O Programa Rede Social - Instituto de Estudos Sociais e Económicos

Propaganda
Livro Agricultura 12 agosto.qxp_Apresentação 1 12/08/16 23:56 Página 2
Título
AGRICULTURA, FLORESTA E DESENVOLVIMENTO RURAL
Edição
IESE- Instituto de Estudos Sociais e Económicos
Coordenação editorial
António Oliveira das Neves
Revisão de texto
Vasco Grácio
Design
Zé D’Almeida
Paginação
Margarida Sousa
Impressão
Guide - Artes Gráficas
Depósito Legal
413904/16
ISBN
978-989-20-6932-6
Lisboa 2016
pág. 2
Livro Agricultura 12 agosto.qxp_Apresentação 1 12/08/16 23:56 Página 3
ÍNDICE
APRESENTAÇÃO (A. Oliveira das Neves) ............................................................................................................................
6
I. AGRICULTURA, AGROINDÚSTRIA E FLORESTA – ATIVIDADES E DINÂMICAS SETORIAIS ......
9
Evolução da Alimentação e das Doenças de Origem Alimentar nos Países Mediterrânicos
O Papel Renovado da Dieta Mediterrânica (Agostinho de Carvalho) ......................................................
Agroindústrias: Duas Décadas de Fundos Comunitários (1994-2013) (Celina Luís) .................
11
27
37
51
Portugal: o Megacluster Alimentação e Bebidas – Um Mosaico à Conquista dos
Mercados Internacionais (José Félix Ribeiro)............................................................................................................
69
Consumo e Produção de Carne – Velhos e Novos Desafios (Antonino Rodrigues) ......................
Setor do Leite e Laticínios – Vetores de Reconversão (Niza Ribeiro)......................................................
As Competências Internas da Empresa como Condicionante do Sucesso na Exportação
do Vinho: Proposta de um Instrumento de Auto diagnóstico de Empresas Vinícolas
(Vítor Corado Simões) ..................................................................................................................................................................
A Caça e a Economia Verde (Carlos Rio de Carvalho) ........................................................................................
83
95
103
II. POLÍTICAS PÚBLICAS E GOVERNAÇÃO TERRITORIAL .......................................................................................
109
Investigação Florestal Aplicada (Lucinda Neves) ...................................................................................................
Exploração Agrícola: Que Ajustamentos nas Variáveis dos Instrumentos de Inquirição
Estrutural do INE? (Joaquim Cabral Rolo) ....................................................................................................................
Avaliação da Formação dos Sapadores Florestais (Catarina Pereira)....................................................
A Defesa da Floresta Contra Incêndios (DFCI) (Francisco Castro Rego) ...............................................
Índices de Risco de Incêndio Florestal e sua Aplicação (Luciano Lourenço)....................................
Reflexões sobre Análise Social e Empresarial de Investimentos (Nuno Cabral) ............................
A Agenda Agrorrural no Parlamento: A Política, a Retórica e os Processos
de Decisão (Miguel Freitas) .....................................................................................................................................................
Gestão Pública de Instrumentos de Política (Tito Rosa) ...................................................................................
111
129
139
147
163
169
185
pág. 3
Livro Agricultura 12 agosto.qxp_Apresentação 1 12/08/16 23:56 Página 4
Estratégia para a Internacionalização do Setor Agroalimentar e Florestal Português –
Relato de uma Experiência de Governação (António Serrano) ....................................................................
Coesão Territorial, Resiliência e Inovação Social: O Programa Rede Social
(José Manuel Henriques)..........................................................................................................................................................
Cultura e Artes no Território Rural Português: Movimentos para a Construção
de uma Sinfonia (Rui Godinho) ............................................................................................................................................
Desafios da Governança em Meio Rural (José Ferragolo da Veiga).........................................................
199
215
231
As Geografias Rurais do Antropoceno: Ainda uma Terra Incognita? (João Ferrão) .......................
247
249
Pobreza e Alterações Climáticas – Reflexões, Recolhas e Caminhos para
um Mundo Melhor (Rui Barreiro).........................................................................................................................................
