Índice 1 – Introdução................................................................................................pág.1 2 – Conceitos..................................................................................................pág.1 3 - Critérios para Definição de Infecção do Campo Operatório.....................pág.3 3.1- Infecção do Campo Operatório Incisional Superficial.........................pág.3 3.2 - Infecção do Campo Operatório Incisional Profundo..........................pág.3 3.3 - Infecção em Espaços ou Órgãos Intracavitários Definidos.................pág.4 4 - Microorganismos Mais Prevalentes em Infecções Cirúrgicas.....................pág.4 5 - Infecção em Tecidos Moles........................................................................pág.5 6 - Requisitos Básicos para a Instalação de uma Infecção Cirúrgica...............pág.6 7 - Defesas do Hospedeiro..............................................................................pág.8 8 - Fatores que Afetam a Incidência de Infecções.........................................pág.10 9 - Características Pós-Operatórias...............................................................pág.13 10 - Conclusão...............................................................................................pág.14 1 - Introdução A evolução da prática cirúrgica a partir da segunda metade do século XIX com o uso clínico da anestesia é inegável, pois permitiu que as operações fossem metodizadas e serenas permitindo que o cirurgião se voltasse com mais atenção a hemorragias. Contudo, a maioria das feridas continuava a se infeccionar e a maior parte dos pacientes que realizavam cirurgias de grande porte acabava vindo ao óbito. A antibioticoterapia, introduzida nos anos 40 do século XX, não conseguiu exterminar como um todo as infecções cirúrgicas. A infecção cirúrgica é uma causa ou conseqüência do ato operatório em si e se dá em função da presença de microorganismos no ambiente hospitalar. A infecção do sítio cirúrgico é a principal causa das complicações pósoperatórias no paciente que se submeteu a um ato operatório – 38% das infecções. No Brasil, isto ocorre em cerca de 11% das cirurgias realizadas anualmente. Nos casos de morte de pacientes cirúrgicos relacionados com infecção, 77% dos casos estão relacionados com infecções do sítio operatório e 93% é devido a infecções severas envolvendo órgãos e vias acessadas durante o procedimento. Diversos fatores predispõem o surgimento de infecções cirúrgicas. Dentre eles, apresentam maior relevância: 1) A realização de procedimentos cirúrgicos mais longos e complicados; 2) Características dos microorganismos (como virulência e carga microbiana); 3) Fatores relacionados ao paciente (diabetes mellitus, obesidade, hipertensão, imunossupressão e idade); 4) Implantes de materiais estranhos ao organismo. 5) No que se refere ao pré- e per- operatório, pode-se fazer referência ao uso prévio de antibióticos, ao tempo anterior de internação, à tricotomia antes da cirurgia, à técnica cirúrgica, à ventilação e perfusão, às condições hemodinâmicas, à duração do procedimento, bem como à presença de tecidos desvitalizados e de cirurgias consideradas contaminadas e infectadas. Pacientes que adquirem infecções geram um custo hospitalar três vezes maior em comparação com pacientes que não adquirem infecção. Daí a necessidade de medidas pré, per e pós- operatório para impedir o desenvolvimento de infecções cirúrgicas mantendo-as nos níveis aceitos pelos órgãos competentes e reduzindo a morbimortalidade. 2 - Conceitos A infecção do campo operatório corresponde a um processo infeccioso em função de microorganismos presentes no ambiente hospitalar. Segundo a NNISS (National Nosocomial Infection Surveillance System ), esta infecção pode ser definida como ocorrendo em até 30 dias do período pós-operatório e em um ano ou mais do período pós-operatório no caso de próteses de material sintético. 