando associada a estas duas outras
determinações.
De acordo com pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA), a violência contra as mulheres tem cor e classe no Brasil: 61%
das mulheres assassinadas entre 2001 e 2011 eram negras, tinham baixa
escolaridade e renda. As mulheres negras foram as principais vítimas em todas
as regiões, à exceção do Sul, com destaque para a elevada proporção de óbitos
nas regiões Nordeste (87%), Norte (83%) e Centro-Oeste (68%) (IPEA, 2013).
151
A violência contra a mulher configura a face mais brutal da ideologia
patriarcal, e o feminicídio, a expressão máxima desta violência. De acordo com
Radford e Russel (1992 apud GARCIA et al 2015), o termo feminicídio foi
empregado na década de 1970 pelo movimento feminista para referir-se ao óbito
de uma mulher causada por um homem em função do conflito de gênero. Na
década de 1990, esses mesmos autores empregaram o termo para se referir às
mortes de mulheres em razão de seu gênero. Posteriormente, o termo passou a
ser utilizado para fazer referência a qualquer morte de mulher por violência.
Muito embora a mortalidade feminina represente em média 8% do
total dos homicídios ocorridos no Brasil, ela apresenta características
diferenciadas e que devem ser levadas em consideração, haja vista a
particularidade de ocorrerem principalmente no âmbito privado das relações –
família e domicílio – e ter um viés sexista. Garcia et al (2015), em pesquisa
desenvolvida junto ao IPEA sobre estimativas de feminicídios no Brasil,
destacam que os feminicídios geralmente são cometidos por homens e diferem
dos assassinatos de homens em diversos aspectos:
Por exemplo, a maioria dos feminicídios tem envolvimento de
parceiros ou ex-parceiros e decorre de situações de abuso no
domicílio, ameaças, intimidação ou violência sexual ou de situações
nas quais a mulher tem menos poder ou menos recursos do que o
homem [...]. Os parceiros íntimos são os principais assassinos de
mulheres. Aproximadamente 40% de todos os homicídios de mulheres
no mundo são cometidos por um parceiro íntimo. (GARCIA et al, 2015,
p. 251-252)50.
Recentemente, foi sancionada a Lei Nº 13.104 de 9 de março de
2015, que altera o Código Penal criando a modalidade de homicídio chamada
feminicídio, que agrava o homicídio cometido contra a mulher quando esta vem
a ser vítima simplesmente por razões de sua condição de sexo feminino. Em
2013 o IPEA ao divulgar os dados de uma pesquisa sobre homicídios de
mulheres no Brasil, já apontava para a necessidade de tipificação penal para o
feminicídio. Tal pesquisa mostrou que no Brasil, entre 2001 a 2011, ocorreram
50
Já a proporção de homens assassinados por companheiras é próxima a 6%, isto
significa que a proporção de mulheres assassinadas por parceiro é 6,6 vezes maior do que a
proporção de homens na mesma situação. (STÖCKL, 2013; WHO, 2013 apud GARCIA et al
2015).
152
mais de 50 mil feminicídios, o que equivale a aproximadamente 5 mil mortes a
cada ano (IPEA, 2013). O índice de homicídios de mulheres aumentou 17,2%
nesse período. Só em 2011 foram mais de 4,5 mil mulheres assassinadas no
país, ou seja, quase 13 mulheres assassinadas por dia no Brasil.
O Ministério da Saúde tem fomentado a publicação de uma série
denominada Mapas da Violência, os quais têm como fonte de dados as
informações coletadas via Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), da
Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS). Alguns destes Mapas compilaram
dados específicos acerca da violência contra a mulher. O Mapa da Violência
2012 - Atualização: Homicídio de Mulheres no Brasil, de autoria do sociólogo
Julio Jacobo Waiselfisz, ao analisar os homicídios de mulheres no Brasil,
constatou que entre 1980 e 2010 foram assassinadas mais de 92 mil mulheres,
aproximadamente 44 mil somente na última década, o que demonstra a evolução
das taxas de feminicídio, ao mesmo tempo que justificam a necessidade de
criação de mecanismos de coibição desta forma de violência.
Gráfico 01. Evolução das taxas de feminicídio
Fonte: SIM/SVS/MS apud WAISELFISZ, 2012, p. 9.
Pode-se observar que o crescimento efetivo dos feminicídios
ocorre até o ano de 1996, quando as taxas duplicam em relação à década
anterior. Há uma estabilização de 1996 até 2006, com uma leve queda no
primeiro ano de vigência da Lei Maria da Penha, em 200751. Em seguida volta a
crescer de forma considerável até o ano de 2010, igualando ao máximo patamar
51
Uma estatística cabe destacar aqui: a Lei Maria da Penha fez diminuir em cerca de
10% a taxa de homicídios praticados contra mulheres no domicílio das vítimas, de acordo com
a pesquisa realizada pelo Ipea em março deste ano - Pesquisa Avaliando a Efetividade da Lei
Maria da Penha. (IPEA, 2015).
153
já observado no país: o de 199652. A tabela a seguir ilustra as taxas de
feminicídio por Estados.
Tabela 01 Número e taxas de homicídio feminino (em 100 mil mulheres) por UF. Brasil.
2010.
Fonte: SIM/SVS/MS apud WAISELFISZ, 2012, p. 11.
Enquanto a média dos Estados foi de 4,4 homicídios por cada
100mil habitantes, a taxa por capitais ficou acima disso, em 5,1. Entre as quatro
primeiras capitais nas quais essa taxa aparece acima de 10 homicídios, a capital
do Paraná, Curitiba, aparece em 4º lugar com 10,4 para cada 100 mil. O Espírito
Santo continua a ser o Estado mais violento, com a maior taxa de mortes de
mulheres (9,8 vítimas para cada 100 mil mulheres), número quase quatro vezes
maior do que o do Piauí, Estado com o menor índice no país.
O Mapa da Violência 2013: Homicídios e Juventude no Brasil,
destacou que o índice de mulheres jovens assassinadas foi superior ao do
restante da população feminina no período que compreende 2001 a 2011. As
taxas de feminicídio entre as mulheres jovens praticamente duplicam em
comparação com as não jovens (WAISELFISZ, 2013). Em 2011, a taxa de
homicídios entre mulheres com idades entre 15 e 24 anos foi de 7,1 mortes para
cada 100 mil habitantes, enquanto a média para as não jovens foi de 4,1. De
modo similar, a pesquisa do IPEA constatou que entre 2009 e 2011 as mulheres
52
Essa evolução coloca o Brasil em 7º lugar na posição mundial em taxas de homicídio
feminino, com dados homogêneos divulgados pela Organização Mundial da Saúde no período
que compreende 2006 à 2010.
154
jovens foram as principais vítimas: 31% estavam na faixa etária de 20 a 29 anos
e 23% de 30 a 39 anos.
Outros dados do feminicídio informam ainda que: 50% envolveram
o uso de armas de fogo e 34%, de instrumento perfurante, cortante ou
contundente; enforcamento ou sufocação foi registrado em 6% dos óbitos; maus
tratos – incluindo agressão por meio de força corporal, força física, violência
sexual, negligência, abandono e outras síndromes de maus tratos (abuso sexual,
crueldade mental e tortura) – foram registrados em 3% dos óbitos. (IPEA, 2013)
CONCLUSÃO
Os resultados apresentados neste artigo apontam para importância
de se debater o tema do feminicídio, como pressuposto ético e político
necessário no campo dos direitos humanos.
A sociedade é perpassada não
apenas por discriminações de gênero, como também de raça, etnia, classe social
e orientação sexual. Saffioti (2004) acrescenta que a grande contradição da
sociedade atual é composta pelo nó: patriarcado, racismo e capitalismo.
É lógico que esses processos passam também pela naturalização
dos processos socioculturais de discriminação do feminino, por isso é de extrema
importância compreender como essa naturalização e outras categorias sociais
constituem “o caminho mais fácil e curto para legitimar a ‘superioridade’ dos
homens, assim como a dos brancos, a dos heterossexuais, a dos ricos”
(SAFFIOTI, 1987, p.11).
A violência contra as mulheres é estrutural e inerente aos sistemas
patriarcal e capitalista de produção. Se constitui em uma ferramenta de controle
da vida, do corpo e da sexualidade das mulheres. Dito isto, compreende-se que
a protogênese da violência contra as mulheres está no sistema patriarcal e no
capitalismo, que impõem uma necessidade de apropriação e exploração da
mulher pelo homem. A mulher torna-se, assim, propriedade privada para o
homem, e, por conseguinte, a violência contra a mulher é expressão máxima do
direito de propriedade privada do homem sobre a mulher.
155
Engels (1984) ao estudar a origem da família burguesa, destaca sua
gênese a partir da constituição da família monogâmica, entendendo que esta “foi
a primeira forma de família que não se baseava em condições naturais, mas
econômicas, e concretamente no triunfo da propriedade privada sobre a
propriedade comum primitiva” (ENGELS, 1984, p. 70). A família burguesa surge,
pois, sob a forma de escravização de um sexo pelo outro, ou ainda, como
proclamação de um conflito entre os sexos, até então ignorado.
Do triunfo da propriedade privada sobre a comunal e do homem
sobre a mulher, se alicerçam os elementos contraditórios da sociedade e da
família burguesa. Marx, no Capital, aprofunda a critica que faz ao conceito de
mercadoria, demonstrando que sob o jugo do capitalismo, as relações humanas
se reduzem a meras relações entre produtos, reificando as relações sociais e
transformando, por sua vez, as relações entre as coisas em relações sociais
(MARX, 1988).
Nestas relações reificadas, o trabalhador torna-se mercadoria na
relação com o capitalista, assim como a mulher é concebida como mercadoria
na relação com o homem. Como mercadoria, a mulher, seu corpo, sua vida
mesmo, não lhe pertencem, mas pertencem a um outro ser. Ela é objetivada e
coisificada na relação com o homem, de modo que este a toma como bem de
consumo, de propriedade, portanto, com direito para decidir sobre sua “vida e
morte severina”53. Dessa mercantilização do corpo e da vida das mulheres que
o feminicídio se nutre e toma forma como expressão máxima.
O estágio atual do capitalismo, com o desenvolvimento das forças
produtivas e a subordinação de toda a sociedade ao capital financeiro, impõe
uma
lógica
perversa
de
mercantilização
universal,
aprofundando
as
desigualdades de todas as ordens e resultando, no que Iamamoto (2009)
denomina de banalização do humano.
O feminicídio como expressão máxima da violência contra mulher
na sociedade burguesa, se exprime como ápice da banalização do humano,
53
Em alusão a obra de João Cabral de Melo Neto “Morte e Vida Severina”, publicada
em 1955.
156
revelando a face mais brutal da dominação do homem pelo homem, da
indiferença e do estranhamento do homem como ser genérico, e de sua
personificação como mero objeto, mercadoria ou propriedade privada.
Embora do ponto de vista jurídico-normativo tenham ocorridos
avanços na sociedade brasileira, com a promulgação de legislações que visam
coibir e punir atos que violem direitos das mulheres, o feminicídio tem crescido
a passos largos, mostrando quão distante está a superação desse genocídio de
gênero e quão anunciadas são ainda estas mortes54.
Enfrentar o feminicídio passa pela construção de novos valores
societários, de uma nova cultura livre de mecanismos de dominação, opressão
e discriminação. Se como nos indicou Engels, essa contradição homem e mulher
se origina com a sociedade de classes, a qual por sua vez tem seu fundamento
na propriedade privada, então entendemos que sua superação só pode ser
também a superação das condições materiais que lhe dão objetividade, isto é,
com o fim da sociedade burguesa.
REFERÊNCIAS
ENGELS, F. A origem da família, da propriedade privada e do Estado.
9ªed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984.
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Panam Salud Publica, 2015, nº 37(4/5), p. 251–257
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CFESS/ABEPSS, 2009.
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L.P.; FREITAS, L. R. S.; SILVA, G. D. M.; HÖFELMANN, D. A. Versão
Preliminar. 2013.
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primeiro. 3 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
SAFFIOTI, H. I. B. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Editora
fundação Perseu Abrano, 2004. Coleção Brasil Urgente.
O título do artigo, “Crônicas de Mortes Anunciadas” faz alusão ao romance de Gabriel
García Marquez “Crônica de uma morte anunciada”, de 1981.
54
157
SAFFIOTI, Helieth I.B. O Poder do Macho. Projeto passo à frente.
Coleção polêmica; v. 10. São Paulo: Moderna, 1987, 120 p
Waiselfisz, J. J. Mapa da Violência 2012 - Atualização: Homicídio de
Mulheres no Brasil. Brasília: FLACSO Brasil, agosto de 2012.
Waiselfisz, J. J. Mapa da Violência 2013: Homicídios e Juventude no
Brasil. Brasília, Ministério da Saúde, 2013.
A EXPERIÊNCIA DA CAPTAÇÃO DE DOADORES DE SANGUE NO
CENTRO DE HEMATOLOGIA E HEMOTERAPIA DO PARANÁ – HEMEPAR
Fabiane Natal Janata55
Marinalva Gonçalves da Silva56
Nely Maria Coimbra Moura57
Rosilda de Fátima Rodrigues58
Vânia Venzel Borges59
55
Assistente Social. Especialista em Auditoria e Programas de Atenção à Saúde Pública
- ITECNE/PR e MBA em Gestão de Pessoas e Controladoria Pública na Saúde - ITECNE/PR.
Assistente Social. Especialista em Didática do Ensino Superior – PUCPR,
Administração Pública-FGV e Saúde Pública – FIOCRUZ.
56
57
Assistente Social. Especialista em: Gestão Estratégica de Pessoas – FAE e Administração em
Saúde – Ênfase em Administração Hospitais e Serviços de Saúde – PUC/PR.
Bacharel em Serviço Social. Especialista em Gestão de Políticas Públicas e Cidadania –
Bagozi e Administração de pessoas com ênfase no setor público – UFPR.
58
59
Assistente Social. Mestre em Ciências Sociais - Linha: Democracia e Políticas Públicas –
UNIOESTE/PR. Especialista em Fundamentos do Trabalho do Assistente Social –
UNIOESTE/PR.
158
RESUMO: O Centro de Hematologia e Hemoterapia do Paraná - Hemepar
é um banco de sangue público que tem como missão fornecer produtos e
serviços de hematologia e hemoterapia de forma sustentável para a rede
assistencial dentro dos padrões de qualidade. A Divisão de Suporte ao Usuário,
responsável pela captação de doadores de sangue, desenvolve diversas
atividades, envolvendo a população, formando parcerias com empresas,
instituições, universidades entre outros segmentos sociais com a finalidade de
doação voluntária de sangue.
PALAVRAS-CHAVE: Política pública de sangue, Hemepar, captação.
Introdução
A regulamentação do Sistema Nacional de Sangue e Hemoderivados está
baseada em diversas leis e resoluções, destacando-se a Constituição Federal
de 1988, a Lei 10205/2001 e a Portaria 2712/2013.
A Constituição Federal de 1988 diz em seu parágrafo 4º - “A lei disporá
sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e
substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como
a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo
vedado todo tipo de comercialização”.
Para atender este preceito constitucional foi criado e regulamentado pela
Lei 10205/2001, o Sistema Nacional de Sangue, Componentes e Derivados –
SINASAN, integrado pelos três níveis de governo federal, estadual e municipal
e atualmente coordenado pela Coordenação Geral de Sangue e Hemoderivados
/ Ministério da Saúde. A Política Nacional de Sangue, Componentes e
Hemoderivados rege-se dentre outros, pelos seguintes princípios e diretrizes:
I - universalização do atendimento à população;
159
II - utilização exclusiva da doação voluntária, não remunerada, do
sangue, cabendo ao poder público estimulá-la como ato relevante de
solidariedade humana e compromisso social;
III - proibição de remuneração ao doador pela doação de sangue;
IV - proibição da comercialização da coleta, processamento, estocagem,
distribuição e transfusão do sangue, componentes e hemoderivados;
(BRASIL: Lei 10205/2001, art. 14, I a IV)
A Portaria 2712/2013
que redefine o regulamento técnico de
procedimentos hemoterápicos vem corroborar que a doação de sangue deve ser
voluntária, anônima e altruísta, não devendo o doador, de forma direta ou
indireta, receber qualquer remuneração ou benefício em virtude da sua
realização.
Segundo o Ministério da Saúde, a Política Pública Setorial Nacional do
Sangue prevê o fortalecimento da Hemorrede pública em todo o país, visando
garantir a cobertura transfusional para todos os pacientes atendidos pelo SUS.
No Estado do Paraná a Secretaria de Estado da Saúde – SESA é
responsável pelo desenvolvimento das Políticas Públicas de Saúde, entre essas
a Política Estadual do Sangue, em consonância com a Política Nacional do
Sangue
do
Ministério
da
Saúde/Coordenação
Geral
do
Sangue
e
Hemoderivados e com a Agência Nacional da Vigilância Sanitária - ANVISA.
O Centro de Hematologia e Hemoterapia do Paraná – HEMEPAR, criado
em 31 de março de 1982, é unidade prestadora de serviços da SESA,
subordinada à Superintendência de Gestão de Sistemas de Saúde - SGS. A
partir de 1988 foi desenvolvida a proposta de interiorização das Unidades da
Hemorrede, com a implantação de unidades hemoterápicas em cada uma das
22 Regionais de Saúde do Estado.
O Sistema Hemorrede Estadual que pode ser visualizado conforme figura
abaixo, é formado pelo Hemocentro Coordenador localizado em Curitiba,
Hemocentros Regionais nas cidades de Cascavel, Guarapuava, Londrina e
Maringá, Hemonúcleos em Apucarana, Campo Mourão, Francisco Beltrão, Foz
do Iguaçu, Pato Branco, Ponta Grossa, Paranavaí e Umuarama e Unidades de
Coleta e Transfusão nos municípios de Cornélio Procópio, Cianorte, Irati,
Ivaiporã, Jacarezinho, Paranaguá, União da Vitória, Telêmaco Borba e Toledo.
160
As Agências Transfusionais podem ser intra ou extra hospitalares e no contexto
maior toda a rede está construída para atender a população paranaense.
A principal meta para o estabelecimento da Política Estadual do Sangue
é de que a Hemorrede Pública possa criar condições para atender 100% das
necessidades de hemocomponentes dos leitos SUS no Estado do Paraná.
Assim, o Centro de Hematologia e Hemoterapia - Hemepar é responsável pela
captação, coleta, armazenamento, processamento, transfusão e distribuição de
sangue para 384 hospitais
60
públicos, privados e filantrópicos que atuam em
todas as regiões do Estado. O Hemocentro Coordenador - Hemepar é um banco
de sangue público e precisa de aproximadamente 150 doadores/dia para atender
a demanda de 43 hospitais conveniados 61 em Curitiba e Região Metropolitana.
60
Informação disponível no site da Secretaria Estadual de Saúde
http://www.saude.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=2983.
61
do
Paraná:
Relação do número de 43 hospitais fornecida pela Divisão de Produção do Hemepar.
161
No Paraná, os dados apontam para a necessidade de intensificar os
esforços na busca de doadores, pois, frente à demanda esse número ainda é
reduzido. O percentual da população que comparece aos bancos de sangue
alcançou cerca de 3%, quando ideal preconizado pela Organização Mundial de
Saúde é de 5%. Os bancos de sangue passam por constantes dificuldades na
manutenção do estoque de hemocomponentes, considerando que o sangue
coletado e processado tem tempo de validade.
O Hemepar tem como princípio à busca da doação voluntária de sangue,
envolvendo a população, formando parcerias com empresas, instituições,
universidades entre outros segmentos sociais.
Em sua missão de fornecer produtos e serviços de hematologia e
hemoterapia de forma sustentável para a rede assistencial dentro dos padrões
de qualidade, o doador de sangue tem um papel essencial.
Para que se possa atingir a meta da instituição, a Divisão de Suporte ao
Usuário, responsável pela captação de doadores desenvolve diversas atividades
com a finalidade de buscar novas parcerias, valorizar as existentes,
implementando assim a política de captação de doadores por meio de ações
sócio-culturais e campanhas de divulgação.
Atividades desenvolvidas pela Captação de Doadores do Hemepar

Projeto Doador do Futuro: Direcionado para educação de jovens, tem
como objetivo contribuir para a “formação” dos futuros doadores de
sangue. Também busca incentivar e estimular os alunos a se tornarem
multiplicadores desta temática.

Captação Hospitalar: Tem como objetivo intensificar a captação das
doações de reposição, através de capacitação e orientação dos
profissionais dos hospitais envolvidos, visando conscientizar os familiares
dos pacientes transfundidos nos hospitais atendidos pelo Hemepar,
162
colaborando com a reposição e manutenção dos estoques de
hemocomponentes.

Convocação de doadores fenotipados: Tem como objetivo convocar
doadores cadastrados no banco de doadores fenotipados para realizar
doação
de
sangue
hemocomponentes de
para
pacientes
específicos
e
assegurar
doadores fenotipados para procedimentos
transfusionais em pacientes politransfundidos atendidos no ambulatório
do Hemepar.

Mobilização Social com palestras: Esta atividade apresenta os
seguintes objetivos: aumentar os percentuais da população doadora de
sangue, nos diversos segmentos entre homens, mulheres e jovens nas
respectivas faixas etárias, com ênfase na doação voluntária e altruísta,
através de palestras educativas, viabilizando mudanças culturais em
relação à doação de sangue; aumentar as parcerias com instituições
públicas e privadas, conscientizando os funcionários sobre a importância
da doação voluntária de sangue; formar multiplicadores de informação
sobre a doação de sangue, ampliar a inserção de doadores voluntários e
fidelizados no Hemocentro Coordenador – HEMEPAR e divulgar o Centro
de Hematologia e Hemoterapia – HEMEPAR, como Instituição Pública.

Hemotur: Consiste na realização de visita técnica orientada, nas
dependências do Hemepar, para oportunizar o conhecimento do fluxo de
atendimento aos candidatos à doação de sangue. O processo inicia com
palestra sobre doação de sangue e cadastro de medula óssea no auditório
do Hemepar. A visita técnica inicia na captação de doadores, seguindo o
fluxo vai para a recepção, onde é explicado o procedimento para cadastro,
triagem clínica, triagem hematológica, sala de coleta e sala de lanche. Em
seguida o facilitador acompanha o grupo à Divisão de Laboratório, onde
são realizados exames sorológicos, tipagem sanguínea, fator Rh e
anticorpos irregulares. Para finalizar a visita, o grupo é encaminhado à
163
Divisão de Produção onde um técnico explica os procedimentos
realizados para o fracionamento e a distribuição dos hemocomponentes
do sangue para os hospitais conveniados e pacientes do ambulatório do
Hemepar.

Trabalho de “ouvidoria interna”: Esta atividade tem como objetivo dar
resposta às manifestações registradas no formulário de reclamações,
sugestões e elogios, identificar e avaliar o processo de atendimento ao
doador de sangue no Hemocentro e ao paciente do Ambulatório e
identificar a opinião dos funcionários quanto ao processo de trabalho no
Hemepar.

Coleta interna: Consiste na realização de agendamento de grupos de
doadores de diversos segmentos vinculados a instituições públicas,
privadas, faculdades, universidade, igrejas, bancos, associações,
cooperativas, empresas e outros.

Coleta
externa:
Descentralização
do
atendimento
através
do
deslocamento da unidade móvel, facilitando a doação de sangue para a
comunidade de Curitiba e região de abrangência. São programadas com
as secretarias municipais de saúde, empresas, associações, igrejas,
hospitais e comunidade em geral.

Parceira com as Empresas: Este serviço se pauta pela ação educativa
e
estímulo
às
doações
voluntárias
e
espontâneas
enquanto
responsabilidade social de Empresas, Organizações, Instituições, entre
outras, considerando que manter estoques de sangue é uma
responsabilidade de todos. Esta parceria com a comunidade empresarial
além de contribuir para a construção de uma cultura sobre a doação de
sangue motiva, incentiva e educa para a participação dos empresários /
164
gestores nesse processo que salva vidas, apontando que é possível seus
funcionários doarem sangue sem interferir na produção de bens e
serviços da empresa.

Divulgação do aplicativo Hemogram: Este Aplicativo permite que o
processo da doação de sangue comece pela internet de forma rápida e
segura, oferecendo vantagens que irão beneficiar os doadores e as
pessoas que estão precisando de sangue nos hospitais do Estado do
Paraná. Quem utiliza o aplicativo recebe informações sobre as solicitações
de doação de sangue e os tipos sanguíneos necessários, os endereços dos
locais de coleta de sangue mais próximos para realizar a doação e quando
o usuário souber de alguém que esteja precisando de doação, também
pode enviar a solicitação pelo aplicativo e, imediatamente mobilizar outras
pessoas para que doem sangue.
Considerações finais
A Divisão de Suporte aos Usuários do Hemepar, em conjunto com as
demais Divisões62 e Unidades da Hemorrede, contribui com o alcance da missão
institucional através da realização de diversas atividades como: mobilização
social com palestras, Hemotur, organização de coleta interna e externa,
62
A estrutura técnico-administrativa do Hemepar é composta por uma Direção e oito
divisões, sendo: Divisão de Suporte Operacional – DVSOP, Divisão de Hematologia e
Hemoterapia – DVHHE, Divisão de Suporte aos Usuários do Hemepar – DVSUH, Divisão de
Produção – DVPRO, Divisão de Laboratório - DVLAB, Divisão de Gestão de Pesquisa Técnico
Científica- DVPTC, Divisão de Gestão da Qualidade e Biossegurança – DVGQB e Divisão de
Suporte ao Interior – DVSIN.
165
convocação de doadores fenotipados, parceira com as empresas, divulgação do
aplicativo, Hemogram, captação hospitalar e trabalho de ouvidora interna.
A Hemorrede pública tem um grande desafio em atingir a meta de criar
condições para atender 100% das necessidades de hemocomponentes dos
leitos SUS no Estado do Paraná. Para o estabelecimento da Política Estadual do
Sangue, ressaltamos a importância da implementação das atividades de
captação de doadores através de ações educativas e comunicação que
possibilitarão a promoção da doação, bem como a fidelização dos doadores. A
educação é fundamental para viabilização de um suprimento de sangue que seja
sustentável e seguro para ajudar a salvar vidas.
O comprometimento dos profissionais com os princípios e valores do
projeto ético-político profissional do Serviço Social torna-se fulcral no trabalho
com a temática captação de doadores na medida em que a doação de sangue é
um “ato de cidadania”, o qual deve ser vivenciado de forma altruísta, voluntária,
visando o bem de toda a sociedade. Neste sentido,
Profissionais que têm consciência da importância de uma prática
informativa, questionadora, argumentativa, enfim transformadora,
trabalham na perspectiva de intervir como facilitador para a formação
de usuários conscientes, que possam garantir seus direitos e buscar
exercer sua cidadania. (BORGES, 2012, p.161)
Nesta perspectiva busca-se um novo pensar para fundamentar a nossa
prática profissional comprometida com valores democráticos e de cidadania na
construção de estratégias para o trabalho de captação de doadores de acordo
com os valores e princípios do projeto ético-político profissional do Serviço
Social.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm .
166
BRASIL. Presidência da Republica. Lei nº 10.205, de 21 de março de 2001. Regulamenta o § 4o
do art. 199 da Constituição Federal, relativo à coleta, processamento, estocagem, distribuição e
aplicação do sangue, seus componentes e derivados, estabelece o ordenamento institucional
indispensável à execução adequada dessas atividades, e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10205.htm.
_________. Ministério da Saúde. Portaria nº 2712, de 12 de novembro de 2013. Redefine o
regulamento
técnico
de
procedimentos
hemoterápicos.
Disponível
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt2712_12_11_2013.html.
em:
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção a Saúde. Departamento de Atenção
Especializada e Temática. Manual de orientações para promoção da doação voluntária de
sangue. Brasília: Ministério da Saúde, 2015.
BORGES, Vania V. O projeto ético-político profissional no dia-a-dia da prática profissional do
Serviço Social. In: Revista Espaço Plural, Marechal Cândido Rondon, n.26, p.157-172, 1º
semestre 2012. Disponível em: http://e-revista.unioeste.br/index.php/espacoplural.
CÓDIGO DE ÉTICA Profissional do Assistente social. Resolução CFESS Nº 273 de
13/03/1993.
167
SEGURIDADE SOCIAL: A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E A
INSTITUIÇÃO DE CRAS E CREAS COMO EQUIPAMENTOS DE
REFERÊNCIA NA REGIÃO DE PONTA GROSSA
Luciana Pavowski Franco Silvestre63
Lucia Cortes da Costa64
Resumo: O presente artigo trata da instituição da política de assistência
social como Política Pública que integra a seguridade social no Brasil a partir da
promulgação da Constituição Federal de 1988. Tendo este marco referencial,
apontam-se alguns dos princípios e diretrizes que vem pautando a gestão,
planejamento e execução da referida política com o objetivo de garantir aos
cidadãos em situação de vulnerabilidade e risco social, o acesso a serviços e
benefícios de maneira a integrar o sistema de proteção social brasileiro.
Apresenta-se um panorama do processo de instituição de CRAS e CREAS,
enquanto equipamentos de referência do SUAS, na região de Ponta Grossa,
bem como sobre os resultados já apresentados pelo MDS, no que se refere ao
cumprimento das metas estabelecidas pelo Pacto de Aprimoramento do SUAS
para os níveis municipais período 2014/2017 por parte dos municípios de Ponta
Grossa de maneira específica sobre a proteção social básica e especial.
Palavras-chave: Assistência Social; Pacto de aprimoramento; proteção
social.
Introdução:
A política de assistência social, enquanto Política Pública que integra a
seguridade social no Brasil, especialmente a partir da CF/1988, aponta
perspectivas de fortalecimento da política de proteção social não contributiva no
país ao mesmo tempo em que convive com desafios relacionados a busca pela
63
Assistente social graduada pela UEPG em 2003 e doutoranda em Ciências Sociais
Aplicadas pela UEPG;
64 Professora adjunta do departamento de Serviço Social da UEPG e Doutora em Serviço
Social pela PUC de São Paulo
168
efetividade de instituição de um sistema público composto por serviços e
benefícios que de forma conjunta e articulada as demais políticas públicas possa
ser capaz de dar concretude as diretrizes e princípios estabelecidos pela referida
política.
 Seguridade Social: A política de Assistência Social
A Política de assistência social, que é definida no Brasil como de proteção
social não contributiva, tem como marco legal a Constituição Federal - CF de
1988, que em seu Art. 194 define as características da Seguridade Social no
país, como “[...] um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes
Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à
previdência e à assistência social”.
Importa compreender que estes aspectos permitiram que a assistência
social alcançasse o status de política pública, direito do cidadão e dever do
Estado, que passa a ser responsável por prover meios de gestão e execução de
serviços e garantia de acesso à renda aos usuários da referida política pública,
sendo este último concedido aos idosos e as pessoas com deficiência, e
independem de contribuição. Desta forma, a política passa a ser inscrita como
de afiançadora de direitos, e coloca o Estado, a partir dos seus diferentes Entes
Federados com primazia de responsabilidade na execução da política de
assistência social.
A Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS, Lei 8.742 promulgada em
1.993 e que foi alterada pela Lei 12.435 em 2011, para execução da política de
assistência social, prevê uma hierarquização entre a Proteção Social Básica e a
Proteção Social Especial na organização dos serviços e benefícios que devem
manter uma articulação entre si, bem como entre programas e projetos.
A gestão da política e a execução dos serviços seguindo a referida
hierarquização deve estar pautada nos seguintes princípios: Universalidade;
Matricialidade sociofamiliar; Descentralização compartilhada; Territorialização e
Intersetorialidade. Estes princípios expressam muitos dos desafios bastante
presentes nas possibilidades efetivas de acesso aos cidadãos a política de
assistência social, seja pela amplitude de demandas e de população a quem
169
deve ser garantido o acesso, seja pela diversidade de características territoriais
e populacionais que demandam estratégias planejadas e diversificadas, “[...] é
uma dimensão da política que supõe o reconhecimento da heterogeneidade dos
espaços em que a população se assenta e vive, bem como o respeito cultural
aos seus valores, referências e hábitos.” (SPOSATI, 2009, p. 45).
Deve-se considerar neste processo o porte dos municípios e a
corresponsabilização financeira e técnica para a execução de serviços. A
questão do porte dos municípios se torna fundamental neste sentido, pois
conforme a PNAS (2004), o Brasil possuía 72% dos municípios com até 20mil
habitantes, ou seja, de pequeno porte I, o que diz muito sobre a capacidade de
rede instalada para dar efetividade ao sistema de proteção social.
Por estas e outras questões, é que a intersetorialidade deve permear a
execução da política, garantindo-se a relação da Assistência Social com as
demais políticas públicas, pois “[...] ao se considerar que nenhuma delas guarda
resolutividade plena em si mesma. Deve ser, então, construída uma relação de
complementariedade entre as políticas.” (SPOSATI, 2009, p. 45).
Para isto, uma das referências que deve pautar a gestão e os serviços da
política de assistência social é a vigilância social. Aspecto definido pela PNAS
(2004) e que aponta para a necessidade de produção e sistematização de
informações e de indicadores que possibilitem o conhecimento sobre as
principais vulnerabilidades e riscos sociais presentes nos campos de atuação
dos profissionais nos serviços de referência da Política de Assistência Social,
além disto, a vigilância social deve possibilitar o cruzamento destes indicadores
com a identificação dos serviços, programas, projetos e benefícios disponíveis
aos cidadãos diante das demandas apresentadas, devendo-se analisar também
os padrões destes serviços.
Entende-se que a atuação desta política está voltada para as
consequências das desigualdades sociais que são geradas através do modelo
de sistema econômico vigente em nosso país, que permite que o resultado do
trabalho não seja apropriado por todos os envolvidos no processo, mas
permaneçam sobre posse dos donos dos meios de produção e mais do que isto,
170
permite que a decisão em realizar ou não investimentos, bem como que os meios
de produção permaneçam concentrados nas mãos de uma minoria.
Minoria esta que mantém em sua história um acumulo de riquezas e de
poder que passam geração após geração, em um “ciclo de reprodução da
riqueza” utilizando-se o termo recorrentemente utilizado nas pesquisas que
tratam da pobreza, mas no sentido inverso.
Além disto, a presença do capital financeiro e as consequências disto para
o aumento do fosso de desigualdades que separa ricos e pobres, e que
interferem diretamente nas possibilidades de investimentos que poderiam
contribuir para a geração de emprego e renda, bem como nos investimentos
públicos, que em detrimento dos fundos da dívida pública deixam de investir nas
políticas de proteção social.
Este aspecto que se relaciona diretamente ao financiamento da referida
política pública, aponta para um dos argumentos bastante presente nos
discursos conservadores liberais e que devem contribuir para a precariedade dos
serviços oferecidos, descritos como “custos” e não como investimentos do
Estado diante das suas responsabilidades na garantia de direitos voltados para
a correção dos processos geradores de desigualdade social impostos
historicamente no Brasil.
 A constituição de equipamentos de referência da política de
assistência social na região de Ponta Grossa.
A região de Ponta Grossa é composta por dezoito municípios,
sendo: Arapoti, Carambeí, Castro, Ipiranga, Imbaú, Ivaí, Jaguariaíva, Ortigueira,
Palmeira, Piraí do Sul, Porto Amazonas, Ponta Grossa, Reserva, São João do
Triunfo, Sengés, Telêmaco Borba, Tibagi e Ventania.
A população total da região é de 734.984 habitantes, sendo 600.818
residentes na área urbana e 134.166 na área rural. O que demonstra uma
prevalência de residência nas áreas urbanas. No entanto, cinco municípios da
região – Ivaí, Ipiranga, Ortigueira, Reserva e São João do Triunfo - possuem o
número superior de moradores situados nas áreas rurais em comparação aos
residentes nas áreas urbanas.
171
Além disto, uma das características importantes da região se refere a
extensão territorial, com dispersão populacional, em municípios que são
principalmente de pequeno porte65, sendo nove de pequeno porte I, seis de
pequeno porte II, dois de médio porte e um município de grande porte.
Estas características apontam para aspectos relevantes no que se
refere a gestão da política pública de assistência social, considerando que deve
existir equivalência no acesso aos serviços e benefícios para as populações
residentes nas áreas urbanas e rurais, o que exige a definição de estratégias e
planejamento alinhado aos indicadores apontados por um processo de vigilância
social capaz de identificar as principais vulnerabilidades e riscos vivenciadas,
bem como as potencialidade dos serviços existentes diante destas.
Neste sentido, e considerando o processo de alinhamento teórico, técnico
e político instituído e que visa a constituição de um sistema público da Política
de Assistência Social através da instituição de uma rede de serviços e
equipamentos que tenham capacidade física e de recursos humanos para
identificar, acolher, atender e acompanhar indivíduos e famílias em situação de
vulnerabilidade e risco social, através do efetivação da primazia de
responsabilidade do Poder Público, que na história da proteção social do país,
atuou de maneira fragmentada, descontinuada, precarizada e principalmente de
forma subsidiária, ou seja, ausente diante das suas responsabilidades.
Estes elementos apontam para dois dos grandes desafios para a
efetivação do SUAS, a instituição de uma rede pública de serviços e a
qualificação destes serviços, para que de maneira articulada as demais políticas
públicas, possam contribuir para uma sistema de proteção social dos cidadãos,
buscando constituir um sistema universal, integral, gratuito e com equidade de
acesso.
Desta forma, importa compreender como estão constituídos na
região de Ponta Grossa os CRAS e CREAS enquanto equipamentos de
65
Conforme a Política Nacional de Assistência Social de 2004, os municípios de PPI
são os que possuem até 20.000 habitantes, os de PPII de 20.0001 até 50.000 habitantes, os de
médio porte de 50.001 até 100.000 habitantes e os de grande porte de 100.001 até 900.000
habitantes.
172
referências para a organização da rede de atendimento na política de assistência
social, e buscar identificar algumas das perspectivas no que se refere a isto,
considerando-se que ao se fazer um comparativo com as informações do Censo
SUAS do MDS nos anos de 2011 e 2013, identifica-se um aumento significativo
do número destes equipamentos da referida política pública.
A PNAS de 2004 identifica o CRAS – Centro de Referência da
Assistência Social como um dos equipamentos de referência desta política
pública, devendo estar localizado em área de referência para a população em
situação de vulnerabilidade social e que atue de forma a realizar a gestão do
território e se torne uma das principais portas de entrada para os cidadãos no
acesso a política de assistência social, bem como para as demais políticas
publicas. Identifica-se na região de Ponta Gross que em 2011 estavam em
funcionamento 30 CRAS, passando para 33 no ano de 2015.
Com relação a este equipamento, ressalta-se que somente um dos
municípios da região possui CRAS localizado na érea rural, sendo dois
equipamentos que acabam por contribuir para o processo de busca ativa e de
acesso mais facilitado a população.
Registra-se que considerando a grande extensão territorial dos municípios
da região, nos anos de 2012 e 2013, nove municípios foram contemplados com
a expansão de financiamento através do FNAS para implantação de equipes
volantes, equipes adicionais aos CRAS para atendimento e acompanhamento
das famílias moradoras da área rural. No entanto, somente quatro destes
municípios implantaram as referidas equipes.
Com relação ao CREAS - Centro de Referência Especializado de
Assistência Social, identificou-se no mesmo período um aumento muito mais
significativo de equipamentos, pois em 2011, os dezoito municípios contavam
com um total de seis CREAS, passando para quinze no ano de 2015, contando
com mais que o dobro de equipamentos no período de quatro anos. Registrase ainda a existência de um Centro POP na região. Considera-se este aumento
significativo,
identifica-se
um
grande
potencial
nas
possibilidades
de
fortalecimento da rede de serviços da política de assistência social diante da
173
complexidade que existe no processo de acompanhamento de situações de
violações de direitos, bem como fragilização ou rompimento dos vínculos
familiares e comunitários.
No entanto, ressalta-se que sete municípios da região, todos de pequeno
porte I, permanecem sem este equipamento, realizando os atendimentos e
acompanhamentos dos indivíduos e famílias através dos profissionais da gestão
municipal.
Conforme já mencionado, um dos grandes desafios identificados
no que se refere a efetividade do SUAS para que em conjunto com as demais
políticas públicas possa contribuir no processo de proteção social das famílias
visando a superação das situações de vulnerabilidade e risco vivenciados nos
diversos territórios, se refere a busca de qualificação dos serviços, além da
necessária articulação destes com os benefícios socioassistenciais. Neste
sentido, a NOB SUAS/2012 estabeleceu a necessidade de elaboração de metas
através de Pactos de Aprimoramentos para os diferentes Entes da Federação e
tem como ponto fundamental que o justifica, a busca pelo aprimoramento do
SUAS. Desta forma, a CIT – Comissão Intergestora Tripartite, pactuou para os
municípios metas para o período de quatro anos, a serem cumpridas entre 2014
e 2017. As metas estão divididas em Proteção Social Básica - PSB, Proteção
Social Especial - PSE e Gestão do SUAS. Com base nisto, apresentamos os
resultados do processo de execução das metas referente a PSB e PSE na
região, apontando os resultados apresentados pelo MDS que se referem ao
período de 2013.
Tabela 1. Apresentação das prioridades apontadas no Pacto de
Aprimoramento do SUAS 2014/2017 e metas contabilizadas.
Prioridade
Meta
alcançada
Meta
alcançada
não
Não se
aplica
174
Acompanhar pelo PAIF as
1
17
famílias com até 1/2 salário registradas
no Cadastro Único
Acompanhar pelo PAIF as
18
famílias com membros integrantes do
BPC
Inserir no CadÚnico os
18
beneficiários do BPC
Acompanhar pelo PAIF as
3
15
famílias beneficiárias do PBF
Ampliar a cobertura da
1
17
Proteção Social Básica nos municípios
de grande porte e metrópoles
Aderir ao Programa BPC na
5
13
Escola (dez 2013)
Ampliar a cobertura do PAEFI
9
9
nos municípios com mais de 20.000
habitantes
Acompanhar pelo PAEFI
3
6
9
famílias com violação de direitos em
decorrência do uso de substâncias
psicoativas
Fonte: RI Pacto de Aprimoramento do SUAS
É possível identificar através deste levantamento, que das oito metas que
foram calculadas pelo MDS, a grande maioria delas não foram alcançadas pelos
municípios da região, tendo como únicos diferenciais neste processo, a adesão
ao BPC Escola por parte de cinco municípios e com destaque a ampliação da
cobertura do PAEFI nos municípios com mais de 20.000 habitantes, meta
atingida por todos os municípios em que esta se aplicava.
CONCLUSÃO
A partir do exposto, é possível identificar a existência de potencialidades
no processo de instituição de equipamentos de referência da política de
175
assistência social na região de Ponta Grossa, o que aponta para perspectiva de
ampliação dos processos de proteção de indivíduos e famílias em situação de
vulnerabilidades e riscos sociais a partir dos princípios e diretrizes definidas para
esta política pública. No entanto, evidencia-se a necessidade de qualificação dos
serviços e aprimoramento do SUAS, o que aponta-se através do pequeno
percentual de atingimento das metas estabelecidas no Pacto de Aprimoramento
do SUAS nos blocos que se referem a articulação entre benefícios e serviços da
PSB e PSE.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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_______. Política Nacional de Asistencia Social. Brasília. 2004.
Disponível em: http://www.mds.gov.br/backup/arquivos/pnas_final.pdf. Acesso
em: 20/03/2013.
Brasil. Lei 12.435/2011. Lei Orgânica de Assistência Social.
CENSO
SUAS.
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http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/dicivip_datain/ckfinder/userfiles/files/Censo%2
0SUAS%202011.zip
SPOSATI, Aldaíza. Modelo brasileiro de proteção social não
contributiva: concepções fundantes. In Concepção e gestão da proteção
social não contributiva no Brasil. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social
e Combate à fome, UNESCO, 2009. (p. 13 – 55).
RELATÓRIO DE INFORMAÇÕES SOCIAIS. Pacto de aprimoramento.
MDS. Disponível em: http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/RIv3/geral/index.php.
Acesso em 23/09/2015.
ADOÇÃO: CAMINHOS PARA A EFETIVAÇÃO DO DIREITO À
CONVIVÊNCIA FAMILIAR DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
176
Thaís Eugênia de Sousa66
RESUMO
Adoção é uma temática discutida por diversas áreas de conhecimento
como a Psicologia, Direito e o Serviço Social. A intenção desse estudo foi realizar
uma pesquisa e refletir sobre a realidade de políticas públicas de adoção no
Brasil, com o intuito de compreender as dificuldades enfrentadas ao viabilizar o
direito a convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes que
residem em abrigos dentre outras instituições à espera de serem adotados.
Palavras-Chaves: Política de Adoção; Direito, Crianças e Adolescentes,
Dificuldades e Serviço Social.
I. INTRODUÇÃO
O presente trabalho aborda o direito à convivência familiar e
comunitária de crianças e adolescentes no Brasil tendo como pressuposto a
Constituição Federal de 1988 por meio do artigo 226 que afirma que a família é
a base da sociedade, tendo proteção especial do Estado e também pelo Estatuto
da Criança e Adolescente - ECA no artigo 19 “toda criança ou adolescente tem
direito a ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em
família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária”.
Desse modo, trataremos da política de adoção compreender o
processo de adoção de crianças e adolescentes e as dificuldades na efetivação
desta política no Brasil visto que, as instituições que amparam crianças e
adolescentes estão superlotados e o Cadastro Nacional de Pretendentes a
Adotar consta com um vasto número, muito superior ao número de
crianças/adolescentes, buscamos entender o que inviabiliza a conclusão da
adoção. O trabalho é abordado a partir do eixo de proteção integral aos
interesses de crianças e adolescentes.
66
Bacharelanda em Serviço Social – Universidade Federal de Goiás / Regional Goiás.
177
Realizaremos também um estudo sobre o papel do Serviço Social
dentro dos Juizados de Crianças e Adolescentes, visto que a prática profissional
do Assistente Social tem importante função na equipe multiprofissional e seu
parecer é essencial dentro do processo de adoção. Esse trabalho está em
andamento, portanto os resultados apresentados são parciais, a pesquisa tem
como objetivo compreender os entraves que inviabilizam o processo de adoção
negando o direito de crianças e adolescentes a um lar.
II. FAMÍLIA E ADOÇÃO NO MUNDO
Para falar de adoção é necessário falar de família, diversos teóricos
ao longo da história contribuíram para uma definição de “família”, Philippe Ariès
considerou a família uma criação histórica, que possui um tempo, mutável e
assume características diversas, sendo sua história descontínua, não linear e
não homogênea, ou seja, as relações sociais e modelos familiares modificam e
adquirem novas formas. Pode-se utilizar o conceito de família formulado por
Gomes In (PIO, 2003) como o mais completo e que mais aproxima da realidade
[...] um grupo de pessoas, vivendo numa estrutura
hierarquizada, que convive com a proposta de uma ligação afetiva
duradoura, incluindo uma relação de cuidado entre os adultos e deles
com as crianças e idosos que aparecerem nesse contexto. (GOMES
apud PIO, 2003:67).
Sendo assim, família não depende de laços sanguíneos; consiste
em respeito, cuidado e afeto, o que uma criança ou adolescente a espera de
adoção necessita. A Constituição Federal reconheceu direitos iguais entre
homens e mulheres, afirmando no artigo 5º que todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, sendo assim interpretar-se que todos os
cidadãos brasileiros têm o direito de constituir família, seja ela de forma natural,
artificial, ou por adoção, podem adotar independente de sexo, raça, religião,
orientação sexual desde que este preencha os requisitos exigidos pela
legislação.
A palavra “adoção” deriva do latim “adoptio”, no sentido de "acolher
alguém". A adoção é uma prática realizada desde a antiguidade, a lei mais antiga
178
sobre adoção ocorreu na Babilônia, através do Código de Hamurábi (1728-1686
a.C.) que era composto por oito artigos que definiam a adoção, nas civilizações
gregas e romanas a adoção era associada aos princípios religiosos da época
(STAFFOKER, 2013).
No início da Idade Média a adoção perdeu sua importância, e a
questão dos laços de consanguinidade começaram a ser valorizados, devido ao
sistema sócio-político-econômico daquele período. “Para a nobreza, a
transmissão dos títulos mobiliários dava-se por direito de sangue jus sanguínes
e, com isto, cresce a rejeição por filhos não biológicos”. (PIO 2003, p 72, 2003).
Outro motivo estudado era a postura da Igreja Católica que hostilizava
a prática da adoção, alegando que a adoção servisse para legitimar filhos
bastardos trazidos por maridos infiéis para o matrimônio. No final da Idade Média
renasce a prática da adoção na Europa assumindo um viés caritativo, sendo
comuns hospitais adotarem crianças abandonadas ou órfãs.
A partir da
Revolução Francesa (1789), o uso do instituto da adoção ganha impulso, o
Código Civil Francês, ou Código de Napoleão regulou a filiação adotiva,
conservando os laços entre o adotando e sua família de origem. (PIO, 2003) mas
foi a partir do século XX que o Estado passou de fato a intervir na adoção.
III. ADOÇÃO NO BRASIL
O primeiro Código Civil Brasileiro de 1916 prescreveu a possibilidade
da filiação adotiva, poderia adotar homens com mais de 50 anos e esse não
possuir filhos, o objetivo da adoção era encontrar uma criança órfã para um casal
sem filhos. O Código Civil de 1957 trouxe poucas mudanças para o critério de
adoção, o adotante a partir dele poderia ter 30 anos, a diferença de idade entre
adotante e adotado de 16 anos, sendo o casal casados com no mínimo cinco
anos e poderia ter filhos. Mas o adotado não tinha os mesmos direito que os
filhos biológicos.
Em 1965 por meio da Lei n° 4655 foi autorizado o cancelamento do
registro de nascimento original da criança e substituir por outro podendo esta
adquirir o sobrenome dos pais permitindo a adoção de crianças de até sete anos.
179
O Código de Menores, criado em 1979, trouxe um grande avanço,
no que se referia à adoção esse previa duas formas de adoção, a plena e a
simples: a simples possuía as mesmas características da Lei n° 4655; a adoção
plena o adotante poderia ter filhos, ter cinco anos de matrimonio, pelo menos um
dos cônjuges deveria ter mais de 30 anos e 16 anos de diferença para a criança
ou adolescente com caráter irrevogável. O Código de Menores vigorou
simultaneamente com o Código Civil, até 1988, com a nova Constituição Federal
- CF.
A CF revogou todas as leis anteriores instaurando uma doutrina de
proteção integral a crianças e adolescentes sendo dever do Estado e da
sociedade zelar pela efetivação e defesa desses direitos. A proposta se
materializou com o Estatuto da Criança e Adolescente - ECA. O ECA, Lei nº
8069, de 1990 abrangeu elementos da Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948) e da Declaração dos Direitos da Criança (1959).
O capítulo III do ECA que trata do Direito a Convivência Familiar e
Comunitária consta com 33 artigos, regulamentando a adoção tem 13 artigos
dentre eles afirma que toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e
educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta,
assegurada a convivência familiar e comunitária, vale ressaltar que a adoção é
viável após esgotar todos os meios possíveis da criança/adolescente manter-se
na família natural ou extensa. Segundo o ECA pode adotar maiores de 18 anos
independentemente do estado civil com diferença mínima de 16 anos de idade
entre adotando e adotado, atribuindo ao adotado a condição de filho.
Em 2002 foi estabelecido um novo Código Civil que aboliu o termo
pátrio poder sendo substituído por poder familiar e regulamentando a adoção
para maiores de 18 anos. Em 2009 foi sancionada Lei do Direito à Convivência
Familiar nº 12.010, essa lei foi criada para dar agilidade ao processo de adoção
e revogando aspectos contidos nas legislações anteriores e acrescentando
outras; esta promoveu alterações significativas no Estatuto da Criança e do
Adolescente, precisamente no Capítulo III, a Subseção IV que trata da adoção.
Foram sancionados 30 artigos e acréscimo de 16 artigos, ressaltando o direito
180
da criança e do adolescente, em coabitar em uma família e viver dignamente em
comunidade. Entretanto, essa lei aumentou demasiadamente a burocracia para
adoção.
Desde o Código de Hamurabi na Babilônia até a Lei nº 12.010/09 no
Brasil, diversas mudanças ocorreram na legislação, grandes conquistas foram
alcançadas, mas existe um longo caminho para efetivar o direito a Convivência
Familiar.
IV. SERVIÇO SOCIAL E AS BARREIRAS INTERVENIENTES
NA EFETIVAÇÃO DA ADOÇÃO
O Serviço Social faz parte da equipe psicossocial das Comarcas e
Juizados de Criança e Adolescente em conjunto com a Psicologia trabalham
para proteger os interesses de crianças e adolescentes, atuando de maneira
direta com o processo de adoção.
A intervenção do Serviço Social frente à adoção baseia-se em
informar que a adoção acontece por meio de processo judicial, realizar
entrevistas sociais; orientações aos pretendentes a adotar quanto aos tramites
burocráticos, sobre a adoção tardia; adoção interracial, encaminhamentos para
grupos que discutam adoção; indicação de literatura a respeito da adoção, visitas
domiciliares,
além de avaliar se o candidato está apto para adotar uma
criança/adolescente por meio do estudo social, informar sobre o estágio de
convivência dentre outras funções. Somente a partir do parecer favorável do
Assistente Social o candidato a adoção é cadastrado no Cadastro Nacional de
Adoção - CNA, sendo assim, o exercício profissional do Assistente Social dentro
das Comarcas e Juizados de Criança e Adolescente é extremamente importante.
Em 2008 foi criado o Cadastro Nacional de Adoção, um sistema de
informações para auxiliar o sistema judiciário a cruzar dados de todo território
nacional e localizar pretendentes para adotar crianças e adolescentes de maneira
mais rápida e eficaz, entretanto na prática esse sistema de informação não impede
que crianças e adolescentes cresçam em abrigos adquiram a maioridade sem
ter um lar. Crianças e adolescentes tem o direito de serem adotados na falta dos
181
pais biológicos por motivo de óbito ou perda do poder familiar, mas mesmo com o
avanço da legislação nas últimas duas décadas e com a criação do Conselho
Nacional de Adoção grandes dificuldades são encontradas no processo de adoção.
No Relatório Estatístico de Pretendentes do Cadastro Nacional de
Adoção na data de 20 de Setembro de 2015 mostra o número de 34.219
cadastros de pretendentes a adotar; o Relatório Estatístico de Crianças e
Adolescentes disponíveis para serem adotados na mesma data apresenta o
seguinte número; 6.087, percebe-se um grave problema com esses números.
Sem mencionar que há um grande número de crianças que estão em abrigos
ainda não foram destituídas do poder familiar podendo esse número aumentar.
Por que crianças e adolescentes estão crescendo em abrigos com o
número de interessados em adotar quase seis vezes maior que o número de
crianças/adolescentes aptos para adoção? Essa questão nos move em direção,
a saber, quais são os mecanismos que estão impedindo crianças e adolescentes
a conquistar o direito a convivência familiar e comunitária assegurado pela
Constituição Federal e pelo ECA.
Uma hipótese é que a burocracia no processo de adoção inviabiliza
sua efetivação, fazendo com que pessoas subestimem o processo procurem a
“adoção à brasileira” ou simplesmente desistem de adotar. Sabe-se que a
adoção
só
é
viável
após
esgotar
todos
os
meios
possíveis
da
criança/adolescente manter na família de origem, trabalhando com o
restabelecimento de vínculos com os pais, ou procurando a família estendida
(avôs, tios, primos, etc.,). Segundo a jurista Maria Berenice Dias a Lei da Adoção
dificultou a concretização da adoção, visto que ela burocratiza o processo de
adoção e não reduz o tempo que as crianças e adolescentes ficam
institucionalizadas, mesmo com o cruzamento de dados do Cadastro Nacional o
número de adoções não teve aumento significativo.
Os dados sobre adoção apresentam uma contradição entre o perfil
desejado pelos pretendentes a adotar e o perfil de crianças e adolescentes
disponíveis para adoção. Analisando os dados do Relatório Estatístico do
Cadastro Nacional de Adoção em todo território brasileiro percebemos que mais
182
80% dos candidatos tem preferência por crianças de cor branca e com idade até
3 anos. Somente 1,02% dos candidatos aceitam crianças maiores de 10 anos,
entretanto mais de 70% das crianças/adolescentes aptas a adoção tem mais de
10 anos e mais de 65% das crianças disponíveis para adoção tem cor parda ou
negra.
Somando a burocracia nos tramites da política de adoção com os
dados obtidos no CNA chegamos a conclusão que existe uma longa estrada a
ser percorrida.
V. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer desse trabalho percebe-se que grandes desafios são
postos para garantir o direito à convivência familiar e comunitária de crianças e
adolescentes. Sabemos que a adoção não é uma pratica recente, entretanto
ainda é permeado de preconceitos e desconfianças, porém sabemos que o único
objetivo da adoção é fazer com que crianças e adolescentes tenham um lar.
Um
grande
número
de
crianças/adolescentes
estão
institucionalizadas em abrigos e instituições governamentais ou caritativas por
motivos como: perda dos pais, violência familiar, abandono, abusos, os pais
impedidos de exercer essa função e crianças/adolescentes aguardando serem
adotadas. O fato é que mais de 6.000 mil crianças e adolescentes estão
disponíveis para adoção e segundo pesquisas esse número pode aumentar em
quase 50% visto que, a maioria das crianças e adolescentes institucionalizadas
estão em processo de destituição do poder familiar e não estão cadastrados no
CNA.
O judiciário precisa fazer uma campanha de conscientização da
adoção, promover a adoção tardia e interracial. Os dados analisados mostra que
o perfil de crianças buscado pelos pretendentes são crianças brancas com até 3
anos de idade, enquanto isso as demais crianças e adolescentes crescem sem
família.
O processo de destituição do poder familiar é lento e doloroso, não há
como negar que a família natural seja um ótimo ambiente para viver, desde que
183
esse ambiente tenha cuidado, afeto, respeito, livre de drogas e qualquer tipo de
violência se essas condições não são oferecidas nada é mais justo que dá a
essas crianças e adolescentes a oportunidade de um novo lar por meio da
adoção. Visto que é um direito previsto na Constituição e no ECA. Mas para isso
precisa-se de mais agilidade no Judiciário, maior número de profissionais nesses
espaços, para evitar que crianças e adolescentes cresçam em abrigos sem
esperança de ter afeto e família.
5. REFERÊNCIAS
ARIÉS, Philippe. História social da criança e da família. Trad. Dora
Flaksman. 2ª ed. Rio de Janeiro: LTC, 2006.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, DF: Senado
Federal, 35ª Ed. 1988.
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______ Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal. N. 8069,
julho 1990.
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2009.
CNJ.
Cadastro
Nacional
de
Adoção
(CNA).
Disponível
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DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 8.ª ed. rev. e
atual. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011.
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Lucia Eiterer, Ceris Salete Ribas da Silva, Walter Ude Marques. – São Paulo:
Cortez, 2011. – (Coleção preconceitos; v.7).
MINAYO, Maria (org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade.
29. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. (Coleção temas sociais).
184
PIO, M. da C. ÉTICA E SERVIÇO SOCIAL NOS CAMINHOS DA
ADOÇÃO – Dissertação de Mestrado 2003.
STAFFOKER. Nilvânia. O olhar do Serviço Social na Adoção.
Disponível
em:
http://unifia.edu.br/revista_eletronica/revistas/direito_foco/artigos/ano2014/olhar
.pdf Acesso em 18 de Abril de 2015.
TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS PÚBLICOS PARA A SAÚDE
PRIVADA POR MEIO DA RENÚNCIA FISCAL
Antonio Pereira da Silva
Teone Maria Rios de Souza Rodrigues Assunção
Lais de Oliveira Souza
Vera Lucia Tieko
RESUMO: A renúncia de receitas na saúde transfere recursos para o
segmento privado em detrimento da saúde pública. Esta prática consiste na
185
desistência de parte do potencial de arrecadação. O benefício fiscal é
transformado num prêmio por tempo indeterminado para induzir o crescimento
do mercado de saúde privado, em prejuízo do Sistema Único de Saúde – SUS.
Neste sentido, o presente trabalho tem como objetivo analisar a política de
renúncia fiscal e seus rebatimentos na saúde pública. Frente a isto, parte do
pressuposto de que há uma maior apropriação do recurso público pelo âmbito
privado em detrimento do SUS, o que foi constatado por meio dos dados do
Ministério da Saúde e da Receita Federal. No ano de 2012, os valores referentes
da Renúncia de Receita sobre o Orçamento do Ministério da Saúde
corresponderam a 18,3 bilhões, representando 23% de um total de 98,37 bilhões.
A renúncia de receitas compromete o financiamento da saúde pública.
Palavras-chave: Renúncia de receitas; Saúde pública; Benefício privado.
1. Introdução
O presente trabalho tem como objetivo analisar a política de
renúncia fiscal e seus rebatimentos na saúde pública. Adota-se como
pressuposto a apropriação do recurso público pela saúde privada, em detrimento
do SUS (Sistema Único de Saúde), por intermédio da renúncia de receitas.
A intervenção do Estado no comportamento da economia e na vida
dos cidadãos, através de instrumentos fiscais67, consiste-se num mecanismo
utilizado pelos governos, que ganhou realce nas últimas décadas. Alicerça-se na
composição forçosa da receita através da arrecadação, por um lado, e na outra
extremidade, a realização de gastos disciplinados por lei que tem como objetivo
a oferta de políticas públicas e atuação na dinâmica da atividade
macroeconômica.
67
Política fiscal é administração das receitas e despesas do governo. Se a receita é
maior que a despesa, temos superávit orçamentário. No inverso temos déficit orçamentário.
186
De acordo com a norma constitucional brasileira vigente, o ato do governo
executar a política fiscal fundamenta-se, na arrecadação de recursos junto aos
cidadãos e, posterior distribuição à sociedade em forma de atendimento as suas
demandas de caráter social, econômico, cultural, em âmbito setorial e regional.
O que se observa é que esta distribuição de recursos está sujeita a uma disputa
de poder que obedece a correlação de forças ou conjuntura política e social
prevalente na representação estruturada no poder legislativo.
A outra forma que o governo dispõe para realizar aplicação de recursos
públicos, trata-se da renúncia de receita que é um gasto indireto e invisível, pelo
fato de não ocorrer desembolso. Trata-se de um mecanismo utilizado pelo
Governo, sob a justificativa de investir em políticas públicas. Este procedimento
vincula-se ao processo de estímulo à atividade econômica, de maneira especial,
em momentos de estagnação da economia, ou modesta expansão da atividade
produtiva.
Partilhando do pensamento de Afonso e Diniz (2014), a administração
pública adota a estratégia fiscal que consiste na desistência de receber parte do
potencial de arrecadação projetado, ao utilizar uma metodologia que envolve a
perda de receitas.
Esta medida oferece o benefício fiscal e obteve maior
relevância em 2008, após a crise financeira do capitalismo, considerada a maior,
depois da grande depressão de 1929. Teve início nos Estados Unidos,
materializada no auxílio governamental às instituições financeiras e empresariais
ao contemplá-las com alívio fiscal.
Ocké-Reis (2010), alerta sobre a orientação prevalecente no setor da
saúde, no que se refere a apropriação de recursos públicos pelo segmento
privado68. O autor destaca à indispensabilidade de priorização e fortalecimento
do SUS, em função do seu caráter universal, até por conta de cumprir o que está
68 [...] o Estado continua sustentando os planos de saúde, dada a presença da renúncia
de arrecadação fiscal e a resistência das operadoras em ressarcir a ANS pelos serviços
prestados à clientela da medicina privada. Essa renúncia permite, de um lado, que parte dos
gastos com planos de saúde seja abatida do Imposto de Renda sobre Pessoa Física e, de outro,
que as despesas operacionais das firmas empregadoras em assistência médica reduzam o lucro
líquido, diminuindo o montante sob o qual incide a alíquota do Imposto de Renda sobre Pessoa
Jurídica (OCKÉ, 2010).
187
previsto na própria constituição brasileira, que prescreve o atendimento de
acordo com a necessidade de cada cidadão, independentemente da sua
condição econômica e financeira.
2. Gastos públicos invisíveis
O governo tem duas formas de encaminhar a aplicação do dinheiro
público: a primeira, é a norma tradicional que se dá com a realização de gastos
públicos diretos, representados pelos recursos contidos no orçamento público,
que é distribuído e aprovado anualmente pelo Congresso Nacional. A outra
maneira, que também representa uma aplicação de dinheiro público, tem um
formato conceituado como indireto, em que ocorre um pagamento sem
desembolso, caracterizada pela renúncia de receitas, cuja qualificação é
facultada pela desistência proposital de receita por parte do ente público, ao
deixar de receber recursos de um grupo específico de contribuintes.
Parafraseando Afonso e Diniz (2014), este modelo de aplicação indireta,
conhecido como renúncia fiscal, ganhou destaque nas últimas décadas. Na visão
do governo é um modelo de ação institucional, cuja justificativa vincula-se ao
processo de estímulo à atividade macroeconômica, de maneira especial em
momentos de estagnação da economia, ou modesta expansão da atividade
produtiva. Então, a administração pública adota a estratégia fiscal que consiste
na desistência de receber parte do potencial de arrecadação projetado, ao
utilizar-se uma uma metodologia que envolve a perda de receitas.
A técnica que se fundamenta na renúncia fiscal é classificada como uma
exceção ao sistema tributário brasileiro. Esta regra, de acordo com Ocké-Reis
(2014), “(...) equivale a desvios em relação à estrutura básica do tributo”.
A Constituição Federal do Brasil de 1988, em seu artigo 165, afirma que
os benefícios decorrentes de renúncia fiscal podem ser categorizados nas
seguintes dimensões: a) tributários: ocorre quando o governo desiste de receber
parte dos tributos potenciais; b) financeiros: são caracterizados pelo ato do
representante público deixar de cobrar em um empréstimo os juros e encargos
188
equivalentes e parte ou podendo alcançar a totalidade da dívida principal e; c)
creditícios: são as receitas renunciadas ao conceder financiamentos com prazos
e juros diferenciados e favorecidos, a uma parcela da sociedade. Quer dizer, são
gastos
resultantes
de
projetos
oficiais
que
disponibilizam
créditos,
instrumentalizados por recursos públicos, à taxa de juros inferior ao seu custo de
captação, que implica em ajuste fiscal, materializado na redução da oferta de
políticas públicas (PELLEGRINI, 2014).
A prática do instrumento de renúncia fiscal, tem como peculiaridade uma
maior flexibilidade na manipulação de fundos públicos, uma vez que, ao inverso
dos recursos correntes no orçamento clássico, que possui destinação específica,
sua autorização, quase que integralmente, não transita ou submete-se
previamente à aprovação do poder parlamentar.
Portanto, a implementação de benefícios fiscais não depende de
permissão preliminar do legislativo, consequentemente, possui maior liberdade
de manuseio e independência na sua alocação, pelo poder executivo, valendose de medidas provisórias. Mendes (2012), afirma que, uma vez permitida a
renúncia fiscal, a tendência é a sua permanência ou até a sua ampliação,
transformando-se em um presente infinito.
“[...] a tradição brasileira confere aos benefícios fiscais o
formato de “benesse eterna”, já que depois de integrados ao
sistema tributário, tais benefícios tendem a nele permanecer
indefinidamente, em razão da ausência de fiscalização e de análise
de custo-benefício das renúncias de receitas” (MENDES, 2012).
Tendo em vista o fato de que a medida implica em desistência de recursos
e provoca redução do potencial fiscal ou de arrecadação, e o consequente
impacto nas políticas públicas, cabe a sociedade civil organizada assegurar
mecanismos
que
possibilitem
o
acompanhamento
e
controle
social,
principalmente no que se refere ao processo de autorização, prazo de vigência
e necessidade efetiva de se adotar a política de renúncia fiscal, garantindo maior
transparência e a participação social.
189
Ao considerar a renúncia fiscal, pode-se afirmar que a maioria dos
incentivos fiscais trafega à margem do orçamento tradicional. “[...] incentivos
fiscais são concedidos uma única vez, sem registros nos orçamentos anuais”,
esta “[...] opção torna cômoda para o poder público” (SANTA-HELENA, 2009
apud Mendes, 2012).
Além do mais, a renúncia fiscal não se sujeita à análise criteriosa dos
organismos responsáveis pelo controle e fiscalização das finanças públicas69, ou
seja, a operacionalização da renúncia de receitas, acontece de forma periférica
dentro do campo da extrafiscalidade70 que dispensa os registros de entradas e
saídas. Decorrente disso, apresenta dificuldade de quantificação concreta dos
valores envolvidos, assim como, estabelecimento de uma métrica dos seus
resultados sociais, econômicos, nos contextos regionais e setoriais, pela
circunstância de não integrar o orçamento público.
3. Benefícios fiscais e a política de saúde
Para Ocké-Reis (2014), o setor da saúde também demanda um
diagnóstico cuidadoso sobre a renúncia de receitas, afirmando que a medida
fiscal “(...) induz o crescimento do mercado de planos de saúde, em detrimento
do fortalecimento do SUS”71. Além disso, a renúncia fiscal gera uma situação de
69
Congresso Nacional e o Tribunal de Contas da União. A Constituição de 1988, em seu
art. 70, caput, cabe ao Congresso Nacional a fiscalização contábil, financeira, orçamentária,
operacional e patrimonial da União, inclusive quanto às renúncias de receita. O art. 71 da CF/88,
por sua vez, estabelece o papel do Tribunal de Contas da União como órgão auxiliar do
Congresso Nacional no tocante à função de controle externo, cujas atividades de fiscalização
abrangem, nos dizeres da Lei 8.443/92 (art. 1º, § 1º), as renúncias de receita.
70
A extrafiscalidade dos impostos se resumem em algo muito além de uma mera
arrecadação de receitas para o Estado, relaciona, principalmente com os deveres constitucionais
do Estado, em manter a ordem econômica, política e social. Os impostos com o caráter de
extrafiscal podem ser classificados como aqueles que detém o propósito de regular a conjuntura
estatal.
71 Com base em uma política fiscal anticíclica, os recursos oriundos da renúncia
poderiam ser aplicados na atenção primária – no Programa de Saúde da Família (PSF), de
prevenção – e na média complexidade – em unidades de pronto atendimento (UPAs), com
profissionais especializados e recursos tecnológicos de apoio diagnóstico e terapêutico. Assim,
o governo federal poderia justificar, sob o critério da equidade, a redução ou a eliminação da
renúncia de arrecadação fiscal. Nada garante, entretanto, que o governo federal transforme
190
injustiça, ao favorecer os estratos superiores de renda e atividades econômicas
lucrativas. Dito de outra forma, os recursos da renúncia fiscal são alocados nos
estratos superiores de renda, pois os valores que servem como abatimento nas
despesas com saúde, por ocasião do ajuste anual do imposto de renda, foram
gastos no setor privado, abastecendo os lucros da saúde particular.
Portanto, este benefício tem um caráter parcial e regressivo,
especialmente, ao beneficiar a parcela mais abastada da sociedade, na condição
em que está recebendo um tratamento favorecido, o que expressa, na prática,
uma dimensão desigual. Isto revela que a medida possui uma faceta perversa,
ao desconsiderar os princípios da equidade e justiça social, previstos na Carta
Constitucional, ao não contemplar de forma universal o conjunto dos cidadãos.
O autor ainda questiona: há necessidade efetiva de patrocinar,
economicamente, uma atividade privada com recursos públicos, considerando
que os planos de saúde são altamente lucrativos? Ao que parece, este
procedimento representa sucateamento da saúde pública, ao provocar o
subfinanciamento,
assim
como,
comprometimento
do
seu
custeio
e
investimento.
Portanto, o favorecimento da atividade econômica particular, só se dá em
detrimento das condições estruturais e estruturantes do Sistema Único de Saúde
(SUS), assim como, compromete o financiamento do sistema que é
fundamentado na regra da universalidade, cujo direito ao atendimento,
independe da capacidade de pagamento, mas sim, das necessidades sociais do
cidadão.
O que se promove é a regressividade do sistema, piora a distribuição per
capita do gasto público e, novamente, reproduz condicionamentos vantajosos ao
complexo privado de saúde. Portanto, o benefício fiscal ao setor privado de
saúde, desconstrói o princípio da universalidade, ao contrário, disponibiliza bens
e serviços públicos, de modo seletivo, sem atender a demanda e necessidades
do conjunto da sociedade.
gasto indireto (tributário) em gasto direto, apesar de o subsídio destinado ao consumo dos planos
privados de saúde ter alcançado a cifra de R$ 7,7 bilhões em 2011. OCKÉ-REIS (2014).
191
Ocké-Reis (2014), propõe que o Ministério da Saúde, uma analise dos
impactos da renúncia fiscal no Sistema Único de Saúde (SUS). Da mesma
maneira, sugeri ainda, que busque alternativas no sentido de estabelecer limites
na redução e desenvolver uma política regulatória, ou mesmo investigar a
possibilidade de extinção do gasto tributário em saúde. Torna-se evidente que o
subfinanciamento do agrupamento público de saúde brasileiro, deixa de ofertar
bens e serviços públicos de qualidade e suficientes à sociedade.
A tabela a seguir, compara o gasto público direto do Ministério da Saúde
(MS), com o gasto indireto (benefício fiscal) que o Estado deixou de receber entre
os anos de 2003 e 2012.
Tabela 1 – Gasto tributário em saúde sobre a despesa do MS (2003-2012)
Ano
MS
Gasto
(R$ milhões)
tributário em
Saúde (R$
milhões)
2003
27.181
7.172
2004
32.703
8.819
2005
37.146
9.563
2006
40.750
12.453
2007
44.304
12.185
2008
48.670
13.770
2009
58.270
13.595
2010
61.965
14.422
2011
72.332
15.807
2012
80.063
18.313
Fonte: Ministério da Saúde e RFB, apud Ócke, 2014.
%
26%
27%
26%
31%
28%
28%
23%
23%
22%
23%
Conforme a tabela 1 demonstra, em termos de valores nominais, houve
aumento progressivo no gasto tributário em saúde, no período de 2003 a 2012,
sendo que em 2012 o gasto tributário representa 23% dos R$ 98,37 bilhões do
192
orçamento do Ministério da Saúde, o que resultou num montante de R$18,3
bilhões.
Entretanto, em relação ao percentual, comparando ao ano de 2006, notase uma redução, pois em 2012 teve 23% e 2006 31%. Em 2006, a despesa com
renúncia de receitas correspondeu a aproximadamente um terço do orçamento
do ministério. Assim, conforme os dados apesentados, somente no segmento
saúde, o gasto tributário concedido entre 2003 e 2012, variou entre 20% e 30%
do orçamento do Ministério da saúde.
4. Considerações finais
Este estudo teve como objetivo analisar a apropriação do recurso
público pela saúde privada, mostrando como a renúncia de receitas favorece a
saúde particular em detrimento do fortalecimento do SUS (Sistema Único de
Saúde).
Nota-se, que ao permitir o abatimento dos gastos médico-hospitalar, sem
limites, por ocasião do ajuste anual do imposto de renda, o que significa
beneficiar os estratos superiores de renda, além de promover a regressividade
do sistema, o que piora a distribuição per capita do gasto público e, novamente,
reproduz condicionamentos vantajosos ao complexo privado de saúde.
Observa-se que, caso os benefícios fossem destinados à Seguridade
Social, fortaleceria, primeiramente, a política pública de Saúde através do SUS,
causando um impacto positivo, no âmbito da saúde, junto a população brasileira,
respeitando o princípio de atendimento conforme a necessidade e não, segundo
a capacidade de pagamento.
Contudo, ao promover a renúncia fiscal na saúde, o governo coloca sob
ameaças os avanços conquistados e contidos na Constituição Federal de 1988,
no capítulo da Seguridade Social. Finalizando, fica evidente que a renúncia fiscal
em saúde, compromete o custeio e investimento da saúde pública. A prática
provoca sucateamento do SUS, ao tomar parte dos seus recursos, e transferi-lo
para o setor privado. Além do mais, reduz a capacidade de assegurar à
193
sociedade o princípio do direito a saúde universal e de qualidade ao conjunto
dos cidadãos brasileiros.
REFERÊNCIAS
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mensurados) pelo Governo Federal. FGV – IBRE – janeiro de 2014.
MENDES, G.R. Controle sobre renúncias de receita: quadro atual e
oportunidades de aperfeiçoamento. 2012. Disponível em: www.
portal2.tcu.gov.br. acesso em 19/08/2015.
OCKÉ-REIS, C.O. SUS: o desafio de ser único. Gestão Pública e
Relação Público Privado na Saúde/ Nelson Rodrigues dos Santos e Paulo
Duarte de Carvalho Amarante (Organizadores) – Rio de Janeiro: Cebes, 2010.
OCKÉ-REIS, C.O. Renúncia de arrecadação fiscal em saúde: a
experiência institucional da Austrália, Brasil, Canadá e Estados Unidos.
Rio de Janeiro: Ipea, 2014 (Texto para Discussão). No prelo.
PELLEGRINI, J. A. Gastos Tributários: conceitos, experiência
internacional e o caso do Brasil. Brasília: Núcleo de Estudos e
Pesquisas/CONLEG/Senado, Outubro/2014 (Texto para Discussão nº 159).
Disponível em: www.senado.leg.br/estudos.
PUREZA, Maria Emília Miranda. Disciplinamento das renúncias de
receitas federais – inconsistência no controle dos gastos tributários.
Cadernos Aslegis, v.8, nº 29, p. 41-74, maio/agosto, 2006.
Revista do Tribunal de Contas da União • Brasil • ano 46 • número 129 •
Janeiro/Abril 2014
SALVADOR, Evilasio. Renúncias tributárias: os impactos no
financiamento das políticas sociais no Brasil. INESC , 2015.
194
O ATENDIMENTO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE: A EDUCAÇÃO
NÃO FORMAL ENQUANTO POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO
Loren Pelik Kempe Anhucci
RESUMO
O presente estudo tem como objetivo refletir sobre o atendimento à
criança e ao adolescente, a partir de uma prática educativa não formal,
analisando os sentidos e significados produzidos por estes que a vivenciaram
em um determinado contexto social. Nesta perspectiva, pretende-se responder
à seguinte problemática: Quais os sentidos e significados produzidos pelas
crianças e adolescentes, moradores da Região Oeste A, do município de
Londrina, sobre a prática educativa não formal? Nesta perspectiva optou-se por
desenvolver uma pesquisa de cunho qualitativo, utilizando-se da técnica da
história oral. Este estudo permitiu o aprofundamento da reflexão sobre a prática
educativa não formal enquanto possibilidade de intervenção qualificada,
ampliando o espaço e o acesso de crianças e adolescentes às práticas coletivas
cotidianas.
PALAVRAS-CHAVES: Criança e adolescente. Prática educativa não
formal. Produção de sentidos e significados.
195
1. INTRODUÇÃO
A educação existe desde os tempos mais remotos, nas mais
diversas culturas, e compreende um processo de ensino e aprendizagem
exercido nos diversos espaços de convívio social. O próprio termo abrange uma
gama de conceitos, designações e significados, os quais permitem o
entendimento de que ele não é restrito à ideia de escola. Nesta perspectiva, o
presente artigo72 destaca uma área específica de desenvolvimento da educação
na sociedade, configurando-se, então, enquanto campo de possibilidade de
práticas educativas, aqui denominadas Educação Não Formal.
Para Freire (1997, p. 96), o importante é que há de se
reconhecer o papel da educação, mas também os seus limites, recusando “[...]
de um lado, o otimismo ingênuo que tem na educação a chave das
transformações sociais, a solução para todos os problemas, e de outro, o
pessimismo igualmente acrítico e mecanicista [...]”. Assim, longe de apresentar
a educação não formal enquanto única possibilidade de intervenção social, a
intenção é expor elementos que viabilizem a reflexão crítica acerca desta
temática e aprofundar a reflexão sobre a prática educativa não formal enquanto
possibilidade de atendimento à criança e ao adolescente.
2. O lugar e o significado da infância e da adolescência a partir de
uma prática educativa não formal
Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção
integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por
outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes
facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em
condições de liberdade e de dignidade (BRASIL, 1990, p. 01).
O que significa infância e adolescência?
72
O presente artigo foi elaborado a partir da dissertação de mestrado defendida no ano de 2015,
na qual foi estudado o tema em questão.
196
A infância é considerada o lugar da brincadeira, da descoberta e
do não saber, visto como aquele que não se posiciona e precisa ser guiado por
um adulto. Já a adolescência é comumente associada à ideia de transformações
físicas e emocionais, descobertas e rebeldia.
Entretanto, esse olhar a respeito da criança e do adolescente só
ganha reconhecimento jurídico no Brasil, na década de 1980, a partir dos
diversos debates promovidos pelos movimentos populares, no processo de
redemocratização do país.
Morelli et al. (2000, p. 69) explicam que o Estatuto da Criança e
do Adolescente
[...] revogou o Código de Menores, instituindo uma nova referência à
infância e à adolescência no nosso país, a Doutrina de Proteção
Integral. Essa Doutrina foi aprovada e difundida através da Convenção
Internacional dos Direitos da Criança de 1989. Assim, o ECA é
baseado numa concepção educativa, voltado para a garantia dos
direitos de cidadania a essa população, em detrimento da antiga visão
repressiva, punitiva e assistencialista imposta pelo Código de Menores.
O Estatuto assegura (ao menos legalmente) as oportunidades e
facilidades imprescindíveis ao desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e
social, em condições de liberdade e dignidade.
Esse
novo
ordenamento
jurídico
introduz
inovações
principalmente no que diz respeito à promoção e à defesa dos direitos da criança
e do adolescente, aplicada a todas as pessoas com idade inferior a 18 anos,
independentemente de classe, credo, etnia ou qualquer outra condição que
queira impor distinção entre o segmento em questão.
Contudo, após 25 anos de vigência do Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei n.º 8069/1990), completos no ano de 2015, e ainda, apesar de
avanços significativos no que diz respeito às conquistas nas políticas sociais
para a infância e a juventude, o que se percebe ainda, segundo aponta Rizzini e
Pilotti (2009, p. 35) são algumas polêmicas em torno das políticas sociais para o
segmento, uma vez que denotam um conflito de visões e estratégias quando fica
197
evidente o avanço no aparato legal e seu distanciamento da realidade de um
número expressivo de crianças e adolescentes.
Peloso e Paula (2008) afirmam que as recentes discussões
sobre a infância e a adolescência se voltam para elementos que não eram
contemplados historicamente. Essas discussões presentes, por exemplo, em
Dallari e Korczak (1986) e Rizzini e Pilotti (2009) são consonantes em afirmar
que a criança e o adolescente precisam ser considerados como seres históricos
e sociais já nessa fase da vida.
Histórico e social na medida em que a infância e a adolescência
passam a ser concebidas como um momento singular, provisório e de transição,
porém, relevante e fundamental no que diz respeito ao seu desenvolvimento.
A criança e o adolescente são (ou ao menos deveriam ser)
entendidos como pessoas capazes de exercer participação direta sobre o mundo
em que se encontram. Kuhlmann Junior (1998, p. 31, apud PELOSO; PAULA,
2008, p. 176) explicita que é preciso entender a infância e a adolescência, como
uma condição peculiar:
O conjunto de experiências vividas por elas em diferentes lugares
históricos, geográficos e sociais é muito mais do que uma
representação feita por adultos sobre esta fase da vida. É preciso
conhecer as representações da infância e considerar as crianças
concretas, localizá-las nas relações sociais, etc., reconhecê-las como
produtoras de história.
Assim, mais do que um período definido biologicamente, a
infância e a adolescência surgem ao longo das transformações societárias, como
uma referência histórica, cultural e social, o que permite a compreensão de que
existem simultaneamente, em um mesmo momento histórico, distintas
representações de infância e adolescência.
Nessa perspectiva, Dallari (DALLARI; KORCZAK, 1986), se
propõe compreender a criança e o adolescente em sua integralidade, bem como
os direitos a eles inerentes. Para o autor é imprescindível a garantia do direito
de ser, de pensar, de sentir, de querer, de viver e de sonhar, e que permitem
identificar qual é o lugar e o significado da infância e da adolescência, ou seja,
198
“a criança é sempre um recomeço da humanidade”. É a oportunidade que o ser
humano tem de começar de novo, de um novo tempo e uma nova oportunidade.
Portanto, cumpre destacar o papel de crianças e adolescentes
na educação não formal, considerando os seus anseios e desejos no processo
de formulação e implementação de políticas públicas, contrária a proposta de
natureza impositiva em que não se considera as suas reais necessidades. É
fundamental problematizar a autonomia e o empoderamento (poder de decisão)
deste segmento etário.
Neste sentido, [...] “a educação não formal é aquela que se
aprende no mundo da vida, via os processos de compartilhamento de
experiências, principalmente em espaços e ações coletivas cotidianas” (GOHN,
2010, p. 16). Portanto, a importância da realização desta pesquisa está na
possibilidade dos sujeitos envolvidos produzirem sentidos e significados, a partir
do processo de participação na formulação e na implementação de todas as
práticas coletivas (esportivas, culturais e de lazer) por eles vivenciados.
Por respeitar os diferentes significados psicossociais e
educativos que esses poderiam produzir na formação e no desenvolvimento
integral de tais sujeitos e na potencialização das suas subjetividades, é que se
tornou de fundamental importância estudar os sentidos e significados que este
segmento atribuiu ao processo que vivenciaram.
Assim, a pesquisa desenvolvida foi de natureza qualitativa,
utilizando-se da história oral enquanto método investigativo, uma vez que ela
possibilitou os encontros com sujeitos que participaram e/ou fizeram parte de um
determinado acontecimento, em uma dada conjuntura.
O universo da pesquisa empírica foi constituído pelas crianças e
adolescentes que fizeram parte do Programa Atitude, um projeto do governo do
Estado do Paraná, desenvolvido na Região Oeste A, do município de Londrina,
integrado por 250 indivíduos, sendo 90 adolescentes e 160 crianças, no período
de 2009 a 2011. A amostra da pesquisa foi constituída por nove pessoas – entre
crianças, adolescentes e jovens, com experiência concreta vivenciada por estes
sujeitos no projeto, à luz de uma prática educativa não formal.
199
A pesquisa realizada analisou os sentidos e os significados
produzidos por crianças e adolescentes sobre uma prática educativa não formal.
Nessa perspectiva, procurou-se, mediante a possibilidade de dar voz a esses
sujeitos, buscar compreender em que medida eles vivenciaram essa prática
educativa, que teve entre seus princípios o respeito à criança e ao adolescente
em sua integralidade.
O que ficou evidente ao analisar os depoimentos é que a criança
e o adolescente não são, em muitos casos, respeitados no seu direito de “ser o
que é” (DALLARI; KORCZAK 1986). Ainda, está distante de ser compreendido o
lugar da criança e do adolescente como aquele em que eles possam se constituir
em seres humanos melhores, plenos em seu desenvolvimento físico e emocional
e livres de qualquer forma de opressão, violência ou constrangimento, colocando
em risco o Sistema de Garantias de Direitos.
A realidade de diversos meninos e meninas vem demostrando
diariamente que não basta ser criança e adolescente, ou ter direitos garantidos
em legislações consideradas avançadas. Há ainda uma enorme lacuna a ser
preenchida, entre o legal e o real. Muitos dos atores sociais que se preocupam
em compreender o sentido e o significado da criança na sociedade brasileira,
compartilham de um mesma expectativa: “dar voz” à criança e ao adolescente.
Entretanto, como aponta Lee (2010, p. 42):
[...] ao conviver com as crianças, ficará claro que “voz” é algo que
muitas delas já possuem em abundância. Existem então, ao mesmo
tempo, visões de que as crianças não possuem voz e de que a
possuem em abundância. Esta observação não sugere que é errada a
intenção de dar voz às crianças; indica, antes, que aqui estão em
discussão pelo menos dois conjuntos diferentes de “práticas de voz”.
A primeira, conforme Lee (2010), são as práticas de voz
relacionadas às relações e às interações informais, que ocorrem no dia a dia,
nas conversas com familiares, amigos e conhecidos. A segunda, refere-se às
práticas ditas formais, nas quais a criança e o adolescente são chamados (ou
não) a emitir sua opinião sobre dado assunto. Para o autor, é nesse segundo
200
conjunto que se situa a ideia de que a criança e o adolescente “não tem voz”,
colocando em dúvida se realmente eles são capazes de “falar por si próprias”.
Assim, partindo do pressuposto de que a criança e o adolescente
encontram-se em período peculiar de desenvolvimento, acredita-se que ampliar
os espaços para que todos possam falar abertamente, sem restrições, sobre
seus anseios, dúvidas, sonhos e desejos, isto implica em criar novas
oportunidades e possibilidades para o pleno desenvolvimento desse segmento,
por meio de ações coletivas em que os mesmos sintam-se respeitados e
valorizados em suas subjetividades e particularidades.
3. CONCLUSÃO
A análise dos depoimentos propiciou a percepção de que uma
prática educativa não formal, em dado local e tempo histórico, se permeada pela
reflexão crítica, além de uma postura profissional afetiva e comprometida, pode
ser um campo inesgotável de possibilidades e oportunidades à criança e ao
adolescente.
Nas palavras de Dallari (DALLARI; KORCZAC, 1986, p. 21): “a
criança é sempre um recomeço da humanidade”, e, assim como o adolescente,
carrega dentro de si toda potencialidade de uma nova partida, de um novo
recomeço. Ambos são seres humanos com a peculiaridade de estarem em
desenvolvimento físico e emocional, os quais requerem proteção integral e
integrado, de modo a crescer em segurança, com suas necessidades básicas
atendidas.
Na condição de sujeitos sociais de direitos, a criança e o
adolescente são constituídos de inteligência, vontade e sensibilidade, e, dessa
forma, são as vivências e as interações sociais que enriquecerão seu mundo
interior com sonhos, desejos de vir a ser. É por meio do desenvolvimento de
201
seus sentidos e da potencialidade de dar significado a eles que a criança e o
adolescente irão se relacionar e interagir em sua ação coletiva cotidiana.
Para Dallari (1986), a criança e o adolescente têm o direito de
serem tratados com a capacidade de sentir e de criar significado para suas
vivências. considerando a sua vida afetiva, respeitando e valorizando o sentido
e significado, capaz de influenciar direta e indiretamente seu comportamento
(DALLARI; KORCZAC, 1986).
Longe de querer afirmar que a prática educativa não formal é a
única forma de atendimento ao segmento em questão, o que se pretendeu
mostrar com este estudo é que tal prática, em dado contexto, produziu resultados
significativos, tendo em vista a forma como foi executada.
Assim sendo, a prática educativa não formal pode contribuir para
que os direitos da criança e do adolescente sejam garantidos, por meio do
respeito às suas particularidades, buscando no coletivo de suas ações dar
atendimento das demandas que se apresentam. É preciso que a criança e o
adolescente recebam proteção e estímulo para que cresçam e possam realizarse e desenvolver-se em sua plenitude.
No entanto, ainda é preciso avançar muito para a concretização
do que preconiza a lei. Isto significa ultrapassar a retórica e transformar a rotina
de vida do segmento de crianças e adolescentes, a partir do real compromisso
do Estado, da família e da sociedade civil, em uma realidade capaz de efetivar
direitos para o pleno desenvolvimento da cidadania.
4. REFERÊNCIAS
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília: Editora da
Fenabb, 1990.
______. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). 29.
ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
DALLARI, Dalmo de Abreu; KORCZAK, Janusz. O Direito da Criança
ao Respeito. 4. ed. São Paulo: Summus, 1986. 99p. (Coleção Novas Buscas
em Educação, 28)
202
FREIRE, Paulo. Política e Educação. 3. ed. São Paulo: Cortez Editora,
1997. 119p. (Coleção Questões de Nossa Época, 23).
GOHN, Maria da Glória. Educação não formal e cultura política. São
Paulo: Editora Cortez, 1999. 120p. (Coleção Questões de Nossa Época, 71).
LEE, Nick. Vozes das crianças, tomada de decisão e mudança. In:
MÜLLER, Fernanda (Org.). Infância em Perspectiva: políticas, pesquisas e
instituições. São Paulo: Cortez Editora, 2010. p. 42-64.
MORELLI, Ailton J. et al. Desenho da Política dos Direitos da Criança e
do Adolescente. Psicologia em Estudo, Maringá. v. 5, n. 1, mar. 2000.
Disponível em: <http://www.scielo.php?script=sci_artext&pid=S1413737220000000100005&Ing=en&nrm=iso>. Acesso em: 13 dez. 2014.
PELOSO, Franciele C.; PAULA, Ercilia Maria A. T. Ensaios sobre
algumas concepções de infância: aproximações com o pensamento freiriano e
o lugar da infância das classes populares. Revista Teoria e Prática da
Educação, v. 11, n. 2, p. 173-179, maio/ago. 2008. Disponível em:
<www.dtp.uem.br.rtpe/volumes/v11n2/006-artigo-franciele-173-179.pdf>.
Acesso em: 13 dez. 2014.
RIZZINI, Irene; PILOTTI, Francisco (Org.). A arte de governar crianças:
a história das políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no
Brasil. 2. ed. rev. São Paulo: Cortez Editora, 2009. 335p.
203
SERVIÇO SOCIAL NA ÁREA DA EDUCAÇÃO:
RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA COM ALUNOS DO ENSINO
FUNDAMENTAL
Relly Amaral R. Vicente73
Cláudia Neves da Silva74
Resumo: O artigo tem por objetivo apresentar o relato de uma atividade
do Projeto de Extensão Atuação do Serviço Social na Área da Educação,
vinculado ao Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual de
Londrina na divulgação dos direitos fundamentais do ECA – Estatuto da Criança
e do Adolescente para alunos do ensino fundamental, em parceria com uma
73
Assistente Social, especialista em Metodologia do Ensino Superior, mestranda em Serviço
Social e Política Social – UEL
74
Assistente Social e Cientista Social, Profa. Adj. Dpto de Serviço Social e do Programa de Pós
Graduação em Política Social e Serviço Social - UEL.
204
escola pública municipal de Bela Vista do Paraíso e a comunidade local.
Constatamos a necessidade da abordagem da temática “dos direitos” no
processo educacional de crianças e adolescentes e que nunca é cedo para o
despertar dessa consciência individual e coletiva.
Palavras-chave: Prática profissional do Serviço Social; Educação;
Política de Educação; Estatuto da Criança e do Adolescente.
1.
Introdução
O presente artigo é o resultado parcial de um trabalho que vem sendo
desenvolvido por dois docentes, cinco discentes de graduação e uma discente
do Programa de Pós Graduação Políticas Sociais e Serviço Social no projeto de
extensão A atuação do Serviço Social na área da educação, vinculado ao
Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina, cujo
objetivo é implementar uma metodologia de intervenção do Serviço Social em
uma escola pública municipal e em uma escola pública estadual da cidade de
Londrina e região e possibilitar aos estudantes do curso de Serviço Social e
profissionais da área conhecerem a Política de Educação, o cotidiano escolar e
seus sujeitos.
O projeto de extensão Serviço Social na área da educação iniciou-se no
ano de 2010 com o objetivo de “Investigar as novas demandas que se
apresentam para o serviço social na área da educação”. Em 2013, a partir das
respostas dos diretores e pedagogos entrevistados, iniciamos um novo projeto
com a finalidade de conhecer e implementar uma metodologia de intervenção do
Serviço Social na área da educação como estratégia interventiva no
fortalecimento da luta da categoria profissional do Serviço Social para que o
Estado do Paraná implante o “Programa de Atendimento Psicopedagógico e
Social em todas as unidades escolares” previsto na Lei nº15075/2006.
205
Através do contato de uma das discentes com a coordenadora de uma
escola pública de ensino fundamental do município de Bela Vista do Paraíso-PR
- região metropolitana de Londrina - surgiu o convite para que o projeto fizesse
um trabalho interventivo socioeducativo junto aos alunos do ensino fundamental
do 3º ao 5º ano (faixa etária entre 10 e 12 anos), com o objetivo de “esclarecer
sobre os Direitos Humanos”.
Aceito o desafio deste trabalho em parceria com a Escola Municipal
Alcenira Ribeiro de Castro propusemos a realização de uma oficina em que
discutiríamos o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente, com o objetivo de
estimular esses “pequenos cidadãos” o despertar de seus direitos.
Cerca de um mês antes da data prevista, debatemos e organizamos a
metodologia da oficina e as estratégias que seriam utilizadas. Buscamos
também outras parcerias na execução do mesmo (Igreja Católica, Pastoral da
Juventude),na busca de infraestrutura e de um maior envolvimento da
comunidade local na realidade escolar.
Concomitantemente, a escola fez um trabalho junto aos alunos que
participariam da oficina onde eles puderam expor, de forma anônima, suas
dúvidas quanto aos seus direitos. Apresentamos a transcrição literal das
principais perguntas por compreendermos as falas enquanto instâncias
reveladoras dos valores, compreensão de mundo e de direitos, e dificuldades da
realidade dos alunos, nelas contidas:
Sabemos que a criança tem deveres, caso ela não os cumpra,
existe alguma punição? Qual seria?; Com quantos anos criança
pode andar na rua sozinha?; As crianças de oito anos podem
ficar em casa sozinhas?; ; O que fazer quando um homem se
aproxima em um carro perto da criança e tem a intenção de
sequestrar; Qual é a punição do professor que não respeita o
aluno?; O que fazer quando ver uma criança sendo
descriminada?; Que atitude tomar quando alguém faz alguma
coisa contra a vontade?; O que é abuso sexual?; Meus pais
estão brigando e meu pai agride a minha mãe. O que eu devo
fazer?;Na separação dos pais, uma criança de 10 anos pode
escolher com quem ficar?; Meu tio é drogado e maltrata a minha
avó como que pode fazer para mudar? ; Quantos anos demora
uma adoção?;Os pais são separados, se a criança ficar com o
pai, a mãe é obrigada a pagar pensão? Se ela não pagar o que
pode acontecer?; O que pode acontecer de grave se a criança
reprovar na escola por faltas sem justificativa?; Com quantos
anos podemos parar de estudar?;
206
Tais perguntas chegaram até nós e foram utilizadas como embasamento
na condução e elaboração do conteúdo que iríamos abordar. Foi possível
verificar que as perguntas perpassavam essencialmente pelos 4 primeiros
Direitos Fundamentais do ECA:
I - do Direito à Vida e à Saúde...II - do Direito à Liberdade, ao
Respeito e a Dignidade... III - do Direito à Convivência Familiar
e Comunitária...IV- Do Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte
e ao Lazer. (ECA, p. 11 - 22)
Elaboramos apresentação em slides, via Data show, para
abordagem de forma sucinta e através de imagens dos seguintes tópicos: A
diferença entre igualdade e justiça, Trajetória histórica dos direitos das crianças
e dos adolescentes, Os 4 primeiros Direitos Fundamentais do ECA, Diferentes
tipos de violência contra a criança e o adolescente, O direito de buscar auxílio (
divulgação do Disque 100 e do Conselho Tutelar local).
2. Serviço Social e Educação
2.1 O que é educação na perspectiva do Serviço Social?751
A Educação é política social pública, sendo o direito ao seu acesso
e permanência garantidos legalmente pela Constituição Federal/88 como Direito
Social dentro dos Direitos e Garantias Fundamentais do cidadão brasileiro.
Também temos como outros aportes legais o ECA - Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei 8.069/90) e a LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei 9,394/96), Plano Nacional de Educação (lei 13.005/14), entre
outros.
75 Não apresentaremos o conceito de educação, educação escolarizada e escola em virtude
do limite de espaço. Sugerimos algumas leituras para que o leitor possa entender o
caminho teórico que adotamos: ALMEIDA, N. L. T. de. Apontamentos sobre a política de
educação no Brasil hoje e a inserção dos assistentes sociais hoje. In CAMPOS, E. B. et al.
Subsídios para o debate sobre o Serviço Social na educação. Conselho Federal de Serviço
Social – Grupo de Trabalho de Educação. Brasília, 2011.
MÉSZÁROS, E. A educação
para além do capital. 2º ed. São Paulo: Boitempo, 2008. .
207
Sua importância para as crianças e dos adolescentes está ligada à
garantia do pleno desenvolvimento intelectual, contribuindo em sua formação
para o exercício da cidadania. Entende-se que o sistema de ensino brasileiro é
um espaço de concretização dos problemas sociais, sendo o ambiente escolar
permeado por contradições, reforço de estereótipos e reproduções de cunho
alienante, meritocráticos e discriminatórios, típicos da sociabilidade capitalista.
Sua função social apesar de marcada por contradições, projetos e lutas
societárias, não encontra nela um espaço privilegiado, já que perpassa por todas
as instâncias da sociedade. (CFESS, 2012)
Segundo Gramsci, educar é por fim à separação entre Homo Faber
e Homo Sapiens, é resgatar o sentido estruturante da educação e de sua relação
com o trabalho, suas possibilidades criativas e emancipatórias.
O Código de Ética do/da Assistente Social em seus princípios
fundamentais destaca:
II. Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do
arbítrio e do autoritarismo;
III. Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa
primordial de toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis,
sociais e políticos das classes trabalhadoras;
Portanto, devemos defender, no caso da Política de Educação, não
só o direito do educando ao seu acesso e permanência numa perspectiva de
educação pública e de qualidade, como também os direitos fundamentais, de
sua família e docentes, tendo em vista que para garantir um projeto educativo
emancipatório é necessário que a educação escolar seja impulsionada por
relações de respeito entre os sujeitos envolvidos na prática pedagógica, isto é,
reconhecimento das diferenças sociais, culturais, étnicas, religiosas, de gênero:
Discutir a contribuição do Serviço Social para a garantia desse
direito, nos remete obrigatoriamente a temas que atravessam a
realidade social, política, econômica e cultural, mas que nem
sempre são identificados no dia a dia da escola e por muitas
ficam ao largo das Políticas Educacionais. (CFESS, 2001, p.9)
208
E é dentro deste contexto que pensamos a atuação do Serviço Social na
área da educação, tendo em vista que como profissionais que atuam na
implementação e/ou gerenciamento de políticas públicas seria viável que o
âmbito educacional também contasse com a intervenção do profissional do
serviço social:
Ela tem uma função social importante na dinâmica da reprodução
social [...] marcada pelas contradições, pelos projetos e pelas lutas
societárias e não se esgota nas instituições educacionais, embora
tenha nelas um espaço privilegiado de objetivação (CFESS, 2012,
p.16)
As condições e relações que circunscrevem o trabalho do/da assistente
social na área da educação precisam ser analisadas de forma crítica e conectada
com as expressões da questão social que se fazem presentes e latentes na
escola. Se acreditarmos que a Educação também é fruto das relações sociais
que se estabelecem em uma dada sociedade e que o ato educativo também é
político, os diferentes atores que participam da esfera educativa, dentre eles
os/as assistentes sociais, são necessários/as para que essa dimensão seja
retomada e fortalecida, bem como a diminuição das desigualdades e
discriminações existentes dentro e fora da escola. E para a defesa de direitos
com vistas a uma ação emancipatória, é de suma importância a consciência
desses direitos na busca de sua concretização através de uma ação política. E
o assistente social pode contribuir com essas ações através do seu exercício
profissional, como explicitado em seu Código de Ética:
IV -Defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da
participação política e da riqueza socialmente produzida; V- Posicionamento
em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso
aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua
gestão democrática; VI- Empenho na eliminação de todas as formas de
preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos
socialmente discriminados e à discussão das diferenças;
O Serviço Social poderá atuar no campo educacional executando
programas e projetos que subsidiem as políticas setoriais – saúde, habitação,
assistência social – voltadas para as necessidades de estudantes, famílias e
comunidade; além de desenvolver as atividades de interação grupal entre
209
professores e alunos, comunidade escolar e família, contribuindo para uma
prática educativa que considere as perspectivas de todos os sujeitos envolvidos.
É importante realizar um trabalho que considere o que se passa do lado
de fora dos muros escolares, porque interfere com o que se passa intramuros. O
trabalho do profissional do Serviço Social deve ser em parceria com a equipe
profissional da escola – professores, pedagogos, diretores - contribuindo com
seus saberes, experiências e discussões para que, de forma coletiva, o direito à
educação seja efetivado e que sejam enfrentados os obstáculos que por ventura
criem impedimentos ao acesso, garantia e qualidade de uma educação
emancipadora. Afinal, o/a Assistente Social não será o solucionador dos
problemas escolares, com respostas prontas e imediatas.
O desvelamento dessa realidade será possível por meio de
contatos constantes com a comunidade em torno da escola: comércio, igrejas,
unidade básica de saúde, centro de referência da assistência social, ou seja,
espaços frequentados pelos estudantes e seus familiares regularmente.
Acreditamos que por meio destas práticas será possível a efetivação de uma
educação emancipadora e base para o acesso às demais políticas sociais. É
nessa perspectiva que compreendemos a intervenção do Serviço Social na
Política Educacional.
2.2 Breve relato de uma oficina promovida pelo projeto “Serviço
Social na Educação”
A oficina foi realizada no período da tarde, após o período regular
de aulas, com cerca de 45 estudantes do 3º ao 5º ano da Escola Municipal
Alcenira Ribeiro de Castro, estando eles acompanhados pela coordenadora da
mesma escola.
O local para a realização da mesma foi o salão paroquial da Igreja
Matriz da cidade, sendo que contamos com a presença de jovens da Pastoral da
Juventude para fazer a acolhida dos alunos através de musicalização ao vivo e
210
dinâmica previamente realizada por uma das alunas do projeto, moradora da
região.
O tempo previsto para duração dos trabalhos foi de 2 horas,
levando-se em consideração a adaptação do local e a faixa etária dos
participantes. A infraestrutura do salão paroquial contava com palco,
instrumentos musicais, microfones, cadeiras plásticas, banheiros, bebedouros e
ventiladores. O projeto e a universidade cederam data show, exemplares do ECA
(suficientes para cada participante), material de papelaria (tesouras, lápis de cor,
cola, canetas, papel, revistas, etc) e os recursos humanos.
No primeiro momento do trabalho, introduzimos a fala nos
apresentando de forma lúdica e direta a todos os estudantes ao mesmo tempo,
no formato “palestra”, buscando uma metodologia participativa e interativa,
através de perguntas diretas aos alunos, sempre dando espaço para suas falas
e conduzindo a temática com o recurso visual do Data show e conforme a
experiência e a compreensão dos temas expostos demonstrada pelos alunos.
Buscamos abordar os direitos numa perspectiva do cotidiano, usando
exemplos do dia a dia familiar e escolar e abordando a temática de forma que
eles compreendessem que todo direito carrega consigo também uma
responsabilidade. Dentro disso, buscamos tangenciar políticas públicas, bullying,
discriminação, violência, negligência, trabalho infantil, respeito, entre outros.
Após essa breve discussão sobre temas já citados na introdução,
passamos para o segundo momento dos trabalhos no qual dividimos os
estudantes em 4 grupos representados por 4 diferentes cores, conforme os
direitos que seriam abordados nas oficinas: Direito à Vida e à Saúde(verde);
Direito à Liberdade/Respeito/Dignidade (roxo); Direito à convivência Familiar e
Comunitária (azul); Direito à Educação/Cultura/Esporte e Lazer (laranja).
Cada aluno recebeu gratuitamente um exemplar do ECA para ser
utilizado nas oficinas e depois para uso próprio. As oficinas foram conduzidas
pelas alunas da graduação com a supervisão direta das docentes e da aluna da
pós-graduação. As atividades/estratégias utilizadas nas oficinas foram: a leitura
conjunta dos artigos pertinentes ao direito, discussão sobre o que foi
211
compreendido buscando responder as perguntas encaminhadas anteriormente
pelos alunos, e a elaboração de uma atividade/trabalho para a apresentação
perante todos.
As atividades elaboradas e apresentadas posteriormente pelos
alunos foram: confecção de cartazes com recortes de revista, desenhos e texto;
letra de música (rap) e teatro. Alguns grupos, devido a diferenças e afinidades
pessoais e no entendimento do tema, usaram da criatividade na elaboração de
múltiplos trabalhos. Esta etapa foi finalizada com a escola servindo um lanche
aos participantes da oficina.
Passamos então para o terceiro momento, quando todos os
trabalhos foram apresentados pelos próprios estudantes com as alunas do
projeto como facilitadoras. Em seguida, buscamos, através da fala dos
participantes e da coordenadora da escola, qual a percepção que tiveram sobre
o que havia sido realizado.
O material elaborado pelos alunos foi entregue à coordenadora,
junto com um exemplar do ECA, para que os temas ali abordados pudessem ser
socializados e aprofundados dentro do ambiente escolar.
Ao final os alunos participantes receberam um Certificado de
Participação e um exemplar do ECA.
3. Considerações Finais
Ressaltamos que esta foi a primeira experiência do projeto com
oficina ministrada diretamente ao público escolar infantojuvenil. Cabe aqui relatar
brevemente nossa análise parcial dos pontos negativos e positivos de nossa
abordagem.
O local para realização da oficina necessitou de várias adaptações
devido as altas temperaturas do dia sendo os poucos ventiladores insuficientes,
o que nos levou a improvisarmos e transferir os alunos para o pátio externo do
salão paroquial, tornando a realização dos trabalhos mais agradável,
aumentando o nível de concentração e produção dos grupos.
212
Percebe-se que houve realmente a compreensão inicial dos
direitos preconizados pelo ECA, principalmente no que tange à Educação,
Respeito, Dignidade e Saúde, e que esse trabalho não cabe como um fim em si
mesmo, mas como um início, um despertar não só dos estudantes, mas do
sistema escolar quanto a importância da abordagem da temática “dos direitos”
no processo educacional de crianças e adolescentes que, conforme observado
nas perguntas transcritas, já têm sido vítimas de violência e negligenciados em
seus direitos.
Compreendemos que a consciência dos direitos coopera na
emancipação e no exercício da cidadania, e que nunca é cedo demais para o
despertar dessa consciência individual e coletiva, sendo o ambiente escolar
propício para que essa primeira aproximação aconteça, já que conforme
MÉSZÁROS (2008):
A educação reconhecida como direito humano e universal se
revela como elemento fundamental na construção de uma
sociedade justa e igualitária, inclusive nas disputas sociais e
históricas que determinam os avanços e retrocessos no
processo de humanização.
Foi perceptível a importância de um aporte teórico multidisciplinar (noções
de psicologia, educação, dinâmicas de grupo) sólido para a intervenção do
profissional do Serviço Social na educação, e como o conhecimento sensível,
material, do campo de atuação faz-se necessário, pois o profissional precisa
dessas sucessivas aproximações com a realidade social dos sujeitos com quem
trabalhará na construção de mediações para uma intervenção profissional
coerente, assertiva e dentro da lógica democrática e emancipadora proposta
pela profissão.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº
9.394, de 20 de dezembro de 1996.
BRASIL. Constituição. Brasília, DF. 1988.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, 1996.
213
CFESS. Grupo de Estudos sobre Serviço Social na Educação.
Serviço Social na Educação. Brasília, 2001.
CEFSS. Subsídios para a atuação de assistentes sociais na política
de educação. Brasília, 2012. (Série Trabalho e projeto profissional nas
políticas sociais)
CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL GT DE EDUCAÇÃO CFESS, Subsídios para o Debate sobre Serviço Social na Educação,
Brasília, 2011.
MÉSZÁROS, István. A Educação para além do capital. Boitempo
editorial, 2008.
O SERVIÇO SOCIAL NA GARANTIA DO ACESSO À EDUCAÇÃO
INFANTIL
Rosilene de Fátima Pollis
Leika Nakamura Cardoso
RESUMO
O trabalho expressa práxis do Serviço Social na garantia do direito à
Educação Infantil no município de Paiçandu, Região Metropolitana de Maringá.
O déficit de vagas na Educação Infantil afeta igualmente a milhares de famílias
em todo o País, justificando a atuação do Serviço Social regionalizado no
Ministério Público. De embasamento teórico crítico e análise quanti-qualitativa,
a experiência exigiu interpretação da vasta documentação, narrando estratégias
na promoção de direitos de famílias e crianças. Como resultados, enfatiza-se o
reconhecimento legal do dever do Estado e do direito da criança a ser atendida
nos Centros Municipais de Educação Infantil (CMEI) e o necessário incremento
na política pública para impacto das dificuldades enfrentadas por famílias de
trabalhadores com crianças sem vaga na creche. A experiência revela, em
214
síntese, a contribuição do Serviço Social com famílias que garantiram vaga para
acesso de seus filhos pequenos à Educação Infantil pública.
Palavras-chave: Vaga - Educação Infantil - Serviço Social.
INTRODUÇÃO
A História da Educação Brasileira é feita de rupturas marcantes. Por um
longo período na história brasileira, a Educação Infantil foi tratada como
assistência aos filhos dos trabalhadores empobrecidos. Só a partir da década de
80, com o advento da Constituição de 1988 e, fruto de luta por mães e famílias
trabalhadoras, que a Educação Infantil alcança reconhecimento social e legal
como direito da criança na Política Nacional de Educação.
No município de Paiçandu/PR, as famílias são afetadas pelo déficit de
vagas na Educação Infantil igualmente a milhares de outras pelo país afora.
Paiçandu fica no Noroeste do Paraná, na Região Metropolitana de Maringá.
Segundo o Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas
(IBGE, 2010), são 35.936 munícipes. Muito embora, em 2014 dados sinalizavam
crescimento para 38.846 habitantes (IPARDES, 2014).
De economia agrícola, a cidade de Paiçandu é majoritariamente ocupada
por famílias de trabalhadores que se deslocam para Maringá, cidade-polo
regional de pujança na indústria e comércio. Como cidade ‘dormitório’, em
Paiçandu as famílias com filhos pequenos, buscam atendê-los no Centro
Municipal de Educação Infantil (CMEI) para poder deixar o domicílio para
trabalhar. De baixa arrecadação, a administração pública de Paiçandu depende
do Fundo de Participação dos Municípios para a gestão de suas demandas.
215
No itinerário metodológico, a análise documental privilegiou as
informações registradas no instrumental técnico-operativo construído pelo
Núcleo de assessoria técnica em Serviço Social. Neste aparato constam
registros das estratégias aplicadas pelo setor, tanto nos atendimentos individuais
com estudo social das famílias que compareceram ao Ministério Público em
busca de vaga em CMEIs em Paiçandu, como das reuniões e providências na
responsabilização do gestor público municipal e estadual.
O recorte temporal de um ano, serviu à análise do processo de trabalho
técnico interventivo do Serviço Social no Ministério Público de Maringá, portanto,
de abril/2013 a abril/2014. A coleta de dados reuniu 61 dossiers que registram
atendimento de acesso à Justiça pelas famílias em busca de vaga para
matricular seus filhos pequenos nos CMEIs de Paiçandu no período.
A CONTRIBUIÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NA GARANTIA DO DIREITO
À EDUCAÇÃO INFANTIL NO MUNICÍPIO DE PAIÇANDU
O Núcleo de Serviço Social atende a quem busca acesso à Justiça,
encaminhado ou não por setores da rede de serviços sociais na comarca e
região. A todo cidadão com direitos sociais violados, faz-se atendimento
individual e o mesmo trato é oportunizado a grupos ou sujeitos coletivos76.
Institucionalmente, o Núcleo procura mobilizar agentes de atuação nas políticas
públicas setoriais visando com a intervenção técnica de proteção aos direitos
sociais, maior alcance para a coletividade. Para tanto, realiza articulações
setoriais, dentre gestores e conselheiros de gestão de política pública, na
comarca e regionalmente sempre que necessárias à garantia de direitos
coletivos e individuais.
O marco regulatório do Núcleo de Serviço Social prevê o assessoramento
técnico às
demandas
sociais
que
compareçam
nas
Promotorias
de
Justiça, subsidiariamente, nas matérias de defesa e promoção de direitos
76
Sujeitos coletivos: representante de comunidade; de associações; de um determinado grupo;
entre outros sujeitos, seja um grupo ou um indivíduo em busca do acesso ao direito para coletividade.
216
coletivos, no monitoramento da efetividade de políticas sociais e realização de
diagnóstico de vulnerabilidades sociais nos municípios de abrangência e
entorno, conforme necessidade e possibilidades. Nesse sentido, exige-se
postura profissional proativa, propositiva e em consonância com o projeto éticopolítico da profissão estabelecendo diálogo permanente com diversos atores
sociais e constante busca por aperfeiçoamento profissional.
Das ações planejadas para a atuação técnica do Serviço Social em 201314, consta a articulação fiscalizadora da gestão da educação para a criança e ao
adolescente na comarca de Maringá. Com a redistribuição dos serviços na
comarca (resolução 111/2013 PGJ), em abril de 2013 coube à 17ª Promotoria
Justiça (PJ) acompanhar a gestão municipal da Educação dirigida ao público
infanto-juvenil. Acionado então por esta PJ, o Núcleo de Serviço Social passou
a assessorar a área especializada, prestando do atendimento individual à
definição e execução de estratégias para a garantia da efetividade dos direitos
que compareciam negligenciados pela má gestão da Educação.
No período, o Núcleo fez atendimentos individuais formatando dentre os
instrumentos, estudos sociais pormenorizados, dos quais se desdobravam
encaminhamentos e condutas técnicas mediadoras entre as famílias e os
gestores públicos municipais de competência. A partir da escuta e orientações
às famílias, por aproximações sucessivas com a área, reconhecendo-se
paulatinamente os fluxos internos dos serviços da rede pública e privada da
educação infantil, extraíram-se elementos para o diagnóstico da realidade social
em dois municípios da comarca, nos quais se identificou a fila de espera por
vaga em Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs); evasão escolar;
transferências involuntárias de alunos mudando de turno ou escola; conflitos
entre alunos e professores; transporte escolar; entre outros em Paiçandu e
Maringá.
No bojo da atuação, o Núcleo promoveu reuniões entre promotores de
justiça e gestores públicos da educação municipal e estadual, com engajamento
de conselhos tutelares e instituições afetas ao tema. A práxis desencadeada
monitorou a gestão de educação dos municípios da comarca desde a aplicação
217
de recursos para acesso do cidadão à educação pública na qual se insere a
educação infantil. Da mesma forma que se aproximou de atores na gestão
estadual da educação dirigida à adolescência na comarca, o fez mais detido e
sistematicamente, com a gestão municipal da Educação dirigida ao público
infanto-juvenil, seja pelo reconhecimento da oferta como da demanda reprimida
por vagas reclamadas pela população de Maringá e Paiçandu.
No cotidiano institucional, no período o Serviço Social no MP se tornou
agente protagonista de encontros com gestores e representantes públicos no
assunto, não apenas atendendo às famílias e empoderar ao cidadão, como
promovendo reuniões ampliadas, que exigiam desde a elaboração da pauta, lista
de presença, materiais/informativos, atas a demais estratégias de articulação.
Nesta etapa do processo de trabalho, o Serviço Social reestruturou a
comunicação entre a Promotoria de Justiça e as secretarias municipais de
educação, tornando mais célere as informações e recriando fluxos de
atendimento à população. Além disso, pelo olhar diferenciado do trabalhador
social, este se apresenta como aliado na conquista do direito à educação de
qualidade, do acesso à permanência do educando na escola, sem importar
níveis.
De acordo com o Plano de Ação do Núcleo de Serviço Social - 2014, a
ação programática “Articulação fiscalizadora da gestão da Educação da Criança
e do Adolescente na comarca”, tem dentre suas atividades, o que segue:




Atender às famílias de crianças e adolescentes sem vaga na
Educação Infantil, Ensino Fundamental ou Ensino Médio;
Registrar e planilhar o atendimento social, buscando informes na
gestão municipal e estadual para desencadeamento de
providências protetivas;
Agendar reuniões com gestores, conselho tutelares e de direitos
da criança e adolescentes para corresponsabilidade nas
estratégias afins;
Sistematizar dados situacionais e macro para diagnóstico social
da demanda e soluções aplicáveis (POLLIS, 2013).
Nesta experiência, cujo objeto de estudo e análise é a atuação do Serviço
Social no Ministério Público, comarca Maringá, na garantia do direito à Educação
Infantil de crianças residentes no município de Paiçandu, um dos resultados
218
alcançados foi o perfil das famílias que aguardam em fila de espera por vaga na
creche para seus filhos pequenos. Noutro alcance, deu-se a caracterização da
demanda reprimida em dois municípios da comarca, demonstrando a
contribuição da profissão mediando o empoderamento da população na
conquista de seus direitos de modo a torna-los efetivos.
Ao analisar os dados apurados, compreende-se a dificuldade de famílias
sem acesso à educação infantil, conforme seguem traços do perfil revelado:

Na composição familiar, 57% delas representam a família nuclear, constituídas por pai,
mãe e filho (os). Outros formatos nas relações de parentesco e afetivas são
identificados, tais como: família monoparental (23% são compostas por mãe e filhos);
família extensa (5% composta por pai, mãe, mas com os filhos residindo com os avós),
e por fim, família anaparental (2% formada por irmãos).

Quanto aos meios de subsistência, 51% das famílias declaram que o pai e a mãe das
crianças tem trabalho remunerado, formal ou informal; em 26% a mãe da criança
trabalha, apresentando-se como única provedora do lar; em 12% das famílias, o pai está
empregado e a mãe, desempregada. Nestas famílias, a mãe alega afastamento do
mercado de trabalho remunerado porque precisa cuidar dos filhos pequenos enquanto
aguarda a vaga no CMEI; e por fim, o índice mais preocupante, é de 11% das famílias
com a mãe se declarando única provedora, desempregada e, sem meios para voltar ao
trabalho enquanto os filhos não conseguem atendimento pela Educação Infantil.

Analisando as formas de atendimento alternativo nos cuidados às crianças sem vaga
em CMEIS em Paiçandu, constatou-se 67% das famílias sem ter com quem deixar as
crianças, nem meios financeiros para custear babá enquanto trabalham; 22% contam
com as avós ou bisavós, maternas ou paternas; 8% declaram contrato de terceiros (tia,
prima, vizinha) para zelo dos filhos; em 3% as famílias se dizem tão desprovidas de
alternativa que pagam a desconhecidos para zelo das crianças enquanto trabalham.

Sobre a vulnerabilidade social nestas famílias, o indicativo de renda familiar revelou 82%
delas vivendo com até três salários mínimos e, pagando aluguel. Com as mães fora do
mercado de trabalho por ter que cuidar dos filhos, a participação financeira da mulher
na economia doméstica desaparece durante a espera por vaga em CMEI. Noutro dado
correlato, 20% das famílias são beneficiárias de Programas sociais tais como: Bolsa
Família, Leite, Peti e da Tarifa Social (Água e Luz para todos).

Dentre os 04 Centros de Educação Infantil em Paiçandu, é de 77% a lista de espera nos
CMEIS: João Bolognese e Francisco Matheus Garcia, localizados no Centro da cidade.
Com isso, identifica-se a região que concentra a espera por vaga em Centro de
Educação Infantil sendo a mesma área de moradia dos trabalhadores.
219

Quanto à situação das crianças cujos familiares foram atendidos pelo Serviço Social no
MP, no final de 2014, 73% delas estavam matriculadas nos CMEIs; 23% continuavam
na lista de espera e, dentre estas, 4% seriam atendidas em 2015.
Em outras palavras, a maioria das crianças foi matriculada em Centros
Municipais de Educação Infantil de Paiçandu após seus familiares assegurarem
seus direitos, buscando o Serviço Social no Ministério Público. De relevo nesta
atuação do Núcleo especializado, destaca-se a escuta e a orientação qualificada
oportunizada nos atendimentos às famílias. Nos atendimentos individuais, cada
família se fortaleceu com as informações e encaminhamentos a que teve acesso
sobre a rede de serviços, condições da gestão pública municipal, estadual outros
quanto à Educação Infantil.
Também pode ser considerada bem sucedida, a estratégia de
engajamento de instituições na defesa da criança e da educação pública
(Programa NEDIJ/UEM, CMDCA e Conselhos Tutelares, ONG Marista etc) que,
articulados pelo Serviço Social, ampliaram o acesso de crianças aos Centros de
Educação Infantil, ainda que pelo viés da judicialização de ações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A importância em narrar esta ação de garantia ao direito da Educação
Infantil, com o Serviço Social assessorando Promotorias de Justiça no Ministério
Público Estadual em Maringá, é porque isto serve ao reconhecimento da
contribuição do fazer profissional comprometido com a promoção e defesa
intransigente dos direitos da população.
A gestão municipal da educação em Paiçandu foi impulsionada a
reordenar fluxos, critérios objetivos no atendimento à fila de espera por vagas
em seus equipamentos com o monitoramento do Serviço Social no MP.
A Educação Infantil se traduziu em pauta da agenda pública dos
municípios na comarca, sendo com eles traçadas estratégias para cobertura
protetiva às famílias com perfil de vulnerabilidade dentre as que aguardavam a
vaga para os filhos nos Centros Municipais de Educação Infantil.
220
A demanda por vaga em creche é realidade na maioria dos municípios
brasileiros, caso de Paiçandu e Maringá. Não raro, a espera para esse
atendimento universal seguem crescendo. A quantidade e a qualidade deste
atendimento são desafios imperiosos da Pátria Educadora. Na edificação de
uma sociedade verdadeiramente justa, não se retarda o acesso universal pelas
crianças à educação pública, desde os níveis infantil e fundamental.
O Serviço Social, inscrito como profissão na divisão sóciotécnica do
trabalho, consolida-se também na produção de conhecimento que parte da
intervenção na realidade social de forma crítica e criativa, a guisa do Código de
Ética Profissional (1993) e da Lei da profissão (Lei 8662/93). Este marco
referencial para a profissão sinaliza os passos no caminho da formação do
Assistente Social inventivo, crítico e atento ao contexto histórico-situacional.
Assim, atuando num dado tempo, território e com a sua gente e,
compreendendo a realidade social nas suas múltiplas contradições, que se
alcançou um dos melhores frutos com esta ação no Núcleo. Por este campo e
projeto de estágio, nova assistente social atenta ao direito de crianças, mães e
mulheres solidificou sua identidade profissional a partir da ética e compromisso.
De forma geral a práxis descrita alcançou os objetivos propostos, seja pelo
compartilhamento do perfil identificado nas famílias atendidas com os gestores
públicos, seja pela eficácia nas estratégias empreendidas na articulação de
forças sociais que propiciaram impacto na demanda social de falta de vagas em
Centros Municipais de Educação Infantil em Paiçandu.
Por fim, considera-se que o Serviço Social, ao priorizar no Setor a escuta
da população com direitos violados, empoderou famílias sem acesso à
Educação Infantil para seus filhos pequenos e inaugurou relações novas entre
promotores da justiça na área da Infância e gestores públicos municipais na
comarca de Maringá. Com estas intervenções técnicas do Serviço Social,
necessárias à viabilização e garantia de direitos, para além da resolução de
demandas individuais, se contribuiu para a efetividade do direito coletivo.
REFERÊNCIAS
221
BRASIL. Lei nº. 8.662 de 7 de junho de 1993. Dispõe sobre a profissão de
Assistente Social e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 07
jun. 1993.
IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas. Biblioteca, 2014.
Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view
=detalhes&id=34219> Acesso em 10 set. 2015.
IPARDES, Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social,
2014. Caderno Estatístico: Município de Paiçandu. Disponível em:
<http://www.ipardes.gov.br/cadernos/MontaCadPdf1.php?Municipio=87140>
Acesso em 10 set. 2015.
PARANÁ. Plano Decenal dos Direitos da Criança e do Adolescente do Estado
do Paraná: 2014-2013. Comitê Interinstitucional para Elaboração,
Implementação e Acompanhamento do Plano Decenal dos Direitos da Criança
e do Adolescente. (Org.); Secretaria da Família e Desenvolvimento Social
(Equipe técnica). Curitiba: SECS, 2013.
PASCHOAL, Jaqueline Delgado; MACHADO, Maria Cristina Gomes. A
História da Educação Infantil no Brasil: Avanços, Retrocessos e Desafios dessa
Modalidade Educacional. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.33, p.78-95,
mar.2009, ISSN 1676-2584.
POLLIS, Rosilene de Fatima. Núcleo de Serviço Social 10ª Região de
Maringá: Plano de Estágio de Serviço Social, 2014.
POLLIS, Rosilene de Fatima. Plano Setorial de Ação: Órgãos e Unidades
Administrativas. Núcleo de Serviço Social do Ministério Público Paraná –
Comarca de Maringá. Elaborado em: 22 de nov., 2013.
222
REFLEXÕES ACERCA DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E O
ACOMPANHAMENTO DE CONDICIONALIDADES NO PROGRAMA BOLSA
FAMÍLIA (PBF)
Marília Gonçalves Dal Bello
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo estudar a operacionalização do
Programa Bolsa Família pela proteção básica, tendo como enfoque reflexões
sobre a perspectiva punitiva que tem assumido o acompanhamento de
condicionalidades pela política de assistência social. Para tanto adotou-se como
caminho metodológico, estudo qualitativo, com base em levantamento e estudo
documental e bibliográfico, tendo como marco a Política Nacional de Assistência
Social/2004. Os resultados apontaram que, apesar assistência social inscreverse como política protetiva, ao ter entre suas atribuições a gestão e o
acompanhamento das condicionalidades exigidas pelo PBF, ao distanciar-se de
leituras sobre os territórios de vivencias das famílias de baixa renda, reproduz
perspectivas individuais e intrínsecas ao programa. Como caminhos para
avançar no fortalecimento da proteção de famílias, sinaliza-se à política de
assistência social o aprimoramento de estudos sobre as desigualdades
territoriais, capazes de sinalizar demandas e respostas coletivas no trato do
descumprimento de condicionalidades.
Palavras chaves: política de assistência social, Programa Bolsa Família
(PBF), proteção social.
223
INTRODUÇÃO
Como resultado de pactos e correlações de forças entre governo e
sociedade civil nos espaços de gestão compartilhada, foi aprovada, pela
resolução nº 145 de 15 de outubro de 2004, no governo de Luís Inácio Lula da
Silva, a PNAS, cujas definições pautam a implantação do Sistema Único de
Assistência Social (SUAS).
A PNAS/2004, ao prezar pela proteção social, tem entre suas principais
matrizes a família e o território. Na proteção básica, foco desse estudo, a
assistência social, tem por intuito a prevenção de vulnerabilidades e riscos,
decorrentes das fragilidades dos vínculos familiares e comunitários, vivenciados
por famílias em seus territórios de vivencia.
Inscrita como política de seguridade social, a ação específica da
assistência social é a proteção social não contributiva como direito de cidadania.
Como outras políticas de proteção, a assistência social ultrapassa o campo da
iniciativa privada, individual e espontânea, regendo-se por princípios de justiça
social, respaldados por leis impessoais e objetivas. Os direitos sociais estariam,
desse modo, associados a uma postura ativa e positiva do Estado em prover e
fazer o que for devido ao cidadão, que, como tal, converte-se em credor e titular
legítimo desses direitos.
Criado pela lei 10.836/2005 e regulamentado pelo decreto 5.209/2004,
o PBF caracteriza-se como principal programa de transferência de renda no
Brasil, inserindo-se também como um dos principais benefícios da proteção
social básica na assistência social. Constitui-se como programa condicionado de
renda, destinado a famílias em situação de extrema pobreza e pobreza, cujo
rendimento varia entre R$ 77,00 e R$ 154,00.
As condicionalidades abrangem um conjunto de deveres a serem
cumpridos na educação e saúde pelas famílias beneficiárias do PBF como
224
exigência para se manterem no programa. É dever, por exemplo, o
acompanhamento da saúde de mulheres gestantes e nutrizes entre 14 e 44 anos
e de crianças entre 0 e 7 anos de idade – manutenção da vacina em dia e
acompanhamento de peso. A portaria interministerial do Ministério do
Desenvolvimento Social (MDS) nº 666, de 28 de dezembro de 2005, institui como
condicionalidade na assistência social a frequência mínima de 85% das crianças
com até 15 anos em situação de risco e/ou retirada do trabalho infantil nos
serviços de convivência familiar e comunitária. Entretanto, essa condicionalidade
ainda não incorre em efeito punitivo.
O descumprimento de condicionalidades é registrado pelos serviços de
educação mediante justificativas de famílias pela ausência de crianças e
adolescentes na escola, e pelos serviços de saúde pelo não comparecimento à
UBS ou pela não localização de famílias pelas Equipes de Saúde da Família
(ESF),
constituindo-se
como
indicativos
de
descumprimento
de
condicionalidades no PBF. Orientados por perspectivas individuais, esses
indicativos
responsabilizam
e
punem
as
famílias,
atribuindo-lhes
a
responsabilidade pelo descumprimento das condicionalidades exigidas pelo
programa.
A partir dessa perspectiva, o presente trabalho tem como objetivo
estudar a operacionalização do Programa Bolsa Família pela proteção básica,
tendo como enfoque reflexões sobre a perspectiva punitiva que tem assumido o
acompanhamento de condicionalidades pela política de assistência social.
Considera-se, para tanto, que os índices e indicadores da proteção
básica na assistência social, bem como os indicativos do PBF, orientadores da
gestão da proteção básica na assistência social, são insuficientes para nortear o
fortalecimento da capacidade protetiva de famílias. Inflexíveis às desigualdades
territoriais, esses indicadores reforçam perspectivas individuais, limitando a
política de assistência social na identificação das multideterminações da pobreza
e, logo, no reconhecimento de direitos, almejados pelo fortalecimento
225
intersetorial, no diálogo com as políticas setoriais como são as de educação e
saúde.
Com intuito de avançar na discussão, no item a seguir será discutido
sobre a gestão do PBF na proteção básica, tendo em vista, ultrapassar
perspectivas punitivas e individuais e fortalecer a perspectiva protetiva da política
de assistência social, a luz dos territórios de vivencia das famílias beneficiarias
do PBF.
1-Condicionalidade: punição ou meio de agir
O decreto nº 5.209 de 2004 prevê como atribuição do MDS, além da
gestão
de
benefícios
e
programas
complementares,
a
gestão
de
condicionalidades pela política de assistência social. Cumprir condicionalidades
é critério para a manutenção das famílias de baixa renda como beneficiárias do
PBF. A aplicação de sanções punitivas, como são os bloqueios e os cortes de
benefícios, é prevista em casos de descumprimento de regras.
Frente ao propósito da PNAS/2004 de proteger famílias, a inclusão
emergencial nos serviços socioassistenciais, prevista na Resolução CIT nº 07 de
2009, com base em indicadores do PBF, que culpam e punem famílias por
deveres não cumpridos, aponta para a urgência na construção de olhares sobre
as relações de proteção versus desproteção territorial.
A Instrução Operacional nº 26/ 2008 prevê às famílias que receberam
sanções decorrentes de descumprimento de condicionalidade a possibilidade de
apresentar recurso à gestão municipal do PBF no município. Nesses recursos
são expostas as justificativas das famílias, na tentativa de reversão das sanções
recebidas. Tais recursos são elaborados pelo CRAS, a partir das justificativas
das famílias pelo descumprimento de condicionalidade, encaminhados para
serem avaliados pela gestão municipal do PBF e, em seguida, aprovados pelo
gestor municipal da política de assistência social.
226
Essa lógica, que incide sobre o fato consumado descumprimento de
condicionalidades
do
programa,
e
não
sobre
as
possibilidades
de
acompanhamento das famílias e suas vivências no território, termina gerando
um infindável trabalho de verificação burocrática das condicionalidades, e não
das condições reais de vida das famílias. O que vem mobilizando as equipes
profissionais e, não raro, deslocando-as do trabalho social qualificado que lhes
cabe (BRASIL/MDS, 2013c).
Nesse sentido, reafirma-se que a proteção básica assegurada pela
política de assistência social não deve se limitar a atuar quando instalada a
desproteção (SPOSATI, 2004a). Seu desafio também é o de evitar a
desproteção e prevenir a violação de direitos no âmbito das relações,
pressupondo o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários.
Ainda, segundo a Resolução CIT nº 07 de 2009, aquelas famílias que
estão em suspensão do benefício do PBF devem ser acompanhadas e incluídas
nos serviços socioassistenciais da proteção básica prioritariamente. A inclusão
nos serviços socioassistenciais deve ser orientada por listagem de famílias em
descumprimento de condicionalidade na educação e saúde (anexo I/ Resolução
CIT nº 07 de 2009), a ser disponibilizada pelo órgão gestor municipal da política
de assistência social. Munida do montante de famílias que descumpriram
condicionalidades, cabe à “equipe do CRAS atualizar o diagnóstico territorial,
traçar estratégias e metodologias de atendimento das famílias e definir os
serviços socioassistenciais necessários ao enfrentamento das situações de
vulnerabilidades e riscos identificados” (p.21).
Na área da educação, a condicionalidade consiste na exigência de
frequência escolar de 85% para crianças com idade entre 6 e 15 anos em
estabelecimento de ensino regular e de 75% de frequência para adolescentes
com idade entre 16 e 17 anos. O descumprimento de condicionalidades na
educação é registrado semestralmente pelas escolas. Na saúde, as famílias
beneficiárias assumem o compromisso de acompanhar o cartão de vacinação,
bem como o crescimento e o desenvolvimento das crianças menores de 7 anos.
227
As mulheres na faixa de 14 a 44 anos também devem fazer o acompanhamento
do próprio cartão e, se gestantes, realizar o pré-natal e o acompanhamento de
sua saúde e da saúde do bebê (BRASIL/MDS, 2013c).
As famílias beneficiárias do PBF, para cumprirem condicionalidades na
saúde, devem obrigatoriamente comparecer a uma unidade de saúde da rede
municipal ao menos uma vez no semestre (períodos de vigência), em datas
estipuladas e comunicadas pelo MDS/Senarc via extrato de pagamento do PBF.
Conforme pauta a Portaria do Ministério da Saúde (MS) 2.488 de 2011, é
também papel da equipe Estratégia Saúde da Família (ESF), vinculada às
Unidades Básicas de Saúde (UBS), orientar e educar as famílias para o controle
do peso e sobrepeso de crianças, assim como sobre os benefícios da
imunização e do acompanhamento de pré-natal de gestantes.
Na equipe de ESF, os agentes comunitários de saúde são os principais
responsáveis pelo acompanhamento das condicionalidades (Portaria nº 2.488
de 2011). Entre suas atribuições estão as visitas às famílias beneficiárias do
PBF, em busca do desenvolvimento de atividades educativas como orientações
sobre imunização, baixo peso, sobrepeso e altura de mulheres e crianças,
identificação do número de gestantes, frequência de gestantes ao pré-natal,
orientações sobre aleitamento materno a nutrizes. Essas informações,
entretanto, não geram descumprimento de condicionalidades. Na saúde, o
descumprimento decorre do registro de ausência da família na UBS, e da não
localização da família pelos agentes de saúde, pressupondo desatualização
cadastral de endereço no Cadastro Único (CadÚnico). Não há previsão, nos
dados da saúde, de indicadores que revelem a ausência ou fragilidade de
equipamentos e serviços de saúde como motivo para o descumprimento de
condicionalidades.
Importante ressaltar que as famílias, para manterem-se como
beneficiárias do PBF, devem processar a atualização de dados no CadÚnico a
cada dois anos, tendo no CRAS um dos principais locais para tal procedimento,
que, embora não incluso como condicionalidade, prevê bloqueios e
228
cancelamento de benefício, conforme Portaria nº 617 de 2010. Isto é, seja pela
atualização cadastral ou em caso de cumprimento de condicionalidade, à família
é atribuída a responsabilidade maior em buscar pelo serviço de proteção básica
para a manutenção do beneficio. O não cumprimento de condicionalidades pelas
famílias é passível de sanções como cortes e bloqueios, inscritos pela Portaria
nº 251 de 12 de dezembro de 2012 nos seguintes termos.
I - advertência no primeiro registro de descumprimento;
II - bloqueio do beneficio por um mês no segundo registro de
descumprimento;
III - suspensão do benefício por dois meses no terceiro registro de
descumprimento;
IV - suspensão do benefício no quarto registro de descumprimento; e
V - cancelamento do benefício no quinto registro de descumprimento.
A suspensão dos benefícios pagos pelo PBF se dá mediante a coleta de
dados nas escolas sobre as faltas justificadas das crianças e adolescentes nas
aulas do ensino fundamental e médio. Essas justificativas devem se enquadrar
em um conjunto de motivos divulgados, segundo Instrução Operacional nº 36
Senarc/MDS (BRASIL/MDS, 21/07/2010), como plausíveis ou não para que
crianças e adolescentes se ausentem das aulas. No montante de 19 variáveis,
aquelas
com
código
inferior
a
50
não
geram
descumprimento
de
condicionalidades; já os códigos superiores a 50 geram sanções sobre os
benefícios pagos pelo programa. Informações pertinentes às fragilidades da
rede de proteção social são previstas pela Instrução Operacional nº 36
Senarc/MDS (BRASIL/MDS, 21/07/2010) apenas pelos códigos 3, 4 e 5. Sendo
assim, o conjunto de dados que compõem as faltas justificadas nas escolas
denota que a maior responsável pelas faltas escolares é a família, conforme
mostra o quadro 3.
229
Quadro 1 - Motivos da baixa frequência escolar
Fonte: BRASIL/MDS, 21/07/2010.
Em contraposição à centralidade das responsabilidades individuais das
famílias nos indicadores de condicionalidades do PBF, Magalhães (2009)
ressalta a importância de se superar a produção de informações que, ao reforçar
responsabilidades individuais, permanecem alheias aos limites que cerceiam
famílias de baixa renda à proteção social. Nas palavras do autor: “Como agir
para que estas sanções deixem de sê-lo e se tornem indicadores de que o
sistema de proteção social precisa agir com a eficácia e rapidez para assistir às
famílias?” (MAGALHÃES, 2009, p.402)
Ultrapassar essa perspectiva individual exige olhares cuidadosos sobre
normas que regem a operacionalidade do PBF, na proteção básica da política
de assistência social. São normativas que, ao prever sanções, em decorrência
dos efeitos por descumprimento de condicionalidades, orientam a produção de
dados que, deslocados do território, possibilitam conjecturar que grande parte
230
das punições aplicadas às famílias decorre de deveres do poder público não
cumpridos.
Considerando os preceitos protetivos da matricialidade sociofamiliar
destacados como uma das principais diretrizes da PNAS (2004), é preciso
transitar da esfera do “punir e cobrar” para a esfera do “prover” meios de agir de
famílias. Para isso, são necessários conhecimentos mais profundos e flexíveis
sobre as desigualdades territoriais, capazes de mostrar à assistência social,
além
de
atributos
individuais
vinculados
ao
descumprimento
de
condicionalidade, as desigualdades expressas pelas fragilidades no campo das
certezas com quais as famílias de baixa renda podem contar para se protegerem.
Para tanto, não bastam as listagens territorializadas de famílias em
descumprimento de condicionalidade, disponibilizadas pela gestão do PBF à
proteção básica da assistência social, a partir da sistematização das justificativas
de faltas coletadas pelas unidades de ensino, ou da constatação de famílias que
não foram encontradas em seus domicílios pelos agentes de saúde. Levando em
conta os propósitos protetivos da assistência social, o fundamental é que ao
processo de vigilância socioassistencial sejam agregadas informações sobre a
totalidade das famílias que, pela sua condição de beneficiárias do PBF, devem
ser integradas aos serviços socioassistenciais e setoriais de forma preventiva, o
que pressupõe práticas planejadas com enfoque na antecipação de riscos de
vulnerabilidades sociais.
A vigilância socioassistencial, inscrita como uma das principais funções
da política de assistência social, articulada a outras duas, proteção e defesa
institucional, coloca-se como estratégia privilegiada para superar indicadores
abrangentes de proteção básica, de modo a coadunar serviços com as
necessidades de famílias em seus territórios de vivência. Nesse sentido, a
proteção social básica deve ser planejada e organizada de forma a garantir aos
seus usuários conhecimento dos direitos socioassistenciais e sua defesa
(BRASIL/MDS, 2004a).
231
A legislação que pauta a operacionalização do PBF preserva a família
de sanção somente quando ficar comprovado que o cumprimento de
condicionalidade foi prejudicado em razão de desproteções relativas à oferta de
serviços por parte dos municípios. Entretanto, ainda são bastante limitadas as
iniciativas do MDS/Senarc em incluir nos documentos norteadores do PBF a
recolha e a sistematização de indicadores sobre as fragilidades das políticas de
saúde e educação que limitam o cumprimento de condicionalidades. Outro fator
a destacar é que nas legislações que regem o PBF não há previsão de ações de
responsabilização e punição para os municípios inadimplentes. O resultado é a
responsabilização quase que exclusiva da família pelo cumprimento de
condicionalidades (SENNA et. al., 2007).
Nos documentos que regem o programa, as condicionalidades orientamse pela premissa da provisão e do fortalecimento de acesso de famílias de baixa
renda às políticas de proteção básica na assistência social, na educação e na
saúde. Essa perspectiva é reforçada pela Resolução da CIT nº 07 de 200977:
[...] as condicionalidades do PBF visam o reforço do direito de
acesso às políticas de saúde, educação e assistência social e
possibilitam por um lado, promover a melhoria das condições de vida
da família beneficiaria e por outro, reforçar a responsabilização do poder
público na garantia de oferta desses serviços. (p.2)
A intersetorialidade é prevista na Resolução CIT nº 07 de 2009 como
medida para o fortalecimento da proteção social nos seguintes termos:
Nos casos em que a causa do descumprimento de
condicionalidades for a falta de acesso das famílias às políticas de
Assistência Social, Saúde e Educação, compete ao município, em
conjunto com o Estado e a União, elaborar estratégias para sanar
lacunas existentes na oferta dos serviços em seus territórios. (p.16)
Essa faceta intersetorial, apesar de inscrita no campo normativo,
apresenta-se limitada quando o enfoque é a responsabilidade de indivíduos, e
não do Estado. Sendo assim, a prática interventiva das políticas públicas, como
77
Resolução CIT nº 07 de 2009 - Protocolo de Gestão Integrada de Serviços, Benefícios
e Transferência de Renda no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUS).
232
é a assistência social na proteção social, sob a orientação de indicadores
estanques, homogêneos e inflexíveis ao território, restringe-se a ações
interventivas emergenciais, reforçando interfaces da política pública com a
responsabilização e punição de famílias.
Considerando-se o caráter complexo que assumem os processos de
exclusão social no Brasil, e o necessário enfrentamento de vulnerabilidades e
riscos que limitam o cumprimento de condicionalidades pelas famílias, é evidente
que a proteção não pode se restringir à política de assistência social. Na relação
com as políticas setoriais, não cabe à assistência social a soberania sobre outras
políticas, mas sim o reconhecimento de que a efetivação da assistência social é
indissociável dos processos constitutivos das demais políticas sociais. “Junto às
demais o seu processo institucional pode introduzir na agenda pública novas
demandas e induzir maior e melhor o acesso.” (BRASIL/MDS, 2013a).
O Caderno de Informações do MDS (BRASIL/MDS, 2008), ao propor a
construção de diagnóstico socioassistencial com base em informações sobre as
várias áreas temáticas ou de atuação governamental, como saúde e educação,
contribui
para
um
maior
conhecimento
pela
proteção
básica
das
multideterminações da pobreza, bem como reúne informações que possibilitam
à assistência social empreender diálogos intersetoriais com as políticas
atreladas às condicionalidades. Trata-se de uma compreensão heterogênea e
multidimensional da pobreza e da exclusão que informa diagnósticos em que a
prioridade são as famílias e os territórios (BRONZO, VEIGA, 2005).
Construir meios de agir de famílias frente à pobreza, para além de
procedimentos voltados para o acompanhamento de condicionalidades de
famílias de baixa renda ou elaboração de relatórios com indicativos de
descumprimento de condicionalidades como subsídio para a inserção
emergencial nos serviços socioassistenciais, exige como ponto de partida o
comprometimento da gestão municipal com práticas republicanas, isto é,
centradas nos direitos, no processo democrático entre Estado e Sociedade, no
reconhecimento do bem público e da cidadania a ser aprovisionada às famílias
233
de baixa renda em seus territórios de vivência (SPOSATI, 2007). “A tarefa é
bastante audaciosa!”, afirmam Monnerat e Souza (2010). A articulação
intersetorial passa pela construção de um novo objeto de intervenção que
respeite as particularidades setoriais, como aquelas atribuídas a cada política
inserida no processo de acompanhamento de condicionalidades.
A intersetorialidade, direcionada ao reconhecimento de direitos, ao
possibilitar o distanciamento do campo protetivo de perspectiva punitiva,
emergencial e improvisada, desafia gestores, mas também profissionais e
famílias à luta pela ampliação e extensão de ofertas e certezas a serem
reconhecidas no campo normativo institucional. Para tanto, é preciso que as
informações territoriais, agrupadas em eixos alinhados com as políticas de
assistência social, saúde e educação, sejam capazes de subsidiar processos
educativos na proteção básica da assistência social, gestadas pelos Centros de
Referencia da Assistência Social (CRAS) – no contexto do trabalho social com
famílias, nas Unidades Básicas de Saúde – pelo trabalho educativo em saúde a
ser desempenhado pelos profissionais da saúde básica, como são os que atuam
na equipe de Estratégia Saúde da Família e nas escolas de ensino fundamental
e médio – pela inclusão do tema dos direitos de cidadania como parte do
conteúdo educativo ministrado em sala de aula.
É nessas ações com forte caráter educativo que se vislumbra
potencialidade para a constatação de vulnerabilidades territoriais, mas também
para o desenvolvimento de potencialidades de proteção às famílias de baixa
renda. Processo esse que, ao exigir reconhecimento normativo institucional
como elemento essencial para o fortalecimento da proteção indissociável do
reconhecimento de direitos à participação, bem como da inclusão de interesses
de cidadãos na agenda pública, conforme defende Bohman (2008).
Não é demais ressaltar que o Estado é o garantidor do cumprimento dos
direitos, e responsável pelas políticas públicas. Conforme atesta Vieira (2004,
p.59), “sem justiça e sem direitos, a política social não passa de ação técnica, de
234
medida burocrática, de mobilização controlada ou de controle da política quando
consegue traduzir-se nisso”.
O desafio está em incorporar o território, o que significa ultrapassar a
abrangência dos indicadores, de modo a aprofundar as particularidades do
território, na busca de alcançar equidade e justiça social e compreender como
de fato as desigualdades sociais transformam territórios, geram formas
espaciais, afetam dinâmicas sociais, influem no cotidiano das pessoas e
reclamam por políticas públicas que tenham como meta minimizá-las. Em outras
palavras, o que está sendo aqui proposto é a relação entre conhecimento, ética
e política e um debate ampliado sobre as desigualdades sociais corporificadas
nas cidades e em seus territórios, um debate que possa lançar referências
partilhadas que sejam apropriados por atores coletivos e capazes de dar corpo
e forma às “utopias de inclusão” no cenário de nossas cidades (TELLES, 2003,
p.2).
CONSIDERAÇOES FINAIS
O presente trabalho ao refletir sobre a operacionalização do PBF pela
proteção básica da Política de Assistência Social (PNAS/2004), sem a pretensão
de apontar conclusões definitivas a respeito do tema trabalhado, algumas
questões podem ser sintetizadas no sentido de apontar caminhos para o
fortalecimento da perpsetiva protetiva da proteção básica, ao dedicar-se ao
acompanhamento de condicionalidades do PBF.
A compreensão da proteção social de famílias, indissociável do
reconhecimento de direitos pelo poder público, permitiu contraposições aos
indicativos, vistos como insuficientes à operacionalização da proteção social de
famílias pela assistência social. Ou seja, os dados disponibilizados à proteção
básica da assistência social, homogêneos e estanques às heterogeneidades dos
territórios de vivência das famílias, mostraram-se insuficientes para garantia de
reconhecimento de direitos e, logo, ao fortalecimento da proteção de famílias de
baixa renda.
235
Nesse sentido, fortalecer meios de agir das famílias vincula-se a uma
maior integração entre condicionalidades exigidas pelo PBF e políticas de
proteção básica. Isso significa a responsabilização do Estado na provisão de
políticas de proteção básica capazes de fortalecer a proteção social de famílias.
Para além das exigências e punições aplicadas às famílias que descumprem
condicionalidades, é preciso criar práticas interventivas que valorizem os
territórios de vivência das famílias.
Isso implica considerar que a premissa da proteção de famílias, na
PNAS/2004, sustentada pela matricialidade territorial e familiar, pressupõe a
incorporação do território por gestores e profissionais, bem como de metodologia
capaz de suscitar leituras reflexivas sobre o chão de vivência dos territórios
intraurbanos. Isto é, se hoje um conjunto de dados são disponibilizados à gestão
da assistência social, qual a pertinência dessas informações para a captura de
particularidades objetivas e subjetivas presentes nos territórios de vivência das
famílias de baixa renda? Qual a aplicabilidade desses dados para responder às
necessidades das famílias beneficiárias do PBF?
Caminhar nessa direção implica uma maior proximidade entre serviços
de proteção básica da assistência social e território, no sentido de mensurar e
responder por demandas, expressas pelas necessidades das famílias de baixa
renda.
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
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ZIMMERMANN, B.; MUNCK, J. (Orgs.). La Liberté au Prisme des Capacités.
Amartya Sen Au-Delà Du Libéralisme. Èditions Del EHESS, Paris, 2008
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de combate à pobreza e à exclusão: as iniciativas das cidades de São Paulo
e de Belo Horizonte. Comunicação apresentada no X Congreso Internacional del
CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública. Santiago,
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236
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vulnerabilidades: desafios para a articulação entre o PBF e a Proteção Básica.
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MONNERAT; G. L.; SOUZA, G. R. Política Social e intersetorialidade
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SENNA, M. C. M. et. al. Programa Bolsa Família: nova institucionalidade
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SPOSATI, A. Proteção e desproteção social na perspectiva dos direitos
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VIEIRA, E. Os Direitos e a Política Social. São Paulo: Cortez, 2004.
Documentos Analisados
BRASIL. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Lei nº 8.742 de 7
de dezembro de 1993. Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Dispõe sobre
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Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10/05/2014.
________. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Decreto 5.209
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Bolsa Família e dá outras providências. Brasília, 2004. Disponível em:
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________. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Lei nº 10.836
de 9 de janeiro de 2004. Cria o Programa Bolsa Família e dá outras
providências. Brasília, 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>.
Acesso em: 14/05/2014.
237
________. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MDS. Secretaria Nacional de Renda e Cidadania. Guia para Acompanhamento
das Condicionalidades do Programa Bolsa Família – Volume I. Brasília, 2010.
________. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MDS. Portaria nº 617 de 11 de agosto de 2010. Regulamenta normas e
procedimentos para a revisão cadastral das famílias beneficiárias do PBF.
Brasília, 2010.
238
A MULHER NEGRA BRASILEIRA NO MERCADO DE TRABALHO –
30 ANOS DO CENÁRIO NACIONAL
Andréa Aparecida Mendes1
Maria Luiza Milani2
RESUMO
O estudo aborda as desigualdades do recorte racial e de gênero, na
sociedade brasileira, para o acesso das mulheres negras ao mercado de trabalho
mostrados pelos censos brasileiros de 1980, 1991, 2000 e 2010. Os dados dos
Censos Demográficos considerados no presente estudo, foram extraídos do
Integrated Public Use Microdata Series, concebido e administrado pelo
Minnesota Population Center da Universidade de Minnesota. As definições
descritivas e analíticas para a variável posição por ocupação foi processada
utilizando-se o software Stata versão 10. Com os dados e análises constatou-se
que existe uma diferenciação permanente entre o segmento de mulheres
ocupadas, brancas e negras, no mercado de trabalho e o texto destaca o cenário
brasileiro dos últimos 30 anos, com relação à ocupação da mulher negra.
PALAVRAS-CHAVE: Desigualdades,
mulheres negras, mercado de
trabalho.
INTRODUÇÃO
239
Estudos das desigualdades raciais e de gênero e das desigualdades
sociais são necessários para a leitura do espaço socioeconômico que a mulher
negra ocupa, na construção histórica do Brasil e, no processo de conquista de
sua emancipação identitária.
A reprodução de desigualdade racial e social insiste em não reconhecer,
em que pese o sistema de proteção legal dos direitos humanos mais
fundamentais, a condição de ator dos sujeitos e de igualdade de oportunidades
fáticas, substantivas, explica, em parte, a dificuldade de inserção de mulheres e
negros no mercado de trabalho no Brasil.
É importante destacar que a menção “negra/negro”, em todo o corpo de
estudo, refere-se às categorias preto e pardo como uma categorização
1Técnica
da Assistência Social, Prefeitura Municipal de Prudentópolis Paraná, Mestre em
Desenvolvimento Regional, e mail [email protected]
2
Docente da Universidade do Contestado (UnC) Programa de Mestrado em
Desenvolvimento Regional, Doutora em Serviço Social, e mail [email protected]
analítica, que toma as duas categorias conjuntamente. Para Osório
(2003), o negro sintetiza, estatisticamente, as semelhanças socioeconômicas
entre pretos e pardos. Além do que, segundo esse autor, são da mesma natureza
as discriminações sofridas pelo negro, independente de ser pardo ou preto.
Em se tratando da mulher negra, uma forma de discriminação potencializa
a outra (MUNANGA, 2009). Incide sobre a mulher negra uma espécie de dupla
discriminação, por pertencer à raça negra e ao gênero feminino.
A desigualdade de oportunidades, no que se refere à inserção no mercado
de trabalho, penaliza o segmento negro e, em especial as mulheres negras. Por
isto o estudo aborda, por meio das estatísticas nacionais, como os processos
discriminatórios ora excluem, ora comprometem a inserção dessas mulheres
negras no mercado de trabalho. Com os dados evidenciou que, apesar do
quadro de aparente melhora, as desigualdades raciais e de gênero
potencializam obstáculos, contrastando a inserção social entre o segmento
240
branco e o negro.
Portanto, demostrar a possível inclusão das mulheres negras,
correlacionando-as ao mercado de trabalho pode ser uma ferramenta
estratégica, pensada pela gestão pública, para o enfrentamento de uma
problemática que tem contornos regionais bem característicos no território
brasileiro.
Para destacar as conquistas e desafios ao gênero feminino e
assumidamente de cor negra, dados foram obtidos dos bancos censitários de
1980, 1991, 2000 e 2010, elaborados pelo IBGE nesses anos. Foram acessados
os dados relativos à idade, sexo, raça/cor, escolaridade e mercado de trabalho,
extraídos do Integrated Public Use Microdata Series (IPUMS), concebido e
administrado pelo Minnesota Population Center da Universidade de Minnesota.
A decisão temporal de 30 anos de trajetória da sociedade brasileira, revela
ser um período suficiente para se poder falar, não apenas em termos de
experiências de coortes78 distintas, mas também de gerações. Outro aspecto
considerado se referiu aos cenários socioeconômico e político-cultural que
mudaram significativamente neste intervalo, cujos reflexos se projetam sobre as
manifestações dos movimentos sociais e as políticas públicas direcionadas para
os segmentos gênero e raça, ou seja, das mulheres negras na faixa etária dos
15 aos 64 anos (condição de população em idade ativa).
Ainda, neste delimite temporal (30 anos) ocorreram acontecimentos
significativos para a democracia, direitos e inclusão social no Brasil, após a
promulgação da Constituição Federal do Brasil de 1988, tais como: o
fortalecimento dos movimentos sociais; o impacto dos tratados internacionais
temáticos de direitos humanos ratificados pelo Brasil; a entrada das questões
raciais e de gênero para agenda política brasileira; a criação de políticas públicas
78
Uma coorte é definida, de maneira geral, como um grupo de pessoas que vivenciam
conjuntamente uma série de eventos em um período de tempo.
241
específicas, destinadas a ambos os grupos, até a aprovação do Estatuto Racial
em 2010. Estes se constituem no marco legal das conquistas das mulheres
negras.
As variáveis raça/cor e sexo são importantes, mas se considera aqui a
categoria analítica negra (preta e parda). Na estrutura ocupacional, considerouse os trabalhadores domésticos, outros empregados (inclusive funcionários
públicos e militares), conta própria/empregador e outros (compreendidos aqui os
trabalhadores não remunerados79 e trabalhadores para o próprio consumo). No
ano censitário de 1980, a categoria trabalhadores domésticos foi incluída na
categoria outros empregados, tendo em conta que não foi citada formalmente na
pesquisa.
Os dados e as respectivas reflexões acerca do propósito deste texto, a
seguir apresentados, revelam que os desafios à sociedade brasileira foram
preliminarmente colocados em cena. Não se pode negligenciar ou secundarizam
outras dimensões relacionadas à mulher e a mulher negra (Mn). Portanto, a
posição da mulher negra no mercado de trabalho é revelador no sentido de
permanências da desigualdade racial e de gênero.
POSIÇÃO DA MULHER NEGRA NO MERCADO DE TRABALHO
Na análise sobre a participação das mulheres no mercado de trabalho nos
últimos 30 anos, observa-se o contínuo crescimento da atividade feminina,
possivelmente ligada ao maior nível de instrução. Embora o nível de ocupação
79Segundo publicação “Censo Demográfico 2010: resultados gerais da amostra ” (2010,
p. 36) entende-se por trabalhador não remunerado “[...] pessoa que trabalhou sem remuneração,
durante pelo menos uma hora completa na semana de referência, em ajuda na atividade
econômica de morador do domicílio que era conta própria, empregador ou empregado do setor
privado”. Disponível em: <ftp://ftp.ibge.gov.br/ Censos/ Censo_Demografico_ 2010/
Resultados_Gerais_da_ Amostra/resultados_gerais_amostra.pdf. Acesso em 07 de setembro
de 2012. 239p.
242
entre as mulheres seja inferior ao registrado entre os homens.
Tabela 1 - Ocupação da mulher negra de 15 aos 64 anos por ano censitário – Brasil
BRASIL (%)
TRAB
A
NO
CATEG
ORIA
1
980
990
DOMÉSTICOS
EMPREGADOS
PRÓPRIA/EMPR
UTROS
(1)
(2)
EGADOR
(3)
negra
CONTA
O
5,
-
73,4
21,1
5
Mulher
3,
22,1
53,6
21,1
3
Mulher
negra
2
010
S
Mulher
negra
2
000
ALHADORES
negra
1
OUTRO
5,
25,7
48,4
20,4
5
Mulher
7,
19,9
56,5
16,4
1
Fonte: IBGE – Censo Demográfico
(1) Em 1980, os trabalhadores domésticos estavam incluídos na categoria “Outros
empregados”
(2) Inclusive funcionários públicos e militares
(3) Incluem trabalhadores não remunerados e trabalhadores para o próprio consumo
Os maiores anos de escolaridade das mulheres não lhes asseguram a
igualdade de concorrência com os homens, para uma melhor inserção em postos
de trabalho com poder de decisão, tradicionalmente ocupados por homens
(BRUSCHINI et. al. 2011). E a diferença salarial permanece em favor dos
homens, mesmo quando as mulheres atingem o ápice da pirâmide ocupacional
(LOVELL, 1994).
Quando analisados os dados sobre a distribuição por setor de atividade é
notória a segmentação ocupacional nos quadrantes raça/cor e sexo. As
mulheres – especialmente as negras – concentram-se no setor de serviços
sociais80 (IBGE, 2012; IPEA, 2011), com predomínio de mulheres negras no
80
Saúde, educação, serviços sociais e domésticos.
243
serviço doméstico remunerado em todo o Brasil.
Os trabalhadores domésticos formam uma categoria profissional cuja
interferência de raça/cor e sexo, revela as mais significativas desigualdades. A
maior participação das mulheres negras no trabalho doméstico revela o peso da
discriminação setorial-regional-ocupacional sobre elas (SOARES, 2000).
Em 30 anos a proporção de trabalhadores domésticos não apresentou
mudanças significativas para os homens. Sua participação manteve-se igual ou
inferior a 1%. A evidência do menor acesso à educação formal, priva esse
segmento, e o das Mb que aí se encontram, de ocupar melhores postos no
mercado de trabalho. Deste modo estabelece-se uma relação causa-efeito entre
mercado de trabalho, nível de escolaridade e qualificação para ocupação nos
melhores empregos.
Existe uma diferença de inserção entre o segmento de mulheres
ocupadas, brancas e negras, mesmo quando elas possuem o mesmo nível de
escolaridade. No Censo de 2010 19,9% das Mn ocupadas são trabalhadoras
domésticas, ao passo que, entre as Mb elas correspondem a 11,1%.
No quadrante de 2000 e 2010, entre as mulheres que estavam na
ocupação trabalhadora doméstica, houve um decréscimo na participação: de 3,9
p.p. para as Mb, e de 5,8 p.p. para as Mn. Esta redução pode estar associada ao
aumento nos anos de escolaridade da população brasileira – especialmente das
mulheres – com possível migração para postos de trabalho não precários. Neste
sentido, o trabalho doméstico pode ter deixado de ser a porta de entrada
obrigatória para o acesso das Mn e das Mb, jovens e pobres, ao mercado de
trabalho.
Também se observa que, enquanto a inserção das Mn na ocupação
“Conta Própria/Empregador” vem sendo reduzida, continuamente, desde o
Censo de 1991, nos demais grupos ela esteve em crescente até o Censo de
2000, quando começa a declinar.
. Em 2010 a população dos 15 aos 64 anos de idade representa 68,5%
da população brasileira. Reflete-se sobre ela as transformações ocorridas no
perfil demográfico do país, no que diz respeito a maior autodeclaração e/ou
244
heterodeclaração para a raça/cor negra.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar da evolução da mulher em ocupações tradicionalmente masculinas,
e apesar do maior nível de instrução, os salários não acompanharam este
movimento, perpetuando a discriminação em razão da raça/cor e sexo. Um
grande desafio para as mulheres desta geração é tentar reverter o quadro da
desigualdade salarial entre homens e mulheres.
Os avanços das mulheres negras ainda evidenciam a existência de uma
hierarquização de raça/cor, que as projeta para uma posição de distanciamento
em relação ao segmento branco.
As mulheres negras melhoraram seu nível de escolaridade, mas a
diferença persiste em relação ao segmento branco. Mesmo quando possuem o
mesmo nível de escolaridade das mulheres brancas, percebem remuneração
inferior. E, em razão de sua raça/cor têm a mobilidade laboral comprometida.
Elas estão sobre-representadas no trabalho doméstico e, em ocupações
precárias, informais, não remuneradas. Mas por outra via, as mulheres negras,
jovens e pobres, pela maior escolaridade acabam encontrando outras formas de
acesso ao mercado de trabalho, que não pela via do trabalho doméstico. Sua
condição se reflete diretamente sobre os seus dependentes, no geral crianças e
jovens.
A desigualdade pressupõe a existência de múltiplos fatores agregados
que afetam o desenvolvimento do país como um todo. Pobreza, renda, saúde,
educação, trabalho, violência, quando associados à discriminação racial ou de
gênero, interferem em todos os níveis de desenvolvimento, desde o humano,
passando pelo local, regional e o nacional. Não por acaso, o Brasil ainda é
considerado um país com sérios cenários de desigualdade.
A exclusão socioeconômica a que está submetida o segmento negro
também é responsável por naturalizar as desigualdades entre brancos e negros,
245
além de reforçar o processo de estigmatização, cujo impacto recai sobre a
socialização e a cidadania da população negra. No estudo focou-se o mercado
de trabalho. Mas, na verdade, a discriminação alcança todos os setores da vida
social do segmento negro.
As transformações no mundo do trabalho interferiram no contexto de
inclusão da mulher e, em especial, da mulher negra. E elas estão associadas às
mudanças nos padrões culturais e no reconhecimento da importância da mulher
como força produtiva.
Embora a divisão sexual do trabalho ainda oriente o mercado, a
participação das mulheres com maior escolarização do que os homens vêm num
crescente. Por outro lado, a participação do segmento feminino, no mercado
brasileiro, identifica o esforço redobrado das mulheres para que esta inserção se
realize em condições de igualdade. Pois a diferença que caracteriza o
rendimento salarial, entre homens e mulheres, inter e intra grupos, aponta para
a prevalência da discriminação racial e de gênero (BASTOS, et. al., 2007).
Mais um aspecto relevante a ser mencionado é a referência ao
empoderamento da mulher, e neste universo, o empoderamento da mulher
negra. Exemplos extraídos de experiências internacionais demonstram na
prática a interferência positiva do empoderamento sobre todos ODM’s.
A sistematização das informações aqui apresentadas favorece uma
reflexão sobre a inferência das desigualdades raciais e de gênero sobre a mulher
e o negro, com enfoque na mulher negra, ao nível do território nacional.
Ao se buscar a medida de igualdade para grupos socialmente excluídos,
como no caso das mulheres negras, pauta-se
pela ideia de que as
desigualdades raciais e de gênero devem ser eliminadas por meio de políticas
públicas, estendendo as vantagens de um dado grupo social à outros que dela
se encontrem privados, ou pelo menos equiparando-os.
Considera-se que o enfrentamento pelo Movimento de Mulheres, no que
se refere às questões discriminatórias direcionadas ao segmento negro é tímido
e, por isto deixa a descoberto questões pontuais que interessam às mulheres
negras. Enquanto o Movimento Negro prioriza a luta contra o racismo, a
246
discriminação racial e o preconceito, secundarizando a problemática da mulher
negra, cuja trajetória é marcada por um processo discriminatório típico. Neste
sentido, o enfrentamento da desigualdade racial e de gênero dá-se num plano
mais geral, e não responde a demanda das mulheres negras no mérito da sua
problemática..
REFERÊNCIAS
BASTOS, Raul L.A; MARQUES, Elizabeth K.; GALEAZZI, Irene M.S;
TONI, Miriam de.; KRELING, Norma H. Dimensão da Precarização do
Mercado de Trabalho na Região Metropolitana de Porto Alegre./Coordenado
por Raul Luís A. Bastos. — Porto Alegre. FEE, 2007. 274p. ISBN 978-85-7173059-5.
BRUSCHINI, Maria C. A.; LOMBARDI, Maria. R.; UNBEHAUM, Sandra.
Trabalho, renda e políticas sociais: avanços e desafios. In Progresso das
mulheres no Brasil: 2003 a 2010. Organização: Leila Linhares Barsted,
Jacqueline Pitanguy – Rio de Janeiro: CEPIA; Brasília: ONU Mulheres, 2011.
p.142 a 178. Disponível em http://www.cepia.org.br/progresso.pdf. Acesso em 2
de ago de 2012.
IBGE. Mulher no mercado de trabalho: perguntas e respostas. Pesquisa
Mensal
de
Emprego
(PME).
2012.
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_
nova/Mulher_Mercado_Trabalho_Perg_Resp_2012.pdf
.Acesso em 20 de dezembro de 2012.
IPEA. Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça / Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada. [Et.. al.]. - 4ª ed. - Brasília: Ipea, ONU, SPM e
SEPPIR/ Brasília, 2011, 2011b. 39 p. il.
247
LOVELL, Peggy A. Race, Gender, and Development in Brasil, Latin
American. Research Review, 1994, 29 (3): 7-35.
MUNANGA, Kabengele. Negritude: usos e sentidos. Belo Horizonte:
Autêntica editora, 2009. (Coleção Cultura Negra e Identidades).
OSÓRIO, Rafael. G. O sistema classificatório de “cor” ou “raça” do
IBGE. Texto para discussão n. 996. ISSN 1415 4765. Brasília, Novembro de
2003.
SOARES, Sergei. A demografia da cor: a composição da população
brasileira de 1890 a 2007. In: THEODORO, M. (Org.). As políticas públicas e a
desigualdade racial no Brasil: 120 anos após a abolição. Brasília: Ipea, 2008.
Disponível
em:
http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/livros/Livro_desigualdadesraciais.pdf .Acesso
em 17 de junho de 2012.
248
NOVOS DESAFIOS AO GÊNERO FEMININO: O UNO E MÚLTIPLO
MUNDO RURAL E INFLUÊNCIA URBANA NA VIDA DA MULHER
AGRICULTURA
Josiane de Souza Passos1
Maria Luiza Milani2
RESUMO
A reflexão refere-se aos desafios que se apresentam ao gênero feminino
pela influência urbana na vida da mulher agricultura. O objetivo foi de analisar
esses desafios e avanços,
abrangeu 120 mulheres. A metodologia de
abordagem qualitativa, exploratória, etnográfica, foi complementada por
entrevistas e a pesquisa ocorreu durante dois anos. O território rural envolvido
abrangeu foi seis microbacias localizadas em Canoinhas-SC. Pode-se afirmar
que as transformações que vêm ocorrendo na vida das mulheres urbanas ou
rurais, se expressam na conquista de direitos e que têm resultado em maior
participação das mulheres no mercado de trabalho, garantido acesso a direitos
trabalhistas e previdenciários, possibilitado maior liberdade sexual e participação
política. O meio rural representa lugar subalterno ao urbano, permanecem
desafios no meio rural. Mesmo com a adesão ampla ao trabalho e a vida
domiciliar com ampla introdução da tecnologia, estas não modificaram a
educação e atribuições das mulheres nesse contexto.
Palavras-chave: gênero; meio rural. mulher agricultura; influências urbanas.
1 INTRODUÇÃO
A reflexão aborda os desafios que se apresentam ao gênero feminino na
complexidade do mundo rural e da influência urbana na vida da mulher
agricultura.
Estudar as mulheres agricultoras não foi uma escolha ao acaso. Por isso
esta reflexão parte do entendimento do momento atual da mulher sem
desvinculá-la do processo histórico e os seus avanços e desafios. Neste
249
processo coloca-se em questão a separação do espaço produtivo entre o campo
e a cidade (MARX, 2000). Esta organização espacial da produção e da
1Extensionista
Rural da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa
Catarina (EPAGRI), Socióloga, e mail [email protected] .
2Docente
da Universidade do Contestado (UnC) Programa de Mestrado em
Desenvolvimento Regional, Assistente Social, e mail [email protected]
vida sustentada por mitos consolidou a supremacia da cidade e do modo
de vida urbano, bem como fortaleceu uma idealização de subalternidade do
campo e do modo de vida rural, ideologias ainda presentes nesses territórios
sócio produtivos.
No século 21 as diferenças se mantêm, mas se passou a constituir certa
relação de complementaridade entre campo e cidade. A realidade se pluraliza
ressaltando as contradições, o rural e o urbano são redefinidos, mas até que
ponto o novo traz a ruptura com o pensar passado?
Sob este entendimento a pergunta norteadora desta reflexão indagou
sobre os desafios e avanços às rotinas e anseios das mulheres do meio rural
diante das transformações sociais e culturais e das questões de gênero.
Para respondê-la se considera que de um lado, o campo idealizado pelos
atributos naturais; e de outro, a cidade idealizada pelo poder centralizador se
fundamentam em negações e os territórios passam a ser visualizados pelo não
ser. A existência do rural é entendida pela contraposição ao urbano, e assim
também inversamente. Ao buscar aquilo que os espaços não contêm, ou seja, o
que não são pela negação do que há no outro, impossibilitada fica a visualização
daquilo que eles de fato são. Perdidos ficam seus significados e representações.
Portanto, o objetivo da reflexão persegue a análise dos desafios e os
avanços postos às rotinas e anseios das mulheres do meio rural diante das
transformações sociais e culturais das questões de gênero, apresenta perfil das
agricultoras pesquisadas e a influência dos valores urbanos nas suas vidas.
250
Efetuou-se estudos bibliográficos e duas pesquisas de campo com
mulheres rurais. Como instrumentos de coleta de dados foi utilizada a entrevista
semiestruturada, a observação sistemática (estudo etnográfico) sobre os grupos
dos quais as mulheres agricultoras das comunidades participam, que abrangeu
cerca de 120 mulheres. Foram realizados diálogos dirigidos, com profissionais
da Empresa de Pesquisa e Extensão Rural de Santa Catarina (EPAGRI), que
atuam na pesquisa e extensão, sobre as dinâmicas territoriais das Microbacias
do Córrego do Souza; Córrego do Fuck; Córrego das Flores e Rio dos Pardos;
Rio D’Areia do Meio e de Bonetes (situadas no município de Canoinhas-SC)
O texto a seguir aborda dialeticamente os fundamentos teóricos e as
expressões textuais das mulheres pesquisadas, caracterizando a pesquisa
qualitativa, quando se destaca as condições e a complexidade dos
enfrentamentos e conquistas das mulheres. O texto é finalizado com as
considerações finais sobre as influências urbanas às mulheres que vivem no
meio rural.
A INFLUÊNCIA DOS VALORES URBANOS NA VIDA DAS MULHERES
DO MEIO RURAL
As mulheres pesquisadas se situaram na faixa etária entre 30 e 50 anos
e estado civil casadas. A ocupação principal dos membros das suas famílias
estava vinculada às atividades na agricultura. As opções de lazer da família, para
63,3% das pesquisadas se resumia a frequência as festas nas respectivas
comunidades. Os bens de consumo familiar tais como: vestuários e certos
alimentos, eram adquiridos no meio urbano municipal (para 93,3%
das
entrevistadas).
Um paradoxo evidenciou-se quando foram tratados dos hábitos
alimentares e 70% das pesquisadas respondeu que utilizavam produtos
industrializados, como também que não cultivaram hortaliças. Os produtos
consumidos pelas famílias eram adquiridos no comércio urbano local-regional.
251
Na sequencia as indagações adentraram aos aspectos subjetivos da vida
cotidiana das mulheres entrevistadas. Os relatos evidenciaram que elas
gostariam de não ter tantos afazeres e “que a vida fosse mais calma menos
corrida com mais tempo para si próprias” (SIC). Denunciaram que elas
realizavam “muitas atribuições ao longo do dia” (SIC). Mesmo assim havia
tempo para analisarem as perspectivas de vida e confessaram que tinham
“vontade de me sentir mais realizada” (SIC). Por outro lado, “gostaria de mudar
radicalmente ir morar na cidade e sair do meio rural, pois a cidade apresenta
mais oportunidades para todos e até mesmo para as mulheres, pois plantando
fumo não se tem” (SIC).
Sobre projetos de vida outras respostas em uníssimo foram: “queria
mudar” (SIC). As mudanças pensadas são realizações que envolvem acessos e
bem estar. Queriam mudar para melhorar a saúde e não trabalhar tanto em
contato com agrotóxicos (“veneno” como disseram). Mudar para se sentirem
mais realizadas. Mudar para terem mais ofertas de lazer. A vida já as colocava
em condições um tanto precárias, mas com estas mudanças teriam mais tempo
para fazer outras coisas que gostariam. As
indicações de como poderiam
proporcionar essas mudanças referem-se a escolarização. Disseram elas
“estudar para mudar” (SIC), aspiração das entrevistadas que atribuiram ao
estudo, o impulso para a mudança.
E por que estas mulheres não buscaram estas mudanças? Elas
responderam que após o casamento tudo ficara mais difícil, faltou-lhes
oportunidade, faltou-lhes tempo, dinheiro e faltou-lhes coragem.
A resposta está na pessoa própria e que só ela pode ter esta
iniciativa”, a “resposta está em lutar sempre, não desanimar”, “mais
apoio para as mulheres do interior, ter onde deixar os filhos para realizar
suas tarefas e objetivos de vida”. “Nos mulheres que vivemos no meio
rural, queremos uma creche como o pessoal da cidade (SIC).
Estas mulheres se entendiam nas questões de gênero, sob a reflexão:
A vida da mulher mudou bastante, mesmo no meio rural a vida
252
da mulher é muito corrida, sem tempo para parar um pouco e jogar
conversa fora, até mesmo quando poderiam ter mais tempo à noite, daí
ficam assistindo televisão e quando percebem o dia já acabou, mas
também a vida da mulher mudou para melhor, pois a mulher tem mais
direitos. (SIC)
Com o desenvolvimento extensivo e intensivo do capitalismo e
generalizada transformação das condições de vida e trabalho no mundo rural, a
tecnificação, maquinização e quimificação dos processos de trabalho e produção
no meio rural se assemelharam ao industrialismo urbano e e as rotinas do meio
urbano.
Os moradores do meio rural têm ampla relação com a cidade na qual as
influências expõem as interferências no mundo globalizado. É como se fosse um
roteiro pelo qual no meio rural se transforma a propriedade e a produção,
baseados nas novas tecnologias, nas políticas de saúde e de educação.
É possível afirmar que já houve a incorporação de hábitos de consumo
urbanos no meio rural e não houve necessidade imprescindível da existência de
uma urbanização física no espaço rural, mas há uma urbanização cultural, não
material, presente nas percepções e nos anseios dos sujeitos e grupos do meio
rural.
Percebeu-se que há influência sim de valores urbanos sobre a população
rural, principalmente sobre as mulheres mais jovens. Porém, o meio rural guarda
especificidades que se apresentam com intensidades diferenciadas nos lugares.
É impossível negar a influência da técnica, que penetra e modifica o
espaço rural, não o transformando necessariamente em espaço urbano. Das
tradições produtivas restaram hábitos e rotinas, mas o modo de conduzi-las
modernizou-se ao ponto de os habitantes do meio rural apontarem a
necessidade e a utilização, com certo grau de dependência dos eletrodomésticos
diversos (computadores com acesso a rede mundial de computadores, antenas
parabólicas, máquinas agrícolas de grande e pequeno porte, com alto grau de
tecnologia para o desempenho da atividade rural).
Desta forma, percebe-se que há aceitação da técnica para a vida e o
253
processo produtivo no meio rural, por meio da posição dos atores, de ações, dos
objetos e do predomínio crescente da racionalidade técnica no rural, que se
manifesta e é evidenciado em suas consequências, com mais intensidade nas
cidades.
O
acesso
aos
veículos
de
comunicação
contribuíram
para
o
desencadeamento e ampliação de valores urbanos sejam os relacionados às
características da indústria, dos serviços prestados, da comercialização, seja os
de lazer, turismo, convívio social. Essa aproximação entre outras explicações,
relaciona-se à perspectiva de acesso aos bens, recursos e serviços públicos ou
não, que legitimam a condição de sujeito de direito na sociedade, previsto pela
Constituição Federal brasileira de 1988, referendadas pelas políticas públicas.
Por outro lado, a constante introdução no consumo de bens, produtos e
serviços, vêm rompendo com a linha imaginária da separação entre o meio
urbano e o meio rural. O conforto extensivo, muito embora com certas limitações
pelo modo peculiar da configuração do meio rural, deve levar em consideração
as mudanças nos padrões de consumo.
Para que se analise se o meio rural adentra ao processo de urbanização,
é preciso levar em consideração que essas transformações podem acontecer
em um processo de ressignificação do rural. Desse modo, não se pode tomar
esses processos de mudança nos padrões de consumo como sendo um padrão
de urbanização.
Ainda na trajetória de explicitar a rotina e os anseios das mulheres que
vivem no meio rural, na observação realizada semanalmente, que se
caracterizou como acompanhamento etnográfico, evidenciou-se que a tradição,
a conservação de valores e os traços culturais das famílias que vivem no meio
rural têm tomado nova configuração, principalmente entre os mais jovens.
Contudo, não se pode pensar a família nesse território como um grupo
homogêneo, pois ele é construído na sua história, com seu percurso social, seus
processos econômicos e políticos, com seu modo de reprodução de unidades
familiares, práticas agrícolas e culturais e suas formas de práticas comunitárias.
254
Esses fatores influenciam mudanças de valores, comportamentos e
modos de vida. As mulheres são vetores dessa mudança tanto no que se refere
ao trabalho, como na escolaridade, na sexualidade e na organização política nos
últimos anos, questões que perpassam também o cotidiano da mulher do meio
rural, pois ela acessa a informações pelas mesmas mídias das demais.
Será preciso salientar que as transformações ocorridas no meio rural, não
modificaram a educação das mulheres que ainda permanecem voltadas para as
demandas domiciliares, para o cuidado da moradia e dos filhos, mesmo porque
a aceitação da participação política das mulheres ainda é vista enviesada, com
preconceito e com descrédito.
As entrevistadas referem-se a sua experiência de ser mulher como
complicada, apresentando certo mal estar na medida em que desejam
acompanhar o ritmo das mudanças e carregam consigo um sentimento de ter
ficado para trás, pois sua vida está centrada no âmbito doméstico, no entanto
lamentam não ter continuado os estudos e terem outras profissões.
As mulheres desejam ter maior autonomia, independência e liberdade
para circular nos diversos espaços, o que podemos entender como expressão
de outras saídas identificadas distante da identidade feminina tradicional rural.
Porém, a representação positiva que fazem do urbano contrasta com a
representação negativa que se tem do rural, a imagem do rural está associada
a ideia de atraso, lugar de não desenvolvimento, sem acesso a infraestrutura e
serviços básicos. Para algumas, essa imagem é criada pelo desconhecimento
que as pessoas residentes na cidade têm do meio rural.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa com as mulheres rurais possibilitou entender o contexto em
que está imerso o cotidiano das entrevistadas, na estrutura familiar e nas
relações sociais.
255
Foram observados estágios diferentes de percepção da realidade vivida,
com representações sobre o mundo inter cotidiano, que estavam influenciando
os determinantes do desenvolvimento da sociedade em que estão inseridas,
expressando um certo senso crítico.
Por isso, o rural deve ser pensado como espaço dinâmico, contraditório,
que se transforma permanentemente, não está e nem pode “ser” isolado do resto
do mundo. As mudanças porque passam as cidades e os grandes aglomerados
urbanos, a economia, a ciência, as tecnologias, as artes, a cultura de um modo
geral, se refletem no rural e com ele interagem, especialmente com as
tecnologias de informação, comunicação e transporte, “objetos” que permitem
uma maior mobilidade para as populações rurais.
As transformações que vêm ocorrendo, de modo geral, na vida das
mulheres urbanas ou rurais, se expressam na conquista de direitos e que têm
resultado em maior participação das mulheres no mercado de trabalho, garantido
acesso a direitos trabalhistas e previdenciários, possibilitado maior liberdade
sexual, maior participação política, entre outros, dando-lhes condições de pensar
e buscar outros destinos, diferentes da submissão absoluta à lógica patriarcal,
que a muito organiza a agricultura familiar/camponesa.
Porém, as mudanças que vêm ocorrendo são de suma importância, mas
seu alcance é restrito, pois transforma apenas o seu entorno e a vida de poucas
pessoas. Ainda que elas sejam fundamentais, ao provocar micro revoluções,
será pela ação de sujeitos coletivos que se produzirão
mudanças com a
profundidade necessária para transformar a um só tempo a vida coletiva, isto é,
a vida de muitos sujeitos.
REFERÊNCIAS
Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina
– Epagri. Escritório do Município de Canoinhas.
MARX, Karl. A origem do capital. [s/I]: Centauro Editora, 2000.
256
Microbacias 2 – Construindo a organização comunitária com o grupo
de Animação da Microbacia, Florianópolis, 2004.
SERVIÇO SOCIAL E UNIVERSIDADE: EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA
COMO ELEMENTO IMPORTANTE NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO
ASSISTENTE SOCIAL
Alana Morais Vanzela81
81
Aluno da Graduação do curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Maringá- UEM
257
Ane Franciele Frutuoso da Silva82
Betânia de Melo Romagnole83
Edilene Ap. Fritz84
Jucilene de Souza Rodrigues85
Marcus Vinycius Rocha86
Maria Celeste Melo da Cruz87
Resumo:
Este artigo tem o objetivo apresentar brevemente algumas reflexões sobre
a extensão universitária como espaço de formação profissional para o Assistente
Social, apresentando os desafios desse espaço na Universidade. Almejou-se
discutir os projetos de extensão como um conjunto de ações que fomenta o
intercâmbio entre o âmbito da formação dos discentes de Serviço Social e a
comunidade local. Tendo como prioridade buscar a desconstrução do
entendimento da extensão como menos relevante aos demais espaços do tripé
universitário, ensino e pesquisa.
PALAVRAS-CHAVE: extensão universitária, formação profissional,
Serviço Social
I – Introdução
A profissão de Serviço Social é compreendida a partir do trabalho que o
Assistente Social desenvolve, por isso, o profissional contemporâneo precisa ser
comprometido, levando em consideração todas as transformações já ocorridas
na sociedade, para que se possa entender o seu papel na sociedade e
especificamente a importância de se buscar os direitos de cidadania. Destarte,
no âmbito da formação, enquanto discente, o futuro Assistente Social tem
oportunidade de realizar o reconhecimento da totalidade social e das expressões
da questão social.
Por isso a importância da extensão universitária, através dos projetos de
extensão, que possibilita a compreensão e vivência reflexiva-crítica entre
82
Aluno da Graduação do curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Maringá- UEM
Aluno da Graduação do curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Maringá- UEM
84
Aluno da Graduação do curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Maringá- UEM
85
Aluno da Graduação do curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Maringá- UEM
86
Aluno da Graduação do curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Maringá- UEM
87
Docente do curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Maringá - UEM
83
258
Universidade/Comunidade vislumbrando o conjunto das relações sociais
capitalistas.
II - Reflexões sobre o Serviço Social na atualidade
Na década de 1970 a partir da crise mundial do capital os países
imperialistas tendem a remover os obstáculos à concretização do projeto
societário neoliberal, o qual tem como prerrogativas construir um mercado
globalizado, diminuição do protagonismo do Estado em relação aos direitos
sociais, o que resultou no desemprego estrutural, num mundo de trabalho
precarizado e flexível. Esse processo objetivava atender as exigências do capital
com inúmeras consequências para a classe trabalhadora, tais como a
exploração intensificada, desde a força física à intelectualidade do trabalhador,
demandando trabalhadores polivalentes. Estas medidas fazem parte da nova
reconfiguração do mundo do trabalho, num processo de acumulação capitalista
que alguns autores denominaram de “acumulação flexível”. (ALVES e
ANTUNES, 2002)
Tais prerrogativas começam a serem executadas na América Latina em
meados da década de 1980, e no Brasil a partir da década de 1990, os países
denominados de economia periférica foram alvo de ditames reformistas
destinadas a salvar suas economias. Para isso foi necessário redefinir as
funções do Estado, o que significou desarticular/desconstruir as políticas
públicas, no sentindo de transferir a prestação de serviços (leia-se direitos
sociais) à iniciativa privada que seria responsabilidade do Estado.
Esse objetivo será gerido segundo Koike(2009) por meio dos
/.../ organismos transnacionais como o Banco Mundial; Fundo
Monetário Internacional; Organização Mundial do comércio; Banco
Interamericano de Desenvolvimento encarregados pelos países do
centro capitalista de restaurar a lucratividade do capital. (p.02)
O ajuste neoliberal será acompanhado de uma onda ídeo-política
centrado nos ditames do mercado, que irá alterar a concepção de direito das
259
políticas públicas, como a Política de Educação, principalmente no que diz
respeito à autonomia na Universidade:
/.../ a concepção de autonomia, entendida como liberdade
acadêmica para produzir conhecimento com destinação social
universal transmuta-se em autonomia financeira. Coagida a gerar seu
próprio financiamento, a universidade pública passa a disputar
recursos no mercado como qualquer empresa. O mercado e a
inovação tecnológica referenciam a reforma educacional. A lógica é
que o mercado democratiza o acesso (democracia igualada a poder de
compra) e a inovação tecnológica, tida como meio e finalidade da
educação por uma espécie de virtualidade intrínseca, asseguraria a
inserção social. (KOIKE, 2007, p.06)
Diante do quadro sócio histórico de ajuste neoliberal, a educação
superior passou a ser mercantilizada, ou seja, foi adequada à lógica do capital.
Quando se dimensiona está lógica acadêmica à área da profissão de
Serviço Social verifica-se um quadro alarmante em 1994 do total de cursos
disponibilizados em todo o Brasil e referenciados pelo Ministério da Educação e
Cultura, naquele momento tinha-se cerca de 34% dos cursos ofertados em
instituições de ensino público e 66% em instituições de ensino privado. A
expansão do predomínio privado sobre o público pode ser visualizado com maior
ênfase observando os dados como os do ano de 2006, do total de cursos em
todo o Brasil 80% deles eram privado, sendo apenas 20% público. Isso
representa um aumento percentual de 268% no período de 12(doze) anos.
(KOIKE, 2009).
Assim com a expansão do ensino privado, o surgimento dos cursos de
Serviço Social à distância, torna-se um desafio acompanhar os níveis de
qualidade de formação profissional preconizados nas Diretrizes Curriculares e
legislações concernentes à profissão.
A partir de Iamamoto (2015), no cenário da década de 1990 surgem
novos requisitos que se materializam em forma de desafios profissionais para os
Assistentes Sociais, há necessidade de sintonizar-se com a realidade social e
realizar uma leitura crítica, deixando a função meramente executara de projetos,
incorporando um novo perfil exigido para um profissional investigativo,
propositivo, criativo e crítico, sendo capaz de propor, planejar e negociar
propostas em prol dos direitos da classe trabalhadora.
260
III - Projetos de Extensão e formação profissional dos Assistentes
dos Sociais
A Universidade tem um papel fundante, o de produzir e divulgar o
conhecimento a todos que se inserem na mesma, bem como em toda a
sociedade. E concomitantemente ao seu papel primário ela exerce sua
produção, e divulgação do saber pautada no tripé ensino, pesquisa e extensão,
tripé este, que dá o aporte para que se construa o conhecimento. Diante disso,
neste tópico discutir-se-á a extensão seu papel dentro da Universidade, bem
como a importância no processo de formação da comunidade discente.
Ao discutir a extensão faz-se necessário entender a definição da mesma,
para não ocorrer achismos e/ou definições que são propagadas erroneamente,
para tanto a definição mais explícita no Plano Nacional de Extensão Universitária
(2000) é que.
A extensão Universitária é o processo educativo, cultural e
científico que articula o Ensino e a Pesquisa de forma indissociável e
viabiliza a relação transformadora entre Universidade e Sociedade. A
Extensão é uma via de mão-dupla, com trânsito assegurado à
comunidade acadêmica, que encontrará, na sociedade, a oportunidade
de elaboração da práxis de um conhecimento acadêmico. No retorno à
Universidade, docentes e discentes trarão um aprendizado que,
submetido à reflexão teórica, será acrescido àquele conhecimento.
Esse fluxo, que estabelece a troca de saberes sistematizados,
acadêmico e popular, terá como consequências a produção do
conhecimento resultante do confronto com a realidade brasileira e
regional, a democratização do conhecimento acadêmico e a
participação efetiva da comunidade na atuação da Universidade. Além
de instrumentalizadora deste processo dialético de teoria/prática, a
Extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integrada
do social. (2000, p.5)
A definição acima é bem clara no que diz respeito ao processo educativo,
cultural e científico, no entanto constata-se que essa definição (ou outras
definições do mesmo nível) fica em geral no plano teórico, e não teórico-prático.
Ou seja, na prática a extensão não é realizada nas definições como citado
anteriormente. E isso se dá muitas vezes pela falta da leitura sobre extensão,
bem como do entendimento do que realmente ela seja.
A extensão nas universidades necessita de uma renovação sobre suas
concepções e definições errôneas, como também superar dificuldades
261
existentes. Uma primeira definição/ideia que precisa ser desfeita é como ela é
vista nas universidades, pois tem se tornado trivial relacionar a extensão a uma
ação beneficente, assistencialista, que se volta unicamente às famílias
necessitadas. Uma vez que a extensão também é um espaço de aprendizagem
profissional, pode produzir conhecimento de forma interdisciplinar e pode ser
vista como uma devolução de serviços à sociedade pelo que fora recebido da
própria sociedade na forma de serviços. (NUNES e SILVA, 2011)
Outra importante concepção que precisa ser desfeita aqui é a
desqualificação da extensão como produção do saber dentro da Universidade, e
minimização do seu valor frente ao ensino e a pesquisa. Temos que levar em
conta que a extensão também é uma produção do saber, saber este que traz
benefícios ímpares, tanto para a sociedade como para a comunidade
acadêmica,
Outro desafio que julgamos ser importante a ser superado é a questão do
orçamento bem como de recursos humanos e físicos que são direcionados para
o ensino, a pesquisa e extensão. Sendo esta última, desfavorecida,
principalmente quanto aos recursos financeiros. Com isso a importância de se
construir uma relação equânime entre os elementos do tripé.
Como explicitam Quimelli e Silva(2006) analisa-se que a extensão tem
contribuído
e
muito
para
a
formação
profissional.
Refletindo
sobre
especificidades da profissão de Serviço Social, os projetos universitários têm
contribuído cada vez mais para o intercâmbio Universidade e comunidade em
que os discentes refletem e operacionalizam atividades/ações relevantes para a
comunidade local. Os resultados são produtivos, por isso, a importância de se
desmistificar o discurso da questão como o elemento menos importante do tripé
da Universidade, ao lado do ensino e pesquisa.
Como analisado os projetos de extensão são de extrema importância para
os cursos universitários, e no caso do curso de Serviço Social não se faz
diferente, não só a extensão, mas o conjunto de atividades diretas/indiretas,
internas ou externas trazem ganhos ao aprendizado bem como formação
profissional como ressalta Iamamoto
262
...característica da logica curricular é que as mateiras básicas
previstas, como áreas de conhecimento necessárias à formação
profissional, podem ser tratadas em disciplinas, seminários temáticos,
oficinas, laboratórios, atividades complementares, como monitorias,
pesquisa e extensão, intercâmbios etc. Todos esses componentes
curriculares são reconhecidas como mecanismos formativos do assiste
social. Busca-se ultrapassar assim uma visão tradicional do currículo
centrado exclusivamente em disciplinas, valorizando a participação do
estudante na biodinâmica vida universitária. São múltiplos, portanto, os
recursos para trabalhar os conteúdos temáticos das várias áreas do
conhecimento. (2015, p.73)
Dessa forma, é desenvolvido na Universidade Estadual de MaringáUEM(campus de Ivaiporã-PR), no curso de Serviço Social, com o objetivo de
construir ações conjuntas Universidade/Comunidade, o Projeto de Extensão
“Serviço Social, Trabalhadores e Sistema Único de Assistência Social de
Ivaiporã e Região”. O projeto tem como objetivo desenvolver ações junto aos
discentes e à comunidade externa à UEM, no que diz respeito à profissão de
Serviço Social e sua contribuição para implementação da Política Nacional de
Assistência Social, através do Sistema Único de Assistência Social – SUAS,
além de criar uma rede de ações em relações aos seus trabalhadores. Almeja
ainda, estimular e contribuir conjuntamente com as prefeituras discussões,
pesquisas, fóruns, seminários, para discussão e publicização da rede de
proteção social do SUAS, além de contribuir para analisar e discutir as relações
e condições de trabalho do corpo de profissionais do SUAS, como preconiza a
Norma Operacional de Recursos Humano – NOB/RH deste sistema. E por fim,
o projeto tem se definido na direção de integração entre extensão, ensino e
pesquisa dos discentes do curso de Serviço Social da UEM e comunidade
externa.
IV - Considerações finais
Diante das reflexões apresentadas analisa-se que a Universidade deve
propiciar aos acadêmicos e à comunidade local mecanismos de construção de
saberes/conhecimento. Saberes estes, que possam contribuir para o
263
aperfeiçoamento das politicas públicas, no sentido do alcance dos direitos dos
cidadãos. Assim, a profissão de Serviço Social, a partir da sua trajetória histórica,
à luz de um projeto profissional crítico, pode contribuir com um conjunto de ações
que movimente as realidades locais.
V - Referências
ALVES, G. e ANTUNES, R. As mutações no mundo do trabalho na era da
mundialização do capita. Revista Educ. Soc., Campinas, vol. 25, n. 87, p. 335351, maio/ago. 2004.
IAMMAOTO, M. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e
formação profissional. São Paulo: Cortez, 2015.
KOIKE, Marieta. Formação profissional em Serviço Social: exigências atuais. In:
Curso de Capacitação em Serviço Social: direitos sociais e competências
profissionais. Brasília: CEAD/ABEPSS/CFESS, 2009.
REDE NACIONAL DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA. Documentos. Plano
Nacional de Extensão Universitária, 2001. Disponível em: Acesso em: 15 dez.
2004.
SILVA, Soraya Petla; QUIMELLI, Gisele A. de Sá. A extensão universitária
como espaço de formação profissional do assistente social e a efetivação dos
princípios do projeto ético-político. Paraná. Revista Emancipação, 6(1): 279-296,
2006.
NUNES, Ana Lucia de Paula Ferreira; SILVA, Maria Batista da Cruz. A
extensão universitária no ensino superior e a sociedade. Revista Mal-Estar e
Sociedade - Ano IV - n. 7 – Barbacena. p. 119-133, 2011.
REFLEXÕES SOBRE O TRABALHO DOS ASSISTENTES SOCIAIS E
SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (SUAS)
264
Maria Celeste Melo da Cruz88
Resumo
O artigo trata de um estudo que está em andamento que objetiva problematizar
o trabalho dos Assistentes Sociais no Sistema Único de Assistência Social em
municípios do estado Paraná. Trata-se de um estudo que busca compreender
as expressões da precarização nas condições e relações do trabalho daqueles
profissionais através de seu cotidiano.
Palavras – chave: Condições de Trabalho, Sistema Único de Assistência Social
e Assistente Social, Precarização.
I – INTRODUÇÃO
O artigo trata de um estudo que busca analisar a precarização das
condições de e relações de trabalho dos profissionais assistentes do
Sistema único de Assistência Social em municípios do Paraná.
Em 2004, quando da aprovação da Política Nacional de Assistência Social
tem-se a trajetória de construção de um marco legal no intento de materializar a
discussão sobre a gestão do trabalho no Sistema Único de Assistência Social –
SUAS avançou de forma expressiva. Exemplo disso é a Norma Operacional de
Recursos Humanos - NOB/RH (2006) que representou um ganho para os
trabalhadores, já que se constituiu em um instrumento de gestão do SUAS. Este
documento foi aprovado em 2006 após longa e cuidadosa discussão abarcando
todos os atores de forma coletiva.
88
Docente do curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Maringá-UEM
265
A partir de então, a NOB-RH desdobrou-se no ano de 2011 na proposta
de uma Política Nacional de Capacitação, que aponta para a configuração do
processo de educação permanente dos trabalhadores sociais, além das diretivas
sobre concurso público, autonomia técnica e ética. Esta política, aprovada em
2013, pretende qualificar os trabalhadores e, consequentemente, refletirá na
qualidade dos serviços, benefícios, programas e projetos.
Assim, a gestão do trabalho contemplada na NOB/RH e na lei
12.345/2011 toma materialidade objetivando criar novos rumos para o coletivo
dos trabalhadores do SUAS. A trajetória da política de assistência social e seu
sistema operacional, através dos seus instrumentos legais, incorporam um
compromisso de debates, interlocuções na busca do enfrentamento dos desafios
para a construção de respostas qualitativas em relação à oferta de serviços,
programas, projetos, benefícios. (SILVEIRA, 2008)
Silveira (2009) analisa a importância do papel dos trabalhadores no SUAS
na conjuntura histórica atual e demonstra que a realidade da política de
assistência social vem se modificando, principalmente no entendimento dessa
temática. Frisa ainda que, a gestão do trabalho contempla um conjunto de
elementos que busca a desprecarização das condições e relações de trabalho. E
para isso, além de um marco regulatório legal pactuado pelos entes federativos,
há que se ter um envolvimento dos trabalhadores de todos os níveis e âmbitos
nesta empreitada.
Este processo depende, sobretudo, da afirmação do projeto
político construído na assistência social, projeto este que supera
interesses corporativistas e impulsiona uma reforma intelectual e moral
na área, sem espaço para o conformismo, a naturalização da
desigualdade e a banalização da vida. Uma reforma ampla destinada a
alargar o Estado em resposta aos interesses legítimos e históricos dos
usuários e dos trabalhadores, transformando o presente sempre rico de
possibilidades de um novo tempo histórico.(BRASIL,
Isto se deve porque é um momento ímpar para o coletivo dos
trabalhadores dos SUAS, já que percebe-se uma compreensão da área
266
governamental e demais instâncias com a da educação permanente dos
trabalhadores, além das discussões sobre os vínculos empregatícios através dos
concursos. Já que se entende que há um processo histórico de precarização dos
trabalhadores no Brasil, precarização esta que se conforma de forma mais aguda
em tempos de flexibilização, terceirização, contratos temporários. Para isso é
necessário que
II – TRABALHO E TRABALHADORES NO SISTEMA ÚNICO DE
ASSISTÊNCIA SOCIAL – SUAS
Ao refletir sobre o contexto das mudanças no mundo do trabalho,
compreende-se o trabalho como central na sociabilidade humana, ou seja, na
vida dos sujeitos sociais. Constitui-se como uma forma de realização objetiva e
subjetiva, permitindo a transformação dos bens da natureza para a satisfação
das necessidades humanas e consequentemente como transformação do
próprio homem.
O homem vive da natureza, significa: a natureza é o seu corpo,
com o qual tem que permanecer em constante processo para não
morrer. Que a vida física e mental do homem está interligada com a
natureza não tem outro sentido senão que a natureza está interligada
consigo mesma, pois o homem é uma parte da natureza.(MARX, 2004)
Nos últimos séculos, contudo, o trabalho humano tem sido apropriado
como forma exclusiva de satisfação das necessidades materiais, representando
a mera função de sobrevivência no bojo de uma sociedade marcada por relações
mercantis de produção. Estas relações mercantis capturam as relações pessoais
transformando-as em coisas. O trabalho, neste sentido transforma-se não em
realização humana, mas em sofrimento. Ou seja, o trabalho no atual contexto
representa a negação da realização subjetiva do ser social do ser social,
transfigurando-se em sobrevivência a qualquer preço.(ALVES, 2007)
267
As transformações no mundo do trabalho se tornam mais
expressivas quando se analisa as mudanças em curso ocorridas no final dos
anos de 1970 em âmbito mundial. O fim do padrão de acumulação de base
industrial, iniciados no pós segunda guerra mundial sustentado pela constituição
de um Estado de Bem-Estar com sistema de proteção amplo, respaldada pela
garantia de direitos sociais, deu lugar a modelo de acumulação denominado por
um conjunto de autores com Harvey (1992) de acumulação flexível.
Antunes(1995) explica que as implicações deste novo estágio de
acumulação, associado ao advento da robótica e da microeletrônica,
acarretaram profundas mudanças o denomina de mundo do trabalho. Essas
mudanças afetaram a organização da classe trabalhadora, reduzindo a
participação dos sindicatos nas decisões quanto à defesa dos direitos, trazendo
uma luta pela manutenção de postos de trabalho e não pela garantia de melhores
condições de emprego. Por outro lado, assiste-se naquele momento, uma
ausência do Estado no seu papel de executor de políticas sociais, haja vista que
o retorno do pensamento neoconservador, o qual resgata a idéia de um Estado
mínimo voltado para a garantia do mercado livre, considerando o pilar da justiça
e da igualdade social.
Esses dois elementos, reorganização do Estado e reconfiguração dos
sindicatos, associados às mudanças em curso, agravaram as condições de
trabalho e contribuíram para a precarização das relações de trabalho,
estabelecendo uma dicotomia nítida entre trabalhadores qualificados e
trabalhadores sem qualificação. A inserção neste mercado de trabalho, cada vez
mais competitivo, passa a ser definida exclusivamente pela competência e força
de vontade, estabelecida pelo próprio mercado, haja vista as “oportunidades
para todos” (ALVES, 2010).
Esse processo só avança precarizando e flexibilizando as condições e
relações de trabalho, gerando uma rede de subcontratação, o que fomenta
cada vez mais a precarização do trabalho. A desintegração do espaço
coletivo de trabalho tornou-se uma realidade.
268
A experiência da precarização do trabalho no Brasil decorre da
síndrome objetiva da insegurança de classe (insegurança de emprego,
de representação, de contrato etc.) que emerge numa textura histórica
específica – a temporalidade neoliberal. Ela é elemento compositivo do
novo metabolismo social que emerge a partir da constituição do Estado
neoliberal. Possui como base objetiva, a intensificação (e a ampliação)
da exploração (e a espoliação) da força de trabalho e o desmonte de
coletivos de trabalho e de resistência sindical-corporativa; além, é
claro, da fragmentação social nas cidades, em virtude do crescimento
exacerbado do desemprego total e a deriva pessoal no tocante a
perspectivas de carreira e de trabalho devido à ampliação de um
precário mercado de trabalho. (ALVES, 2007)
Diante dessa expressão da precarização, a reestruturação do trabalho
é o apelo exacerbado à qualificação do trabalhador.
Qualificação/capacitação esta, que vai além das habilidades do trabalhador,
para uma polivalência que incide sobre todas as áreas e decisões. O
toyotismo impulsiona esse processo, através de treinamentos, de
engajamento às estratégias mercadológicas também no âmbito das politicas
públicas, como na Politica de Assistência Social. Com isto a captura da
subjetividade e o controle sobre o trabalhador ocorrem de forma mais sutil
diante das inseguranças do mundo do trabalho. (ALVES, 2007)
Portanto, a necessidade indiscutível, de ampliar legalmente,
conceitualmente os aportes para sustentar o trabalhador para que este se
posicione através de competências teóricas, técnicas e éticas, qualificando
os serviços da Política de Assistência Social/Sistema de Assistência Social.
III – CONSIDERAÇÕES FINAIS
269
A partir das reflexões apresentadas verifica-se que o mundo do
trabalho e suas mudanças contemporâneas têm rebatido diretamente no
trabalhador assalariado e seus espaços sócio-ocupacionais.
A questão que se coloca é que a Política Nacional de Assistência Social
através do Sistema Único de Assistência Social vem se firmando em um
processo de legitimação frente ao histórico trato de superficialidade e focalização
das ações assistenciais (Paiva, 2008).
Dessa forma, o coletivo dos trabalhadores de diversas áreas, e
especificamente assistentes sociais, que trabalham no SUAS vivenciam
condições e relações de trabalho ainda bastante precarizados, o que leva muitas
vezes esses trabalhadores sujeição às condições de trabalho aviltantes que
afetam a subjetividade seja no âmbito físico, como no psíquico e espiritual.
Portanto, importa salientar, que esta investigação ainda está em processo
de análise dos dados, mas é premente colocá-la como relevante para a
discussão e compreensão do cotidiano dos trabalhadores do SUAS.
IV - REFERÊNCIAS
ALVES, G. Dimensões da reestruturação produtiva. Londrina: Práxis,
2007.
ALVES, G.. Trabalho flexível, vida reduzida e precarização do homem –
que -trabalha: perspectivas do capitalismo global no século XXI. In: Trabalho e
saúde – a precarização do trabalho e a saúde do trabalhador no século XXI. São
Paulo: Editora Ltr, 2010.
ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? Ensaio Sobre as Metamorfoses e a
Centralidade do Mundo do Trabalho. São Paulo: Cortez, 1995.
270
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome.
Secretária Nacional de Assistência Social. Política Nacional de Assistência
Social – PNAS/2004. Brasília, 2004.
______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome. Norma
Operacional Básica – NOB/SUAS. Brasília, 2005.
______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome.
Secretária Nacional de Assistência Social. Norma Operacional Básica de
Recursos Humanos do SUAS – NOB-RH/SUAS. Brasília, 2006
_______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome.
Secretária Nacional de Assistência Sócia. Lei Orgânica da Assistência Social nº
8742 de 07 de dezembro de 1993 - LOAS ANOTADA, Brasília, 2009.
Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
Caderno de Textos VIII Conferência Nacional de Assistência Social:
Consolidar o SUAS e valorizar
seus trabalhadores – Brasília, DF: Conselho Nacional de Assistência
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COUTO, B.. O Sistema Único de Assistência Social: uma nova forma de
gestão da assistência social. In: Concepção e gestão da proteção social não
contributiva no Brasil. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate
à Fome, UNESCO, 2009.
MARX, Karl, “Trabalho Estranhado e Propriedade Privada”. In:
Manuscritos Econômico-filosóficos, São Paulo, Boitempo Editorial, 2004.
(tradução de Jesus Ranieri)
271
PAIVA, Beatriz Augusto. Trabalhadores Sociais do SUAS: qual agenda
construir?. In: Caderno de Textos da VIII Conferência Nacional de Assistência
Social: Consolidar o SUAS e valorizar seus trabalhadores – Brasília, DF:
Conselho Nacional de Assistência Social, MDS, 2011.
SILVEIRA,
Jucimeri.
Sistema
Único
de
Assistência
Social:
institucionalidade e processos interventivos. Serviço Social & Sociedade. São
Paulo: Cortez, n. 98, 2009.
________________. A Centralidade do Trabalho e da Formação
Continuada no Sistema Único de Assistência Social: realidade e agenda política.
In. BRASIL, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Caderno
de Textos VIII Conferência Nacional de Assistência Social: Consolidar o SUAS
e valorizar seus trabalhadores – Brasília, DF: Conselho Nacional de Assistência
Social, MDS, 2011.
PROJETO MULHERES EM FOCO
272
Juliana Moura dos Santos89
Marcilene Aparecida Donatti Corrêa90
Maria de Lourdes de Almeida Paes91
Edilaine Rocha de Souza92
Resumo:
O projeto “Mulheres em Foco” surge da união de esforços de órgãos
governamentais e não – governamentais de Mandaguari – PR93, na tentativa de
consolidar a trajetória de luta e defesa dos direitos das mulheres em todas as
suas faces e dimensões. Suas ações são pautadas em mecanismos de luta dos
direitos, com embasamentos a partir de reflexões nas reuniões do Conselho
Municipal dos Direitos da Mulher - CMDM, que busca analisar a atualização das
próprias estruturas de organização estimulando a repensar suas estratégias de
luta, revisitando velhas práticas, e que seja resgatado aquilo que historicamente
foi feito de melhor, unificando ações já pensadas para auxiliar a potencializar
novas formas de enfrentamento. Assim, este projeto, vem com o objetivo de
contribuir com ações que busquem os direitos das mulheres, seja no
enfrentamento das desigualdades ou nas estratégias que contribuam na
ampliação do desenvolvimento humano e a valorização da vida.
Palavras chaves: Direito, mulher, enfrentamento e ações;
Introdução:
89
Assistente Social, Pós-graduanda do Curso Planejamento e Gestão de Programas e Projetos
Sociais pelo Centro Universitário Filadélfia de Londrina – UNIFIL e Conselheira Municipal dos Direitos da
Mulher de Mandaguari/PR – CMDM/representante governamental.
90
Contadora, Pós-graduada em Gestão, Controladoria e Análise de Balanço pela Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Mandaguari – FAFIMAM e Conselheira Municipal dos Direitos da Mulher de
Mandaguari/PR – CMDM/representante não-governamental.
91
Assistente Social, Graduada no Curso de Serviço Social pela UNOPAR e Conselheira Municipal
dos Direitos da Mulher de Mandaguari/PR – CMDM/representante governamental.
92
Conselheira Municipal dos Direitos da Mulher de Mandaguari/PR – CMDM/representante nãogovernamental.
93
Município classificado como Pequeno Porte II.
273
Para falar na luta em favor das mulheres em todos os segmentos,
precisamos afirmar que o feminismo surgiu para dar voz às mulheres, buscando
romper o silêncio que historicamente marca a não inserção das mulheres no
debate público efetivo, pautando demandas necessárias para conquistas e
assim evidenciar o seu lugar de direito. As vozes necessárias para a construção
de uma luta a partir da experiência das mulheres é o que se busca.
É necessário “romper o silêncio”, pois ele é cúmplice, colaborando pelo
que não foi conquistado ainda pelas mulheres com relação aos seus direitos.
Romper o silêncio abarcado pela cultura machista existente na vida política, no
espaço doméstico, no cotidiano dentre outros.
O Projeto Mulheres em Foco surge para ampliar o olhar e a
compreensão da sociedade sobre a vida das mulheres e manifestar
coletivamente revolta em relação ao papel que essa cultura nos impede de
conquistas e avanços necessários para a sustentabilidade da vida de muitas
mulheres, que hoje são mantenedoras de seus lares, buscando a construção e
ocupação de novos espaços de ação e inserção.
A luta das mulheres vem de uma trajetória de ações e movimentos
históricos e se realiza em conjunturas distintas. Suas ações são pautadas no
intuito de romper com modelos que as oprimem. Portanto, um movimento contra
a cultura do machismo declarado e intrínseco.
Instituímos assim, a partir das diversas propostas de ações indicadas
pela Secretaria Municipal de Assistência Social - SMAS, pelo Conselho
Municipal dos Direitos da Mulher - CMDM e pelo Centro de Referência
Especializado de Assistência Social - CREAS, o “Projeto Mulheres em Foco”,
com a percepção, que estamos diante de uma questão social que exige também
ação política e um esforço cotidiano baseado em reflexões e ações para que
possam ocorrer mudanças principalmente de paradigmas.
A SMAS, o CMDM e o CREAS no processo de elaboração deste projeto
buscou produzir debates sobre o dia a dia da mulher, e assim a partir de vivência,
relatos e consciência da prática, formular possibilidades de enfrentamento. As
experiências coletivas da práxis feminista precisa ser profundamente refletidas,
274
para que haja possibilidade de mudanças das estratégias de resistência e
fortalecendo, buscando assim parcerias e apoio de redes, grupos de serviços,
movimentos organizados e sociedade civil.
Mediante à necessidade do empoderamento feminino e da autonomia
das mulheres, se faz necessário reconhecer a promoção do direito da mulher e
a igualdade de gênero como sendo criticamente imperativo para a evolução
social, e assim, o projeto “Mulheres em Foco”, vem com a proposta de reafirmar
o compromisso com a luta das mulheres que é histórica e se realiza em
conjunturas distintas, tendo suas ações pautadas no intuito de romper com os
moldes e estruturas que oprimem.
Desenvolvimento:
1.1.
Planejamento
A Secretaria Municipal de Assistência Social sabendo de sua parcela de
responsabilidade em propor ações de enfrentamento às diversas formas de
violências vivenciadas pelas mulheres no município convocou uma Audiência
Pública, que foi realizada no dia 23 de outubro de 2014, a partir das 19h, com o
objetivo de propor alterações ou revogação de algumas Leis e decretos
municipais, que discorriam sobre o Conselho Municipal da Mulher94. Na ocasião
a plenária optou por revogar todos os normativos legais vigentes e aprovar, com
as devidas alterações, a proposta da nova lei municipal.
Não havia outra iniciativa como melhor proposta no sentido de fomentar
políticas públicas para mulheres, uma vez que com a participação de sociedade
civil seria possível ouvir as demandas sociais e também, a partir de então, propor
um conjunto de ações, previamente planejadas.
“Em síntese, há necessidade de compreendermos que,
1) o planejamento social, como instrumento de gestão das políticas
públicas sociais na esfera pública governamental (federal, estadual
e municipal), deve ser formulado a partir do que é discutido e
articulado na instância dos Conselhos de Direitos, e a sua
operacionalização, atualmente, tem se dado em parceria do
Estado com as organizações do Terceiro Setor;
Segundo documentos arquivados na SMAS a última reunião do então “Conselho
Municipal da Mulher” foi realizada em 08/03/2003. Sendo que, posteriormente foi denominado
como Conselho Municipal dos Direitos da Mulher.
94
275
2) tanto nas instâncias das instituições públicas como privadas, a
gestão é de importância fundamental, para a qual um dos
instrumentos é o planejamento; e
3) gestão significa pensar a instituição em sua totalidade,
desencadeando o processo de planejamento institucional.
Portanto, falar de gestão do processo de planejamento social
significa entendê-lo enquanto instrumentalizador na elaboração e
efetivação das políticas sociais públicas. COSTA (2011, p. 19)
Neste sentido, após a devida aprovação da referida lei, o Conselho
Municipal dos Direitos da Mulher - CMDM vem atuando de forma muito presente
e planejada no município, para isto propôs um calendário de reuniões mensais
e até o momento foram realizadas 10 reuniões, excluindo aquelas realizadas
pelas comissões temáticas, tais como: a) Comissão responsável pela alteração
do Regimento Interno do CMDM, aprovada pela Resolução nº 02/2015; b)
Comissão responsável pelas atividades de comemoração do dia 08 de março:
Dia Internacional da Mulher, aprovada pela Resolução nº 03/2015; c) Comissão
Responsável pela elaboração e execução do Projeto Mulheres em Foco,
aprovada pela Resolução nº 04/2015; d) Comissão responsável pela
organização de I Conferência Municipal de Políticas para as Mulheres.
Por meio destas primeiras iniciativas vem sendo possível o levantamento
e análise de dados e parcerias para propor ações de prevenção, bem como
enfrentamento a todas as formas de violência cometida contra mulheres.
1.2.
Objetivos
Objetivo Geral:
Propor diretrizes de ação voltadas à promoção dos direitos das mulheres
e atuar no controle social de políticas de igualdade de gênero.
Objetivos Específicos:

Contribuir para uma maior efetivação da presença das mulheres nas
múltiplas esferas tanto social, econômica e política.

Gerar uma posição coletiva visível a partir dos diversos níveis de
enfrentamento de superação de desigualdades geracionais que atingem
as mulheres.
276

Promoção de ações fomentadoras de parcerias a partir de demandas de
intervenções, que considerem as especificidades e necessidades para
uma maior efetivação das políticas públicas de igualdade e direitos para
as mulheres.

Fortalecer as redes de mulheres para visibilizar e denunciar a
problemática da violência contra as mulheres além de exigir e incidir na
promoção de mudanças nos níveis institucionais e culturais e no trabalho
conjunto na prevenção desta violência.
1.3.
Estrutura do projeto
O projeto vem sendo executado a partir das seguintes atividades:
1.3.1. Firmar parcerias:
1.3.1.1 Com a Secretaria Municipal de Saúde, promovendo reuniões: para
verificar sobre como acontece a Notificação Compulsória para os casos de
violência nas unidades de saúde; para verificar a possibilidade de adequação de
local para o preenchimento da referida notificação, bem como profissional
capacitado para tal. Realizar palestras para mulheres no sentido de informá-las
sobre as doenças, saúde da mulher, entre outros. Realizar campanhas
preventivas e de combate, em conjunto com esta secretaria, principalmente no
mês de novembro, enfatizando o Dia Internacional da Não-Violência Contra a
Mulher.
1.3.1.2 Com as Polícias Civil e Militar, solicitando efetiva participação das
representantes para participarem das reuniões do CMDM. Realizar reuniões,
palestras e capacitações para sensibilização dos profissionais sobre os casos de
violência. Levantamento de dados sobre violência contra mulheres.
1.3.1.3 Com o Centro de Referência de Assistência Social – CRAS,
reuniões com a equipe técnica para verificar a possibilidade de incluir temas
ligados às mulheres dentro do Projeto “O CRAS perto de você”, que consiste em
reuniões que são realizadas pela equipe técnica do órgão nos bairros do
município, como estratégia de levar informação e conhecimento sobre os
277
serviços, programas, projetos e benefícios da Política de Assistência Social,
ofertados pela rede socioassistencial.
1.3.1.4 Com a Prefeitura – “Programa Prefeitura nos Bairros”: que
consiste em levar todos os serviços da prefeitura para todos os bairros, em datas
definidas pela mesma. Participando com a entrega de panfletos, tablóides,
adesivos com variados temas sobre a mulher, realizando desta forma,
abordagem direta dos munícipes.
1.3.2. I Conferência Municipal de Políticas Públicas para as Mulheres 95:
convocada pelo Decreto Municipal nº 250/2015, realizada no dia 16 de setembro
de 2015, das 13h às 17h, com participação total de 148 pessoas, sendo 69
participantes do governo, 65 participantes da sociedade civil e 14 autoridades
convidadas. A seguir citaremos algumas propostas aprovadas na plenária final
da conferência, para serem incluídas no Projeto Mulheres em Foco: grupo de
estudo para debater temas direcionados às mulheres; parceria com a secretaria
de educação para atuação junto às crianças visando à conscientização da
igualdade de direitos e respeito entre homens e mulheres, e, participação do
Conselho Municipal dos Direitos da Mulher – CMDM no projeto sobre a
indisciplina na escola, com ações diretas com as mães; campanha: Não ao
machismo, entre outros. A fim de levantar mais dados sobre os participantes da
I Conferência a comissão disponibilizou a Ficha de Identificação dos
participantes, na qual obtivemos os seguintes resultados: do total de pessoas
presentes apenas 84 pessoas responderam e entregaram o documento;
Tipo de participante: 1. Esfera Governamental – Poder Executivo (06),
Ministério Público (01). 2. Sociedade Civil: ONGs (11), Sindicatos (01),
Movimento Feminista (02), Movimento LGBT (02), Movimentos de Mulheres (05),
Movimento Negro (01), Partidos Políticos (01) Outras (11).
Sexo: Feminino (80) e Masculino (04).
Raça/cor: Preta (07), Parda (23) e Branca(50).
95
Apesar da recente criação do CMDM e as orientações do Conselho Nacional dos Direitos da
Mulher, o município de Mandaguari optou por não realizar conferência intermunicipal, levando em
consideração o esforço conjunto do governo e da sociedade civil.
278
Estado Civil: Solteira/o(29), Casada/o(39), Viúva/o (02), Divorciada/o
(04), União estável (05).
Orientação Sexual: Homossexual (06), Heterossexual (57) e Bissexual
(01).
Origem: Rural (07) e Urbana (62).
Participa de coletivo, associação ou grupo de mulheres ou
feminista? Não (60) e Sim (11).
Filiada/o em Partido Político? Sim (12) e Não (64).
Escolaridade: Não Alfabetizado/o (01), Fundamental Incompleto (02),
Fundamental Completo (05), Nível Médio (19), Curso Profissionalizante (03),
Nível Universitário (46), Mestrado (03) e Doutorado: 1.
Trabalha Remunerado: Sim (62) e Não (09).
Renda Mensal individual: Nenhuma (03), Um Salário Mínimo – R$
788,00 (08), De 1 até 3 Salários Mínimos – R$788,00 a R$2.364,00 (50), De 3
até 5 Salários Mínimos - R$2.634,00 a R$3.940,00 (09), De 5 até 8 Salários
Mínimos – R$3.940,00 a R$6.304,00 (05) e Mais de 8 Salários Mínimos - +de
R$6.304,00 (01).
Você se considera Chefe de Família financeiramente? Sim (26) e Não
(48).
Mesma casada você se considera chefe de Família? Sim (27) e Não
(31).
E por fim, elaboração do Relatório Final para a equipe regional de Maringá
da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social do Paraná – ERSEDS.
1.3.3. Campanhas: com a realização de campanhas sobre: “Dia
Internacional da Mulher – Workshop - Eu me amo, eu me cuido, eu tenho
atitude”, realizado pelo CRAS em parceria com o CMDM, em 06/03/2015, no
período noturno; “Quebrando o Silêncio” em parceria com a Igreja Adventista do
7º Dia, com a participação das Secretarias Municipais de Assistência Social e
Saúde, conselhos municipais (criança e adolescente, idoso, mulher) e conselho
tutelar, realizada no dia 19/09/2015, por meio de passeata, com panfletagem;
“Campanha Mundial de Combate a Não – Violência Contra as Mulheres”, que
279
será realizada em parceria com o CREAS no mês de novembro de 2015 e 2016;
“Dia internacional de Mulher”, que será realizada em parceria com o CRAS, em
março de 2015, “Campanha sobre Auto-estima da Mulher”, que será realizada
em parceria com o CRAS em julho de 2016, dentre outros.
1.3.4. Divulgação das ações: realizada por meio de rádio, internet, jornal
local.
1.3.5. Trabalho direcionado com as detentas da Polícia Civil de
Mandaguari: foi criado em reunião plenária do CMDM uma comissão específica
para fazer levantamentos acerca das demandas e propor ações de
enfrentamento às situações levantadas. Sendo que, já foram realizadas 02
visitas institucionais, no mês de setembro de 2015.
Considerações finais
O Município de Mandaguari apenas começou sua caminhada na
formulação de políticas públicas para mulheres, no entanto, levando em
consideração ao tempo de criação do Conselho Municipal dos Direitos da
Mulher, muitas ações foram desenvolvidas.
Contudo, a cada atividade localizamos outras tantas que necessitam ser
abordadas e atendidas. Um apontamento importante, que observamos
principalmente na I Conferência Municipal de Políticas para as Mulheres é que
temos a obrigação de trabalhar com os homens desta cidade, seja o pai, o
empregado, o empregador, autoridades municipais, líderes comunitários, entre
outros.
Referências
COSTA. Selma Frossard. Planejamento estratégico: Instrumento de
Gestão em Organizações do Terceiro Setor. 2ª ed. – Londrina: EdUnifil, 2011.
280
DA FAMÍLIA IDEAL PARA A FAMÍLIA REAL:
APONTAMENTOS SOBRE O TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS
NO ÂMBITO DO SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
Larissa Giani Batalha Mello
Considerando as constantes inquietudes profissionais dos assistentes
sociais no que se refere a atuação, da referida categoria profissional com
famílias, especificadamente no âmbito do Sistema Único de Assistência Social-
281
SUAS. É que se torna relevante a referida pesquisa, uma vez que busca
contribuir e suscitar debates a cerca do tema, sem, contudo esgotar as
discussões. Sendo assim, a presente pesquisa é de caráter bibliográfico, uma
vez que se utilizou de livros, artigos e revistas da área de Serviço Social. Tendo
por objetivo geral, apresentar reflexões sobre a atuação do assistente social no
trabalho social com famílias no âmbito do Sistema Único de Assistência SocialSUAS. Tendo por objetivos específicos, discorrer sobre os conceitos de família
na contemporaneidade; pontuar sobre o sistema de proteção social e o enfoque
dado a família; abordar sobre a atuação do Assistente Social com famílias no
âmbito do SUAS.
Palavras-chave: Família, Sistema Único de Assistência Social, Proteção
Social.
1 INTRODUÇÃO
A escolha em desenvolver a presente pesquisa (que se encontra em
andamento), está relacionada ao fato de que, no âmbito profissional há
incessantes dúvidas e discussões, no que se referem ao trabalho social
desenvolvido com famílias pelos profissionais Assistentes Sociais, no Sistema
Único de Assistência Social-SUAS96.
Havendo o consenso e entendimento de que não existem metodologias
de trabalho com famílias pré-estabelecidas, dado o fato de que cada família
apresenta uma dinâmica própria, se torna necessário suscitar debates e
discussões sobre como o profissional Assistente Social pode atuar com essas
famílias no SUAS, especificadamente nos Centros de Referência de Assistência
Social-CRAS..
96
O Sistema Único de Assistência Social (Suas) é um sistema público que organiza,
de forma descentralizada, os serviços socioassistenciais no Brasil. Suas organiza as ações
da assistência social em dois tipos de proteção social. A primeira é a Proteção Social Básica,
destinada à prevenção de riscos sociais e pessoais. A segunda é a Proteção Social Especial,
destinada a famílias e indivíduos que já se encontram em situação de risco e que tiveram
seus direitos violados.( BRASIL, MDS, 2015, p. 01)
282
Com isso, refletimos, porque há em sua maioria, estudos e pesquisas que
apontam as dificuldades do trabalho social com famílias nos CRAS, e há uma
ausência de pesquisas voltadas, em realizar apontamentos de como superar
essas dificuldades, enfrentadas no cotidiano profissional? Basta haver um
encontro entre os profissionais, que é possível perceber que normalmente estes
dialogam e buscam trocar informações sobre como estão executando o trabalho
com famílias.
Por isso, o desenvolvimento da pesquisa se torna relevante, e ocorre em
momento oportuno, uma vez que buscaremos apontar não as dificuldades no
trabalho social com famílias, mais sim apresentar possíveis possibilidades de
intervenção junto aos mesmos. Inicialmente serão contextualizados conceitos de
famílias, o sistema de proteção social brasileiro (mínimos sociais e necessidades
básicas). E a posteriori será apresentado uma breve reflexão sobre a atuação do
Assistente Social no CRAS.
2 Famílias na contemporaneidade
Os núcleos familiares passaram por profundas transformações, dada as
mudanças que ocorreram na área econômica, social e política do Brasil. Podese considerar que há uma dificuldade quando os profissionais atuam na área da
família, em relação á metodologias de trabalho, sendo assim
autores
contemporâneos elaboraram conceitos com o intuito de tentar compreender esse
complexo e difuso sistema que é a família. Para Mioto (1998, p. 21) família se
apresenta como:
“[...] um núcleo de pessoas que convivem em determinado
lugar, durante um lapso de tempo mais ou menos longo e que se
acham unidas (ou não) por laços consangüíneos. Ele tem como tarefa
primordial o cuidado e a proteção de seus membros, e se encontra
dialeticamente articulado com a estrutura social na qual está inserido”.
Considera-se que as evoluções e transformações vivenciadas pelos
núcleos familiares e os membros que compõe o mesmo, são resultados de
necessidades societárias, sendo que é possível constatar, que diversas atitudes
pessoais e principalmente dos profissionais quando trabalham com famílias,
ainda estão calcados em costumes, tradições e modelos que vigoraram em
283
outros séculos e por este motivo há a tentativa de enquadrar os indivíduos em
algo que não mais corresponde à realidade. Sendo assim a Norma Operacional
Básica-NOB-SUAS97 do ano de 2005, traz como um de seus principios a
matricialidade sociofamiliar.
De acordo com Wanderley (2007. p. 65):
O princípio de MATRICIALIDADE FAMILIAR98 que resgata a
família como núcleo social básico de acolhida, convívio, autonomia,
sustentabilidade e protagonismo social supera o conceito de família
como unidade econômica, mera referência de cálculo de rendimento
per capita, e a entende como núcleo afetivo, vinculada por laços
consangüíneos,
de
aliança
ou
afinidade,
onde
os
vínculos
circunscrevem obrigações recíprocas e mútuas, organizadas em torno
de relações de geração e gênero.
Para o autor Bilac (2003, pp.36-37) “precisar quais relações estão
estabelecendo entre unidades domésticas e como estas relações interferem no
modo como estão sendo elaboradas, novas percepções de família é uma tarefa
empírica fundamental para a análise teórica”.
Há de se considerar as variedades de famílias, quanto às suas
organizações, e desconsiderar tal fato é reduzir as famílias sob uma única
perspectiva, e ressalta-se que, devido às mudanças que ocorreram, os membros
familiares passaram a desempenhar novas funções dentro do núcleo familiar e
também em relação à sociedade. E ao intervir com estes usuários tais fatos
devem ser considerados.
3 Sistema de (des)proteção social brasileiro: mínimos sociais e
necessidades básicas voltadas a família.
As vulnerabilidades a que a família fica exposta são amenizadas
no âmbito das políticas públicas, sendo que estas na maioria das vezes se
97
No ano de 2005, a chamada NOB-SUAS97 veio para implementar definitivamente os princípios
constantes na Lei Orgânica de Assistência Social-LOAS. A partir deste NOB, delimitaram-se os níveis de
gestão da política de assistência sob a égide de um sistema único, juntamente com a Politica Nacional de
Assistência Social.
284
apresentam como assistencialistas e de caráter paliativo. A Lei Orgânica de
Assistência Social-LOAS traz dois conceitos passíveis de reflexão: mínimos
sociais e necessidades básicas. Uma vez que mínimo nos remete a conotação
de menor, e necessidades básicas a algo que é fundamental. “Conforme Pereira
(2000, p.26-27) “Em outros termos, enquanto o mínimo nega o “ótimo “ de
atendimento, o básico é a mola mestra que impulsiona a satisfação básica de
necessidade em direção ao ótimo”. Atualmente há Politica Pública de Assistência
Social apresenta duas concepções em relação a família, uma a entende a
relação entre famílias x sociedade como ajuda pública e a outra como direito de
cidadania.(PEREIRA, 2000 ).
A família é culpabilizada e apontado como problemática, caso não
se enquadre nos padrões que a sociedade tem como sendo normais. E para que
essa mesma família consiga ter acesso a bens e serviços, acessar a proteção
social, ele deve responder a critérios. Em sua maioria os critérios são o de corte
de renda, tais como o Programa Bolsa Família, e quando consegue ter acesso
fica condicionada cumprir com condicionalidades. Mais e o que ocorre com as
famílias que trabalham de maneira informal, que não tem condições de contribuir
mensalmente para a Previdência Social, e que também não conseguem se
enquadrar nos critérios de programas de transferência de renda? Que tipo de
proteção social eles tem acesso?
4 A atuação do Assistente Social no âmbito do Sistema Único de
Assistência
O trabalho social com famílias, desenvolvido pelos Assistentes
Sociais que estão inseridos no Sistema Único de Assistência Social-SUAS,
apesar das contradições e incongruências, é possível de ser realizado e acima
de tudo de apresentar êxito. Esclarecido tal fato, partimos do pressuposto então
de que não existem modelos prontos, pré-estabelecidos de intervenções a serem
realizadas com as famílias que se encontram em situação de vulnerabilidade e
risco pessoal e social.
285
Esta intervenção, contudo, pode estar pautada em alguns
princípios norteadores: estimulo á participação e ao protagonismo dos
indivíduos; condução ética sigilosa de suas demandas; empoderamento com
vistas de que tenham condições de assumir e conduzir suas vidas, diante das
adversidades
impostas.( FERNANDES, 2006, p. 21). Existem processos,
estratégias e procedimentos metodológicos, que devem ser particularizados
para determinadas situações onde vai ser realizada a intervenção profissional.
O ordenamento das ações deverá corresponder às situações reais especificas,
sempre fundamentado no referencial teórico-metodológico e ético-político, assim
como da experiência do profissional e da própria população com a qual se vai
trabalhar.
Historicamente, a família esteve inserida na área de atuação do Serviço
Social, porém ela sempre vem sendo contemplada de forma fragmentada, onde
cada integrante da unidade familiar é visto de maneira individualizada e portador
de um problema. Considerando isto, um dos desafios da profissão é a busca de
metodologias para trabalhar com famílias, de forma que a mesma seja percebida
como um grupo com necessidades únicas e próprias.(DE JESUS; ROSA;
PRAZERES, 2007).
O Assistente social, quando incorpora no seu fazer profissional as
dimensões teórico-metodológico, ético-politico e técnico-operativo atua na
premissa de, perpassar as contradições impostas de forma tão abrupta as
famílias que fazem parte de seu território. Buscando assim efetivar e garantir o
direito dos mesmos, ultrapassando conceitos e imposições do Estado, deixando
de culpabilizá-las e acima de tudo, apresenta a clareza e o conhecimento de que,
não se deve atuar/intervir nas ações do cotidiano profissional de acordo valores
e crenças pessoais. Facilmente nos deparamos com profissionais, que ainda
atuam sob a ótica higienista, e a favor da “moral e dos bons costumes”.
Que realizam encaminhamentos, visitas, acompanhamentos com a
finalidade de “fiscalizar” a família que ele considera problemática. Cada família
possui uma dinâmica própria, uma trajetória de vida que necessita ser
compreendida, portanto qualquer modelo pré-estabelecido se apresenta como
286
um risco. Porque cada família apresenta um tipo de demanda, e isso requer uma
intervenção diferente para cada família.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O profissional deve atuar considerando que as famílias possuem um
movimento próprio que dão sentido ao processo histórico em qual estão
inseridas, em uma dada dinâmica, mais sim buscar sua historicidade,
considerando-as como mais um componente do processo e não como um mero
resultado dos fatos. O sistema de proteção social brasileiro, na realidade se
apresenta como (des)proteção, uma vez que não contempla a todos os cidadãos,
que oferece “mínimos sociais” somente. Atualmente uma família consegue
sobreviver com um salário mínimo? Será que o provedor da família, tem a
possibilidade de oferecer aos demais membros familiares, condições dignas de
moradia? Alimentação? Transporte? Vestuário? Propiciar momentos de lazer e
cultura?
São essas famílias, o público alvo de usuários dos Centros de Referência
de Assistência Social-CRAS, e compreender todo este universo familiar são
fundamentais quando intervimos com os mesmos. Orientações técnicas,
manuais, normativas são oferecidas aos profissionais do CRAS, que devem
embasar sua atuação tendo como respaldo tais documentos.
Contudo o que percebemos é um desinteresse por parte deles, em
adquirir conhecimentos, em se proporcionar momentos de leitura e de
capacitação. Tais fatores são essenciais, pois são nestes espaços de
capacitações, de reuniões de equipe, de troca de conhecimento entre os
profissionais que as compõe, é que metodologias de trabalho são sendo
traçadas.
E são traçadas, de acordo com a realidade do território, das famílias, das
vulnerabilidades apresentadas pelos usuários, e com isso as potencialidades
surgem e as intervenções são passíveis de serem realizadas. Há um longo
caminho a ser percorrido, até que apontamentos para o trabalho social com
família sejam realizados, mais as respostas começam a surgir a partir do
287
momento em que nós profissionais Assistentes Sociais nos propomos a
pesquisar sobre o assunto, e compartilhamos experiências exitosas e não
somente os problemas que enfrentamos.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate a Fome.
Sistema
Único
de
Assistência
Social.
Disponivel
em:
http://www.mds.gov.br/suas. Acessado em 01 de Setembro de 2015.
BILAC, E.L.D. Família: algumas inquietações. In: CARVALHO,M.C(org) A
Família Contemporânea em Debate. São Paulo: EDUC: Cortez, 2003.
DESLANDES, S.F; NETO. O.C; ROMEU,G. Pesquisa Social: teoria,
método e criatividade. Maria Cecília de Souza Minayo(org). Petrópolis, Rio de
Janeiro: Vozes, 1994.
DE JESUS, C.S.; ROSA, K.T. PRAZERES, G.G.S. Metodologias de
atendimento à família: o fazer do assistente social. Disponível em:
<www.ppg.uem.br>. Acessado em 10/09/07.
FERNADES, S. Concepções norteadoras de trabalho com famílias.
Necessárias. In: PARANÁ. Secretaria Trabalho e Promoção Social. Caderno
SUAS II:Trabalho com famílias e intrumentos de Gestão do Cras.Curitiba, 2006.
PEREIRA-PEREIRA, Potyara A. Necessidades humanas: subsídios à
crítica dos mínimos sociais. São Paulo: Cortez Editora, 2000.
MIOTO, R.C.T. Família e saúde mental: contribuições para reflexão sobre
processos familiares . In: Revista Katalysis. Família e Sociedade. Editora da
UFSC, n.2, maio, 1998.
NEDER, G. Ajustando o Foco das Lentes: um olhar sobre a organização
das famílias no Brasil. In: Família Brasileira, a base de tudo. 7 ed. São
Paulo:Cortez, Unicef, 2005.
WANDERLEY, M.B. Metodologias de Trabalho com Famílias. In: Caderno
SUAS I: Assistência Social Sistema Municipal de Gestão Local do CRAS, 2007.
288
O SERVIÇO SOCIAL NA GARANTIA DOS DIREITOS DE INCAPAZES
Rosilene de Fátima Pollis
Andreia Cristina Oliveira
Andressa Santos
Rafael Eber Ganbriel
Rejane Dias Melão
RESUMO
O trabalho narra a práxis do Serviço Social na garantia do direito às
pessoas declaradas incapazes judicialmente. Sem verificação pelo Estado do
cumprimento dos deveres do curador no atendimento às necessidades do
289
interditado, tem assento o trato aquém do necessário nas interdições.
Considerados sem saúde mental, incapazes ficam sujeitos no cotidiano aos
atendimentos prestados por parentes ou instituições totais. Na Justiça de rito
pouco célere, autos acumulados por mais de 10 anos restaram sem conhecer o
trato assegurado ao incapaz pelo curador judicial. Pelo Serviço Social no
Ministério Público, desencadeou-se estudo e parecer técnico quanto às
condições de atendimento dos interditados na região. De 2012 a 2014, a
intervenção em 100 situações inseriu as respectivas famílias em programas
sociais com destaque para a Política de Saúde Mental e Assistência Social nos
municípios e região de referência. A análise quanti-qualitativa revela ineficácia
do Estado na proteção devida aos incapacitados pela Justiça.
Palavras-chave: direito - incapaz – Serviço Social
Introdução
O Núcleo de Serviço Social no Ministério Público de Maringá foi criado em
201099 para assessorar as Promotorias de Justiça. Em 2011, da área Cível
chegam ao setor autos de interdição100 que se avolumam em 2012. As remessas
para estudo e parecer técnico do Serviço Social se estruturam via campo de
estágio na ação programática Garantia de direitos ao cidadão incapaz.
O objeto da intervenção técnica do Serviço Social nos autos de interdição
se materializa na verificação da efetiva responsabilidade do curador judicial que,
uma vez conclusa a ação de curatela101, tornou-se encarregado do zelo protetivo
a ser dispensado à pessoa declarada incapaz dos atos cíveis.
99
Portaria Nº11/2010 da Coordenação Administrativa do MP Maringá, cria o Núcleo de Serviço
Social para assessoramento técnico às Promotorias de Justiça, nas matérias de defesa e
promoção de direitos coletivos, no monitoramento da efetividade de políticas sociais.
100 A interdição é ato judicial justificado pela incapacidade total ou parcial de pessoa sem
discernimento para os atos da vida civil; direito de proteção e segurança social.
101 Curatela é encargo atribuído pelo Juiz a um adulto capaz, para que proteja, zele, guarde,
oriente, responsabilize-se e administre os bens de pessoas judicialmente declaradas incapazes
de reger os atos da vida civil, sem compreender as consequências de suas ações e decisões
(impossibilitadas de assinar contratos, casar, vender e comprar, movimentar conta bancária).
MPPR. Tutelas e curatelas: perguntas e respostas, Caop Cível, 2007.
290
Na etapa inicial da intervenção, levantamento em apenas uma Vara
revelou mais de 700 autos sem que a Justiça verificasse nos últimos 10 anos,
como viviam os interditados, dependentes de curadores. Desde a sentença,
nada constava sobre o atendimento necessário e disponível aos incapazes.
Na operacionalização do Programa, a equipe técnica do Núcleo inicia a
intervenção pela localização domiciliar da pessoa interditada, planejando desde
então a logística para o estudo sócio familiar, elaborando em seguida o informe
e parecer técnico individualmente. Instrumentais técnicos são construídos e
aplicados pelos estudantes e profissionais envoltos na ação, oportunizando a
prática profissional desde a criação à testagem das ferramentas.
Assim que recebidos em cota de 20 a 50 autos, é estudado cada processo
traçando perfil do interditado, curador, motivo da interdição, contexto e trajetória
da limitação da pessoa segundo o laudo de saúde mental que atestou sua
incapacidade no rito judiciário.
Pelo Serviço Social realiza-se a abordagem domiciliar visitando a pessoa
interditada e curadora, reconhecendo suas relações intrafamiliares, sociais,
ambiência, acesso e permanência às políticas sociais a que faz jus e das que
necessita pelo quadro social e de saúde, avaliando-se a cobertura da proteção
social. Ao se aproximar da realidade cotidiana destes interditados o Serviço
Social identifica necessidades, dependência de terceiros, atendimento recebido
ou negligenciado por familiares ou de serviços contratados, inferindo nos flagelos
a que estejam submetidos em caso de negligência do curador. É por isso que se
pode afirmar, que esta ação programática além de verificar situações
individualizadas de respeito a direitos, conferindo cuidados necessários e
prestados pelos curadores e cuidadores à pessoa incapaz, serve ao
monitoramento de políticas sociais disponíveis ou deficitárias.
Nas considerações técnicas, avalia-se a medida do atendimento pela
gestão social no território, baseando-se nas ações interinstitucionais,
abordagens familiares, farta documentação e contatos profissionais resultantes
da abordagem a tais cidadãos. Ao se conferir o alcance das políticas sociais para
esta população, tanto no volume da demanda como na cobertura dispensada, a
291
constatação da amostra é a expressiva proteção social especial pelo acesso ao
Benefício Assistencial (SUAS) e atenção na Saúde Mental.
De 2012-2014, o Núcleo atuou em mais de 100 autos de interdição.
Nestes processos o Serviço Social produziu estudo social com emissão de
parecer técnico sobre a responsabilidade do curador na atenção aos incapazes.
Findo os estudos sociais particularizados, os resultados deles frutificados foram
remetidos à promotoria requisitante assim como embasaram providências em
demais promotorias, especializadas no monitoramento da efetividade de
políticas públicas. Por esta narrativa, seguem compartilhadas descobertas
durante a verificação da responsabilidade do curador judicial com 94 pessoas
incapazes, em seus resultados na trajetória do Programa Garantia de direitos ao
cidadão incapaz.
Garantindo direitos ao cidadão incapaz
À profissão cabe a promoção da justiça social e cidadania efetiva. Na
relação estabelecida entre interditados e seus responsáveis judiciais,
desaparecem os direitos civis de incapazes. Estes dependem de atendimento
especializado pelas perdas na saúde mental, sem que em a família e ou curador
saibam providenciá-lo. Com a aproximação de trabalhadores sociais do cotidiano
de incapazes, são reconhecidas in loco tanto as necessidades atendidas como
as negligenciadas pelos curadores responsáveis.
Não raro, o Serviço Social se deparou com a violação de direitos de
incapazes. Sem saúde mental e limitados na convivência social,
a
vulnerabilidade de incapazes aumenta com o interesse financeiro sobrepondose à solidariedade dos que buscam a interdição visando incremento na renda
familiar com o Benefício Assistencial102. Diante de abusos, indicam-se
providências em parecer técnico para levar à responsabilização o curador.
102
Benefício de prestação continuada previsto na LOAS, 1993 é direito de pessoas com
deficiência e idosas, se em famílias empobrecidas e sem capacidade para o trabalho e vida
independente. Ao verificar o trato a incapazes constata-se o BPC compondo renda mensal.
CEMBRANELLI, Daniela S. Benefício de Prestação continuada: Conheça como é como funciona
esse direito sócio-assistencial. Disponível em: <http://www.defensoria.sp.gov.br/
dpesp/repositorio/33/documentos/BPC_leitura.pdf.>.
292
Ao reconhecer a realidade dos incapazes orientando a seus familiares,
media-se o rito judiciário com providências na rede de atendimento para acesso
e melhoria em serviços públicos e privados afetos a esta população. A profissão
não se limita à opinião técnica, promovendo e assegurando direitos dentre os
agentes no SUAS e SUS do território.
O Serviço Social no MP atende ao cidadão no acesso à Justiça visando
impactar toda espécie de violação de direitos, seja em ações judicializadas, caso
dos autos de interdição, seja extrajudicialmente. No caso se procura evitar
atendimento indevido, orientando às famílias cuidadoras. Quando do
encaminhamento aos serviços de Saúde e Assistência Social, articula-se a
responsabilização de agentes da proteção social especial, aprimorando seu
suporte às famílias, por vezes sobrecarregadas nos cuidados dirigidos de modo
ininterrupto aos que delas dependem para tudo. Na ação o Serviço Social firma
compromisso com o respeito a dignidade da pessoa humana.
O público-alvo do Programa é composto majoritariamente de pessoas em
famílias empobrecidas, com baixa escolaridade e em moradia modesta. Nas
visitas se orienta às famílias cuidadoras para evitar a segregação e o isolamento
social do interditado valorando sua participação na rotina cotidiana.
O instrumental Informe Técnico Social serve à situação individualizada
tanto na abordagem domiciliar como para fazer constar as considerações
técnicas juntadas aos Autos. O formulário elaborado pela equipe do Serviço
Social entre 2012 e 2013, comporta dados sobre a identidade do incapaz desde
o vínculo com o curador; histórico da incapacidade; razão da interdição; serviços
sociais de acesso; meios de socialização; nível de dependência de terceiros e
aspectos do atendimento dirigido e necessário ao incapaz. Na análise da vasta
documentação se demonstra o caminho e os resultados alcançados com a ação
programática, nas categorias em destaque a seguir.
A identidade da pessoa declarada incapaz
A pessoa alvo da interdição, também chamada de interdito ou curatelado,
é pessoa maior de 18 anos que devido a alguma enfermidade, doença mental
ou dependência química está impedida, temporária ou permanentemente de
293
reger e discernir os atos da vida civil, incluindo a expressão de sua vontade.
Segundo o Código Civil, Artigo 1.767, são:
I - Aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o
necessário discernimento para os atos da vida Civil;
II - Aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir sua
vontade;
III - Os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em
tóxicos;
IV – Os excepcionais sem completo desenvolvimento mental;
V – Os pródigos.
No perfil dos interditados, 62% são homens; em 18% das visitas o
interditado falecera e a maioria tem de 18 a 40 anos, seguido de idosos. Sobre
os vínculos mantidos pelo incapaz, a maioria reside e é assistido pela família.
Poucos constituíram a própria família, vivendo a maioria com pais e irmãos. Os
curadores prevalecem sendo ente familiar, na função de cuidadores.
Tanto a visita domiciliar como institucional são atividades do trabalho
social realizado com incapazes, curadores e cuidadores na Ação Programática.
O contato com a pessoa do incapaz o torna protagonista da intervenção porque
as entrevistas individuais se constituem de instrumento básico para a coleta de
dados com vistas à elaboração de uma avaliação social. A esse instrumento são
crescidos outros procedimentos que possam fornecer dados para melhor
compreensão da situação, tais como visitas e contatos com colaterais,
instituições e outros profissionais que atendam os envolvidos.
Sobre a saúde, são 37% incapacitados desde o nascimento às atividades
da vida diária103. Noutros 63%, as limitações surgiram na trajetória da vida sem
saúde, com prevalência para o quadro de esquizofrenia.
A identidade do (a) curador (a) judicial
Sobre as características do responsável pelo incapaz na Justiça, o
curador em geral é um dos pais, cônjuge ou parente próximo, ou ainda o
Ministério Público na falta destes. A maior incidência no vínculo entre curadores
103 As
atividades da vida diária (AVD) não se resumem ao auto-cuidado, vestir-se, alimentar-se,
tomar banho, e pentear-se (…), engloba as habilidades de usar telefone, escrever, virar-se na
cama, sentar-se, mover-se e transferir-se de um lugar a outro. TROMBLY, C. A., Terapia
Ocupacional para Disfunção Física, 2a. ed., SP: Santos, 1989.
294
e interditados é de mães e irmãos. O curador precisa ser um adulto que se
responsabilize na Justiça pelo interditado, representando-o para todos os fins.
Ele deve atuar administrando bens, pensão ou aposentadoria e zelar pelo bemestar físico, psíquico, social e emocional do interditado durante toda a vida.
Na maioria das situações o curador é também o cuidador104 do interditado.
Os estudos sociais individualizados mostram curadores apenas administrando
recursos previdenciários ou assistenciais dos interditados, diferentemente dos
cuidadores que lhe prestam total assistência, acompanhando-os nas atividades
e necessidades que comparecem no cotidiano, seio familiar, visita a médicos,
passeios, para tudo enfim.
A proteção através da interdição
Na interdição judicial, são envolvidos profissionais de diversas áreas
extrapolando o campo do direito. Caso de peritos em saúde mental, assistentes
sociais de atuação com idosos, doentes crônicos, etc. Um rol de profissionais
atende ao incapaz dependente de terceiros porque os incapazes, assim como
suas famílias, por extensão, são usuários da saúde mental e assistência social
independentemente da Curatela105.
A motivação da maioria dos familiares ao buscar a via judicial para
proteger seus entes é ter acesso ao BPC106. Mas a interdição serve também ao
seguro por invalidez107. O curador não assume que procura a interdição para
administrar os bens do incapaz ou para fazer uso do Benefício assistencial, mas
104
Cuidador é a pessoa que zela pelo bem-estar, saúde, alimentação, higiene pessoal,
educação, cultura, recreação e lazer da pessoa interditada. Pode ser pessoa da família ou da
comunidade que presta cuidados à outra pessoa que precise de cuidados por estar acamada,
com limitações físicas ou mentais, com ou sem remuneração. HOME FAMILY. 2013. Disponível
em: <http://www.homefamilydf.com/o-papel-do-cuidador>
105 A interdição ou curatela é medida de amparo pela legislação civil; processo judicial por meio
do qual a pessoa é declarada civilmente incapaz, total ou parcialmente.
106 Segundo o MDS, o Benefício de Prestação Continuada de Assistência Social garante a
transferência mensal de 1 salário mínimo à pessoa com mais de 65 anos e à pessoa com
deficiência incapacitada para a vida independente e para o trabalho, que comprovem não possuir
meios para prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. Disponível em:
<http://www.mds.gov.br/falemds/perguntas-frequentes/assistencia-social/bpc-beneficio-deprestacao-continuada/bpc-beneficio-de-prestacao-continuada>
107 No INSS a Invalidez é motivo para aposentadoria de trabalhadores que, por doença ou
acidente, na perícia sejam declarados incapacitados para exercer atividades laborais que lhes
garanta o sustento. Disponível em: <http://agencia.previdencia.gov.br/e-aps/servico/381>
295
de fato isto se constata na maioria das situações. As famílias informam que as
interdições foram encampadas após orientação do INSS para acesso de seus
entes ao BPC ou ao seguro.
Ao serem reconhecidas as condições socioeconômicas e o diagnóstico de
saúde dos interditados, constata-se a maioria das interdições propostas por
vícios do costume no rito judiciário, sem observância ao contido no artigo 18 do
Decreto Nº. 6.214: “a concessão do Benefício de Prestação Continuada
independe da interdição judicial do idoso ou da pessoa com deficiência”. O BPC
não prevê incapacidade civil, pautando-se em coeficientes da renda familiar da
pessoa com deficiência e ou idosa, calculados pela média per capita, idade,
incapacidade para o trabalho e para a vida independente (definido pela perícia
no próprio órgão gestor, INSS)108.
A comprovação da incapacidade para atividades da vida diária, que se
traduz na dependência leve, moderada ou severa e aquela relativa ao trabalho
(incapacidade laboral), não podem ser confundidas com incapacidade para os
atos da vida civil. Neste trabalho social, é traço marcante esta confusão retirando
direitos e ferindo ao artigo 1.767 do Código Civil que prevê somente em casos
extremos e indispensáveis a interdição, como medida de proteção. É equivocado
portanto, a maioria das interdições109 empreendidas para cerceamento de
direitos civis de pessoas que fazem jus à proteção previdenciária e assistencial,
mas preservam relativa autonomia.
A decisão judicial na interdição melhor se pautaria por laudo de equipe
técnica multiprofissional, Decreto nº 5.296/04, Código Internacional de Doenças
(CID 10) e Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM IV).
108
Pela exigência indevida da Curatela para o BPC pelo INSS, o órgão editou em 23/02/2006
Memo-Circ. 09 realinhando a forma de análise e requisição documental. Para minorar os traços
subjetivos na avaliação pericial, em 2009 foi editada Portaria Conjunta MDS/INSS N°. 1 com
instrumentos para avaliação do grau de incapacidade dos requerentes ao BPC.
109 Pelo Código Civil, Art. 1.76, estão sujeitos a Curatela aqueles que, por enfermidade ou
deficiência mental ou por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade; os ébrios
habituais e os viciados em tóxicos; os excepcionais. BRASIL. Código Civil (2002). Lei 10.406 de
10/01/2002.
296
O Código Civil reconhece e considera a possibilidade da existência de
portadores de deficiência110 ou doença mental com capacidade para continuar a
exercer a autonomia sobre si e sobre seus pertences. Contudo, o Direito e a
Medicina seguem detentores de exponencial poder sobre esta pessoa.
Considerações finais
O programa Garantia de direitos ao cidadão incapaz, realizado pelo
Serviço Social em atendimento à Promotoria de Justiça Cível, é competência do
Núcleo de Assessoria Especializada do TJPR. Mas, ao monitorar a cobertura de
políticas sociais na Região atinge meta e missão, institucional.
A visita domiciliar é atividade central do Programa conforme lembra
MIOTO (2001: 148), “o objetivo é conhecer as condições (residência, bairro) em
que vivem tais sujeitos e apreender aspectos do cotidiano das suas relações,
aspectos esses que geralmente escapam às entrevistas de gabinete”. Com a
aproximação aos interditados, o Serviço Social intervém na realidade.
De
2012-2014,
realizou-se
130
visitas
domiciliares,
destas
desencadeando orientações às famílias e interface com a rede de serviços
sociais disponíveis no território das pessoas declaradas incapazes.
A orientação aos que convivem com incapazes supera a desinformação
sobre os direitos daqueles, principalmente quanto aos benefícios assistenciais e
previdenciários. Nas quantificações, alcançadas: 130 abordagens individuais;
195 registros das intervenções empreendidas; 189 horas de supervisão
acadêmica e outras 29 horas no planejamento e estudo de autos, consulta a
banco de dados e interface com a rede (por telefone, e-mail e pessoalmente).
O presente trabalho social oportunizou compreensão da dinâmica familiar
nos cuidados a dependentes da atenção integral, promovendo o direito a
pessoas incapazes. O estudo sociofamiliar se traduz em ferramenta eficaz para
o atendimento às necessidades da pessoa-alvo da interdição, porque serve à
conferência do trato recebido no convívio social, familiar e comunitário. Quando
110
Pelo Código Civil, Art. 1.76, estão sujeitos a Curatela aqueles que, por enfermidade ou
deficiência mental ou por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade; os ébrios
habituais e os viciados em tóxicos; os excepcionais. BRASIL. Código Civil (2002). Lei 10.406 de
10/01/2002.
297
evidenciado o risco no trato a pessoa incapaz, são acionados agentes nas
políticas sociais de competência, assim como a Justiça.
Referências
BARBOSA, Thais. Interdição Judicial. Disponível em:< http://www.fenix.org.br/
Interdicao_Judicial_Fenix.pdf. Acesso: 09/04/2014>.
MIOTO, Regina C. Tamaso. Perícia social: proposta de um percurso operativo.
In: Serviço Social e Sociedade, n.º 67. 2001.
INTOLERÂNCIA RELIGIOSA: UM OLHAR DO SERVIÇO SOCIAL
José Lucas Januário de Menezes111
Ilda Lopes Witiuk112
RESUMO
111Graduando
Paraná
(PUC/PR).
em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do
Estudante
pesquisador
do
PROETICA.
E-mail:
[email protected]
112Doutora
em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC/SP). Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica
do Paraná (PUCPR). Professora Titular da Pontifícia Universidade Católica do
Paraná (PUCPR) do Mestrado em Direitos Humanos. Líder do Grupo
PROETICA. E-mail: [email protected]
298
O presente artigo resultado de pesquisa bibliográfica exploratória, tendo
como motivação a vivência no meio acadêmico e profissional, propõe-se a
apresentar breves reflexões sobre a temática intolerância religiosa no espaço da
vida em comunidade e profissional. Significa os primeiros traços na construção
de um desenho que retrate a intolerância religiosa presente no seio da profissão,
que aponte alguns referenciais teóricos que norteiem o olhar do assistente social
para a temática. Pretende destacar alguns aspectos que envolvem as diversas
naturezas e dimensões da intolerância no contexto atual. Preocupa-se em
apontar motivações, bem como identificar manifestações que caracterizem o
objeto de estudo. Busca ainda destacar a importância de identificar quesitos que
contribuam para a construção da discordância respeitosa no seio da profissão.
Ressalta a importância da defesa do projeto ético político profissional na
construção de uma sociedade pautada na defesa dos direitos humanos de todos
os segmentos nela inseridos.
Palavras Chave: Intolerância; Serviço Social, Direitos Humanos
1. INTRODUÇÃO
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, datada de 1948,
define os direitos humanos básicos. Apesar de não ser um documento que os
países tenham a obrigatoriedade legal de seguir, ela serviu de base para os dois
tratados sobre Direitos Humanos elaborados pela Organização das Nações
Unidas - ONU que tem caráter de força legal. Estes tratados são o Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos, e o Pacto Internacional sobre os
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos aprovados em 1966 e em vigor
a partir de 1976. Estes, juntamente com a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, constituem a Carta Internacional dos Direitos do Homem.
299
A Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma em seu art.
2o que “toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades
estabelecidas nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja de
raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem
nacional ou social, riqueza, nascimento, ou outra condição”. Diz ainda no seu art.
17 que “toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e
religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a
liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo
culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular”.
2. A INTOLERÃNCIA NO BRASIL COMO OFENSA AOS DIREITOS
HUMANOS
No que se refere ao Brasil, signatário das declarações e tratados à
cima referidos, a Constituição de 1988, em seu art. 5o, inciso XLI, vai definir a
pratica de racismo como crime inafiançável e imprescritível sujeito a pena de
reclusão. Um ano depois em 1989, em consonância com a constituição, é
aprovada a Lei 7.717/89, conhecida como Lei Caó, que coíbe o preconceito de
raça e cor. Em 1997 esta lei vai ser ampliada com a Lei 9.459/97, que destaca
como crime não somente o preconceito, mas também a discriminação e não só
de raça e cor, mas também de etnia, religião ou procedência nacional.
Destaca-se ainda que em abril de 2009, o Brasil se fez presente na
2a Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e
Intolerância Correlata, em Durban na África do Sul. Nessa conferência, foram
tratados assuntos relacionados aos direitos de mulheres, imigrantes, pessoas
negras, pessoas com HIV/Aids, povos indígenas, povos ciganos e outros grupos
discriminados. A conferência de Durban teve como preocupação a promoção da
igualdade entre as pessoas.
É importante destacar que no Brasil não há uma legislação
especifica com relação à intolerância seja ela referente à raça, cor, etnia, religião
e origem. Intolerância entendida como atitude “caracterizada pela falta de
300
habilidade ou vontade em reconhecer e respeitar diferenças em crenças e
opiniões” ou ainda “ausência de disposição para aceitar pessoas com pontosde-vista diferentes”, caracterizando-se como uma atitude expressa, negativa ou
hostil com pontos de vista diferentes.
Temos legislação que criminaliza o preconceito e a discriminação,
mas não a intolerância. Entendemos que a intolerância pode estar baseada no
preconceito, podendo levar a discriminação, pois formas comuns de intolerância
incluem ações discriminatórias de controle social como: racismo, sexismo,
antissemitismo, homofobia, etaismo (discriminação por idade) intolerância
religiosa e intolerância política. Todavia, não se limita a estas formas: alguém
pode
ser
intolerante
a
quaisquer
ideias
de
qualquer
pessoa.
Compreendendo a o campo do exercício profissional como um espaço
multicultural, onde o debate de ideias, teorias, filosofias, se faz presente de forma
acalorada e caracteriza-se como essencial para o processo de construção da
práxis profissional, identifica-se como um grande desafio a ser vivido à
convivência respeitosa com a diversidade cultural.
No contexto atual, político, econômico e social, vivemos uma
“crise” que não é somente local, mas que se reflete no nosso cotidiano levando
à população as ruas e a manifestarem-se nos diversos espaços de convivência,
posicionando-se defendendo o que acreditam, pontos de vista que muitas vezes
se conflitam, emergindo a intolerância. Amizades, relações de proximidade, são
fragilizadas, diante da dificuldade de aceitar o que é discordante, diferente. As
pessoas vivem em um estado de indiferença, e quando envolvidas em situações
que exigem posicionamento, por não terem maturidade no que se refere ao
conhecimento, ou defesa de posicionamento, sentem-se agredidas e agridem
num instinto de defesa. A discordância respeitosa deixa de existir e emerge a
intolerância. A prática da intolerância caracteriza-se como ação antidemocrática,
de desrespeito às diferenças e liberdades individuais de ser, de crer e de viver.
Nesse sentido a intolerância precisa ser identificada e trabalhada no contexto da
profissão, pois estas práticas se naturalizadas vão expressar-se no cotidiano
profissional através do sectarismo e de atitudes antidemocráticas.
301
Na perspectiva de contribuirmos com a promoção da liberdade e
defesa dos direitos humanos precisamos desenvolver práticas que exercitem a
sensibilidade diante de qualquer discriminação percebendo as “cegueiras” que
produzem injustiça e processos de exclusão e desigualdades. Nesse sentido é
importante identificar as formas diversas de manifestação da intolerância, pois
estas vão desde atitudes preconceituosas, passando por ofensa a liberdade de
expressão, até as manifestações de força contra minorias.
3. A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA EM FOCO
No Brasil, consta no artigo 5° parágrafo VI da Constituição Federal de
1988 “é
inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o
livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos
locais de culto e a suas liturgias”. Em outras palavras, podemos inferir que o
Brasil é oficialmente um Estado laico, não podendo o governo e/ou órgãos
públicos se fundamentarem em qualquer que seja a religião para tomada de
decisões. A caminhada para chegarmos as legislações que temos hoje no Brasil
foi longa e marcada por percalços. Realidade que não é só Brasileira, tendo
presente que a humanidade historicamente é dominada por grupos que tentam
impor aos demais seus estilos de vida, e suas crenças.
Nesse sentido são inúmeros os casos de intolerância religiosa que
registramos na história, todos os ataques tinham aspectos em comum, traziam
consigo a necessidade de conquistar o poder e manter o poder já existente. O
Massacre da Noite de São Bartolomeu (1572) foi um episódio significativo da
história, esse período foi marcado por grandes repressões dos reis católicos
contra os huguenotes113. Na França, estima-se que mais de trinta mil pessoas
113Era
o nome dado aos protestantes franceses durante as guerras religiosas na
França (segunda metade do século XVI).
302
tenham sido mortas nesses ataques sanguinários que espalhavam o ódio com o
intuito de manter o poder soberano da igreja católica.
Outro fato importante da história é apontado por Voltaire 114, em sua
obra, “Tratado Sobre a Tolerância”, escrito logo após a execução da Jean
Calas115 condenado injustamente pela morte de seu filho Marco Antônio. As
autoridades da igreja acusaram Jean Calas de matar o próprio filho, pois o filho
estava em processo de conversão ao catolicismo. A cidade sem pestanejar
apoiou a informação repassada pelos líderes religiosos da cidade e
influenciaram diretamente na decisão da sentença de Jean Calas, foi quando o
autor escreveu a obra falando sobre a importância da tolerância no meio
religioso.
Importância esta que é reeditada em 1948 na Declaração Universal
dos Direitos Humanos onde afirma como um dos primeiros direitos civis
conquistados pelas sociedades ocidentais o direito à liberdade religiosa.
Nesse sentido diante da história torna-se inadmissível que entre
profissionais que tem como objeto de estudo e intervenção o social, ainda se
faça presente estigmas e intolerâncias no que se refere aquilo que para alguns
complementa a natureza do ser humano, seus aspectos de busca do
transcendente.
Destaca-se ainda que o que se percebe na realidade é que muitas
vezes as pessoas são desrespeitadas e/ou perseguidas por terem optado por
uma crença ou por terem optado por não crer, caracterizando-se assim situações
de intolerância religiosa. Apesar de a Constituição Brasileira apregoar e defender
a liberdade de expressão e o direito de acreditar e de não acreditar.
É perceptível em nossa sociedade, e mesmo no espaço de atuação
profissional do Assistente Social, a abstenção por parte de algumas pessoas, em
lançarem mão de algumas pesquisas por irem de encontro a sua forma de ver o
114Poeta,
contista, romancista, teatrólogo, historiados , membro da
Academia Francesa.
115Protestante,
importante comerciante da cidade de Toulouse.
303
mundo, muitas vezes respaldadas por questões religiosas. Tomadas pelo ímpeto
de estarem sob posse da verdade (suas verdades), são incapazes de relativizar
e entender o outro como um outro de si mesmo, porém com verdades opostas e
que devem ser trazidas à luz do espaço profissional a fim de serem debatidas
ampliando a democratização, a cidadania e o respeito pelas diferenças.
A intolerância religiosa se faz presente hoje no Brasil e representa
um desafio ao convívio numa sociedade plural. As formas de manifestação da
intolerância são diversas passando por ofensas à liberdade de expressão da fé,
até as manifestações de força contra minorias religiosas.
O Projeto Ético Político do Serviço Social, expresso no Código de
Ética Profissional trás como valor central o reconhecimento da liberdade, nessa
ótica, faz-se necessário fomentar o debate acerca da diversidade existente na
sociedade atual, essa diversidade que em muitos momentos não são
respeitadas.
Segundo reportagem do jornal alemão Deutsche Welle, há sinais
claros de um aumento da intolerância religiosa no Brasil. Foram registrados em
2013 um total de 231 denúncias por discriminação religiosa, mais que o dobro
do ano anterior.
A intolerância religiosa, nos dias de hoje, está direcionada às
religiões afro-brasileiras. As pessoas oriundas de terreiros, estão sofrendo fortes
repressões, que variam de agressões verbais, até mortes, como podemos ver
em alguns casos recentes no Brasil contra pessoas de religiões de matriz afro.
Os negros foram trazidos ao Brasil povos de terreiro, carregam na
sua religião, a tradição de seus antepassados e muita resistência, foi a forma de
preservar a cultura trazida com eles da África, quando foram feitos escravos no
Brasil.
É imprescindível que enquanto assistentes sociais atuemos na
defesa dos direitos garantidos constitucionalmente e que para além da lei
compreendamos a importância de valorizar e respeitar as identidades individuais
de cada profissional e usuário que na sua individualidade trás a riqueza das
manifestações na perspectiva de construção de um coletivo que é plural.
304
É essencial defendermos o nosso projeto ético político, pensando
que ele só se efetiva quando lutamos por direitos que não são nossos. Quando
nos posicionamos também em relação a situações que não nos atingem, mas
que por envolver ofensa ao direito de outros se tornam nossas bandeiras.
REFERÊNCIAS
BONIOLO, Roberta Machado. Da “feijoada” à prisão: o registro de
ocorrência na criminalização da “intolerância religiosa” na região metropolitana
do Rio de Janeiro. Monografia de conclusão de curso em Ciências Sociais,
Universidade Federal Fluminense, 2011.
CARDOSO, Clodoaldo Meneguello. Tolerância e seus limites: um olhar
latino-americano sobre diversidade e desigualdade. São Paulo: Unesp, 2003.
GUIMARÃES, Antônio Sergio Alfredo. Preconceito e Discriminação. São
Paulo: Editora 34, 2004.
MIRANDA, Ana Paula Mendes de. Entre o privado e o público:
considerações sobre a (in) criminação da intolerância religiosa no Rio de Janeiro.
Anuário Antropológico, 2009 - 2, pp. 125-152, 2010.
_____. A força de uma expressão: intolerância religiosa, conflitos e
demandas por reconhecimento de direitos no Rio de Janeiro. Comunicações do
ISER, vol.66, pp.60-73, 2012.
MONTERO, Paula. Religião, pluralismo e esfera pública no Brasil. Novos
Estudos CEBRAP, n. 74: 47-65, 2006.
VOLTAIRE. Tratado sobre a tolerância. São Paulo, 2000.
305
ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-COLETIVA DOS POVOS E
COMUNIDADES TRADICIONAIS NO BRASIL: PERSPECTIVAS CONTRA
HEGEMÔNICAS
Rosângela Bujokas de Siqueira116
Danuta Estrufika Cantoia Luiz117
RESUMO
Este artigo tem como objetivo conhecer a trajetória de organização política
dos povos e comunidades tradicionais no Brasil e apontar possibilidades de
construção de articulações contra hegemônicas, no sentido de tensionar
aspectos da ordem vigente e impulsionar transformações políticas. As reflexões
aqui apresentadas são fruto de uma revisão de literatura, parte de uma pesquisa
mais ampla desenvolvida pelas autoras. O artigo está organizado em duas
partes: a primeira versa sobre a questão da hegemonia, a partir do referencial
gramsciano, já a segunda discute a organização político-coletiva dos povos
tradicionais. A conclusão destaca que a luta empreendida pelos povos
tradicionais tem contribuído para a articulação de práticas contra hegemônicas,
ainda que correlatas a temas específicos.
116
Mestre em Ciências Sociais Aplicadas e Professora do Curso de Serviço
Social na Universidade Estadual do Centro Oeste – UNICENTRO.
117
Doutora em Serviço Social, professora do Curso de Serviço Social e do
Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais Aplicadas na Universidade Estadual
de Ponta Grossa – UEPG.
306
PALAVRAS CHAVE: Povos Tradicionais; Organização Política; Contra
Hegemonia
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo conhecer a trajetória de
organização política dos povos e comunidades tradicionais no Brasil e apontar
possibilidades de construção de articulações contra hegemônicas, no sentido de
tensionar aspectos da ordem vigente e impulsionar transformações políticas,
ainda que relacionadas a pautas políticas específicas.
A discussão foi realizada a partir da revisão de literatura e as
reflexões aqui apresentadas fazem parte de um trabalho de pesquisa mais
amplo, sendo a tese de doutorado de uma das autoras.
O artigo conta com um primeiro momento de discussão acerca da
questão da hegemonia e da contra hegemonia na obra de Gramsci e, na
sequência, apresenta a trajetória de organização político coletiva dos povos e
comunidades tradicionais no Brasil.
A QUESTÃO DA HEGEMONIA EM GRAMSCI
Na obra de Antonio Gramsci (1891 – 1937) a questão da hegemonia
contribui para “explicar as formas específicas da produção e organização do
convencimento em sociedades capitalistas e para pensar as condições das lutas
das classes subalternas” (PRONKO e FONTES, 2012, p. 389).
Para Gramsci, a luta pela transformação das relações de opressão política
e econômica existentes no sistema capitalista deveria ser travada no âmbito da
sociedade civil, em detrimento da tomada abrupta de poder do Estado, defendida
anteriormente no âmbito da revolução socialista.
Tal proposição nasceu da análise que este pensador empreendeu das
transformações econômico-políticas vivenciadas no início do século XX, na Itália,
que apontavam para certa socialização da política.
Com isso, Gramsci situou a sociedade civil como espaço de disputa,
responsável pela construção e disseminação de visões de mundo, inserindo-a
307
como um dos momentos do Estado, já que muitas pautas formuladas no âmbito
da sociedade civil podem vir a influenciar as ações estatais e, assim, o campo
das decisões políticas.
As bases do processo revolucionário seriam construídas na sociedade
civil, seguidas da ocupação de lugares estratégicos para a interferência nas
relações de poder, como os parlamentos, por exemplo.
Simionatto (2008) explica que entre a estrutura econômica e o Estado,
com sua legislação e coerção, está a sociedade civil, representada pelos
aparelhos privados de hegemonia, como: Igrejas, escolas, sindicatos, meios de
comunicação, etc. É justamente nesta relação do Estado com o conjunto de
instituições da sociedade civil que reside a ideia de ampliação do fenômeno
estatal.
“Em conjunto, as duas esferas formam o Estado em sentido amplo, que é
definido por Gramsci como ‘sociedade política + sociedade civil, isto é,
hegemonia escudada pela coerção’” (COUTINHO, 2008, p. 54).
“Da concepção de ‘Estado ampliado’ decorre a tematização da sociedade
civil, que, em sentido gramsciano, refere-se ao alargamento da esfera pública,
espaço de construção da hegemonia e de formação de sujeitos políticos
coletivos” (SIMIONATTO, 2008, p. 27).
Desta forma, a maneira de encaminhar a conservação das relações de
poder ou sua transformação assume estratégias distintas: no âmbito da
sociedade civil as classes buscam exercer sua hegemonia, ou seja, buscam
ganhar aliados para seus projetos através da direção e do consenso; já por meio
da sociedade política exerce-se sempre uma dominação fundada na coerção
(COUTINHO, 2008).
Considerando a diversidade de interesses e forças presentes no âmbito
da sociedade civil, podemos concluir que existe espaço para a formulação e
disputa de projetos políticos alternativos ao modelo dominante.
Diante dos novos arranjos democráticos das sociedades modernas, a
conquista da sociedade civil, da direção política, ou seja, do consenso, é o
caminho para confrontos hegemônicos. “Sendo a realidade contraditória e a
308
sociedade civil o espaço do antagonismo, pode-se encontrar brechas, pontos de
cisão da hegemonia existente” (SCHLESENER, 2001, p. 29).
Tomando a experiência da América Latina, podemos citar como exemplo
de experiências contra hegemônicas as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs),
que ganharam expressão a partir de década de 1960, fundamentadas pela
chamada Teologia da Libertação, corrente de esquerda da Igreja Católica. Os
grupos populares formados nas periferias das cidades e no campo
impulsionaram a criação de outros espaços públicos.
De acordo com Sader (1988), tinha-se como referência às carências
materiais e às estruturas opressoras, contudo, as CEBs contribuíram para a
formulação de diversas interpretações da realidade, como contraponto ao
discurso oficial dominante.
Semeraro (2009) lembra ainda que a interlocução entre a esquerda latinoamericana e o cristianismo popular levantava críticas profundas ao modelo
dominante de desenvolvimento econômico. Tal matriz associou-se a descoberta
e a valorização da cultura indígena e afro-americana, a efervescência de uma
pluralidade de organizações populares e sujeitos nunca antes configurados entre
os atores políticos.
Esta experiência de construção de um novo sujeito político coletivo,
identificado como oprimido, serviu para a valorização da cultura popular, em
bases mais críticas, e para tensionar os governos no sentido de ampliar o acesso
aos serviços sociais básicos por parte daquela população que vivia em regiões
de vulnerabilidade social.
O lugar que a cultura ocupa nas reflexões de Gramsci contribui
profundamente para pensarmos a construção da noção de um projeto político
contra hegemônico. Na obra do pensador italiano transparece uma ideia de
cultura forjadora da liberdade, capaz de propiciar a ultrapassagem da
heterogeneidade e da imediaticidade da vida cotidiana, das lutas econômicocorporativas para lutas mais duradouras e universais, voltadas à construção de
uma nova hegemonia (SIMIONATTO, 2008).
309
Partimos do entendimento de que a luta dos povos e comunidades
tradicionais pode contribuir para o tensionamento das relações dominantes e
para o debate político em torno de um projeto societário radicalmente
democrático. As reivindicações destes sujeitos coletivos partem de demandas
econômicas, mas podem ultrapassar este momento, pautando com o
questionamento do próprio capitalismo.
Assim, “há na sociedade civil espaço para a emergência da crítica, a
elaboração de novas concepções mundo e a luta por novas relações
hegemônicas. A própria estrutura da sociedade e a característica dinâmica das
relações de hegemonia abrem perspectivas de transformação” (SCHLESENER,
2001, p. 21).
Neste sentido buscamos conhecer a experiência de organização políticocoletiva dos povos e comunidades tradicionais no Brasil.
ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-COLETIVA DOS POVOS E COMUNIDADES
TRADICIONAIS NO BRASIL
No Brasil, podemos considerar que as lutas sociais envolvendo os povos
e comunidades tradicionais datam desde o período da colonização,
considerando como exemplos a resistência dos povos indígenas e as fugas dos
escravos para os quilombos.
De saída, estes conflitos já denotavam as formas arbitrárias de gestão da
propriedade da terra, o papel do Estado na manutenção desta ordem e a
opressão política e cultural sobre as formas de vida e dos saberes dos povos
colonizados.
Sabe-se
que,
historicamente,
o
país
orientou
seu
projeto
de
desenvolvimento econômico assentado no latifúndio, na monocultura e na
exportação, gerando uma economia primária dependente do capital externo.
Como consequência, manteve a concentração fundiária repercutindo em altos
índices de desigualdade social e na geração de impactos ambientais intensos
(NAKATANI, FALEIROS e VARGAS, 2012).
310
A literatura indica que foi a partir de 1940 que a luta pela terra ganhou
escopo no país, principalmente através das mobilizações de posseiros, ligas
camponesas e boias-frias. Os conflitos oriundos do desenvolvimento do
capitalismo passaram a atingir uma gama variada de comunidades e às lutas
pela terra/território somaram-se os atingidos por barragens, indígenas e
seringueiros, para citar alguns grupos sociais (SOUZA, 2005; SCHERERWARREN, 2011).
Estas populações têm sido atingidas pela expansão econômica
empreendida pelo Estado, em parceria com o capital estrangeiro e nacional,
através do desenvolvimento agropecuário de grande porte e da utilização
exaustiva e predatória dos recursos naturais.
A década de 1970 foi pródiga na emergência de movimentos sociais
contestatórios deste quadro geral, com pautas que denunciavam a situação de
carência econômica e a necessidade de relações mais democráticas entre
Estado e sociedade civil (GECD, 1998-1999).
Da soma da luta pela terra, do questionamento do modelo de
desenvolvimento econômico, da socialização da política e da emergência da
pauta ambiental nasceu a discussão da sociobiodiversidade. A diversidade de
populações que passou a sofrer os conflitos do desenvolvimento foi se
articulando entre as lutas pela sobrevivência e pela defesa do meio ambiente, se
auto denominando povos e comunidades tradicionais (CRUZ, 2012).
Scherer-Warren (2013) reafirma a importância da emergência de
movimentos desta natureza quando relata que, na América Latina, os grupos
subalternos vêm transcendendo de uma situação de marginalidade na esfera
pública para a condição de vozes que ecoam para além de seus territórios,
passando a impactar (ainda que com resistência) a legitimação dos “direitos
originários”, como o caso dos indígenas, quilombolas, posseiros, entre outros.
Apesar de toda forma de resistência imposta pelo sistema econômico
hegemônico, tais comunidades têm conquistado reconhecimento jurídico-formal.
Respaldo importante nesta luta se deu através da aprovação, em 1989, da
311
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), na qual se
definiu um conjunto de direitos para os povos indígenas e tribais.
No Brasil, esta discussão também ganhou espaço no movimento
constituinte, que acabou por incorporar ao texto da Constituição Federal de 1988
os direitos dos indígenas e dos quilombolas, sobretudo a demarcação e titulação
das terras tradicionalmente ocupadas. Já a Convenção 169 da OIT só foi
ratificada pelo país em 2002, após muita pressão dos movimentos sociais.
Podemos considerar que tais dispositivos jurídicos denotam que o
processo de democratização instaurado no país, apesar de apresentar limites,
permite que as demandas articuladas no âmbito da sociedade civil impactem,
em alguma medida, a sociedade política.
Contudo, as relações de força deste processo ficam evidentes ao
considerarmos que mesmo para estes segmentos que já alcançaram algum
reconhecimento jurídico persistem questões primordiais pendentes, como o
acesso à terra, à saúde e educação diferenciadas, que garantam condições
mínimas para que estes povos permaneçam em seus territórios e tenham sua
identidade cultural preservada (SILVA, 2007).
Neste cenário contraditório, de reconhecimento jurídico com espoliação
de direitos, os povos e comunidades tradicionais do Brasil têm se fortalecido
como um sujeito político coletivo de relevância na luta por reconhecimento
perante o Estado e a sociedade em geral.
Saldo positivo desta empreitada se deu em 2007, através da Política
Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais, instituída por meio do Decreto n. 6.040. Tal Política busca promover
o desenvolvimento sustentável das Comunidades Tradicionais através do
reconhecimento, fortalecimento e garantia de seus direitos territoriais, sociais,
ambientais, econômicos e culturais, valorizando suas identidades e formas de
organização (BRASIL, 2007).
Esta Política esclareceu que os povos tradicionais são grupos
culturalmente diferenciados, que possuem formas próprias de organização
social, ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua
312
reprodução, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e
transmitidos pela tradição.
Esta diversidade alerta que a imposição da hegemonia elitista torna-se
incapaz de universalizar direitos, o que acaba por impulsinonar uma rede de
novas subjetividades políticas. Os Movimentos dos Sem Terra, Sem Teto, o
Movimento Negro Unificado, os movimentos dos índios, dos migrantes, das
mulheres, as cooperativas populares, as associações dos pacifistas, dos
ambientalistas, a cultura underground, os levantes estudantis, inúmeras e
diversas organizações da sociedade civil popular, etc; são expressões da força
popular que sinaliza experiências de reinvenção da política e de formas de viver
em sociedade (SMERARO, 2009).
Assim, ainda que entre contradições e fragilidades, a força dos
movimentos sociais e das organizações populares se constitui como um sujeito
político indispensável para a universalização de direitos. A luta pelo território,
bem como a conservação da biodiversidade, tem levantado uma forma de
resistência ao modelo econômico hegemônico, o que pode contribuir para o
debate público de temas tão caros no Brasil, como a questão fundiária. Por isso,
entendemos que estes povos sustentam um discurso contra hegemônico que
pode se concretizar em um projeto político alternativo, ainda que permeado de
contradições. Tal projeto pode se converter em instrumento de debate e
construção de consensos, mesmo que provisórios e correlatos a temas
específicos.
CONCLUSÃO
A revisão de literatura aqui realizada nos permite concluir que a
organização político-coletiva dos povos e comunidades tradicionais tem
contribuído para a articulação e o fortalecimento de diversos segmentos étnicos
que enquanto grupos sociais subalternos vêm transcendendo uma situação de
exclusão na esfera pública para outra condição, de visibilidade e reconhecimento
de direitos, mesmo que submetidos a conflitos sociais intensos. O produto desta
tensão tem contribuído para o posicionamento contra hegemônico destes grupos
313
étnicos, redefinindo as relações entre Estado e sociedade civil, ainda que em
pautas específicas.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto N. 6.040, de 7 de fevereiro de 2007. Institui a Política
Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais.
Disponível:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20072010/2007/decreto/d6040.htm Acesso em 05 de janeiro de 2013.
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Histórico e os limites da reforma agrária na contemporaneidade brasileira.
Revista Serviço Social e Sociedade, N. 11º, abr/jun. São Paulo: Cortez, 2012.
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Disponível:https://www.google.com.br/#q=movimentos+sociais+na+am%C3%A
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314
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Ponta Grossa: UEPG, 2005.
315
A DIVERSIDADE SEXUAL SOB A ÓTICA DA EQUIPE DO CENTRO
DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – CRAS VILA OPERÁRIA DE
PARANAVAÍ/PR
Maria Inez Barboza Marques118
Laís Taiane Ropelatto Campos119
RESUMO: A discriminação, o preconceito, a segregação à população
LGBT vem sendo divulgados pelos meios de comunicação de massa e por
diferentes órgãos públicos e privados, prova disto é que desde 2011 a Secretaria
Nacional de Direitos Humanos vem publicando anualmente relatórios sobre a
violência à população LGBT. Assim, a visibilidade da questão se faz necessária,
tendo em vista a necessidade da conscientização da população brasileira em
geral para o reconhecimento da população LGBT como sujeitos de direitos em
todos os âmbitos. A pesquisa em andamento tem por objetivo averiguar o
entendimento da equipe do Centro de Referência da Assistência Social – CRAS
Vila Operária de Paranavaí/PR sobre a população LGBT atendida no local. A
pesquisa é essencialmente qualitativa e vem sendo realizada através de
entrevistas por meio de um roteiro de questões semiestruturadas. Os resultados
preliminares evidenciaram que existe um conhecimento parcial por parte da
118
Professora Dra. do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná –
UNESPAR/Campus de Paranavaí. Coordenadora do Grupo de Pesquisa (CNPQ) Gênero, Trabalho e
Políticas Públicas.
119
Aluna do 4º ano do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná –
UNESPAR/Campus de Paranavaí. Membro do Grupo de Pesquisa (CNPQ) Gênero, Trabalho e Políticas
Públicas.
316
equipe,
porém
evidenciou-se
a
necessidade
de
capacitações
para
aperfeiçoamento da prestação dos serviços oferecidos.
PALAVRAS-CHAVE:
Diversidade
Sexual,
População
LGBT,
Preconceito.
INTRODUÇÃO
A motivação para realização desta pesquisa sobre a diversidade
sexual no município de Paranavaí-PR sob a ótica da equipe do Centro de
Referência de Assistência Social – CRAS Vila Operária foi originada a partir da
participação da acadêmica no Grupo de Pesquisa Gênero, Trabalho e Políticas
Públicas e discussões sobre gênero e questões relacionadas à diversidade
sexual e suas especificidades.
A pesquisa essencialmente qualitativa se materializou através de um
levantamento bibliográfico e documental. Os materiais foram revisados,
sistematizados
e
posteriormente
elaborado
um
roteiro
de
questões
semiestruturadas que nortearam as entrevistas realizadas com a equipe de
referência do CRAS Vila Operária.
Cabe ressaltar que através do estágio realizado pela acadêmica
pesquisadora no CRAS Vila Operária houve a possibilidade da realização da
observação participante, bem como a interação ao longo das entrevistas com
cada membro da equipe.
Martinelli (1999) esclarece que a pesquisa qualitativa busca
interpretações dos sujeitos e de sua história, trazendo à tona o que os
participantes da pesquisa têm a dizer a respeito do que está sendo pesquisado.
“A realidade do sujeito é conhecida a partir dos significados que por ele lhe são
atribuídos” (MARTINELLI, 1999, p. 23).
Martinelli (1999) argumenta que ainda “(...) não é o número de pessoas
que vai prestar a informação, mas o significado que esses sujeitos têm em
função do que estamos buscando com a pesquisa” (MARTINELLI, 1999, p. 24).
317
Portanto, não se trata de uma pesquisa com grande número de sujeitos
pesquisados, mas, com quantidade suficiente para a apreensão e elaboração da
análise dos resultados obtidos.
Entende-se que a temática é de relevância social, tendo em vista o
atual contexto das políticas sociais públicas que busca a inclusão de segmentos
considerados excluídos pela sociedade. Um exemplo é a possibilidade da troca
do nome social de acordo com a orientação sexual de cada sujeito que luta pelo
reconhecimento da sua identidade nos diferentes espaços. Além disso, a
discriminação, o preconceito à população LGBT vem sendo divulgado pelos
meios de comunicação de massa e por diferentes órgãos públicos e privados.
A visibilidade da violência homofóbica no Brasil
A discussão sobre o preconceito e a discriminação à população LGBT
vem se tornando notória no contexto nacional. Desde 2011, a Secretária de
Direitos Humanos vêm publicando relatórios anuais que retratam a violência
homofóbica no Brasil.
No ano de 2013 o Governo Federal lançou o Sistema Nacional de
Promoção de Direitos e Enfrentamento à Violência contra Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis e Transexuais - Sistema Nacional LGBT, na intenção de
promover políticas públicas contra o preconceito ou discriminação que ocorre e
possa vir ocorrer contra tal população.
A partir do estudo dos relatórios citados, foi possível compreender a
necessidade de implementação de políticas públicas e leis voltadas à população
LGBT, esclarecendo questões relacionadas à violência e violação dos direitos
humanos para que a população crie uma consciência e respeito à população
LGBT, e que crimes de qualquer grau tenham uma punição adequada, facilitando
assim a inclusão social e a melhoria no conviver social para todos.
Foram expressas no relatório do ano de 2012, as principais formas de
violência homofóbica, onde ocorreu com mais frequência, quem são os
suspeitos/agressores na maioria dos casos e os índices de violência homofóbica
no estado do Paraná.
318
Em 2012, houve um aumento de 166,09% das denúncias feitas aos
órgãos públicos e 46,6% de violações de direitos humanos contra a população
LGBT, conforme tabela abaixo:
Tabela 1: Denúncias feitas aos órgãos públicos
2011
2012
%
de
aumento
Denúncias
1.159
3.084
166,06%
Violações
6.809
9.982
46,6%
Vítimas
1.713
4.851
183,19%
Suspeitos
2.275
4.784
110,29%
Média
3,97
3,23
violação/vítima
Fonte: BRASIL. MINISTÉRIO DE DIREITOS HUMANOS. Relatório sobre
violência homofóbica no Brasil: ano de 2012.
Na identificação por identidade de gênero da violência sofrida pela
população LGBT, 60,44% foram identificados como gays; 37,59% como
lésbicas; 1,47 como travestis e 0,49 como transexuais. Com a pesquisa realizada
para a elaboração do relatório, observou-se que a maioria das vítimas (82,98%)
não informa sua orientação sexual, dificultando assim o trabalho de prevenção e
o planejamento de políticas públicas especificas para a população LGBT.
Quem são os suspeitos/agressores destas violências que a população
LGBT sofre? O perfil dos suspeitos, responsáveis pela ação de violência
homofóbica, e suas características, é muito importante para uma análise de
elaboração de políticas de prevenção e conscientização da população em geral.
O relatório aponta que 58,90% dos suspeitos/agressores têm relação de
intimidade ou conhece a vítima, e 34,10% são pessoas desconhecidas. Já, no
detalhamento da pesquisa feita a partir de denúncias, 20,69% dos suspeitos são
os vizinhos da vítima, 17,72% é algum familiar da pessoa.
319
Ainda de acordo com o relatório, as violações acontecem nos espaços
público e privado, 38,63% das violações de direitos humanos acontece na casa
da vítima, 30,89% ocorre na rua e outros locais (escola, hospital, ônibus e outros)
apontados pelas vítimas correspondem a 19,88%.
Assim, é possível perceber
a necessidade da conscientização da população em relação aos direitos de
liberdade da orientação sexual de cada pessoa, e a criação de políticas públicas
para a prevenção de violências como apresentado no relatório.
São algumas destas violências ou violação de direitos humanos:
violência psicológica com 83,20% no total, discriminação com 74,01% e violência
física com 32,68%. Também se destaca a negligência (5,70%) e a violência
sexual (4,18%). A violência psicológica foi separada por subtipos: humilhações
(35,32%), hostilizações (32,27%) e as ameaças (15,78%), tal violência
psicológica pode acarretar em depressões profundas, e em alguns casos levar
a vítima a cometer suicídio. Entre as discriminações mais denunciadas pelas
vítimas encontra-se a discriminação pela orientação sexual (76,37%) e por
identidades de gêneros (15,21%). As formas de violências físicas mais
destacadas nas denúncias foram lesão corporal (59,35%) e maus tratos
(33,54%). Os subtipos mais apontados de violência sexual são abuso sexual
(65,91%) e estrupo (25,76%).
A partir do levantamento realizado em 2012 em âmbito nacional para
a elaboração do relatório, foi divulgado nos principais meios de comunicação que
ocorreram 511 casos de violação contra a população LGBT, tendo 511 vítimas e
474 suspeitos/agressores, entre as denúncias registradas teve-se 310 casos de
homicídios. Por um lado às noticias sobre as violações e violências homofóbicas
são ainda pouco divulgadas e denunciadas, dificultando assim prevenção e
controle destas.
As notícias sobre a população LGBT estão sendo mais distribuídas nos
Estados de São Paulo, Pernambuco e Bahia, e segundo o relatório, o Acre não
teve nenhuma notícia sobre homicídio de caráter homofóbico. O relatório ainda
aponta que 98,71% dos casos de homicídios noticiados no país são contra
homossexuais, e que em 81,61% dos casos não são apontados o
320
suspeito/agressor, amantes totalizam 7,74% e clientes 4,84%. Segundo a
imprensa em Alagoas encontra-se o maior número de homicídios com 0,58 por
100 mil habitantes.
O levantamento realizado em cada Estado tem como objetivo que os
governos estaduais e a população em geral conheçam sua realidade local e do
público LGBT. Vale ressaltar, que no Estado do Paraná o disque denúncia
(Disque 100) está em 11o lugar do Ranking, com 182 denúncias registradas por
habitante em relação a 370 casos de violação a população LGBT e a cada 100
pessoas 1,74 denúncia. Teve um aumento de 167% em relação a 2011 e as
violações mais registradas são de violência psicológica com 147, discriminação
com 142 e violência física com 53.
A partir dos dados apresentados, foi possível considerar a importância
da pesquisa realizada junto à equipe do CRAS Vila Operária de Paranavaí/PR,
pois dada a capilaridade no território, o CRAS atende diariamente essa
população e suas demandas.
Enfim, houve por parte da acadêmica pesquisadora e orientadora, a
compreensão sobre a necessidade de pensar na população LGBT para que ela
não continue marginalizada e discriminada na cidade de Paranavaí/PR e que
cada pessoa, que faz parte desse público, tenha o direito de viver como se sente
melhor, sendo atendida por órgãos públicos e privados como cidadãos de
direitos garantidos pela Constituição e Federal e Leis que se desdobram desta.
Assim a pesquisa realizada teve como objetivo geral averiguar o entendimento
que a equipe do Centro de Referência de Assistência Social – CRAS Vila
Operária tem sobre população LGBT no município de Paranavaí /PR.
CONCLUSÕES
Louro afirma que “as identidades de gênero e sexuais são, portanto,
compostas e definidas por relações sociais, elas são moldadas pelas redes de
poder de uma sociedade” (2000). Assim caminhamos com Louro (2000) que nos
direciona dizendo que “o corpo se altera com a passagem do tempo, com a
321
doença, com mudanças de hábitos alimentares e de vida, com possibilidades
distintas de prazer ou com novas formas de intervenção médica e tecnológica”.
Ou seja, somos frutos de um processo que se altera conforme nosso
posicionamento ideológico, político, social e sexual, alterando nossos corpos de
acordo a cultura, a moral, a critérios estéticos de grupos que pertencemos ou
desejamos pertencer.
As primeiras sistematizações evidenciaram que existe a necessidade de
políticas públicas e leis favoráveis à população LGBT, bem como um processo
coletivo que leve a quebra de preconceitos que persistem em se manifestar,
inclusive nos espaços sócios ocupacionais, particularmente nos órgãos públicos,
que devem favorecer a promoção do acesso e usufruto a direitos visando à
melhoria da qualidade de vida e convivo social para todos e todas.
Resultados preliminares permitem considerar que o CRAS como
instituição de referência dos sujeitos de determinado território, tem como dever
viabilizar os direitos dos sujeitos LGBT, para que todos/das possam ter acesso
e usufruto destes direitos visando à melhoria da qualidade de vida e convivo
social para todos e todas.
Conclui-se que a viabilização dos direitos da população LGBT pelo
intermédio dos profissionais inserido no CRAS, só poderá ser efetivada
completamente através de capacitações e instruções especificas a respeito do
tema, pois em geral, existe um conhecimento parcial sobre a população LGBT e
a diversidade sexual, deixando muitas vezes transparecer preconceitos
culturalmente e socialmente construídos.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério de Direitos Humanos. Relatório sobre violência
homofóbica
no
Brasil:
ano
de
2012.
Disponível
em:
http://www.sdh.gov.br/assuntos/lgbt/pdf/relatorio-violencia-homofobica-ano2012. Acesso: 16 Ago. 2013.
322
MARTINELLI, M. L. (Org.). Pesquisa qualitativa: Um Instigante Desafio.
São Paulo. Vera Editora, 1999.
LOURO, G. L. (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 2.
Ed. Belo Horizonte, Autêntica, 2000.
323
ORGANIZAÇÃO E REALIZAÇÃO DE CONFERÊNCIAS DE
POLÍTICAS PARA MULHERES NA REGIÃO DE PARANAVAÍ/PR.
Maria Inez Barboza Marques120
Evelin Tanikawa de Oliveira121
A pesquisa em andamento tem como objeto específico “O processo de
organização e realização das Conferências Municipais de Políticas para
mulheres na região de Paranavaí/PR” e conseqüentemente como objetivo geral
“sistematizar o processo de organização e realização das Conferências
Municipais na região de Paranavaí/PR”. Constitui-se em uma pesquisa ação com
a participação direta da coordenação e membros do Grupo de Pesquisa Gênero,
Trabalho e Políticas Públicas da Universidade Estadual do Paraná –
UNESPAR/Campus Paranavaí/PR em todo o processo. A contribuição no
processo de organização e realização das conferências em âmbito municipal e
intermunicipal deverá culminar na sistematização com objetivo de contribuir com
estudos posteriores e fomento para as próximas conferências nos âmbitos
municipal, regional e estadual.
Palavras-chave: Participação. Conferências de políticas para mulheres.
Políticas para Mulheres. Municípios da região de Paranavaí/PR.
INTRODUÇÃO
O sistema descentralizado e participativo em curso após o advento da
Constituição Federal de 1988 vem oportunizando no cenário nacional, o
desenvolvimento de políticas sociais públicas, seja no contexto da seguridade
social (saúde, previdência e Assistência social) ou no contexto das políticas
setoriais (educação, segurança, habitação e outras), ou ainda através das
120
Professora Dra. do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná –
UNESPAR/Campus de Paranavaí. Coordenadora do Grupo de Pesquisa (CNPQ) Gênero, Trabalho e
Políticas Públicas.
121
Assistente Social. Secretaria Municipal de Assistência Social de Paraíso do Norte/PR. Membro
do Grupo de Pesquisa (CNPQ) Gênero, Trabalho e Políticas Públicas.
324
políticas intersetoriais (idoso, criança e adolescente, mulheres, pessoa com
deficiência), entre outras.
No entanto, o desenvolvimento de tais políticas é potencializado
quando de fato o sistema descentralizado e participativo é materializado em
âmbito nacional, Estadual e municipal. As conferências constituem-se em um
dos mecanismos para a efetivação desse sistema.
A partir da década de 1990, a materialização desse sistema ocorre através
das conferências nas três esferas do governo, pois essas têm como objetivo
deliberar sobre tais políticas e eleger seus respectivos conselhos que se
constituem em principais atores para a construção dessa dinâmica que ocorre
no país.
As Conferências de Políticas para Mulheres na região de Paranavaí/PR
terão como objetivo discutir questões relacionadas aos quatro eixos propostos
na documentação que orienta o processo em âmbito nacional.
Cabe ressaltar que o Decreto Presidencial de 30 de março de 2015,
publicado no Diário Oficial da União de 31/03/2015, que convoca a 4ª
Conferência Nacional de Política para as Mulheres, estabelece quatro eixos
centrais de debates, a saber: Contribuição dos Conselhos dos Direitos da Mulher
e dos movimentos feministas e de mulheres para a efetivação da igualdade de
direitos e oportunidades para as mulheres em sua diversidade e especificidades:
avanços e desafios; Estruturas institucionais e políticas públicas desenvolvidas
para mulheres no âmbito municipal, estadual e federal: avanços e desafios;
Sistema político com participação das mulheres e igualdade: recomendações;
Sistema Nacional de Política para as Mulheres: subsídios e recomendações.
Considera-se relevante a realização da pesquisa que dará corpo às
sistematizações de todo esse processo, pois o papel da universidade é atuar na
perspectiva do ensino, da pesquisa e da extensão, sempre decifrando as
demandas da sociedade, para construir respostas pertinentes a essas.
Assim, a pesquisa sobre o processo de organização e realização das
conferências municipais de políticas para mulheres na região de Paranavaí
constitui-se em importante investigação no âmbito de uma das linhas de
325
pesquisa desenvolvidas pelo grupo de pesquisa Gênero, Trabalho e Políticas
Públicas, a saber, “Relações de gênero: história, violência e políticas públicas”.
1- As Conferencias de Políticas para Mulheres no contexto da
descentralização.
A Constituição Federal de 1988, ao introduzir avanços e princípios na
perspectiva da universalização dos direitos, também reconheceu os estados e
municípios como entes de federação. (JOVCHELOVITCH, 1998).
Neste período de 1980 a descentralização do Estado é apontada como
exigência para um avanço democrático da sociedade brasileira.
Nesse sentido, faz-se necessário refletir sobre o termo descentralização
para melhor compreensão deste processo que se desencadeou no Brasil.
Jovchelovitch (1998) aponta que a questão da descentralização não é
algo tão recente e implica na existência de uma pluralidade de níveis de decisão
exercida de forma autônoma pelos órgãos independentes do centro de poder.
(JOVCHELOVITCH, 1998, p. 38).
A mesma autora ainda contribui:
A descentralização consiste em uma efetiva partilha de poder
entre o Estado e as coletividades locais e implica a autogestão local.
Envolve uma redefinição da estrutura de poder no sistema
governamental, que se realiza por meio do remanejamento de
competências decisórias e executivas, assim como dos recursos
necessários para financiá-las. (JOVCHELOVITCH, 1998, p.37).
Uga apud Jovchelovitch (1998) esclarece que:
[...] ela é entendida enquanto um processo de distribuição de
poder que pressupõe, por um lado, a redistribuição dos espaços de
exercício de poder – ou dos objetivos de decisão -, isto é, das
atribuições inerentes a cada esfera de governo e, por outro, a
redistribuição dos meios para exercitar o poder, ou seja, os recursos
humanos, financeiros e físicos. (UGA, apud JOVCHELOVICTH, p.38).
A descentralização político-administrativa das ações para os estados e
municípios, como também a participação da população, por meio de
326
organizações representativas, foram estabelecidas na Constituição Federal de
1988.
O artigo 204 da CF/1988 aponta como diretrizes a descentralização
político-administrativa e a participação popular, através de organizações
representativas, na formulação das políticas e no controle das ações nos três
níveis federativos.
Souza (2004) afirma que:
A descentralização é um dos princípios mais importantes e,
estrategicamente, utilizados na definição desse novo pacto federativo.
Somente dessa forma os municípios foram incorporados como entes
autônomos de federação. Para o âmbito local passaram a ser
transferidas novas competências e recursos públicos, capazes de
fortalecer o controle social e a participação da sociedade civil nas
decisões políticas. (SOUZA, 2004, p.177).
A mesma autora enfatiza que a essência desta descentralização é a
partilha de poder e a aproximação do Estado com a população.
De um modo geral, a descentralização é vista como um avanço, tanto na
relação entre os poderes governamentais, como também na relação do Estado
com a sociedade civil, quando esta ocorre com a efetiva participação dos
cidadãos organizados e a comunicação com os entes federados.
Jovchelovitch (1998) expõe de forma clara a questão da participação com
relação à descentralização.
A descentralização torna-se possível a partir da participação.
Quanto mais se descentraliza o poder e se repartem os recursos, mais
se animam os cidadãos a engajar-se no processo de tomada de
decisões e mais perto se chega do ideal da municipalização.
(JOVCHELOVITCH, 1998, p. 43).
O avanço da descentralização esta relacionada à ampliação da
democracia e à participação social, desde que ocorra como reação contrária ao
autoritarismo e à centralização. (STEIN apud JOVCHELOVITCH, 1998).
No contexto da descentralização, as Conferências de Políticas
para Mulheres em âmbito nacional constituem-se em um marco no que se refere
às conquistas das mulheres na luta por seus direitos.
327
Cabe destacar, de acordo com o documento elaborado pela
Secretaria de Políticas para Mulheres e Conselho Nacional dos Direitos da
Mulher (2015), que em 2002, organizações do movimento feminista brasileiro
realizaram a sua Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras. Em 2004 a
Presidência da República e a Secretaria de Políticas para as Mulheres (na época
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres) convocaram a 1ª Conferência
Nacional de Políticas para as Mulheres. Desta forma, o fortalecimento de
políticas voltadas às mulheres vem ocorrendo concomitantemente com o que foi
preceituado pela Constituição de 1988, que gerou a descentralização políticoadministrativa das políticas públicas para as esferas estaduais e municipais. As
conferências posteriores aconteceram nos anos de 2007 e 2011. Em tais
conferências foram aprovados os Planos Nacionais I, II e III de Políticas para as
Mulheres (PNPM), respectivamente.
Nesse sentido, cabe ressaltar a respeito desse processo:
As conferências reafirmaram os princípios norteadores da
Política Nacional para as Mulheres, aprovados na 1ª Conferência
Nacional de Políticas para as Mulheres: autonomia das mulheres em
todas as dimensões da vida; busca da igualdade efetiva; respeito à
diversidade e combate a todas as formas de discriminação; caráter
laico do Estado; universalidade dos serviços e benefícios ofertados
pelo Estado; participação ativa das mulheres em todas as fases da
política pública; e transversalidade como princípio orientador de todas
as políticas públicas. (SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA
MULHERES; CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICAS PARA
MULHERES, 2015, p.15)
No ano de 2015, encontra-se em processo no Brasil, uma mobilização
pelas forças governamentais e não governamentais para a realização da 4ª
Conferência de Políticas para Mulheres em âmbito nacional e também nos
Estados e municípios.
A 4ª Conferência Nacional de Políticas para Mulheres, e consequentemente
as que ocorrerão nos Estados e nos municípios, propõem-se discutir as
estratégias de fortalecimento das políticas para as mulheres e a democratização
da participação das mulheres nas diversas esferas institucionais e federativas.
2- A pesquisa ação sobre o processo de organização e realização das
Conferências na região de Paranavaí/PR
328
Tendo em vista o processo em curso em âmbito nacional, a pesquisa ação
que vem sendo realizada pelo Grupo de Pesquisa Gênero, Trabalho e Políticas
Públicas
da
UNESPAR/Campus
Paranavaí,
propõe-se
realizar
o
acompanhamento das Conferências Municipais de Políticas para Mulheres na
regional de Paranavaí/PR, para posterior sistematização e publicação a respeito
da organização e realização dessas, com a perspectiva de dar subsídios aos
processos que poderão se instalar a partir do no de 2015.
As políticas públicas constituem-se em principal espaço de atuação
profissional de diferentes profissionais inseridos/as na divisão social e técnica do
trabalho. A política para mulheres, por ser transversal e necessariamente
desenvolver-se intersetorialmente, é campo fértil para pesquisas que subsidiem
as pesquisas acadêmicas, mas também os trabalhos multiprofissionais, bem
como a atuação dos movimentos sociais, particularmente dos movimentos
feministas e de mulheres que participam do processo de construção dessa
política.
A motivação para a realização da pesquisa sobre o processo de organização
e realização das conferências municipais de políticas para mulheres na região
de Paranavaí/PR pauta-se na direção dos estudos que vem sendo realizados no
âmbito do Grupo de Pesquisa Gênero, Trabalho e Políticas Públicas (CNPQ).
Como exemplo, é possível mencionar o mapeamento realizado no final do ano
de 2013 sobre a violência doméstica em Paranavaí e região. O resultado dessa
pesquisa foi publicado no Encontro Nacional de Pesquisa em Serviço Social
realizado em Nata/RN em novembro de 2014.
É possível considerar a relevância social da pesquisa, pois além da
possibilidade de obter informações que serão sistematizadas para posteriores
estudos ou implementação de diferentes processos, será possível que
pesquisadores e pesquisadoras, docentes, discentes e profissionais, que são
membros do grupo de pesquisa, participem ativamente de todo o processo que
ocorrerá na região, pois a pesquisa pode ser considerada uma “pesquisa ação”
através da sua dinâmica e construção coletiva. Além disso, constituir-se-á em
329
um processo diretamente ligado à ações coletivas em diferentes contextos da
região de Paranavaí, bem como no seu conjunto.
Ressalta-se então a relevância da pesquisa que tem como objeto de estudo
“O processo de organização e realização das conferências municipais de
políticas para mulheres na região de Paranavaí.”
A pesquisa em questão tem como objetivo geral sistematizar o processo de
organização e realização das conferências municipais de políticas para mulheres
na região de Paranavaí. Os objetivos específicos se constituem em identificar no
contexto da região, quais os municípios que realizaram a conferência de Políticas
para Mulheres de acordo com as orientações do Conselho Nacional de Políticas
para Mulheres; Participar ativamente das respectivas conferências para
contribuir com o processo e obter dados que fomentarão os resultados da
pesquisa; Atuar parceiramente com a Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento
Social, órgão responsável pela mobilização para a realização das conferências
na região; Descrever a dinâmica das conferências municipais na região de
Paranavaí, detalhando aspectos dessas em cada município e na região como
um todo; Refletir sobre o processo através da “pesquisa ação” e das
sistematizações que serão processadas pelo grupo de pesquisa.
Cabe
ressaltar,
de
antemão,
que
o
processo
relacionado
ao
acompanhamento das conferências vem ocorrendo de forma dinâmica. A região
de Paranavaí tem 29 municípios, sendo 27 de pequeno porte, um de pequeno
porte II e um de médio porte.
Ressalta-se a relevância da adesão dos municípios da região ao processo de
realização das conferências, pois a parceria entre Escritório Regional do
Trabalho e Desenvolvimento Social e Grupo de Pesquisa Gênero, Trabalho e
Políticas Públicas motivou-os à organização de conferências nos municípios
específicos ou no formato intermunicipal.
O processo instaurado resultou na organização das conferências assim
distribuídas:
Municipais
Paranacity: 14/08
Amaporã: 27/08;
Terra Rica: 09/09
330
Alto Paraná: 15/09
Guairacá: 16/09
Paranavaí: 23/09
Intermunicipais Inajá, Paranapoema, Cruzeiro do Sul e Jardim Olinda: 02/09
Planaltina do Paraná e Santa Monica: 09/09
Santo Antonio do Caiuá e São João do Caiuá: 16/09
São Pedro do Paraná, Porto Rico e Loanda: 17/09
Santa Isabel do Ivaí e Santa Cruz do Monte Castelo: 23/09
Nova Londrina, Itaúna do Sul, São Carlos do Ivaí, Marilena
e diamante do Norte: 24/09
Paraíso do norte, São Carlos do Ivaí, Tamboara, Nova
aliança do Ivaí e Mirador: 25/09.
Em todas as conferências mencionadas, foram eleitas/os delegadas/os
para participarem da etapa estadual que ocorrerá em Curitiba nos dias 03, 04 e
05 de dezembro de 2015.
CONCLUSÃO
Como mencionado no texto, a pesquisa encontra-se em
andamento e no início da sua operacionalização, pois a sistematização que dará
a visibilidade do processo em seu conjunto, só será possível após o acesso por
parte do Grupo de Pesquisa Gênero, Trabalho e Políticas Públicas aos relatórios
específicos que serão fornecidos pelo Escritório da Secretaria do Trabalho e
Desenvolvimento Social de Paranavaí/PR.
No entanto, a dinâmica instaurada em toda a região de
Paranavaí/PR,
já demonstra que os resultados desse processo vem
contribuindo para uma participação popular significativa através da mobilização
de diferentes atores e atrizes pertencentes ao poder público e a sociedade civil.
A sistematização desse processo coletivo por parte do Grupo de
Pesquisa Gênero, Trabalho e Políticas Públicas deverá resultar em subsídios
para a continuidade dos trabalhos e aperfeiçoado das políticas públicas para
mulheres pelo conjunto das pessoas e instituições envolvidas em toda essa
dinâmica que vem demonstrando a importância da luta por uma sociedade mais
democrática, justa e igualitária.
331
REFERÊNCIAS
BRASIL. Texto Base para a 4ª Conferência Nacional de Políticas para
Mulheres. Secretaria de Políticas para Mulheres e Conselho Nacional de
Políticas para Mulheres. Junho de 2015.
______. Decreto Presidencial de 30 de março de 2015. Convoca a 4ª
Conferência Nacional de Política para as Mulheres estabelece quatro eixos
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JOVCHELOVITCH, S. Representações Sociais: para uma fenomenologia dos
saberes sociais. Psicologia e Sociedade, v. 10, n. 1, p. 54-68, 1998.
Paranavaí. Orientações para a Conferências Municipais e Estaduais das
Políticas para Mulheres. Secretaria de Estado do Trabalho e Desenvolvimento
Social. Escritório Regional de Paranavaí. 15 de julho de 2015.
SOUZA, Rodriane de Oliveira. Participação e controle social. In: SALES, Mione
Apolinário; MATOS, Maurílio de Castro; (orgs.). Política Social, Família e
Juventude: Uma questão de direitos. São Paulo: Cortez, 2004.
A ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS SOCIOASSISTENCIAIS NOS 29