259
III.FUTURO DOS TERRITÓRIOS RURAIS – INOVAÇÃO E PROSPETIVA ..........................................................
A Ruralidade do Século XXI – Em Busca do Lado Virtuoso
da Baixa Densidade (António Covas) ...............................................................................................................................
Um Olhar Prospetivo sobre o Sul de Portugal (Carlos Figueiredo) .............................................................
269
283
293
A Difícil Afirmação das Regiões Periféricas e a Valorização dos Recursos
Territoriais: O Papel das Instituições de Ensino Superior (João Guerreiro) .........................................
303
Políticas de Desenvolvimento em Territórios de Baixa Densidade: a Propósito dos
25 Anos de Trabalho da OCDE sobre Políticas para as Áreas Rurais (Paulo Areosa Feio) ......
315
O sistema sectorial de inovação agro-florestal em Portugal: Situação
e tendências evolutivas (Manuel Mira Godinho) .....................................................................................................
329
Anexo: Estudos Realizados pelo IESE no Âmbito da Agricultura, Floresta
e Desenvolvimento Rural, entre 1996 e 2016 .........................................................................................................
339
Para uma Nova Economia dos Territórios Rurais (Domingos Santos).....................................................
pág. 4
191
Livro Agricultura 12 agosto.qxp_Apresentação 1 12/08/16 23:59 Página 199
Coesão Territorial, Resiliência e Inovação Social: O Programa Rede Social
Coesão Territorial, Resiliência e Inovação Social:
O Programa Rede Social
José Manuel Henriques
1. “Crises”, “cisnes negros” e wicked problems
cumulam-se “crises” (dívidas soberanas, recessão económica, alterações climáticas, envelhecimento, etc.) e acentua-se a incerteza e a imprevisibilidade relativamente à ocorrência de fenómenos raros associados a riscos potencialmente devastadores. É o caso de “fenómenos extremos”
associados às alterações climáticas ou o caso de eventuais perturbações profundas do sistema
financeiro. Aumenta a probabilidade de ocorrência de “cisnes negros” sem que seja possível determinar uma probabilidade associada ao momento da sua ocorrência ou ao risco a ela associado
(Taleb, 2013: 4).
A
Problemas contemporâneos desta natureza deverão ser abordados enquanto wicked problems (Rittel
and Webber, 1973). Trata-se de problemas que não podem ser formulados como se de problemas
“domesticáveis” se tratasse: a natureza da sua complexidade, a clarificação concetual da sua definição, a não-linearidade associada à sua determinação causal e o papel de agentes concretos na
determinação “intencional” do nível de causalidade pertinente para a concretização da ação.
A reforçar este tipo de abordagens, ganha relevância a constatação de que a concretização das manifestações de crise em contextos territoriais concretos ocorre de acordo com novos padrões para além
das dicotomias convencionais (rural-urbano, centro-periferia, etc.) (Ferrão, 2013). O reconhecimento
da diversidade espacial e da especificidade local com que as manifestações mais agudas de crise se
concretizam em torno de “efeitos de localidade” (Bagguley et al., 1990; Urry, 1985), concorre para a
perceção da inevitabilidade da ação local na resposta aos problemas e na construção intencional de
efeitos deste tipo.
Como se sabe, o Tratado de Lisboa (2007) inscreveu a coesão territorial como objetivo da União Europeia a par da coesão económica e da coesão social (Artigos 3.º, 174.º e 175.º) e a Comunicação da
Comissão Europeia Green Paper on Territorial Cohesion: Turning territorial diversity into strength (CEC,
2008) destaca o contributo potencial da política de coesão territorial na Europa. A Comunicação foi
preparada na sequência dos trabalhos em torno da European Spatial Development Perspective (ESDP)
de 1999 e da adoção da Agenda Territorial da União Europeia, aquando da reunião informal dos
Ministros do Desenvolvimento Urbano e Coesão Territorial, realizada em maio de 2007 no âmbito da
presidência alemã da União Europeia.