1 É necessário, ainda, relacionar o tempo necessário para a ocorrência de uma infecção com achados clínicos: secreção purulenta envolvendo o local da incisão ou coleções purulentas de órgão/cavidade, microrganismos isolados obtidos de culturas de fluidos ou tecidos procedentes da incisão ou do órgão/cavidade, sinais flogísticos locais, deiscência espontânea da incisão e/ou abertura deliberada da incisão pelo cirurgião, a não ser que a cultura seja negativa e diagnóstico de infecção, de acordo com o local afetado, pelo cirurgião ou médico assistente. As infecções da ferida operatória são classificadas de acordo com a topografia e com o seu potencial de contaminação. De acordo com a topografia, estas são classificadas em: 1) incisional superficial, quando envolvem somente a pele ou tecido celular subcutâneo; 2) incisional profunda, quando envolvem estruturas profundas da parede, a fáscia e/ou a camada muscular; 3) órgão/cavidade quando envolvem qualquer parte da anatomia do órgão ou da cavidade aberta ou manipulada durante o procedimento cirúrgico. De acordo com o potencial de contaminação estas são classificadas como: 1) feridas limpas: não traumáticas, decorrentes de operações eletivas, com fechamento por primeira intenção, sem que ocorra contato com cavidades corporais colonizadas por microorganismos, como ocorrem em herniorrafias e tireoidectomias, por exemplo; 2) feridas potencialmente contaminadas: não traumáticas, decorrentes de penetração de cavidade corporal colonizada por microorganismos, mas sem presença de inflamação aguda, a exemplo de feridas em gastrectomias e histerectomias; 3) feridas contaminadas: traumáticas, com extensa contaminação vinda da cavidade corporal, incluindo-se nesta categoria as feridas crônicas abertas para enxertia e feridas decorrentes de colecistectomias; 4) feridas infectadas ou sujas: decorrentes da manipulação de afecções supurativas, como abscessos; advindas de perfuração pré-operatória de cavidade corporal colonizada por microorganismos ou decorrentes de ferida traumática penetrante, como em perfurações do cólon e intestino delgado, drenagem de abscessos, etc. 2 3 - Critérios para definição de Infecção do Campo Operatório Clinicamente, a ferida cirúrgica é considerada infectada quando existe presença de drenagem purulenta pela cicatriz, esta pode estar associada à presença de eritema, edema, calor, rubor, deiscência e abscesso. O diagnóstico epidemiológico das Infecções em Sítio Cirúrgico (ISC) deve ser o mais padronizado possível para permitir a comparação ao longo do tempo em um determinado serviço e também a comparação entre os diversos serviços e instituições. Para isto, alguns critérios foram definidos para a correta caracterização do campo operatório no processo de infecção. Esses critérios foram criados pelo “Center for Diseases Control and Prevention (CDC), nos EUA, e são mundialmente usados para vigilância epidemiológica. 3.1 - Infecção do Campo Operatório Incisional Superficial Ocorre dentro de 30 dias após a operação, envolve apenas pele e tecido subcutâneo e apresenta pelo menos um dos seguintes critérios: 1. Drenagem de secreção purulenta proveniente da parte superficial da incisão operatória (pele e tecido celular subcutâneo), sendo desnecessária a documentação por cultura; 2. Microorganismo isolado de maneira asséptica de secreção ou camada superficial da ferida; 3. Dor ou hipersensibilidade, tumefação, rubor ou calo locais associados à abertura deliberada da incisão superficial pelo cirurgião (ou pelo médico assistente) que a considere infectada (exceto quando a cultura é negativa). Não são caracterizadas como infecções do campo operatório incisional superficial: Microabscesso de suturas, com mínima inflamação, confinados aos pontos de penetração da sutura; Infecção de episiotomias ou de circuncisões em recém-nascidos Critérios Queimaduras superficiais específicos Infecções superficiais que se estendem ao espaço subaponeurótico 3.2 - Infecção do Campo Operatório Incisional Profundo Ocorre dentro de 30 dias após o procedimento ou até um ano se houver utilização de implantes sintéticos. A infecção deve envolver os tecidos moles profundos (músculo ou fáscia) e apresentar pelo menos um dos seguintes sinais ou sintomas: 1. 