MUNICÍPIOS REFERENCIADOS PELO ESCRITÓRIO REGIONAL DE
PARANAVAÍ-PR
Priscila Semzezem122
Thaís Gaspar Mendes da Silva123
122 Mestre em Serviço Social e Política Social pela Universidade Estadual de Londrina UEL, Docente do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná - UNESPAR,
campus Paranavaí. E-mail: [email protected].
123 Doutoranda em Serviço Social pela Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita
Filho” - UNESP/Franca. Docente do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná
- UNESPAR, campus Paranavaí. E-mail: [email protected].
332
Juliana Carolina Jorge124
Nathalia Da Silva Araújo125
RESUMO
Esse artigo é parte de duas pesquisas em andamento de Iniciação
Científica UNESPAR - Paranavaí 2015-2016 que visam responder ao objetivo de
identificar a organização dos serviços socioassistenciais nos 29 municípios
referenciados pelo Escritório Regional de Paranavaí - Secretaria do Trabalho e
Desenvolvimento Social do Estado Paraná. Este trabalho, fruto de pesquisa
quantitativa foi construído através do levantamento de dados do CENSO/SUAS
(2014) e SAGI/MDS (2015) objetivando apresentar a construção de um
panorama regional de organização dos serviços socioassistenciais, para tanto,
apresenta um panorama da organização e da quantidade de serviços de
assistência social no Brasil, no Paraná e na região administrativa do ER de
Paranavaí-PR.
PALAVRAS-CHAVE: PNAS; SUAS; Organização Serviços
Socioassistenciais.
INTRODUÇÃO
Esse estudo faz parte de duas pesquisas em andamento sobre as
condições de trabalho do assistente social na Proteção Social Básica e na
Proteção Social Especial. É também, parte de pesquisa de Iniciação Científica
2015-2016 da Universidade Estadual do Paraná - Unespar, campus Paranavaí,
que objetiva identificar a organização dos serviços da Política de Assistência
Social nos 29 municípios de abrangência do Escritório Regional de Paranavaí Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social do Estado Paraná.
Esse artigo tem como objetivo apresentar a organização dos serviços de
assistência social ofertados nos municípios referenciados pelo Escritório
Regional de Paranavaí/PR da Secretaria de Estado Trabalho e Desenvolvimento
Social. Os municípios são: Alto Paraná, Amaporã, Cruzeiro do Sul, Diamante do
Norte, Guairaçá, Inajá, Itaúna do Sul, Jardim Olinda, Loanda, Marilena, Mirador,
Nova Aliança do Ivaí, Nova Londrina, Paraíso do Norte, Paranacity,
124
Estudante do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná campus
Paranavaí
e
Bolsista
PIBIC
2015-2016.
E-mail:
[email protected].
125 Estudante do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná UNESPAR, campus Paranavaí e Bolsista PIBIC 2015-2016.E-mail: [email protected].
UNESPAR,
333
Paranapoema, Paranavaí, Planaltina do Paraná, Porto Rico, Querência do Norte,
Santa Cruz do Monte Castelo, Santa Izabel do Ivaí, Santa Mônica, Santo Antônio
do Caiuá, São Carlos do Ivaí, São João do Caiuá, São Pedro do Paraná,
Tamboara e Terra Rica.
Cabe ressaltar que o Estado do Paraná organiza política e
administrativamente os seus 399 municípios através de 22 regiões denominadas
Escritórios
Regionais
que
são
unidades
descentralizadas
para
o
assessoramento dos municípios. O Escritório Regional de Paranavaí-PR
referencia os 29 municípios de sua região. (PARANÁ, 2015).
Essa região, possui particularidades em seu território de abrangência,
uma delas é que a 27 municípios da região são pequeno porte I com população
de no máximo 20 mil habitantes, 1 município de pequeno porte II e 1 município
de médio porte, que não ultrapassa 100 mil habitantes. Ainda, no que se refere
ao Índice de Desenvolvimento Social (IDH), a região congrega índices que
variam de 0,605 (São Pedro do Paraná) a 0,763 (Paranavaí). (IPARDES, 2015).
Dessa forma, torna-se importante a realização desse estudo, pois,
possibilitará retratar um panorama regional da organização dos serviços
socioassistenciais, principalmente no âmbito de municípios de pequeno porte I,
o que possivelmente servirá de subsídio para diversos debates e poderá
contribuir em avanços para a política de assistência social em nível regional.
A
ASSISTÊNCIA
SOCIAL
COMO
POLÍTICA
PÚBLICA
E
A
ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS SOCIOASSISTECIAIS
A Constituição Federal de 1988 inaugura um novo paradigma para
Assistência Social, apontando para o seu status de política pública de proteção
social, no campo da Seguridade, compondo junto a Saúde e a Previdência, o
tripé da Seguridade Social brasileira. Logo, é reconhecida enquanto direito social
e dever do Estado na sua garantia. Essa concepção rompe substancialmente
com a lógica historicamente impregnada na trajetória da assistência social no
Brasil, marcada pela caridade, benemerência, clientelismo, assistencialismo e
focalização.
334
A assistência social foi regulamentada somente em 1993, através Lei
Orgânica da Assistência Social – LOAS, que define a assistência social como
direito do cidadão e dever do Estado, enquanto política de seguridade social não
contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto
integrado de ações de iniciativa pública, para garantir o atendimento às
necessidades básicas. (BRASIL, 1993).
Em 2004 ocorre a aprovação da Política Nacional de Assistência Social
(PNAS) em reunião do CNAS (Conselho Nacional da Assistência Social)
(Resolução n. 145, de 15 de outubro de 2004, publicada no Diário Oficial da
União em 28 de outubro). Essa por sua vez, estrutura a assistência social em
níveis de proteção social a partir da perspectiva socioterritorial (considera as
diversidades locais e regionais), tendo como base de referência a família e
socialização primária.
As mudanças ocorridas a partir de 2004 regulamentam a PNAS por meio
da configuração no campo da proteção de um Sistema Único de Assistência
Social – SUAS, que prevê a articulação de serviços, programas, projetos e
benefícios socioassistenciais, hierarquizados por níveis de gestão de acordo
com a complexidade da proteção a ser garantida e do porte de cada município
da federação. É um sistema público não contributivo, descentralizado e
participativo, que tem por função a gestão do conteúdo específico da assistência
social no campo da proteção social brasileira.
Em 2009 aprova-se a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais
(Resolução nº 109/2009). Nesta, os serviços e programas assistenciais são
divididos por nível de complexidade do SUAS. No nível de Proteção Social
Básica estão os Serviços de Proteção e Atendimento Integral a Família-PAIF;
Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos-SCFV; e o Serviço de
Proteção Social Básica no domicílio para pessoas com deficiência e idosas.
A Proteção Social Especial é subdividida em dois níveis: média e alta
complexidade. Na média complexidade a responsabilidade pela oferta dos
Serviços de Proteção Especial a indivíduos e Famílias - PAEFI; Serviço
Especializado em Abordagem Social; Serviço de Proteção Social a Adolescentes
335
em Cumprimento de Medidas Socioeducativa de Liberdade Assistida- LA, e de
Prestação de Serviços à Comunidade-PSC; Serviço de Proteção Especial para
pessoas com Deficiência, Idosas e suas Famílias; Serviço Especializado para
Pessoas em Situação de Rua. Na alta Complexidade estão os Serviços de
Acolhimento
Institucional,
dividido
nas
seguintes
modalidades:
Abrigo
Institucional, Casa-Lar, Casa de Passagem e Residência Inclusiva; Serviço de
Acolhimento em República; Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora;
Serviço de Proteção em Situações de Calamidades Públicas e de Emergências.
Após uma década da construção da PNAS e do SUAS, percebe-se que
política de assistência social teve grandes avanços no que se refere a
organização e capilaridade dos serviços em todo território nacional, mas, cabe
ressaltar que é um processo em movimento e que possui suas contradições.
A
ORGANIZAÇÃO
DOS
SERVIÇOS
NOS
29
MUNICÍPIOS
REFERENCIADOS PELO ESCRITÓRIO REGIONAL DE PARANAVAÍ - PR
A organização e a disponibilidade dos serviços ofertados refletem
diretamente o acesso e cobertura da proteção social a população. A proteção
social, por sua vez, deve ser entendida como direito, tendo a compreensão de
que a vulnerabilidade social significa, além de ausência de renda, condições
desiguais de vida. Ela deve causar impactos, através de mudanças de vida na
população, se universalizando, trazendo debates em diversas áreas, ampliando
a cobertura de todas as políticas sociais a todos que delas necessitarem, para
que realmente se efetive como direito social que garanta “[...] o estabelecimento
de um compromisso social em torno da garantia de proteção a riscos e
vulnerabilidades estendida a toda a população”. (JACCOUD, 2009, p. 13).
A responsabilidade de prover a proteção é do Estado, por meio de ações
públicas específicas, e que se propõe a enfrentar situações de risco e de
privações, uma vez que “[...] A proteção social pode ser definida como um
conjunto de iniciativas públicas ou estatalmente reguladas para a provisão de
serviços e benefícios sociais visando enfrentar situações de risco social ou
privações sociais”. (JACCOUD, 2009, p. 58).
336
A proteção social expressa e que deve ser operada pela PNAS envolve
um conjunto de seguranças: segurança de acolhida, segurança social de renda,
segurança de convívio, segurança de desenvolvimento de autonomia e
segurança de benefícios materiais ou em pecúnia. Contudo, para que as
seguranças sociais se efetivem e promovam a proteção social é necessária a
articulação de serviços e benefícios. Nesse sentido, conforme explica Sposati
(2011), o benefício precisa estar vinculado a um conjunto de serviços, pois, o
modelo de gestão além de cadastrar beneficiários, necessita vincular
territorialmente os benefícios a um conjunto de serviços que fortaleçam as
condições do cidadão.
Nesse sentido, esse estudo apresenta a organização dos serviços cofinanciados pelo Governo Federal nos municípios referenciados pelo ER de
Paranavaí, retratando o panorama da região que possui 246.526 mil habitantes,
o que representa 2,36% da população do Estado do Paraná (PARANÁ, 2015).
Desses 29 municípios da região, 27 são municípios de pequeno porte I, ou seja,
com população até 20 mil habitantes, 1 município de pequeno porte II, com
população de 20.0001 a 50.000 mil habitantes e 1 município de médio porte, com
população de 50.001 a 100 mil habitantes. (PNAS/2004).
Em termos de organização dos serviços socioassistenciais de proteção
social básica, em nível nacional, o último relatório divulgado em abril de 2015 Censo SUAS (2014) - demonstra que a Proteção Social Básica é constituída no
país por 8.088 CRAS. Destes, 6,9% estão localizados no Estado do Paraná, que
possui atualmente 555 CRAS e na região objeto de estudo tem-se 29 CRAS em
funcionamento, o que representa 5,22% do número de unidades do estado do
Paraná. Ainda, levantou-se que das 8.088 unidades, 1.471 não possuem cofinanciamento Federal, sendo que 2 destes CRAS estão localizadas na região
do ER de Paranavaí.
Em relação à quantidade de CRAS por porte de município, constatou-se
que 3998 (49,4%) se localizam em municípios de pequeno porte I, 1426 (17,6%)
em municípios de pequeno porte II, 763 (9,4%) em municípios de médio porte,
1496 (18,5%) em municípios de grande porte e 405 (5,0%) em metrópoles.
337
O levantamento revela ainda que em termos nacionais mais de 90% das
unidades oferecem atividades relacionadas ao Serviço de Proteção e
Atendimento Integral à Família (PAIF), o que abrange o acompanhamento
1.708.372 de famílias. Na região, 100% dos municípios desenvolvem o serviço
PAIF.
No que tange ao Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos
(SCFV), a pesquisa sinaliza que 88,9% dos CRAS oferecem o serviço, o que
corresponde a 7.189 CRAS, enquanto que, apenas 899 unidades não ofertam
tal serviço. No Estado do Paraná 1.456 unidades de CRAS desenvolvem o SCFV
e em nível regional constatou-se que os 29 municípios desenvolvem o serviço.
Verificou-se por meio da SAGI (2015), que em nível regional nenhum
dos municípios possui o financiamento Federal para o desenvolvimento do
Serviço de Proteção Social Básica no domicílio para pessoas com deficiência e
idosas, o que possivelmente reflete para o não desenvolvimento de todos os
serviços de proteção social básica, conforme expresso na Tipificação dos
Serviços socioassistenciais. (2009).
No âmbito da Proteção Social Especial, a quantidade de CREAS
existentes no Brasil é de 2.372 unidades. Destes, 156 destes estão localizados
em municípios do Estado do Paraná e 04 em nível regional, que corresponde
5,93% do total de unidades do país.
O Censo SUAS (2014) aponta que o total de casos (famílias ou
indivíduos) acompanhamento pelo Serviço de Proteção e Atendimento
Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI) em nível nacional em agosto de
2014 foi de 228.052, o que corresponde a uma média de 101,1 casos por
unidade de atendimento - CREAS. No Paraná são 2.171 unidades de CREAS
que desenvolvem o serviço PAEFI e na região são 03 unidades, que corresponde
a 7,9% do Paraná. Verifica-se assim, que dos 04 CREAS em funcionamento na
região, apenas 1 não desenvolve o PAEFI.
O serviço Especializado em Abordagem Social é realizado por
aproximadamente 38% dos CREAS brasileiros, ou seja, por 913 unidades,
contudo, apenas 413 CREAS possuem equipe exclusiva para Abordagem
338
Social. Ainda, na região pesquisada, nenhum dos municípios desenvolvem este
serviço com co-financiamento Federal (SAGI, 2015).
Acerca do atendimento a situações de famílias com adolescentes em
cumprimento de Medida Socioeducativa PSC e LA, no âmbito do PAEFI, 83,7%
dos CREAS do Brasil possuem esse tipo de atendimento co-financiado,
enquanto que 16,3% não. (CENSO SUAS, 2014). Em âmbito estadual são 1.456
unidades que desenvolvem o serviço, enquanto que, na região há 18 municípios
com co-financiamento para do serviço de PSC, o que não necessariamente
representa que o serviço se desenvolva no CREAS, visto que, apenas 04
municípios da região possuem essas unidades de atendimento.
Quanto ao Serviço de Proteção Social Especial para pessoas com
deficiência, idosos e famílias, o Estado do Paraná possui co-financimento
Federal para 3474 municípios. Na região, 17 municípios possuem cofinancimento para esse tipo de serviço (SAGI, 2015). No que se refere ao Serviço
Especializado para Pessoas em Situação de Rua, constatou-se que nenhum dos
29 municípios possui co-financiamento Federal para o desenvolvimento desse
serviço.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da PNAS/2004, SUAS/2005 e as regulações recentes da
assistência social, observa-se a capilaridade da oferta de serviços da assistência
social em todo o território nacional, cabe ressaltar que os Estados e regiões
possuem particularidades em relação a cobertura e quantidade de oferta dos
serviços.
No que se refere a região pesquisada verificou-se que em todos os
municípios da região possuem CRAS e recebem co-financiamento federal para
o desenvolvimento dos serviços PAIF e SCFV. Ressalta-se que através da
pesquisa identificou-se que não há o co-financiamento federal para o
desenvolvimento do serviço de acompanhamento de idosos e deficientes na
proteção básica.
339
No que se refere a proteção social especial a pesquisa demonstrou que
nos 29 municípios referenciados pelo ER-Paranavaí existem apenas 4 CREAS
co-financiados e apenas 3 desenvolvem o PAEFI e nenhum deles possui cofinanciamento para a oferta do serviço de abordagem de rua. Em relação ao
serviço de medida socioeducativa – PSC e LA, 62% dos municípios da região
recebem o cofinanciamento para o serviço PSC, ainda, 58% recebem para o
desenvolvimento do serviço de proteção especial para pessoas com deficiência,
idosos e famílias e nenhum deles possuem co-financiamento para o serviço de
abordagem de rua.
Cabe ressaltar que esse artigo deriva-se de pesquisa em andamento e
representa o primeiro contato com o objeto de estudo. O levantamento
apresentado, ainda que neste primeiro momento demonstre apenas a oferta dos
serviços de assistência social com co-financiamento federal, o objetivo do projeto
de pesquisa em andamento visa construir um retrato da organização dos
serviços socioassistenciais nos 29 municípios da região administrativa do ER de
Paranavaí – PR, tanto em termos de serviços co-financiados, quanto em relação
à quantidade e organização daqueles executados por recursos próprios
municipais. Para tanto, requer a realização de pesquisa in loco que poderá
possibilitar uma reflexão mais aprofundada sobre o tema.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição Federal de 1988.
BRASIL. Lei nº. 8.742, de 07 de dezembro de 1993. Cria a Lei Orgânica da
Assistência Social. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília,
DF, 1993.
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2009.
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Social (NOB/SUAS). 2014.
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340
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municípios
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SAGI. Pesquisa de informações: Informações Municipais. Disponível em:
http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/portal/ Acesso em: 21 set.2015.
341
SERVIÇO SOCIAL E MEIO AMBIENTE: UMA ANÁLISE DA
PRODUÇÃO CIENTÍFICA CONTEMPORÂNEA
126Katia
Helena Pereira Gall
RESUMO
O presente trabalho propõe uma análise sobre o serviço social e o Meio
Ambiente quanto à produção científica contemporânea brasileira, de acesso livre
on-line, destacando as Revista Serviço social & Sociedade e Revista Kátalysis
com avaliação “Qualis A1”, definida pela CAPES. Temporalmente, a pesquisa
parte entre os anos 2003 a 2014, período dos artigos disponibilizados pelas
revistas selecionadas. Esse período, também é marcado por uma maior
problematização e necessidade de mudanças frente à degradação ambiental e
as séries de desastres ambientais que marcaram o mundo. Nesta reflexão, a
relação entre o homem e a natureza, parte de uma associação indissolúvel para
126
Assistente Social, graduada pela Universidade Cândido Mendes- RJ. Atualmente, cursando
pós-graduação em: Assistência a usuários de álcool e drogas – PROJAD/IPUB- UFRJ.
342
a preservação e manutenção da vida. Ao mesmo tempo, constatamos que a
inserção do assistente social nesse contexto ocorre como uma das variadas
demandas emergentes das expressões da questão social e que requer urgência
de pesquisa e intervenção na área. Conclui-se que as produções, dentro do
universo de estudo analisado, ainda são ínfimas, diante da necessidade de
enfretamento da barbárie capitalista ecológica.
Palavras-Chaves:
Serviço Social. Meio Ambiente. Produção Científica.
Introdução
Existe uma crise ambiental que a cada momento vem tomando
proporções grandiosas. Há muito tempo a natureza vem demonstrando sua fúria
com relação às ações inconsequentes e ambiciosas do homem: desmatamento,
poluição,
aquecimento
global,
degradação
ambiental,
contaminação,
queimadas. A partir do surgimento do sistema capitalista e das relações sociais
desarmônicas e conflituosas envolvendo a burguesia e o proletariado, a
“Questão Social” tornou-se um desafio aos povos em termos econômicos e
políticos. A questão social atinge os diferentes países, com menor ou maior
intensidade conforme suas conjunturas, “[...] através de outras noções como
pobreza, precariedade econômica, carência, desigualdade e exclusão” (JAMUR,
1997, p.183).
O meio ambiente, enquanto uma expressão da questão social pode
ser compreendido como “tudo aquilo que cerca ou envolve os seres vivos e as
coisas, incluindo o meio sociocultural e sua relação com os modelos de
desenvolvimento adotados pelo homem” (LEAL 2007, p.107). No entanto, a
equidade dos meios de vida, a preservação dos recursos naturais não é
partilhada equilibradamente.
O uso crescente dos recursos naturais da sociedade industrial
provocou desequilíbrios tantos sociais quantos ambientais. As preocupações ao
longo da existência humana, devido à escassez dos recursos naturais, vêm
despertando atenções dos diferentes espaços do globo. A apropriação da
343
natureza pelo homem está inserida numa forma social. O homem detém o poder
de modificar a natureza, de modificar o comportamento da sociedade. O
processo de analisar essas modificações e atuação por um aspecto político
frente à crise ambiental iniciou-se no século XX, com participação dos
movimentos sociais. As transformações decorrentes desses movimentos
instituíram-se na organização política e econômica da sociedade, denominandose de “revolução ambiental”. Essa preocupação emergiu ainda no final do século
XIX, e se aprofundou após a Segunda Guerra Mundial, com importantes e
significativas mudanças em nível global. A consciência ambiental127 desperta um
questionamento da ciência e da tecnologia, estas avançavam rapidamente
diante da atividade produtiva no sistema capitalista.
As décadas de 1960 e 1970 demarcaram uma profunda preocupação
da sociedade, frente ao desenvolvimento econômico e o meio ambiente. No
Brasil a atuação dos movimentos ambientais entorno dessa problemática ocorre
a partir dos anos 1970, manifestando-se de diversas formas: mobilizações,
recursos
(materiais
e
intelectuais),
produções
de
conhecimentos,
problematizando e buscando perspectivas de soluções em relação ao tema
(BERNARDES & FERREIRA, 2012). Nos anos 1980, os movimentos sociais em
prol do meio ambiente aparecem na cena pública, visando à relação
homem/natureza “ocasionado por todo um conjunto de processos econômicos,
políticos, jurídicos, sociais e culturais- de forma que a questão socioambiental se
materializa enquanto questão social no país” (SAUER & RIBEIRO, 2012, p.391).
Diante desse contexto, em 31 de agosto de 1981, foi estabelecia a Lei n° 6.938,
com a finalidade de definir e implementar a Política Nacional do Meio Ambiente.
No inciso I, do artigo 3º, na qual define o Meio Ambiente como "o conjunto de
condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (BRASIL, 1981). Este
A consciência ambiental deriva da constatação trágica de que o meio ambiente não é um” bem
público puro” (OLSON,1965). Em outras palavras, o consumo individual de recursos ambientais implica
diminuição de recursos para a sociedade como um todo. A ameaça à sua disponibilidade como bem público
torna, então, o meio ambiente um problema social (FUKS, 2001).
127
344
processo contribuiu com “A Constituição de 1988, que foi a primeira a tratar
especificadamente da questão ambiental” (CUNHA & COELHO, 2012, p.53).
Primeiras anotações sobre a inserção do Serviço Social na temática
do Meio Ambiente
A problemática ambiental tem sido apresentada a diversas áreas do
conhecimento. Portanto, o serviço social também se posiciona ao tema e abre
novos questionamentos. O serviço social é uma profissão de inserção em
espaços políticos e estratégicos, ligado à ideia de cidadania e igualdade social.
Nessa perspectiva, Pereira (2007), aponta que a profissão possui fortes vínculos
com a temática ambiental, e aos ideais ambientalistas, na busca por uma
sociedade sustentada no equilíbrio social e natural. Além disso, o papel do
assistente social está inserido no de mediador entre o “ecológico” e o “social”, ou
seja, de intermediar as relações “[...] entre o ser humano e seu meio, entre o
cidadão e a sociedade, contribuindo como [...] facilitadores sociais de uma nova
cultura: a participação social” (IRIGALBA, 2011, p. 17).
Dentro desse âmbito, Silva (2012), o conjunto CFESS/ CRESS,
intensifica que o serviço social está atento para dinâmica, e contribuindo de
forma crítica e ética frente às possibilidades do projeto profissional da profissão
a ser inserido no amplo debate acerca das questões ambientais. De acordo com
Gomez, Pérez e Aguado (2011), o assistente social, a partir de sua atividade
profissional, pode contribuir para a melhoria do entorno. Como ponto de partida,
o I Congresso de Serviço Social e Meio Ambiente, através dos patrocinadores,
assumiram uma tarefa de criar/ recriar consciência no âmbito humano que lhes
compete, nas formas de pensar e agir de nossa sociedade. (LIBRERO, VÉLEZ
E SANCHEZ 2011). Quando o homem modifica seu habitat natural para o meio
modificado, ele ascende novas necessidades ao seu modo de vida, ou seja, a
partir do meio modificado o homem altera os recursos naturais às necessidades
do mercado que visa o crescimento econômico. Essa alteração no habitat natural
aguça a problemática ambiental, a escassez dos recursos naturais em favor da
sociedade de consumo (IRIGALBA 2011).
345
O profissional de serviço social está capacitado para analisar a
dinâmica social, no contexto que requer uma ação interventiva pautado na visão
crítica da realidade dos atores sociais (ROCHA 2013).
Análise da produção teórica do Serviço Social Brasileiro sobre o
tema Meio Ambiente
Este trabalho trata-se de uma análise da contribuição da produção
científica do Serviço Social Brasileiro na contemporaneidade referente à
inserção do assistente social na temática ambiental. Recortamos o nosso estudo
a partir dos periódicos científicos de acesso livre online, com qualificação
“Qualis” A1, na área do Serviço Social, definidos pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), especificados: Revista
Serviço Social & Sociedade e Revista Kátalysis.
O tema do meio ambiente é uma discussão recente no universo do
serviço social, entra em cena, decorrente de um processo histórico de
apropriação dos recursos naturais e degradação do meio ambiente. Para
sistematização do tema, a pesquisa bibliográfica, como base para análise
metodológica das produções cientificas contemporâneas. Gil (2014), a principal
vantagem da pesquisa bibliográfica reside na possibilidade de permitir ao
investigador a abrangência de uma gama de fenômenos do que poderia
pesquisar diretamente. Dentro desse âmbito, esse tipo de pesquisa requer um
refinamento na obtenção de uma bibliografia adequada e de relevância nos
meios acadêmicos e científicos.
A visibilidade da produção científica, por meio da informação,
demanda a produção de novas pesquisas, além da disseminação do
conhecimento produzido e sua aplicabilidade na realidade social. Assim,
conforme Chalhub e Guerra (2011, p. 186): “[...] pesquisa científica é conferido
o aspecto social por meio da troca de informação entre pares. É na comunicação
que a ciência se torna um fato social”.
346
O Código de Ética Profissional128 (1993, p. 34), do Assistente Social,
promulga dentre seus princípios fundamentais “Compromisso com a qualidade
dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual, na
perspectiva da competência profissional”. Portanto, esse princípio elenca o
aprimoramento científico e profissional dando visibilidade a profissão. Ressaltase que, a Lei n° 12.527/2011129, regulamentou o direito constitucional de acesso
às informações públicas ao cidadão, no exercício pleno de acesso, previsto na
Constituição Federal 1988. A Lei define dentre outros, prazos e procedimentos
para a socialização das informações. Além disso, determina a divulgação mínima
do rol de informações a serem disseminadas por meio da internet, em acesso
livre.
Nesse
sentido,
democratização
ao
a
socialização
acesso
das
dessas
informações
publicações,
científicas
explicita
a
inerentes
à
pesquisadores, estudantes e a todos que objetivam o conhecimento científico.
Com base na Avaliação Trienal CAPES, documento de área
(2013)130, o Estrato A1 classificado como de qualidade e excelência, utilizou-se
as Revistas Katálysis e Serviço Social & Sociedade, como base para pesquisa
bibliográfica/procedimento metodológico. Para responder o objetivo do trabalho
faz-se fundamental a análise das produções teóricas encontradas.
A revista Katálysis é dirigida ao Programa de Pós-graduação em
Serviço Social e Curso de Graduação de Serviço Social É direcionado aos
profissionais do Serviço Social e áreas afins, pesquisadores, professores e
segmentos da sociedade civil e política. Iniciou a disponibilidade de publicações
em acesso livre online no ano de 1997. Contabiliza-se até o ano de 2014: 251
periódicos em espaços temáticos. Todavia, para discussão e problematização
128
Referência a um dos onzes princípios fundamentais do Código de Ética Profissional
dos Assistentes Sociais. Assistente Social: Ética e Direitos – Coletâneas de Leis e
Resoluções.v.1. CRESS -7° Região/ junho 2008.
129 Lei de Acesso à Informação, n° 12.527 de 18 de novembro de 2011, sancionada
pela Presidenta da República Dilma Roussef.
130 Dados obtidos dentro do documento de área 2013 de Serviço Social da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Diretoria de Avaliação.
Disponível:http://www.capes.gov.br/images/stories/download/avaliacaotrienal/Docs_de_area/Se
rvi%C3%A7o_Social_doc_area_e_comiss%C3%A3o_16out.pdf
347
foram identificados 15 artigos sobre a temática ambiental, iniciando-se no ano
de 2003.
O primeiro periódico, no ano de 2003, na revista v.6, n.2, com o título:
“Cidade, participação, transformação”, explicita uma problematização em torno
da questão ambiental, especificamente na expansão da questão urbana. Os
autores já traziam à tona questões estruturais dos espaços. Os questionamentos
eram acerca das gestões dos órgãos públicos. Totalizando (03) artigos.
Decorrido um longo período, no ano de 2010, a revista publicou (01)
artigo, em torno da temática ambiental: “A classe social entre parênteses? O
caso da Aldeia Gay em Buenos Aires”, associando o tema meio ambiente e as
desigualdades e gênero na edição: v.13n.1. No ano de 2011, a revista não
disponibilizou artigos sobre o tema. No entanto, a produção do ano de 2012,
direcionou-se ao tema por meio de um uma edição temática, intitulada:
“Relações sociais, desenvolvimento e questões ambientais”, com (10) artigos
v.15, n.1, retornando uma “tomada de consciência” aos assuntos relacionados a
questionamentos e reflexões sobre a problemática ambiental. No ano de 2013,
a temática não obteve expressividade nos periódicos, contabilizando, (01) artigo
para discussão: “Mulheres e lutas socioambientais: as interseções entre o global
e o local”, v.16, n.2. No ano de 2014, não contabilizou publicações sobre o tema.
Constata-se após análise, que a maioria dos autores que abordaram
o tema meio ambiente é da Universidade Federal de Santa Catarina. Cabe a
ressalva, que a revista é dessa região. Contudo, os autores publicaram uma
única vez. Dessa forma, avalia-se mais um ponto crítico na baixa produção
científica sobre o tema. Destaca –se os descritores mais recorrentes: (05) meio
ambiente; (04) natureza; (04) questão ambiental (02) desenvolvimento
sustentável.
Diante da análise bibliográfica, observa-se que a temática ambiental é um
tema de pouca visibilidade disseminado cientificamente na referida revista. É
relevante esse resultado, dado a atual conjuntura que retrata fatos alarmantes
referentes as questões ambientais. Essa análise sistematizada, explicita a
urgência e a articulação da categoria com a temática ambiental através da
348
produção e socialização nos meios acadêmicos e científicos, de um tema
inerente à preservação da vida humana.
A Revista Serviço Social & Sociedade, que foi criada em 1979 na
versão impressa e passou a ter acesso livre online a partir de 2010. Na análise
realizada nos periódicos de acesso constata-se que a revista disponibilizada
online, possui em seu acervo a soma de 162 artigos publicados entre os anos de
2010 a 2014. Em adição, a revista possui 04 edições anuais. No entanto, foram
publicados somente 04 periódicos sobre o tema meio ambiente e seus termos
afins.
No ano de 2010, o primeiro periódico de acesso livre abordou a
ecologia de esquerda, o ecossocialismo, no qual o autor brasileiro Löwy, destaca
as mudanças às reformas ecossociais. No segundo artigo em 2011, ênfase as
cooperativas de catadores de materiais recicláveis, associando as condições
precárias de trabalho, capitalismo a temática ambiental. Uma nova publicação
no ano de 2013, destaca uma reflexão sobre o pensamento de Marx, Engels e
Lukács associando o gênero humano a natureza, a partir da abordagem e
aprofundamento teórico desses autores. No ano de 2014, o periódico, destaca a
discussão sobre meio ambiente e a pesca artesanal. Verifica-se descritores
recorrentes ao tema: Ecos socialismo; ambiente; meio ambiente; Ecossocialista
e Esquerda Ecológica. Diante disso, constata-se em relação aos temas
abordados, autores embasados e renomados. Todas as contribuições foram em
nível nacional. Com destaque para Michael Löwy, brasileiro radicado na França.
Conclusão
O presente trabalho permitiu uma breve análise parte da contribuição
científica contemporânea do Serviço Social na temática do meio ambiente.
Verifica-se a importância da disseminação de informações, que venham
contribuir a novos questionamentos e busca de soluções que efetivamente
venham combater a barbárie ambiental. E como tal sistematizar toda a
problemática como oriunda de um sistema capitalista, que vem dizimando a terra
em prol dos lucros. De tal forma que toda sequela deste sistema, alarga mais as
349
expressões da Questão Social.Com base nas análises, constata-se que ambas
revistas disseminam pesquisas de diversas áreas do conhecimento, todavia,
poucos questionamentos acerca da urgência em decisões para o enfrentamento
da questão socioambiental foram encontrados. Pôde-se constatar que as
contribuições cientificas do Serviço Social ainda são ínfimas na temática
ambiental, decorrente de uma recente, porém significativa inserção, no entanto
necessita ser ampliada, elevando a contribuição e atuação na temática do meio
ambiente em defesa dos sujeitos sociais e ao meio em que vivem. No
desenvolvimento da pesquisa, questão norteadora como: “o que o serviço social
pode contribuir na perspectiva de garantias de direitos, e transformar essa
realidade que assola todo o globo? ”. Pois bem, a resposta não se finda nessa
pesquisa, porém o assistente social pode sim contribuir no seu exercício
profissional, lutar pela conscientização dos direitos coletivos, inseridos nesse
universo da conscientização e preservação ambiental, no propósito de um meio
ambiente mais saudável no exercício da cidadania, e no pleno direito à vida.
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necessário. In: encontro latino americano de iniciação científica, encontro latino
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2012.
SILVA, L.V. O meio ambiente como um novo campo de intervenção para
o serviço social. In: simpósio internacional de ciências integradas universidades
de Ribeirão Preto, UNAERP. – Campus Guarujá.
351
SENSIBILIZANDO PARA EDUCAR NAS POLÍTICAS PÚBLICAS –
RELATO DA PRÁTICA
Marialda Esmanhotto
RESUMO
O presente trabalho tem como eixo norteador a práxis realizada através
de encontros com Educadores Sociais de Abrigo Institucional para Adolescentes,
no período compreendido de julho a novembro de 2015. O objetivo foi aproximar
à práxis da teoria, além de intensificar a importância do Educador Social junto à
Política de Assistência Social, oportunizar a socialização de informações e o
trabalho interdisciplinar. A metodologia utilizada se formalizou através da
“educação problematizadora”, libertadora e que favorece a aproximação da
realidade vivenciada pelos educadores e da reflexão acerca da prática. Quando
nos referimos a Educação Popular e Educação Problematizadora e as relações
que são estabelecidas entre o refletir, agir e buscar respostas na própria
realidade, só poderíamos utilizar como referencial teórico o educador Paulo
Freire. Sendo educador que trabalhou no meio dos oprimidos, dos excluídos e a
partir da realidade aponta caminhos que podem ser trilhados no sentido de
discutir uma proposta educacional voltada a emancipação humana.
Palavras-chave: Educadores Sociais; Abrigo Institucional para
Adolescentes; Trabalho interdisciplinar.
INTRODUÇÃO
Convivemos em uma sociedade capitalista, que é moldada por uma
cultura individual e segue regulamentos determinados pelo incentivo da
352
globalização, que promove modificações nas relações que refletem diretamente
no âmbito familiar, educacional e social.
Diante disso, educar se torna uma arte e nesse contexto tão atribulado
encontramos o Educador Social como um profissional que atua diretamente com
usuários em situação de vulnerabilidade social e com direitos violados.
Desempenhar funções de educador junto a crianças, adolescentes e
familiares não é uma tarefa fácil e além do mais, estes apresentam maneiras,
condutas ímpares, próprias do ser humano e assim trazem consigo valores,
experiências e culturas intrínsecas que podem interferir na atuação e no papel a
ser desenvolvido pelo Educador Social.
Assim, inicialmente através da escuta qualificada junto aos Educadores
Sociais que atuam diretamente na Proteção Social Especial de Alta
Complexidade, destacando Abrigo Institucional para Adolescentes, se verificou
a necessidade da realização de um trabalho contínuo de capacitação.
Partindo da definição de que Abrigo Institucional,
Serviço que oferece acolhimento provisório para crianças e
adolescentes afastados do convívio familiar por meio de medida
protetiva de abrigo (ECA, Art. 101), em função de abandono ou cujas
das famílias ou responsáveis encontram-se temporariamente
impossibilitados de cumprir sua função de cuidado e proteção, até que
seja viabilizado o retorno ao convívio com a família de origem ou, na
sua impossibilidade, encaminhamento para família substituta.
(BRASIL, 2009).
Dentro da realidade apresentada foram elencados eixos temáticos a
serem socializados com os Educadores Sociais, sendo: cuidados com quem
cuida; o papel do educador, as competências (formas de intervenção, reflexões
sobre os problemas que surgem no cotidiano profissional), o relacionamento
educador e educando; o educador social e os familiares; legislações que
envolvem a temática além da Política Nacional de Assistência Social
(PNAS/2004), o Sistema Único de Assistência Social (SUAS/2005), a Tipificação
Nacional de Serviços Socioassistencias (2009), as Orientações Técnicas:
Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes (2009) e o Estatuto da
Criança e Adolescentes (ECA/1990).
353
Os Educadores Sociais possuem uma grande relevância no cenário
profissional brasileiro, principalmente no âmbito social, peças importantes em
equipes interdisciplinares juntamente com assistentes sociais, psicólogos,
pedagogos, advogados, dentre outros profissionais que atuam junto as Políticas
Públicas.
DESENVOLVIMENTO
Quando falamos em capacitações tomamos como referencial teórico as
Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes
(2009) que, estabelece:
investir na capacitação e acompanhamento dos
educadores, assim como de toda a equipe que atua nos
serviços de acolhimento – incluindo coordenador, equipe
técnica e equipe de apoio – é indispensável para se
alcançar qualidade no atendimento, visto se tratar de uma
tarefa complexa, que exige não apenas “espírito de
solidariedade”, “afeto” e “boa vontade”, mas uma equipe
com conhecimento técnico especializado. (BRASIL, 2009).
Mesmo acontecendo capacitações aos Educadores Sociais, ainda
observou-se a necessidade de um trabalho condizente com a realidade, onde a
Assistente Social da Divisão de Proteção Social Especial (DPSE) realizou uma
“escuta qualificada” junto aos mesmos.
Para a realização da “escuta qualificada” foi elaborado um roteiro pré
estabelecido de perguntas que oportunizaram que os educadores pudessem
expor suas opiniões pertinentes, as suas funções dentro do Abrigo, apresentar
situações que vivenciaram com famílias dos adolescentes e que marcaram o
trabalho tanto positivo/negativo, como o educador percebe o adolescente que
está acolhido, se tem conhecimento do trabalho executado pela equipe técnica
e demais dificuldades ou entraves que pudessem prejudicar o desenvolvimento
de seu trabalho.
Desta maneira se optou em desenvolver uma capacitação baseada no
cotidiano. Tomou-se cuidado em não chamar o trabalho de “capacitação” e sim
de “sensibilização”, pois o mesmo veio para resgatar valores, aspectos culturais,
o cuidar de quem cuida, o papel e o perfil do educador, bem como, apresentação
354
do serviço, suas especificidades e regras, além das legislações pertinentes as
Políticas Públicas.
Assim, com intuito de nortear o trabalho foi elaborado um projeto piloto,
“Sensibilizando para Educar no âmbito das Políticas Públicas”. Onde foram
estipulados “encontros” com os Educadores Sociais que tiveram como propósito
uma abordagem de reflexão e análise, a partir da valorização da riqueza da
experiência, assim como de todos os conhecimentos que estão embutidos nessa
vivência e dão significados a ela.
Nos encontros os Educadores Sociais puderam expor livremente as suas
dificuldades, os desafios e entraves encontrados no cotidiano profissional e na
experiência em como lidar com crianças e adolescentes. O importante é que os
próprios Educadores puderam sinalizar os “problemas” e sugerir “soluções” para
as situações apresentadas, sendo uma construção coletiva e um trabalho de
equipe, através de “roda de conversa”.
Estes encontros se baseiam na educação problematizadora que exige a
superação da contradição educadora e educandos, sendo que,
ao processo educativo problematizador cuja finalidade é a
libertação da consciência oprimida, cabe a gestação da dialogicidade,
uma vez que o homem é concebido como um ser da comunicação e
que através do diálogo ele se comunica com o mundo e com os outros
homens. Para tanto, o sujeito cuja consciência passa pelo processo de
libertação e busca “ser mais” sente a necessidade de aprender e
ensinar a dialogar. Uma vez que, a antidialogicidade e a dialogicidade
são maneiras de atuar contraditórias, portanto, implicam em teorias
igualmente inconciliáveis. (FREIRE, 1980).
Os encontros foram elaborados e ministrados pela Assistente Social da
Divisão de Proteção Social Especial (DPSE). Os recursos materiais e didáticos
foram elaborados através de consultas bibliográficas, manuais, orientações e
legislações pertinentes as Políticas Públicas existentes.
Quando reportamo-nos ao processo de construção do saber profissional
a partir de uma dinâmica, detectamos no âmbito do serviço social, bem
explicitado por Baptista:
a especificidade que particulariza o conhecimento produzido
pelo serviço social é a inserção de seus profissionais em práticas
concretas. O assistente social se detém frente às mesmas questões
que os outros cientistas sociais, porém o que o diferencia é o fato de
355
ter em seu horizonte um certo tipo de intervenção: a intervenção
profissional. Sua preocupação é com a incidência do saber produzido
sobre a sua prática em serviço social, o saber crítico aponta para o
saber fazer crítico (BAPTISTA, 1992).
Em todos os encontros os Educadores puderam fazer uma avaliação
através de instrumental escrito, sem identificação que foram balizadores para
nortear temáticas, além daquelas já preestabelecidas no projeto piloto.
CONCLUSÃO
Partindo dos encontros realizados com os Educadores Sociais e das
“rodas de conversa” que foram estabelecidas também como uma forma de
metodologia, além da “escuta qualificada”, se constatou a importância da
reflexão junto à equipe de trabalho e que desempenhar suas funções contando
com o apoio de todos é essencial para o bom direcionamento de papéis de
responsabilidade da família, e daqueles que demandam intervenção direta do
Educador Social.
Quando estamos na posição de Educadores nossos valores, atitudes,
idéias e emoções se tornam visíveis e o que expressamos em um comentário, é
tão destrutivo quanto o que o educando vive ou já viveu, que pode marcar por
toda uma vida.
Como contribuição os encontros favoreceram que os Educadores
pudessem refletir que possuem características individuais e que como tais
possuem limitações e que o apoio efetivo e apoio social externo por parte dos
colegas, família e amigos é primordial para se auto proteger do seu cotidiano,
visando uma melhor qualidade de vida.
Detectou-se um fortalecimento entre as Educadoras Sociais, um maior
entrosamento e principalmente um “olhar diferenciado
para com os
adolescentes”, “maior flexibilidade e aceitação da situação apresentada pelos
adolescentes”. Portanto, os encontros resultaram em um começo de
aproximação entre os educadores e os adolescentes.
356
Quanto
ao
trabalho
interdisciplinar,
se
detectou
que
existe
desconhecimento por parte dos Educadores sobre algumas atribuições/funções
da equipe técnica, o que dificulta e impede o bom relacionamento entre toda a
equipe. Frente à situação apresentada, foi repassada sistematicamente a função
de cada trabalhador social e através de exemplos concretos, as educadoras
puderam refletir de como agiriam perante uma situação de acolhimento e
posteriormente foi demonstrado à práxis e toda a interação e o trabalho em rede
socioassistencial que é executado pela equipe técnica.
Realmente a concepção de que a equipe técnica teria somente a função
de elaborar “relatórios para o Judiciário”, foi substituída pela conscientização de
que todos os trabalhadores são importantes e que juntos é que fazem a diferença
e a qualidade no trabalho em prol da efetivação dos direitos e deveres dos
adolescentes.
Assim são fatores essenciais “o apoio e orientação permanente por parte
da equipe técnica do serviço, bem como de espaço para trocas, nos quais
possam compartilhar entre si experiências e angústias decorrentes da atuação,
buscando a construção coletiva de estratégias para o enfrentamento de
desafios”. (BRASIL, 2009).
Muitos são os pontos a serem trabalhados, principalmente em virtude das
demandas sociais e exigências profissionais. Mas, se espera que a iniciativa do
Projeto “Sensibilizando para Educar no âmbito das Políticas Públicas” possa
ser contínua e proporcionar cada vez mais reflexões inerentes a temática.
REFERÊNCIAS
BAPTISTA, Myriam Veras. A produção do Conhecimento Social
Contemporâneo e sua ênfase no Serviço Social. 5ª ed. São Paulo, Cadernos
ABESS, 1992.
357
BRASIL, Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente,
Conselho Nacional de Assistência Social. Orientações técnicas: Serviços de
Acolhimento para crianças e adolescentes, 2º ed. 2009.
FREIRE, Paulo. Extensão ou Comunicação? Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1980.
A PARTICIPAÇÃO POPULAR:
POSSIBILIDADE DE FORTALECIMENTO DO CONTROLE SOCIAL
NAS CONFERÊNCIAS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DOS CAMPOS GERAIS
Eliane Fátima Voitena131
Maysa N. de Vasconcellos Costa**
Resumo:
O presente artigo tem por objetivo refletir sobre o processo de participação social
da população nas discussões da política pública de assistência social nas
instâncias de controle social, sinalizando a participação nas Conferências
Municipais de Assistência Social. Para isso, partimos das reflexões históricas
relativas a democratização cidadã, a política de assistência social, o controle
social e a participação social. Procuramos destacar a importância da
participação social e do controle social no Sistema Único de Assistência Social,
a partir de autores que discutem a temática e das legislações em vigor. As
131 Assistente Social Consultora da Emancipar Assessoria e Consultoria, especialista Práticas
Interdisciplinares Junto a Família (2007) e Políticas Públicas para a Infância e a Juventude(2011) pela
UEPG
**
Assistente Social Consultora da Emancipar Assessoria e Consultoria, membro do Conselho
Fiscal do CRESS/PR Gestão 2014-2017, membro do Conselho Municipal de Direitos da Pessoa Idosa e do
Conselho de Políticas Públicas sobre Drogas de Ponta Grossa-PR.
358
Conferências realizadas no ano de dois mil e quinze nos municípios dos Campos
Gerais serviram como parâmetro de reflexão para este trabalho.
Palavras-chave
Política de Assistência Social; Participação social; Controle social;
Conferências.
Introdução
Decorridos vinte e sete (27) anos de promulgação da Constituição Federal
de 1988, vinte e dois (22) anos da regulamentação da Lei 8.742, de 07 de
dezembro de 1993 - Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS e dez (10) anos
de implantação do SUAS – Sistema Único de Assistência Social, faz-se
necessário realizar uma análise sobre os caminhos do controle social no âmbito
do SUAS.
Iniciamos esta análise a partir do processo de construção histórica
democrática, de cidadania, reconhecendo o fortalecimento do Estado e da
sociedade civil, fundamentalmente pela via dos espaços de diálogos entre os
sujeitos sociais governamentais e não governamentais.
Desta forma entendemos a necessidade da publicização das
práticas sociais que envolvem para além dos interesses individuais, que
representam interesses coletivos no ambiente público, assim as Conferências
vem para fortalecer a participação social popular e dar visibilidade pública as
ações construídas em conjunto com a esfera governamental.
Desenvolvimento
As conquistas obtidas pelas lutas sociais para efetivação da democracia
e da cidadania ocorridas na década de 1980, resultaram na Constituição Federal
de 1988, instrumento de efetivação e garantia de direitos, que no seu artigo
primeiro, parágrafo único, estabelece que todo poder emana do povo, que exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamente, que neste momento abre a
perspectiva para a articulação entre a democracia representativa e a
359
participativa, “possibilitando a democratização do Estado e legitimando a
criação, pelas leis que regulamentaram as políticas públicas, de órgãos
deliberativos institucionalizados, com participação da sociedade civil, como as
conferências e os conselhos” (OLIVEIRA e OLIVEIRA, 2011).
No sentido de realizar um de seus princípios fundamentais - a cidadania,
a Constituição Cidadã trouxe em sua concepção a assistência social como direito
e não mais como ações de benemerência das Instituições e do Estado. Ou seja,
a partir deste marco legal a assistência social passa a ser elemento fundamental
na luta pela realização dos objetivos de justiça e igualdade social.
A partir da década de 1990, iniciam os primeiros indicativos de
consolidação
da
democracia
através
da
regulamentação
dos
artigos
constitucionais, dentre os quais podemos destacar os art. 203 e 204 da
Assistência Social. Materializando esse processo, em 1993 o Presidente Itamar
Franco aprovou a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que estabelece
uma nova concepção para a Assistência Social, com o status de política social,
incluída no tripé da Seguridade Social. Então a assistência social passa a ser
reconhecida como um direito de cidadania, para todos que necessitarem, sem
contribuição prévia e de responsabilidade pública.
A Politica Nacional de Assistência Social132 - PNAS instituiu o SUAS,
reiterou a diretriz da LOAS no que se refere à participação da população na
formulação e no controle das ações, tendo como um dos eixos estruturantes do
sistema o controle social, enquanto “novas bases para a relação entre o Estado
e Sociedade Civil”. (PNAS, 2004)
COLIN faz referência ao processo de aprimoramento da LOAS que
representa a constituição do SUAS em todo o território nacional, “cumprindo no
tempo histórico dessa política as exigências para a realização dos objetivos e
resultados esperados que devem consagrar direitos de cidadania e inclusão
social (PNAS, 2004 p.23).
132
PNAS – aprovada em 2004, esse documento apresenta as diretrizes para efetivação da
assistência social como direito de cidadania e responsabilidade do Estado.
360
O Controle Social tem sua concepção decorrente da Constituição Federal
de 1988, como meio de efetivação da participação popular no processo de
gestão político administrativa-financeira e técnico-operativa, democrático e
descentralizado.
O termo controle social pode ser entendido como controle da sociedade
civil sobre as ações do Estado, com a perspectiva de garantir a participação dos
setores organizados da sociedade na formulação, gestão e controle das políticas
públicas, ou mesmo na definição de recursos para que estas atendam aos
interesses da coletividade (CORREIA, 2004). Entendemos que é o exercício de
democratização da gestão pública, que permite à sociedade organizada intervir
nas políticas públicas, interagindo com o Estado para a definição de prioridades
e na elaboração dos planos de ação dos municípios, estados e ou do governo
federal.
Neste sentido RAICHELLIS afirma que
a visão de controle social inscrita na Constituição Federal vai enfatizar a
participação dos setores organizados da sociedade civil, especialmente dos
trabalhadores e dos segmentos populares, na elaboração e implementação das
políticas públicas, propondo novas relações ente o movimento social e a esfera
da política institucional. (2011, p. 22).
E SILVA reitera que “a concepção de controle social requer ainda um
maior esclarecimento para poder superar limitações que impedem um exercício
democrático” (SILVA et al., 2009, p.263).
O controle social ocorre com a participação da população na gestão da política
social, compreendendo além das funções de fiscalizar e avaliar os Planos de
Assistência Social, as funções de controlar e acompanhar o financiamento e a
gestão dos fundos de Assistência Social (Pereira e Dal Prá, 2012).
Os
conselhos
destacam-se
como
espaço
privilegiado
de
participação da sociedade no exercício do controle social sobre as políticas
públicas, exercem um conjunto de ações de natureza sócio-política e técnicooperativa, objetivando exercer influências sobre as ações governamentais.
Nesse contexto, é oportuno elencar, de acordo com CAMPOS (2009), três
dimensões distintas e indissociáveis desse processo complexo:
a) a dimensão política, que refere-se à mobilização da sociedade para influenciar
a agenda governamental e indicar prioridades;
361
b) a dimensão técnica que corresponde ao trabalho da sociedade de fiscalizar a
gestão de recursos e a apreciação das ações governamentais, inclusive sobre o
grau de efetividade dessa última na vida dos destinatários; e
c) a dimensão ética que diz sobre a construção de novos valores e de novas
referências, fundadas nos ideais de solidariedade, da soberania e da justiça
social.
Segundo TATAGIBA (2002) os conselhos de políticas públicas, dentre os
quais ele situa os Conselhos de Assistência Social:
São em geral, previstos em legislação nacional, tendo ou não caráter obrigatório,
e são considerados parte integrante do sistema nacional, com atribuições
legalmente estabelecidas no plano da formulação e implementação das políticas
na respectiva área governamental, compondo as práticas de planejamento e
fiscalização das ações. [...]Neste grupo situam-se os conselhos de saúde, de
Assistência social, de educação[....] [...]Dizem respeito à dimensão da cidadania,
da universalização de direitos sociais e a garantia ao exercício desses direitos
(TATAGIBA, 2002, p 49).
Para RAICHELLIS (2011) os conselhos são espaços de exercício do
controle social, mas também precisam ser controlados pela sociedade civil
organizada, precisam ser ativados pela ação dos movimentos populares e
organizações sociais e políticas que devem estar representados.
O Controle Social, no âmbito dos conselhos de assistência social, é o
exercício democrático de acompanhamento e a avaliação da implementação e
execução do SUAS, cujo objetivo é zelar pela ampliação e qualidade da rede de
serviços socioassistenciais para a universalização de atendimento a todos os
destinatários da Política de Assistência Social e os gastos das verbas públicas.
Outra forma de controle social são as conferências, definidas pelo
Ministério do Desenvolvimento Social – MDS como sendo
espaços de caráter deliberativo em que é debatida e avaliada a Política de
Assistência Social. Também são propostas novas diretrizes, no sentido de
consolidar e ampliar os direitos socioassistenciais dos seus usuários. Os debates
são coletivos com participação social mais representativa, assegurando
momentos para discussão e avaliação das ações governamentais e também
para a eleição de prioridades políticas que representam os usuários,
trabalhadores e as entidades de assistência social. (MDS)
As Conferências são espaços amplos e democráticos de discussão
e articulação coletiva entorno de propostas e estratégias de organização. Sua
principal característica é reunir governo e sociedade civil para debater e decidir
as prioridades nas Políticas Públicas para os próximos anos. Elas são realizadas
em âmbito municipal, estadual e federal, periodicamente, fazem parte de um
362
processo amplo de diálogo e democratização da gestão pública e suas
resoluções têm caráter vinculatório, devendo ser transformadas em ações do
Executivo.
A I Conferência Nacional de Assistência Social aconteceu em 1995,
precedida pelas municipais e estaduais, desde então estamos trilhando um
caminho de construção do direito ao acesso e participação nos benefícios e
serviços socioassistenciais, pela população brasileira, na perspectiva pública e
de cobertura universal em todo o país. (CNAS, 2015).
Diante da relevância que o controle social possui para a promoção
efetiva da cidadania e para a garantia dos direitos, o presente trabalho faz uma
reflexão sobre a participação social nas Conferências Municipais de Assistência
Social dos Campos Gerais.
Como base de reflexão optamos pelo quantitativo de participantes
nas Conferências Municipais de Assistência Social.
A tabela abaixo nos mostra o número de participantes, por
segmento, nas conferências realizadas em 2015, nos dezoito (18) municípios
dos Campos Gerais.
Participação dos delegados
Governamental
Trabalhadores
Usuários
Entidade
Total
3
42
3
2%
2
02
2
0%
3
60
3
3%
1
65
1
5%
1
.069
1
00%
Escritório Regional de Ponta Grossa – SEDS
Podemos observar uma significativa participação de usuários do
SUAS, do total dos 1.069 participantes, 360 são usuários. Se considerarmos o
número de habitantes dos municípios em questão, percebemos que a adesão da
população usuária é limitada, tornando-se um desafio para a política de
363
assistência social e o conselho da política pública a participação efetiva deste
segmento nas Conferências.
A consolidação da participação dos usuários nos conselhos de
Assistência Social é um dos objetivos do SUAS e de acordo com a Resolução
CNAS Nº 11, de 23 de setembro de 2015:
Art. 5° A participação dos usuários na Política Pública de Assistência
Social e no SUAS se dará por meio de diferentes organizações coletivas, que
visam a promover a mobilização e a organização de usuários de modo a
influenciar as instâncias de deliberação do SUAS, e que possibilitam a sua
efetiva participação nas instâncias deliberativas do SUAS – os conselhos e as
conferências.
Conclusão
De acordo com o SUAS, é necessário que os conselhos tenham
capacidade de estimular a participação da população nos espaço de
deliberação, fiscalização e controle das políticas públicas. Entendemos que a
capacidade de mobilização dos conselheiros para o exercício do controle social
está, em parte, atrelada ao acesso às informações técnicas, compreendendo
desde suas atribuições até os aspectos financeiros da Política de Assistência
Social.
Mesmo percebendo a necessidade de avanço de participação nas
instancias de controle social, devemos considerar que houve um número
significativo de participantes usuários da política de assistência social nas
Conferências Municipais dos Campos Gerais, visto que a participação popular
nas instâncias deliberativas, é algo recente.
Nesta perspectiva é extremamente importante criar estratégias de
mobilização dos diversos atores coletivos envolvidos com a política de
assistência social, na garantia de efetivar a participação de usuários por meio da
ocupação dos espaços de deliberação e controle da referida política, idealizando
novos avanços e desafios.
Dentre os desafios que ainda encontramos no exercício do controle
social no SUAS destacamos: a) fortalecer os espaços de diálogo, b) publicizar
364
as ações dos equipamentos públicos e c) estimular a participação nas instâncias
de controle social.
Referências Bibliográficas
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dezembro de 1993.
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11, de 23 de set. 2015.
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Tema da X Conferência Nacional de Assistência Social – 2015 - disponível em
http://www.sedhast.ms.gov.br/wpcontent/uploads/sites/21/2015/01/Contextualiz
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fundamentos para o debate. Serviço Social & Sociedade, v. XXV, n. 77, p. 148 –
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Social: perspectiva de construção de autonomia na gestão social. Curitiba, 2005
OLIVEIRA, C. R. de e OLIVEIRA, R. C. de. Direitos Sociais na
Constituição Cidadã: um balanço de 21 anos. Revista Social e Sociedade. São
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de Santa Catarina - Sociedade em Debate, Pelotas, 18(2): 93-105, jul.-dez./2012
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Consolidação do Estado Democrático de Direito Conselho Federal de Serviço
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no Brasil. São Paulo: Paz e Terra. (2002)
366
MIGRAÇÕES: O CASO DOS HAITIANOS EM CURITIBA
Francine Taina Costa de Oliveira133
Angela de Fatima Urich Jeiss134
RESUMO
Este artigo apresenta a pesquisa desenvolvida sobre a migração dos haitianos
ao Brasil e, mais especificamente, sobre os haitianos residentes em Curitiba –
PR. A problematização do estudo reflete sobre os limites enfrentados pelo Brasil
para recebê-los, tendo em vista a necessidade de infraestrutura e políticas
públicas que atendam essa demanda. O objetivo é descrever a situação prémigração e as condições de acolhida e encaminhamento desses migrantes. A
pesquisa se justifica ao dar visibilidade à questão migratória, que está sendo
vivenciada no Brasil e que precisa ser compreendida pela sociedade, bem como
porque é necessário rever metodologias de acolhida e encaminhamentos
realizados pelo Serviço Social. O método geral é o crítico-dialético. Quanto aos
objetivos, trata-se de pesquisa descritiva e a coleta de dados realizou-se por
meio de pesquisa bibliográfica.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos humanos. Migrações. Haitianos.
Políticas públicas. Serviço Social.
INTRODUÇÃO
Este estudo tem como tema Direitos Humanos e sua delimitação é o
estudo da migração dos haitianos para o Brasil, especialmente os residentes em
Curitiba.
A migração de haitianos demonstra diversos aspectos a serem tratados,
como a análise do contexto vivido pelos haitianos em Curitiba, moradores de
diversos
bairros,
em
que
podemos
observar
algumas
situações
de
vulnerabilidade. A dificuldade de comunicação, devido aos diferentes idiomas
133
Graduanda do Curso de Serviço Socialda Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
134
Assistente Social. Assistente Social. Especialista em Proteção Social e Rede de Direitos.
Mestre em Gestão Urbana. Professora do Curso de Serviço Socialda Pontifícia Universidade Católica do
Paraná.
367
falados nos dois países, Brasil e Haiti, parecem ser o primeiro entrave ao
chegarem.
Muitos deles possuem dificuldades no que se refere à regularização e
solicitação de documentos pessoais essenciais para acesso a alguns serviços
no Brasil como, por exemplo, saúde, moradia, educação e trabalho.
Existem também conflitos culturais vividos por essa população, pois os
brasileiros desconhecem informações em relação à situação econômica e social
vivida no Haiti e os motivos que os levaram a migrar para o Brasil, o que acaba
por gerar algum preconceito e, de certa forma, a não aceitação dessa população
em nosso país, resultando nas situações desumanas de precariedade no
trabalho, saúde e moradia, por exemplo. As mudanças que ocorreram no
mercado de trabalho e na economia do país, a ligação dessas transformações e
os desafios encontrados pelos imigrantes haitianos, no país que hoje se
encontram, também são grandes dificuldades encontradas pelos imigrantes.
A crescente diversidade de áreas de origem dos imigrantes,
culmina na diferença cultural entre os imigrantes e as populações que
os recebe, proporcionando desafios especiais à inserção no mercado
de trabalho, a qual parece não ser tão fácil e rápida, sendo necessário
um estudo da forma como os imigrantes serão integrados cultural e
etnicamente na sociedade (CASTLES, MILLER, 1998; SILVA, 2012).
A hipótese é que nosso país abriu as fronteiras para as famílias
haitianas, mas não se preparou para recebê-las e garantir direitos humanos e
sociais. Não houve a construção de políticas migratórias, nem o trabalho em rede
se articulou de forma suficiente para garantir a permanência dos haitianos aqui
no Brasil.
Dessa forma, o objetivo geral é descrever a situação pré-migração e as
condições de acolhida e encaminhamento desses migrantes, em Curitiba. E os
objetivos específicos do trabalho são: conhecer a condição vivida pelos haitianos
pré-migração; pesquisar sobre sua acolhida no Brasil; pesquisar sobre os
serviços sociais e políticas públicas existentes ou em construção destinados aos
migrantes haitianos; e identificar os serviços prestados pelo Serviço Social aos
migrantes em Curitiba.
368
A relevância da pesquisa está na contemporaneidade da questão social
sobre migração, cujos estudos podem contribuir para propor políticas públicas
migratórias e para estruturar metodologias de acolhida e encaminhamentos
pelos assistentes sociais. O método geral da pesquisa é o crítico-dialético.
Quanto aos objetivos, trata-se de pesquisa descritiva quanto a coleta de dados,
é do tipo bibliográfica.
DIREITOS HUMANOS, MIGRAÇÕES E LEGISLAÇÕES
Sobre direitos humanos e sua evolução, observamos que a partir do
marco histórico dos direitos humanos, a “Declaração Universal dos Direitos
Humanos”, elaborada por representantes de diversos países e das mais
diferentes culturas, proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em
Paris, em 10 de dezembro de 1948, indicou-se aos países pactuados, pela
primeira vez, a proteção universal dos direitos humanos. (NAÇÕES UNIDAS,
2015).
Para que um ser humano tenha direitos e possa exercê-los, é
indispensável que seja reconhecido e tratado como pessoa, o que vale
para todos os seres humanos. Reconhecer e tratar alguém como
pessoa é respeitar sua vida, mas exige que também seja respeitada a
dignidade, própria de todos os seres humanos. Nenhum homem deve
ser humilhado ou agredido por outro, ninguém deve ser obrigado a
viver em situação de que se envergonhe perante os demais, ou que os
outros considerem indigna ou imoral. (OLIVEIRA, 2015)
O reconhecimento e a proteção dos direitos do homem devem estar
presentes nas principais constituições democráticas modernas, incluindo os
direitos dos migrantes.
Para falar sobre migração é importante estar claro o conceito que está
presente no sentido da palavra, que é o indivíduo ou grupo que se desloca do
seu local de residência, de forma temporária ou permanente, por motivos
afetivos, culturais, religiosos, politicos, profissionais, educacionais, climatórios,
ambientais, econômicos, entre outros. O processo engloba tanto a saída
(emigrar) quanto a chegada (imigração) e deve ser analisado com um todo
369
indissociável. Além disso, a migração também acontece internamente, os
processos sazionais e os transfronteiriços cotidianos.
A migração é “espontânea” quando o indivíduo tem a oportunidade de
escolha do local e do momento de sua migração. Ao contrário, a migração é
“forçada” sempre que o indivíduo toma a decisão de migrar para um novo local,
sendo essa mudança motivada por situação de guerra ou catástrofe natural, por
exemplo.
Apesar das restrições de entrada em determinados países e da falta de
políticas de premissas à migração, sabemos que migrar é um direito universal,
portanto, seria um processo “legal”. Porém, a entrada e a permanência em um
país é um privilégio, que depende de burocracias estatais, o que faz com que
seja cada vez mais comum a migração “ilegal”.
As migrações internacionais assumiram novo contorno após 1945,
especialmente através do processo de globalização. No entanto, movimentos
populacionais em resposta ao crescimento demográfico, mudança climática e ao
desenvolvimento da produção e do comércio sempre fizeram parte da história da
humanidade (CASTLES, MILLER, 1998).
É importante entendermos que refúgio não é sinônimo de asilo, ambos
são acolhimento daquele que sofre perseguição e, portanto, não pode mais
continuar vivendo em seu local de nacionalidade ou de residência habitual.
Porém, o asilo só pode ser concedido pelo Estado, sendo que é o Estado que
decide a quem conceder o asilo. O refúgio é um direito do indivíduo, adquirido a
partir do momento em que cruza a fronteira do seu local habitual. (MINI CURSO
MIGRAÇÕES, 2015)
Apátrida designa toda pessoa que não é considerada nacional por
nenhum Estado. Surge em situações migratórias, em que o indivíduo perde ou é
privado de sua nacionalidade naquele local em que ainda não garantiu a
nacionalidade, sendo seu país de residência atual. Em alguns países perde-se
a nacionalidade ao ficar mais de dois ou cinco anos no estrangeiro, impedindo o
indivíduo ao direito de acesso a retirada de documentos como certidão de
370
nascimento, passaporte, CPF entre outros direitos legais. (MINI CURSO
MIGRAÇÕES, 2015)
Em relação aos principais marcos legais da politica migratória destacamos
a legislação em vigor, Lei 6.815, de 19 de agosto de 1980, ou também conhecida
como Estatuto do Estrangeiro, elaborada no contexto da ditadura militar,
norteada por princípios de segurança nacional, na qual o estrangeiro era visto
como uma ameaça em potencial, sendo negados seus direitos de organização e
representação (SPRANDEL, 2015.p. 41).
Já a Constituição Federal Brasileira de 1988 é um marco histórico de
nossa sociedade, sendo resultado de um longo processo de luta e busca por
direitos. Vamos recordar que os direitos individuais e coletivos são Direitos e
Garantias Fundamentais, conforme seu artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade”. (BRASIL, 1988).
O BRASIL COMO DESTINO DOS HAITIANOS
Mesmo o Brasil sendo um país conhecido historicamente como hospedeiro
a pessoas em situação de refúgio, somente em 1997 foi regulamentado
juricamente a Lei de Refúgio. A Lei 9.474/97 concede aos refugiados direitos e
deveres específicos, diferenciados dos direitos conferidos e exigidos dos demais
estrangeiros e trata da questão da entrada, do pedido de refúgio, das proibições
ao rechaço, à deportação e à expulsão, e ainda regula a questão da extradição
dos refugiados. (SOARES, 2015).
Dessa forma, alguns fatores foram fundamentais para que o Brasil se
tornasse uma opção de acolhida aos haitianos, entre eles podemos destacar o
fato da presença do Brasil no Haiti, por meio do comando das Nações Unidas,
iniciado em 2004, outro fator também de grande relevância foram os trabalhos
sociais desenvolvidos pela Pastoral da Criança em ações coordenadas pela
Doutora Zilda Arns.
371
Sobre a situação vivida no Haiti, esta pode ser caracterizada como uma
das maiores catástrofes vividas nas Américas. Não bastasse a crise política que
vive o país, a mais de 20 anos, situações de extrema gravidade como
intempéries climáticas e, mais recentemente, um terremoto que matou mais de
48.000 pessoas tem contribuído para a deteriorização do tecido social, bem
como tem ampliado a extrema miséria em que vive a maior parte da população.
O banco Mundial estima que, aproximadamente, 10% da população do país
(1.009.400) tenha emigrado, e outras fontes afirmam que a diáspora haitiana já
teria passado a casa dos 3 milhões de emigrantes (FERNANDES, 2015, p. 29)
Pouco tempo após o terremoto em janeiro de 2010, os primeiros
imigrantes começam a chegar ao Brasil.
A miséria absoluta, escassez de emprego, baixa remuneração e o
trabalho degradado que geram a pobreza e a fome são as principais causas das
imigrações transnacionais massivas, quando a esperança de uma vida melhor
leva à migração legal ou ilegal, permanente ou temporária, seja por livre e
espontânea vontade ou por obrigação (BECK, 1999).
Em 2012, o Conselho Nacional para Refugiados (CONARE) atribuiu à
situação destes como migrantes oriundos de situações humanitárias, e assim
desde o terremoto de 2010 até maio de 2013, entraram no Brasil cerca de 9.000
haitianos de forma legal e ilegal (ALESSI, 2013).
Ao entrarem no Brasil os haitianos, apresentam pedido de refúgio, mas,
sendo eles efetivamente imigrantes, a solução migratória concedida pelo
Conselho Nacional de Imigração Brasileiro (CNIg) é a residência permanente por
razões humanitárias. (RAMOS; RODRIGUES; ALMEIDA, 2011).
Com a resolução do CNIg, todos os imigrantes haitianos que já estão em
terras brasileiras terão permissão para permanecer aqui por até cinco anos.
Findo esse prazo, poderão continuar no Brasil, solicitando a permanência
definitiva, desde que comprovem que estejam trabalhando regularmente
(RODRIGUES, 2013).
CURITIBA COMO DESTINO FINAL
372
Em Curitiba, identificamos que grande parte dos atendimentos aos
migrantes Haitianos são realizados pelo Centro de Acolhida ao Migrantes –
CEAMIG, e pela entidade Caritas.
Em contato com o CEAMIG, situado na Paróquia São José, no bairro de
Santa Felicidade, com o Pe. Agler Cherizier, coordenador da Pastoral do
Migrante, nos explicou que o centro se dedica desde 2000 a um trabalho mais
intenso com os latino-americanos de língua hispânica e, a partir de 2007,
agregou com o atendimento e acompanhamento de vários imigrantes do
continente africano.
Na atualidade, registramos a chegada de imigrantes asiáticos e um forte
fluxo migratório dos imigrantes haitianos, que começam a chegar no Brasil em
2010 e hoje estão em cerca de 54 mil no país. Na Região Metropolitana de
Curitiba há aproximadamente 12 mil imigrantes.
Nesse número, o CEAMIG teria atendido mais de 4.000 mil haitianos e,
ao perguntar aos imigrantes sobre o motivo da sua chegada ao Brasil, e
sobretudo em Curitiba, as respostas são as seguintes: a maioria para trabalhar
(e, nesse momento falta de emprego); alguns para estudar (sendo a inserção
deles nas faculdades ou universidades nada facilitada); outros para se salvar dos
problemas sócio-políticos de seus países (e isso exige a criação de leis que
garantam a proteção dos refugiados), outros ainda para ficarem no país com
toda a família (mesmo com falta de estrutura de acolhida, moradia...)
Já em contato com o Caritas, a Mari Malheiros, nos explicou que foram
realizados 45 atendimentos a haitianos. Esse número, que vem baixando nos
atendimentos, se justifica pela rede aos haitianos hoje estar mais estruturada, e
os haitianos que chegam a Curitiba já passaram por outras cidades onde já
obtiveram maiores orientações. Entre as demandas apresentadas destacam-se
atendimento e orientação à saúde, assistência social (inserção nos programas
sociais como um todo), assistência jurídica, moradia, violação de direitos
trabalhistas, violência policial, documentação, validação de diploma, reunião
familiar.
373
Dentre os profissionais que atuam junto a essa expressão da questão
social contemporânea destacam-se os assistentes sociais. Em relação aos
migrantes, o Serviço Social se estrutura no exercício profissional, seguindo as
atribuições privativas do Assistente Social como estabelecido no Código de Ética
Profissional, no artigo 5º, alínea c, das relações com os usuários “democratizar
as informações e o acesso aos programas disponíveis no espaço institucional,
como um dos mecanismos indispensáveis à participação dos/as usuários/as”
(RESOLUÇÃO CFESS Nº 273, 1993).
CONCLUSÃO
De acordo com o estudo realizado é possível afirmar que, entre os
principais desafios enfrentados pelo Brasil com relação à temática da migração,
verifica-se a falta de atualização nas legislações relacionadas a essa temática,
tendo em vista que o Estatuto do Migrante data de 1980, período conflituoso do
nosso país, devido ao regime militar e que, somente em 1997 teremos a
regulamentação da Lei do Refugiado, estando assim bem distante da atual
conjuntura vivida na migração contemporânea, o que resulta em políticas
públicas desenvolvidas pelo Estado de forma ineficiente no atendimento a essa
demanda.
A experiência de trabalho desenvolvida pelo Serviço Social no
atendimento aos Migrantes acaba por muitas vezes sendo realizadas por
entidades e Ong’s.
É importante destacar a falta de um trabalho intersetorial, que atenda as
demandas apresentadas pelos haitianos em nosso país, bem como o
mapeamento da rede de atendimento e ações desenvolvidas para que assim
que cheguem em nosso país e, mais especificamente, em Curitiba, saibam para
onde se direcionar para receber as primeiras orientações que necessitam.
Para finalizar, fica nossa sugestão para uma articulação do poder público
com a sociedade civil, com promoção de diversas ações, no sentido de dar
visibilidade para a questão migratória dos haitianos.
374
REFERÊNCIAS
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RESOLUÇÃO
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Nº
273,
1993
Disponivel
em:
<http://www.cfess.org.br/arquivos/CEP_CFESS-SITE.pdf> Acesso em: 03 de
out. de 2015.
SOARES, CARINA. A proteção internacional dos refugiados e o sistema
brasileiro de concessão de refúgio. Disponivel em <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9430>.
Acesso em 23 de set. 2015.
375
SPRANDEL, MARCIA. Marcos Legais e politicas Migratorioas no
Brasil. In: PRADO; EROLAN; COELHO, RENATA (org.). Migração e Trabalho.
Brasilia: Ministério Público do Trabalho, 2015.
376
O PROGRAMA CONSULTÓRIO NA RUA DE CURITIBA: ESPAÇO DE
INTERVENÇÃO DO/A ASSISTENTE SOCIAL
Emanuelle Pereira
Deisimari dos Santos Ribeiro
RESUMO
A população em situação de rua se caracteriza como uma expressão da
questão social, um fenômeno formado a partir do desenvolvimento do sistema
capitalista. Para enfrentar essa realidade, o Estado vem construindo políticas
públicas, inclusive demandadas por movimentos sociais. Assim, se instituiu o
Programa Consultório na Rua de Curitiba, que atua com equipes
multidisciplinares constituídas também por assistentes sociais, que neste
programa constroem um novo fazer profissional, uma prática para além das
instituições formais, com o objetivo de ampliar o acesso aos direitos desta
população.
Palavras-chave: População em situação de rua, Consultório na Rua,
assistente social.
INTRODUÇÃO
O fenômeno população em situação de rua se configura atualmente como
uma complexa expressão da questão social, constitui uma problemática
resultante do modo em que se estrutura a sociedade capitalista e estabelece
condições de extrema vulnerabilidade de sobrevivência a essa população Nesse
contexto, o Estado, através de políticas públicas intervencionistas é demandado
a planejar e implementar estratégias de enfrentamento dessa realidade.
O presente relato tem início na reflexão sobre o fenômeno população em
situação de rua, busca elucidar brevemente as condições histórico-estruturais
que deram origem a reprodução desse fenômeno e algumas características
dessa população. Apresenta em seguida, a gênese dos marcos legais que
determinaram as políticas públicas voltadas a esse segmento, inclusive,
377
específicas na área de saúde, o que culminou na criação do Programa
Consultório na Rua.
No item seguinte, procura-se contextualizar a implementação do
Programa Consultório na Rua no município de Curitiba, cenário onde se dá a
intervenção profissional das autoras, apresentando a dinâmica da construção do
Programa, da realidade do município e do trabalho das equipes.
No último item aprofundam-se as especificidades da intervenção dos/as
assistentes sociais do Consultório na Rua, onde se demonstra um novo formato
do fazer profissional. Posteriormente pontuam-se algumas considerações finais.
O FENÔMENO POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA: CONTEXTO
SÓCIO-HISTÓRICO E INTERVENÇÃO ESTATAL
Com o desenvolvimento do sistema capitalista no final do séc. XVIII
iniciou-se um processo histórico, que se caracterizou por expulsar os
trabalhadores rurais de suas terras, levando-os a vender a sua força de trabalho
como mercadoria. Nesse contexto, deu início também um crescimento industrial
que não teve capacidade de absorver esses trabalhadores, levando-os ao
pauperismo (Silva, 2009). Cenário profícuo para o surgimento do fenômeno
população em situação de rua.
A população em situação de rua está envolvida em um contexto de
exclusão social, relacionando-se com a situação extrema de ruptura de relações
familiares e afetivas, além de ruptura total ou parcial com o mercado de trabalho
e de não participação social efetiva. Assim, essa população pode se caracterizar
como vítima de processos sociais, políticos e econômicos excludentes. Segundo
Silva (2009), são múltiplas as causas de se vincular à rua, assim como são
múltiplas as realidades da população em situação de rua.
378
A autora também traz o conceito de superpopulação relativa baseada em
Marx, considerando que a população em situação de rua vincula-se ao processo
de acumulação do capital, porém se torna excedente à capacidade de absorção
do mercado. Diante disso, as pessoas que utilizam as ruas como o seu local de
moradia, tendem a criar estratégias para a sua sobrevivência. Nesse sentido,
Silva (2009)
[...] concebe a população em situação de rua como um grupo
populacional heterogêneo, mas que possui em comum a pobreza
extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a
inexistência de moradia convencional regular, fatores que obrigam
seus integrantes a procurar os logradouros públicos (ruas, praças,
jardins, canteiros, marquises e baixo de viadutos), as áreas
degradadas (dos prédios abandonados, ruínas, cemitérios e carcaças
de veículos) como espaço de moradia e sustento, por contingência
temporária ou de forma permanente, ainda que utilizem albergues para
pernoitar, abrigos, casas de acolhida temporária ou moradias
provisórias. (p.136)
Diante dessa realidade, o Estado é demandado ao enfrentamento dessa
expressão da questão social, inclusive pressionado por movimentos sociais, com
suas necessidades coletivas.
Em 2004, após a Chacina da Sé135 e em articulação com outros
movimentos sociais, foi criado o Movimento Nacional da População de Rua –
MNPR. Um movimento social que surgiu com o objetivo de luta pela ampliação
dos direitos até então negados e como expressão de resistência dessa
população. Outro marco importante para a população em situação de rua foi a
criação da Política Nacional para a Inclusão Social da População em Situação
de Rua, estabelecida para orientar a construção e execução de políticas públicas
voltadas a este segmento da sociedade, instituída pelo Decreto s/nº, de 25 de
outubro de 2008. Por Conseguinte, o Decreto n° 7.053 de 2009, instituiu a
Política Nacional para População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial
135
Entre os dias 19 e 22 de agosto de 2004, quinze pessoas em situação de rua foram
brutalmente agredidas enquanto dormiam na região da Praça da Sé, em São Paulo. Sete
pessoas morreram e oito ficaram feridas e ninguém foi responsabilizado pelos assassinatos. Este
fato dá significado ao Dia Nacional de Luta da População de Rua, que ocorre anualmente no dia
19 de agosto em diversas cidades do país e é promovido pelo MNPR e outros apoiadores.
379
de Acompanhamento e Monitoramento, apresentando entre seus objetivos o
acesso amplo, simplificado e seguro da população em situação de rua aos
serviços e programas que integram as políticas públicas de saúde, educação,
previdência, assistência social, moradia, segurança, cultura, esporte, lazer,
trabalho e renda.
Nesse sentido, a política de saúde também foi responsabilizada a
estabelecer estratégias para atendimento dessa população e em 2011, através
da Portaria n° 2.488, foi aprovada a Política Nacional da Atenção Básica, que
institui equipes de atenção básica para populações específicas, entre elas a
população em situação de rua. O que culminou em 2012 nas portarias n° 122 e
n° 123, que respectivamente definem as diretrizes de organização e
funcionamento das Equipes de Consultório na Rua (eCR) e os critérios de cálculo
do número máximo de equipes de Consultório na Rua por Município.
O PROGRAMA CONSULTÓRIO NA RUA DE CURITIBA
Através da Portaria n° 1.299/2013, o Município de Curitiba foi credenciado
a receber incentivos referentes às Equipes de Consultório na Rua. Por
conseguinte, a partir do mês de agosto de 2013 iniciaram as atividades das eCR
no município.
Com uma população em situação de rua estimada entre 3500 a 4000
pessoas, foram credenciadas quatro equipes, compostas por assistentes sociais,
psicólogos, médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, cirurgiões
dentistas e auxiliares de saúde bucal. E para a atuação dessas equipes, todo o
território do município foi dividido em quatro macrorregionais. Cada equipe está
referenciada em uma UBS (Unidade Básica de Saúde), onde ela realiza registros
e planejamento do trabalho, além de atendimentos em geral.
No início do programa, além de realizar o mapeamento dos territórios e
da rede de serviços, as equipes buscaram trabalhar com a divulgação e
sensibilização de outros profissionais de saúde, principalmente da atenção
básica, com o objetivo de demonstrar, que a partir daquele momento, seria
380
necessária a execução de um trabalho articulado de cuidado compartilhado para
a população em situação de rua. Este trabalho de sensibilização tornou-se
perene, principalmente com algumas UBS que previamente não realizavam
atendimento desse público e também diante da realidade e dos limites dos
serviços, inclusive pela falta de empenho pontual de alguns colegas. Nesse
sentido, o trabalho se tornou um tanto limitado e desafiador na luta pela
ampliação do acesso dos usuários aos serviços. Um cenário de correlação de
forças que não foi só negativo, mas que também contribuiu para o grande
envolvimento e amadurecimento das equipes com a “causa pop rua” e na defesa
do programa.
O apoio da gestão foi primordial nesse panorama, principalmente quando
foi publicada a Instrução Normativa n° 02 de 08 de julho de 2014, qualificando e
respaldando as ações das equipes, objetivando também cadastrar e inserir as
pessoas em situação de rua, que desejam atendimento, em toda rede de
serviços, independente de possuírem ou não documentação.
A ações interdisciplinares das eCR’s, se caracterizam pela troca e pelo
saber coletivo, espaço ainda incipiente e por diversas vezes de conflito. Teixeira
e Nunes (2004) oferecem uma reflexão importante no sentido da atuação de
equipes interdisciplinares nas políticas públicas de saúde
A interdisciplinaridade é uma ferramenta que pode contribuir
para o avanço da atenção qualitativa, de satisfação completa do
usuário do serviço. Para isso é necessário que a equipe se diversifique,
inserindo profissionais que tenham, em sua formação, conteúdos
teórico-metodológicos que possam trazer este conhecimento que se
completa ao clínico e ao epidemiológico, como o social, e que
caminhem para a alternativa do modelo de atenção à saúde. (p. 141)
Esse é um grande desafio e demanda a necessidade de reavaliar
constantemente o significado do saber e das relações de poder. Para isso se faz
necessário também uma equipe aberta para estas reflexões, comprometida com
a realidade social e com as lutas para a implementação da política de saúde no
Brasil. Nesse sentido, as eCR se inserem em um processo de Educação
Permanente. Às sextas-feiras são dedicadas às reuniões administrativas,
381
supervisões clínico-institucionais, avaliação da prática e integração entre as
equipes.
O Programa Consultório na Rua traz uma concepção universal e
equitativa e grandes possibilidades para a consolidação dos princípios do SUS,
uma vez que possui um contexto de serviço como uma questão de direito.
Porém, essa dialética no cotidiano de trabalho ainda é muito limitada nas eCR,
gerando ainda ações pontuais e pragmáticas. Mesmo diante desses limites, as
equipes demonstram uma disposição no cuidado e na assistência em saúde,
atuam com uma grande flexibilidade de horários, buscando adequar-se a
realidade daqueles que estão fora do mundo do trabalho formal, aqueles que
possuem uma dinâmica particular por ter a vivência de rua. Assim as equipes
buscam se aproximar, iniciar uma relação de vínculo para daí intervir.
Conseguiram se organizar a partir da realidade do usuário e ter sua prática
dentro e fora das UBS, no território geográfico, no território existencial, no “beco”,
na “boca” e claro, junto à rede de serviços, onde a população de rua também
freqüenta (Centros Pop, Centros de Atenção Psicossociais, Casas de
Passagem, etc.).
Enquanto equipes interdisciplinares possuem atribuições concernentes a
todas as áreas profissionais como: abordagem de pessoas em situação de rua
e em situação de vulnerabilidade social, acolhida por meio de escuta qualificada
objetivando a construção de vínculos, atendimento do usuário em suas
necessidades específicas considerando a demanda e gravidade do caso,
articulação de ações multiprofissionais e intersetoriais, apresentação do
Consultório na Rua ao usuário e à rede de serviços, organização e planejamento
das ações da equipe, sistematização do cotidiano de trabalho e rotinas de ação,
bem como registro de dados e elaboração de relatórios, busca ativa dos agravos
prevalentes na rua, atividades em grupo desenvolvendo ações de promoção da
saúde e autocuidado, participação em reuniões de discussão de caso, entre
outras.
382
A INTERVENÇÃO DO/A ASSISTENTE SOCIAL NO CONSULTÓRIO NA
RUA DE CURITIBA
A atuação do Serviço Social no Consultório na Rua pode ser
considerada
como
desafiadora,
o/a
profissional
assistente
social
foi
caracterizado/a como profissional da saúde a partir da Resolução CFESS n°
383/1999, possibilitando em sua prática profissional, contribuir para o
atendimento das demandas imediatas da população, além de facilitar o seu
acesso às informações e ações educativas para que a saúde possa ser
percebida como produto das condições gerais de vida e da dinâmica das
relações sociais, econômicas e políticas. A partir da compreensão de que não
existe um jeito único de produzir saúde, da necessidade de compreender os
sujeitos em todas as suas dimensões, sem separar ou apenas focar a parte
doente.
No Consultório na Rua, o/a assistente social atua no atendimento direto
aos/às usuários/as, na mobilização, participação e controle social, investigação
e planejamento ressaltando a capacidade propositiva dos profissionais com
ênfase na investigação da realidade, orientadas pelos fundamentos teóricometodológicos,
ético-políticos
e
procedimentos
técnico-operativos.
A
intervenção profissional é realizada com pessoas que estão desprotegidas dos
espaços lógicos tradicionais, espaços onde a violência e a condição vulnerável
estão presentes. Pessoas que não se adaptam a protocolos e a atendimentos
habituais, uma experiência de superação das maneiras clássicas e burocráticas
feitas para atender os pobres. A construção de um novo modo de atuar, a partir
da troca, da realidade da rua, do respeito à vivência do/a usuário/a. Uma nova
práxis, como diria Lancetti (2014), a “clínica peripetética”, que diante do Serviço
Social perde o conceito de clínica, mas é onde se desenvolve uma experiência
fora das salas de atendimento social, caminhando, conversando, sentando na
praça ou mesmo embaixo da marquise. Estar ali, transpondo os consultórios, da
instituição para fora, é onde se possibilitam escutas, comunicações e
descobertas importantes, histórias, vivências e novas possibilidades de cuidado.
383
Para Lancetti (2014), os/as profissionais, independentemente de seus
diplomas de graduação ou pós, de seu investimento de poder, terão sua ação
insignificante se não forem movidos pela impossibilidade, pelo gosto por cuidar
e ser agente de mudança, além da paixão pela diferença. Assim, a atuação do
Serviço Social no Consultório na Rua torna-se diferenciada, sem dúvida, cheia
de incertezas, dificuldades e incompreensões, porém cheia de possibilidades.
Também, possui atribuições privativas como: democratizar as informações por
meio de orientações individuais e coletivas e/ou encaminhamentos quanto aos
direitos sociais da população usuária; construir o perfil socioeconômico do/a
usuário/a evidenciando as condições determinantes de saúde, com vistas a
possibilitar a formulação de estratégias de intervenção por meio da análise da
situação habitacional, trabalhista, previdenciária e familiar dos/as usuários/as,
bem como subsidiar a prática dos demais profissionais de saúde; fortalecer os
vínculos familiares e comunitários, de acordo com a demanda do/ usuário/a, na
perspectiva de incentivar o/a usuário/a e grupos sociais a se tornarem sujeitos
do processo de promoção, proteção, prevenção, recuperação e reabilitação da
saúde; elaborar estudos sociais com vistas a subsidiar a construção de laudos e
pareceres sociais na perspectiva da garantia de direitos; e por fim, supervisionar
diretamente estagiários de Serviço Social e estabelecer articulação com as
unidades acadêmicas, considerando o Consultório na Rua também como espaço
de vivência da realidade e de formação profissional.
Outro fator importante e que é considerado muito válido no fortalecimento
da Seguridade Social e que as assistentes sociais no Consultório na Rua
conseguem efetivar, inclusive enquanto diretrizes da Política Nacional da
População em Situação de Rua, é a articulação entre as Políticas de Saúde e
Assistência Social. Onde se busca a integração das ações para a qualificação
dos serviços.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, consideramos que a implantação do Programa Consultório na
Rua em Curitiba foi uma conquista. Uma ação a partir da vontade política de
384
alguns setores que reflete na vivência e na ampliação de direitos de um
segmento populacional que vive na e da rua, que representa um reflexo do
sistema capitalista, uma expressão dramática da questão social.
Nesse sentido, a intervenção do/a assistente social se constrói e
reconstrói cotidianamente, torna possível contribuir para a viabilização da
participação efetiva da população usuária nas decisões institucionais, buscando
referendar as garantias constitucionais e o acesso às políticas sociais como
direitos dos cidadãos e dever do Estado. Busca garantir a defesa intransigente
dos direitos humanos da população em situação de rua, no emprenho para
eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à
diversidade, reconhecendo a liberdade como valor ético central, objetivando a
autonomia, emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais. Apontando
assim, para um novo projeto de sociedade, aquele em que não se produza e
nem se reproduza desigualdades sociais.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica.
Disponível em: http://dab.saude.gov.br/portaldab/. Acesso em: 18 set. 2015.
BRASIL. Ministério da Saúde. Manual sobre o cuidado à saúde
junto a população em situação de rua. Brasília: Ministério da Saúde, 2012.
BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Básica.
Brasília: Ministério da Saúde, 2012.
CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Parâmetros para Atuação
de Assistentes Sociais na Política de Saúde. Brasília, 2010.
ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA SERGIO AROUCA. Foco nas
populações
vulneráveis
e
excluídas.
Disponível
em:
<http://www6.ensp.fiocruz.br/radis/conteudo/foco-nas-populacoes-vulneraveise-excluidas>. Acesso em: 20 set. 2015
LANCETTI, Antonio. Clínica Peripatética. São Paulo: Hucitec, 2014.
SILVA, Maria Lucia Lopes da. Trabalho e população em situação de rua
no Brasil. São Paulo: Cortez, 2009.
385
TEIXEIRA, Mary Jane Oliveira; NUNES, Sheila Torres. A
interdisciplinaridade no programa saúde da família: uma utopia? In: BRAVO,
Maria Inês de Souza; VASCONCELOS, Ana Maria de; GAMA, Andréa de Souza;
MONNERAT, Giselle Lavinas (Org.). Saúde e Serviço Social, 5ª ed.. São Paulo:
Cortez; Rio de Janeiro: UERJ, 2012.
OS PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA NA AGENDA
SOCIAL DO MERCOSUL
386
Karine Fabiane de Lima136.
Lucia Cortes da Costa.137
RESUMO: O MERCOSUL teve início em 1991, como uma estratégia política
para elevar o comércio entre os países da região, no entanto, a partir de 2000
evidencia avanços no estabelecimento de uma agenda social. Na última década,
foram criados mecanismos institucionais voltados para a realização da agenda
social no MERCOSUL. A Agenda Social do MERCOSUL compreende um
conjunto de medidas voltadas para o desenvolvimento dos países do bloco,
tendo prioridade as medidas para redução dos níveis de pobreza. Entre as
medidas adotadas pelos governos da região, ganharam destaque os programas
de transferência de rendas como forma de redução da pobreza. O objetivo geral
é avaliar a centralidade dos programas de transferência de rendas dentro da
Agenda Social do MERCOSUL. A metodologia parte da pesquisa bibliográfica,
estudo documental.
Palavras-chave: Agenda social, Pobreza, MERCOSUL.
ABSTRACT: The MERCOSUR began in 1991, as a strategic political in
order to increase the trade among countries of the region, however, since 2000
advances in the establishment of a social agenda were evidenced. In the last
decade, institutional mechanisms were created to the social agenda
accomplishment in the MERCOSUR. The social agenda in MERCOSUR
comprehends a group of measure directed towards the country development of
trading bloc, with the decreasing priority of the poverty level. Among the measures
adopted by region government, income transference programs were evidenced
as a way to decrease the poverty. The general aim is evaluating the centrality of
income transference programs on social agenda of MERCOSUR. The
methodology comes through the bibliographical research, documental study.
Keywords: Social agenda, poverty, MERCOSUR.
1. INTRODUÇÃO
Criado em 1991 como estratégia política de desenvolvimento econômico,
o Mercado Comum do Sul - MERCOSUL já vislumbrava, em seu preâmbulo, o
desenvolvimento social (TRATADO DE ASSUNÇÃO, 1991). O objetivo primordial do
bloco configurava o desenvolvimento econômico com justiça social.
Nesse sentido, a partir de 2000 o MERCOSUL já evidencia avanços no
estabelecimento da Agenda Social, sendo criados mecanismos institucionais
136
Assistente Social. Mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual
de Ponta Grossa.
137 Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós
Doutorado pela Universitat Autònoma de Barcelona-UAB.
387
para sua concretização. A construção de uma Agenda Social do MERCOSUL
compreende um conjunto de medidas voltadas para o desenvolvimento dos
países do bloco, com prioridade para as medidas de redução dos níveis de
pobreza138.
O texto a seguir está estruturado em duas seções, na primeira descrevemos
o MERCOSUL e o processo de construção da agenda social, destacando os
organismos institucionais no âmbito social; na segunda seção destacamos a Agenda
Social e os Programas de Transferência de Renda analisando sua centralidade junto
a esta agenda.
2. O MERCADO COMUM DO SUL E A DIMENSÃO SOCIAL
O bloco regional do MERCOSUL ganha personalidade jurídica
internacional em 1994 com o Tratado de Ouro Preto e a dimensão social é
incorporada através do Foro Consultivo Econômico e Social- FCES. O FCES foi
criado em 1996, como órgão de representação dos setores econômicos e sociais,
em igual número de representantes de cada Estado parte, e, por meio da Comissão
Parlamentar Conjunta, como comissão preparatória para instauração do
Parlamento do MERCOSUL, estabelecido em 14 de dezembro de 2006, com sede
oficial a partir de 7 de maio de 2007, na cidade de Montevidéu - Uruguai139.
Segundo Fier, o Parlamento MERCOSUL objetiva,
[...] dar espaço político de referência popular, onde o cidadão e a
cidadã possam registrar suas queixas, cobrar posições sobre
determinados temas, etc., mas também e não menos importante, para
criar uma identidade política para a região, pois sem a mesma não
teremos bloco (FIER, 2009, p. 05).
138 O presente trabalho apresenta alguns resultados da pesquisa realizada junto ao
Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual de Ponta
Grossa em 2014, com o tema “A Centralidade dos Programas de Transferência de Renda na
Agenda Social do MERCOSUL”.
139PARLAMENTO
DO
MERCOSUL.
Disponível
em:
<http://www.parlamentodelmercosur.org/innovaportal/v/4495/1/secretaria/historia.html?rightmen
uid=4493>. Acesso em: 15 mar. 2012.
388
A Agenda Social ganha relevância com a Carta Social do MERCOSUL
em 2000140, com o objetivo de criar políticas sociais no bloco e garantir níveis de
proteção social, visando à redução das assimetrias sociais. A carta sugeria
fortalecer o trabalho em conjunto, deixando clara a necessidade de promover
políticas para melhoria das condições de vida da população da região.
A Dimensão Social também teve destaque no MERCOSUL, em 2000,
com a criação da Reunião de Ministros e Autoridades de Desenvolvimento Social
do MERCOSUL- RMADS. Tal reunião se configura como um espaço responsável
em coordenar políticas e desenvolver ações conjuntas relacionadas ao
desenvolvimento social no bloco.
As Cúpulas Sociais do MERCOSUL também contribuíram na construção
da agenda social do bloco. Conforme a Secretaria Geral da Presidência da
República do Brasil141, as Cúpulas contam com a participação de organizações
sociais e movimentos populares dos países que compõem o MERCOSUL e os