É importante destacar que a Comunicação acima referida clarifica que a coesão territorial não depende
apenas de políticas públicas territoriais e destaca a importância da coordenação entre políticas
pág. 199
Livro Agricultura 12 agosto.qxp_Apresentação 1 12/08/16 23:59 Página 200
II. POLÍTICAS PÚBLICAS E GOVERNAÇÃO TERRITORIAL
setoriais e territoriais. A inscrição da “coesão territorial” como objetivo da União Europeia no Tratado
de Lisboa em 2007 consagra o reconhecimento da centralidade da ação para o desenvolvimento na
Europa, com base na ação a desenvolver na “totalidade das localidades”.
Acentua-se a oportunidade do aprofundamento da reflexão sobre a “resiliência” e sobre a “antifragilidade” de base territorial, a partir das análises sistémicas de natureza socioecológica. Aprofunda-se a
natureza da noção de “resiliência adaptativa” (Folke, 2006), e destaca-se a relevância de perspetivas
que valorizam as condições institucionais, organizacionais da “capacidade de agir” (agency) na construção de uma “capacidade adaptativa” de base territorial (Healey and Bristow, 2014). Trata-se não só
de assegurar o retorno a situações anteriores ao efeito de choques externos como da criação de
condições para uma menor vulnerabilidade a esses, ou a outros, choques, como consequência da
aprendizagem com o processo de reação (Bristow e Healy, 2013; Folke, 2006).
O futuro próximo adivinha-se associado a uma grande complexidade dos desafios e a mudanças
significativas na perceção dos problemas e nas formas de representação da ação possível. A “inovação
social” será provavelmente reconhecida como cada vez mais urgente para o aperfeiçoamento das
políticas públicas e para a capacitação coletiva na resposta social a esses desafios e problemas. A possibilidade de uma maior articulação territorial das políticas públicas vem sendo equacionada de forma
cada vez mais elaborada e exige uma profunda “inovação social” em diversas dimensões (inovação institucional, capacitação organizacional, competências específicas dos técnicos envolvidos, etc.).
A “inovação social”, ao envolver reestruturação concetual significativa, permite encontrar novos
sentidos para os propósitos da ação humana e, consequentemente, para a natureza dos recursos a
mobilizar prioritariamente.
Assim, o esforço de assegurar a mobilização integral de recursos na “totalidade das localidades” pode
encontrar na experiência do Programa Rede Social uma referência relevante para o aprofundamento
futuro da ação pública para a coesão territorial. O Programa Rede Social foi avaliado pelo IESE65 e os
resultados dessa avaliação podem contribuir para o aperfeiçoamento de medidas de política pública
conducentes à construção da “resiliência adaptativa” na sociedade portuguesa, criando condições
para melhores formas de lidar com a incerteza do futuro e com as repercussões negativas dos cenários
de maior exigência.
65 - Projeto Rede em Prática
– Relatório Final da Avaliação
do Programa Rede Social
2010-2012.
pág. 200
A capacidade de iniciativa e de organização de base territorial torna-se imprescindível para a mobilização do “potencial endógeno” ao conjunto das comunidades locais, tendo em vista o esforço coletivo
de mobilização integral de recursos para a eficiência económica e para a coesão social. Uma primeira
exploração desta perspetiva já foi ensaiada noutro lugar e são retomadas algumas formulações aí
expostas (Henriques, 2013).
Livro Agricultura 12 agosto.qxp_Apresentação 1 13/08/16 00:00 Página 201
Coesão Territorial, Resiliência e Inovação Social: O Programa Rede Social
2. A “coesão territorial” e as instituições europeias
É interessante ter um pouco da perspetiva histórica que acompanhou a evolução da noção de coesão
territorial. Marjorie Jouen (2007) analisa essa evolução e conclui que, apesar de eventuais heterogeneidades de interpretação, se poderá reconhecer consenso em torno da admissão de que todas as
políticas públicas poderiam ambicionar assegurar a redução de disparidades territoriais.
O Tratado de Lisboa
O Tratado de Lisboa consagra a coesão territorial como objetivo da União Europeia a par da coesão
económica e da coesão social. O Tratado não define exatamente o sentido em que a noção de “coesão
territorial” deverá ser entendida. Acolhe, no entanto, uma formulação que pressupõe uma abordagem
de caráter territorial do projeto europeu, embora reconheça também a eventual necessidade de ação
particular para regiões com problemas específicos.