2. 3. 4. 3 Drenagem purulenta de incisão profunda (camada subaponeurótica), exceto quando oriunda de espaço/órgão em cavidade corpórea definida; Incisão profunda com deiscência espontânea ou deliberativamente aberta pelo cirurgião na presença de febre (> 38 ºC) ou dor localizada ou hipersensibilidade, exceto quando a cultura de fluido ou tecido proveniente dessa camada for negativa; Abscesso ou outra evidência de infecção envolvendo fáscia ou músculo, achada ao exame direto, re-operação, histopatológico ou radiológico. Diagnóstico de infecção incisional profunda pelo médico que acompanha o paciente, cirurgião ou médico assistente. 3.3 - Infecção em espaços ou órgãos intracavitários definidos Deve ocorrer em 30 dias após o procedimento, ou até um ano após, se houver utilização de implantes sintéticos. Envolve qualquer outra região anatômica do sítio cirúrgico que não a incisão e apresenta qualquer um dos seguintes sinais ou sintomas: 1. Drenagem purulenta por dreno locado em espaços ou órgãos de cavidades corpóreas; 2. Isolamento de microorganismos por técnica asséptica de cultura, proveniente de fluido ou líquido de espaços/órgãos definidos em cavidades corpóreas; 3. Abscesso ou outra evidência de infecção envolvendo espaços/órgãos em cavidades corpóreas por exame direto, durante re-operação e/ou por exame histopatológico ou radiológico; 4. Diagnóstico de infecção em espaços/órgãos em cavidades corpóreas pelo médico que acompanha o paciente, pelo cirurgião ou pelo médico assistente. 4 - Microorganismos mais prevalentes em Infecções Cirúrgicas A fonte mais freqüente é a flora endógena do paciente, representada pela flora da pele, membranas e vísceras ocas do mesmo. Estima-se que após 24hs do procedimento a ferida cirúrgica está selada e, portanto, protegida da contaminação exógena. Infecções à distância podem ser fonte de microorganismos que contaminam a ferida cirúrgica e devem ser pesquisados e tratados no pré-operatório de cirurgias eletivas. Fontes exógenas de patógenos incluem as pessoas presentes nas salas de operações (especialmente os membros da equipe cirúrgica), assim como o 4 macroambiente dessas salas, e os materiais trazidos para o campo operatório estéril durante o procedimento. Estes podem ter importância durante o ato cirúrgico, portanto uma rigorosa técnica asséptica deve ser mantida com intuito de prevenir a contaminação. O ar pode ser veículo de transmissão de alguns patógenos em casos especiais, como por exemplo, casos de infecção por Streptococcus do grupo A transmitida por pessoas da equipe cirúrgica. Estratégias como as salas cirúrgicas com fluxo laminar e/ou radiação ultravioleta só foram eficazes em reduzir as taxas de ISC em cirurgias para colocação de prótese de quadril ou joelho. Os agentes mais freqüentes de Infecções em Sítio Cirúrgico são os contaminantes comuns da pele do paciente: Staphylococcus aureus resistentes à meticilina (MRSA), Staphylococcus epidermidis e outros Staphylococcus coagulase negativa. Habitualmente, bactérias cutâneas como Staphylococcus epidermidis ou difteróides, são encontradas em feridas cirúrgicas classificadas como limpas.Nas feridas traumáticas, os microorganismos mais prováveis de ocorrer são Staphylococcus aureus e Streptococcus pyogenes. Em cirurgias abdominais existe uma maior freqüência de enterobactérias e Enterococcus sp. Na faixa etária pediátrica e em recém nascidos as enterobactérias são mais freqüentemente encontradas do que em pacientes adultos. Em queimados, o S.aureus é o agente mais comum seguido da Pseudomonas aeruginosa. A incidência de bactérias Gram-negativas e