Estados Associados. Desde 2006, as cúpulas sociais são
realizadas
semestralmente, em paralelo às reuniões de cúpula presidenciais.
Em 2004, criou-se o Fundo de Convergência Estrutural do MERCOSUL
(FOCEM), visando o aprofundamento do Mercado Comum do Sul. Observando
as assimetrias existentes no bloco, os países que compõem o MERCOSUL
delimitam a necessidade de seu enfrentamento.
Fundo de investimento conjunto nos países integrantes do MERCOSUL,
o FOCEM visa à diminuição das assimetrias entre os Estados partes, através de
financiamento de projetos, sendo composto por subsídios anuais que não são
reembolsáveis aos países que compõem o bloco, sendo administrado pelo
Conselho Mercado Comum.
140MERCOSUL. Carta
Social. Disponível
em:
<http://www.urjc.es/ceib/espacios/observatorio/cohesion/documentos/procesos_integracion/SO
C-I-07.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2012.
141 BRASIL. Secretaria Geral da Presidência da República. Cúpula Social do
MERCOSUL.
Disponível
em:
<http://www.secretariageral.gov.br/atuacao/internacional/mercosul-social-eparticipativo/textofinal>. Acesso em: 03 de Novembro de 2015.
389
Conforme previsto no Art. 6 da Decisão Conselho Mercado Comum CMC Nº 18/05, o montante total anual da contribuição dos Estados partes ao
FOCEM será de cento e vinte e sete milhões de dólares. Tendo em vista o objetivo
de solidariedade do fundo, o Brasil aparece com maior contribuição 70%, seguido
da Argentina 27%, 2% Uruguai e 1% Paraguai, sendo a distribuição dos recursos
na lógica inversa, 48% serão retirados para projetos apresentados pelo
Paraguai, 32% para os apresentados pelo Uruguai e 10% para os projetos
apresentados pela Argentina e Brasil. (CMC Nº 18/05). A Decisão CMC Nº 41/12,
definiu que a Venezuela contribuiria com aportes anuais de US$ 27 milhões ao
FOCEM. A Decisão estabelece que US$ 11,5 milhões desse total deverão financiar
projetos venezuelanos, ao passo que os 15,5 milhões restantes serão colocados
à disposição dos demais Estados Partes142.
Como avanço na agenda social do MERCOSUL, o FOCEM constitui-se
como mecanismo de financiamento, objetivando criar uma convergência
favorável ao desenvolvimento social. A proteção social na agenda social do
MERCOSUL não se apresenta como proposta universalizada, tendo em vista a
ausência de uma cidadania comunitária no bloco. Desse modo, a proteção social
ainda permanece atrelada ao vínculo do cidadão ao Estado. Nesse sentido, os
projetos vinculados às políticas sociais poderão apresentar impactos na proteção
social de cada país que compõe o MERCOSUL.
3.
A AGENDA SOCIAL DO MERCOSUL E OS PROGRAMAS DE
TRANSFERÊNCIA DE RENDA
A necessidade de consolidação de uma agenda social no MERCOSUL
coloca em pauta a demanda por mecanismos institucionais para fortalecimento
da mesma. Com a criação da RMADS, a dimensão social foi organizada,
necessitando de outro mecanismo para apoiar os seus projetos, o que se deu
com a criação do Instituto Social do MERCOSUL, em 2007, pelo Conselho
142
MERCOSUL. Fundo de Convergência Estrutural. Disponível em:
<http://www.mercosul.gov.br/index.php/fundo-para-a-convergencia-estrutural-do-mercosulfocem>. Acesso em 03 de Novembro de 2015.
390
Mercado Comum, através da decisão nº 03/07, com sede na cidade de AssunçãoParaguai, com a função, dentre outras, de “elaboração e planificação de projetos
sociais” (CMC, Nº 03/07).
Conforme estrutura do Instituto Social do MERCOSUL (ISM/Dec. Nº37/08), seu
funcionamento será financiado com aportes voluntários dos Ministérios de
Desenvolvimento Social dos países do bloco, podendo utilizar recursos
provenientes de contribuições das Organizações não Governamentais e de
Organismos Internacionais.
O ISM constitui instância técnica de investigação na esfera das políticas
sociais e implementação de linhas estratégias, aprovadas pela RMADS. O ISM é
constituído pelo conselho, órgão diretivo do ISM, sendo composto por um
representante da Presidência Pró-tempore e um representante governamental de
cada país que compõem o MERCOSUL, designados pela RMADS, os quais
definirão as pautas estratégicas e programáticas junto com o Diretor. A direção do
ISM seguirá um regime de alternância entre os Estados parte, em ordem
alfabética, por um período de dois anos.
Após a criação do ISM, o objetivo voltou-se ao estabelecimento de um
Plano de Ação, que envolveu os Ministérios de Desenvolvimento Social. Esse
Plano foi enunciado como prioridades políticas dos Estados parte no âmbito das
políticas sociais, no tocante aos problemas sociais na região.
A construção do Plano Estratégico de Ação Social teve antecedentes,
datados a partir de 2005, com a Cúpula Presidencial143, iniciativa de Assunção
sobre a Luta contra a Pobreza Extrema.
Em 2008, é adotado o documento em caráter preliminar: o Plano
Estratégico de Ação Social- PEAS. Essa proposta é fundamentada em cinco eixos
e um conjunto de diretrizes. O ISM e a Comissão de Coordenação de Ministros
de Assuntos Sociais fazem parte desta proposta de plano estratégico. Os temas
relacionados ao combate à fome, à pobreza, e às desigualdades sociais ganham
143
Nessa cúpula, expressava-se que a consolidação do processo democrático no bloco
depende da construção de uma sociedade mais justa e equitativa, necessitando de um plano de
ação para responder aos desafios na esfera social.
391
centralidade e prioridade na agenda governamental. Em 2011, é aprovada a
versão final do Plano Estratégico de Ação Social, com objetivo de orientar o ISM
na implementação do PEAS.
O Plano Estratégico de Ação Social se configura como uma orientação de
prioridades em matéria de políticas públicas da região, sendo um “instrumento
fundamental para articular e desenvolver ações específicas, integrais e
intersetoriais, que consolidem a Dimensão Social do MERCOSUL”. (MERCOSUL,
2012, p. 38).
A aprovação do PEAS define um como avanço na consolidação da
dimensão social do MERCOSUL, delimitando as prioridades do conjunto do bloco
em dez eixos fundamentais, definidos pelo conjunto de ministérios e organismos
públicos do MERCOSUL. O PEAS contém indicações e objetivos específicos
para os Estados- partes no que se refere a:
1- Erradicar a fome, a pobreza e combater as desigualdades sociais;
2- Garantir direitos humanos, a assistência humanitária e igualdade
ética, racial e de gênero;
3- Universalizar da saúde pública;
4- Universalizar a educação e erradicar o analfabetismo;
5- Valorizar e promover a diversidade cultural;
6- Garantir a inclusão produtiva;
7- Assegurar o acesso ao trabalho decente e aos direitos humanos
de previdência social;
8- Promover a sustentabilidade ambiental;
9- Assegurar o diálogo social; e
10- Estabelecer mecanismos de cooperação regional para a
implementação e financiamento de políticas sociais. (ISM, 2013, p. 30)
No âmbito do MERCOSUL, a agenda social coloca a necessidade de
efetivar medidas para garantir um padrão de proteção social. Dessa forma, o que
vem sendo constatado na agenda governamental são as políticas de transferência
de renda, como fator decisivo para consolidação de uma rede de proteção social,
tendo em vista seu papel no enfrentamento à pobreza144.
Inserindo os Programas de Transferência de Renda como estratégia de
proteção social na agenda social do MERCOSUL, o Plano Estratégico de Ação
144
A centralidade nas discussões sobre enfrentamento à fome, pobreza no bloco regional pode
ser observada nas Atas da Reunião de Ministros e Autoridades de Desenvolvimento Social
do MERCOSUL- (11ª RMADS- 29/11/06/ 12ª RMADS- 16/06/07/ 13ª RMADS- 23/11/07 e 14ª
RMADS- 13/06/08).
392
Social do MERCOSUL (PEAS) configura, em seu Eixo I, Diretriz 2, a promoção de
políticas redistributivas, com vistas à superação da pobreza. Seu desafio é a
universalização da política e maior articulação dos programas às políticas
sociais, com vistas ao enfrentamento da pobreza.
O Plano Estratégico de Ação do MERCOSUL é estabelecido pelo
Conselho do Mercado Comum (Dec. N° 67/10), por meio de propostas estabelecidas
pela RMADS, apresentando como tema de destaque as políticas de transferência
de renda no enfrentamento à pobreza.
Os PTR ganham centralidade a partir da década de 1990, nos países
membros do MERCOSUL, como instrumento de enfrentamento à pobreza e
mecanismo de garantir proteção social por meio do repasse monetário às famílias
em situação de vulnerabilidade social, articulado às demais políticas públicas de
educação e saúde.
Observa-se que a inserção de governos centro-esquerda nos Estados
partes reformula a direção política e social nos Estados. A implementação de
políticas redistributivas contribui para o desenvolvimento econômico da região.
Conforme Kerstenetzky (2012, p. 161), “a introdução de políticas distributivas por
coalizões de centro-esquerda - o caso do Brasil, em particular, ilustra,
inversamente, a contribuição de políticas redistributivas para o crescimento dos
últimos anos”.
Costa (2013, p. 93) assevera que, com a entrada dos governos centroesquerda, “houve uma retomada de desenvolvimento na região [...] e os índices
de pobreza passaram a ser encarados como desafios a serem superados a partir
da ampliação da atuação do Estado, como uma valoração do processo de
integração regional”.
Neste sentido, pode-se inferir que há nos Estados partes, especialmente
na década de 2000-2010, a opção política voltada para perspectiva centro esquerda,
a partir do compromisso com a democracia, enfrentamento à pobreza e promoção
dos direitos humanos. Neste contexto, a integração regional é abordada como
mecanismo de negociação na esfera internacional.
393
Neste sentido, as diretrizes de proteção social no MERCOSUL assumem
um eixo central: o combate à pobreza extrema. As medidas para seu
enfrentamento se dão através dos PTR.
Os PTR nos Estados partes surgem em um contexto marcado pelo ideário
neoliberal, como estratégia de focalização, e impondo condicionalidades para o
repasse de benefícios às famílias em situação de extrema pobreza. A pobreza
foi medida e definida a partir de um indicador de renda – a linha da pobreza.
Nesse sentido, o enfrentamento à pobreza requer a atuação do Estado
por meio de políticas redistributivas e oferta de serviços públicos, especialmente
na área da saúde e educação. A prioridade de atendimento às crianças apresenta
centralidade no enfrentamento à pobreza. A ausência de inclusão de todos no
mercado de trabalho e no campo da seguridade social coloca as famílias com
crianças pequenas no centro dos PTR.
Observando as características dos programas de transferência de renda
nos países que compõem o MERCOSUL, podemos identificar que os programas
oferecem em curto prazo o alívio a situação de pobreza extrema, através das
transferências monetárias. A articulação das políticas de educação e saúde
apresenta-se em longo prazo como mecanismo para romper com o ciclo da
pobreza através das condicionalidades de frequência escolar, das vacinações e
atenção à saúde especialmente de crianças e gestantes.
O problema da desigualdade social que condiciona parte da população
dos países da região do MERCOSUL a viverem em situação de pobreza não
pode ser equacionado apenas com os PRT. É preciso ir além dessa estratégia
para reduzir os níveis de desigualdades sociais na região, o que demanda
capacidade política para implementar reformas estruturais, e a universalização
do acesso e a oferta de serviços públicos de qualidade na área da educação,
saúde, a proteção previdenciária e assistencial. Para tanto é preciso investir
articulando políticas sociais e econômicas com o objetivo do desenvolvimento
com redução de desigualdades.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
394
No MERCOSUL, os PTR surgem com o objetivo de garantir mínimos
sociais, pois o consumo é condicionado ao acesso à renda em uma sociedade
de mercado. As questões estruturais da pobreza e da desigualdade social não
foram alteradas na região. Ao se analisar os PTR, observa-se que os mesmos
apresentam desafios para a consolidação da proteção social. A focalização dos
programas na população em extrema pobreza, excluída do acesso aos serviços
de educação e saúde apresenta um desafio, além da transferência de rendas
deve-se ampliar a capacidade de ofertar serviços públicos de qualidade. O
caráter temporário dos PTR não permite alterar a vulnerabilidade da família, é
preciso medidas para reduzir as desigualdades sociais. No entanto, percebe-se
que a transferência de renda, mesmo que em níveis mínimos, teve impacto na
redução da pobreza na região e melhorou o consumo dos beneficiários dos PTR.
O desafio consiste em articular esses programas de transferência de rendas com
as políticas universais de educação e saúde, ampliar a inserção dos beneficiários
no mercado de trabalho, o que exige a geração de empregos e de mecanismos
para geração de rendas.
Os PTR garantiram avanços na redução da extrema pobreza, mas ainda
há que superar o histórico de assistencialismo e clientelismo dos países que
compõem o MERCOSUL. Um aspecto positivo dos PTR é a forma de
operacionalização, o benefício é pago diretamente ao usuário, sem
intermediário, através de cartão eletrônico, na rede bancária, e o fortalecimento
do papel da mulher, que recebe e administra os recursos provenientes do PTR.
No MERCOSUL, os governos centro-esquerda no período 2003-2012
assumiram o desafio de reduzir a extrema pobreza na região, atuando de forma
a estimular os processos de integração social. Articulado a estratégia dos PTR
os serviços de educação e saúde foram ampliados a partir do esforço para incluir
as famílias em situação de pobreza no sistema de proteção. Nesse sentido, a
importância da dimensão social no processo de integração regional supõe
entender e analisar as políticas sociais como instrumento estratégico para o
desenvolvimento econômico. Ainda que de maneira restrita e limitada, os PTR
395
constituem um passo importante para o avanço da proteção social não
contributiva.
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MERCOSUL.
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MERCOSUL. Plano Estratégico de Ação Social do MERCOSUL.
Assunção- Paraguai, 2012.Disponível em: <http://ismercosur.org/doc/PEASPortugues-web.pdf>. Acesso em: 10abr. 2012.
397
FACETAS DO ATENDIMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL EM FOZ DO IGUAÇU/PR
Susana Karen Hans Sasson145
RESUMO
Ao longo do processo de vitimização da Infância foram sendo construídos
mecanismos protetivos direcionados ao segmento, no intuito de coibir tais
práticas. Recentemente, o CREAS foi o equipamento criado dentro da política
de Assistência Social a fim de atender crianças e adolescentes vítimas de
violência sexual, com uma proposta de fortalecimento/reestabelecimento de
seus vínculos familiares. Por ocasião da pesquisa de Mestrado, a autora
procurou conhecer a especificidade, a periodicidade e a duração do
acompanhamento prestado a essas vítimas no ano de 2012, bem como demais
órgãos que tenham atuado nos casos, dentre outros dados. A partir das
informações coletadas, acredita-se ser possível construir um entendimento
concreto a respeito de algumas das deficiências ainda presentes na política de
Assistência Social, e, de maneira mais ampla, na rede de atendimento,
apontando para a urgente necessidade de estruturá-la e instituí-la enquanto rede
intersetorial.
PALAVRAS-CHAVE: CREAS; violência sexual contra crianças e
adolescentes; intersetorialidade.
INTRODUÇÃO
O Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS),
unidade pública estatal de abrangência municipal ou regional, constitui-se em
lócus de referência da oferta de trabalho social especializado no Sistema Único
de Assistência Social (SUAS), prestado a famílias e indivíduos em situação de
risco pessoal ou social, por violação de direitos. Presta atendimento e
acompanhamento individualizado, especializado e continuado, o qual pressupõe
acolhida, escuta qualificada e compreensão da situação vivenciada por cada
145
Graduação em Serviço Social pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná
(UNIOESTE). Pós-Graduação em Metodologia para o Enfrentamento à Violência contra a
Criança e o Adolescente pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR). Mestrado
Interdisciplinar em Sociedade, Cultura e Fronteiras pela UNIOESTE. Atua como Assistente
Social do Ministério Público do Estado do Paraná. E-mail: [email protected].
398
família/indivíduo, considerando seu contexto de vida familiar, social, histórico,
econômico e cultural (BRASIL, 2011).
Considerado enquanto porta de entrada para a acolhida de situações de
violência sexual, por ocasião da pesquisa de Mestrado, a autora coletou dados
neste equipamento no intuito de observar a qualidade do acompanhamento
realizado a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual no ano de 2012,
através de variáveis como a especificidade, a periodicidade e a duração do
acompanhamento ofertado. Além disso, observou-se a participação de outros
órgãos no atendimento dos casos, dentre outros dados.
A coleta de dados no CREAS ocorreu entre os meses de julho a outubro
de 2013, totalizando 68 horas de pesquisa. O ano de 2012 foi eleito por tratar-se
de período já finalizado. O levantamento inicial consistiu em encontrar nas
agendas do ano de 2012 das quatro técnicas que ali atuavam (duas psicólogas
e duas assistentes sociais) as crianças e adolescentes vítimas de violência
atendidas neste ano, dado que tal informação não se encontrava sistematizada
por tipo de violação.
Após levantamento inicial, foram identificadas 57 vítimas. As “pastas de
atendimento” as quais se constituíram em objeto de pesquisa, agrupavam o
conjunto de informações levantadas ao longo de todo o acompanhamento
prestado à criança/adolescente e sua família, a partir dos atendimentos
realizados pela equipe do CREAS, contando seja com documentos produzidos
pela própria equipe, seja com documentos produzidos pelos demais órgãos da
“rede” de atendimento.
A partir das informações coletadas, acredita-se ser possível construir um
entendimento concreto a respeito de algumas das deficiências ainda presentes
na política de Assistência Social, e, de maneira mais ampla, na “rede” de
atendimento, apontando para a urgente necessidade de estruturá-la e instituí-la
enquanto rede intersetorial.
CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL
ATENDIDAS PELO CREAS EM FOZ DO IGUAÇU
399
Para fins de pesquisa, primeiramente procurou-se delimitar àqueles
órgãos de atendimento que pareceram imediatamente mais importantes para
assistir à vítima de violência sexual, a fim de observar, se, ao menos estes,
estariam estabelecendo entre si ações coordenadas, com protocolos e fluxos de
referência e contra-referência. Os órgãos elencados foram: Hospital Ministro
Costa Cavalcanti (HMCC), Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente
Vítimas de Crimes (NUCRIA), Conselho Tutelar (CT), Unidade Básica de Saúde
(UBS) e CREAS.
A tais órgãos, de maneira conjunta, caberia a prestação de atendimentos
emergenciais e continuados em matéria de Saúde e Assistência Social, bem
como a tomada de medidas para a segurança da criança/adolescente e
responsabilização do agressor. No gráfico abaixo, no entanto, percebeu-se que
nem todas as vítimas estavam em atendimento por parte da totalidade desses
órgãos, o que torna impossível abordar uma situação de violência sexual de
maneira adequada.
Gráfico 1 – Órgãos de Atendimento às Vítimas
Fonte: Dados coletados pela autora
Em mais de 50% dos casos atendidos os responsáveis eram o
CREAS e o CT. É possível, e bom seria, que essa fosse apenas uma falha de
registro do CREAS, não mencionando os demais órgãos participantes do
atendimento dessas vítimas. Contudo, isso nem mesmo o CREAS poderia saber,
dado sua dificuldade de acompanhamento dos casos.
400
Porém, mesmo se a necessidade real por atendimento, nesses casos,
fosse única e exclusivamente desses dois órgãos, seria de se supor que entre
eles houvesse uma estreita articulação, o que não se confirmava. Em nenhum
dos casos verificados houve a menção dos cinco órgãos atuando de maneira
conjunta, e os casos em que quatro deles participaram perfazem apenas 10%
do total.
Os acompanhamentos de médio e longo prazo prestados a vítima,
considerando os órgãos em questão, ficariam ao encargo da UBS e do CREAS.
Contudo, no levantamento realizado, encontrou-se a informação de apenas uma
vítima sendo acompanhada por profissional de Psicologia na UBS. A relação
existente entre essas duas políticas (Saúde e Assistência Social), nos casos
verificados, se resumiu a encaminhamentos emergenciais de vítimas do HMCC
para o CREAS. A ação continuada não se concretiza e a criança/adolescente
permanece vitimizado, antes pela ação de um sujeito, e em seguida pela
omissão do Estado.
No levantamento de dados realizado, também se procurou mensurar,
ainda que de maneira quantitativa, a qualidade dos acompanhamentos
prestados às 57 vítimas no ano de 2012. Para isso, uma das estratégias foi
levantar as datas dos atendimentos direcionados a cada vítima individualmente,
somando-as ao final a fim de saber por quantas vezes uma mesma
crianças/adolescente fora atendida.
Gráfico 2 – Quantidade de Atendimentos em 2012
Fonte: Dados coletados pela autora
401
Dos 57 casos, 22 (39%) obtiveram apenas um único atendimento. Três
casos (5%) não contaram com nenhum atendimento e se referem a situações
em que o atendimento foi agendado, sendo preenchida ficha de cadastro da
criança/adolescente (não se sabe se mediante contato telefônico ou se a partir
de informações de relatórios encaminhados por outros órgãos), mas não houve
comparecimento da vítima ou de seus familiares, tampouco houve busca ativa
por parte do CREAS a fim de agendar novo atendimento.
Uma criança/adolescente vítima de violência sexual certamente precisa
de constância e continuidade em seu atendimento. No entanto, o que se
percebeu é que em 84% dos casos as vítimas de violência sexual não obtiveram
mais de cinco atendimentos no CREAS. Um efetivo acompanhamento persegue
a situação até que a mesma seja solucionada, e nos casos analisados isso não
foi passível de verificação. As situações não eram resolvidas, simplesmente
deixavam de ser atendidas. As pastas eram arquivadas de acordo com o ano
do atendimento, e não consideravam a resolução ou não dos casos.
Almejando uma possibilidade concreta de interferir na dinâmica das
situações vivenciadas, haveria necessidade de atendimentos que fossem, ao
menos, semanais. Afinal, quer-se acompanhar a repercussão da violência sobre
a vida da criança/adolescente e sua família, minimizando suas consequências.
Se considerássemos que todos os casos acima tivessem tido o início de seu
acompanhamento em janeiro de 2012 e término em dezembro do mesmo ano,
nenhum dos casos contaria sequer com atendimentos mensais, tendo em vista
que o número máximo de atendimentos foi onze. Contudo, para uma melhor
análise, é possível observar os dados de periodicidade apontados abaixo.
402
Gráfico 3 – Periodicidade dos Atendimentos em 2012
Fonte: Dados coletados pela autora
Como é possível constatar, apenas quatro dos 57 casos contaram com
frequência semanal ou quinzenal, e nenhum destes contou com mais do que três
atendimentos. Na grande maioria dos casos que contaram com mais de um
atendimento, não foi possível encontrar regularidade em sua frequência,
deixando margem para a constatação de que os atendimentos ocorrem muito
mais quando há procura espontânea por parte da família (que está ligada ao seu
processo de aceitação/negação da violência sofrida, sendo por isso mesmo
irregular) do que por parte do órgão que as atende. É preciso ter em vista
também que, 14 dos 57 casos já se encontravam em atendimento em 2011 e 20
continuaram a ser atendidos em 2013. Mesmo assim a regularidade não
conseguiu ser estabelecida.
Diante de tais informações, teve-se a curiosidade de obter conhecimento
a respeito do período total de atendimento. Sendo assim, a data inicial e final146
dos atendimentos foi considerada. Importa dizer que esta foi uma aproximação,
dado que em algumas fichas de pesquisa, por não ser objeto inicial da análise,
não foram considerados os meses de início do atendimento, apenas os anos.
Alguns valores também foram arredondados a fim de materializá-los no gráfico.
Os longos períodos se devem a casos que vinham sendo atendidos desde 2008.
Nesses casos, pela baixa frequência de atendimentos, as situações não se
resolvem e vez ou outra as vítimas acabam retornando ao CREAS. Assim, se
146
A data final limite foi outubro de 2013, quando do encerramento da pesquisa
no CREAS.
403
comparado aos gráficos 3 e 4, este dado expressa, de maneira geral, o período
sem adequado atendimento às vítimas desde o seu primeiro comparecimento ao
CREAS.
Gráfico 4 – Durabilidade Total Aproximada dos Atendimentos
Fonte: Dados coletados pela autora
Nesse gráfico, quer-se chamar a atenção para duas situações: para os
atendimentos realizados num período inferior a um ano, e para aqueles com
período superior ha três anos. Na primeira situação, tem-se um total de 20 casos,
os quais representam 35% do total. Associada a frequência, esta nova
constatação referente a curta durabilidade do acompanhamento apenas
corrobora na não resolutividade dos casos. Na segunda situação, tem-se um
quantitativo de 10 casos, representando 17,5% do total. Nesta já é possível inferir
a respeito de um descaso das políticas públicas - voltando o olhar aqui mais
especificamente para a política de Assistência Social a qual se constitui em
objeto de análise deste estudo - no atendimento das vítimas. Se houvesse
frequência na realização dos atendimentos, caracterizando de fato um
acompanhamento, e fosse avaliada a necessidade de que estes sujeitos
permanecessem sendo acompanhados por até cinco anos, seria uma situação.
Contudo, estender um atendimento supérfluo, fragmentado e paliativo por todo
esse período de tempo não pode consistir em outra coisa que não na
revitimização dessas crianças e adolescentes, uma naturalização e banalização
da violência.
404
Em várias situações alarmantes, quando acabou por se questionar as
técnicas do CREAS a respeito da continuidade do atendimento nos casos
analisados, a resposta obtida foi a seguinte: “Não conseguimos mesmo dar conta
dos atendimentos. É a triste realidade”. Neste ponto cabe a seguinte reflexão:
onde está o outro na política pública? Um ser coletivo é exposto à violência.
Contudo, ao invés dessa coletividade ser invocada a fim de criar estratégias que
aliviem um sofrimento coletivo, é invocada para se desviar o olhar do sujeito. É
como se não houvesse uma vítima em sofrimento. O olhar é desfocado para
aliviar o sofrimento físico e psíquico dos sujeitos que atendem a essas crianças
e adolescentes, e que, caso não aderissem a uma espécie de conformismo, não
suportariam a dor emocional advinda da frustração profissional por situações não
resolvidas e por crianças/adolescentes que, possivelmente, permanecem sendo
vítimas de violência sexual, mesmo após sua intervenção.
CONCLUSÃO
A situação da política social hoje reflete a opção pelo desenvolvimento de
um Estado mínimo, que não prevê estratégias para a superação das violações,
mas tão somente para a manutenção de um sistema econômico vigente.
Desregulamentação e flexibilização exercem sua influência no sentido de
políticas cada vez mais focalizadas. Ao contemplar a materialização de tal
assertiva na coleta e análise dos dados da pesquisa, percebe-se que essa é a
razão essencial, o cerne da questão do não atendimento adequado por parte da
política pública. Em sua gênese, ela não foi criada para atender de fato, mas sim
para escamotear relações desiguais, para tal como é, servir como paliativo para
uma classe que vive do trabalho.
O Estado necessita estruturar suas políticas, seus equipamentos.
Os recursos públicos precisam ser geridos a fim de, prioritariamente, subsidiar
recursos humanos suficientes e habilitados para um atendimento com tal
complexidade. Essa seria uma resposta provisória à questão, e relativamente
simples. A nova forma de conceber e gerir a política de Assistência Social,
estabelecida pela Constituição Federal de 1988 e pela LOAS, exige alterações
405
no processo de trabalho de modo que a prática profissional esteja em
consonância com os avanços da legislação. A concepção da Assistência Social
como direito impõe aos trabalhadores da política que estes superem a atuação
na vertente de viabilizadores de programas para a de viabilizadores de direitos.
Há estratégias a serem desenvolvidas no âmbito das políticas sociais, a
fim de oferecer efetivo atendimento às vítimas, a despeito da impossibilidade de
resolução do problema da violência. O que impede que tais estratégias sejam
operacionalizadas é a falta de priorização política desse atendimento, o que
reflete nas precárias condições de trabalho vivenciadas pelos serviços. Dessa
maneira, a política tem condições sim de sair da abstração e materializar-se na
vida dos sujeitos ao qual se destina.
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406
I SEMINÁRIO MUNICIPAL DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA DE TERRA ROXA-PR: “QUAL MEU PAPEL NO COMBATE
DAS MÚLTIPLAS VIOLÊNCIAS?”
Camila Andréia de Melo Agrella
Jéssica Renata de Souza
RESUMO: O presente artigo relata a experiência da organização através
do trabalho intersetorial do I Seminário Municipal de Enfrentamento à violência
doméstica, realizado no mês de setembro de 2015 no município de Terra RoxaPR, sob a coordenação da Secretaria Municipal de Saúde por meio do trabalho
do profissional assistente social. O seminário realizado faz parte das ações do
Projeto “Humanizando o Atendimento às Mulheres e Crianças Vítimas de
Violência Doméstica” implantado no município desde 2011.
Palavras-chave:
Violência
doméstica;
assistente
social;
intersetorialidade.
INTRODUÇÃO
De acordo com o Ministério da Saúde “[...] a cada dois dias em média 5
crianças de até 14 anos morrem vítimas de agressão, ou seja, a cada dez horas
uma criança é assassinada no Brasil.” (Molin, 2015)
Em se tratando da mulher, informações trazidas durante palestra da
assistente social Susana Dal Molin (2015) cada 15 segundos uma mulher é
agredida no nosso país e, infelizmente a violência doméstica é a principal causa
de morte e até deficiência naquelas mulheres pertencentes a faixa etária de 16
a 44 anos de idade, provocando mais mortes do que câncer e os acidentes de
trânsito.
Segundo a Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SDH, 2015), no
ano de 2011, morreram cerca de 24.669 mil pessoas idosas por acidentes e
violências no país, expressando por dia 68 óbitos.
407
Os dados apresentados trazem preocupações aos municípios que
recebem todos os dias denúncias de violências praticadas a qualquer dos
segmentos acima citados que estão em desenvolvimento peculiar (criança e
adolescente) e são fragilizados e vulneráveis (idosos e mulheres).
O presente artigo trata da construção do objeto de capacitação dos
profissionais e da sociedade civil das diversas áreas, na temática da violência
doméstica. O relato a ser apresentando diz respeito a prática profissional das
Assistentes Sociais inseridas na política pública de Saúde e da Assistência
Social do município de Terra Roxa-PR, na efetivação do I Seminário Municipal
de Enfrentamento à Violência Doméstica, por meio do trabalho intersetorial.
DESENVOLVIMENTO
De acordo com o autor Porto (2014, p.13) quando falamos de violência
consideramos com uma constante na natureza humana, pois desde a nascer do
sol do homem até o anoitecer da civilização esse tema acompanha lado a lado
a humanidade, em cada ação do cotidiano na condição humana.
Desse modo, podemos perceber em Vazquez (1977, p.379) que a
violência é algo exclusivo do homem, pois “[...] na medida que ele é único ser
que, para manter-se em sua legalidade propriamente humana, necessita violar
ou violentar constantemente uma legalidade exterior (a da natureza).”
Neste contexto, na sociedade capitalista, na qual a base é a acumulação
por meio da exploração do homem pelo homem, Vazquez (1977, p.382) ressalta
que a violência se apresenta de duas formas, de modo direto na violência real
ou possível, e indireta que é aquela vinculada a alienação e exploração
presentes nas relações humanas. O autor ainda cita que evidenciamos essa
violência em diversas expressões como a miséria, a prostituição e principalmente
na negação dos direitos das crianças e adolescentes, da mulher, do idoso dentre
outros segmentos que degradam o ser social e acontece de forma mais
significativa no Brasil. (VAZQUEZ, 1977, P.382)
408
Ao tratar da violência da mulher Porto (2014, p.18) diz que a violência
baseada no gênero e nas diversas formas como o assedio e exploração sexual,
além dos preconceitos culturais, são conflitantes com a dignidade e os valores
da pessoa humana e devem ser extintas.
Diante disso, a erradicação dessas diversas violências pode acontecer
pela aplicação de medidas legais a nível nacional e internacional em campos
como “[...] desenvolvimento socioeconômico, a educação, a maternidade e os
cuidados de saúde, e assistência social.” (PORTO, 2014, p.18)
É por isso que a Constituição federal de 1988, em seu art. 226, $ 8º,
impõe ao Estado assegurar a assistência à família, na pessoa de cada um dos
que a integram, criando mecanismos para coibir a violência, no âmbito de suas
relações (grifo do autor). O artigo exposto reafirma a necessidade de políticas
públicas na intenção de reduzir e erradicar a violência aqui se tratando da
doméstica, especialmente aquela contra os mais vulneráveis que estão inseridos
na estrutura família sendo eles os idosos, mulheres e crianças. (PORTO, 2014,
p.17).
Localizado no oeste do Paraná, próxima da região de fronteira com o
Paraguai, o município de Terra Roxa originado 14 de dezembro de 1961, tem
uma população estimada conforme Cadernos Municipais do IPARDES (2015) de
17.517 mil habitantes e uma economia baseada na confecção da moda bebê.
Atualmente o município conta três profissionais assistentes sociais, em
cargos efetivos com carga horária de 30 horas semanais. Destas duas estão
lotadas na secretaria municipal de assistência social e uma contrata no inicio de
2015 lotada na secretaria municipal de saúde.
Dentre as atribuições que a assistente social da saúde Camila Agrella
vem realizando desde que assumiu o concurso, foi a retomada do Projeto
“Humanizando o Atendimento às Mulheres e Crianças Vítimas de Violência
Doméstica”, idealizado desde 2011, por meio das Enfermeiras Telma Camargo
Tristão e Vanessa Betânia Palma, que habilitaram o município a receber
recursos provenientes do Fundo Estadual de Saúde, de acordo com a Resolução
Estadual nº790/2014:
409
Art. 1º - Instituir incentivo financeiro no valor de R$ 25.000,00
(vinte e cinco mil reais) por meio do Tesouro do Estado, para até 96
municípios do Paraná que atenderem os critérios definidos por essa
resolução, para o desenvolvimento de ações visando à implantação
e/ou implementação do Núcleo de Prevenção de Violências e
Promoção da Saúde no âmbito municipal durante o ano de 2015,
(Resolução Estadual SESA nº 790/2014).
No ano de 2012, foram realizadas atividades de prevenção em escolas
e atendimento psicológico as vítimas de violência doméstica. Contudo com a
alteração de gestão da Prefeitura Municipal, as enfermeiras responsáveis pelo
projeto foram manejadas de cargos, incidindo deste modo na dificuldade de
prosseguimento das ações.
Em fevereiro de 2015, a Assistente Social, Camila Agrella ao retomar o
Projeto, elaborou o Plano de Ações para utilização e execução dos recursos
previstos para a realização do mesmo, levando para apreciação do Conselho
Municipal de Saúde de Terra Roxa-PR que aprovou através da Resolução
Municipal nº 009/2015 e ata nº 142, encaminhado ainda para a 20º Regional de
Saúde, na qual pertence o município.
Percebe-se aqui que a efetivação das atribuições dos assistentes sociais
que passam a ser requisitados para atuar também na formulação e avaliação
das políticas, bem como no planejamento e na gestão de programas e projetos
sociais, desafiados a praticarem uma intervenção de forma mais critica e criativa.
(RAICHELIS, 2009, p.388).
Neste sentido, a coordenadora do Projeto realizou Visitas Técnicas a
diversos serviços de atendimento as pessoas em situação de violência
doméstica e ou/vulnerabilidade social para apresentar o projeto, propor parcerias
e realizar a assinatura do termo de compromisso.
Na data de 26/09/2015, foi realizada no Centro Administrativo Municipal
uma reunião com objetivo de planejar o I Seminário Municipal De Enfrentamento
À Violência Doméstica. “Qual Meu Papel No Combate Das Múltiplas
Violências?”. Estiverem presentes representantes das secretarias municipais de
Educação, Cultura, Saúde e Assistência Social, Conselho Tutelar e APAE.
410
Nesta oportunidade, definiu-se data, horário, local, meios de divulgação,
metodologia e dinâmica do evento. A estratégia inicial seria promover o
envolvimento e responsabilização da rede de atendimento municipal a demanda
do fenômeno social da violência doméstica, partindo-se da compreensão da
mesma enquanto dever de todos e importância da intersetorialidade.
O objetivo geral do seminário foi a capacitação profissional e da
sociedade civil acerca do fenômeno da violência. E como objetivos específicos
a capacitação da equipe responsável pelo projeto e trabalhadores da área de
saúde, educação, assistência social, segurança e justiça; a disseminação de
informações para população sobre os tipos e consequências das violências;
ampliação do número de denúncias por parte das vítimas e da sociedade de
modo geral; o estabelecimento de parcerias com os setores de atendimento;
fortalecimento de ações de prevenção da violência contra criança e adolescente,
mulher, idoso e pessoa com deficiência e por fim a articulação e mobilização da
rede de atenção intersetorial às pessoas em situação de violência.
Dessa forma, ainda no dia 26 de agosto, foram atribuídas
responsabilidades para os representantes presentes ficando da seguinte forma:
a secretaria de educação comprometeu-se em contribuir na divulgação do
evento nas escolas públicas; o Departamento de Cultura responsabilizou-se por
oferecer o local para realização do evento, além de promover apresentação
cultural de uma peça teatral que abordou a temática referida; a Escola Mundo do
Aprender (APAE) sugeriu a dinâmica de acolhimento dos convidados através da
entrega de pirulitos na forma de coração e exposição do painel confeccionado
em parceria com os alunos trazendo a seguinte mensagem “Espalhe Amor” e a
Secretaria de Assistência Social contribuiu efetivamente na divulgação junto às
entidades, órgãos da Prefeitura Municipal, poder judiciário entre outros
segmentos que atuam direta ou indiretamente com a temática. Além dos demais
trabalhos que ficaram da secretaria de saúde que coordena o projeto.
Destacamos o trabalho interdisciplinar e intersetorial que é fundamental
e estratégico no momento amplia o arco de alianças em volta de temas e projetos
comuns, ora no âmbito governamental como na relação com os diferentes
411
sujeitos e ora nas organizações da sociedade civil, principalmente com os
usuários dos serviços públicos e suas organizações coletivas. (RAICHELIS,
2009, p.389).
A realização do seminário ocorreu em 02 de setembro de 2015, na Casa
da Cultura do município. Iniciou-se com a composição da mesa, formada pela
coordenadora do projeto e assistente social da saúde Camila de Melo Agrella,
os representantes do Ministério Público e Poder Judiciário, da 20ª Regional de
Saúde, além do Prefeito Municipal e Secretária de Saúde. Na sequencia, ocorreu
a palestra ministrada pelo Juiz de Direito da Comarca o Sr. Dr. Christian Reny
Gonçalves que abordou o tema “Violência Doméstica contra Mulher, um enfoque
na prática jurídica” (grifo nosso).
Logo após a fala do juiz, foi realizada a palestra a Sra. Susana Dal Molin,
que é Mestre em Educação e Assistente Social há 20 anos atuando na Prefeitura
Municipal de Cascavel e falou sobre “Violência Contra Crianças, Adolescentes e
Mulheres.” (grifo nosso). O tema abordado por Susana num contexto geral
contribui de modo particular ao reafirmar a relevância do trabalho em rede
articulado diante das situações de violência que aparecem nos diversos setores
da administração pública. Para, além disso, Susana expôs a experiência da
Cidade de Cascavel que conta com uma rede estruturada e articulada. Após a
fala da palestrante, foi aberto espaço para debates onde os presentes puderam
dialogar, tirar dúvidas e fazer esclarecimentos sobre a violência doméstica.
CONCLUSÃO
A experiência relatada neste artigo sobre a realização do I Seminário
Municipal, na qual abordou sobre a temática da violência doméstica, foi um dos
primeiros passos do Projeto “Humanizando o Atendimento à Mulheres e
Crianças vitimas de violência doméstica”. A continuidade do projeto traz outras
412
várias ações como a capacitação dos professores das escolas públicas,
concurso cultural, mas principalmente a criação e o fortalecimento de uma rede
municipal de atendimento que possibilite a garantia dos direitos e a efetivação
das políticas públicas no município de Terra Roxa-PR.
REFERÊNCIAS
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413
VAZQUEZ, Adolfo Sanchez. Filosofia da Práxis. Trad. Luiz F. Cardoso,
2. ed. Rio de Janeiro: Pza e Terra, 1977.
APROPRIAÇÃO DO TERRITÓRIO POR UM MÉDICO CUBANO EM
UMA UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE EM LONDRINA
Júlia Ramalho Rodrigues
Líria Maria Bettiol Lanza
RESUMO
414
O presente projeto buscou compreender o processo de territorialização
em saúde vivenciado por um médico cubano do Programa Mais Médicos em um
serviço de atenção básica de Londrina. Tendo um grande percentual de médicos
cubanos ocupando as vagas do Programa federal através da parceria que o
Brasil fez com a OPAS. Este projeto buscou analisar as estratégias utilizadas
pelos cubanos para a apropriação do território londrinense e o processo de
aproximação da população abrangente deste serviço. A pesquisa se deu de
forma qualitativa, tendo como lócus da pesquisa uma Unidade Básica de Saúde,
que se fazia presente um médico “cooperado”, que foi o sujeito do estudo. Tendo
como fundamentação teórica Santos (2006), foram utilizados levantamento e
análise documental e entrevista para compreender como o médico cubano que
chega ao Brasil desterritorializado e a partir do estranhamento, se apropria do
território londrinense, com sua história e particularidades.
Palavras-chave: Programa Mais Médicos; territorialização; atenção
básica.
Introdução
O grupo de pesquisa vinculado ao CNPq “Serviço Social e Saúde,
formação e exercício profissional”, ao longo de sua trajetória tem se dedicado a
apreender as relações entre a política de saúde e o trabalho do assistente social.
Nesse sentido, ao avançar sobre a compreensão da referida política, os
territórios147 onde estão os serviços de saúde se configuraram como um
elemento a ser investigado e articulado com o trabalho em saúde, do qual
participa o assistente social inserido nesse campo sócio ocupacional. Este
estudo148 buscou contribuir e fomentar os debates sobre o uso do território pelos
profissionais na política de saúde. A partir dos estudos de Santos (2006),
consideramos que os migrantes ao chegarem a seu destino passam por um
Projeto de pesquisa em curso: “O uso do território pela política de saúde e sua
interface no trabalho do assistente social” coordenado pela Profª. Drª. Líria Maria Bettiol Lanza.
148
Iniciação Científica concluída em 2015 a partir da pesquisa “Apropriação do
território e suas especificidades por um médico cubano em uma Unidade Básica de Saúde
em Londrina PR”, orientada pela coordenadora do mencionado grupo de pesquisa e financiada
pelo CNPq.
147
415
processo de desterritorialização, uma forma de estranhamento. Este momento
exige-se novos saberes e descobertas para lidar com o novo território, nos
aspectos culturais, econômicos, sociais e políticos.
Tendo em vista que há essa disparidade entre sua cultura de origem e a
qual está inserida agora, este estudo tem como objetivo geral conhecer a
apropriação de um médico cubano do Programa Mais Médicos, regulamentada
na Lei nº 12.871, do território em que está atuando, já que se apresentaram
desterritorializados de sua realidade de origem, mas podem usar metodologias
e ferramentas de suas experiências anteriores para o trabalho atual.
Considerando também a utilização da concepção ampliada de saúde
desde a Constituição Federal de 1988, afirma que a saúde precisa ser vista a
partir de determinações sócias econômicas, políticas, culturais, além das
biológicas. É preciso analisar o território que o usuário se encontra com suas
condições de reprodução social para compreender o processo saúde-doença.
Assim, este projeto busca compreender como os médicos cubanos em seu
exercício profissional fazem esta aproximação com o território para compreender
as determinações da vida humana daquela localidade. A opção por Cuba se
justifica na reconhecida atuação no campo da Atenção Primária.
Em razão do não preenchimento das vagas ofertadas pelo Programa por
brasileiros, o Brasil estabeleceu um acordo com a Organização Pan-Americana
da Saúde (OPAS), que estabeleceu cooperação com o governo cubano, o qual
disponibilizou profissionais com experiência e formação na atenção básica para
atuar no Brasil. No caso de Londrina, segundo levantamento149 , o Programa
Mais Médicos ofertou trinta e seis vagas, sendo preenchidas quinze por médicos
intercambistas, sendo treze cubanos atuando em diversas Unidades Básicas de
Saúde.
O contexto do Programa Mais Médicos no Brasil
149
Consulta realizada no site oficial do Programa Mais
http://maismedicos.saude.gov.br e contato com a Secretaria Municipal de Saúde.
Médicos
416
Partindo de estudos de Lima (1999) compreendemos que a formação de
médicos brasileiros se deu tardiamente e com forte recorte elitista, em que desde
o início das primeiras escolas a restrição quanto ao ingresso e o local de sua
instalação, ajudam a entender tanto a profissão médica quanto a sua
espacialização geográfica no país.
A saúde pública brasileira se configura de forma organizada no século em
meados do século XX, tendo como marca as práticas campanhistas e higienistas
(BRAVO, 2006), porém a assistência à saúde, lócus privilegiado do trabalho
médico foi precária, oscilando entre as ações filantrópicas e particulares. Desde
1950, o atendimento hospitalar de natureza privada já estava com sua estrutura
montada e iniciou-se a formação das empresas médicas. “A corporação médica
ligada aos interesses capitalistas do setor era, no momento, a mais organizada,
e pressionava o financiamento através do Estado, da produção privada,
defendendo claramente a privatização.” (BRAVO, 2006, pág. 92).
Nos anos seguintes do século XX, essa relação estreita dos médicos com
o setor privado e os convênios particulares se acirrará. Somente com o processo
de redemocratização, em que no caso da saúde, permitiu a construção do
Movimento Sanitário, é que outra forma de relação entre os médicos e as
necessidades de saúde, serão evidenciadas. Arouca (1975) descreve que os
médicos dentro da estrutura social ocupam um lugar e uma função, sendo
portadores de uma ideologia. O autor afirma também que a “melhor medicina”
seria aquela com função social ampla, na qual o médico conhece toda a
comunidade, as pessoas doentes e as sadias.
A Constituição Federal de 1988 atende grande parte das reivindicações
do movimento sanitário, prejudicando parcialmente os interesses empresarias
do setor hospitalar privado, tendo como principais avanços: direito universal à
saúde e dever do Estado. No que tange a distribuição dos médicos no país para
suprir as demandas do Sistema Único de Saúde, implantado em 1990, os
problemas persistem. No documento “Demografia médica no Brasil: cenários e
417
4 indicadores de distribuição”150(CFM; CRESMEP, 2011). O número de médicos
para cada mil habitantes já é considerado inferior para o ideal. Quando o recorte
da pesquisa são apenas os médicos que atuam nos serviços públicos
municipais, estaduais e federais são apresentados índices preocupantes. Dos
388.015 médicos registrados nos conselhos, 55,5% atuam no SUS, sendo então
1,11 médicos para mil habitantes (índice nacional). Os índices regionais mais
alarmantes são o da região Nordeste com a razão de 0,83 por 1.000 habitantes
e o da região Norte com 0,66 por 1.000, na saúde pública151.
A partir desse quadro, segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2015,
pág. 14) “O Mais Médicos é um dos mais importantes capítulos da história da
Saúde Pública Brasileira e está garantindo, a quem mais precisa do SUS, o
direito à saúde152.” Uma das medidas mais polêmicas do governo brasileiro, no
interior da categoria médica não há consenso sobre o programa. Alguns dos
argumentos contrários é que um dos problemas da não efetivação do SUS é a
desigualdade na distribuição médica a nível nacional, investimento nas
condições de trabalho e não a falta de médicos, e segundo o Conselho Federal
de Medicina, este quadro poderia se reverter se fosse criado um plano de
carreira para os médicos no serviço público, garantindo a atração de
profissionais para os espaços menos desenvolvidos. A entidade também
considera que o Programa é uma medida paliativa, com intencionalidade
eleitoral153.
150
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Demografia Médica 2013. Jornal MEDICINA
Conselho Federal, Brasil, v / 2013. v.217.
151 Dados encontrados na referência: CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA.
Demografia Médica no Brasil: cenários e indicadores de distribuição. São Paulo: Conselho
Regional de Medicina do Estado de São Paulo: Conselho Federal de Medicina, 2013.v. 2. 256
fls. Disponível em: http://www.cremesp.org.br/pdfs/DemografiaMedicaBrasilVol2.pdf
152 Para mais informações sobre este programa, acesse: BRASIL. Ministério da Saúde.
Programa Mais Médicos. Disponível em: http://maismedicos.saude.gov.br/ ou MINISTÉRIO DA
SAÚDE. Programa Mais Médicos – Dois anos: Mais Saúde para os Brasileiros. Brasília – DF,
2015.
153 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. CFM rebate comentário de Dilma Roussef
sobre atuação dos intercambistas cubanos. MEDICINA: Conselho Federal. Maio 2014. Volume
nº 232, Caderno Política e Saúde, pág. 4.
418
O processo de territorialização em saúde: a visão de um médico
cubano
Considerando que o território é um conjunto de situações históricas,
sociais e ambientais que promovem condições para a produção de doenças, o
momento do trabalhador em saúde conhecer o território abrangente de seu
campo ocupacional é o momento para a caracterização da população e de seus
problemas de saúde.
A partir de uma aproximação com um médico cubano em uma Unidade
Básica de Saúde, através de uma entrevista exploratória, foi possível identificar
alguns aspectos que apontam para o processo de territorialização do
profissional. A trajetória profissional do médico cubano diversa e extensa, que já
trabalhou como médico da Atenção Básica, intensivista em um hospital,
professor de uma Universidade e gestor da Secretaria Municipal de Saúde,
demonstra que o profissional tem um domínio sobre o sistema de saúde, e este
percurso profissional do médico apresenta grande conhecimento da população,
bem como do sistema de saúde. Durante a entrevista, percebe-se que uma das
motivações do médico para participar do Programa no Brasil foi a solidariedade
internacional, no sentido de ajudar outro país quando está com um déficit em
algum aspecto. A partir da Lei nº 12.871, artigo 14 está previsto o momento em
que o médico receberá orientações sobre a cultural e o perfil epidemiológico da
região que irá atuar, como:
§ 3º O primeiro módulo, designado acolhimento, terá duração
de 4 (quatro) semanas, será executado na modalidade presencial, com
carga horária mínima de 160 (cento e sessenta) horas, e contemplará
conteúdo relacionado à legislação referente ao sistema de saúde
brasileiro, ao funcionamento e às atribuições do SUS, notadamente da
Atenção Básica em saúde, aos protocolos clínicos de atendimentos
definidos pelo Ministério da Saúde, à língua portuguesa e ao código de
ética médica (BRASIL, 2013).
Algo a ser ressaltado é que o médico cubano relata que no seu exercício
profissional em Cuba, ele conhecia “toda a população do bairro, paciente por
paciente.”, através de visitas domiciliares com horários adaptáveis à rotina da
família. Grande parte da carga horária do médico se dava nas visitas domiciliares
por este instrumento ser considerado tão importante para o processo saúdedoença, como Rojas considera:
419
“el servicio o el acceso, aún com conexión domiciliar en la
totalidade de los barrios, situación ideal, de seguro tiene frecuencias
variables de operación, em algunos barrios diária y en otros días
alternos, una vez por semana en determinados períodos; diferente
duración em horas del bombeo; y hasta em algunos barrios distribuídas
por pipas” (ROJAS, 2008, pág. 101).
O médico demonstra que para um bom atendimento ao usuário,
requer um bom estudo, uma dedicação específica e aprofundada para cada
situação, levando em consideração a concepção ampliada de saúde,
observando as particularidades de cada usuário. A estratégia do cubano para
reconhecer os atores de seu território abrangente é por meia da visita domiciliar
e da própria consulta, por meio de um atendimento com mais comunicação,
atenção e interesse pelo usuário. A partir do território, pode ser apreendidas
informações como um conjunto específico de condições ecológico-ambientais,
culturais, econômicos e políticos com o qual determina a forma e processo de
reprodução social da vida humana.
Um dos apontamentos do médico nas dificuldades de aproximação do
território é que pelo serviço de saúde estar em um local de grande movimentação
de pessoas, o profissional não consegue “conhecer todo mundo, muita gente de
fora, trabalhando, diferente de Cuba”. O profissional alega que este processo de
atração e retração ao território prejudica no bom atendimento ao usuário, visto
que não é alguma coisa mecânica e sim um atendimento que requer o
conhecimento das condições do usuário. Ainda, apontou que a política de saúde
brasileira é no plano legal muito bem estruturada e organizada, mas percebe
muitas barreiras para sua efetivação nos territórios.
Conclusão
Não podemos deixar de ressaltar que o Programa Mais Médicos garantiu
acesso ao atendimento médico a 63 milhões de brasileiros em 4.058 municípios
e 34 distritos indígenas (BRASIL, 2015) e a partir deste estudo, pode-se
considerar que a política de saúde cubana também utiliza do território para a
aproximação da população e que o médico cubano do Programa Mais Médicos
se utiliza do instrumento da visita domiciliar e também a partir de um atendimento
mais humanizado para este processo de territorialização. O médico cubano
420
apresenta diversidade em sua trajetória profissional, com experiência em
Atenção Básica, nenhuma dificuldade com a língua portuguesa e que dedica um
bom tempo para conhecer a população abrangente de sua UBS. No entanto, a
estrutura da política de saúde local, marcada por um expressivo contingente de
usuários e sua mobilidade, torna-se um limitador à um processo efetivo de
territorialização, bem como a realidade do SUS e seus constrangimentos em
relação ao acesso e qualidade dos serviços prestados.
Referências
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compreensão e crítica da medicina preventiva. Campinas, 1975. [Tese de
Doutorado, Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP].
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SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e
emoção. 4 ed. 2 reimpressão. São Paulo: Editora Da Universidade de São Paulo,
2006. 260 p.
421
DIREITOS HUMANOS E O MOVIMENTO DE CONSTRUÇÃO DA
PROTEÇÃO DO TRABALHO INFANTIL
Vanice Martins Fedrigo
Resumo: O presente artigo visa discutir sob à luz dos Direitos Humanos
a trajetória histórica, no cenário nacional e internacional, a construção das
normas de proteção ao trabalho infantil. A análise histórica demonstra que o
Brasil evoluiu de uma legislação menorista, estigmatizante e moralista, para uma
legislação protetiva e garantidora dos direitos fundamentais das crianças e
adolescentes, considerados, sujeitos de direito em condição peculiar de
desenvolvimento. Sabe-se que os direitos humanos são frutos de tratados
422
internacionais, ratificado por diversos países. O Brasil, como signatário de
tratados de direitos humanos propõe-se a cumprir normas que preconizam a
erradicação do trabalho infantil e a proteção ao trabalho do adolescente. Para
tanto, é necessário que tais preceitos sejam incorporados ao ordenamento
jurídico brasileiro e cumprido pelos seus poderes e pela sociedade.
Palavras-chave: Trabalho Infantil, Direitos Humanos e Direitos da
Criança e do Adolescente.
O presente estudo visa discutir sob à luz dos Direitos Humanos a
trajetória histórica, no cenário nacional e internacional, a construção das normas
de proteção ao trabalho infantil. Embora não discutiremos a questão social da
origem, desenvolvimento e permanência do trabalho da criança e do
adolescente, nos diferentes períodos históricos é importante destacar que na
história da humanidade dois tipos de infância coexistem: a dos filhos das famílias
nobres, reais e burguesas e a dos filhos dos servos, escravos, camponeses,
trabalhadores e pequenos comerciantes. (SOUZA, 2001)
Por isso, percebe-se que ao longo do desenvolvimento e organização
das sociedades, a realidade do trabalho infantil tem sido vivenciada pelas
crianças provenientes da classe dos excluídos das decisões políticas, da
distribuição da riqueza socialmente produzida, das manifestações culturais, ou
seja, da condição cidadã.
Verifica-se que a exclusão social e econômica de crianças e
adolescentes e de suas famílias, ensejou, ao mesmo tempo, a inclusão precoce
na atividade laboral, desconsiderando a questão dos Direitos Humanos.
Para tanto, inicia-se a definindo o que são os Direitos humanos, os quais
são os direitos fundamentais da pessoa humana, enunciados historicamente a
partir de processos de lutas entre projetos societários distintos de
reconhecimento pelas legislações nacionais e normas internacionais, da inerente
dignidade de todo indivíduo, independentemente de raça, sexo, idade ou
nacionalidade. A busca por sua efetivação envolve interesses de classes sociais
423
e segmentos a elas internos. Sendo assim, estes interesses distintos e diversos
levam a que direitos humanos sejam resultado de lutas sociais e de conflitos
entre distintos sujeitos sociais, perspectivas políticas e ideológicas (RUIZ, 2014).
A Declaração Universal dos Direitos Humanos é uma construção
histórica e social que afirma os valores fundamentais proclamados pela
humanidade no século XX, diante da necessidade de reconstrução da ordem
internacional pautada em referenciais éticos e na valorização dos direitos
humanos. Ela não se apresenta como documento definitivo, pois, sendo
históricos os direitos do homem, estes acompanham as transformações sociais
implementadas pela sociedade no curso de seu desenvolvimento.
A consagração de tais direitos constitui um traço marcante do processo
civilizatório, e sua efetiva implementação, um indicador do nível de
desenvolvimento
humano
atingido
por
um
povo
ou
nação.
Tendo como antecedentes históricos a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão francesa de 1789 e a Constituição Norte-americana com suas dez
primeiras emendas, aprovadas em 1789, o principal diploma proclamador dos
direitos humanos, atualmente, é a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
aprovada pela ONU em 1949. Ela reconhece como direitos fundamentais de
todas as pessoas, além da dignidade, o direito à vida, à liberdade, à segurança,
à igualdade perante à lei, ao trabalho e à propriedade, entre outros, presentes
no Artigo 10 desta declaração. Disso resulta a responsabilidade de todos os
Estados, de conformidade com a Carta das Nações Unidas, de fomentar e
propiciar o respeito aos direitos humanos e as liberdades fundamentais de todos.
O Brasil tem construído e aprovado inúmeras legislações de proteção e
reparação de direitos, tais como, Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei que
prevê a tortura como inafiançável e não-anistiável, Estatuto do Idoso, Lei de
Defesa do Consumidor, dentre outras. Além disso, o país vem se tornando
signatário de inúmeros instrumentos internacionais no campo da defesa dos
direitos humanos, adotando princípios do Direito Internacional. Sendo assim, o
Brasil compromete-se com o Sistema Internacional de Proteção dos Direitos
424
Humanos154
e
às
Liberdades
Individuais.
Dessa
forma,
instrumentos
internacionais de proteção devem ser criados, partindo-se do pressuposto de
que o campo dos direitos humanos não é apenas uma questão dos Estados
nacionais, mas é assunto de interesse internacional.
No cenário internacional durante o século XX, cresce a preocupação
com o bem-estar, proteção e defesa da criança, expresso em documentos
internacionais – declarações e convenções – emanados de diversos órgãos
internacionais e regionais. Criou-se, assim, um direito internacional da criança,
que engloba uma coleção de diplomas legais que visam uniformizar o tratamento
protetor das crianças de todos os povos ligados às organizações internacionais
e regionais. Com estes instrumentos concedem à criança a qualidade de sujeito
de direito no plano internacional nas suas vertentes de direitos humanos e de
direito humanitário. (JACOB, 2013)
As iniciativas internacionais em prol da proteção de criança tem início
com a Convenção aprovada pela Conferência Internacional do Trabalho de
1919, que adotou a idade mínima para o trabalho155. Nesta mesma convenção
foi criada a Organização Internacional para o Trabalho – OIT156, criando
princípios orientadores da política internacional para as relações trabalhistas,
dentro deles estava à abolição do trabalho infantil. (COELHO, 2007)
Em 1924, foi aprovada pela Assembléia da Liga das Nações Unida, a
Declaração de Genebra dos Direitos da Criança157, o primeiro instrumento
internacional de proteção internacional à infância. Contudo, por não possuir força
154
O Sistema Nacional de Proteção aos Direitos Humanos e as Liberdades
Fundamentais institui obrigações gerais aos Estados que dele fazem parte em relação a todo
indivíduo.
155 A Convenção nº 5, de 1919, estabeleceu a idade mínima de 14 anos para o trabalho
na indústria (art. 2°), tendo sido ratificada pelo Brasil em 1934. A Convenção n° 6, de 1919,
promulgada pelo Decreto n° 423, de 12-12-1935, proibiu o trabalho de crianças no período
noturno nas indústrias.
156 O objetivo principal da OIT é reivindicar melhorias nas condições de trabalho no
mundo, visando a proteção dos trabalhadores. A luta pelo fim do trabalho infantil é uma de suas
prioridades. (COELHO, 2007)
157
Em seu Artigo IV, trata pela primeira vez sobre a proteção ao trabalho infantil, “A
criança precisa ter a possibilidade de ganhar seu sustento e deve ser protegida de toda forma
de exploração.”
425
vinculativa aos Estados, não conseguiu lograr amplo reconhecimento pelos
países. (SOUZA, 2001)
Apenas com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948,
pela Assembléia Geral das Nações Unidas, verifica-se uma importante evolução
na percepção sobre a proteção à criança.
No seu art. 25, §2, estabelece que “a maternidade e a infância tem
direitos a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças nascidas dentro e
fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social”. Portanto, determina,
universalmente, que a criança deve ter amparo e cuidados especiais, em face
de suas peculiaridades físicas e psicológicas em que vive.
O arcabouço valorativo construído pela Declaração Universal dos
Direitos do Homem serviu de fundamento para elaboração da Declaração
Universal dos Direitos da Criança, em 1959, que deu o passo inicial para fixação
da Doutrina de Proteção Integral da Criança, a qual, prega, em síntese, o
interesse superior da criança e considera pela primeira vez como sujeitos de
direitos.
A criança não é mais vista como extensão do núcleo familiar, mas sim
como sujeito de direitos, merecendo pois, proteção integral, consoante
determina o principio Segundo da Declaração in verbis:
A criança gozará proteção especial, e lhes serão proporcionadas
oportunidades e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe
facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social de
forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade. Na
instituição de leis visando este objetivo levar-se-ão em conta
sobretudo os melhores interesses da criança.
Essa teoria ganha força e aceitação com a aprovação da Convenção
Internacional dos Direitos da Criança, pela Assembléia Geral das Nações
Unidas, em 20 de novembro de 1989.
426
A Convenção sobre os direitos da criança é um instrumento normativo
internacional de direitos humanos mais aceito na história da humanidade. Foi
ratificado por 192 países. Apenas os Estados Unidos e a Somália não ratificaram
a Convenção.
Em seu artigo 3˚, a Convenção deixa expressa que todas as ações
relativas as crianças devem levar em conta, primordialmente, seu melhor
interesse. Dessa maneira, e estabelecendo princípios de amparo à infância, a
Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança abarcou a Doutrina de
Proteção Integral das Nações Unidas para a criança.
Destarte, após séculos de esquecimento e desamparo com as crianças,
a Declaração Universal dos Direitos das Crianças reconhecem os direitos
capazes de assegurar vida digna e pleno desenvolvimento às crianças.
No mesmo viés da historia mundial, no Brasil, a valorização da criança
e do adolescente está intimamente relacionada à classe social que ocupa. Dessa
forma, a origem do trabalho infanto-juvenil em solo brasileiro, estabelece-se
alicerçado em um pensamento de segregação, o qual se mostra mais visível,
quando verificada a evolução legislativa sobre o tema.
Durante as vigências dos Códigos de Menores de 1927 e 1979, o
tratamento disponibilizado pelo mundo jurídico à criança e ao adolescente foi o
sistema tutelar, baseado na Doutrina da Situação Irregular.
Consideravam-se os menores em situação irregular como uma patologia
social, ou seja, aqueles que além de praticar infrações penais eram vitimas de
maus-tratos,
abandonados,
abusados
e
negligenciados.
Com
este
entendimento, a ação do Juiz de Menores, marcada pela ausência de rigor
procedimental, que permitia um julgamento autoritário, disfarçado de
discricionaridade, uma vez que cabia ao juiz as funções tanto jurisdicionais como
administrativas. Sua ação era, portanto, restrita as situações que envolviam uma
infância em condições de abandono ou em vias de tornar-se delinqüente.
(SOUZA, 2011)
A partir da década de 1980, o Brasil lentamente retorna ao regime
democrático tendo como ápice a promulgação da Constituição Federal de 1988,
427
conhecida como a Constituição Cidadã, por priorizar de modo extensivo, em seu
texto, a garantia dos direitos fundamentais. Com relação à criança e ao
adolescente, merece destaque o artigo 227158, resultado das propostas das
emendas constitucionais apresentadas pela sociedade civil em prol da proteção
a infância.
A Constituição de 1988 traz, sobretudo em seu Artigo 7º, inciso XXXIII
e Artigo 227 - alterado pela Emenda Constitucional nº 20/1998, no art. 60 do
Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – (Lei Federal nº 8.069/1990) e na
Convenção nº 138 da OIT, ratificada pelo Brasil (Decreto nº 4.134/2002) - as
principais regulamentações a respeito do trabalho infantil. O primeiro dispositivo
diz respeito à idade mínima de acesso ao trabalho. Proíbe qualquer atividade
laborativa abaixo dos 14 anos e o permite somente como regime de aprendiz
entre os 14 e 16 anos, proibindo expressamente o trabalho perigoso ou insalubre
abaixo dos 18 anos de idade. (BRASIL, 1988).
O conceito de trabalho infantil adotado pelo Brasil está definido no Plano
Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao
Adolescente Trabalhador, e transcrito a seguir:
“Trabalho infantil refere-se às atividades econômicas e/ou atividades
de sobrevivência, com ou sem nacionalidade de lucro, remuneradas
ou não, realizadas por crianças ou adolescentes em idade inferior a
16 anos, ressalvada a condição de aprendiz a partir dos 14 anos,
independentemente da sua condição ocupacional.” (2011)
A abordagem da criança e do adolescente na Constituição de 1988 tem
uma diferença cabal em relação às outras normas semelhantes de outras eras
do nosso país, ou seja, deve-se salientar que, nesse texto constitucional, a
proteção deve ser assegurada a todas as crianças e adolescentes, e não apenas
158 "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente
e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar
e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão." (BRASIL, 1988)
428
às que estivessem em situação de risco, à margem da sociedade, como
disciplinavam outros dispositivos, como os Códigos de Menores. A Constituição
de 1988 entende todas as crianças como sujeitos de direitos, seres humanos em
desenvolvimento.
A partir disso é que a Constituição de 1988 deu sustentação jurídica
para a elaboração e aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),
em 1990. Que, por sua vez, estabeleceu uma das instituições que viria a ser
fundamental na década de 90 na luta contra o trabalho infantil: o Conselho
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) e os Conselhos
de Direitos Estaduais e Municipais, bem como os Conselhos Tutelares.
(BRASIL, 2011).
Reconhecido internacionalmente como um dos instrumentos legais mais
avançados na defesa dos direitos da infância, o ECA, instituído pela Lei n˚
8069/1990, é a expressão da nova ordem constitucional inaugurada em 1988 e
em sintonia com os diplomas internacionais na luta pela proteção especial de
crianças e adolescentes, principalmente no que se refere à proteção do trabalho
infantil, o qual reserva o Capítulo V, do Título II, para a regulamentação do direito
à profissionalização e à proteção no trabalho. Os dispositivos do Estatuto, que
englobam o art. 60 até o art. 69, tratam sobre a idade mínima para o trabalho, a
aprendizagem, os trabalhos proibidos e, por fim, respeitam o tema do capítulo,
frisando a necessidade de respeito à condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento e de capacitação profissional adequada ao mercado de
trabalho.
Diante do exposto, percebe-se que tanto no cenário nacional quanto
mundial, historicamente, vem se ampliando a preocupação com a defesa dos
Direitos Humanos e a proteção do trabalho infantil, configurados em normas, leis,
tratados e convenções, mesmo assim, a violação desses direitos ainda
persistem. O sistema capitalista em sua busca incessante pelo lucro, a
manutenção do status quo, a hierarquização preservada pelas relações de
poder, são “princípios” enraizados na sociedade que contribuem para a
perpetuação do trabalho infantil e demais violações dos direitos humanos.
429
Novos desafios e novas questões surgem ao passo que velhas
problemáticas
não
foram
totalmente
superadas,
não
raro
adquirindo
complexidades que lhe dificultam o combate e carecendo de novas e urgentes
formas de enfrentamento.
A análise histórica demonstra que o Brasil evoluiu de uma legislação
menorista, estigmatizante e moralista, para uma legislação protetiva e
garantidora
dos
direitos
fundamentais
das
crianças
e
adolescentes,
considerados, legalmente como sujeitos de direito em condição peculiar de
desenvolvimento, os quais necessitam de proteção especial.
Sendo assim, para erradicar esta problemática, é preciso muito mais do
que um desenvolvimento econômico distributivo, leis amplas de direitos, é
necessário o rompimento com o projeto político-econômico posto.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado,
1988.
BRASIL. Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e
Proteção ao Adolescente Trabalhador. 2ed. Brasília: Ministério do Trabalho e
Emprego, 2011.
COELHO, Paiva Inês. Fazer girar o mundo. Promover a educação,
eliminar o trabalho infantil. IN: XAVIER, Ana Izabel. A Organização das Nações
Unidas. Portugal: Publicações Humanas, 2007.
FALEIROS, Vicente de Paula. Infância e processo político no Brasil. IN:
RIZZINI, Irene & PILOTTI, Francisco. Orgs. A arte de governar crianças: a
historia das políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no
Brasil. 3ed. São Paulo: Cortez, 2011.
JACOB, Dolinger. Direito civil internacional. Rio de Janeiro: Renovar,
2003.
430
RUIZ, Jefferson Lee de Souza. Direitos humanos e concepções
contemporâneas. São Paulo: Cortez, 2014.
SOUZA, Sérgio Augusto Guedes Pereira. Os Direitos da Criança e os
Direitos Humanos. Porto Alegre: Safe, 2001.
SERVIÇO SOCIAL E ESTÁGIO SUPERVISIONADO: A EDUCAÇÃO
PERMANENTE DIRECIONADA AO SUPERVISOR DE CAMPO
Mabel Mascarenhas Torres
Melissa Ferreira Portes
RESUMO:
Este artigo tem por objetivo apresentar a proposta de formação
continuada executada pelo Departamento de Serviço Social da UEL,
direcionada aos supervisores de campo. Trata-se de uma proposta
iniciada a partir da percepção dos supervisores acadêmicos quanto
às condições de execução da supervisão de campo. Desta
observação, do acompanhamento dos encontros e análise das
sistematizações produzidas evidenciou-se o predomínio da
concepção de estágio associado à: treinamento, vivência da prática,
aplicação da teoria, desconfigurando sua transversalidade no
processo formativo.
PALAVRAS-CHAVE: Serviço Social. Formação continuada. Estágio
supervisionado.
431
1 INTRODUÇÃO
Este artigo tem por objetivo apresentar a proposta de formação
continuada executada pelo Departamento de Serviço Social da Universidade
Estadual de Londrina, direcionada aos supervisores de campo, no biênio 2013 2014. Trata-se de uma proposta iniciada a partir de três indicadores
fundamentais: a percepção dos supervisores acadêmicos, no momento da visita
aos campos de estágio onde se identifica as condições de execução da
supervisão de campo; o contato dos supervisores de campo com o coordenador
de estágio, indicando a necessidade de aprimoramento profissional em
decorrência da complexificação das demandas apresentadas no seu campo
profissional; a necessidade de refletir sobre a construção de estratégias para
envolver o estagiário tanto no planejamento como na execução das ações de
caráter analítico e interventivo. A capacitação foi formulada pela equipe de
supervisores acadêmicos responsáveis por acompanhar os alunos do terceiro e
quarto anos após sua inserção no estágio. Para fins deste artigo serão
apresentadas a proposta da capacitação, os procedimentos para a formação das
turmas e a análise do modo como os supervisores planejam a supervisão.
2.
A
PROPOSTA
DA
CAPACITAÇÃO
DIRECIONDA
AOS
SUPERVISORES DE CAMPO: a indissociabilidade entre formação e a
execução da supervisão de campo
O estágio é considerado como elemento fundamental para a formação
teórica e prática do assistente social. Segundo as diretrizes curriculares do
Serviço Social, o estágio supervisionado deve ser compreendido como uma
atividade curricular obrigatória, que se estabelece a partir da inserção do aluno
no espaço sócio-ocupacional /campo de estágio, com o objetivo de capacitá-lo
para o exercício profissional. No decorrer do estágio o aluno é desafiado a
reconhecer e experienciar situações decorrentes das desigualdades sociais,
identificando a complexidade das expressões da “questão social” e o modo como
se materializam e são vivenciadas pelos usuários. A educação permanente
432
assume uma densidade maior quando se trata de profissionais que
supervisionam outros profissionais em formação. O processo de supervisão de
estágio em Serviço Social permite a compreensão de um campo complexo de
significações haja vista que, “[...] só o estágio permite a análise concreta de
situações concretas” (Guerra & Braga, 2009, p. 534). A concretização do estágio
supervisionado
pressupõe
algumas
estratégias
de
operacionalização
envolvendo as Universidades: a qualificação dos cursos de graduação; a
eudcação permanente dos supervisores de campo; o planejamento e a
realização do acompanhamento sistemático e permanente do aluno via
supervisão acadêmica. Enquanto processo de ensino-aprendizagem, a
supervisão envolve conjuntamente tanto o supervisor acadêmico quanto o de
campo. Além disso,
[...] prevê a realização de encontros sistemáticos nos quais se
constrói, se acompanha e se avalia o plano de estágio, tendo por base
os objetivos a serem alcançados, as metas, os instrumentos e
estratégias didático-pedagógicas. Essa avaliação deve ser realizada
continuamente, contemplando duas dimensões: a avaliação do
processo de estágio e a avaliação do desempenho discente,
assegurando a participação dos diversos segmentos envolvidos
(supervisores acadêmicos e de campo e estagiários (GUERRA e
BRAGA, 2009, p. 543).
Esses encontros sistemáticos entre supervisores acadêmicos e de campo
constituíram-se em espaços fundamentais para oportunizar condições para a
apreensão crítica do cotidiano profissional, identificando as mediações que
particularizam essa realidade à luz da produção teórica, contribuindo assim para
a problematização necessária à formação e ao exercício profissional. A
capacitação ocorreu por meio de dois módulos, divididos em seis encontros, a
saber: no Módulo 1 o tema central é: “ O processo de estágio e a supervisão em
Serviço Social”. A proposta deste módulo é garantir a capacitação inicial dos
supervisores, problematizando a partir de suas experiências profissionais e do
exercício da supervisão de campo, a centralidade do estágio no processo
formativo, as concepções de estágio e de supervisão e as normativas legais. No
Módulo 2, o tema central foi “O cotidiano profissional e as demandas
contemporâneas da profissão”. Nesse módulo o objetivo foi de instrumentalizar
433
os supervisores teórica, ética, técnica e politicamente para pensar o cotidiano
profissional; o projeto de intervenção; as condições objetivas e subjetivas de
trabalho; a materialização dos princípios éticos; a dimensão investigativa e a
produção do conhecimento, bem como os rebatimentos nas respostas
profissionais e, particularmente, no processo de supervisão. A metodologia
construída para o desenvolvimento da capacitação envolveu uma perspectiva
dialógica, fazendo uso de estratégias didático-pedagógicas facilitadoras para o
debate, discussão e problematização da realidade e do cotidiano profissional. Na
realização das oficinas priorizou-se a partilha das experiências, cabendo aos
executores acrescentar elementos que qualifiquem o exercício da supervisão.
Para a execução da Capacitação foram montadas três turmas, obedecendo aos
seguintes critérios: graduação em Serviço Social e atuar como supervisor de
campo. O convite foi dirigido inicialmente a 219 (duzentos e dezenove)
profissionais cadastrados na Coordenação de Estágio do Departamento de
Serviço Social na UEL. A primeira turma recebeu 49 inscrições e 32
participantes. A segunda turma recebeu 22 inscrições e 12 participantes; e a
terceira turma recebeu 21 inscrições e 18 participantes. Os participantes
caracterizam-se da seguinte forma. Quanto a área de atuação, 34 assistentes
sociais atuam ná área da assistência social; 04 na área de atendimento à mulher;
03 na área da habitação; 05, atuam no sistema sóciojurídico; 11 na área da
saúde; 04 na área da sócioeducação; 01 empresa privada. Com relação ao ano
de formação: na década de 1980 tem-se 10 supervisores; na década de 1990
tem-se 16 supervisores e nos anos 2000, tem-se 36 supervisores. Foi solicitado
aos supervisores que informassem o tempo que exercem esta função. Esta
pergunta foi deixada em branco por 20 profissionais. Os demais responderam a
seguinte forma: 19 entre um a cinco anos; 18 informaram a mais de cinco anos
e, 05 informaram a menos de um ano.
Este artigo foi elaborado com o objetivo é o de compreender as
concepções de estágio e de supervisão apresentadas pelos supervisores de
campo participantes da capacitação e as implicações para o processo formativo
dos assistentes sociais. Durante o desenvolvimento e acompanhamento da
434
capacitação dos supervisores de campo foi possível identificar as concepções
que os mesmos têm a respeito do estágio e da supervisão e as implicações
dessas no processo formativo dos assistentes sociais. Quando instigados a
refletir sobre o que entendiam e compreendiam por estágio, os supervisores
registraram:
“Momento de preparação; construção de um olhar próprio
sobre a profissão; formação da identidade profissional” / “Disciplina;
processo de formação; processo que possibilita relacionar a teoria e
a prática” / “Espaço de reflexão teoria e prática” / “Processo de
aproximação da realidade social; mediação entre teoria e prática;
possibilitar visão analítica e crítica do aluno/estagiário” / “É um dos
eixos estruturantes no processo de formação; é uma condição para
formação; pressupõe articulação das disciplinas x experiências” /
“Exigência curricular; ação que possibilita experienciar a prática
profissional”
A discussão do estágio supervisionado está atrelada a condição de
trabalho do assistente social, principalmente no que se refere ao assalariamento
e a complexidade das demandas para a construção de respostas interventivas.
Quando instigados a refletir sobre o estágio e sua concepção, os supervisores
de campo tiveram a oportunidade de suspender temporariamente o cotidiano,
uma vez que enquanto trabalhadores assalariados nem sempre se tem essa
possibilidade. Nos registros identificamos uma compreensão de estágio que
reflete as diferentes concepções de educação e de processo de ensinoaprendizagem que atravessaram historicamente a formação profissional dos
assistentes sociais. Ainda que estejamos vivenciando um momento e um projeto
de formação profissional que prima por sua criticidade, com densidade teórica,
técnica, ética e politicamente, ancorada pela Política Nacional de Estágio da
ABEPSS, pelas resoluções e normativas da profissão, pelas Diretrizes
Curriculares,
a
contradição
se
faz
presente
na
medida
em
que
hegemonicamente o projeto de educação não caminha nessa perspectiva.
Identifica-se que uma parte dos supervisores relaciona o estágio a uma
disciplina. Outros relacionam o estágio a uma experiência por meio da qual os
alunos podem se aproximar de forma concreta da realidade vivenciada pelos
435
profissionais nos respectivos campos ocupacionais. Outros ainda afirmam ser o
estágio espaço de aprendizagem tanto do supervisor com do aluno. Os
supervisores reconhecem o estágio como um espaço privilegiado da formação
profissional, por garantir a aproximação com a realidade profissional e ser
potencialmente uma oportunidade para a construção do conhecimento. Ainda se
faz presente uma concepção de estágio associada a treinamento, a vivência da
prática, a aplicação da teoria. O que se percebe é que o estágio continua sendo
associado ao conhecimento prático desconfigurando a transversalidade que o
mesmo assumiu no processo formativo. A percepção é de que há uma visão
equivocada sobre a centralidade do estágio na formação, prevalecendo uma
interpretação, sustentada em uma lógica instrumental, de que é através da
vivência do estágio, exclusivamente, que o estagiário vivenciará o ensino da
prática. Neste sentido o aprendizado é reduzido a repetição de tarefas, a
apropriação do uso dos instrumentos técnico-operativos de atendimento direto
ao usuário. Entende-se que o ensino da prática profissional ao privilegiar a
análise da realidade sob a lógica da totalidade deve rechaçar a lógica
instrumental que perpassa ainda os currículos das Escolas de Serviço Social que
tendem separar disciplinas ditas “teóricas” e as disciplinas “práticas”. Essa
dualidade na estrutura curricular reforça uma concepção de prática profissional
reiterativa, mecânica e linear onde prevalece a ideia de que para ensinar a
prática não se faz necessário aprimoramento teórico e intelectual e leitura crítica
dos processos sociais. Nunca é demais relembrar o que nos apontou Kameyama
(1989) ao refletir sobre a unidade teoria e prática, " a teoria e a prática
constituem, portanto, aspectos inseparáveis do processo de conhecimento e
devem ser consideradas na sua unidade," [...]" (KAMEYAMA, 1989, p. 101). É
importante frisar que a teoria por si só não transforma a prática, pois para que
isso ocorra é necessário realizar mediações, pois a teoria não se transforma de
imediato em ações. Ao analisar a relação teoria e prática no currículo, Ferreira
(2004) explicita que "[...] o caráter interventivo da profissão deve estar presente
em todo currículo, isto é, todos os conteúdos do currículo devem ser a base para
formar um profissional que vai intervir na realidade." (FERREIRA, 2004, p.29).
436
Portanto, o ensino da prática precisa perpassar os três núcleos fundantes da
formação profissional, a saber: núcleo de fundamentos teórico-metodológicos da
vida social, núcleo de fundamentos da particularidade da formação sóciohistórica da sociedade brasileira e núcleo de fundamentos do trabalho
profissional. Com relação ao processo de supervisão, os supervisores
registraram suas concepções em relação à supervisão direta e sua
instrumentalidade. Em relação ao entendimento sobre supervisão, responderam:
“Processo contínuo de aprendizado na relação direta entre
aluno/supervisor”/ “Processo de aprendizagem que envolve aluno,
profissional e academia buscando preparar o aluno para o exercício
profissional” / “Orientação, acompanhamento, reflexão, observação
sistemática e supervisão continuada” / “É aquela feita no campo de
estágio com um estagiário, onde ele pode comparar teoria e prática,
além de esclarecer as dúvidas. Acontece de forma "assistemática",
conforme o campo” / “É aquela que ocorre entre o profissional e o
estagiário, baseado na legislação do estágio” / “Acompanhamento
sistemático entre o supervisor e estagiário acerca das ações
realizadas e vivenciadas no campo de estágio”.
Com relação a supervisão é nítida a percepção de que decorre de um
acompanhamento construído pelo profissional para o estagiário; que deriva da
percepção que os profissionais têm acerca das dificuldades vivenciadas pelos
estagiários tanto na apreensão como na experienciação do exercício profissional
do assistente social. Ao analisar como ocorre a supervisão, os supervisores
responderam:
“Através de planejamento sistemático num processo contínuo
de aprendizado mútuo” / “Com encontros planejados e também
concomitante na prática profissional” / “Supervisão direta periódica,
com observação do estagiário em suas relações dentro da instituição,
discutindo dúvidas e intervenções e relacionando-as com a teoria, a
legislação, conceitos e concepções. Discussão de temas” / “Com dia
e horário pré-estabelecido. Por meio de conversas informais, durante
a rotina de trabalho”.
As concepções de estágio dos supervisores rebatem na compreensão
acerca do processo de supervisão bem como de sua instrumentalidade. A
supervisão é compreendida muito mais como momento, reunião, encontro e não
como processo. E mesmo quando se referem à supervisão como um processo
a forma pela qual ela é materializada não corresponde à processualidade
437
referida. Alguns registros deixam explícito a ausência de um planejamento para
a concretização da supervisão, tanto quando se referem ao seu como a sua
periodicidade. Evidencia-se uma falta de clareza e de entendimento sobre a
supervisão que passa a ser materializada com base nas necessidades pontuais
e emergenciais apresentadas pelos alunos; na experiência do profissional. Sob
esta lógica as dúvidas podem ser respondidas por meio de conversas informais,
sem conteúdo previamente definido e sem sistematização. A discussão sobre o
cotidiano profissional é realizada sem respaldo teórico, ético e político, o que
contribui para reforçar a visão e um conhecimento imediatista da realidade e dos
processos de trabalho. Se a supervisão pode ser considerada um processo e
não atividade descontínua precisa ser planejada tanto pelo supervisor como pelo
aluno estagiário. Neste planejamento devem estar contidos também os
instrumentos de acompanhamento e avaliação do desempenho dos estagiários,
que contribuam no processo de ensino-aprendizagem, e reconheçam sua
condição de aprendiz. Ao desempenhar esta competência é requerido do
assistente social uma formação que o capacite a formar outros profissionais para
o exercício desta profissão. Isso se evidencia quando os supervisores de campo
mostram-se inseguros para discutir acerca das ações que desenvolvem bem
como das estratégias pedagógicas que colocam em movimento nesse processo,
apontando um caleidoscópio de práticas e uma diversidade de concepções
sobre a supervisão. Os dados revelam que a supervisão tem sido realizada em
um contexto incerto, impreciso fazendo com os supervisores de campo transitem
por onde se sentem seguros: a experiência profissional como modelo, como
referência para o estagiário implicando em uma concepção de ensinoaprendizagem que prioriza a imitação, a repetição como estratégia de
aprendizagem. É possível perceber também que a mudança na legislação que
trata do estágio e da supervisão em Serviço Social não tem sido suficiente para
resolver os problemas que temos vivenciado isso porque o estágio e a
supervisão se materializam em um campo institucional que sofre todos os
rebatimentos do mundo do trabalho e que, concretamente, podem ser
visualizados através das condições objetivas de trabalho dos profissionais.
438
Condições essas que trazem implicações para o processo formativo,
particularmente para o processo de supervisão que também se torna
precarizado. Essa tensão que se coloca torna-se um grande desafio para a
materialização dos princípios defendidos no projeto de formação que defende
entre eles a indissociabilidade entre a formação e o exercício profissional.
3.CONCLUSÃO
A capacitação possibilitou a reflexão acerca do estágio e da supervisão.
Com relação ao estágio e a supervisão, percebe-se que o mesmo vem sofrendo
os rebatimentos da organização do mundo do trabalho, através da precarização
das condições de trabalho dos profissionais, sejam eles supervisores de campo
ou acadêmicos, enfraquecendo a dimensão pedagógica e acirrando a dimensão
controlista, gerencial, administrativa e burocrática. Os impactos desse cenário
adverso no exercício e na formação profissional
produzem um quadro
preocupante. Em relação ao exercício profissional podemos identificar situações
como: precárias condições de trabalho dos profissionais tanto pela ausência de
condições éticas e técnicas como também pela fragilização dos contratos de
trabalho e da condição salarial; a primazia da racionalidade instrumental que
contribui
para
a
fragilidade
teórico-metodológica
dos
profissionais
e,
consequentemente, pela predominância de respostas profissionais imediatas e
fragmentadas que reforçam a funcionalidade das políticas sociais e a
despolitização da questão social. Em relação à prática da supervisão de estágio
percebeu-se: o supervisor de campo que não se vê como educador
comprometendo o processo formativo; há a desqualificação da supervisão vista
como momento e não processo; a supervisão é entendida como sobretrabalho;
as condições de estágio são precárias e não cumprem com a legislação
profissional. Quanto aos impactos na formação profissional, destacam-se:
formação aligeirada devido à precarização do ensino; precarização das
condições de trabalho dos docentes; supervisão como sinônimo de práticas
terapêuticas não havendo unidade teoria-prática; condução diversa da
439
supervisão o que demonstra o caleidoscópio de práticas e a fragilidade de
referenciais teórico-metodológicos que não favorece a problematização das
demandas trazidas pelos alunos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FERREIRA, I.S.B. O desenho das diretrizes curriculares e dificuldades
na sua
implementação. Temporalis, Brasília, ano IV, n. 8, jul.- dez. 2004.
GUERRA, Y.; BRAGA, M.E. Supervisão em Serviço Social. In: Serviço
Social: Direitos Sociais e Competências Profissionais. CFESS/ABEPSS, 2009,
p. 531-552.
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Metodologia do Serviço Social. Cadernos ABESS n.3. São Paulo: Cortez, 1989,
p.99-116.
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profissionais no asseguramento de direitos previdenciários.
Elza Fernandes Kotowicz159;
Francisca Maria De Assis De Queiroz160;
Fabiane Bastos Lira161;
Maria Auxiliadora Alencar De Oliveira162;
Maria De Lourdes Murbach163;
Marlene Domacoski164;
Simone Louise Ross De Siqueira165.
RESUMO
Este artigo visa colaborar para o fortalecimento do projeto ético-político
profissional na construção do Serviço Social na política previdenciária. Tem
como
finalidade
apresentar
a
prática
do
Serviço
Social
na
PARANAPREVIDÊNCIA e as contribuições profissionais no asseguramento de
direitos previdenciários por meio do relatório social. Para tanto, contou com a
participação de vários autores para a descrição da prática e o desenvolvimento
159
Assistente Social na Paranaprevidência;
Assistente Social na Paranaprevidência; Especialista em Gestão de Políticas, Projetos e Programas
Sociais PUC/PR; Mestranda em Direitos Humanos e Políticas Públicas na PUCPR;
161
Assistente Social na Paranaprevidência;
162
Assistente Social na Paranaprevidência;
163
Assistente Social na Paranaprevidência;
164
Assistente Social na Paranaprevidência;
165
Assistente Social na Paranaprevidência; Especialista em Gestão de Políticas, Projetos e Programas
Sociais PUC/PR.
160
440
do trabalho. Evidencia a contribuição profissional para os diversos setores da
empresa, na garantia de direitos previdenciários a uma parcela significativa de
usuários da previdência social estadual. A conclusão é que os desafios são
muitos, pois requer um olhar atento ao cenário atual, visando à qualidade no
atendimento ao cidadão usuário da previdência e respeitando o projeto éticopolítico da profissão.
Palavras-chave:
PARANAPREVIDÊNCIA;
Serviço
Social;
Prática
Profissional.
441
1 INTRODUÇÃO
O Serviço Social na PARANAPREVIDÊNCIA, desde a criação da
instituição, tem contribuído de forma efetiva no asseguramento dos direitos
previdenciários aos segurados e dependentes do regime de previdência do
Estado do Paraná. Ao longo dos anos firmou-se como setor reconhecidamente
indispensável para a manutenção atualizada do cadastro de beneficiários do
sistema previdenciário e para a concessão e manutenção de benefícios. Desde
o início, sempre contribuiu na fase de instrução dos processos administrativos
de concessão de benefícios e inscrição de dependentes, nos casos em que os
elementos constantes no processo são insuficientes para tomada de decisão.
Além da garantia dos direitos, evita que o sistema seja fraudado através da
concessão ou manutenção de benefícios indevidos. Também ampliou sua
atuação no recadastramento domiciliar, para aposentados e curatelados.
Inicia-se o presente artigo com breve histórico do Serviço Social, seguido
das características da Paranaprevidência, da atuação do Serviço Social na
instituição e por fim, conclui-se indicando os desafios constantes na busca do
aprimoramento da prática.
2 O ESPAÇO SÓCIO-OCUPACIONAL: PARANAPREVIDÊNCIA
A aposentadoria dos (as) servidores (as) e as pensões aos seus
respectivos dependentes eram pagas pelo Instituto de Assistência aos
Servidores do Estado do Paraná (IPE). Com a aprovação da Lei 12.398/98, de
30 de dezembro de 1998, o Estado criou a PARANAPREVIDÊNCIA 166,
instituição sem fins lucrativos, com personalidade jurídica de direito privado,
natureza de serviço social autônomo, paradministrativo, responsável pela
concessão e manutenção de benefícios dos servidores públicos do Estado do
Paraná. Vinculada à SEAP - Secretaria de Estado da Administração e da
166
As informações pertinentes à PARANAPREVIDENCIA estão elencadas no Estatuto da
PARANAPREVIDENCIA Decreto 9.845/2013; Regimento Interno da PARANAPREVIDENCIA. Acessivel em:
http://www.paranaprevidencia.pr.gov.br/
442
Previdência e a Coordenação da Secretaria Especial para Assuntos de
Previdência.
Além
da
concessão
dos
benefícios
previdenciários,
a
PARANAPREVIDÊNCIA desenvolve trabalho de recadastramento geral de
aposentados e pensionistas. Abrange todos os servidores inativos e
pensionistas, com vínculo funcional permanente de todos os Poderes, inclusive
os membros do Poder Judiciário, Ministério Público, Tribunal de Contas e
Instituições de Ensino Superior, bem como das respectivas administrações
públicas, direta, autárquica e fundacional. Conforme o artigo 42 da Lei Estadual
nº 12.398, de 30/12/1998:
Art. 42. São dependentes dos segurados:
I - o cônjuge ou convivente, na constância, respectivamente, do
casamento ou da união estável:
II - os filhos, desde que:
a) menores de 21 (vinte e um) anos e não emancipados;
b) definitivamente inválidos ou incapazes, se solteiros e sem renda e
desde que a invalidez ou incapacidade seja anterior ao fato gerador do
benefício;
c) estejam cursando estabelecimento de ensino superior oficial ou
reconhecido, se menores de 25 (vinte e cinco) anos, solteiros e sem
renda;
§ 2º - O nascituro, cuja filiação seja reconhecida pela
PARANAPREVIDÊNCIA, terá seus direitos à inscrição e benefícios
assegurados.
3 SERVIÇO SOCIAL NA PARANAPREVIDÊNCIA
A biografia profissional de Serviço Social brasileiro perpassa pela história
da atuação de assistentes sociais na Previdência Social. As transformações
marcantes pelas quais passou o capitalismo no século XX é resultado da intensa
influência da luta dos (as) trabalhadores (as) por direitos. Em 2015, o Serviço
Social completa 71 anos de inserção na Previdência Social. Elenca diversos
desafios, conquistas e reflexões na atuação de assistentes sociais neste espaço
sócio-ocupacional.
O Serviço Social na PARANAPREVIDÊNCIA está vinculado à Diretoria de
Previdência, a quem compete às ações referentes à inscrição e cadastro de
segurados ativos, inativos, dependentes junto ao sistema previdenciário, bem
443
como ações pertinentes à concessão e manutenção dos benefícios. A demanda
do Serviço Social provém de diversos setores da instituição, bem como de outros
orgões do governo.
Para elaboração do relatório social é utilizada a visita in loco. Segundo
MIOTTO (2001, p.148): “a visita social tem como objetivo conhecer as condições
(residência, bairro) em que vivem tais sujeitos e apreender aspectos do cotidiano
das relações, aspectos esses que geralmente escapam à entrevista de
gabinete”. O relatório social visa subsidiar as informações referentes aos
segurados e dependentes. As atividades principais do Serviço Social são:
recadastramentos de aposentadoes, pensionsitas e curatelados; visita social
para concessão e manutenção de pensão, instituição de dependentes.
A visita social para fins de recadastramento atende ao dispositivo legal167,
que exige ao beneficiário fazer o recadastramento anualmente 168. As pessoas
com mais de oitenta anos ou com incapacidade de locomoção, solicitam a visita
domiciliar que é realizada pelas assistentes sociais, em todo o Estado do Paraná.
No momento da visita podem ser prestadas orientações sobre instituição de
dependentes, curatela, direito ao uso dos recursos da comunidade ou quaisquer
outras orientações ou encaminhamentos que se fizerem necessários.
Para fins de concessão e manutenção de pensão, bem como instituição
de dependentes depara-se com diversas situações: mais de uma requerente
solicitando pensão de um mesmo segurado; requerentes que recebem pensão
alimentícia do segurado sem determinação judicial; menor sob guarda; etc.
Orienta-se para a apresentação de novos documentos, para subsidiar análise da
concessão dos benefícios.
A principal fonte de informação são os vizinhos e familiares, não havendo
um número específico, atenta-se para necessidade que a realidade exige. O
167
Resolução nº 49/2015 do Conselho Diretor da PARANAPREVIDÊNCIA, normatiza a solicitação
de visita social para fins de recadastramento.
168
A Paranaprevidência possui Postos de Atendimento em diversos Municípios do Estado, nos
Nucleos Regionais de Educação (NRE); nos Batalhões da Policia Militar, nas agencias da Caixa Economica
Federal.
444
trabalho é realizado com a participação de duas assistentes sociais, com o
propósito de agilizar as atividades externas com a qualidade necessária e
proporcionar mais segurança às profissionais, devido à exposição a situações
de risco pela natureza do trabalho, que eventualmente, frustram o interesse dos
(as) requerentes.
São respeitados os princípios éticos da profissão, o sigilo e restrição das
informações e o direito do usuário acerca de informações sobre seu processo
administrativo. Trabalha-se com autonomia técnica e ética. O trabalho subsidia
a concessão ou não do benefício.
O relatório social é anexado ao processo administrativo e encaminhado
ao setor solicitante da visita social. É elaborado com base na coleta de dados da
visita ‘in loco’. Algumas questões norteiam o relatório social: capacidade técnica;
autonomia na escolha dos intrumentos de trabalho; princípios éticos; dentre
outros.
Estes instrumentos têm suas fundamentações baseados nos princípios
éticos e técnicos da profissão e nas legislações pertinentes, as quais são:

Lei que regulamenta a profissão de assistente social, Lei 8.662/93 –Art. 5
–Inciso IV: “realizar vistorias, perícias técnicas, laudos periciais, informações e
pareceres sobre a matéria de Serviço Social”;

Código de Ética Profissional: o reconhecimento da liberdade como valor
ético central; a defesa intransigente dos direitos humanos; a ampliação e
consolidação da cidadania; o posicionamento em favor da equidadee da justiça
social; o empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, e a garantia
do pluralismo; o compromisso com a qualidade dos serviços prestados na
articulação com outros profissionais e trabalhadores.
4 TRAJETORIA DO SERVIÇO SOCIAL NA
PARANAPREVIDÊNCIA
O trabalho do Serviço Social da PARANAPREVIDÊNCIA vem desde a sua
criação, em 1998, buscando aprimorar-se e produzindo condições para uma
445
melhor performance profissional na instituição. No inicio, o trabalho era realizado
por uma assistente social, com a participação de estagiários. Para atender a
demanda do trabalho, hoje a equipe é composta por sete assistentes sociais,
atendendo os 399 municipios do Paraná.
Em 2010, por ocasião da Lei 12.317/2010169, que regulamenta a jornada
de trabalho do(a) assistente social em 30 horas semanais, a instuição adequou
a carga horária à Lei, por meio da Resolução nº 131/2010 do Conselho Diretor,
sendo esta uma conquista ao reconhecimento profissional.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A prática profissional na instuição é norteada por fundamentações
teóricas, sua trajetória apresenta avanços, desafios e conquistas, sempre com
um olhar ético e profissional, atento ao que deve ser ocultado ou exposto,
utilizando-se da ferramenta do relatório social como meio de garantir um
benefício previdenciário a quem de fato tem direito. De um lado o público, do
outro o privado, que se complementam ao invés de colidir. Conforme assevera
MODENA e WARTHA (2011, PÁG. 06):
Vislumbrar o social, que contemple o interesse público, onde esferas
pública e privada não conflitem mas se complementem, importa um
Estado visível, que viabilize plano e ação às vistas da coletividade,
abdicando de individualismos e conformismos..
O (a) assistente social é autônomo (a) no exercício de suas funções que
se legitima essencialmente pela competência teórico-metodológica e éticopolítica por meio da qual executa seu trabalho, que se particulariza nas relações
de produção e reprodução da vida social, como profissão interventiva no âmbito
da questão social.
Os desafios para o Serviço Social na PARANAPREVIDÊNCIA são muitos,
exige um entendimento teórico e histórico da realidade e de sua própria
169
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12317.htm Acrescenta
dispositivo à Lei no 8.662, de 7 de junho de 1993, para dispor sobre a duração do trabalho do Assistente
Social.
446
intervenção técnico-operativa. Para dar conta desta demanda o profissional tem
que estar atento. Como diz Iamamoto (2010, p. 20): “Um dos maiores desafios
que o (a) Assistente Social vive no presente é desenvolver sua capacidade de
decifrar a realidade e construir propostas de trabalho criativas e capazes de
preservar e efetivar direitos, a partir de demandas emergentes no cotidiano.
Enfim, ser um profissional propositivo e não só executivo”.
E sendo uma profissão que intervém na realidade, é imprescindível que
tenha conhecimento da política em que está envolta, a correlação de forças, os
agentes envolvidos, o processo. Para dar conta desta demanda o profissional
tem
que
estar
atento
ao
contexto
atual.
O
trabalho
realizado
na
PARANAPREVIDÊNCIA demonstra a importância do Serviço Social na
instituição.
REFERÊNCIAS
CFESS – Conselho Federal de Serviço Social. O Estudo Social em Perícias,
Laudos e Pareceres Técnicos. 10ª edição – Cortez Editora – 2012
_________Código de Ética Profissional do Assistente Social. Brasília,
CFESS: 1993
IAMAMOTO, Marilda Vilela e CARVALHO, O Serviço Social na
Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 18. ed. São Paulo:
Cortez, 2009.
MIOTTO, Regina Célia Tamaso. Perícia Social: proposta de um percurso
operativo. In: Serviço Social e Sociedade. São Paulo: Cortez, nº 67, 2001.
MODENA, Cesar Augusto; WARTHA, Patricia Maino. PÚBLICO E PRIVADO:
dicotomia, confusão ou complementaridade na concretização de direitos e
princípios. REVISTA DO DIREITO UNISC, SANTA CRUZ DO SUL Nº 35│P.
152-166│JAN-JUN
2011
http://online.unisc.br/seer/index.php/direito/article/view/2287/1726. Acesso em
04/10/2015
REGIMENTO INTERNO DA PARANAPREVIDÊNCIA. Disponivel em
http://celepar7cta.pr.gov.br/PRPrevidencia/SitePRPrev.nsf/20783ff5decda06d8
32569fb003fbc43/1d77bf05c654ad6203256cbe006c1d3f?OpenDocument
acesso em 25/09/2015.
447
DESIGULDADE TERRITORIAL: ELEMENTOS PARA O REPENSAR
DO OLHAR DA ASSISTÊNCIA SOCIAL SOBRE O ACOMPANHAMENTO
DAS CONDICIONALIDADES EM SAÚDE.
448
Marília Gonçalves Dal Bello
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo mensurar e analisar a gestão do
Programa Bolsa Família (PBF) pela proteção básica da assistência social, tendo
como foco o acompanhamento das condicionalidades em saúde pela política de
assistência social. Considera-se para tanto que, os indicativos de
descumprimento de condicionalidades na saúde, estanques e inflexíveis as
desigualdades territoriais, são insuficientes para instrumentalizar a assistência
social a provisão de proteção social. Desse modo, o estudo aqui proposto, tem
como recorte a cidade de Maringá, onde foram analisados 7 bairros, que
circunscritos pelo Centro de Referencia da Assistência Social (CRAS) Santa
Felicidade, concentram os maiores contingentes de famílias beneficiárias do
PBF. Os resultados alcançados possibilitaram apontar à proteção básica da
assistência que, as desigualdades territoriais, na medida em que contribui para
pensar o fortalecimento da proteção social, permite a contraposição às
perspectivas punitivas almejadas pelo PBF. A ausências de cobertura do
Estratégia Saúde da Família (ESF), bem como as elevadas distâncias a serem
percorridas por mulheres e crianças até os equipamentos de saúde para
cumprirem condicionalidades, constituem elementos que, mensurados e
traduzidos pela política de assistência social, possibilitam ultrapassar indicativos,
que na contramão da proteção social, punem e estigmatizam famílias e
indivíduos.
Palavras Chaves: condicionalidade, assistência social, direito a saúde
INTRODUÇÃO
Como resultado de pactos e correlações de forças entre governo e
sociedade civil nos espaços de gestão compartilhada, foi aprovada, pela
resolução nº 145 de 15 de outubro de 2004, no governo de Luís Inácio Lula da
Silva, a PNAS, cujas definições pautam a implantação do Sistema Único de
Assistência Social (SUAS).
A PNAS/2004, ao prezar pela proteção social, tem entre suas principais
matrizes a família e o território. Na proteção básica, foco desse estudo, a
assistência social, tem por intuito a prevenção de vulnerabilidades e riscos,
449
decorrentes das fragilidades dos vínculos familiares e comunitários, vivenciados
por famílias em seus territórios de vivencia.
Inscrita como política de seguridade social, a ação específica da
assistência social é a proteção social não contributiva como direito de cidadania.
Como outras políticas de proteção, a assistência social ultrapassa o campo da
iniciativa privada, individual e espontânea, regendo-se por princípios de justiça
social, respaldados por leis impessoais e objetivas. Os direitos sociais estariam
desse modo, associados a uma postura ativa e positiva do Estado em prover e
fazer o que for devido ao cidadão, que, como tal, converte-se em credor e titular
legítimo desses direitos.
Criado pela lei 10.836/2005 e regulamentado pelo decreto 5.209/2004,
o PBF caracteriza-se como principal programa de transferência de renda no
Brasil, inserindo-se também como um dos principais benefícios da proteção
social básica170 na assistência social. Constitui-se como programa condicionado
de renda, destinado a famílias em situação de extrema pobreza e pobreza, cujo
rendimento171 varia entre R$ 70,00 e R$ 140,00.
As condicionalidades abrangem um conjunto de deveres a serem
cumpridos na educação e saúde pelas famílias beneficiárias do PBF como
exigência para se manterem no programa. Na saúde, foco desse trabalho, as
condicionalidades abrange o acompanhamento da saúde de mulheres gestantes
e nutrizes entre 14 e 44 anos e de crianças entre 0 e 7 anos de idade –
manutenção da vacina em dia e acompanhamento de peso.
O descumprimento de condicionalidade é registrado pelos serviços de
saúde pelo não comparecimento à UBS ou pela não localização de famílias pelas
Equipes de Saúde da Família (ESF). Orientados por perspectivas individuais,
170
A proteção social, principal proposição da Política Nacional da Assistência Social (PNAS/2004),
organiza-se em proteção básica, especial e de média complexidade. A proteção básica, cujo foco é ao
prevenção de riscos e vulnerabilidades, tem como principal equipamento público de referencia do Centro
de Referencia da Assistência Social (CRAS).
171 Segundo informativo n º 144 de maio de 2014, divulgado pela Secretaria Nacional de
Renda de Cidadania (Senarc), os novos limites para concessão do Bolsa Família passam de R$
70,00 para R$ 77,00 e de R$ 140,00 para R$ 154,00.
450
esses indicativos responsabilizam e punem as famílias, atribuindo-lhes a
responsabilidade pelo descumprimento das condicionalidades exigidas pelo
programa.
O não cumprimento de condicionalidades pelas famílias é passível de
sanções como cortes e bloqueios, inscritos pela Portaria nº 251 de 12 de
dezembro de 2012 nos seguintes termos.
I - advertência no primeiro registro de descumprimento;
II - bloqueio do beneficio por um mês no segundo registro de
descumprimento;
III - suspensão do benefício por dois meses no terceiro registro de
descumprimento;
IV - suspensão do benefício no quarto registro de descumprimento; e
V - cancelamento do benefício no quinto registro de descumprimento
Tendo em vista a defesa da perspectiva protetiva na política da
assistência social, sustentada pelos eixos de gestão família e território, este
trabalho de pesquisa parte do tema proteção de famílias beneficiárias do PBF e
seus territórios de vivência, tendo como objetivo estudar a operacionalização do
programa pela proteção básica da assistência social, tendo como foco as
condicionalidades em saúde.
Considera-se, para tanto, que os índices e indicadores da proteção
básica na assistência social, bem como os indicativos do PBF- entre os quais
estão os da saúde, orientadores da gestão da proteção básica na assistência
social, são insuficientes para nortear o fortalecimento da proteção de famílias.
Inflexíveis às desigualdades territoriais, esses indicadores reforçam perspectivas
individuais, limitando a política de assistência social na identificação das
multideterminações da pobreza e, logo, no reconhecimento de direitos,
almejados pelo fortalecimento intersetorial, no diálogo com as políticas setoriais
é a de saúde. Essa perspectiva, na contramão da premissa protetiva da política
451
de assistência social, exige um focar de lentes sobre as desigualdades e
desproteções que envolvem famílias e territórios.
A partir dessa proposição o presente trabalho, tem como recorte a
cidade de Maringá e nela o território de circunscrição do CRAS Santa Felicidade,
bem como as Unidades Básicas de Saúde Jardim Universo e Cidade Alta,
localizadas próximas ao CRAS Santa Felicidade. Sendo assim, o foco de estudo,
ao propor-se a estudar a operacionalização do PBF pela proteção básica da
assistência social, preocupa-se em compreender estudar com quais certezas
podem contar as famílias do PBF para se protegem, tendo em vistas, estudo de
unidade de vizinhança com base nas distancias a serem percorridas até as UBS
para o cumprimento de condicionalidades.
Estudos de unidade de vizinhança, desenvolvidos pelos arquitetos
urbanistas brasileiros Santos (1998) e Campos Filho (2003), possibilitam
correlacionar a oferta de equipamentos públicos e o público-alvo a ser
alcançado, consideradas as distâncias para fixação de serviços públicos a serem
alocados no bairro de moradia ou no entorno da vizinhança imediata. Segundo
Santos (1998), para instalação dos equipamentos na saúde e de escolas de
ensino médio, considera-se como adequada a distância de 1.000 metros.
Para o estudo das desigualdades territoriais, considerado o estudo sobre
unidade de vizinhança, estudou-se as distâncias entre Unidade Básica de Saúde
e local de moradia de crianças de 0 a 7 anos, assim como por mulheres de 14 a
44 anos, moradoras junto a aos sete bairros delimitados para, sendo eles:
Núcleo Habitacional Santa Felicidade, Jardim Universo, Jardim Ipanema, Cidade
Alta, Residencial Tarumã, Parque Tarumã e Conjunto Habitacional Odwaldo
Bueno Netto.
O estudo proposto a partir dos bairros acima mencionados considerou
dados sobre território e família, extraídos da folha de pagamento do PBF de
março de 2014, bem como dos Relatórios semestrais de acompanhamento de
condicionalidades na Saúde cedidos pela gestão do PBF no município de
Maringá.
452
A identificação de informações por bairro demandou consulta aos
endereços das famílias beneficiárias do PBF, segundo o Número de
Identificação Social - NIS/CadÚnico (consultado em um CRAS da cidade de
Maringá). Os dados colhidos dos relatórios da saúde não trazem, como na
educação, informações detalhadas sobre os motivos que levaram ao
descumprimento de condicionalidades, restringindo-se a apontar famílias
acompanhadas ou não pelas UBSs e equipes da Estratégia Saúde da Família
(ESF).
1-Condicionalidade em Saúde: olhares sobre as desigualdades
territoriais
A saúde no Brasil é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de
doenças e de outros agravos e o acesso universal e gratuito às ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação (Constituição Federal de 1988). A
Política Nacional de Atenção Básica em Saúde (2012) garante que as UBSs,
principal equipamento público na saúde básica, devem estar situadas nas
proximidades do local de moradia da população-alvo a ser atendida, de modo a
assegurar o acesso aos serviços de saúde.
Os resultados do acompanhamento das condicionalidades em saúde,
mensurados a partir dos indicativos do PBF, são repassados para a política de
assistência social, responsável por analisar e intervir junto às famílias em
descumprimento de condicionalidades.
Considerado as insuficiências dos indicativos punitivos, resultante do
acompanhamento das condicionalidades em saúde disponibilizados à política de
assistência social, segue estudo sobre as desigualdades territoriais, tendo por
base 7 bairros circunscritos pelo CRAS Santa Felicidade, localizado na zona Sul
da cidade de Maringá.
453
Tomando por base estudos de Santos (1998), será adotada a distância
de 1.000 metros como referência para mensurar o percurso entre as UBSs
Cidade Alta e Jardim Universo e o local de moradia de crianças e mulheres
público-alvo das condicionalidades na saúde. O foco é compreender, na saúde,
as multideterminações da pobreza, que analisadas mediante as desproporções
na provisão de proteção/desproteção social, podem levar a assistência social a
ultrapassar indicadores individuais e estanques no que diz respeito ao
acompanhamento das condicionalidades do PBF na saúde.
Em relação aos serviços de saúde, duas unidades de saúde básica
constituem referência de cobertura para os bairros estudados. São elas a UBS
Cidade Alta e a UBS Jardim Universo. O quadro 1 ao listar as distâncias entre
as unidades de saúde e os bairros analisado.
Quadro 1 - Distância entre os bairros estudados e sua UBS de referência
UBS
Bairro
Distância (metros)
Conjunto Habitacional Cidade
Alta
Núcleo
Santa Felicidade
Conjunto Habitacional Pioneiro
Odwaldo Bueno Netto
UBS Cidade Alta
UBS
Habitacional
Jardim
Universo
1.500
1.000
1.000
Jardim Ipanema
1.000
Parque Tarumã
1.000
Residencial Tarumã
2.000
Jardim Universo
1.500
Fonte: Secretaria de Saúde de Maringá / Quadro elaborado pela autora a
partir dos mapas 6.
A UBS Cidade Alta, com três Equipes de Estratégia Saúde da Família ESFs
tem
nas
agentes
de
saúde
as
principais
responsáveis
pelo
acompanhamento de famílias beneficiárias do PBF. Segundo informações da
direção da referida UBS, há cerca de dois anos, entre os bairros a ela
referenciados, encontram-se descobertos pelas ESFs os bairros Parque Tarumã
I, Residencial Tarumã II e Conjunto Habitacional Pioneiro Odwaldo Bueno Netto.
Durante o trabalho de campo, em contato com uma das agentes de saúde, foi
454
possível identificar que o principal motivo para as áreas descobertas é o
adensamento populacional, decorrente da construção de novas moradias
populares, dissociado de planejamento em relação à oferta de equipamentos de
saúde.
Segundo informações da direção da UBS Jardim Universo, a unidade
abrange um total de sete bairros, entre os quais está o Jardim Universo. A
unidade de saúde possui uma equipe de ESF, cuja abrangência é de apenas
dois bairros, entre eles o Jardim Universo. Na tabela 1 segue síntese dessas
informações
Tabela 1 - Indicativos de famílias não acompanhadas pela ESF172
172 O Programa Saúde da Família (PSF), principal programa da Atenção Primária em Saúde (APS),
surgido no Brasil em 1994, foi pensado inicialmente para estender a cobertura assistencial em áreas de
maior risco social. Em 2006, por intermédio da Portaria nº 649 de 2006, adquiriu centralidade na agenda
governamental, convertendo-se em estratégia estruturante dos sistemas municipais de saúde, válida para
todo o Brasil. A Estratégia Saúde da Família (ESF) coloca-se, desde então, como modelo para a
organização dos serviços da APS. Para tanto, incorpora os princípios do SUS, a partir das diretrizes inscritas
na Portaria nº 2.488 de 2011, quais sejam: território adstrito, longitudinalidade, acesso contínuo e universal
à saúde, vinculação de pessoas e grupos a profissionais e equipes, integralidade e estímulo à participação
455
Famílias
não
Bairros acompanhadas
pela ESF
F
Conjunto
Habitacional Pioneiro
Odwaldo
Bueno
Netto
Núcleo
Habitacional
Santa
Felic.idade
Parque
Tarumã
Conjunto
Habitacional Cidade
Alta
Jardim
Ipanema
Jardim
Universo
Residencial
Tarumã
Totais
Motivos
%
bairro não coberto
12
08
16
%
bairro não coberto
8
66.7
Família
localizada
não
4
33.4
Família
compareceu a UBS
não
28.5
bairro não coberto
06
F
bairro não coberto
5
83.4
Família
localizada
não
1
16.7
Família
compareceu a UBS
não
3
37.5
Família
localizada
não
5
62.5
Família
compareceu a UBS
não
7
43.7
Família
localizada
não
09
56.2
Família
compareceu a UBS
não
14
19
38
bairro não coberto
bairro não coberto
42
42
Fonte: Relatório semestral por UBS (vigência jan./jun.2013 / Tabela elaborada pela autora
No conjunto dos bairros estudados, o Pioneiro Odwaldo Bueno Netto, o
Parque Tarumã e o Residencial Tarumã não são cobertos pelas equipes do ESF
da UBS Cidade Alta, embora essa informação não conste do relatório de
condicionalidades na saúde. Cabe notar que os principais responsáveis pelas
visitas e acompanhamento de condicionalidades das famílias beneficiadas pelo
PBF são as agentes da ESF, que monitoram a saúde de mulheres e crianças.
Entre os bairros cobertos pela ESF, os maiores percentuais de famílias
não acompanhadas pela saúde estão no Jardim Universo (38%) e no Núcleo
dos usuários. Entre suas principais atribuições está o acompanhamento, em uma perspectiva educativa
das condicionalidades em Saúde.
456
Habitacional Santa Felicidade (28.5%). No primeiro bairro referido 56.2% das
famílias são culpabilizadas por não comparecer à UBS para cumprir
condicionalidade, enquanto que no segundo 66.7% das famílias não foram
localizadas por não terem atualizado o endereço no Cadastro Unico 173, ação a
ser desempenhada obrigatoriamente pelas famílias a cada dois anos, como
condição para se manterem como beneficiárias do PBF.
O Conjunto
Habitacional Cidade Alta (14%) e o Jardim Ipanema (19%), com percentuais
menores de famílias não acompanhadas pelas equipes de ESF, apresentam,
respectivamente, elevados percentuais de famílias que não foram localizadas
(83.4%) e de famílias que não se dirigiram até a UBS para acompanhamento da
saúde de crianças e mulheres (62.5%).
Potencializar o acesso de famílias ao cumprimento de condicionalidades
exigiria iniciativas alternativas da política de saúde e da assistência social para
manutenção da atualização cadastral. Como exemplo pode ser citada a
integração de sistemas informatizados, de modo que, ao articular dados entre
UBSs, possibilitasse identificar informações atualizadas das famílias segundo a
unidade de saúde que frequentam. Mensurar necessidades no sentido de
compor meios de agir de famílias ao cumprimento de condicionalidades implica
ainda identificar fragilidades dos serviços de saúde, como são as distâncias a
serem percorridas para se alcançar a UBS de referência de cobertura para os
bairros onde residem as famílias beneficiárias do PBF.
A análise na escala dos setores censitários dos bairros estudados,
localizados no território de abrangência do CRAS Santa Felicidade, permite
identificar demandas vinculadas às distâncias a serem percorridas por mulheres
grávidas para fazer o pré-natal, por exemplo, como ponto de partida para a
173
O Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (Cadastro Único) é um instrumento que
identifica e caracteriza as famílias de baixa renda, permitindo que o governo conheça melhor a realidade socioeconômica
dessa população. Nele são registradas informações como: características da residência, identificação de cada pessoa,
escolaridade, situação de trabalho e renda, entre outras. A partir de 2003, o Cadastro Único se tornou o principal
instrumento do Estado brasileiro para a seleção e a inclusão de famílias de baixa renda em programas federais, sendo
usado obrigatoriamente para a concessão dos benefícios do Programa Bolsa Família, da Tarifa Social de Energia
Elétrica, do Programa Minha Casa Minha Vida, da Bolsa Verde, entre outros. Também pode ser utilizado para a seleção
de beneficiários de programas ofertados pelos governos estaduais e municipais. Por isso, ele é funciona como uma porta
de entrada para as famílias acessarem diversas políticas públicas (Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), 2016.
457
provisão de equidade social, tendo em vista potencializar o cumprimento de
condicionalidades, conforme será mostrado no mapa 1.
Mapa 1 - Número de mulheres com idade entre 14 e 44 anos nos
bairros analisados
Embora a distância considerada adequada para alcançar a UBS mais
próxima (UBS Jardim Universo) seja de até 1.000 metros, no Jardim Universo,
com a maior concentração populacional de mulheres entre 14 e 44 anos, verificase que 33.7% das mulheres devem percorrer até 1.500 metros para o acesso à
unidade de saúde para pesagem, vacinação e, em caso de gravidez,
acompanhamento de pré-natal. O Conjunto Cidade Alta, localizado a 1.500
metros da UBS Cidade Alta, registra uma concentração populacional cerca de
nove vezes menor (3.4%) na comparação com o Jardim Universo. Dados que
sinalizam desproporções na presença de equipamentos de saúde básica quando
458
levada em conta a população a ser atingida de mulheres com idade entre 14 e
44 anos.
Os dados analisados permitem à assistência social compreender que
descumprir condicionalidades na saúde, para além do não comparecimento de
famílias nas UBSs (tabela 4), tem relação com ausência de equipamentos
públicos distribuídos de modo compatível com a população a ser atendida. Os
resultados alcançados possibilitam ainda afirmar que distância não constitui fator
que limita mulheres com idade entre 14 e 44 anos a comparecerem à UBS. É o
que pode ser verificado quando considerados os bairros localizados perto das
unidades de saúde (distância de até 1.000 metros). Os percentuais bastante
elevados (tabela 4) de famílias que, mesmo residindo nos arredores da UBS,
não comparecem nas unidades de saúde para cumprir condicionalidade - como
é o caso do Jardim Ipanema, com percentual de 62% – possibilitam conjeturar
que, apesar de as famílias por vezes se depararem com equipamento de saúde
básica próximo ao local de residência, não há certeza em contar com os serviços
disponibilizados pelas UBSs para cumprirem condicionalidades.
Na saúde, para além das condicionalidades colocadas às mulheres entre
14 e 44 anos, é exigido ainda o acompanhamento médico de crianças entre 0 e
7 anos, o que pressupõe respostas a demandas a serem aprovisionadas, entre
outras, no atenuar de distâncias a serem percorridas, muitas vezes, por adultos
com crianças no colo, conforme analisado no mapa 2.
459
Mapa 2 - Número de crianças com idade entre 0 e 7 anos nos bairros
analisados e raio de abrangência indicado das USBs
No Jardim Universo, famílias com crianças entre 0 e 7 anos percorrem,
muitas vezes com bebê no colo, até 1.500 metros para cumprir condicionalidade
na saúde. Por sua vez, o Conjunto Habitacional Cidade Alta, com a menor (4.2%)
concentração de crianças nessa faixa etária, também distante 1.500 metros do
local de moradia do público-alvo, reafirma discrepâncias na oferta de serviços
de saúde básica em relação à concentração populacional de crianças.
Esse conjunto de dados, comparado aos números da tabela 1, possibilita
afirmar ainda que a distância a ser percorrida até a unidade de saúde não
constitui fator determinante para o descumprimento de condicionalidades. Isso
pode ser verificado mediante os discrepantes percentuais de famílias que
deixaram de comparecer às unidades de saúde para cumprir condicionalidades,
460
embora submetidas ao mesmo percurso de 1.500 metros para chegar às UBSs
Cidade Alta e Jardim Universo. No Jardim Universo, 56.2% encontram-se nessa
condição, ou seja, três vezes mais em relação ao Conjunto Habitacional Cidade
Alta (16.7%). Portanto, no Jardim Universo, apesar da presença de unidade de
saúde, conjectura-se que outros fatores além da distância interagem para que a
UBS Jardim Universo não se traduza em certeza para as famílias beneficiárias
do PBF quanto ao cumprimento de condicionalidade.
O estudo de unidade de vizinhança, inserido como proposição
metodologia para o estudo do território, possibilitou sinalizar à assistência social
na proteção básica, para além do individual, a compreensão coletiva e flexível
das
desigualdades
de
desproteção/proteção
no
cumprimento
de
condicionalidades pelas famílias beneficiárias do PBF. Com isso, reafirmam-se
os limites dos indicativos propostos pelo PFB para o acompanhamento de
condicionalidades, reafirmando à assistência social elementos a imprescindíveis
para o fortalecimento da proteção as famílias a partir da compreensão das
multideterminacões da pobreza, com vistas a construção de práticas
interventivas intersetoriais.
Considerações Finais
A política de assistência social, embora tenha entre suas principais
intenções a proteção de famílias, certamente ainda depara-se com muitos
desafios a serem vencidos no campo teórico e operacional. Isso implica
considerar que a noção de capacidade protetiva na PNAS/2004, sustentada pela
matricialidade territorial e familiar, pressupõe a incorporação do território por
gestores e profissionais, bem como de metodologia capaz de suscitar leituras
reflexivas sobre o chão de vivência dos territórios intraurbanos. Isto é, se hoje
um conjunto de dados são disponibilizados à gestão da assistência social, qual
a pertinência dessas informações para a captura de particularidades objetivas e
subjetivas presentes nos territórios de vivência das famílias de baixa renda
461
Ir ao encontro dessas respostas exigiu uma maior observação dos
territórios intraurbanos de Maringá, bem como das famílias, de suas dinâmicas
e relações estabelecidas com os equipamentos de saúde. Os resultados daí
extraídos constituem um conjunto de dados que, intrínsecos à relação entre
proteção e desproteção social nos bairros estudados, sustentam a hipótese da
insuficiência dos do PBF, para o fortalecimento da proteção social de famílias.
Nesse sentido, fortalecer a proteção social de famílias, sob ótica da
política de assistência social, das famílias vincula-se a uma maior integração
entre condicionalidades exigidas pelo PBF e políticas de proteção básica. Isso
significa que, para além das exigências e punições aplicadas às famílias que
descumprem condicionalidades, é preciso criar práticas interventivas que
valorizem a proteção a partir dos territórios de vivência das família.
Referencias Bibliográficas
BRASIL. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988.
BRASIL. Política Nacional de Assistência Social. Ministério do
Desenvolvimento Social (MDS), Brasília, 2004.
________. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Decreto 5.209
de 17 de dezembro de 2004. Regulamenta a Lei nº 10.836, que cria o Programa
Bolsa Família e dá outras providências. Brasília, 2004. Disponível em:
<http://www. planalto.gov.br>. Acesso em: 14/05/2014.
________. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Lei nº 10.836
de 9 de janeiro de 2004. Cria o Programa Bolsa Família e dá outras
providências. Brasília, 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>.
Acesso em: 14/05/2014.
________. Ministério da Saúde. Portaria nº 649 de 2006. Brasília, 2006.
________. Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Atenção Básica.
Portaria
nº 2.488 de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica
(PNAB). Brasília, 2011.
462
________. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MDS. Portaria nº 251 de 12 de dezembro de 2012. Regulamenta a gestão das
condicionalidades do PBF, revoga a Portaria nº 321 de 29 de setembro de 2008.
Brasília, 2012.
SANTOS. Carlos Nelson. A cidade como um jogo de cartas. São Paulo:
Projeto Editores, 1998.
CIDADANIA DE PAPEL:
463
burocratização dos programas de assistência estudantil e a
instrumentalidade profissional
Ana Cristina do Nascimento Peres Albernaz e
Ana Maria Soares Freire Pereira Leal174
RESUMO: O presente texto emerge da reflexão do nosso trabalho nos
programas de assistência estudantil onde percebemos que a burocratização do
processo por vezes exclui estudantes oriundos de camadas populares. Assim,
concluímos que é preciso legitimar nas instituições a autonomia profissional da
(o) assistente social no sentido ratificar a instrumentalidade como forma de
ratificação dos direitos.
Palavras-chaves: assistente social, direito e educação.
INTRODUÇÃO
“Eu não vi o edital”, “eram tantos documentos que desisti; “meus pais não
têm carteira de trabalho, são lavradores e o edital falava que era obrigatório
apresentar as carteiras de trabalho”; “eu não pude ir em casa buscar os
documentos”. Aqui são algumas frases, que ouvimos quando são abertos os
editais dos programas de promoção à permanência na instituição a qual somos
vinculadas.
Falas de estudantes oriundos de assentamentos, regiões
quilombolas e da zona rural da região de Minas Gerais e de Goiás. Falas essas
que nos inquietam repensar as contradições desse sistema que quer objetivar o
que é subjetivo e quer quantificar o que é qualitativo, mesmo com valiosos
instrumentos que legitimam os nossos direitos.
A Constituição Federal, Art. 205, ratifica a educação como direito de todos
e dever do Estado, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo
para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho. No entanto, em
174
Assistentes Sociais e Mestrandas em Educação Social e Intervenção Comunitária pelo
Instituto Politécnico de Santarém
464
atendimento ao preconizado, quanto à oferta da educação para todos, como um
direito social pleno, percebemos que às escolas não conseguem garantir e/ou
democratizar a permanência de todos os seguimentos da sociedade,
principalmente, daqueles oriundos das camadas populares.
A democratização do acesso implica na expansão da rede pública, bem
como na abertura de cursos noturnos. A democratização da assistência implica
na manutenção e expansão dos programas de assistência estudantil.
(“FONAPRACE, 1993, p. 110)”.
Nestes termos, enfatizamos ser necessário entender à educação e
a assistência estudantil como um direito social e inseri-los na práxis acadêmica
é romper com a cultura arraigada por muitos de que esta é assistencialista, uma
benesse e/ou concessão do Estado. É enxergá-la como promotora da cidadania,
da dignidade humana da pessoa e nesta direção trazemos aqui reflexões, no
caráter de relato de experiência, sobre a burocratização da assistência estudantil
e possibilidade de utilizarmos os instrumentos do Serviço Social para inclusão.
DESENVOLVIMENTO

De que burocratização estamos falando?
A base dos editais de seleção, dos programas de promoção à permanência
é o estudo social.
Mioto (2009), ao mostrar a origem dos estudos
socioeconômicos, salienta que eles nascem vinculados a uma noção moral
baseada em julgamentos das formas de vida dos sujeitos que iam até as
instituições buscar auxílios materiais ou serviços. Quadro esse, que só muda,
quando os profissionais começaram a buscar o embasamento profissional nas
leituras de Marx, proporcionando o avanço teórico metodológico e ético político
dentro da profissão e inclusive na formatação dos seus instrumentais.
A autora ainda expõe que, a transformação, fez com que a instrumentalidade
profissional da (o) assistente social se pautasse na perspectiva do direito e da
cidadania a partir da leitura teleológica da realidade onde as singularidades
individuais são parte de um processo contraditório que culminam em diversas
expressões da questão social.
465
Porém, o que percebemos em nosso cotidiano é que os editais de assistência
estudantil, por questões orçamentárias ou de gestão, saem com prazos curtos,
levam em consideração a renda per capita das famílias e elencam uma gama de
documentos obrigatórios que nos remete aos primórdios arcaicos da profissão
que limitavam o fazer profissional às análises de papeis que ocultam as
expressões da questão social na vida da (os) estudantes.
Não conseguimos realizar visita social para todos, não conseguimos
entrevistar todos, pois estamos sozinhas (os) nesse processo de trabalho que
limita nossa ação a um prazo, a um espaço, que só ratifica a lógica racionalista,
perversa e contraditória do capitalismo multifacetado que precariza nossas
relações de trabalho configurando em uma “classificação” dos sujeitos, que
demandam os auxílios da assistência estudantil, em papel, excluindo-os da
cidadania.
O trabalho em processo e não em formas estáticas e o
processo de crítica implicam o desvelamento dos excluídos e das
complexas mediações da exclusão em vez de consagrá-las a
categorizações. (...) As categorizações ou classificações resultam em
relações de poder entre dominantes e dominados, do processo de
interação e da construção do imaginário inserido nessas relações e das
reações e contra-reações que transformam as situações (FALEIROS,
2006, pp. 196)
Nesses processos, temos que pontuar a vulnerabilidade social objetivandoa, pois a qualquer momento podemos ser auditadas (os), já que nossa relativa
autonomia profissional não é validada pelo olhar positivista que marca o serviço
público brasileiro.
Pela lógica racionalista do capital, os papeis, a comprovação de quem é
“miserável”, se torna mais importante do que efetivar o acesso ao direito pela
real leitura, que vai muito além das particularidades individuais apresentadas.
Assim, vemos nosso trabalho amarrado a editais que elencam como obrigatórias
autenticações de documentos, apresentações de carteiras de trabalho,
comprovações de que estudou a vida inteira em escola pública, declarações de
ausência de renda, declarações de isenção de imposto de renda, declarações
de trabalho informal e tantas outras que vão algumas vezes ser impressas com
o dinheiro que era para a passagem do ônibus, para o leite dos filhos ou para
comprar uma apostila essencial para a prova de amanhã.
466
Portanto, quando são feitas as publicações dos editais dos programas de
promoção à permanência, muitos não conseguem comprovar algumas situações
sobre suas trajetórias de vida, por terem, por exemplo, deixado os documentos
na sua cidade de origem, ou por não compreenderem o que está sendo pedido
no edital, materializando em uma exclusão indireta.
Mas, é a partir desses nós, que o diferencial que faz o/a assistente social,
por meio de seus instrumentais como entrevista, escuta ativa, visita social,
parecer social, entre outros, podem fazer valer o direito.
O Serviço Social poderá reduzir-se, aí, a um mero agente
burocrático, na era dos serviços, como também poderá ampliar
alternativas de ação para a defesa da cidadania. A força de trabalho
tem seus limites e suas compensações por meio de uma garantia social
definida pela força dos direitos que precisa ser exigido para não ser
recuado, que implica ação consciente dos sujeitos historicamente
constituídos na representação de si mesmos e do outro, de si e dos
adversários (FALEIROS, 2006, pp.137).
Na citação acima, Faleiros ratifica um limite e uma possibilidade para o
Serviço Social. No âmbito do limite, é ele se deter aos papeis e ser um validador
dessa burocratização que restringe o cidadão a um amontoado de papeis. Já no
âmbito da possibilidade, é criar ações que promovam a cidadania e elucidam a
importância
do projeto ético político profissional, pois
contribuí na
transformação do cidadão passivo em agente ativo e ator principal, no coletivo,
capaz de fazer tomadas de decisões que incidirão nos mecanismos que validam
os processos regulamentadores do seu acesso aos programas socais, e no caso
desse relato de experiência, da assistência estudantil.