No Artigo 3.º, refere explicitamente: «Em especial, a União procurará reduzir a disparidade entre os
níveis de desenvolvimento das diversas regiões e o atraso das regiões menos favorecidas.» Está em
causa promover um desenvolvimento «mais harmonioso do conjunto da União» e estabelece-se que «a
União procurará reduzir a disparidade entre os níveis de desenvolvimento das diversas regiões e o
atraso das regiões menos favorecidas.»
No Artigo 174.º, associa a “coesão territorial” ao «desenvolvimento harmonioso» e à «redução de disparidades entre os níveis de desenvolvimento entre diferentes regiões». Pode ler-se: «A fim de promover
um desenvolvimento harmonioso do conjunto da União, esta desenvolverá e prosseguirá a sua ação
no sentido de reforçar a sua coesão económica, social e territorial. Em especial, a União procurará
reduzir a disparidade entre os níveis de desenvolvimento das diversas regiões e o atraso das regiões
menos favorecidas.» Refere problemas de regiões específicas: «Entre as regiões em causa, é consagrada especial atenção às zonas rurais, às zonas afetadas pela transição industrial e às regiões com
limitações naturais ou demográficas graves e permanentes, tais como as regiões mais setentrionais
com densidade populacional muito baixa e as regiões insulares, transfronteiriças e de montanha.»
Finalmente, no Artigo 175.º, afirma implicitamente a necessidade de assegurar a coordenação entre
políticas territoriais e políticas macroeconómicas e setoriais e afirma explicitamente o papel dos fundos
estruturais na ação para esse objetivo: «Os Estados-membros conduzirão e coordenarão as suas
políticas económicas tendo igualmente em vista atingir os objetivos enunciados no artigo 174.º.
A formulação e a concretização das políticas e ações da União, bem como a realização do mercado
interno, terão em conta os objetivos enunciados no artigo 174.º e contribuirão para a sua realização.
A União apoiará igualmente a realização desses objetivos pela ação por si desenvolvida através dos
pág. 201
Livro Agricultura 12 agosto.qxp_Apresentação 1 13/08/16 00:00 Página 202
II. POLÍTICAS PÚBLICAS E GOVERNAÇÃO TERRITORIAL
fundos com finalidade estrutural (Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola, secção
“Orientação”; Fundo Social Europeu; Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional), do Banco Europeu
de Investimento e dos demais instrumentos financeiros existentes.»
Livro Verde da Coesão Territorial
Conforme já atrás introduzido, a Comunicação da Comissão Europeia Green Paper on Territorial Cohesion: Turning territorial diversity into strength (CEC, 2008) destaca o contributo potencial da política
de coesão territorial e da política de coesão na Europa.
A Comunicação começa por clarificar que a coesão territorial respeita à criação de condições para o
desenvolvimento harmonioso em todos os lugares, assegurando a todos os cidadãos a possibilidade
de valorizar as caraterísticas específicas de cada território. A Comunicação afirma a natureza contextualmente dependente (context-dependency) da competitividade e reconhece que ela depende da
capacidade de as pessoas e as empresas assegurarem o melhor uso possível dos ativos dos respetivos
territórios e de assegurarem ligações com outros territórios, num mundo cada vez mais globalizado e
interdependente.
Finalmente, a Comunicação afirma que cabe às políticas públicas ajudar os territórios a proceder ao
melhor uso dos seus ativos e promover abordagens territorialmente integradas na resolução dos
respetivos problemas, envolvendo respostas intersetoriais e a cooperação entre diferentes atores.
Relatório Barca
O Relatório independente elaborado por Fabrizio Barca, An Agenda for a Reformed Cohesion Policy:
A place-based approach to meeting European Union challenges and expectations (2009), reconhece
a relevância central da dimensão territorial do desenvolvimento e da capacidade de iniciativa e de
organização de base territorial para a mobilização integral de recursos para o rendimento e para o
crescimento económico (“eficiência económica”) e para o combate à pobreza e à exclusão social
(“inclusão social”).