Enterococcus sp aumenta com o tempo de internação. A incidência de fungos vem crescendo devido ao grande número de pacientes imunocomprometidos e com doenças severas, entre eles, as espécies de Candida, principalmente albicans e tropicalis são os agentes mais comuns, além do uso desenfreado de agentes antimicrobianos de largo espectro. Quando se penetra em uma víscera intra-abdominal, a flora natural ou residente alterada torna-se o patógeno potencial esperado. Como, invariavelmente, existem tecidos desvitalizados e materiais estranhos em um procedimento cirúrgico, é necessário um número muito menor de microorganismos para causar infecção em feridas cirúrgicas do que em tecidos normais. Entretanto, a infecção manifesta não é a regra, exceto se forem violados os princípios cirúrgicos fundamentais ou se forem introduzidos números elevados de microorganismos na ferida. 5 - Infecção em tecidos moles Celulites são infecções da pele e do tecido celular subcutâneo; miosites são infecções musculares; e fasciites são as do tecido aponeurótico. Todas elas podem ser necrotizantes ou não necrotizantes. As necrotizantes são potencialmente bastante graves e por isso serão estudadas. Esse tipo de infecção não é comum nos tecidos moles, mas apresentam elevada morbidade e mortalidade se não forem tratadas adequadamente. São diversas as causas para este tipo de infecção, estando associadas a diversas bactérias aeróbias e anaeróbias. 5 Esse tipo de infecção pode ocorrer em indivíduos saudáveis, mas são mais prováveis em pacientes portadores de condições debilitantes, como: diabetes mellitus, obesidade, doença vascular periférica, alcoolismo, uso de drogas intravenosas e portadores de imunossupressão de qualquer etiologia. A maioria dessas infecções determina um quadro relativamente comum e grave. As principais denominações usadas para alguns desses quadros, mas já e desuso, são: gangrena hospitalar, gangrena de Fournier (infecção necrotizante envolvendo o períneo, descrita por Fournier), gangrena de Meleney (gangrena estreptocócica hemolítica aguda, com ou sem presença de estafilococos), fasciite necrotizante e gangrena gasosa. A presença de gás em uma infecção está associada à possibilidade de lesão por Clostridium spp, daí o nome gangrena gasosa. Todavia, a maioria das infecções com produção de gás ocorre devida à microorganismos não-clostrídicos e têm relevância clínica. As infecções por clostrídio podem decorrer de uma contaminação, que pode ser associada à outra bactéria, em uma ferida infectada com tecido desvitalizado, podendo ou não evoluir para invasão tissular. Caso o inóculo bacteriano seja grande, ele pode evoluir para uma celulite anaeróbia, com quadro clínico consistindo em dor e edema localizados, sem sinais sistêmicos de sepse. Nestes casos, recomenda-se desbridamento local e antibioticoterapia. Já a mionecrose clostrídica (gangrena gasosa) é mais severa e se caracteriza pela invasão muscular. Ocorre morte muscular e do tecido adjacente, estase, isquemia vascular e inibição da resposta local dos neutrófilos. Em especial, Clostridium perfringens, C. novyi e C. septicum causam essa mionecrose. A maioria das infecções necrotizantes em tecidos moles decorre de microorganismos não clostrídios. Podemos citar: Streptococi beta-hemolíticos dos grupos A e B, Enterococcus spp., Escherichia Coli, Peptococcus, Peptrostreptococcus, Staphylococci coagulase-negativos, Proteus mirabilis, S. aureus, Pseudomonas spp., outros gram-negativos e anaeróbios e fungos ocasionais. As infecções deste tipo costumam ser polimicrobianas, exceto em relação ao Streptococcus pyogenes. 6 - Requisitos básicos para a instalação de uma infecção cirúrgica São três os requisitos básicos para uma infecção: 1. Inóculo patogênico com número e virulência suficientes; 2. Meio que possibilite nutrição para esses microorganismos; 3. Alterações na resistência do hospedeiro que limitem sua capacidade de combate a essa infecção. 