Estratégias do cotidiano para romper com a burocratização:
Diante dos desafios que nos foram apresentados no cotidiano profissional,
que limitavam nossa ação, nós, enquanto conjunto de assistentes sociais da
instituição que estamos vinculadas, criamos algumas estratégias como:
•
Rediscutir a política de assistência estudantil a cada dois anos com toda
comunidade de estudantes e servidores da instituição. Incentivo e
divulgação nos campi para participação de estudantes. Nesses encontros
467
são formados grupos de trabalhos, onde os estudantes coordenam,
opinaram e reconstroem a política de assistência estudantil;
•
Criação de um auxílio, que denominamos de emergencial, onde o
assistente social utiliza-se da instrumentalidade para validar o direito de
quem demanda algum suporte da instituição. Esses auxílios têm
viabilizado a permanência de pessoas que foram excluídas do processo
de auxílios via edital, que não tinham algum documento, como a carteira
de trabalho por exemplo que é um documento obrigatório exigido;
•
Troca de experiências com os profissionais de outras áreas e outros
campi;
•
Realizações de oficinas de capacitação para que os estudantes e suas
famílias
possam
compreender
os
editais
e
apresentarem
as
documentações;
•
Articulação do trabalho em equipe;
•
Trabalho em rede;
•
Realização de minicursos, com temas como ética e cidadania, educação
em direitos humanos, aprender a aprender, dentre outros com um dos
objetivos promover o empoderamento para compreensão de diversos
aspectos da sociedade capitalista.
CONCLUSÃO
Quando vemos, em nosso meio se falar bastante em democratização do
ensino e a permanência viabilizada por meios de programas que ora inclui e
ora exclui, devido à burocratização e exigências na comprovação de dados que
em alguns casos são impossíveis de ratificar materialmente, situamos mais uma
vez nossa profissão na relação contraditória entre o capital e o trabalho, como já
afirmaram Marilda V. Yamamoto, Yolanda Guerra, Vicente de Paula Faleiros,
dentre outros.
Por vezes, nossa ação nesses editais são alvos de questionamentos
baseados nos “achismos” pelas aparências das (os) estudantes que foram
468
“contemplados/selecionados”, pois no imaginário de muitos ainda imperam os
“benificiários” dos processos de trabalho da (o) assistente social como
“coitadinhos”, “pobrezinhos” e não sujeitos de direitos que questionam a ordem
do sistema. Remete-nos ao início da profissão, ainda diversas pessoas, julgam
o que “merece” e o que “não merece” ser assistido pelos programas sociais.
Cabe ressaltar, que estamos situados numa região que é palco de
desigualdades perversas. Alguns tiveram acesso ao ensino regular de qualidade
e outros frequentaram escolas tão precárias que um edital de seleção, que exige
inúmeros documentos seu e de sua família, é algo tão distante de sua realidade
sendo mais fácil desistir.
Esses, que vêm já de uma situação de exclusão, muitas vezes não sabem
nem preencher um formulário e no contexto burocratizado do serviço público é
mais uma vez excluído porque a obrigatoriedade deste e daquele documento o
impede de acessar um recurso que minimamente poderia possibilitar sua
permanência no direito à educação.
Assim, finalizando nosso relato de experiência, parabenizamos cada
profissional que mesmo em condições precárias de relação de trabalho, mesmo
nesse contexto de acirramento da crise do capital, não deixam de lutar e ratificar
a assistência estudantil como um direito por meio dos instrumentais utilizados
em seu cotidiano.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da
União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 05 jan. 1988.
CARDOSO. Maria de Fátima Matos. Reflexões sobre instrumentais em
Serviço Social: observação sensível, entrevista, relatório, visitas e teorias de
base no processo de intervenção. São Paulo, LCTE editora, 2008.
FALEIROS, Vicente de Paula. Estratégias em Serviço Social. 6 ed. São
Paulo, Cortez, 2006.
Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e EstudantisFONAPRACE – Dez Encontros. Goiânia, 1993.
469
GUERRA, Yolanda. A instrumentalidade do Serviço Social. 8 ed. São
Paulo, Cortez, . 2010
MIOTO, Regina Célia. Estudos socioeconômicos. In: Serviço Social:
Direitos Sociais e Competências profissionais. Brasília, CFESS/ABEPSS, 2009.
JUIZADO DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER DE PONTA GROSSA:
CONTEXTUALIZANDO A REALIDADE E DESVELANDO POSSIBILIDADES
DE ATUAÇÃO.
Alessandra Pimentel Munhoz do Amaral175
175
Juíza de Direito Titular do Juizado de Violência contra a Mulher da comarca de Ponta
Grossa.
470
Bruna Woinorvski de Miranda176
KatrinyRenostoLazarin177
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo apresentar os dados obtidos através de uma
pesquisa por amostragem realizada em 286 processos eletrônicos de Medidas
Protetivas de Urgência em trâmite no ano de 2014 (incluindo os arquivados) no
Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da comarca de Ponta
Grossa. O referido levantamento visa identificar as características
predominantes das vítimas atendidas incluindo informações como faixa etária,
número de filhos, grau de parentesco com o agressor, dentre outros fatores, além
de possibilitar o mapeamento das ocorrências de violência contra a mulher na
cidade. Tal iniciativa é de grande relevância, pois possibilita o conhecimento da
realidade institucional, bem como das demandas atinentes ao Juizado de
Violência Doméstica da comarca de Ponta Grossa de forma que intervenções
condizentes com a realidade e necessidades das vítimas possam ser
futuramente implantadas consoante ao preconizado na Lei Maria da Penha.
Palavras-chave: Violência. Mulher. Vara Criminal.
INTRODUÇÃO
Dados de um estudo preliminar realizado pelo Ipea em 2013 apontam que
entre os anos de 2009 e 2011 foram registrados no Brasil 16,9 mil casos
defeminicídios - que tratam-se de homicídios de mulheres causados por conflitos
de gênero, especialmente oriundos de conflitos entre cônjuges.
Diante de inúmeros casos de violência contra mulheres fez-se necessário
a promulgação de legislação específica para a sua proteção com a criação de
mecanismos de coibição e punição dos agressores. Assim, a Lei nº 11.340, de
7 de agosto de 2006, popularmente conhecida como “Lei Maria da Penha”, tem
como objetivo principal a erradicação de toda forma de violência contra a mulher.
A mesma legislação define a violência contra mulher como doméstica ou
familiar, sendo que primeira é compreendida como aquela que ocorre no espaço
de convívio das pessoas, e a segunda vai para além deste espaço, desde que a
vítima e o agressor tenham alguma relação, seja ela de parentesco, afinidade ou
176
Assistente Social do Juizado de Violência contra a Mulher da comarca de Ponta
Grossa.
177
Estagiária do Juizado de Violência contra a Mulher da comarca de Ponta Grossa,
acadêmica do 4º ano do curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Ponta Grossa.
471
civil.A Lei nº 11.340/2006 ainda dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher, o que também passa a ser recomendado
pelo Conselho Nacional da Justiça.
Nesse sentido, com o intuito de reconhecer as demandas e construir
formas de intervenções condizentes com as suas necessidades é que
vislumbrou-se a realização de levantamento de dados junto ao Juizado de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, Vara de Crimes contra Crianças,
Adolescentes e Idosos e de Execução de Penas e Medidas Alternativas de Ponta
Grossa. Tal levantamento decorre de uma pesquisa documental realizada pelo
setor de serviço social através da análise dos processos eletrônicos de
requisição de medidas protetivas de urgência em andamento no ano de 2014 na
referida Vara.
1. O Juizado de Violência contra a Mulher de Ponta Grossa
O Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, Vara de
Crimes contra Crianças, Adolescentes e Idosos e de Execução de Penas e
Medidas Alternativas de Ponta Grossa é um dos seis Juizados do Estado do
Paraná com competência para julgar crimes de violência contra a mulher. Teve
sua instalação designada para o dia 27/11/2012 através da Portaria nº
4.611/2012 do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.
Além dos juízes titular e substituto, a equipe do Juizado é composta por
técnicos e analistas judiciários com formação em Direito, bem como por uma
assistente social e estagiários. Em suma, ao cartório há a incumbência da
movimentação dos processos físicos e eletrônicos. Já ao setor de serviço social
cabe, além da realização de laudos sociais que subsidiam a decisão dos
magistrados, o atendimento especializado preconizado no artigo 29 da Lei Maria
da Penha, tal como define Souza (2013, p. 204-205):
A chamada equipe multidisciplinar tem como incumbência principal a
humanização do ambiente judiciário onde se desenvolve a atividade
jurisdicional de atendimento aos casos onde a vítima é uma mulher que
sofreu agressão no âmbito doméstico e familiar, de forma a permitir um
atendimento mais completo e voltado para o respeito à dignidade de
todos os envolvidos, com ênfase na pessoa vitimada e nos seus
dependentes.
472
A legislação e as recomendações não pontuam práticas estanques quanto
ao atendimento psicossocial da vítima e de seus dependentes, mas direciona a
utilização dos instrumentais técnicos das profissões para o seu atendimento e
encaminhamento numa perspectiva de totalidade. Nesse viés, no caso do
Juizado de Violência Doméstica e Familiar de Ponta Grossa, além dos laudos
sociais, intervenções passaram a ser o enfoque do setor de serviço social a partir
do reconhecimento das demandas institucionais.
2. Perfil das vítimas e mapa da violência
Os atendimentos realizados cotidianamente pelo setor de serviço social
do Juizado possibilitaram além da identificação de distintas demandas, a
necessidade do encaminhamento das vítimas e respectivos familiares aos
equipamentos da Rede de Enfrentamento à Violência contra a Mulher de Ponta
Grossa. Neste contexto, viu-se como necessária a construção do perfil das
vítimas atendidas na comarca de Ponta Grossa para que projetos e intervenções
específicas fossem implantados de acordo com o perfil estudado.
O referido perfil foi construído através de estudo documental com a
metodologia de pesquisa por amostragem (amostra por conglomerados), tendo
sido foco da análise 286 processos eletrônicos de medidas protetivas de
urgência178, incluindo os arquivados. O levantamento de dados foi lançado numa
planilha
considerando
informações
básicas
e
fundamentais
para
a
caracterização do perfil das vítimas, cuja tabulação permitiu a construção de
gráficos.
Os dados colhidos corresponderam a faixa etária, estado civil e número
de filhos da vítima; informações do agressor como o sexo e grau de parentesco
com a vítima; além de informações sobre o crime identificado nos autos, tais
como: o tipo de violência sofrida pela vítima, a reincidência ou não das
178
Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá
a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de
Processo Penal [...] remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da
ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência [...] Constatada a prática de violência doméstica e familiar
contra a mulher, nos termos da Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente[...]
473
agressões, se houve pedido anterior de
medidas
protetivas
desistência
da
de
referida
urgência
ou
medida
no
processo analisado. Ademais, também
coletou-se
localização
informações
das
sobre
ocorrências
15%
5%
29%
22%
a
visando
mapeá-las e identificar as regiões com
29%
Solteiro
Convivente
Divorciado
Viúvo
Casado
maiores incidências na cidade de Ponta
Grossa, dentre outros aspectos pertinentes.
Com as informações tabuladas, constatou-se o que segue:
GRÁFICO 1: IDADE DA VÍTIMA.GRÁFICO 2: ESTADO CIVIL DA VÍTIMA.
6% 7%
2%
24%
32%
29%
Menos de 18
18 a 25
26 a 35
36 a 50
50 a 60
Idosa
Fonte: Dados organizados pelas autoras.
De acordo com os gráficos acima, constata-se que, quanto à faixa etária,
há predominância da idade das vítimas entre 36 a 50 anos de idade e, quanto
ao estado civil destas, nota-se que a maioria das vítimas são conviventes ou
casadas. Tratam-se de mulheres adultas, com relacionamentos estabelecidos e,
como se pode observar no gráfico 3, a maioria possui ao menos um filho.
GRÁFICO 3: NÚMERO DE FILHOS DA VÍTIMA.
474
1% 0% 1%1%
5%
11%
23%
20%
38%
Nenhum
Três Filhos
Seis Filhos
Um Filho
Quatro Filhos
Sete Filhos
Dois Filhos
Cinco Filhos
Oito Filhos
Fonte: Dados organizados pelas autoras.
Com base nos resultados deste tópico, nota-se que na maioria dos
contextos familiares analisados há a presença de crianças ou adolescentes.
Esse fato abre espaço para uma reflexão acerca das condições biopsicossociais
de crianças e adolescentes que presenciam algum tipo de violência – aspecto
sobre o qual pode-se compreender que,
As crianças que vivem em ambientes estressantes como os que tem
violência doméstica são afetadas em sua capacidade de
discriminação, tendo dificuldades para identificar o que é certo e o que
é errado. Por exemplo, acham que o comportamento violento dos pais
é normal, que todas as pessoas se relacionam dessa forma, que brigar
e se agredir é comum, pois como o ser humano aprende por meio de
modelos, este tipo de relação pode ser o único modelo pelo qual a
criança aprendeu tal comportamento (WILLIAMS; MALDONADO&
PADOVANI, 2008, p.38).
Entende-se a partir do exposto que a maioria das crianças e adolescentes
que presenciam algum tipo de agressão entre os familiares também acabam por
se tornar vítimas desse contexto - o que pode provocar prejuízo no seu pleno
desenvolvimento, bem como no entendimento de valores e nas relações
interpessoais.
475
GRÁFICO 5: PARENTESCO
ENTRE VÍTIMA E AGRESSOR..
GRÁFICO 4: SEXO DO
AGRESSOR
3%
2% 8% 1%
Masculino
97%
Feminino
5%
84%
Fonte: Dados organizados pelas autoras
Em
constata-se
continuidade
nos
dados
à
análise,
acima
a
Sem parentesco
Filho
Neto
Cônjuge
Pai ou Mãe
predominância dos agressores com sexo masculino. Ademais, como se vê no
gráfico 5, tais agressores são em quase 90% das vezes o cônjuge – o que retrata
que a realidade de muitas mulheres é conviver cotidianamente com a violência
dentro de sua casa.
Através dos atendimentos prestados pelo setor de serviço social às
vítimas, situações como a dependência química ou etílica, bem como
comportamentos machistas por parte dos companheiros são por elas apontados
como fatores motivadores das situações de violência. Tais informações além de
outras possíveis motivações (embora não apuradas no presente levantamento
por se tratarem de questões subjetivas), certamente merecem ser consideradas
para se vislumbrar formas de intervenção junto às mulheres em situação de
violência.
GRÁFICO 6: TIPO DE VIOLÊNCIA SOFRIDA PELA VÍTIMA.
476
1%
39%
60%
Psicológica
Física
Sexual
Fonte: Dados organizados pelas autoras.
A respeito dos tipos de violência, o levantamento de dados levou a
constatação da predominância da violência psicológica, conforme sugere o
gráfico acima. Nessa informação também pode-se conjeturar o machismo ainda
fortemente influente em nossa sociedade. Neste contexto (construído social e
culturalmente ao longo dos anos) o homem tende a mostrar superioridade
através da imposição de valores ou do uso da força física, mesmo, em muitas
vezes, tendo o entendimento dos malefícios que a violência física pode causar a
mulher.
Ainda a respeito da violência sofrida pelas mulheres atendidas no Juizado
de Violência contra a Mulher de Ponta Grossa, obteve-se:
GRÁFICO 7: VÍTIMA SOFREU VIOLÊNCIAS
GRÁFICO 8: VÍTIMA JÁ
ANTERIORES AO PROCESSO?
HAVIA REQUERIDO MEDIDAS
PROTETIVAS ANTES?
14%
4%
86%
Sim
Não
Fonte: Dados organizados pelas autoras.
96%
Sim
Não
Realizando uma análise sobre os dois
gráficos acima, percebe-se o quão contraditório eles se mostram: enquanto
gráfico 7 demonstra que a maioria das mulheres já havia sido vítima de violência
em outras ocasiões anteriores ao processo levantado, o gráfico 8 expõe que a
477
minoria delas já havia requerido medida protetiva de urgência, ou seja, o
afastamento do agressor. Isso significa que a maioria das vítimas de violência,
por razões que também merecem ser investigadas, posterga as providências
necessárias para a sua proteção, aguardando que a violência reincida para
então vislumbrarem medidas contra o agressor.
Em suma, com base nos atendimentos realizados pelo setor de serviço
social, constata-se que, geralmente, a maior motivação para que as vítimas não
se distanciem de seus agressores é o vínculo afetivo (que permanece, mesmo
depois da violência), a dependência financeira, ou ainda, a manutenção da
proximidade dos filhos com a figura paterna e agressora. Esse dado, assim como
os demais, também pode sugerir a forte presença do machismo na sociedade e
nas famílias.
Além das informações apresentadas, o presente estudo também tratou de
levantar informações quanto ao local das ocorrências de violência contra a
mulher, possibilitando o seu mapeamento. Nesse sentido, não foram
constatadas ocorrências nas regiões rurais da cidade, todavia, averiguou-se que
elas ocorreram em todos os dezesseis bairros da cidade, com maior proporção
no bairro de Uvaranas (46 ocorrências), seguido do bairro do Contorno (41
ocorrências) e Oficinas (31), conforme pode ser visualizado na sequência.
FIGURA 1: MAPEAMENTO DAS OCORRÊNCIAS DE VIOLÊNCIA NA CIDADE
DE PONTA GROSSA.
478
Fonte: Dados organizados pelas autoras.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O levantamento de dados realizado junto aos processos de medidas
protetivas de urgência em trâmite no ano de 2014 no Juizado de Violência contra
a Mulher de Ponta Grossa permitiu detectar algumas características
predominantes das mulheres vítimas de violência. Dentre elas, algumas
necessitam de maior análise e aprofundamento, tais como: a) A presença de
crianças e adolescentes nos contextos familiares em que a mulher é vítima de
violência; b) As alterações biopsicossociais nas mulheres vítimas de violência;
c) A predominância de agressores do sexo masculino, assim como a
constatação da violência psicológica com maior índice de incidência; d) A
motivação para as mulheres postergarem o pedido de medidas protetivas,
mesmo sofrendo com situações de violência recorrentes, conforme apontam os
dados;
Inerente ao mapeamento das ocorrências de violência contra a mulher foi
possível identificar que o número de casos na cidade de Ponta Grossa é bastante
significativo e que ocorre em todas as áreas urbanas da cidade, especialmente
nas regiões periféricas, com maior incidência em determinados bairros.
Em suma, vê-se que as informações elencadas no presente estudo
servem para iniciar a discussão sobre a questão da violência contra a mulher no
município de Ponta Grossa, elucidando pontos que necessitam de maior
479
atenção. Ademais, ponderando-se que é recente a instalação do Juizado de
Violência contra a Mulher na referida comarca, os dados ora elencados se
apresentam como diagnóstico institucional a partir do qual será possível a
construção de projetos e intervenções específicas para esse perfil, a serem
implantadas especialmente pelo setor de serviço social.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 11.340/2006. (Lei Maria da Penha). Cria mecanismos para
coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e dá outras providências.
Promulgada em 07 de agosto de 2006.
IPEA. Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil. Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada, 2013. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?
option=com_content&id=19873>. Acesso em: 10 jun. 2015.
PARANÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Portaria nº 4.611/12.
Designa data para Instalação do Juizado de Violência Doméstica e Familiar
Contra a Mulher, Vara de Crimes contra Crianças, Adolescentes e Idosos e de
Execução de Penas e Medidas Alternativas da Comarca de Ponta Grossa.
Publicada em 20/11/2012.
PARANÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Resolução nº 70/12. Fixa a
competência dos Juizados Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher,
Vara de Crimes contra Crianças, Adolescentes e Idosos e de Execução de Penas e
Medidas Alternativas. Publicada em 8 de outubro de 2012.
SOUZA, Sérgio Ricardo de. Lei Maria da Penha comentada sob a nova
perspectiva dos direitos humanos. 4ª edição revista e atualizada. Curitiba: Juruá
Editora, 2013.
WILLIAMS, Lúcia Cavalcanti de Albuquerque; MALDONADO, Daniela
Patrícia Ado; PADOVANI, Ricardo da Costa. Uma vida livre da violência.
Cartilha, 2008. Universidade Federal de São Carlos - Departamento de
Psicologia,
São
Carlos.
Disponível
em:
<http://www.lfcc.on.ca/uma_vida_livre_da_violencia.pdf>. Acesso em: Jun/2015.
PROJETO PATRONATO DE PARANAVAÍ: As atividades do Serviço
Social
Isabela Barbosa Vasconcelos Camargo
480
Suellen Motta
Resumo:
O presente trabalho, enquanto relato de atuação profissional tem como
objetivo apresentar brevemente as atividades do Serviço Social junto ao Projeto
Patronato de Paranavaí-PR. Para tanto, utilizou-se de estudos bibliográficos
junto a regulamentações e artigos que contextualizam historicamente sobre o
projeto e discorrem a cerca da inserção do assistente social no Patronato. E por
fim realizou-se análise sintetizada das atividades profissionais no contexto do
Projeto Patronato de Paranavaí-PR. Os resultados apontaram que as atividades
do Serviço Social junto ao Projeto Patronato, desenvolve-se por meio de
acolhimento
qualificado
aos
usuários,
atendimento
individualizado,
encaminhamentos para a rede de serviços municipais de Paranavaí,
identificação de violação de direitos, acompanhamento e monitoramento dos
usuários submetidos via determinação judicial a Prestação de Serviço a
Comunidade-PSC, contato telefônico, visitas domiciliares, estabelecimento de
parcerias com instituições públicas e privadas tendo em vista promover
condições de reinserção social dos usuários entre outros aspectos discorridos
no desenvolvimento deste trabalho.
Palavras-chave: Projeto Patronato, Atividades do Serviço Social,
Trabalho interdisciplinar.
Introdução
O Projeto Patronato é um órgão de execução penal em meio aberto, que
desenvolve-se por meio de atividades de monitoramento e acompanhamento
junto a indivíduos que são submetidos a sanções penais via determinação
judicial, tendo por fim “promover ações de inclusão social dos assistidos”
(Cartilha de Municipalização, 2013, p.4)
Embora atualmente o atendimento aos indivíduos sujeitos a penas
alternativas em meio aberto seja disponibilizada pelo Projeto Patronato, este
481
serviço iniciou suas ações somente em 2013 (SOUZA et al, 2014). Ainda de
acordo com os referidos autores, anteriormente a este período as atividades de
“fiscalização e acompanhamento” das alternativas penais em meio aberto
desenvolvia-se pelo extinto Pró-egresso, que desde 1984 com a regulamentação
da Lei de Execução Penal n° 7.210/1984 desenvolvia ações junto a estes
indivíduos.
Para atender os objetivos propostos junto à regulamentação do Patronato
em 2013, entre eles o atendimento humanizado, “pautada no respeito aos
direitos humanos e na correlação entre direitos e deveres”, transferiu-se a
responsabilidade
dessas
ações
para
os
municípios.
(Cartilha
de
Municipalização, 2013, p.4)
Frente a isso, as Instituições de Nível Superior- IES estabeleceram
parcerias junto aos munícipios, a Secretária da Ciência e Ensino Superior- SETI,
a Secretária de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos- SEJU com o
intuito de desenvolver atividades do Patronato enquanto atividade de extensão
universitária. (SERON et al, 2014)
Nesse sentido, no município de Paranavaí o Projeto Patronato:
[...] iniciou suas atividades a partir de 2006, conveniadas a
Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos –
SEJU, por meio do Departamento Penitenciário do Estado do Paraná
do Estado do Paraná e com a interveniência do Patronato Penitenciário
de Curitiba e a Faculdade Estadual de Educação e Letras de Paranavaí
e a Universidade Estadual do Paraná– FAFIPA/UNESPAR, atendendo
egressos e apenados oriundos ou não do sistema penitenciário
(Universidade Estadual do Paraná, 2014).
O referido projeto em Paranavaí realiza-se nas dependências da
Universidade Estadual do Paraná-UNESPAR, campus Paranavaí. Neste
contexto, organiza-se uma equipe interdisciplinar com profissionais recém
formados das áreas de direito, pedagogia, psicologia e serviço social, bem como
estagiários e professores supervisores das áreas de administração, direito,
pedagogia, psicologia e serviço social
482
Tendo em vista as reflexões anteriores, este trabalho insere-se como
iniciativa no sentido de apresentar brevemente as atividades do Serviço Social
junto ao Projeto Patronato de Paranavaí-PR e contribuir para uma melhor
compreensão sobre a importância do trabalho profissional enquanto participe de
uma equipe interdisciplinar para a execução de alternativas penais em meio
aberto.
Desenvolvimento
Neste item serão apresentados os resultados e análise dos dados
coletados a partir das experiências profissionais cotidianas, no que tange
atividades privativas do assistente social, bem como atividades realizadas em
conjunto com a equipe interdisciplinar do Projeto Patronato de Paranavaí.
As atividades interdisciplinares no Projeto Patronato de Paranavaí
ocorrem por meio de acolhimento/recepção dos usuários encaminhados por
decisão judicial, cadastramento desses usuários ao projeto, coleta de
documentos pessoais, e por fim atendimento individualizado pelos profissionais
de cada área, onde desenvolvem-se: orientações jurídicas sobre a pena,
atendimentos
e
encaminhamentos
psicológicos,
atendimentos
e
encaminhamentos pedagógicos e atendimentos e encaminhamentos sociais.
Considerando que o objetivo deste trabalho destina-se a apresentação
das atividades profissionais do serviço social junto ao projeto, nos restringiremos
a uma breve analise das ações cotidianas do assistente social enquanto participe
de uma equipe interdisciplinar.
De acordo com Souza et al (2014) o espaço de atuação do Serviço Social
junto a execução penal em meio aberto possibilita identificar múltiplas
expressões da “questão social”, nas quais é possível intervir conforme previsto
no projeto ético político da categoria profissional, uma vez que o mesmo se
propõe a defesa intransigente de direitos.
No atendimento individualizado junto aos usuários, o assistente social visa
identificar: violações de direitos, vulnerabilidades sociais, vulnerabilidade de
acesso, relações comunitárias fragilizadas ou potencializadas, relações
483
familiares fragilizadas ou potencializadas, bem como os fatores subjetivos que
incidem sobre a vida dos sujeitos que impedem sua reinserção social, e
dificultam o cumprimento da alternativa penal.
Ou seja, o atendimento individualizado do serviço social desenvolve-se
na perspectiva de olhar para além da infração cometida, sempre enxergando o
usuário enquanto sujeitos de direitos.
Neste contexto, caso haja necessidade, o assistente social realiza
encaminhamentos para rede de serviços municipais de Paranavaí, tendo em
vista atender as necessidades dos usuários expostas no atendimento, bem como
instrumentaliza-lo enquanto sujeito de direitos, socializando informações e
orientando-os.
Ainda é de responsabilidade do assistente social encaminhamento dos
usuários condenados a Prestação de Serviço a Comunidade-PSC para
instituições conveniadas ao Projeto Patronato de Paranavaí, tendo em vista
atender determinação judicial. Para isso, prioriza-se habilidades do usuário
expostas em atendimento individualizado, bem como instituições conveniadas
para PSC próximas as residências dos mesmos, considerando eventuais
vulnerabilidades de acesso e por fim as circunstancias do delito praticado.
Após analise de habilidades e acesso do usuário, realiza-se contato e
encaminhamento junto à instituição que se encaixa ao perfil do usuário atendido.
Após encaminhamento para PSC, realiza-se acompanhamento mensal junto às
instituições, onde são questionadas eventuais dificuldades, sobre o cumprimento
das penas, frequência e carga horaria dos usuários. Caso identificado a
necessidade, realiza-se contato telefônico com o usuário condenado a PSC para
eventuais esclarecimentos, verificar dificuldades, e estimular o cumprimento da
pena.
Isso pode ser dialogado a partir de pesquisas já realizadas que indicam
que
o
trabalho
do
assistente
social
junto
ao
encaminhamento
e
acompanhamento para PSC, deve-se considerar o usuário das suas ações
enquanto participe de uma coletividade “inserido em um trama de relações”, as
484
múltiplas facetas da questão social que incidem sobre o seu cotidiano e
influenciam suas atitudes. (Pontíficia Universidade Católica-PUC, p.75)
Ao observar as atividades cotidianas descritas nos parágrafos anteriores
percebe-se que é coerente com o artigo 139 da Lei de Execução Penal que
observa que o serviço social penitenciário do Patronato deve priorizar: “[...]
observar o cumprimento das condições especificadas na sentença [...] e proteger
o beneficiário, orientando-o na execução de suas obrigações [...]”.
Outra atividade de relevância desenvolvida pelo assistente social no
interior do Projeto Patronato de Paranavaí é a averiguação via pesquisa
documental junto às assinaturas mensais dos usuários submetidos a alternativas
penais na modalidade: domiciliar, aberto, semi aberto, liberdade condicional,
suspensão e transação. Considerando que seja identificado irregularidades
realizar-se-á contato telefônico, envio de oficio na residência e visitas
domiciliares com intuito de incentivar o cumprimento da determinação judicial,
evitar possíveis complicações com a justiça, conhecer como o usuário sobrevive,
identificar vulnerabilidade de acesso e por fim quando esgotadas as alternativas,
se necessário comunicar ao Juiz o descumprimento da alternativa penal.
Para além de acompanhamento e fiscalização das alternativas penais em
meio aberto, segundo Dick et al (2014) o Serviço Social desenvolve ações em
grupos conforme as infrações cometidas com intuito de socializar informações e
realizar encaminhamentos conforme as demandas identificadas.
Os cursos disponíveis dentro das demandas do Projeto Patronato de
Paranavaí são os cursos: Saiba e Basta. Eles são planejados na perspectiva de
conscientização dos apenados acerca dos delitos cometidos, objetivando:
“mudanças comportamentais, conscientização e internalização de novas
condutas” (Cartilha de Municipalização das Alternativas Penais, p.15, 2013)
Assim como descrito pela referencia supracitada, o Serviço Social no
interior do Patronato de Paranavaí desenvolve palestras nos cursos SAIBA e
BASTA, respectivamente: destinados a infratores relacionados a drogas e delitos
de violência doméstica. Nestes cursos, a assistente social ministra discussão
interativa em que expõe a rede socioassistencial do munícipio de Paranavaí, os
485
principais programas da política de assistência social e instituições de saúde, de
tratamento de álcool e drogas, instituições de internação entre outros fatores.
Uma atividade privativa do assistente social no Patronato, coerente com
o artigo 5, inciso VI da Lei que Regulamenta a Profissão de Assistente Social
refere-se a supervisão de estagio em serviço social. Onde realiza-se discussões
teóricas profissional/estagiária, com intuito de relacionar a teoria com a pratica,
identificar possibilidades e desafios impostos ao projeto, a equipe e a profissão,
bem como entender as contribuições da categoria profissional neste espaço
sócio ocupacional.
Para efetividade da atuação profissional necessita-se articulação
interdisciplinar entre a equipe e parcerias com instituições públicas e privadas
do munícipio de Paranavaí que ofertem condições de reinserção desses
usuários, concedam-lhes oportunidades de acesso aos serviços públicos,
trabalho,
escolarização,
profissionalização
entre
outros
aspectos
que
possibilitem a não reincidência aos delitos cometidos.
A efetividade do trabalho do assistente social e da equipe como um todo,
junto ao monitoramento e acompanhamento das alternativas penais em meio
aberto, pode coincidir com o dado exposto por Barrelli (1999) apud Colman
(2013, p.2) que destaca: “[...] por seus resultados que, embora preliminares, dão
indicativos de eficácia. Em São Paulo, 80% dos detentos reincidem, enquanto
apenas 12% que prestam serviço a comunidade voltam a cometer crimes”.
Conclusão
Considerando
as
reflexões
realizadas
é
possível
perceber
as
contribuições significativas do Serviço Social junto à execução das alternativas
penais em meio aberto no município de Paranavaí, no que se refere ao
atendimento humanizado, escuta qualificada, identificação de vulnerabilidades
que impossibilitem o cumprimento da pena, tendo por fim antever inadimplências
e traçar estratégias que estimulem o usuário a cumprir a alternativa penal entre
outros fatores que contribuam para qualificação do projeto e permitam contribuir
para:
486

Redução da lotação carcerária.

O enfrentamento das estruturas que alimentam a criminalidade.

A redução da reincidência criminal e dos conflitos sociais.

O enfrentamento a drogadição.

O reforço de ações de combate a impunidade.

A readequação da conduta social dos usuários.

E consequentemente restauração da cidadania.
Referências
BRASIL, Lei nº 7.210, de 11 de Julho de 1984: Institui a Lei de
Execução Penal-LEP. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_3/leis/L7210.htm. Acesso em set. de 2015.
BRASIL. Lei de Regulamentação da Profissão, Lei n. 8662 de 7 de
Junho de 1993: dispõe sobre a profissão de Assistente Social e dá outras
providências. Disponível em:
http://www.cfess.org.br/arquivos/CEP2011_CFESS.pdf. Acesso em set. de
2015.
BRASIL, Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos.
Patronato Municipal: Municipalização da Execução das Alternativas Penais.
Curitiba. 2013.
COLMÁN, Silvia Alapanian. CONTRIBUIÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL
PARA APLICAÇÃO DE PENAS ALTERNATIVAS. Londrina. 2013.
DICK, Deborah Martins. PROGRAMA PATRONATO: Foco
Ressocializador. Universidade Estadual de Ponta Grossa. 2014.
Programa Patronato Paranavaí. Disponível em:
http://www.fafipa.br/site/index.php/patronato Acesso em 20 set. 2015.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA- PUC, Rio de Janeiro. O
Serviço Social e as Penas e Medidas Alternativas. Certificação digital,
n°0912188/CA.
SERON, Paulo Cesar et al. PROGRAMA PATRONATO DE MARINGÁ:
BRAÇO DA EXECUÇÃO PENAL NO MEIO ABERTO. In_ 32º Seminário de
Extensão Universitária da Região Sul. 2014.
487
SOUZA, Franciele de. As Condições de Trabalho do Assistente Social
no Programa Patronato de Toledo-PR. In_ 6° Seminário Nacional Estado e
Políticas Sociais. Toledo-Pr. 2014.
AGENDA SOCIAL DO MERCOSUL: O PAPEL DAS INSTITUIÇÕES –
INSTITUTO SOCIAL DO MERCOSUL E FUNDO DE CONVERGENCIA
ESTRUTURAL DO MERCOSUL
Giseli Aparecida de Oliveira179
Lucia Cortes da Costa180
179
Mestrado em Ciências Sociais Aplicadas; Universidade Estadual de Ponta Grossa,
Assistente Social na Associação Beneficente Lua Nova.
180 Doutora, Professora Associado da Universidade Estadual de Ponta Grossa no
Programa de Mestrado em Ciências Sociais Aplicadas.
488
Karine Fabiane de Lima181
RESUMO: O Artigo apresenta o debate sobre a agenda social no processo de
integração regional. A partir dos anos 2000 que se identifica o estabelecimento de
mecanismos institucionais voltados para a operacionalização da agenda social no
bloco.Entre as medidas adotadas entre os países damos destaque à criação de duas
instituições sendo elas: FOCEM – Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul,
ISM – Instituto Social do Mercosul. O presente estudo tem como objetivo geral buscar
identificar o papel que essas instituições desenvolvem no processo de
operacionalização da agenda social no Mercosul. A pesquisa é de caráter
exploratório usando os procedimentos da pesquisa bibliográfica e documental.
PALAVRAS-CHAVE: Instituições, Agenda Social, Mercosul
ABSTRACT:Thearticlepresents thedebateon the social agendain the regional
integrationprocess.From
the2000swhichidentifiesthe
establishment
of
institutionalmechanismsfocused on theimplementationof the social agendain the
block.Among the measures adoptedacross countrieswe highlightthe creation oftwo
institutionswiththem:FOCEM-Structural Convergence Fundof MERCOSUR,ISMMercosur SocialInstitute. This studyhas the general objectiveseek to identifythe role
ofthese institutionsin the process ofimplementationof the social agendain
Mercosur.The
research
isexploratoryusing the
proceduresofbibliographic
anddocumentary research.
KEY-WORDS: Institutions, Social Agenda, Mercosur
1. INTRODUÇÃO
A dimensão social no Mercosul começou a ganhar visibilidade a partir da
RMADS – Reunião de Ministros e Autoridades do Desenvolvimento Social do
Mercosul e Estados Associados, com a criação no ano de 2000; sendo um espaço
de discussão e construção de um processo para o fortalecimento da dimensão social,
ficando estabelecidos a base conceitual comum para os países da região na
integração, na formulação, desenho, implementação e na avaliação das políticas
sociais regionais.
Na XXIV Reunião do CMC – Conselho do Mercado Comum em Assunção,
Paraguai em junho de 2003, reforçou-se sobre a necessidade de priorizar a dimensão
181
Mestrado em Ciências Sociais Aplicadas; Universidade Estadual de Ponta Grossa,
Assistente Social na Associação Beneficente São José.
489
social no bloco, promovendo o incentivo e desenvolvimento dos Estados-partes, com
ações de inclusão social e econômica dos grupos vulneráveis.
A área social torna-se uma agenda no processo de integração regional, com
objetivo de justiça social para seus cidadãos. Destacamos a criação do Instituto
Social do Mercosul – ISM em 2007 com a missão de ampliar a dimensão social no
bloco pautado nas diretrizes do PEAS182, “obtendo ações emancipatórias,
desenvolvimento humano, reconhecendo o indivíduo como cidadão sujeito de direitos
civis, políticos, sociais, culturais e econômicos”.183 Com a criação do Fundo de
Convergência Estrutural do Mercosul – Focem em 2004, com diretriz de reduzir
assimetrias e aumentar o desenvolvimento de economias menores no Mercosul em
três eixos de atuação: Convergência Estrutural, Desenvolvimento da Competitividade
e Coesão Social.
O presente estudo184 tem como objetivo de verificar a importância e o
funcionamento de duas instituições vinculadas a agenda social do Mercosul, a saber:
o Instituto Social do Mercosul – ISM e Fundo de Convergências Estrutural do
Mercosul – FOCEM.
A pesquisa é exploratória e de natureza descritiva, devido a escassez de
estudos na área relacionado sobre a dimensão social no Mercosul; utiliza-se de
pesquisa bibliográfica, que consiste em levantamento bibliográfico, em obter
informações teóricas sobre o processo. Também se utiliza a pesquisa documental,
de acordo com Chizzotti (2006, p.13) “a pesquisa documental visa responder as
necessidades objetivas da investigação [...], a pesquisa documental é parte
integrante de qualquer pesquisa sistemática e precede ou acompanha os trabalhos
de campo”.
O texto a seguir está estruturado em duas seções, na primeira descrevemos
o processo de constituição da agenda social noMercosul, os fatos relevantes e as
182O Plano estratégico de Ação Social (PEAS), foi aprovado na Cúpula de Assunção
realizada em junho de 2011, por meio da Decisão CMC Nº 12/11
183(PEAS, 2012, p. 10)
184 O estudo apresenta alguns resultados da pesquisa realizada no Mestrado em
Ciências Sociaisem 2015 pela Universidade Estadual de Ponta Grossa com o tema de pesquisa
“Instituto Social do Mercosule Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul no contexto da
agenda social”.
490
principais iniciativas; na segunda seção os avanços institucionais voltados para
implementar a agenda social no bloco, junto ao FOCEM – Fundo de Convergência
Estrutural do Mercosul e o ISM – Instituto Social do Mercosul.
2. AGENDA SOCIAL NO MERCOSUL
Pensar em uma agenda social no Mercosul é observar as iniciativas que
colaboraram para o desenvolvimento dos temas sociais no bloco, que são
identificados na construção do processo institucional do Mercosul.
De acordo com Almeida (2008, p. 47) “os estudos dos movimentos
integracionistas atuais abarcam dois âmbitos: de um lado a integração econômica (a
dimensão econômica), e de outro o envolvimento social dos cidadãos e das
comunidades envolvidas (a dimensão social)”. Podemos destacar que o Mercosul
não nasceu de uma integração baseada em uma agenda social, mas sim baseado
em uma pauta de discussões as questões comerciais, desconhecendo as questões
sociais como afirma Behring (2004, p. 186).
Segundo o Instituto Social do Mercosul185 a construção da agenda social para
o Mercosul se baseou em discussões sobre a Declaração do Milênio, uma reunião
em setembro de 2000 com a presença de líderes de 189 países, que estabeleceram
algumas metas para serem cumpridas, o pacto foi durante a Cúpula do Milênio
promovida pela Organização das Nações Unidas em Nova York.
Desta discussão foi construído o documento denominado Declaração do
Milênio, ficando acordados oito objetivos, conhecido como: “Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio – (ODM)”186, com ações de combate à fome e à pobreza,
associadas à implementação de políticas de saúde, saneamento, educação,
habitação, promoção da igualdade de gênero e meio ambiente187.
185Informações
site oficial ISM disponível em <http://ismercosur.org/pt-br/mercosul-social/>
acesso em janeiro de 2015
186Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) são divididos em oito prioridades
sendo: 1- Acabar com a fome e a miséria; 2 - Educação Básica de qualidade para todos; 3 - Igualdade
entre sexos e valorização da mulher; 4- Reduzir a mortalidade infantil; 5 - Melhorar a saúde das
gestantes; 6 - Combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças; 7 - Qualidade de vida e respeito ao
meio ambiente; 8 - Estabelecer uma Parceria Mundial para o Desenvolvimento. (CEPAL, 2005)
187 Informações em “Objetivos do desenvolvimento do Milênio - RELATÓRIO NACIONAL DE
ACOMPANHAMENTO – 2004”.
491
Os Objetivos do Milênio têm como proposta a redução da desigualdade e
propõe ações em áreas prioritárias. Foi diante deste acordo que os Ministros e
Autoridades do Mercosul, fundamentaram seus conceitos para a dimensão social no
Mercosul sendo eles:
a) Centralidade da dimensão social na integração que pretenda promover um
desenvolvimento humano e social integral. b) O indissociável do social e o
econômico na formulação, desenho, implementação e avaliação das políticas
sociais regionais. c) A reafirmação do núcleo familiar como eixo de
intervenção prioritário das políticas sociais na região. d) A centralidade do
papel do Estado. e) A proteção e promoção social desde uma perspectiva de
direitos, superando a visão meramente compensatória do social. f) A
participação de uma sociedade civil fortalecida organizacionalmente.188
Desse modo destacamos algumas iniciativas que compõe o processo de
construção de uma agenda social para o Mercosul, sendo elas: 1991 – Mercosul
Educacional; 1993 – Carta Social do Mercosul; 1996 – SGT10 e 11; 1996 – Foro
Consultivo Econômico e Social (FCES); 1997 - Tratado Multilateral de Seguridade
Social; 1998 - Declaração Sócio-laboral do Mercosul; 2000 - Institucionalização da
Reunião de Ministros e Autoridades de Desenvolvimento Social; 2000 - Cúpula Social
do Mercosul; 2004 - Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM); 2005
- Iniciativa Somos Mercosul; 2006 - Parlamento do Mercosul; 2007 – Instituto Social
do Mercosul (ISM); 2011 – Plano Estratégico de Ação Social do Mercosul – PEAS.
(IZERROUGENE, 2009)
Dentre os avanços institucionais na área social destacamos FOCEM e o ISM,
a seguir a análise parte de buscar compreender a estrutura institucional destas
instâncias, buscaremos identificar as ações que vêm sendo desenvolvidas, formas
de financiamento e sua organização normativa, apresentando os desafios e as
possibilidades para a agenda social no Mercosul.
2.1FUNDO DE CONVERGÊNCIA ESTRUTURAL DO MERCOSUL
(FOCEM)
188
Informações site oficial ISM disponível em <http://ismercosur.org/pt-br/mercosulsocial/> acesso em janeiro de 2015
492
O Focem surgiu a partir da premissa do desenvolvimento econômico com
justiça social para os Estados-partes do Mercosul, tem como objetivo aprofundar o
processo de integração regional, com ações de redução de assimetrias, a partir de
ações de incentivo à competitividade e estímulo à coesão social entre os paísesmembros do bloco regional do Mercosul. (CMC, Nº 18/05).
O Focem foi criado na XVVI Reunião do Conselho do Mercado Comum no dia
16 de dezembro de 2004, na cidade de Belo Horizonte a partir da Decisão do CMC
no 45/04, com a destinação de um fundo para financiar programas para promover o
desenvolvimento e reduzir assimetrias nos países de bloco.No ano de 2005 em
Assunção o CMC propões a decisão no 18/05 sobre a “Integração e funcionamento
do Fundo para a Convergência Estrutural e fortalecimento da estrutura institucional
do Mercosul” tal documento deu as coordenadas sobre o uso do fundo e as ações do
Focem.
A decisão detalha os principais projetos a serem financiados que devem
respeitar quatro programas sendo eles:
A) Convergência Estrutural: As ações devem contribuir para o
desenvolvimento e ajuste estrutural das economias menores e regiões
menos desenvolvidas, incluindo a melhora dos sistemas de integração
fronteiriça e dos sistemas de comunicação em geral. B) Desenvolvimento
da Competitividade: Deve contribuir à competitividade no âmbito do
Mercosul, incluindo processos de reorganização produtiva e trabalhista que
facilitem a criação de comércio intra Mercosul e projetos de integração de
cadeias produtivas e de fortalecimento da institucionalidade pública e
privada nos aspectos vinculados à qualidade da produção (padrões
técnicos, certificação, avaliação da conformidade, sanidade animal e
vegetal, etc.), assim como a pesquisa e desenvolvimento de novos produtos
e processos produtivos. C) Coesão Social: Deve contribuir ao
desenvolvimento social, em particular nas zonas de fronteira, e poderão
incluir projetos de interesse comunitário em áreas da saúde humana, da
redução da pobreza e do desemprego. D) Fortalecimento da Estrutura
Institucional e do processo de integração: Deve visar à melhora da estrutura
institucional do Mercosul e a seu eventual desenvolvimento. Uma vez
cumpridos os objetivos dos projetos, as estruturas e atividades que venham
a resultar serão financiadas em partes iguais pelos Estados Partes.
(DECRETO, NO 5.969).
A contribuição para o Focem será de contribuições não reembolsáveis, tem
como orçamento anual o valor de cem milhões de dólares, esse valor deve ser
dividido entre os países, o calculo para a divisão dos valores foi baseado no histórico
493
da média do PIBde cada país correspondente, sendo dividido da seguinte maneira:
Argentina: 27%, Brasil: 70%, Paraguai: 1%, Uruguai: 2%.
No caso do Brasil com o maior PIB apresenta a maior contribuição do
valor no Focem já o Paraguai possui a menor porcentagem de contribuição sendo de
1%do valor total do fundo. Quanto à distribuição de recursos os mesmos serão
repassados da seguinte maneira: Projetos apresentado pelos Paraguai: 48%;
Projetos apresentados pelo Uruguai: 32%;Projetos apresentados pela Argentina:
10%; Projetos apresentados pelo Brasil: 10%.
Atualmente o Focem possui 44 projetos aprovados, sendo que o
Paraguai apresenta o maior número de projetos aprovados sendo 18 projetos,
Uruguai 10, Brasil 5 e Argentina 4, Pluriestatais 4, Fortalecimento Institucional 3
projetos. Segundo informações da CRPM (2013) os projetos que foram concluídos
tem somente 05 projetos, 37 estam em processo de execução e 02 foram
rescindidos.
Os projetos do Focem que tiveram maior investimento foi de Convergência
Estrutural, com o valor total de US$ 874.760.293,00, seguido doPrograma de
Desenvolvimento da Competitividade teve o investimento de
US$
45.878.842,00, e o Programa de Coesão Social com US$ 61.199.105,00 e o por
ultimo o Programa de Fortalecimento Institucional com US$ 670.900,00. (CRPM,
2013)
O valor total de investimento do Focem segundo CRPM (2013) foi de US$
982.509.140, e com a contrapartida dos Estados um montante total de
US$ 1.415.603.744.
2.2 O INSTITUTO SOCIAL DO MERCOSUL (ISM)
O ISM foi criado a partir da decisão do CMC, no 03/07 estabelecida no dia 18
de janeiro de 2007, em que foi uma iniciativa da Reunião de Ministros e Autoridades
do Desenvolvimento Social do Mercosul (RMADS). O ISM visa fortalecer o processo
de integração com o desenvolvimento humano.
O Instituto é uma instancia técnica permanente de pesquisa na área de politica
social em que unem esforços de consolidação no processo de integração, com
494
iniciativas que contribuam para a redução das desigualdades sociais entre os
Estados Partes, visando a promoção do desenvolvimento humano integral189. O ISM
tem sua sede na cidade de Assunção, capital do Paraguai, e foi inaugurada durante
o Pro Tempore presidente do Paraguai, em julho de 2009.
Tem como objetivo:
- Coordenar a concepção, acompanhamento, avaliação e disseminação de
projetos sociais regionais. - Promover e desenvolver pesquisas para apoiar
a tomada de decisões na concepção, implementação e avaliação dos
impactos das políticas sociais. - Promover oportunidades de reflexão,
análise e divulgação dos temas emergentes na agenda social do Mercosul.
- Recolher, trocar e divulgar as melhores práticas e experiências sociais a
nível regional e inter-regional.190
Em sua estrutura organizacional o ISM, possui um corpo técnico de
investigação no campo das políticas sociais e implementação de estratégias, a fim de
contribuir para o reforço da dimensão social no processo de integração do Mercosul.
Sobre a contribuição orçamentária do Instituto o decreto no 08/11 vem regular
sobre a divisão e contribuições dos estados partes, sendo uma contribuição regular,
dividido da seguinte maneira: Argentina: 24%, Brasil: 39%, Paraguai: 24%, Uruguai:
13%. Já no decreto no 31/09, pode-se verificar que o ISM teve o primeiro orçamento
em 2010, com um montante de orçamento no valor de US$ 227.952,00, foi o Brasil
que teria que contribuiu com a maior parte, sendo de US$ 88.976,00, seguido da
Argentina e Paraguai com o valor igual de US$ 54.488,00 e do Uruguai de US$
30.000,00, mas o Brasil não repassa o recurso desde 2009. (ISM, 2014)
Um dos primeiros avanços que o ISM desenvolveu foi a construção e
elaboração do “Marco conceitual sobre a dimensão social do Mercosul”, que resultou
na publicação do livro “Dimensão Social do Mercosul – Marco Conceitual” em 2013.
O objetivo do marco conceitual foi mediante uma construção coletiva com várias
pessoas envolvidas para apresentar estudos e reflexões sobre a dimensão social no
contexto do Mercosul.
Também podemos destacar a criação do SIMPIS iniciou em 2012, e somente
no de 2014 é que ocorreu a primeira publicação entitulado “SIMPIS – Projetos e
189
Informações no site oficial do Instituto Social do Mercosul.
495
Programas Social do Mercosul em perspectiva” que contém estudos descritivos de
cada país do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela), dando
ênfase para programas nacionais que são voltados para o combate da probreza
extrema, segurança alimentar e nutricional, economia solidária, inclusão produtiva e
transferência de renda. Os programas apresentam conteúdo contendo objetivos,
modalidade de execução, público alvo, financimanto etc. (ISM, 2014)
Os projetos Segurança Alimentar e Nutricional e Economia Solidária é um dos
projetos que vem sendo priorizados pelo ISM, e vem desenvolvendo em conjunto
com as delegações, ações para estes projetos, medinate reuniões, orientações para
as equipes de cada país.
Uma das dificuldades que o ISM apresenta é referente à dificuldade financeira,
com a defasagem nos valores repassados há um reflexo direto nas ações
desenvolvidas. Mondelli (2013)191 destaca que “El problema es que el dinero no
llega aqui. Pues el Brasil representa 40% del presupuesto del ISM y es muy
grande
el
impacto”192
o
técnico
reforça
que
tal
defasagemafetadiretamentenasatividades e fragiliza a instituição“o ISM desde el
comienzo estaintentando fortalecer, pero es difícil fortalecer un espacio que
no tiene recursos para desenvolver actividades concretas193.Garcia (2013)194,
tambémcompartilhadestadificuldade e destaca “Lo más importante es ver si
realmente el Instituto va a mantener el sistema financiero, el problema ahora es
el financiero”195, os recursos refletemdiretamentenascondições de trabalho. Para
191
Entrevista, realizada em 03/12/2013, MarceloMondelli do Chefe do Departamentode
Pesquisa eGestão da Informação do Instituto Social do Mercosul, na pesquisa se referenciará como
Mondelli (2013).Mestre emRelações Internacionais (Universidade de Dublin-Irlanda) e se formou na
UniversidadedeLincoln (Reino Unido).
192 O problema é que o dinheiro não chega aqui. Pois o Brasil represente 40% do orçamento
do ISM e é muito grande o impacto. (Tradução Nossa)
193 O ISM desde o início vem tentando fortalecer, mas é difícil fortalecer um espaço que não
tem recursos para desenvolver atividades concretas. (Tradução Nossa)
194
Entrevista, realizada em 03/12/2013, Maria Carmem Garcia, técnica do Departamento de
Investigação e Gestão de Informação no Instituto Social do Mercosul, na pesquisa fará referência
como Garcia (2013). Possui graduação em Serviço Social,se formou na UniversidadeNacional de
Assunção, Mestre em Política de MigraçãoInternacional,Universidade deBuenosAires.Professorada
Escola deServiço Socialda Universidade Nacionalde Assunção
195O mais importante é ver se realmente o instituto vai se manter financeiramente, o
problema agora é financeiro. (Tradução Nossa)
496
que uma instituição possa operar é necessário contar com repasse de recursos para
dinamizar as ações e planejamento adequadamente.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos destacar que as duas instituições o Focem e ISM possuem um
papel importante para a dimensão social do bloco, primeiramente destacamos o
Focem como sendo uma atuação inovadora em pensar no Mercosul Social.
Verifica-se que o Focem ainda se apresenta com poucos e projetos aprovados
e poucos concluídos, e em processo de execução. A maior parte dos projetos
financiados pelo Focem é em infraestrutura e se torna relevante principalmente para
o Paraguai, por tratar de investir no país para melhorar a sua condição econômica e
comercial diante do bloco. O Focem vem cumprindo com seus objetivos e se
tornando uma principal fonte de investimento internacional para o Paraguai e Uruguai,
e vem ganhando seu espaço na pauta da agenda social por possuir uma linha que
se preocupa com a coesão social com a diretriz de fortalecer as economias menores
com o propósito do autodesenvolvimento.
O ISM também tem avançado no diálogo e estudos para a região resultando
num aporte de dados dos países membros, um marco para definir estratégias para
os países. Dentre as dificuldades do ISM que foram reveladas pelos entrevistados,
principalmente na dificuldade financeira, quando não existe o repasse efetivo e
prejudica nas ações e nas atividades a serem desempenhadas.
O enfoque social conferido ao Mercosul nestes últimos anos esta em processo
de fortalecendo e amadurecimento, pois pretende-se com esse estudo contribuir para
o debate acadêmico, político e social, a partir da tentativa de melhor observar os
rumos das ações das instituições sociais que visam garantir a construção de uma
integração mais justa, entre os países.
4. REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Rosângela da Silva Almeida. Proteção Social no Mercosul: a
saúde dos trabalhadores de municípios fronteiriços do rio grande do sul. Tese de
doutoradoPrograma de Pós-Graduação do Curso de Doutorado em Serviço Social.
Porto Alegre, 2008
497
BERING, Elaine Rossetti. O Serviço Social e o Mercosul. In: Serviço Social e
Sociedade: serviço social: formação e projeto político. 79. São PauBlo: Cortez, 2004,
p. 173-95.
CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa em Ciências humanas e sociais. 8a São
Paulo: Cortez, 2006.
CRPM, Informe sobre funcionamento do FOCEM elaborado pela CRPM
para consideração do Conselho de Administração do FOCEM, Montevidéu,
dezembro de 2013 (Anexo VIII ATA CRPM Nº 01/14)
ISM, MERCOSUL. Proyectos y Políticas Sociales del MERCOSUR en
perspectiva. Assunção, 2014. Disponível em: ttp://aplicacoes.mds.go.br/sagirm
IZERROUGENE, Bouzid. O desafio da integração social no MERCOSUL.
Revista
PROLAM,
v.
1,
p.
100-112,
2009.
Disponível
em
http://www.revistas.usp.br/prolam/article/view/82323
PLANO ESTRATÉGICO DE AÇÃO SOCIAL DO MERCOSUL - (PEAS).
Produção editorial: Tekoha, Assunção, Paraguai - Junho de 2012
MERCOSUL. Decisões CMC Nº 26/03, 45/04, 18/05, 03/07,37/08, 51/08,
31/09, 08/11, 41/12.
RELAÇÕES DE GÊNERO E MULHERES NO CAMPO: ESTUDOS
REALIZADOS EM TOLEDO/PR196
Ana Carolina de Paula197
Giane Franciele Negri198
Marize Rauber Engelbrecht 199
Rosana Mirales200
196 Resultados da pesquisa estão no artigo “O cotidiano das relações de gênero e
agricultura familiar”, Revista Retratos de Assentamentos, v.18, n.1, 2015, p.43-65.
197 Assistente Social, bolsista do projeto <[email protected]>.
198 Graduanda em Serviço Social, bolsista do projeto <[email protected]>.
199 Professora na Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE/Campus de
Toledo, colaboradora do projeto <[email protected]>.
200
Professora
na
UNIOESTE/Toledo,
coordenadora
do
projeto
<[email protected]>. Registram-se as contribuições de Vidiane Forlin e Ivanice de
498
RESUMO
Neste artigo apresentam-se reflexões resultantes de análises das
informações (dados) coletadas em entrevistas realizadas pelo projeto de
pesquisa Relações de Gênero e Agricultura Familiar: Estudo na Linha Cerro da
Lola – Toledo-PR, com dezoito mulheres participantes Clube de Damas ou Clube
do Bolãozinho, relacionadas ao cotidiano familiar de trabalho e de socialização
nos espaços coletivos existentes no território. O texto teve por objetivo conhecer
os mecanismos de resistência das mulheres no campo, observando as
mediações decorrentes das formas de sociabilidade entre moradores de um
dado território e as políticas sociais desenvolvidas. Considerou-se para isso, a
dinâmica cultural das relações de gênero, presentes na organização das famílias
de agricultores(as) e do trabalho realizado pelas mulheres.
Palavras-chave: Agricultura; Gênero; Política Social; Território; Trabalho.
1 INTRODUÇÃO
Esse texto apresenta resultados do projeto de pesquisa Relações de
Gênero e Agricultura Familiar: Estudo na Linha Cerro da Lola – Toledo-PR, que
foi desenvolvido no período de 2013 a 2015201. O objetivo do projeto foi
aprofundar o conhecimento sobre os mecanismos de resistência das mulheres
Oliveira Cândido, bolsistas do projeto respectivamente como profissional recém graduada e
graduanda; Leoni Wammes, assistente social da UTFPR/Toledo e colaboradora do projeto
<[email protected]>; Loiara Gund graduanda em Serviço Social, bolsista do projeto
<[email protected]>.
201 O projeto em desenvolvimento concorreu à Chamada nº 32/2012, do Ministério da
Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), por intermédio do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Secretária de Políticas para as Mulheres
da Presidência da República (SPM/PR) e o Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) e
reservava recursos específicos para pesquisas voltadas às temáticas das relações de gênero no
campo e na floresta (BRASIL, 2012).
499
no campo. Nesse contexto, visa-se observar as mediações decorrentes das
formas de sociabilidade entre as(os) moradoras(es) de um dado território local e
as políticas sociais desenvolvidas na região e conhecer a dinâmica cultural das
relações de gênero, presentes na organização das famílias de agricultores(as) e
do trabalho realizado pelas mulheres nas chácaras ou sítios onde se observa a
diversificação de atividades produtivas e também fora delas em que se percebe
a realização de pluriatividades. A questão norteadora para servir como um guia
de condução no processo de investigação e de pesquisa foi: há uma relação
entre os processos de resistência cultural das agricultoras que compõem esses
grupos familiares e as políticas sociais (serviços, programas, projetos,
atividades).
O objetivo deste texto é apresentar informações da pesquisa,
relacionadas ao perfil das mulheres entrevistadas e o cotidiano em que se
inserem, tendo como foco central as suas rotinas de trabalho e as formas de
sociabilidade que estabelecem no território de moradia.
2 IGUALDADE DE GÊNERO NO CAMPO
No aprofundamento deste debate teórico, duas categorias tornam-se
essenciais para compreensão da situação das mulheres: gênero e patriarcado.
A primeira, entendida como relacional e construída historicamente, sem
condições de ser compreendida independente dos sexos, constitui-se em uma
categoria ontológica, ou seja, que demarca os processos de transformações que
levaram ao desenvolvimento do ser social. O vínculo orgânico entre sexo e
gênero torna as três esferas da vida social (inorgânica, orgânica e social) uma
unidade, ainda que sexo não seja gênero e vice-versa. Gênero ou sexo não se
reduzem a biologia, mas não podem ser compreendidos fora dessa dimensão,
uma vez que também compõem o corpo humano em sua condição biológica
(SAFFIOTI, 2004). A segunda categoria, o patriarcado, por sua vez, constitui-se
em uma categoria epistemológica que, com o desenvolvimento de outras formas
de sociabilidade, poderá deixar de existir, uma vez que demarcada pela
desigualdade de gênero, em favor de um poder masculino sobre o feminino. A
500
ampliação de uma igualdade de gênero necessariamente diminui a relação de
hierarquia estabelecida dos homens sobre as mulheres e altera então a
dominação patriarcal que sedimenta a opressão e a subalternidade feminina.
Esse processo sócio-histórico expressa estas e outras formas de
sustentação das formas de ampliação das relações sociais, em que os direitos
tornam-se o elo de sustentação de consensos entre as classes sociais, com a
mediação fundamental dos Estados, que têm a hegemonia da burguesia e
apresentam contradições em sua dinâmica. Por isto, os direitos são
compreendidos como expressão de contradições, que legitimam a ordem
burguesa e, ao mesmo tempo, expressam os confrontos e “consensos” 202 entre
as classes sociais.
Com o avanço das conquistas dos direitos à igualdade de gênero,
crescem, no âmbito das políticas sociais, medidas em torno da gestão das
políticas para as mulheres, sendo que no II Plano Nacional de Políticas para as
Mulheres (II PNPM) (BRASIL, 2008), apresenta-se a discussão de várias
dimensões que abrangem a diversidade humana. A discussão de gênero no
meio rural, conforme traz o II PNPM por meio da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios realizada em 2006 (BRASIL, 2008, p. 141), traz que “As mulheres
representam 47,8% da população residente no meio rural, o que corresponde a
um contingente de 15 milhões de pessoas, muitas delas sem acesso à cidadania,
saúde, educação e sem reconhecimento da sua condição de agricultora familiar,
trabalhadora rural, [...]”. O processo de formação social brasileiro segmentou as
mulheres agricultoras familiares203 do país, levando a uma naturalização das
formas de dependência de gênero e sustentação do patriarcado.
2.1 A LINHA CERRO DA LOLA E O OESTE DO PARANÁ
202
Entre aspas porque embutem-se nos consensos expressos nos direitos, as disputas
nos processos que os constituíram e as pressões que os legitimam e também os negam.
203
No decorrer dos três textos propostos a serem desenvolvidos com os resultados do
projeto de pesquisa, pretende-se deixar mais evidente o debate sobre a construção da
concepção sobre agricultura familiar.
501
No que diz respeito à territorialização204, a região oeste do Paraná
caracteriza-se por apresentar boa qualidade de solo, favorecendo o
desenvolvimento do complexo agroindustrial (MÜLLER, 1989) - tendência que
ganhou lugar nos agronegócios, movidos pelo ciclo do capital produtivo do país
e do mundo (SANT’ANA, 2012).
A ocupação agrária e agrícola no Paraná se intensificou a partir de 1850,
quando o governador do Paraná concedia grandes áreas de terra a companhias
particulares, principalmente inglesas e argentinas, para explorar madeira e ervamate. Essas companhias eram espoliadoras, depredadoras e exploradoras,
além de que expulsavam os posseiros e indígenas que ocupavam o território
(COLODEL, 2003).
Em relação ao município de Toledo, a região foi colonizada a partir de
meados de 1946, pela Indústria Madeireira Colonizadora Rio Paraná S.A. –
MARIPÁ, em uma área que compreendia 274.846 hectares de terra (2.748 Km²),
sob o nome de Fazenda Britânia (SILVA, 1988).
Segundo Gregory (2008), a colonizadora que se estabeleceu na região
implantou uma colonização sistemática e seletiva direcionada à pequena
propriedade, com adoção da cultura diversificada de produtos agrícolas. No
processo de ocupação regional, foram selecionados agricultores que, segundo
os critérios estabelecidos, apresentassem facilidade na adaptação205 à região e
isto implicava, segundo os entendimentos adotados, em buscar candidatos no
sul do país, descendentes de alemães e italianos, experientes na agricultura.
Assim, segundo o mesmo autor, o espaço teria sua estrutura fundiária, estradas
e núcleos populacionais, demarcada pela experiência do espaço colonial das
antigas áreas colonizadas anteriormente mais ao sul do país.
204 Território compreendido como fruto das relações sociais estabelecidas entorno das
apropriações espaciais, demarcando as formas de pressões, disputas e interesses expressos
nos lugares pela “questão social”. No terceiro artigo a ser produzido resultante da pesquisa
realizada, pretende-se aprofundar esse aspecto dos debates sobre a realidade agrária.
205 Além de adaptado ao trabalho agrícola, o “elemento humano” (aspas nossas) também
deveria ter a característica de “[...] pacífico e tranquilo, porque em uma área tão grande poderiam
ocorrer desavenças entre os moradores, e os fatos desagradáveis seriam muito difíceis de serem
controlados por uma empresa comercial particular.” (NIEDERAUER, 2004, p. 201).
502
As famílias selecionadas, segundo esse pressuposto, para ocupar as
terras da região foram as de colonos gaúchos do Rio Grande do Sul e
catarinenses de Santa Catarina e, confirmando os critérios adotados,
descendentes de imigrantes italianos e alemães. A escolha pelo morador
anteriormente colonizado no sul do país não foi aleatória, uma vez que ele tinha
conhecimento da tecnologia agrícola possível para a época, considerada “mais
evoluída”.
A cultura desses agricultores selecionados demonstrava a condição de
possuidores de recursos necessários para aquisição dos lotes de terras. Para
isto, a colonizadora definiu que as terras seriam divididas em pequenas
propriedades denominadas colônias de 10 alqueires ou chácaras de 24 hectares
- forma de denominação para as pequenas propriedades agrícolas ainda
presentes na região e sítio para aqueles um pouco mais amplos. Outra
orientação para o processo de colonização era que cada grupo de colônias
deveria estar provido de um povoado (GREGORY, 2008).
O município de Toledo-PR se constituiu de um espaço agrário demarcado
pela presença de pequenas propriedades, fundado em uma dinâmica de
agricultura diversificada e autossuficiente, ou seja, capaz de gerir condições de
autossustentação para aqueles que foram colonizados. Atualmente Toledo é
considerado um município de médio porte com uma população de 119.313 mil
habitantes (IBGE, 2010); apresenta uma agricultura resultante de uma expansão
intensiva do capitalismo no campo, que transforma substancialmente as
condições de produção, direcionada ao agronegócio e a agroindústria,
interferindo diretamente nas formas de organização dos produtores para a
(re)produção no campo.
Como parte dessa dinâmica produtiva, demarcada por vários ciclos de
modernização conservadora, modificam-se as bases técnicas da produção,
baseadas, anteriormente, em culturas tradicionais voltadas à subsistência,
afetando profunda e diretamente, em maior escala, a pequena produção familiar.
Essa realidade social instiga compreender quais são as singularidades das
resistências das agricultoras, uma vez que, no desenvolvimento agrário
503
brasileiro, esses processos também resultam na expulsão de parcela dos
pequenos, ou seja, não asseguram a distribuição dos recursos igualmente, de
maneira a garantir as populações em seus espaços. Objetivou-se verificar na
pesquisa, qual o papel desempenhado pelas mulheres em suas resistências à
expansão capitalista, presentes nos processos produtivos, observando se as
políticas sociais contribuem para o fortalecimento de suas estratégias de
persistência em serem agricultoras.
Nesse sentido, o trabalho desempenhado pelos membros da família na
agricultura exige funções diferenciadas que se expressam na divisão
sociotécnica e sexual do trabalho e manifesta desigualdades de gênero, uma
vez que mantém a mulher em um papel secundarizado na hierarquia posta pelas
relações de trabalho e pela organização familiar e que ganha naturalização,
vinculado aos argumentos de suas condições biológicas.
2.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A definição da Linha Cerro da Lola, como local de realização da pesquisa,
contou com a indicação de técnicos da EMATER (Instituto Paranaense de
Assistência Técnica e Extensão Rural) de Toledo-PR, por constituir-se pela
presença de agricultores familiares que intensificam a produção agrícola pela
complementação do trabalho familiar. Foram entrevistadas, com roteiro
previamente construído pela equipe do projeto, dezoito mulheres vinculadas ao
Clube do Bolãozinho ou Clube de Damas de Cerro da Lola. Nas discussões
realizadas com os sujeitos coletivos locais (Grupo de Idosos, Associação de pais
e professores da Escola, Associação de Moradores, Grupo da Igreja Católica),
identificou-se ser o Clube de Damas ou Bolãozinho o espaço que reúne as
mulheres e que, segundo informações orais, originou-se nos anos de 1970. O
projeto de pesquisa teve parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
Todas as entrevistadas moram em Cerro da Lola sendo que onze
possuem terras e sete não (destas sete, uma a mãe tem posses e outra herdará
504
o sítio do pai). Perguntou-se quais são as suas profissões e onde trabalham
obtiveram-se as seguintes resposta: nove são Agricultoras; as demais dividemse em: Agricultora e Assalariada Rural; Agricultora e Costureira; Agricultora e
Dona de Casa; Agricultora, Dona de Casa e Costureira; Cabeleireira; Diarista e
Assalariada Rural; Diarista; Dona de casa e auxiliar de construção civil; Dona de
Casa; Operadora de máquinas (urbana). Considerou-se que todas elas realizam
também trabalhos domésticos em suas casas. Quatro das entrevistadas
declararam serem aposentadas devido à idade, uma declarou receber pensão
decorrente da morte do marido e uma declarou já ter recebido Bolsa Família e
Auxílio Doença.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pontuam-se algumas considerações, extraídas do conteúdo apresentado,
finalidade do trabalho realizado com a sistematização das apresentações acima,
que tiveram base nos levantamentos realizados em campo:
– A rotina das mulheres entrevistadas tem em grande parte de seus
horários como ocupação principal as atividades relacionadas ao trabalho, que
nas formas assalariadas apresentam-se com contratos informais através de
recebimentos diários; assalariado urbano; por tarefa (na situação da construção
civil, a entrega é realizada após a conclusão da obra); combinadas em atividades
assalariadas (diaristas) com atividades de serviços domésticos e agropecuários;
nas chácaras ou sítios para aquelas que as possuem, combinadas em variadas
atividades (domésticas: cuidados com pessoas especiais, alimentação, limpeza
da casa; agropecuárias; artesanatos e culinária; costura; coletivas como as de
associativismos de natureza social, recreativo e/ou religioso). .
- A forma como realizam as atividades, às vezes, está combinada à
contribuição de familiares e muitas vezes, as mulheres realizam sozinhas as
atividades pelas quais são responsáveis, à exceção daquelas que as exercem
nos espaços associativos, que geralmente é coletiva.
505
– As organizações coletivas estão mais diretamente relacionadas à
convivência local, uma vez que poucas participam de sindicatos (merece
destacar, aquelas que participam, às vezes, o fazem há muito tempo) e nenhuma
seja filiada aos partidos políticos.
– O Clube de Damas ou Bolãozinho é uma organização das mulheres,
que merece ser melhor conhecida.
- Foi identificado a renda familiar mensal da maioria em torno do salário
mínimo e uma declarou ter a renda de dez mil reais. Pode-se observar que as
mulheres que trabalham como diaristas (em serviços domésticos ou rurais), tem
menor renda familiar e em algumas situações pagam aluguel para moradia.
– As políticas sociais, relacionadas as informações empíricas que foram
aqui apresentadas, podem apoiar o desenvolvimento da produção agropecuária
e o fortalecimento da igualdade de gênero. No entanto, observou-se: as
atividades de “proteção” social estão diretamente vinculadas às atividades
femininas; há ausência de política de assistência social, habitação, saúde,
previdência e “proteção” social e de espaços como de educação de adultos,
cultura e lazer. Para as assalariadas rurais e dos serviços domésticos há
ausência de qualificação para o trabalho e o emprego.
– O trabalho feminino exige a promoção do debate sobre a igualdade de
gênero. Foi possível observar que o trabalho masculino também apresenta
questões, no entanto, por estar centrado neles o exercício (mesmo que
aparente) do papel de provedor e terem a atribuição de realizarem as atividades
externas como os contatos bancários, com as cooperativas e para
comercialização, leva-os a outros níveis de sociabilidade, aos quais à mulher
não é possível.
REFERÊNCIAS
BRASIL. MCTI; Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico - CNPq, Secretária de Políticas para as Mulheres da Presidência
506
da República - SPM/PR; Ministério de Desenvolvimento Agrário – MDA.
Chamada MCTI/CNPq/SPM-PR/MDA nº 32/2012. Texto impresso.
BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial de Políticas para
as Mulheres. II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Brasília:
SEPM, 2008. Disponível em: < http://spm.gov.br/publicacoesteste/publicacoes/2008/livro-ii-pnpm-co.09.2009.pdf >. Acesso em: 04 jun.
2013.
COLODEL, José Augusto. Cinco séculos de história. In: PERIS, Alfredo
Fonceca (org.). Estratégias de Desenvolvimento Regional: Região Oeste do
Paraná. 2ª. reimpressão. Cascavel: Edunioeste, 2003, Capítulo 1, p. 29-76.
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oeste do Paraná. Cascavel: EDUNIOESTE, 2008.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. IBGE Cidades: Censo
Demográfico 2010. Disponível em: <
http://www.ibge.gov.br/cidadesat/link.php?codmun=412770 >. Acesso em: 23
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MÜLLER, Geraldo. Complexo Agroindustrial e Modernização da
Agricultura. São Paulo: EDUC; Editora Hucitec, 1989 (Estudos Rurais).
NIEDERAUER, Ondy H. Toledo no Paraná: a história de um latifúndio
improdutivo, sua reforma agrária, sua colonização, seu progresso. 2ª. ed.
Toledo/PR: Tolegraf, 2004.
SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Gênero, patriarcado, violência.
São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004. (Coleção Brasil Urgente).
507
SANT’ANA, Raquel Santos. O modelo do desenvolvimento agrário. In:
______. Trabalho bruto no canavial: questão agrária e Serviço Social. São
Paulo: Cortez, 2012, Capítulo 1, p. 19-64.
SILVA, Oscar. Toledo e sua história. Toledo: Prefeitura Municipal,
1988.
A RELEVÂNCIA DO DEBATE ACERCA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DE
GÊNERO POR MEIO DA OPERACIONALIZAÇÃO DE PROJETO DE
INTERVENÇÃO.
Aline Gelinski de Souza Yano206
Este artigo surgiu por meio de experiência de estágio de Serviço Social no
Núcleo Integrado de Apoio Psicossocial das Varas de Família do Tribunal de
Justiça do Estado do Paraná (NIAP/TJPR), ao planejar e operacionalizar
projeto de intervenção atinente a temática da violência doméstica de gênero.
Desta forma, o principal objetivo deste trabalho é descrever de forma breve a
operacionalização desta intervenção, bem como refletir acerca dos resultados
obtidos. Para isto, utilizou-se de levantamento bibliográfico acerca desta
demanda, bem como dados alusivos à sistematização dessa ação. Por fim, nas
considerações do presente estudo, ressalta-se outros desdobramentos que
poderiam culminar em novas pesquisas inerentes a esse assunto, evidenciando
a relevância do debate da violência doméstica de gênero nos campos de
atuação profissional do/a assistente social.
206
Bacharela em Serviço Social pelo Centro Universitário Unibrasil e Licenciada em Geografia pela
Universidade Federal do Paraná.
508
Palavras chave: violência doméstica; gênero; intervenção; assistente social.
INTRODUÇÃO
O presente artigo surgiu por meio da operacionalização e avaliação do
projeto de intervenção intitulado: “Violência doméstica: Publicizar o tema e a rede
de proteção social para mulheres vítimas de violência atendidas pelo Núcleo
Integrado de Apoio Psicossocial (NIAP) – Tribunal de Justiça do Estado do
Paraná”, que foi desenvolvido durante o período de experiência de estágio
supervisionado no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.
Inicialmente, cabe pontuar como essa demanda mostrou-se relevante
para a operacionalização do projeto de intervenção. Assim, durante as
entrevistas neste setor, observou-se a incidência de casos de violência
doméstica como um fator latente em relação a questão central do atendimento.
Muitos/as usuários/as relataram tais episódios de maneira voluntária e
demonstraram constrangimento ao abordá-los. Ainda, outro fator pertinente, é
que muitas vezes, houve o desconhecimento acerca da conceituação deste
fenômeno.
Deste modo, a partir dessa expressão da questão social que se mostrou
relevante nesse lócus de atuação profissional é que se pensou a elaboração do
projeto de intervenção e do presente trabalho. Assim, este estudo baseou-se na
breve descrição desse campo sócio ocupacional e da temática abordada, bem
como na análise do processo de execução e avaliação do projeto de intervenção.
Por fim, o presente artigo salienta que a violência doméstica de gênero
ainda carece de estudo, pesquisa e debate, com o intuito de colaborar para a
efetividade das formas de enfrentamento a essa expressão da questão social.
DESENVOLVIMENTO
O processo de elaboração do projeto de intervenção: Violência doméstica:
Publicizar o tema e a rede de proteção social para mulheres vítimas de violência
509
atendidas pelo Núcleo Integrado de Apoio Psicossocial (NIAP) – Tribunal de
Justiça do Estado do Paraná ocorreu durante o sexto período da graduação de
Serviço Social, do Centro Universitário Unibrasil, no ano de 2014 e a aplicação
do projeto se deu durante a vigência do sétimo período, entre os meses de abril
a junho de 2015. O projeto tinha como objetivo geral informar acerca do conceito
de violência doméstica, bem como publicizar os equipamentos sociais para
mulheres em situação de violência, usuárias do NIAP. Tal objetivo se vislumbrou
uma vez que observou-se, nos casos de violência doméstica de gênero, o
desconhecimento acerca da temática bem como o desconhecimento em relação
a rede de proteção social que atende o território do Foro Central da Comarca da
Região Metropolitana de Curitiba.
Desta forma, o projeto se direcionava para o público entendido como
mulheres vítimas de violência doméstica, bem como usuários/as do NIAP, que
residem na área de abrangência do Foro Central da Comarca da Região
Metropolitana de Curitiba que recorrem ao Poder Judiciário.
Para melhor compreender tal projeto, faz- se necessário conceituar
brevemente este campo de atuação sócio ocupacional. Assim, de acordo com
página online do Tribunal de Justiça, esta instituição tem como objetivo “buscar
o grau ótimo na prestação de serviços judiciários a sociedade” e garantir a ela,
“a prestação jurisdicional acessível, efetiva e célere, de forma transparente e
ética, solucionando conflitos e promovendo a pacificação social”.
Para cumprir com tal intento, o TJ-PR se divide em justiça de primeiro grau
e segundo grau de jurisdição. O primeiro grau refere-se à atuação do Judiciário
diretamente junto à população, por meio de Fóruns atuantes nas diversas
Comarcas do Estado; inseridos nesses fóruns, destacam-se as Varas de Família
que tem como demanda os conflitos familiares.
Desta forma, em novembro de 2012, foi instalado, junto ao Tribunal de
Justiça do Paraná, o Núcleo Integrado de Apoio Psicossocial das Varas de
Família (NIAP), que atende à demanda judicial com equipe multidisciplinar
formada por assistentes sociais e psicólogos/as. Este setor tem competência nos
seguintes processos: separação judicial, alimentos, guarda e responsabilidade,
510
execução de alimentos, exoneração e oferecimento de alimentos, investigação
de paternidade, divórcio, busca e apreensão, regulamentação de visitas, visitas
monitoradas, entre outros.
Assim, o Serviço Social inserido no NIAP, tem por objetivo conhecer e
compreender a realidade das famílias inseridas nos conflitos que se apresentam
por meio dos autos processuais. Isto posto, ressalta-se que o/a assistente social
em seu fazer necessita ultrapassar a barreira do aparente, superar o cotidiano,
para através de aproximações sucessivas, conhecer a realidade social de cada
usuário/a, articulando as competências teóricometodológica, ético-política e
técnico-operativa (IAMAMOTO, 2012) ao Código de Ética Profissional (1993) e
ao Projeto Ético Político da profissão.
Neste contexto, durante a prática de estágio no NIAP, notou-se nas
entrevistas, além da demanda inicial, a questão da violência doméstica. Dentro
deste contexto, torna-se relevante conceituá-la. Minayo (2007) afirma que é
importante compreender a violência como um fenômeno multicausal e com
características marcantes, além de salientar que existem formas de violência que
persistem no tempo e se estendem por quase todas as sociedades, abrangendo
todas as classes e os segmentos sociais. A autora prossegue o texto e afirma
que a violência pode manifestar-se a partir de três níveis: a institucionalizada, a
privada e a oficial. Neste sentido, a violência doméstica, encaixa-se no segundo
nível e é compreendida como “aquela que se refere às agressões sofridas em
casa ou nas relações intrafamiliares” (LUZ, 2009, p. 49).
A partir deste recorte, observou-se que a violência doméstica relatada nas
entrevistas no NIAP, era caraterizada, predominantemente, como violência
doméstica de gênero. Minayo (2007, p. 36) afirma que esta constitui-se em
formas de opressão e de crueldade nas relações entre homens e
mulheres, estruturalmente construídas, reproduzidas na cotidianidade
e geralmente sofridas pelas mulheres. Esse tipo de violência se
apresenta como forma de dominação e existe em qualquer classe
social, entre todas as raças, etnias e faixas etárias. Sua expressão
maior é o machismo naturalizado na socialização que é feita por
homens e mulheres. A violência de gênero que vitima sobretudo as
mulheres é uma questão de saúde pública e uma violação explícita aos
direitos humanos.
511
Desta forma, no campo de estágio do NIAP, por meio da coleta de dados
de entrevistas realizadas por duas (2) assistentes sociais (cinquenta por cento
(50%) dos recursos humanos do setor), no ano de 2014, abrangendo os meses
de janeiro a agosto, observou-se a incidência de violência doméstica em
dezesseis (16) casos dos trezentos e quarenta e dois (342) casos atendidos na
Comarca de Curitiba. Desses dezesseis (16), treze (13) traziam relatos de
violência doméstica de gênero.
Gráfico criado pela autora. 2014.
A partir desta breve apresentação, foram planejadas atividades com o
intuito de viabilizar o projeto de intervenção. Inicialmente foi proposta a ação de
mapear a rede sócio assistencial que atende ao território do Foro Central da
Comarca da Região Metropolitana de Curitiba e, para isso, realizou-se
levantamento dos equipamentos sociais por meio de busca na internet, contato
telefônico e institucional.
Posteriormente, elaborou-se o material informativo, com o propósito de
conceituar a questão da violência doméstica para os/as usuários/as.
Objetivouse, neste item, organizar as informações de maneira clara e didática,
ponderando a característica do perfil dos/as usuários/as do NIAP. Após a coleta
de dados e feitio de folder informativo, disponibilizou-se o material primeiramente
512
para os/as profissionais e estagiárias que atuam no núcleo e, posteriormente,
para os/as demais usuários/as do NIAP.
Assim, o projeto de intervenção tinha como meta a entrega de sessenta
por cento (60%) dos duzentos folhetos impressos (200), cerca de cento e vinte
folders (120), em um período de quatro meses, até junho de 2015. Para a
efetivação desta meta, foram definidos alguns indicadores com o objetivo de
balizar as ações traçadas anteriormente. São eles: número de equipamentos
sociais que atendem esta demanda em Curitiba; conteúdo do material
informativo; número de atendimentos diários do NIAP; número de casos de
violência doméstica de gênero.
Ainda, com o intuito de contribuir com a avaliação do projeto de
intervenção, foram traçados alguns indicadores para o processo avaliativo. São
eles: número de contatos efetivos realizados com os equipamentos sociais;
número de visitas institucionais realizadas; qualidade das informações contidas
no folheto; número de folhetos distribuídos; número de feedbacks dos usuários
(as); número de apresentações orais acerca da temática.
CONSIDERAÇÕES
Ao realizar a avaliação do projeto de intervenção, produziu-se algumas
considerações acerca dele. Pontua-se que o projeto de intervenção atingiu o seu
objetivo proposto, uma vez que disponibilizou no espaço de atuação profissional
do NIAP, cento e cinquenta folders (150). Ainda, salienta-se que tal material foi
disponibilizado também para outras instituições, por meio de solicitação das
estagiárias de tais espaços. São eles: Ministério Público (CAOP da Pessoa com
Deficiência); Tribunal de Justiça (Vara de Execuções Penais) e Hospital do
Trabalhador, demonstrando assim, a relevância da temática, bem como a
necessidade de se fazer mais por ela.
Ainda, o desconhecimento acerca da violência doméstica de gênero por
parte dos/as usuários/as culminou no planejamento do projeto de intervenção
tendo em vista o que Faleiros (2011) preconiza: a garantia do acesso às políticas
básicas, depende de condições mínimas de informação. Neste sentido, pontua513
se que uma das atribuições do/a assistente social é a de orientar os/as
usuários/as para que estes/as obtenham a plena realização de seus direitos. Tal
prática está embasada na lei de regulamentação da profissão (Lei 8.662 de 1993)
e no Código de Ética do/a Assistente Social (1993).
Desta maneira, em uma análise superficial, o projeto de intervenção
poderia demonstrar um caráter bastante “simplista”, uma vez que este apenas
realizou o levantamento dos dados de serviços já existentes. Contudo, frisa-se
que o conhecimento da rede de proteção, das ações desenvolvidas por estes
espaços, torna-se essencial para que o/a Assistente Social qualifique sua ação,
mantenha-se em constante aprimoramento intelectual e, principalmente,
reafirme cotidianamente seu compromisso com o Projeto Ético Político da
Profissão.
Ainda, durante o processo de aplicação do projeto de intervenção, outra
inquietação se manifestou por meio de relatos das usuárias vítimas de violência
doméstica. Qual é a efetividade da rede de atendimento à mulher vítima de
violência doméstica na percepção da vítima?
Dentro deste contexto se verifica a importância da pesquisa, do fazer
interventivo e da sistematização, pois, a partir destes itens, o/a profissional
realizará sucessivas aproximações com o seu lócus de trabalho, bem como com
a realidade de seus/suas usuários/as. Pertinente a esta temática Almeida (2006,
p. 4-5) expõe:
O esforço de sistematização como um componente central do trabalho
do assistente social não significa, portanto, apenas a geração de dados
e informações, mas um processo que envolve a produção, organização
e análise dos mesmos a partir de uma postura crítico-investigativa.
Trata-se, na verdade, de um esforço crítico, de natureza teórica, sobre
a condução da atividade profissional, constituindo-se como um esforço
problematizador sobre suas diferentes dimensões em relação às
expressões cotidianas da realidade social, mediatizadas pelas políticas
sociais, pelos movimentos sociais, pela forma de organização do
trabalho coletivo nas instituições e, sobretudo, pelas disputas
societárias. A sistematização no trabalho do assistente social é antes
de tudo uma estratégia que lhe recobra sua dimensão intelectual, posto
que põe em marcha uma reflexão teórica, ou seja, revitaliza e atualiza
o estatuto teórico da profissão, condição social e institucionalmente
reconhecida para a formação de quadros nesta profissão.
514
Neste sentido ressalta-se, ainda, que o projeto de intervenção poderia
culminar em uma outra pesquisa, com o objetivo de contribuir no processo de
efetivação de direitos das mulheres, por entender a necessidade social do trato
desta questão, com o intuito de colaborar para a efetividade das formas de
enfrentamento da violência doméstica e favorecer a reflexão alusiva ao
empoderamento da mulher em uma sociedade patriarcal, conservadora,
machista e opressora.
Por fim, conclui-se que há muito a ser feito em relação a temática da
violência doméstica de gênero, mas que a aplicação e a avaliação do projeto de
intervenção corroboraram para despertar na idealizadora deste, a possibilidade
de transformar qualquer espaço de atuação, ao pensá-lo de maneira crítica,
ponderando limites e possibilidades e agindo de maneira propositiva.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Ney Luiz Teixeira de. Retomando a temática da “sistematização
da prática” em Serviço Social – Em Pauta – Revista da Faculdade de Serviço
Social da UERJ nº10 – Rio de Janeiro, 1997.
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8.662/93 Ed. rev. e atual. Brasília: Conselho Federal de Serviço Social, 2011.
FALEIROS, Vicente de Paula. Estratégias em Serviço Social. 10ª ed. São
Paulo: Cortez, p.43-63. 2011.
FÁVERO, E. T.; MELÃO, N. J. R.; JORGE, M. R. T. O Serviço Social e a
Psicologia no Judiciário: Construindo saberes, conquistando direitos. São
Paulo, Cortez: 2008.
IAMAMOTO, Marilda Vilela. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho
e formação profissional. - 23. Ed. – São Paulo, Cortez, 2012.
LUZ, Nanci Stancki da; CARVALHO, Marília Gomes de; CASAGRANDE,
Lindamir Salete. Construindo a igualdade na diversidade: gênero e
sexualidade na escola. Curitiba: UTFPR, 2009.
515
MINAYO, MC de S. Conceitos, teorias e tipologias de violência: a violência
faz mal à saúde individual e coletiva. Impactos da violência na saúde, v. 2, p. 2142, 2007.
TJPR. Histórico TJPR. Disponível em:
tjprmuseu>. Acesso em 30 de maio de 2015
<http://www.tjpr.jus.br/historico-
POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL: UM RELATO DE
EXPERIÊNCIA DO PROCESSO SELETIVO NO IFPB CAMPUS CABEDELO