Muito relevante é o facto de o Relatório Barca aprofundar a discussão sobre o sentido da política de
coesão distinguindo-a explicitamente de mera «redistribuição financeira». Está em causa contribuir
para a «mudança institucional e organizacional» favorável à rutura com ineficiências e com exclusão
social. Neste sentido, trata-se de agir para a «mudança institucional, e organizacional» na «totalidade
das localidades» e não apenas nas unidades territoriais associadas à incidência particular de problemas («regiões-problema»).
Neste sentido, o documento afirma a sua associação ao debate contemporâneo em torno de uma
pág. 202
Livro Agricultura 12 agosto.qxp_Apresentação 1 13/08/16 00:00 Página 203
Coesão Territorial, Resiliência e Inovação Social: O Programa Rede Social
abordagem place-based do desenvolvimento na Europa, e afirma a sua explícita relação com o que a
OCDE designa por «novo paradigma da política regional».
3. Coesão territorial, “outro” desenvolvimento regional e animação territorial
O “novo paradigma da política regional” acima referido inscreve-se num movimento de mudança
paradigmática que envolve uma explícita reestruturação do conceito de desenvolvimento (necessidades humanas, pobreza, emprego, pequena escala da organização humana, sustentabilidade ambiental,
etc.) e que pressupõe explicitamente a não redução do desenvolvimento territorial ao “crescimento
económico quanto a unidades territoriais de maior ou menor escala”. Nas condições contemporâneas,
quando se colocam objetivos de criação de emprego, de coesão social ou de sustentabilidade
ambiental, está em causa, não só a emergência de capacidade de iniciativa e de capacidade de organização, como a própria capacidade de agir para além de pressupostos mais convencionais.
Desenvolvimento local e “outro” desenvolvimento regional
A investigação já desenvolvida em domínios que concorrem para a fundamentação teórica do desenvolvimento territorial assim formulado contém já diversas perspetivas para possíveis aprofundamentos.
Refiram-se, a título ilustrativo, perspetivas de reflexão teórica em torno da fundamentação de estratégias “de desenvolvimento regional ‘endógeno’” (Stöhr e Tödtling, 76, 77, 82; Stöhr, 1981, 1983, 1984,
1986, 1987, 1990; Friedmann e Weaver, 1979), de estratégias de “retorno à subsistência” (Weaver,
1984; Wheelock, 1992), de estratégias de empowerment (Friedmann, 1992), de estratégias de desenvolvimento comunitário (Chanan,1992), de locality studies (Bagguley et al, 1990; Cook, 1985; Urry,
1985), de estratégias de “desenvolvimento territorialmente integrado” (Moulaert, 2002; Moulaert et
al., 1991), de perspetivas “institucionalistas e realistas” do desenvolvimento regional (Amin, 1994;
Malecki e Tödtling, 1994; Storper, 1995; Syrett, 1995), estratégias centradas na valorização do “capital
social” (Putnam, 1993), estratégias orientadas para a superação de processos de “subdesenvolvimento local” (Henriques, 2006) ou, mais recentemente, estratégias de valorização do “capital territorial” (Camagni, Capello, 2013).
A mudança de paradigma referida enfatiza a “capacidade de agir”, a capacidade de transformar, como
condição de realização da ação para o desenvolvimento.
“Desintegração territorial”, “não-emergência” de iniciativa e “animação territorial”
A ausência “espontânea” de iniciativa poderá constituir objeto da ação da própria animação territorial
para a constituição de condições para a ação coletiva, tendo em vista o exercício dessa capacidade
de iniciativa e de organização (recursos financeiros, competências legais, criação de novas formas de
pág. 203
Livro Agricultura 12 agosto.qxp_Apresentação 1 13/08/16 00:00 Página 204
II. POLÍTICAS PÚBLICAS E GOVERNAÇÃO TERRITORIAL
organização no domínio da economia social e da economia solidária, etc.). Ação coletiva que possa
orientar-se para a “reversão” de processos de “desintegração territorial” (Henriques, 1990ª; 2006).