1. Inóculo patogênico A existência de microorganismos dentro das feridas é determinante para a ocorrência de infecções no campo operatório, bem como o número e a virulência destes interfere diretamente. Quanto mais virulento, menor a quantidade necessária destes para que ocorra a infecção. 6 Há diferentes níveis de virulência entre as espécies, entre uma mesma cepa e entre os estágios de vida de uma cepa específica. A última se deve a variações na imunidade do hospedeiro. Há também diferenças entre órgãos e tecidos em relação à susceptibilidade à infecção por determinadas cepas, sendo algumas mais infecciosas em alguns órgãos e tecidos e em outros, não. Infecção cirúrgica é a entrada e crescimento de microorganismos nos tecidos corporais, associados à presença de atividade metabólica e efeitos fisiopatológicos desses mesmos agentes. Há um equilíbrio entre a quantidade de microorganismos e os fatores que contribuem para a resistência do hospedeiro e é o desbalanço destes dois aspectos que propicia a ocorrência de infecções, devido à quantidade excessiva de microorganismos nos tecidos. Parece que o número tolerado de bactérias no campo operatório sem afetar a cicatrização normal e sem desencadeamento de infecção disseminada é de 105 bactérias por grama de tecido para todas as espécies estudadas, exceto para Streptococci beta-hemolíticos. Neles, a quantidade necessária de bactérias é bem menor para ocorrer infecção. 2. Meio nutriente A provável causa mais relevante de infecções é a inibição dos mecanismos de defesa locais, como a interferência na ação das células fagocíticas. Costuma ocorrer em tecidos suscetíveis, com hipóxia local, hipercapnia e acidose. A susceptibilidade tecidual inclui: corpos estranhos no local (como fios de sutura), ausência de aproximação precisa dos tecidos, estrangulamento dos tecidos (sutura apertada), uso indevido de eletrocautério, presença de qualquer tecido desvitalizado, hematomas ou seromas. Coleções de sangue, áreas de necrose e espaços vazios são, então, os meios propícios para ocorrência de infecções. Portanto, com uma precisa técnica cirúrgica, deve-se ter todo o cuidado para evitar que tais espaços vazios e a presença destes tecidos inviáveis persistam. 3. Resistência do hospedeiro É muito importante a resistência do hospedeiro na prevenção da infecção. Ela pode conter a infecções até com microorganismos bastante virulentos. Essa resistência pode ser local ou sistêmica. No caso da local, ela é obtida a partir de uma excelente técnica cirúrgica, para que não haja fatores nutrientes bacterianos, ao passo que a sistêmica depende do sistema fagocitário, da produção de anticorpos e de outros fatores. Os microorganismos são capazes de produzir ou conter toxinas que favoreçam sua proliferação em organismo específico. O grau de perfusão tecidual (oxigenação) que e capaz de suprir a demanda metabólica aumentada dos neutrófilos é fator determinante para o estabelecimento de uma infecção. O aumento de suprimento sanguíneo para os tecidos ocorre pela reposição do volume sanguíneo e reposição da PO2 arterial, ao passo que a redução se deve pela hipovolemia e pela insuficiência pulmonar. 7 Alguns pacientes são muitos mais propensos à ocorrência de infecção, como aqueles com doença pulmonar, traumatismos graves, insuficiência cardíaca congestiva, hipovolemia, ou altos níveis de vasopressina, angiotensina ou catecolaminas, apresentam hipóxia nos tecidos periféricos e são extremamente suscetíveis às infecções. Corrigir a hipóxia é muito eficiente para inibir infecções bacterianas, bem como o uso de antibióticos específicos. O uso dos mesmos é mais eficiente quando os fagócitos têm o suprimento sanguíneo adequado. 