 Evelin Sarmento de Carvalho
Kelly Samara do Nascimento Silva
RESUMO: O presente artigo traz o relato de experiência vivenciado pelo
serviço social na implementação da Politica de Assistência Estudantil no Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba campus Cabedelo. A
PNAES foi criada com objetivo de ampliar as condições de acesso, permanência
e êxito dos estudantes em condições de vulnerabilidade socioeconômica além
de contribuir para redução das taxas de retenção e evasão. No IFPB a politica
de assistência estudantil foi instituída no ano de 2011, o acesso aos benefícios
se dá através da submissão a um processo seletivo no inicio de cada ano letivo,
no qual constam as etapas de: inscrição, entrega de documentação, entrevista
social e analise documental. Assim sendo, neste trabalho podemos obter no
quadro geral o perfil dos estudantes que acessaram a Politica de Assistência
Estudantil no ano de 2015.1 e com isso traçar ações multiprofissionais que
possibilite a efetivação desta politica.
Palavras-chaves: assistência estudantil, acesso, permanência
INTRODUÇÃO
A ofensiva neoliberal trouxe consequências trágicas para as politicas
sociais, no sentido da não garantia do direito, com a criminalização dos
516
movimentos sociais, o aumento do terceiro setor e desresponsabilização do
Estado.
Segundo Netto, para o neoliberalismo o Estado é mínimo quando se
refere a “questão social” e máximo quando se tratar de questões relacionadas
ao capital, capitaneado pela grande burguesia.
A grande burguesia monopolista tem absoluta clareza
da funcionalidade do pensamento neoliberal e, por isto mesmo,
patrocina a sua ofensiva: ela e seus associados compreendem
que a proposta do ‘Estado mínimo’ pode viabilizar o que foi
bloqueado pelo desenvolvimento da democracia política – o
Estado máximo para o capital. (Netto, 2012).
O posicionamento da politica neoliberal frente à Educação pode em
muitas vezes parecer paradoxal, mas ela está inteiramente voltada para
transformar a politica de educação numa mercadoria que favoreça as demandas
econômicas, principalmente o ensino tecnológico.
A Educação no país tem se apresentado como uma tentativa de
diminuição das desigualdades vivenciadas na sociedade brasileira. O
reconhecimento da Educação como direito fundamental aparece efetivamente
na Constituição Brasileira de 1988 que definiu, em seu artigo 205, o seguinte: “A
educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento
da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” Apontado para o princípio de
igualdade de condições e permanência na escola, a LDB reitera a Carta Magna
colocando a Educação como um dos pilares básicos para formação do individuo
e desenvolvimento de sua cidadania, tendo como base a universalização do
atendimento
baseada
nos
princípios
da
democratização
do
acesso,
permanência, gestão e qualidade social.
O acesso à Educação foi ampliado ao longo dos anos, todavia a educação
publica de forma precarizada em detrimento da educação privada com todo
aporte do ideário neoliberal com investimentos que direcionam para a demanda
do mercado.
São muitos os desafios e dilemas da Educação no Brasil, um deles
apresenta-se na necessidade de um maior investimento nesta área, apesar de
517
já observarmos esforços de ampliação da iniciativa pública. Um desses
incentivos se dá na educação profissional e tecnológica que nos últimos anos
vem crescendo o investimento, especificamente do governo federal, atribuindo a
este a responsabilidade de inclusão dos menos favorecidos e discriminados
socialmente na área da Educação.
Com a publicação da Lei 11.879/2008 que cria os Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia (IFET) e institui a Rede de Educação
profissional, Cientifica e Tecnológica, o governo passa a ofertar educação
profissional e tecnológica em todos os níveis, desde a educação básica ate a
educação superior. Os Institutos Federais passam a constituírem-se como
centros de excelência na oferta do ensino, com estimulo à pesquisa e
tecnologias com ênfase ao fortalecimento e consolidação dos arranjos
produtivos locais.
Como princípio em sua proposta político-pedagógica, os
Institutos Federais deverão ofertar educação básica, principalmente em
cursos de ensino médio integrado à educação profissional técnica de
nível médio; ensino técnico em geral; graduações tecnológicas,
licenciatura e bacharelado em áreas em que a ciência e a tecnologia são
componentes determinantes, em particular as engenharias, bem como,
programas de pós-graduação lato e stricto sensu, sem deixar de
assegurar a formação inicial e continuada de trabalhadores.
(PACHECO, 2010, p. 20).
O modelo institucional e a proposta pedagógica dos Institutos Federais
são concebidos, segundo Pacheco, a partir de um viés inovador e que tem suas
bases em um conceito de educação profissional e tecnológica diferenciada, pois
permite uma verticalização da educação básica a superior, e assim a atuação
dos docentes em diferentes níveis de ensino e dos discentes em um espaço que
possa ser utilizado ao longo da formação acadêmica.
Na necessária articulação com outras políticas sociais, os
Institutos Federais devem buscar a constituição de Observatórios de
Políticas Públicas, tornando-as objetos de sua intervenção através das
ações de ensino, pesquisa e extensão articulada com as forças sociais
da região. É neste sentido que os Institutos Federais constituem um
espaço fundamental na construção dos caminhos com vista ao
desenvolvimento local e regional. (PACHECO, 2010, p. 09).
518
DESENVOLVIMENTO
Atualmente na Paraíba o IF possui 12 unidades entre campus e centro
avançado, são eles: João Pessoa, Campina Grande, Sousa, Cajazeiras, Picuí,
Princesa Isabel, Monteiro, Cabedelo, Cabedelo Centro, Guarabira e Catolé do
Rocha.
A localização desta pesquisa deu-se no campus de Cabedelo. O campus
está localizado numa cidade portuária que fica na península entre o Oceano
Atlântico e o Rio Paraíba, sua economia é baseada nas atividades pesqueiras e
portuárias. A cidade possui o segundo maior Índice de Desenvolvimento
Humano do Estado da Paraíba (IDH = 0,748). Enquanto o IDH do Estado está
no nível médio (0,658) o de Cabedelo se situa numa faixa alta, devido às
dimensões de longevidade com índice de 0,822, seguido do índice de renda
0,782 e do índice da educação 0,651.
O campus Cabedelo funciona efetivamente desde setembro de 2009,
situado no Jardim Jericó, oferecendo os Cursos Técnico em Recurso Pesqueiro
(técnico e subsequente) em Meio Ambiente (técnico e subsequente) e ainda o
Curso Superior de Tecnologia em Design Gráfico.
O Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) foi criado com o
objetivo de ampliar as condições de permanência e diplomação dos estudantes
em situação de vulnerabilidade socioeconômica, reduzir as taxas de retenção e
evasão, minimizar os efeitos das desigualdades sociais e regionais, além de
contribuir para a promoção da inclusão social através da educação (Decreto nº
7.234, de 19 de julho de 2010).
A Política de Assistência Estudantil do IFPB foi instituída no ano de 2011,
através da resolução nº 40 de 06 de maio de 2011 do Conselho Superior da
Instituição, e tem como finalidade assegurar a permanência dos estudantes em
condições de vulnerabilidade social.
No ano de 2015, o campus Cabedelo apresenta a quantidade de 602
(seiscentos e dois) alunos e tem realizado ações da Política de Assistência
Estudantil, como: Edital de acesso ao Auxílio Alimentação, Auxílio Moradia,
519
Auxílio Transporte, à Bolsa de Iniciação ao Trabalho e no Programa de
Atualização para o Mundo do Trabalho.
O Processo Seletivo para os Programas da Assistência Estudantil em
2015.1 teve início no dia 16 de março, através do edital 04/2015 da Diretoria de
Desenvolvimento do Ensino com a divulgação ampla e apresentação da Politica
de Assistência Estudantil do IFPB (P.A.E.) em salas de aulas e murais de aviso
da Instituição realizadas pela equipe da Coordenação Pedagógica e de Apoio ao
Estudante (COPAE), no período de 16 a 20 de março. Nas turmas veteranas a
equipe explicou os novos procedimentos para a inscrição dos alunos veteranos
na PAE, no qual os mesmos não precisavam apresentar todas as
documentações exigidas para os novatos, bastando o comprovante de renda
atualizado, o comprovante de matrícula, e se houvesse mudança de endereço,
um novo comprovante de residência. Isso ocorreu no período de 23 a 26 de
março, conforme cronograma do processo seletivo, no setor de protocolo da
Instituição.
Os programas da PAE que foram disponibilizados no referido edital foram:
Auxílio Alimentação, Auxílio Moradia e Auxílio Transporte (Cabedelo, Lucena e
Demais municípios) e a vulnerabilidade social do aluno foi um dos critérios
analisados dentro do processo. Além disso, para cada programa existiu alguns
requisitos para atendimento, a seguir:
1. Programa de Auxílio Moradia Estudantil:
a) possua renda familiar per capita não excedente a 1,5 (um e meio) salários
mínimos nacional, conforme Art. 5º do Decreto nº. 7.234/2010;
b) esteja residindo fora do seu município de origem; e
c) apresente toda a documentação exigida no Edital que disciplina o processo
seletivo do Programa.
2. Programa de Auxílio Alimentação:
520
a) possua renda familiar per capita não excedente a 1,5 (um e meio) salários
mínimos nacional, conforme Art. 5º do Decreto nº. 7.234/2010;
b) Prioritariamente quem necessitar permanecer em atividades acadêmicas em
período integral no campus; e
c) apresente toda a documentação exigida no Edital que disciplina o processo
seletivo do Programa.
3. Programa de Auxílio Transporte Estudantil:
a) possua renda familiar per capita não excedente a 1,5 (um e meio) salários
mínimos nacional, conforme Art. 5º do Decreto nº. 7.234/2010;
b) resida em localidades/bairros/comunidades consideradas distantes do
campus, bem como municípios circunvizinhos;
c) apresente toda a documentação exigida no Edital que disciplina o processo
seletivo do Programa.
O processo ocorreu entre os dias 16 de março e 29 de abril, entre as
etapas de divulgação, inscrição e entrega de documentação, entrevista social,
analise documental, resultado preliminar, recurso e resultado final.
A fase que demandou mais tempo de trabalho ocorreu na análise
documental, pois foram realizadas entrevistas sociais apenas com os alunos
novatos na PAE, ficando na fase da análise dos documentos todos os alunos
inscritos, novatos e veteranos, exigindo assim, um olhar mais cuidadoso e
criterioso. Neste período, contamos com a colaboração da assistente social do
Campus Avançado de Cabedelo, Ionara Amâncio, que nos auxiliou contribuindo
significativamente na agilidade do processo. Contudo, tivemos que adiar a
divulgação do resultado final devido a um número superior de solicitações frente
ao número de auxílios concedidos.
521
Diante da demanda, a equipe da COPAE se preocupou em contemplar o
maior número de alunos possíveis, realizando remanejamento de recurso para
elevar o quantitativo de vagas em alguns Programas, como segue abaixo:

PAE 2015.1 em números
1. Quantidade de auxílios por Programa:
PROGRAMA
VAGAS EM EDITAL
VAGAS
EFETIVADAS
Alimentação
Moradia
Transporte
150, sendo 08 para
pessoa com deficiência
05
Cabedelo/Lucena –
40, sendo 02 para pessoa
com deficiência.
Demais municípios –
70, sendo 03 para pessoa
com deficiência.
148
07
57
65
2. Quantitativo no processo de seleção da PAE em 2015.1:
Inscritos
Novatos
Faltosos na entrevista
Inscrições analisadas
Inscrições indeferidas
Inscrições aptas ao benefício
Inscrições aptas/desistentes*
Inscrições contempladas
Inscrições classificadas**
Alunos com mais de um auxílio
341
161
42
299
07
292
15
277
21
29
* Alunos que estavam aptos ao benefício, porém não compareceram a reunião de orientação após a divulgação
do resultado final e mesmo depois de uma segunda convocação, não compareceram a COPAE para assinar o termo de
compromisso formalizando sua inclusão no Programa da Assistência Estudantil.
** Todos os alunos que estão classificados já recebem algum auxílio da Assistência Estudantil, seja
Alimentação ou Transporte ou Programa de Monitoria Acadêmica. Sendo esta classificação para um segundo benefício.
A equipe da COPAE também contemplou um número de alunos com mais
de um auxilio, pois foi constatado a hipossuficiência econômica dos mesmos
beneficiando-os com dois auxílios, de acordo com o quadro abaixo:
Alimentação + Transporte
18
522
Moradia + Alimentação
Moradia + Transporte
09
02
CONCLUSÃO E APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
Como forma de subsidiar a gestão e ter um panorama geral do publico
que acessou a PAE do Campus de Cabedelo em 2015.1, apresentamos
alguns dados abaixo no que se refere ao curso, sexo e local de moradia:
Os cursos com maior publico na PAE do Campus Cabedelo em 2015.1,
são os alunos dos Cursos Integrados ao Médio de Recursos Pesqueiros e
Meio Ambiente (74% em Auxílio Alimentação e 67% em Auxílio Transporte
Cabedelo) e Superior em Design Gráfico (46% em Auxílio Transporte Demais
Municípios e 100% em Auxílio Moradia), este último dado nos mostra que
todos os alunos que acessaram este benefício são oriundos de um outro
município e ou Estado. Nos Auxílios Alimentação e Transporte Cabedelo,
percebeu-se o acesso, em sua maioria, de estudantes do sexo feminino, 59%
e 60% respectivamente; quanto nos Auxílios Transporte Demais Municípios
e
Moradia,
estudantes
do
sexo
masculino
com
63%
e
57,14%
respectivamente. Observou-se que há uma grande concentração de alunos
residentes no município de Cabedelo, apesar de termos um número
considerável de alunos dos municípios de Lucena e João Pessoa. Destacase ainda, alunos dos municípios de Bayeux, Santa Rita, Pilar e Mari que
fazem o trajeto, em média de 40km todos os dias, ida e volta, de suas
residências a escola.
O levantamento e sistematização desses dados são de fundamental
importância para conhecermos, de modo geral, quem é o público que acessa
a PAE no Campus Cabedelo e a partir daí planejar e executar ações
pedagógicas desenvolvidas por uma equipe multiprofissional, que garantam
523
a assistência necessária a estes alunos, sua permanência na escola e a
efetivação da Política de Assistência Estudantil na Instituição.
REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA
BRASIL, Ministério da Educação Lei 11.897 de 29 de dezembro de 2008.
Acessado
em
16/03/2015
às
10h38min
em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11892.htm
BRASIL, Ministerio da Educação Decreto nº 7.234/2010 de 19 de julho de
2010.
Acessado
em
05/102015
as
15h
em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7234.htm
DEMO, P. Metodologia do Conhecimento Científico. São Paulo: Atlas,
2000.
NETTO. J. Paulo. Crise do capital e consequências societárias. Revista
Serviço Social e Sociedade, n. 111. São Paulo, 2012.
PACHECO, Eliezer. Os Institutos Federais: uma revolução na educação
profissional e tecnológica. Natal: IFRN, 2010.
O MINISTÉRIO PÚBLICO NAS ESCOLAS MUNICIPAIS: UMA
APROXIMAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL
524
Adriéli Volpato Craveiro207
Ana Laura Coelho da Silva Heck208
Juliane da Silva Bahnert209
Resumo: No ano de 2014, a 15ª Promotoria de Justiça de Foz do Iguaçu
e o Serviço Social – 7ª Unidade Regional de Apoio Técnico Especializado deram
continuidade no processo de execução do projeto denominado: “Oficinas lúdicas
de divulgação do Ministério Público em escolas municipais de Foz do Iguaçu”. O
projeto teve como objetivo central possibilitar que crianças de 08 (oito) a 10 (dez)
anos que estavam inseridas na rede municipal de ensino e que se encontravam
em áreas de extrema vulnerabilidade social, o conhecimento em relação ao
papel do Ministério Público, explicitando principalmente as ações da 15ª
Promotoria de Justiça de Foz do Iguaçu, que atua nas áreas de educação,
criança e adolescente, pessoa idosa e pessoa com deficiência. No total o projeto
foi desenvolvido em 07 (sete) escolas, atingindo 202 (duzentas e duas) pessoas.
O desenvolvimento deste projeto vem possibilitando uma aproximação do
Ministério Público com a própria comunidade escolar, impactando de forma
positiva no cotidiano daqueles que estão ligados direta e indiretamente no
processo de execução do referido projeto.
Palavras-chave: Ministério Público. Serviço Social. Educação. Direitos.
207 Assistente Social do Ministério Público do Estado do Paraná. Docente do Curso de
Serviço Social da Faculdade União das Américas. Mestre em Serviço Social e Política Social
pela Universidade Estadual de Londrina. Doutoranda em Sociedade, Cultura e Fronteiras pela
Universidade Estadual do Oeste do Paraná. E-mail: [email protected].
208 Estagiária de Serviço Social do Ministério Público do Estado do Paraná. Acadêmica
do Curso de Serviço Social da Faculdade União das Américas. E-mail: [email protected].
209
Estagiária de Serviço Social do Ministério Público do Estado do Paraná. Acadêmica
do Curso de Serviço Social da Faculdade União das Américas. E-mail:
[email protected].
525
5. INTRODUÇÃO
O Ministério Público a partir de sua promulgação na Constituição Federal
de 1988 expandiu o seu rol de atribuições voltado à ampliação do regime
democrático e a garantia dos direitos: individuais e coletivos. Assim, uma de suas
principais atribuições está na fiscalização das políticas públicas vigentes,
visando que a sociedade tenha acesso integral aos direitos fundamentais
previstos na Carta Magna, entre os quais, o direito ao acesso a política pública
de educação.
Buscando aproximar o Ministério Público da sociedade, com foco na
comunidade escolar, no ano de 2014 foi dado continuidade210 ao projeto
denominado: “Oficinas Lúdicas de divulgação do Ministério Público em escolas
municipais de Foz do Iguaçu”. Tal projeto foi proposto no Plano Setorial de Ação
da 15ª Promotoria de Justiça em parceria com o Serviço Social do Ministério
Público do Estado do Paraná – 7ª Unidade Regional de Apoio Técnico
Especializado (URATE).
Tendo como base o Plano Setorial de Ação, o projeto promovido pela 15ª
Promotoria de Justiça e o Serviço Social do Ministério Público – 7ª URATE tinha
por objetivo possibilitar às crianças de 08 (oito) a 10 (dez) anos que estavam
inseridas na rede municipal de ensino e que se encontravam em áreas de
extrema vulnerabilidade social, o conhecimento em relação ao papel do
Ministério Público. Assim, esse artigo busca trazer o relato da experiência
desenvolvida neste projeto.
Inicialmente abordamos sobre o papel do Ministério Público na defesa dos
direitos e em seguida, apresentamos a proposta do projeto mencionado
anteriormente, após, divulgamos alguns resultados preliminares.
210
O projeto vem sendo desenvolvido com este nome, desde o ano de 2013 pela 15ª
Promotoria de Justiça de Foz do Iguaçu e o Serviço Social do Ministério Público do Estado do
Paraná. Contudo, mesmo com a mudança da equipe profissional vinculada ao Serviço Social no
ano de 2014, devido aos resultados oriundos do projeto, houve o interesse pela sua continuidade.
526
2. O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DOS DIREITOS
O Ministério Público foi inserido no contexto jurídico como forma de defesa
do regime democrático. Para se chegar a atual configuração a instituição passou
por diferentes processos em sua estrutura. Porém, foi a partir de sua inserção
na Constituição Federal da República de 1988, que sua autonomia administrativa
foi conquistada, conforme o que dispõe o artigo 127 da referida Constituição, “o
Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do
Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis” (BRASIL, 1988, p.1).
Diante dessa normativa, e considerando sua atual configuração, o
Ministério Público tem sido considerado por muitos especialistas do Direito,
como um quarto poder, sendo eles o Legislativo, Executivo, Judiciário e o
Ministério Público, pelo fato de possuir sua autonomia funcional e administrativa.
Nesse sentido, Barazal (2013, p.1) aponta que:
Do princípio da independência ou autonomia funcional resulta
que o órgão do Ministério Público é independente no exercício de suas
funções, não se sujeitando às ordens de quem quer que seja, somente
devendo prestar contas de seus atos à Constituição, às leis e à sua
consciência.
Como observamos acima, o Ministério Público possui autonomia própria,
e seu papel intrínseco é o de fiscalizar as normativas legais vigentes. Assim, a
partir desta nova organização, profissões de outras áreas não exclusivas ao
Direito passaram a integrar o quadro funcional do Ministério Público, sendo uma
delas, o Serviço Social.
Nesse processo de inserção, o profissional de Serviço Social passou a
obter visibilidade no Ministério Público, uma vez que, começou a atuar junto as
Promotorias de Justiça, realizando assessoramento aos Promotores de Justiça.
527
A atual configuração institucional do Ministério Público possibilita a
atuação nas mais diversas áreas, por meio das Promotorias Especializadas,
principalmente na defesa e promoção dos direitos sociais.
A fim de assegurar a defesa dos direitos sociais e fundamentais, bem
como, aproximar e divulgar as suas atribuições, as Promotorias de Justiça têm
elaborado Planos Setoriais de Ações que impactam de forma positiva no
cotidiano da sociedade. De acordo com a Resolução nº 0997/2010, os Planos
Setoriais de Ações se caracterizam como um: “documento específico de
determinada unidade administrativa ou setor especializado, constituído de um
conjunto de projetos e atividades funcionais a serem desenvolvidos no prazo de
um ano, contemplando desdobramentos do plano estratégico” (BRASIL, 2010,
p. 1). Nesse sentido, os Planos Setoriais de Ações tem como finalidade a
divulgação das atribuições da instituição do Ministério Público, bem como, a
defesa dos direitos sociais garantidos nas legislações.
3. OFICINAS LÚDICAS DE DIVULGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
EM ESCOLAS MUNICIPAIS DE FOZ DO IGUAÇU
Um dos projetos vinculados ao Plano Setorial de Ação 2014 - da 15ª
Promotoria de Justiça de Foz do Iguaçu - é denominado: “Oficinas Lúdicas de
divulgação do Ministério Público em Escolas Municipais de Foz do Iguaçu” . Tal
projeto teve como referência inicial o projeto denominado: “Oficinas de
Prevenção a violência sexual contra criança” que ocorreu no ano de 2011, a
partir de uma parceria do curso de Pedagogia da Universidade Estadual do
Oeste do Paraná (UNIOESTE), com a 15ª Promotoria de Justiça de Foz do
Iguaçu. Tal projeto serviu enquanto norteador para a elaboração do Plano
Setorial realizado no ano de 2013, que vinculava ações articuladas entre a 15ª
Promotoria de Justiça e o Serviço Social do Ministério Público do Estado do
Paraná, através do projeto denominado: “Oficinas Lúdicas de divulgação do
528
Ministério Público em escolas municipais de Foz do Iguaçu” (MINISTÉRIO
PÚBLICO, 2014).
A partir dessas duas ações mencionadas no parágrafo acima, foi possível
dar continuidade a esse trabalho através do Plano Setorial de Ação de 2014, que
ocorreu em virtude da articulação entre o Serviço Social – 7ª URATE com a 15ª
Promotoria de Justiça de Foz do Iguaçu.
Para a efetivação das oficinas lúdicas de divulgação do Ministério Público
houve todo um processo de planejamento, no qual elaboramos um roteiro das
atividades que seriam realizadas, assim como, o tempo disponibilizado para
cada ação.
A equipe responsável pela execução do projeto foi composta pelos
seguintes integrantes: Assistente Social do Ministério Público do Estado do
Paraná – 7ª URATE, três estagiários de Serviço Social do Ministério Público do
Estado do Paraná – 7ª URATE e um acadêmico do curso de Serviço Social da
Faculdade União das Américas.
Para a realização do projeto fez-se necessário inicialmente, entrarmos em
contato com a equipe da Secretaria Municipal de Educação no mês de setembro
de 2014, para apresentarmos a proposta e assim, solicitar a escolha das sete
Escolas Municipais, localizadas em regiões de maior situação de vulnerabilidade
social. A partir da escolha das Escolas Municipais, foi agendado o melhor dia e
horário para efetuar as atividades em cada Escola, sendo que iniciamos a
execução do projeto na segunda quinzena de outubro e finalizamos no final do
mês de novembro de 2014.
A metodologia para a execução das oficinas era a seguinte: iniciávamos
a oficina com a apresentação de todos os membros do projeto. Após a
apresentação, foi reservado um período para o diálogo, este espaço era
dedicado para esclarecer sobre o objetivo do projeto, além de identificarmos qual
era o entendimento das crianças sobre os direitos e o papel do Ministério Público.
Após, era distribuido o gibi: “Turma da Mônica e o Ministério Público” de autoria
do escritor Maurício de Sousa, no qual era destinado aproximadamente 15
minutos para a leitura. Uma cópia do gibi “Turma da Mônica e o Ministério
Público” foi projetada na parede com o apoio do aparelho de data show, assim,
529
a leitura foi narrada pelos integrantes do projeto. Ao término da leitura foi
realizado um diálogo sobre os elementos presentes na história, seguida da
realização das atividades propostas no passatempo dentro do próprio gibi.
Durante o período destinado a realização das atividades do passatempo, os
alunos contavam com o apoio da equipe do projeto. Posteriormente a esta
atividade, realizamos a correção explicativa do passatempo, seguida da
apresentação do Teatro de Fantoches que tinha como finalidade relembrar os
temas abordados durante a oficina, a fim de fixar e facilitar a compreensão de
todos.
Ao final, era realizada a avaliação da apresentação da oficina, momento
este protagonizado pelas crianças, após este momento encerrávamos nossas
atividades e nos colocávamos a disposição para possíveis dúvidas ou
esclarecimentos. Nesse momento posterior, muitas crianças buscavam contar
aos integrantes do projeto algumas experiências vivenciadas, em relação aos
temas abordados no decorrer das atividades.
Em seguida, a concretização da oficina, estabelecíamos um diálogo com
os diretores e supervisores pedagógicos, objetivando a coleta de possíveis
problemáticas envolvendo o ambiente escolar, para a intervenção do Ministério
Público, e entregávamos uma cartilha impressa denominada: “Município que
respeita a criança: manual de orientações aos gestores municipais", como forma
de possibilitar subsídios teóricos para que os profissionais vinculados ao
ambiente escolar identifiquem situações de violação de direitos envolvendo os
alunos.
4. RESULTADOS OBTIDOS
As oficinas foram realizadas para às crianças que estavam frequentando
o 4° ano letivo do ensino fundamental nas Escolas Municipais do município de
Foz do Iguaçu, sendo tais: Escola Municipal Ponte da Amizade; Escola Municipal
Adele Zanotto; Escola Municipal Acácio Pedroso; Escola Municipal Padre Luigi;
530
Escola Municipal João Adão da Silva; Escola Municipal Duque de Caxias e
Escola Municipal Eloi Loman.
Durante o desenvolvimento das oficinas, foi possível apresentar aos
participantes, os principais direitos das crianças e dos adolescentes, bem como,
explanamos aos alunos sobre o papel do Ministério Público frente a identificação
de possíveis situações de violências ao qual venham sofrer ou até mesmo que
já sofreram.
Foram beneficiados do projeto executado: 7 (sete) escolas municipais,
187 (cento e oitenta e sete) alunos, 10 (dez) professores e 5 (cinco) diretores
e/ou supervisores pedagógicos, sendo o número total de 202 (duzentas e duas)
pessoas beneficiadas diretamente pelo projeto. Contudo, acreditamos que o
público atingido pela realização das oficinas vai além do mencionado, uma vez
que, a proposta do projeto também era de formar agentes multiplicadores do
papel do Ministério Público. Assim, além da execução das oficinas em sala de
aula e da distribuição de materiais de apoio a equipe pedagógica, era solicitado
aos alunos que compartilhassem o novo aprendizado adquirido em sala de aula
com os seus pais, familiares, irmãos, amigos e vizinhos, de modo a contribuir
com a divulgação das ações do Ministério Público.
Durante a realização das oficinas, tivemos a oportunidade de conversar
com professores, supervisores e diretores das escolas participantes, de modo
que através dessa aproximação, entre o Ministério Público e os profissionais da
educação, foi possível observar alguns desafios presentes no cotidiano escolar,
bem como, identificar algumas situações envolvendo a violência contra crianças
vinculadas as unidades de ensino.
A execução desse projeto permitiu que algumas denúncias chegassem
ao conhecimento do Ministério Público, pois, durante a concretização das
oficinas, os alunos passaram a assimilar o conteúdo, e assim, realizaram
diversas denúncias envolvendo situações de negligência dos pais e
responsáveis, inclusive da própria instituição escolar. Além disso, outras
problemáticas foram identificadas, pois alguns alunos buscaram conversar com
a Assistente Social do Ministério Público, após a oficina, a fim de relatar sobre
531
situações de violência e/ ou negligência vividas no cotidiano, situações
envolvendo desde violência sexual até mesmo em relação a violência
institucional.
No final da execução de cada oficina eram elaborados pelo Serviço
Social – 7ª URATE, relatórios sociais para que a 15ª Promotoria de Justiça de
Foz do Iguaçu pudesse intervir em determinadas situações, como por exemplo,
em questões envolvendo o descumprimento da carga horária semanal de aulas
por falta de infra-estrutura e recursos humanos adequados, e até mesmo em
relação a falta de acessibilidade para pessoas com deficiência.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O projeto “Oficinas Lúdicas de divulgação do Ministério Público nas
escolas municipais de Foz do Iguaçu”, proporcionou não somente aos alunos,
como também a equipe do Ministério Público um grande rol de conhecimento.
Acreditamos que a forma como o projeto foi executado, as abordagens sobre as
atribuições do Ministério Público, através do lúdico, fez com que os objetivos do
projeto fossem atingidos. Contudo, é importante ressaltar que a finalidade do
projeto não era de apenas apresentar o papel do Ministério Público, mas
também, criar ações interventivas que visavam impactar positivamente na vida
das crianças inseridas no ambiente escolar, esclarecendo e assegurando o
acesso aos direitos garantidos legalmente.
Por meio das visitas realizadas as escolas, devido a aplicação do
projeto pela equipe do Serviço Social do Ministério Público do Estado do Paraná
– 7ª URATE, observamos muitas questões negativas presentes no cotidiano
escolar, que por diversos motivos, muitas vezes, não chegavam ao
conhecimento da 15ª Promotoria de Justiça de Foz do Iguaçu. Sendo esta
aproximação fundamental para o desenvolvimento de ações que possibilitaram
a intervenção ministerial e com isso, o fortalecimento da política pública de
educação.
532
6. REFERÊNCIAS
BARAZAL, Marcelo. O novo perfil constitucional do Ministério Público
e
suas
investigações.
Disponível
em:
<
http://marcelobarazal2.jusbrasil.com.br/artigos/121943451/o-novo-perfilconstitucional-do-ministerio-publico-e-suas-investigacoes>. Acesso em: 01 de
Dezembro de 2014.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Disponível
em:
<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em:
27 de Outubro de 2014.
MINISTÉRIO PÚBLICO. Plano Setorial de Ação 2014: “Oficinas Lúdicas
de Divulgação do Ministério Público em Escolas Municipais de Foz Do Iguaçu”.
15ª Promotoria de Justiça de Foz do Iguaçu. Foz do Iguaçu, 2014.
___________________. Resolução Nº 4467/2013-PGJ. Disponível em:
<http://www.caex.mppr.mp.br/arquivos/File/Res4467CAEx.pdf>. Acesso em: 20
de Julho de 2015.
___________________. Resolução Nº 0997/2010. Disponível em:
<http://www.mppr.mp.br/arquivos/File/res-0997-10.pdf>. Acesso em: 20 de Julho
de 2015.
533
DESAFIOS DO PROTAGONISMO CIDADÃO NO
CONTEXTO DOS CENTROS DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA
SOCIAL – CRAS DOS CAMPOS GERAIS
SOUZA, Cristiane G211.
BOURGUIGNON, Jussara Ayres212
211
Assistente Social, Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais Aplicadas
da Universidade Estadual de Ponta Grossa-PR – UEPG- Brasil.
212 Professora Drª, orientadora da pesquisa de doutorado. Docente do Departamento de
Serviço Social e do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais Aplicadas da Universidade
Estadual de Ponta Grossa-PR – UEPG-Brasil.
534
Resumo: Esta pesquisa objetiva analisar os desafios de constituição do
protagonismo cidadão nos CRAS situados nos municípios que estão na área de
abrangência
do
Escritório
Regional
da
Secretaria
do
Trabalho
e
Desenvolvimento Social da cidade de Ponta Grossa-PR. Trata-se de pesquisa
de natureza qualitativa, a Política de Assistência Social foi o pano de fundo da
pesquisa e o contexto empírico foram os CRAS situados nos 17 municípios que
integram o Escritório Regional de Ponta Grossa: Arapoti, Carambeí, Castro,
Imbaú, Ipiranga, Ivaí, Jaguariaíva, Ortigueira, Palmeira, Piraí do Sul, Porto
Amazonas, Reserva, São João do Triunfo, Sengés, Telêmaco Borba,Tibagi e
Ventania. Partimos do pressuposto de que o homem é um ser humano mutável
e nesse processo as práticas pedagógicas direcionadas pelo pensamento social
crítico, tem condições de oportunizar um processo de reflexão junto aos usuários
do CRAS com finalidade de contribuir para que os mesmos se percebam como
sujeitos com potencial revolucionário.
6.
7. PALAVRAS-CHAVE: POLÍTICA DE
SOCIAL. PROTAGONISMO. CIDADANIA.
ASSISTÊNCIA
8.
1. INTRODUÇÃO
Esta pesquisa de doutorado tem como foco analisar os limites e
possibilidades das práticas pedagógicas contribuírem junto ao processo do
exercício do protagonismo cidadão nos Centro de Referência da Assistência
Social – CRAS situados nos municípios de pequeno e médio porte que estão na
área de abrangência do Escritório Regional da Secretaria do Trabalho e
Desenvolvimento Social da cidade de Ponta Grossa-PR.
Para tanto foi necessário estabelecer os seguintes objetivos específicos:
descrever o modo de produção capitalista para contextualizar a atual
sociabilidade e seus limites junto ao processo de protagonismo e cidadania.
Abordar sobre o Estado e seu papel no interior das políticas sociais públicas.
535
Contextualizar o SUAS no âmbito da Seguridade Social e a constituição da
Proteção Social Básica no Brasil; caracterizar a organização da Proteção Social
Básica nos municípios de pequeno e médio porte localizados na região de
abrangência
do
Escritório
Regional
da
Secretaria
do
Trabalho
e
Desenvolvimento Social da cidade de Ponta Grossa-PR; caracterizar a
constituição das equipes interdisciplinares dos CRAS localizados na região de
abrangência
do
Escritório
Regional
da
Secretaria
do
Trabalho
e
Desenvolvimento Social da cidade de Ponta Grossa-PR; verificar os desafios e
limites das práticas profissionais desenvolvidas pelas equipes interdisciplinares
dos CRAS localizados no contexto da pesquisa e compreender como se efetiva
o processo de potencializar o exercício do protagonismo cidadão a partir das
práticas profissionais exercidas pelas equipes interdisciplinares dos CRAS
localizados no contexto da pesquisa.
Importa destacar que quanto à abordagem esta pesquisa é de natureza
qualitativa, pois a mesma não trabalhou a partir de dados numéricos, todavia
preocupou-se em compreender aspectos da realidade que não podem ser
mensurados.
Os dados quantitativos foram utilizados como apoio para qualificar nossa
pesquisa, logo usamos os dados quantitativos disponibilizados pelo IBGE,
IPARDES e dados estatísticos de fonte primária do próprio município.
A Política de Assistência Social foi o pano de fundo de nossa pesquisa e
o contexto empírico da mesma foram os CRAS situados nos dezessete (17)
municípios que integram o Escritório Regional de Ponta Grossa213, os quais são:
Arapoti, Carambeí, Castro, Imbaú, Ipiranga, Ivaí, Jaguariaíva, Ortigueira,
213A
cidade de Ponta Grossa sedia o Escritório Regional e pertence à sua área de
abrangência, no entanto, o mesmo não participou de nossa pesquisa tendo em vista que Ponta
Grossa é município de grande porte isso gera dificuldade de análises e até mesmo de
comparação em relação aos outros municípios que participarão da pesquisa, que em sua grande
maioria são de pequeno porte.
536
Palmeira, Piraí do Sul, Porto Amazonas, Reserva, São João do Triunfo, Sengés,
Telêmaco Borba ,Tibagi e Ventania.
Os 17 municípios dispõem de 24 CRAS, de acordo com os princípios e
diretrizes do Sistema Único de Assistência Social – SUAS, a equipe de referência
profissional atuante no CRAS é composta por uma equipe interdisciplinar:
Assistente Social, Psicólogo e preferencialmente Pedagogo. Nesse sentido, o
número total de sujeitos aptos a participar de nossa pesquisa eram 56214
profissionais.
Com a finalidade de alcançar os objetivos propostos nes estabelecemos
alguns momentos que nortearam o processo de investigação: Pesquisa
bibliográfica; Pesquisa documental; Pesquisa de campo: Análise dos dados215.
2. Desenvolvimento
Neste trabalho desenvolvemos uma linha de raciocínio que buscou
considerar alguns aspectos: trabalho no sentido ontológico, o processo de
alienação e subalternidade do ser humano no modo de produção capitalista e a
importância da ideologia nesse contexto.
Optamos por trilhar esse caminho na tentativa de, ao resgatar o debate
em torno destas categorias, as mesmas nos auxiliassem junto à discussão em
torno do nosso objeto de pesquisa: potencial das práticas pedagógicas contribuir
junto ao processo do protagonismo cidadão dos usuários dos CRAS.
O trabalho no sentido ontológico revela o potencial criador e
transformador do homem, revela que o homem passa a se humanizar e ser um
ser social através do trabalho, do intercâmbio realizado com a natureza e nesse
sentido, ao realizar o intercâmbio com a natureza o homem transforma a si
mesmo e ao seu entorno gerando um novo momento histórico. Dessa forma,
podemos afirmar que na perspectiva defendida o homem é o ser revolucionário,
produtor da história.
214
No total 40 profissionais participaram da pesquisa respondendo ao questionário.
É oportuno destacar que a análise desta pesquisa está em processo, dessa forma o resultado
apresentado é parcial.
2
537
Lukács (2013) assevera a urgência de se recuperar a ideia de que a
revolução é possível, tendo em vista que toda a história da humanidade é feita
pelos homens. O que determina a história é o que os homens fazem na vida
cotidiana, os atos concretos dos mesmos. Portanto, é necessário resgatar o
gênero humano no sentido de que ele se perceba como sujeito revolucionário,
recuperar a responsabilidade dos homens pela história a partir da ontologia, não
ser dominado pela alienação e construir relações sociais autênticas.
A pesquisa em questão é composta por 04 capítulos: num primeiro
momento tratamos do processo de alienação e subalternidade do ser, portanto
foi necessário recuperar a discussão proposta por Marx (2013) e Lukács (2013)
sobre a centralidade ontológica da categoria trabalho, pois estes autores
recuperam o debate em torno do trabalho em um sentido genérico, não o
trabalho em sua relação direta com o trabalho na sociedade capitalista, mas sim
aquele trabalho no sentido ontológico. Pois estamos nos referindo ao trabalho
que produz objetos que são úteis, ou seja, que produz valores de uso. “As novas
funções que o trabalho adquire no curso da criação de uma produção social em
sentido estrito (os problemas do valor de troca) ainda não estão presentes na
nossa representação [...]” (LUKÁCS, 2013, p. 83).
Por sua vez, no segundo capítulo abordamos sobre a relação que se
estabelece entre capital e trabalho assalariado, relação em que emerge uma
série de situações que reclamam a intervenção do Estado. Desta forma, tal
intervenção, em alguns momentos até pode dar a impressão de haver elementos
conciliáveis entre capital e trabalho e o papel que o Estado desempenha nessa
relação e que ora, nos levam a perceber que se trata de elementos inconciliáveis.
Nesse sentido, foi imprescindível recuperar a discussão em torno da
função que o Estado exerce na relação capital e trabalho, pois compreender a
função social desempenhada pelo mesmo no capitalismo é fundamental para
que possamos perceber o limite da incorporação das demandas da classe
trabalhadora pelo poder estatal e desta forma, poderemos compreender os
motivos pelos quais o atendimento das necessidades dos cidadãos é
inconciliável com a lógica do sistema capitalista (MELO, 2012).
538
Já o terceiro capítulo é onde apresentamos a trajetória da Assistência
Social no Brasil, isso se faz importante tendo em vista que a história da
assistência social revela uma ambiguidade: sua gênese é marcada pela ideia da
caridade e filantropia, ações que desde a antiguidade se fazem presentes na
sociedade, tais características persistem em se fazer presentes nas ações da
assistência, mesmo que esta área seja reconhecida como direito social.
Portanto, é necessário referenciar tal história, pois “[...] é importante considerar
que mesmo com os avanços recentes, sempre na direção da ruptura desses
traços [...], essa unidade de contrários parece sempre rondar as intenções
republicanas de torná-la pública e reconhecê-la como política” (PAULA, 2013,
p.89).
Contextualizamos o SUAS no âmbito da Seguridade Social e a
constituição da Proteção Social Básica no Brasil, bem como situamos a Gestão
do SUAS em âmbito nacional e igualmente no Estado do Paraná.
No capítulo quatro caracterizamos a organização da Proteção Social
Básica nos municípios de pequeno e médio porte localizados na região de
abrangência
do
Escritório
Regional
da
Secretaria
do
Trabalho
e
Desenvolvimento Social da cidade de Ponta Grossa-PR.
Para
tanto
procedemos,
num
primeiro
momento,
com
uma
caracterização dos municípios da região através da apresentação de alguns
dados como a população da região, sua faixa etária, analfabetismo, famílias em
condição de pobreza, etc.
Na
sequência
apresentamos
a
constituição
das
equipes
interdisciplinares dos CRAS localizados nos municípios da região, destacamos
que para caracterizar as equipes utilizamos informações obtidas mediante o
questionário preenchido para levantamentos de dados juntos aos profissionais.
Nossa intenção com a aplicação do questionário foi proceder com uma
caracterização dos sujeitos de nossa pesquisa e ainda observar, a partir do
relato dos mesmos, as dificuldades, os limites e os desafios que os profissionais
percebem no desenvolvimento do trabalho junto com a equipe em relação ao
539
propósito do exercício do protagonismo cidadão das famílias atendidas no
CRAS.
Quanto ao perfil dos profissionais, os mesmos são em sua grande
maioria do gênero feminino, 37 mulheres e 03 do gênero masculino.
Os profissionais são de perfil jovem, haja vista que a idade dos mesmos
se concentra entre 26 a 35 anos, que se inseriram recentemente no mercado de
trabalho devido a expansão da política de assistência social, principalmente
expansão do CRAS.
A formação profissional que predomina dentre os 40 profissionais é a de
Serviço Social, sendo 27 Assistentes Sociais, 10 Psicólogas (os) e 03
Pedagogas. O fato de o Serviço Social se fazer mais presente no interior dos
CRAS está relacionado com sua história muito próxima com a Assistência Social,
em alguns momentos houve até mesmo uma confusão entre Serviço Social e
Assistência Social como se fossem sinônimos.
Pouco mais da metade dos profissionais (23) que responderam ao
questionário são funcionários efetivos, os demais profissionais trabalham sob o
regime de contrato, a NOB/RH-SUAS (2011) expõe que toda a equipe de
referência do CRAS deve ser composta por servidores públicos efetivos.
O questionário preenchido pelos profissionais continha questões
abertas, no intuito de proceder com a análise das respostas obtidas trabalhamos
com a concepção de categorias: 1) vulnerabilidade e risco social; 2)
conhecimentos importantes para o trabalho profissional; 3) processo de trabalho
junto às famílias e 4) protagonismo cidadão.
Os profissionais destacam que as demandas que os mesmos atendem
são demandas de famílias em situação de vulnerabilidades sociais, assim sendo,
é importante delimitar o que é estar em risco ou vulnerabilidade social.
Falar em riscos e vulnerabilidades sociais pode ter diversos significados,
no entanto, há um desafio, no âmbito da política de assistência social em
classificar quando uma pessoa se encontra em uma situação de risco ou
vulnerabilidade social.
Sposati (2009, p. 28) afirma que:
540
A constituição da assistência social como política que busca
construir seguranças sociais, o que é próprio do ambiente da
seguridade social, traz um necessário debate sobre as desproteções e
suas causas, bem como a discussão sobre riscos e vulnerabilidades
sociais. A proximidade desses dois conceitos tem gerado múltiplos
debates e concepções entre os que militam e analisam a política de
assistência social.
A autora em questão afirma a necessidade de falar sobre desproteções
e suas causas. Estar desprotegido em uma sociedade capitalista, que gira em
torno do mercado, traz algumas consequências para o cidadão, desta forma, é
necessário instituir ações, estratégias que possam proteger os mesmos, contra
as contingências advindas dessa sociedade.
Quanto à categoria conhecimentos profissionais importantes para o
trabalho profissional, os sujeitos de nossa pesquisa relataram que é fundamental
ter conhecimento a respeito do cotidiano do SUAS, do seu funcionamento, sua
organização e estrutura. Porém, destacamos que existe um conhecimento que
se torna fundamental para o exercício profissional no interior da Política de
Assistência Social que é a história, sem o conhecimento deste contexto a ação
profissional ficará limitada a meros repasses de informações, atendimentos
emergenciais e cumprimento de agendas, em detrimento da garantia dos direitos
socioassistenciais.
Sobre a organização das atividades junto às famílias, ou seja, como a
equipe profissional desenvolve seu processo de trabalho junto às famílias, os
profissionais destacaram que o processo de trabalho passa pela articulação da
equipe interdisciplinar, ou seja, as ações devem ser planejadas em conjunto
considerando os diversos pontos de vista de cada profissional da equipe de
referência.
O processo de trabalho no contexto do CRAS está pautado em uma série
de normas programáticas, guias, orientações etc, que têm como foco subsidiar
os profissionais na organização das ações junto às famílias. No entanto
541
ressaltamos que ainda que tais normas sejam fundamentais para o exercício
profissional, as mesmas, por si só são insuficientes se partimos do pressuposto
da teleologia, isto é da intencionalidade dos profissionais.
Dessa forma, é importante que os mesmos estejam munidos de um
processo reflexivo, que lhes permita perceber a realidade como possibilidade de
intervenção criadora, e não apenas visualizar os entraves.
Sobre o protagonismo, cabe sublinhar que o texto da PNAS de 2004
expõe que na qualidade de política pública a assistência social passa a ter a “[...]
possibilidade de reconhecimento público da legitimidade das demandas de seus
usuários e espaço de ampliação de seu protagonismo” (BRASIL, 2005, p.31).
Interessante destacar que quando indagamos aos profissionais a
respeito das ações que os mesmos desenvolvem junto às famílias do CRAS com
foco de oportunizar o desenvolvimento do protagonismo cidadão, os mesmos
relacionam o protagonismo cidadão com a questão da profissionalização e a
renda. Consideramos que isso vai ao encontro da afirmação de Duarte (2010)
quando o autor expõe que antes de qualquer coisa o ser humano precisa
assegurar sua existência, e isso ocorre uma vez que o mesmo, mediante
trabalho assalariado vende sua força de trabalho. Feito isso, o ser humano tem
condições de ter a garantia de renda, um dos objetivos da proteção social inscrita
na política de assistência social é a segurança de renda, pois sem renda, não há
sobrevivência, sem sobrevivência não há vida, sem vida, não há o
desenvolvimento do ser humano.
O problema reside no fato de que a fonte de humanização do homem é
o trabalho e se este ato passa a ser vendido com objetivo de garantia da
sobrevivência, então este sujeito se vê alienado, pois a existência do ser passa
a ter mais importância do que a essência.
3. Conclusão
O ser humano foi se transformando e juntamente o seu entorno sofreu
modificações, foram os atos humanos que oportunizaram tal mudança, logo
partimos do pressuposto de que o homem é um ser humano mutável e nesse
542
processo de mudança defendemos a ideia de que as práticas pedagógicas
direcionadas pelo pensamento social crítico, tem condições de oportunizar um
processo de reflexão junto aos usuários do CRAS com finalidade de contribuir
para
que
os
mesmos
se
percebam
como
sujeitos
com
potencial
transformador/revolucionário. No entanto, é necessário destacar que nesse
processo a práxis tem que estar presente, ou seja, um processo que envolve não
apenas a reflexão por si só, mas é importante promover ações que envolva esse
usuário onde ele tenha a oportunidade de colocar o seu potencial transformador
em movimento. A julgar que a história é resultados dos atos humanos, portanto
a ação é fundamental para o ser humano se descobrir como sujeito
revolucionário.
9. REFERÊNCIAS
BRASIL. POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL/Norma
Operacional Básica – NOB/SUAS. Brasília: Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome/Secretaria Nacional de Assistência Social, 2005.
LUKÁCS, G. Para uma ontologia do ser social II. São Paulo: Ed.
Boitempo. 2013.
MARX, K. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Ed.
Boitempo. 2013. Livro I.
MELO, Edivânia. Os limites objetivos da política parlamentar no sistema
do capital. In: Marx, Mészáros e o Estado. PANIAGO, Maria Cristina Soares
(org.). 2012.
TONET, Ivo. Educação, cidadania e emancipação humana. Ed. Unijuí.
Ijuí. 2005a.
543
__________. Educar para a cidadania ou para a liberdade?.Perspectiva,
Florianópolis, v. 23, n. 2, p. 469-484, jan. 2005b. ISSN 2175-795X. Disponível
em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/view/9809>. Acesso
em 04 abril de 2015.
ASPECTOS ACERCA DO DESENVOLVIMENTO SÓCIO HISTÓRICO
DOS FUNDAMENTOS DO SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO E AS TESES
ANALISADAS POR IAMAMOTO
Patrícia Vicente Dutra216
RESUMO
O presente escrito se debruça de forma simples e breve sobre a discussão
teórica acerca da gênese do Serviço Social no Brasil. Apresenta a concepção de
Serviço Social adotada e apresenta a análise da pioneira Iamamoto sobre as
teses produzidas de 1970 a 2000 sobre as condições sócio históricas que
permitiram o nascimento e desenvolvimento do Serviço Social brasileiro.
Palavras-chave: Serviço Social; Fundamentos; Gênese.
INTRODUÇÃO
216
Assistente social da Defensoria Pública do Estado do Paraná, estudante do Programa
de Mestrado em Serviço Social, Políticas Públicas e Direitos humanos da Universidade Estadual
do Oeste do Paraná.
544
O presente texto tem como objetivo, versar brevemente, a aspectos
relacionados com o panorama histórico em que emerge o Serviço Social no
Brasil, sob a perspectiva crítica de análise e a acerca da produção teórica sobre
os fundamentos do Serviço Social à luz das teses analisadas por Iamamoto. Os
autores de referências são Iamaoto e Netto, não sendo desprezadas outras
referências sobre o tema que serviram de embasamento teórico no decorrer do
desenvolvimento deste trabalho.
EMERGÊNCIA DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL E AS DIFERENTES
TESES SOBRE SEU SURGIMENTO
Segundo José Paulo Netto (2001) é unânime entre as biografias que se
dedicam à gênese do Serviço Social – tanto por parte das de inspiração na
tradição crítica, quanto pelas de outras inspirações – que este evento não pode
ser compreendido sem a vinculação com o que se convencionou denominar de
questão social.
Dentre as ideias que permeiam a gênese desta profissão duas correntes
de pensamento são recorrentes. A que diz respeito à noção "endógena", está
associado com o pensamento de que o que hoje compreendemos por Serviço
Social consiste em uma evolução de práticas de caridade e filantropia.
É sabida a forte presença da Igreja Católica na gênese do Serviço Social,
tanto com seu ideário quanto com suas instituições, como é o caso da fundação
da primeira escola de Serviço Social no Brasil em 1936, fundada com o apoio do
Centro de Estudos e Ação Católica após a execução de diversos cursos para
preparar aquelas pessoas que tinham "vocação" para ajudar os pobres, de modo
que apenas a vocação e a boa vontade não bastavam, o momento requeria
qualificação.
Desde o surgimento das primeiras escolas manifestou-se a preocupação
com o método para a realização das ações, bem como com as teorias a serem
introduzidas no curso. Nos primórdios da profissão esse aparato foi respondido
pela Doutrina Social da Igreja Católica, de forma que a visão de homem e mundo
545
disseminada por esta influenciou de maneira muito importante as concepções e
ações dos primeiros assistentes sociais.
A Igreja Católica justificava suas ideias e ações com base na filosofia de
Santo Tomás de Aquino, cujos postulados marcaram o exercício e discurso da
gênese desta categoria profissional. A filosofia de Santo Tomás de Aquino se fez
presente de maneira notável no Serviço Social até aproximadamente a década
de 1960, período histórico que no Brasil foram lançadas as bases para a
possibilidade de novas concepções sociológicas adentrarem e influenciarem o
interior da categoria (SILVA, 2003).
A outra corrente de pensamento, da qual partilhamos, parte de um
pressuposto teórico-crítico para realizar esta análise. Esta segunda perspectiva
não desconsidera a presença de ações de cunho caritativo influenciadas pela
Igreja Católica no Brasil, no entanto, coloca o desenvolvimento do Serviço Social
como profissão no patamar do movimento dialético em que a profissão é
entendida em um cenário histórico, político e social que possibilita as bases para
o surgimento e desenvolvimento desta categoria. Cenário que vinha
apresentando as características típicas do modelo de produção capitalista,
especificamente a de organização monopólica.
Do mesmo modo, entre os anos de 1960 a 1980, foram as condições
sociais, econômicas e históricas que possibilitaram o processo conhecido como
renovação do Serviço Social, um momento de réplica por parte dos assistentes
sociais na relação desta profissão com a sociedade. Este processo é comumente
identificado como "teorização".
Acerca deste momento histórico Netto (2011) elucida que o centro de
interesses acerca das questões vivenciadas pelo Brasil nos anos de 1961 a 1964
tem a ver com uma conjuntura perigosa da maneira de dominar o país por parte
da burguesia, que fora produzida por uma oposição entre aquilo que a
industrialização crescente demandava e o que as classes sociais reclamavam.
Tal conjuntura histórica, econômica e social exigia um profissional capaz
de dar conta das peculiaridades da ordem econômica que se colocava no país.
A pretensão era a de que as ações de profissional contribuíssem para o êxito da
546
burguesia de tipo industrial que vinha crescendo e precisava dar respostas, além
da repressão, às exigências da classe trabalhadora, considerando a emergência
de consequências trazidas pelo modelo econômico.
Sobre o processo de teorização do Serviço Social, inspirada pela
perspectiva histórico-crítica a autora Marilda Villela Iamamoto (2014) fez uma
importante análise, com o intuito de dar vasão às obras elaboradas de 1980 a
2000 sobre os fundamentos do Serviço Social apresentando os diferentes pontos
de partidas acerca dos quais os autores expõem suas teses sobre o surgimento
e desenvolvimento do Serviço Socila no Brasil.
A autora elegeu sete teses escritas por diferentes autores sobre os
fundamentos do Serviço Social e o exercício deste no Brasil. Sob sua análise
estiveram as seguintes teses: 1) A tese do sincretismo e da prática
indiferenciada, de José Paulo Netto (1991, 1992, 1996); 2) A tese da identidade
alienada, de Maria Lúcia Martinelli (1989); 3) A tese da correlação de forças, de
Vicente de Paula Faleiros (1972); 4) A tese da assistência social, de Maria
Carmelita Yazbeck (1993); 5) A tese da proteção social, de Sueli Gomes Costa
(1995); 6) A tese da função pedagógica do assistente social, de Marina Abreu
(2002). A autora faz ainda um balanço da sua própria tese "Relações sociais e
Serviço Social no Brasil".
Dentre as teorias analisadas pela autora se sobressai a de José Paulo
Netto, publicizada em seus livros "Capitalismo Monopolista e Serviço Social" e
"Ditadura e Serviço Social", em que o autor apresenta argumentos sobre os
aspectos que possibilitaram a emergência do Serviço Social no Brasil, como uma
profissão posta no marco do desenvolvimento do capitalismo de monopólios no
país; bem como apresenta quais aspectos possibilitaram o conhecido processo
de renovação do Serviço Social, que aconteceu sob influência do período
ditatorial e posterior. Aqui o autor aponta para a existência de três vertentes
constitutivas deste processo, classificadas de modernização conservadora,
reatualização do conservadorismo e intenção de ruptura.
José Paulo Netto (2001) a profissionalização do Serviço Social não é
resultado da organização e/ou racionalização da ajuda, da caridade e da
547
filantropia. O processo de profissionalização do Serviço Social está intimamente
ligado ao movimento do capitalismo de monopólios, em que se organiza o
caráter das circunstancias históricas e sociais para o desenvolvimento do
Serviço Social e sua inserção na divisão social e técnica do trabalho.
É de Iamamoto, - juntamente com Raul de Carvalho - em "Relações
sociais e serviço social no Brasil: esboço de uma interpretação históricometodológica (2008)", sobretudo, o mérito de localizar o Serviço Social enquanto
uma profissão, isso significa estar inserido na divisão social e técnica do trabalho
como uma especialização do trabalho coletivo, atuando entre diferentes espaços
sócio ocupacionais com destaque na execução das estratégias governamentais
para dar respostas às diversas expressões da "questão social", ou seja, atuando
na execução das políticas sociais.
A autora se faz pioneira ao realocar o conjunto dos caracteres sobre a
natureza do Serviço Social e elucidar que os profissionais desta categoria atuam
em instituições públicas e privadas estando assim, no patamar de trabalhadores
assalariados, ou seja, dentro da lógica da compra e venda da força de trabalho.
Esta compreensão vinculou os assistentes sociais com a classe trabalhadora,
enquanto iguais, de modo a fazer a escolha por esta classe, lutar por ela e
expressar isso no posterior projeto ético político e na materialização de um perfil
profissional
distinto
daquele
da
gênese,
fortemente
marcado
pelo
conservadorismo que a categoria ao longo de seu processo de desenvolvimento
travou luta para superar e romper.
Em seu esforço de analisar as teses sobre os fundamentos do Serviço
Social, Iamaoto (2014) aponta que é de Martinelli (1989) o mérito de despontar
sobre o tema da identidade e alienação ao propor o entendimento do significado
do Serviço Social enquanto profissão posta na sociedade capitalista,
participando ativamente do processo de produção e reprodução das relações
sociais.
Em sua tese Martinelli (1989) traça o caminho de tornar racional a política
de assistência social, relacionando com o que denomina de "ilusão do servir".
Com isto, Martinelli busca compor o rol de encontros e desencontros na
548
construção da identidade profissional e consciência social dos assistentes
sociais. Segundo a própria autora, busca fazer isso inspirada pela tradição
marxista, enfatizando que o Serviço Social.
É uma profissão que já surge no cenário histórico com uma
identidade atribuída pelo capitalismo. Ao invés de ser produzida
historicamente, decorreu do projeto hegemônico da classe dominante,
que roubou dos agentes a possibilidade de construir formas peculiares
de prática (MARTINELLI, 1989, p.141; grifos do autor).
Ao analisar a obra de Martinelli, Iamamoto percebe que apesar da
intenção da autora em se basear na tradição marxista, a mesma apresenta fortes
influências hegelianas, que teriam tido mais destaque, de modo que não poderia
ser encarada como uma tese de estrutura teórica e metodológica baseada
essencialmente na perspectiva marxista.
É de Faleiros (1972) a tese reconhecida como de "correlação de forças",
dando ao autor o reconhecimento de um dos mais importantes expoentes do
movimento de reconceituação do Serviço Social latino americano (IAMAMOTO,
2014), de forma que para tanto se apropriou de vasta literatura internacional
sobre o tema.
Assim, Faleiros apresenta como tema central de sua tese a questão da
relação do Serviço Social com a política, para tanto utiliza do pensamento de
Gramsci sobre a ideia de "hegemonia" e "intelectual orgânico". Daí que para o
autor o assistente social é encarado como um "intelectual orgânico", tendo a
possibilidade de contribuir com uma nova hegemonia, que culminaria na
construção do novo "bloco histórico" (FALEIROS, 1972).
Com isso o autor inaugura um caminho para que a ação dos assistentes
sociais, enquanto trabalho, possa ser analisada dentro de uma perspectiva
política. Faleiros concebe a intervenção profissional, no paradigma da correlação
de forças, como confrontação de interesses, recursos, energias e conhecimento
inscritos no processo de hegemonia, dominação e resistência.
Na tese da assistência social, de autoria de Maria Carmelita Yazbek
(1993), com a obra intitulada "Classes subalternas e assistência social", a autora
realiza o trabalho de estudar aspectos do que chama de "pobreza brasileira" e a
forma de enfrentamento através das políticas públicas, enfatizando o papel do
549
Estado a analisando o impacto destas políticas para com a população atendida
por elas (IAMAMOTO, 2014).
O grande destaque desta obra é o espaço que dedicou para ouvir os
usuários das diversas políticas sociais; a autora realizou entrevistas com
pessoas em diferentes situações de vulnerabilidade que de alguma maneira
dependem das ações de pelo menos uma política. Antes, Yazbek faz uma
análise da política de assistência social no Brasil. Com isso afirma que as ações
realizadas pelos assistentes sociais consistem em "mediação" entre o Estado e
os "homens simples", de forma a atuar na concretização da função reguladora
que cumpre o Estado.
Deste modo, segundo Iamamoto (2014), a tese de Yazbek apresenta
como ponto principal a profissão posta principalmente na esfera da política social
e sua relação com o Serviço social. Yazbek utiliza os termos "de baixo" e
"homens simples" para se referir aos sujeitos de sua pesquisa, influenciada pela
categoria de subalterno resgata a história de vida desses sujeitos e sua trajetória
de vida na relação com as políticas sociais.
Já a tese da "proteção social" de Suely Gomes Costa (1995) merece
destaque por ter se colocado no debate a nível nacional sobre o tema da
formação profissional (IAMAMOTO, 2014). Para o pensamento desta autora os
assistentes sociais se debruçam sob a "proteção social" desde sempre, de forma
que este elemento seria demarcador na esfera profissional. Costa se destaca
por apresentar a ânsia no avanço das teorias "economicistas", de
fundamentação na teoria crítica marxista.
Costa aponta que a tese "economicista" não é suficiente para explicar
todas as questões relacionadas às expressões da questão social, afirma ainda
a necessidade de se tomar conhecimento de teorias e estudos mais atualizados
– sob o seu ponto de vista – evitando o pesado legado à tradição marxista
presente nos debates da categoria desde os anos de 1960. Iamamoto (2014)
tece uma crítica a este pensamento de Suely Costa ao afirmar a necessidade de
se apropriar com clareza da verdadeira obra de Marx, sob o risco de se formar
ideias a partir de "caricaturas".
550
Finalmente, também sob influência Gramsciniana a autora Marina Maciel
Abreu realiza seu trabalho acerca do gênese do Serviço Social trazendo o
debate sobre a função pedagógica do Assistente Social, através da mediação
das políticas públicas. Para Abreu (2002, p. 17) a função pedagógica do
Assistente Social seria
[...] determinada pelo vínculo que a profissão estabelece com
as classes sociais e se materializa, fundamentalmente, por meio dos
efeitos da ação profissional na maneira de pensar e agir dos sujeitos
envolvidos no processo de prática. Tal função é mediatizada pelas
relações entre o Estado e sociedade civil no enfrentamento da questão
social, integrada às estratégias da racionalização da produção das
relações sociais e no controle social.
Abreu (2002) sustenta a ideia de que uma relação pedagógica vai muito
além das características escolares de ensino, para a autora – inspirada em
Gramsci (1978) – toda relação de hegemonia carrega necessariamente a noção
pedagógica. No entanto, para Iamamoto (2014) o entendimento que Abreu
apresenta durante toda sua tese sobre Gramsci não é a mais consensual.
Segundo Abreu o embate presente no Serviço Social acontece por conta das
contradições no caminho do desenvolvimento do mesmo, em que em alguma
medida nega as bases conservadoras, e em outra medida resiste à alterações
para a reatualização e reafirmação do projeto conservador.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apresentamos o percurso histórico dos fundamentos da gênese do
Serviço Social no Brasil sob uma perspectiva crítica baseada principalmente na
leitura da pioneira Marilda Villela Iamoto sobre o assunto. Com isso podemos
observar quão rico é o arcabouço das teorias que se dedicam a explanar,
pesquisar e analisar os processos históricos e sociais em que emergiu o Serviço
Social bem como os caminhos de seu desenvolvimento, atestando a
preocupação destes teóricos de destaque com o tema.
Nas palavras de Iamaoto, que se dedicou a eleger e analisar sete teses
sobre os fundamentos do Serviço Social, encontramos uma gama diversa de
551
pontos de vistas teóricos que formam uma rede fértil de uma herança acadêmica
que ainda é muito recente, mas em igual medida expressiva.
No entanto a autora destaca a necessidade de nos dedicarmos a
apropriação do arcabouço teórico acerca do desenvolvimento da profissão, bem
como que nos aproximemos verdadeiramente da teoria crítica, que tão recente
vem sendo incorporada no Serviço Social em um movimento cuja a referida
autora é protagonista.
Verificamos que não é possível compreender o surgimento e as
particularidades do caminho trilhado até aqui pelo Serviço Social sem ter em
mente a noção histórica, política, social e econômica que foi cenário no Brasil
donde esteve e está inscrito o Serviço Social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, Marina. Serviço Social e organização da cultura: perfis pedagógicos
da prática profissional. São Paulo: Cortez, 2002.
COSTA, Sueli Gomes. Signos em transformação. A dialética de uma cultura
profissional. São Paulo: Cortez, 1995.
FALEIROS, Vicente de Paula. Trabajo Social. Ideologia y método. Buenos
Aires: Ecro, 1972.
IAMAMOTO, M. V.; CARVALHO, R. de. Relações sociais e serviço
social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 25.ed. São Paulo, Cortez; [Lima, Peru]: CELATS, 2008.
IAMAMOTO, Marilda Villela. Serviço Social em tempo de capital
fetiche: capital finan-ceiro, trabalho e questão social. 8. ed. - São Paulo: Cortez,
2014.
MARTINELLI, Maria Lucia. Serviço Social: identidade e alienação. São Paulo:
Cortez, 1992.
NETTO, José Paulo. Ditadura e serviço social: uma análise do serviço
social no Brasil pós-64. 16. Ed. - São Paulo: Cortez, 2011.
NETTO, José Paulo.Capitalismo monopolista e Serviço Social. 3. ed.
Ampliada - São Paulo, Cortez: 2001.
SILVA, Cláudia Neves. A presença de postulados tomistas na gênese
do Serviço Social. Semina: Ciências Sociais e Humanas, Londrina, v. 24, p. 87
– 100, set. 2003.
552
YAZBEK, Maria Carmelita. Classes subalternas e assistência social. 3.
ed. São Paulo: Cortez,
SEGURIDADE SOCIAL BRASILEIRA: a inserção da Assistência
Social como Política de Proteção Social
553
Gabriela Nunes da Silva217
Thaís Gaspar Mendes da Silva218
Resumo: O objetivo desse artigo consiste em realizar uma discussão
teórica acerca do modelo de Seguridade Social do Brasil e a inserção da
Assistência Social como Política de Proteção Social. O conceito de seguridade
social foi instituído no Brasil pela Constituição Federal de 1988, em garantia do
direito à saúde, à previdência social e à assistência social. A discussão aqui
pretendida se deu a partir do desenvolvimento de um projeto de Iniciação
Científica da Universidade Estadual do Paraná - UNESPAR, campus Paranavaí
que pretende identificar o entendimento da função da vigilância socioassistencial
sob a ótica dos trabalhadores da Política de assistência social do município de
Paranavaí/PR. Assim, este estudo trata-se de uma pesquisa bibliográfica, de
natureza qualitativa que pretende fornecer elementos para a compreensão do
“atual” formato do sistema de Seguridade Social brasileiro e a inserção da
assistência social, como uma das políticas de garantia de proteção social.
Palavras chaves: Seguridade Social, Assistência Social, Proteção
Social.
INTRODUÇÃO
A arquitetura da seguridade social brasileira prevista pela Constituição
Federal de 1988 relaciona-se a garantia do direito à saúde, à previdência social
e à assistência social. Na perspectiva de Boschetti (2009, p. 330) apesar de
essas políticas sociais “terem sido constituídas de forma bastante diferenciada,
de modo que não se instituiu um padrão de seguridade social homogêneo,
integrado e articulado”. Foi somente com a Constituição de 1988 que essas
políticas foram reorganizadas e reestruturadas com novos princípios e diretrizes
e passaram a compor o sistema de seguridade social brasileiro.
Paradoxalmente, o ingresso da assistência social e das outras políticas
(saúde e previdência) no âmbito da seguridade social no Brasil surgem em meio
a um contexto de reforma neoliberal do Estado contemporâneo, onde o mesmo
217 Discente do curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná UNESPAR, campus Paranavaí. Aluna de Programa de Iniciação Científica PIBIC/Fundação
Araucária. E-mail; [email protected]
218 Mestre em Serviço Social e Política Social pela Universidade Estadual de Londrina UEL. Docente do curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná - UNESPAR,
Campus Paranavaí. E-mail: [email protected]
554
não se reconhecia como agente promotor social. No caso específico da
assistência social, um longo caminho é traçado, rumo à implantação da Política
na perspectiva do direito e da proteção social.
Nesse sentido, este artigo tem por objetivo realizar uma discussão acerca
do modelo de Seguridade Social do Brasil e a inserção da Assistência Social
como Política de Proteção Social. Esse estudo é parte de um Projeto de Iniciação
Científica da Universidade Estadual do Paraná, campus Paranavaí, o qual
pretende identificar o entendimento da função da vigilância socioassistencial sob
a ótica dos trabalhadores da Política de assistência social do município de
Paranavaí/PR. É importante ressaltar, que esta pesquisa de cunho bibliográfico
representa as primeiras aproximações teóricas e documentais da acadêmica
envolvida, referente à política de assistência social.
A SEGURIDADE SOCIAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Em 1987 se instala a Assembleia Nacional Constituinte em meio a
debates para a formulação de uma política pública de Assistência Social. A partir
de então a conceituação da Assistência Social começa a ganhar contornos
nítidos. Isso culmina em 1988 com a Constituição Federal anunciando a
Assistência Social como política pública, inserida no tripé da Seguridade Social
brasileira e como conquista dos movimentos sociais. (COUTO, 2008).
Nesta perspectiva, a seguridade social ingressa na Constituição Federal
de 1988, dispõe em seu artigo 194 que a seguridade social “compreende um
conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade,
destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à
assistência social”. (BRASIL, 1988).
A Política de Saúde configura-se como direito de todos os cidadãos
independente de contribuição e dever do Estado brasileiro. Registra-se no
campo dos direitos no artigo 196 da Constituição Federal onde se determina que
“a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros
555
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação” (BRASIL, 1998).
A Política de Previdência Social possui caráter contributivo, ou seja, é
considerada apenas direito os trabalhadores que contribuem para com a
previdência e de seus dependentes. De acordo com Constituição Federal de
1988, “a previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de
caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem
o equilíbrio financeiro e atuarial”. (BRASIL, 1998).
A Política de Assistência Social configura-se como direito de todos os que
dela necessitarem, independentes de contribuição à seguridade social. Na
Constituição Federal de 1988, os artigos 203 e 204 descrevem os objetivos e as
diretrizes da Política de Assistência Social.
A Constituição de 1988 foi considerada pela maioria dos teóricos como
balizadora da tentativa de estabelecer novas relações sociais no país. Couto
(2008) aponta que significativos e importantes avanços foram construídos, o que
criou novas configurações e novas concepções para a área dos direitos civis,
políticos e sociais, direcionando uma nova forma de organizar e gestar o sistema
de seguridade social brasileira.
A arquitetura da seguridade social brasileira prevista pela CF de 1988 de
acordo com Boschetti (2009) se constitui em um sistema híbrido, pois conjuga
direitos da seguridade social, baseados em dois modelos de proteção social:
modelo alemão bismarckiano e modelo beveridgiano inglês. Os princípios do
modelo bismarckiano predominam na previdência social e os do modelo
beveridgiano orientam a política de saúde e de assistência social. Assim, a
“seguridade social brasileira se situa entre o seguro e a assistência social”.
(BOSCHETTI, 2009, p. 330).
O chamado modelo bismarckiano alemão de 1883 foi uma das primeiras
iniciativas de benefícios previdenciários que constituíram a seguridade social. É
considerado como um sistema de seguros sociais, porque suas características
são semelhantes às de seguros privados. No que se refere aos direitos, os
benefícios cobrem principalmente e quase exclusivamente os trabalhadores, só
556
tem acesso aquele que contribui diretamente e a soma das prestações e relativa
ao valor da contribuição. (BOSCHETTI, 2009).
Durante a Segunda Guerra Mundial, em 1942 na Inglaterra, críticas são
proferidas em relação ao modelo bismarckiano até então vigente. Nesse
contexto econômico e politico, formula-se o Plano Beveridge219, o qual propõe a
implantação do WalfareState220. Neste modelo, os direitos possuem caráter
universal, ou seja, a proteção social é destinada a todos os cidadãos garantindo
mínimos sociais. Seus princípios fundamentais são a unificação institucional e
uniformização dos benefícios.
No que tange na diferença entre os modelos e o surgimento e instituição
de modelos de seguridade social nos países capitalistas a autora, aponta que
“Enquanto os benefícios assegurados pelo modelo bismarckiano se destinam a
manter a renda dos trabalhadores em momentos de risco social decorrentes da
ausência de trabalho, o modelo beveridgiano tem como principal objetivo a luta
contra a pobreza”. (BOSCHETTI, 2009, p. 325).
Nessa perspectiva, a política de Seguridade Social brasileira assume
características híbridas, uma vez que, as políticas que a constituem assumem
características distintas e atendem grupos sociais diferenciados. De acordo com
Yazbek (2008) a legislação que regulamentou a Seguridade estabeleceu
caminhos diversos e específicos para as áreas que a constituem - Saúde,
Previdência e Assistência Social e ao segmentar essas áreas, não garantiu uma
efetivação concreta de um Sistema de Seguridade Social. Ainda, do ponto de
vista administrativo e financeiro, não se tem existência formal de um Sistema de
Seguridade Social brasileiro. (VIANNA, 2005, p. 92-93 apud YAZBEK, 2008).
219
O Plano Beveridge foi encomendado em 1941 pelo governo da Inglaterra, que
pretendia se reerguer após Segunda Guerra Mundial. O plano buscava um sistema de seguro
social, onde a ideia era possuir benefícios universais de combate à pobreza causada pelo
desemprego ou incapacidade, sendo que esta segurança social deveria ser prestada do berço
ao túmulo. (MARQUES GUEDES, 2013).
220 O Welfare State marca uma mudança paradigmática na democracia, trata-se de uma
tentativa de ruptura em relação ao capitalismo. Seu objetivo está justamente na tentativa de
conciliar desenvolvimento econômico e desenvolvimento social, a partir da concepção de um
Estado forte, interventor na economia e garantidor da efetivação disso que poderíamos chamar
de direitos sociais de cidadania. (PRZEWORSKI E WALLERSTEIN, 2008).
557
No entanto, a autora pontua que “apesar da obscuridade a que foi
relegada a Seguridade Social brasileira, sua concepção fundamenta, legitima e
permite ampliar a proteção social no país”, uma vez que não cabe apenas às
políticas sociais através de seus desenhos e objetivos reverter graus elevados
de desigualdades sociais, mas sabe-se que cabe a elas responder a
necessidades e direitos concretos dos cidadãos. “Nesse sentido, a constituição
de Seguridade Social brasileira, traz sem dúvida inovações no campo das
Políticas Sociais Inclusivas, particularmente para a assistência social”.
(YAZBEK, 2008, p. 94)
Em âmbito nacional, pode-se afirmar que a partir da promulgação da
Constituição Federal de 1988, houve um avanço no campo dos direitos sociais,
um progresso no arcabouço de princípios calcados em direitos universais em
substituição a seletividade intermitente que predominava até então no Brasil.
Entretanto, as recomendações constitucionais de 1988 não se efetivaram
imediatamente, ficando para a década seguinte da aprovação da CF de 1988 a
sua materialização.
A ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO POLÍTICA DE SEGURIDADE SOCIAL
NO CAMPO DA PROTEÇÃO SOCIAL
Com a aprovação da Constituição Federal de 1988, a assistência social é
definida como direito social, como política de seguridade social não contributiva,
de responsabilidade do Estado e direito de cidadania.
A inserção da assistência social na Seguridade Social aponta “para seu
caráter de política de Proteção Social221 articulada a outras políticas do campo
“[...] A proteção social pode ser definida como um conjunto de iniciativas públicas ou
estatalmente reguladas para a provisão de serviços e benefícios sociais visando enfrentar
situações de risco social ou privações sociais”. (JACCOUD, 2009, p. 58). Entende-se por
Proteção Social as formas institucionalizadas que as sociedades constituem para proteger parte
ou o conjunto de seus membros. Tais sistemas decorrem de certas vicissitudes da vida natural
ou social, tais como a velhice, a doença, o infortúnio, as privações. (...) Neste conceito, também,
tanto as formas seletivas de distribuição e redistribuição de bens materiais (como a comida e o
dinheiro), quanto os bens culturais (como os saberes), que permitirão a sobrevivência e a
integração, sob várias formas na vida social.
(DI GIOVANNI, 1998, p.10, apud, BRASIL,
2004, p. 31).
221
558
social, voltadas à garantia de direitos e de condições dignas de vida”. Também,
sua localização no grupo dos direitos sociais, faz com que a assistência social
passe a ser direito reclamável do cidadão, não se trata mais de uma concessão
de favores e sim um direito de prestação de serviços. (BRASIL, 2004, p. 31).
A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) sancionada em 1993
consolida a assistência social como direito e regulamenta os artigos 203 e 204
da Constituição Federal de 1988. A assistência social, na direção da LOAS, tem
uma dimensão distributiva (em contraposição à dimensão contributiva da
previdência). Volta-se para a pobreza absoluta, mas também para a pobreza
relativa e/ou para a desigualdade social e rompe com a visão contratualista de
proteção social, baseada na ética capitalista do trabalho (PEREIRA, 2000).
Para Mestriner (2008, p. 206) a LOAS “reconhece a assistência social
como política pública de seguridade, direito do cidadão e dever do Estado,
prevendo-lhe um sistema de gestão descentralizado e participativo”. Dessa
forma, se constitui como principal estratégia de enfrentamento a pobreza no
país.
Somente em 2004, com a Política Nacional de Assistência Social (2004)
se busca incorporar as demandas presentes na sociedade no que se refere à
responsabilidade política, e assim, reafirmam-se as diretrizes da assistência
social como direito de cidadania e responsabilidade do Estado presentes na
LOAS. A PNAS (2004, p. 33) define que a assistência social deve ser realizada
de “forma integrada às políticas setoriais, considerando as desigualdades
socioterritoriais, visando seu enfrentamento, à garantia dos mínimos sociais, ao
provimento de condições para atender contingências sociais e à universalização
dos direitos sociais”.
A assistência social como política de proteção social, no campo da
seguridade social, articulada a outras políticas sociais, deve garantir proteção
social, direitos e condições dignas de vida. Sob a ótica da proteção social deve
garantir as seguranças de sobrevivência (de rendimento e de autonomia); de
acolhida; de convívio ou vivência familiar. (BRASIL, 2004).
559
No campo da Proteção Social a assistência social é estruturada em duas
modalidades: Proteção Social Básica e a Proteção Social Especial. Na Proteção
Social Básica (PSB) o objetivo é prevenir os riscos e fortalecer o convívio familiar
e comunitário, e destina se a população que vive em situação de vulnerabilidade
social.
Na Proteção Social especial (PSE) é destinada a famílias e indivíduos que
se encontram em situações de risco e que tiveram seus direitos violados.
(BRASIL, 2004). A Proteção Social Especial é subdividida em Proteção de Media
e Alta complexidade, os serviços de média complexidade são destinados às
famílias e indivíduos com direitos violados, mas cujos vínculos familiares não
foram rompidos; e os serviços de alta complexidade são aqueles que “garantem
proteção integral para famílias e indivíduos com seus direitos violados, que se
encontram sem referência, e/ou, em situação de ameaça, necessitando ser
retirados de seu núcleo familiar e/ou, comunitário”. (BRASIL, 2004, p. 32).
Deste modo, compreende-se que partir da PNAS (2004) se expressa a
“materialidade do conteúdo da Assistência Social como um pilar do Sistema de
Proteção Social Brasileiro no âmbito da Seguridade Social”. (BRASIL, 2004).
Assim, a assistência social se coloca na “perspectiva de materialização das
diretrizes da LOAS e dos princípios enunciados pela CF 1988, entendendo a
assistência social como Política Social inserida no Sistema de Proteção Social
Brasileiro, no campo da Seguridade Social”. (COUTO; YAZBEK; RAICHELIS,
2010, p. 38).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A arquitetura da seguridade social brasileira prevista pela CF de 1988 se
constitui em um sistema híbrido, baseados em dois modelos diferentes de
proteção social. Apesar do reconhecimento de diversos autores da não
efetivação concreta de um Sistema de Seguridade Social no país, implantado
em meio a uma conjuntura de reforma neoliberal do Estado contemporâneo, não
se pode negar que a inserção da assistência social na seguridade social, no
560
campo da proteção social, traz sem dúvidas inovações no campo das Políticas
Sociais, inclusive para a assistência social.
Um longo caminho é percorrido para que a assistência social, legalmente
sancionada em 1988, se implemente a partir da nova concepção: direito à
proteção social. Somente a partir
da PNAS (2004) que a discussão
rumo à efetivação da assistência social
como política pública de
Estado é traçada no sentido transformar em ações diretas os pressupostos da
CF de 1988 e da LOAS (1993).
Assim, a assistência social, como política de seguridade social passa a
ser ofertada como campo do direito e da garantia de proteção social, direitos e
condições dignas de vida. No campo da proteção social deve garantir
seguranças de sobrevivência (de rendimento e de autonomia), de acolhida e de
convívio ou vivência familiar, tendo por direção o desenvolvimento humano e
social e os direitos de cidadania.
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562
A NECESSIDADE DA QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL DO
ASSISTENTE SOCIAL, PARA (RE)AFIRMAÇÃO DO PROJETO ÉTICO
POLÍTICO
India Nara Smaha222
Resumo: A atualidade social, política e econômica nos leva a muitos
caminhos quando pensamos em exercício profissional, no entanto, neste texto,
queremos focar em um que nos leve ao compromisso ético político assumido
pelos Assistentes Sociais – categoria profissional que, no decorrer de sua
construção ideopolítica no Brasil, pautou muitas lutas. Uma das últimas resultou
na conquista de uma Política pensada pela categoria para subsidiar a
qualificação profissional, a Política de Educação Permanente do conjunto
CFESS/CRESS de 2012. Esse documento reúne propostas e substancia
elementos que vêm aparecendo nos Códigos de Ética do Assistente Social
desde 1947, ou seja, a necessidade de aprimoramento, para garantir a qualidade
no atendimento daqueles que são usuários dos serviços prestados pelo
profissional de Serviço Social. A proposta é pensar: como colocar em prática
algo que é legitimo, mas que as condições objetivas, estruturais dão poucas
possibilidades?
Palavras-chave – Serviço Social, Qualificação profissional, Educação
Permanente.
222
Assistente social, mestre em Serviço Social pela UEL. Docente colaboradora no curso
de serviço Social da Unioeste-Toledo.
563
INTRODUÇÃO
A fim de pensar a qualificação profissional, é necessário, primeiramente,
remeter-nos a formação em Serviço Social, que, em virtude da lógica de
mercado, tornou-se complexa para análise, tendo em vista o derrame de cursos
em instituições privadas, não só na modalidade presencial, mas, agora,
semipresencial e à distância, que foram aprovados pelo MEC com o discursos
de democratização da educação e acesso aos locais mais longínquos. No
entanto, o que podemos identificar é a intenção de atingir a meta de interesses
internacionais, que exige m
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