7 - Defesas do Hospedeiro É um fator de grande importância para impedir que ocorra a infecção, uma vez que atua de maneira a conter até microorganismos muito virulentos. Pode ser dividida didaticamente em três categorias gerais: Defesas mecânicas: Abrangem a pele e as membranas mucosas, que proporcionam barreiras para prevenir a invasão bacteriana. Barreira física: a integridade da pela e das mucosas oferece resistência biológica à invasão de microorganismos. Barreira imune: os plasmócitos fazem a secreção local de imunoglobulina A e, em menor escala, da imunoglobulina M, que se encontra no colostro, saliva, lágrimas, secreções nasais, prostáticas, vaginais, brônquicas e do intestino delgado. Barreira química: através da secreção local de várias substâncias como ácidos graxos e lisozima. Barreira ecológica: as bactérias comensais da flora bacteriana normal fazem com que a barreira ecológica impeça, com relativa eficiência, a colonização por bactérias patogênicas. Defesas imunes inespecíficas: engloba o sistema inflamatório e é o principal mecanismo de defesa contra as bactérias invasoras. Não depende de exposição previa ao patógeno para ser ativado imediatamente. 8 Os componentes celulares mais importantes da resposta inflamatória são neutrófilos e macrófagos teciduais, pois localizam, ingerem e destroem os patógenos invasores. Como componentes não-celulares da resposta inflamatória tem-se as cascatas de coagulação e do complemento e as aminas vasoativas. Esses mediadores atuam da seguinte forma: Limitam a disseminação local das bactérias invasoras. Recrutam células fagocíticas para o local da inflamação. Tornam as bactérias mais suscetíveis à fagocitose. Ativam componentes do sistema imune específico. Defesas imunes específicas: responde aos locais antigênicos, que estão na superfície das bactérias e o hospedeiro está previamente sensibilizado por esses locais antigênicos. Portanto, ao contrário da defesa inespecífica o sistema imune específico depende de exposição prévia a algum antígeno. Os principais componentes celulares são os macrófagos, linfócitos T e B, alem de plasmócitos As “falhas” mais importantes do organismo na perspectiva da ação antibacteriana envolvem a função de neutrófilos e macrófagos, a ativação do complemento e opsonização de bactérias, a imunidade de mediação celular e a apresentação de antígenos. Essa supressão imunológica está muito relacionada com alguns desarranjos na função imunomoduladora dos hormônios do estresse, de várias citocinas e de mediadores inflamatórios derivados dos lipídeos. A enfermidade grave ou estresse acabam levando a um processo catabólico onde são depletadas as reservas protéicas nos músculos e a conseqüência é o desgaste muscular intenso. As interações dessas células na resposta ao antígeno patogênico são mediadas por citocinas, mediadores solúveis que modulam a resposta imune. Na má nutrição e após estresse cirúrgico ou trauma há deterioração significativa do sistema imune específico e inespecífico. 9 8 - Fatores que Afetam a Incidência de Infecções Além da presença e atuação de microorganismos, fatores endógenos (relacionados às características do paciente) e exógenos (cuidados pré-, per- e pósoperatórios) podem contribuir para a elevação da incidência de infecções cirúrgicas. São eles: Fatores endógenos: Algumas especificidades do paciente podem contribuir para ocorrência de infecções cirúrgicas, tais como: Idade: observa-se que a imaturidade de hospedeiros jovens e a senescência de idosos levam a maiores taxas de infecção devido a imunocompetência reduzida desses extremos. Enfermidade preexistente: promove um aumento do risco operatório e são mais comuns as infecções cirúrgicas entre esses pacientes com múltiplas doenças prévias. Diabetes Melitus: ainda de forma não esclarecida, pacientes com glicemia maior que 200mg/ml apresentam maiores índices de infecção em cirurgia; taxas de infecção das feridas limpas passam dos 10% em pacientes diabéticos contra menos de 1% em pacientes não-diabéticos. Obesidade: determina a diminuição da resistência local do paciente, pois a menor vascularização do tecido adiposo dificulta a atuação da resposta do sistema imune. Tempo de hospitalização pré-operatória: quanto maior for o período de hospitalização, maior será a chance de contaminação por microorganismos de origem hospitalar. Malignidade: a malignidade promove alterações no sistema imune, levando a maior possibilidade de ocorrência das infecções cirúrgicas. 10 Infecções em outros locais do corpo: em alguns casos, ocorre o evento de encontrar o mesmo agente causal na área em que foi realizado o procedimento e assim predispõe o paciente a novas infecções. Má-nutrição: está ligada a importantes complicações, inclusive à maior ocorrência infecção operatória. Tabagismo: pode aumentar o risco de infecção, pois a nicotina retarda a cicatrização, mas ainda apresenta dados inconclusivos. Alcoolismo: é fortemente observada a associação do uso crônico de etanol e a ocorrência de infecções, uma vez que o etanol apresenta efeito imunossupressor. Uso de esteróides: são medicamentos imunossupressores e podem predispor a infecções operatórias. Eles reduzem a concentração vascular de monócitos, macrófagos e linfócitos, a capacidade bactericida e a liberação de citocinas, além de alterar linfócitos B. Colonização nasal de Staphylococcus aureus: atua como fator importante para a infecção do campo operatório após procedimentos cardíacos. Fatores exógenos: Duração da operação: O risco de infecção das feridas é proporcional ao tempo de duração do procedimento operatório. Perfuração das luvas cirúrgicas: o percentual de perfurações oscila entre 11,5% e 53%. Procedimentos de caráter emergencial. Horário de realização da operação: a taxa de infecções mais que triplica caso se opere entre meia-noite e oito horas da manhã, chegando a 7%, segundo estudos. 11 Contaminação veiculada pelo ar Em relação às feridas, os fatores são: Classe da ferida: feridas limpas, potencialmente contaminadas, contaminadas e infectadas. Retirada pré-operatória dos pelos através de lâmina pode propiciar escoriações cutâneas que levam ao assentamento bacteriano e, conseqüentemente, ao maior risco de infecção cirúrgica. O uso de campos cirúrgicos adesivos não é bem definido em relação aos seus benefícios. A irrigação de feridas com antibióticos também persiste controversa. Em relação ao tecido envolvido, os fatores são: Perfusão tecidual: quanto menor a perfusão do tecido maior a possibilidade de infecção cirúrgica. Resposta imune local. Características pré-operatórias: Deve-se realizar uma preparação para o ato operatório, a fim de evitar possível contaminação, tal como: banho anti-séptico, tricotomia adequada, preparo da pele na sala cirúrgica, escovação cirúrgica e controle de infecções e colonizações na equipe cirúrgica. Característica per - operatórias: Fatores como o microambiente, a vestimenta cirúrgica corretamente esterilizada, os campos operatórios, o uso de gorros, máscaras, luvas e sapatilhas, o emprego de técnica asséptica atraumática e até o tempo do procedimento e o seu regime de realização podem modificar a incidência de infecções em cirurgia. Características pós-operatórias: Diz respeito à profilaxia a fim de evitar complicações no pós-operatório. Descrito pormenorizadamente abaixo. 12 9 - Características Pós-Operatórias Relacionam-se aos cuidados adequados com as feridas operatórias e com a alta hospitalar precoce. Aqui está incluída a antibioticoterapia profilática, medida utilizada a fim de diminuir a morbidade pós-operatória, encurtar o tempo de hospitalização e reduzir os altos custos atribuídos às infecções cirúrgicas. Esta medida profilática não exclui nenhum tipo de operação, desde que, comprovadamente, o seu uso propicie diminuição do índice de infecção do campo operatório. Contudo, não está indicada na maioria dos pacientes submetidos a operações limpas, sem contaminação bacteriana óbvia ou sem inserção de materiais estranhos (próteses ou enxertos). Este fato é confirmado pela baixa incidência (menor que 1%) de infecções em operações eletivas limpas e que utilizam técnica asséptica meticulosa e delicada. A utilização do agente antimicrobiano apropriado pouco antes da incisão operatória é capaz de evitar infecção em feridas contaminadas por bactérias sensíveis a esses agentes. A escolha do antibiótico deve ser fundamentada no tipo de operação e do microorganismo mais comumente presente, levando-se em consideração a sua prevalência específica na instituição. Como exemplos têm a profilaxia de operações ginecológicas, feita contra bactérias anaeróbicas, ou em cirurgias limpas com utilização de próteses ou enxertos em que os antibióticos de escolha são contra as bactérias mais comuns no hospital. Entretanto, o uso de antibioticoprofilaxia deve se basear em evidências de que haja benefícios em contrapeso a efeitos adversos. O uso indiscriminado de antibióticos deve ser desencorajado, pois propicia a infecção secundária ou superposta por cepas de organismos resistentes, reações graves de hipersensibilidade e demora na aplicação do tratamento cirúrgico indicado. A antibioticoterapia profilática está baseada em alguns princípios simples que contemplam o exposto acima. São eles: 1) Escolha dos antibióticos de acordo com o tipo esperado de contaminação; 2) Utilização somente quando existe o risco de infecção; 13 3) Administração em doses e horários apropriados; e 4) Descontinuação de uso antes que o risco de efeitos colaterais ultrapasse os benefícios. Quando iniciada tardiamente após a contaminação, é muito menos eficaz, devendo ser continuada como terapêutica, no período pós-operatório. Na maioria dos pacientes para operações eletivas, a administração de antibióticos deve ser feita por via intravenosa no momento da indução anestésica, uma ou, no máximo, duas horas antes do procedimento. Períodos maiores não permitem a obtenção de níveis sangüíneos e tissulares ideais do antibiótico durante o ato operatório. 10 - Conclusão Apesar dos avanços verificados na abordagem dos pacientes cirúrgicos, a infecção cirúrgica, relacionada com o ato operatório em si, como causa ou conseqüência desse, continua sendo responsável por insucessos que determinam o aparecimento de seqüelas importantes ou mesmo ocasionam a morte do operado. Os progressos verificados no entendimento e manuseio dos pacientes cirúrgicos infectados foram evidentes nas últimas décadas. Mesmo assim, o conceito secular de que, em princípio, as infecções cirúrgicas devam ser tratadas, de forma imediata e agressiva, mantém-se nos dias de hoje. Os estudos microbiológicos e das interações medicamentosas dos diversos anti-microbianos existentes contribuem para a prevenção e tratamento da infecção. Além da presença e atuação de microorganismos, fatores endógenos (relacionados as características do paciente) e exógenos (cuidados pré-, per- e pós operatórios) podem contribuir para a incidência de infecções cirúrgicas. As infecções da ferida operatória podem ser classificadas de acordo com sua topografia e de acordo com seu potencial de contaminação. 14 Atenção especial deve ser dada às infecções de tecidos moles, que exibem denominações específicas, devem ser abordadas cuidadosamente devido à sua extensa morbimortalidade se não forem diagnosticadas e tratadas de forma correta. A Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), um órgão regulamentado em portaria do Ministério da Saúde, é encarregada de informar, vigiar, pesquisar, prevenir e controlar as infecções hospitalares e exercer uma ação educativa na comunidade hospitalar quanto à importância da prevenção e do controle das infecções. Seus funcionários devem executar tarefas com o intuito de reduzir o nível de infecção hospitalar endêmica e epidêmica, de modo a reduzir sua mortalidade. Portanto, a técnica cirúrgica rigorosa é primordial para a profilaxia da infecção da ferida operatória, a fim de minimizar seus efeitos e tratá-la da maneira mais eficiente possível. 15