A noção de “desintegração local” carece de clarificação. Tem origens diversas. Parte da noção de
“desintegração regional” proposta por Walter Stöhr (1983) (erosão de recursos, subutilização ou
sobreutilização de recursos locais, desintegração comunitária e sociopolítica, etc.) e enriquece-se com
a perspetiva proposta por Frank Moulaert (2000). A interdependência complexa entre aspetos de
ordem ecológica, económica, sociocultural, política e psicológica, subjacentes à inibição da iniciativa
local na resposta à “desintegração local”, já foi designada como “subdesenvolvimento local”
(Henriques, 1990a; 1990b; 1990c; 2006). Assim, agir para a superação de processos de “desintegração local” também passa a depender da forma como possam ser contrariados os processos que concorrem para a não-emergência de capacidade de iniciativa e de organização de base territorial e para
a invisibilidade de possibilidades de ação e dos recursos que as viabilizariam.
Porém, a superação da não-emergência “espontânea” de iniciativa de base territorial raramente constitui uma dimensão central na conceção da ação. Esta insuficiência já foi reconhecida no âmbito europeu, quando se referiu que os obstáculos ao desenvolvimento local se situam menos no plano
financeiro e mais no plano das «mentalidades e da organização administrativa»66.
66 - CEC (1994) Inventory of
Community Action to Support
Local Development and
Employment, Commission
Staff Working Paper, SEC (94)
2199, ver ponto 2.3.
67 - A expressão «outro
desenvolvimento» é aqui
usada em associação
estreita com os esforços
que têm vindo a ser
desenvolvidos para a
redefinição do conteúdo do
conceito de desenvolvimento.
A expressão foi inicialmente
usada pela Fundação Dag
Hammarskjöld no seu
documento “What Now?
Another Development”. A
expressão foi mais tarde
utilizada em associação com
o sentido que aqui se propõe
por Walter Stöhr em torno do
que designou como «Another
Regional Development»
(Stöhr 1981).
pág. 204
Esta questão é particularmente relevante no debate sobre o desenvolvimento local. Constata-se que
tanto pode ser concebido como ação de iniciativa local para “outro” desenvolvimento67 (tendo como
objetivo a ação orientada para a resolução de problemas concretos em torno da insatisfação das necessidades humanas, da criação de emprego, do combate à pobreza ou da sustentabilidade ambiental,
etc.) como com ação de iniciativa política central para a promoção do desenvolvimento regional através
de uma metodologia alternativa à perspetiva tradicional (articulação territorial do processo nacional
de desenvolvimento, políticas e estratégias de desenvolvimento regional visando a integração territorial,
condições institucionais e organizacionais viabilizadoras da mobilização integral de recursos na
“totalidade das localidades”, etc.).
Esta distinção é necessária, uma vez que os objetos de análise claramente se distinguem:
(a) No primeiro caso, pressupõe-se a pré-existência de capacidade de iniciativa e de organização
coletiva de base territorial e o objeto centra-se na discussão da natureza substantiva da ação e na
sua relação com a ativação dos “poderes causais” dos agentes sociais implicados;
(b) No segundo caso, pressupõe-se a possível não-emergência de iniciativa e de capacidade de
organização, e o objeto centra-se nas políticas públicas que visam o desenvolvimento regional
(promoção do empreendedorismo e da inovação, da educação e da investigação, financiamento
das autarquias locais, etc.); trata-se da criação das condições que se considerem favoráveis à
Livro Agricultura 12 agosto.qxp_Apresentação 1 13/08/16 00:00 Página 205
Coesão Territorial, Resiliência e Inovação Social: O Programa Rede Social
constituição de capacidade de iniciativa e de organização coletiva de base territorial, no quadro da
transição paradigmática em que se situa a produção científica no domínio das políticas e das
estratégias de desenvolvimento regional.
4. Condições contemporâneas e coesão territorial: síntese e desafios
O reconhecimento da relevância da coesão territorial na construção da Europa pelo Tratado de Lisboa
e a evolução do processo que conduziu à Agenda Territorial da União Europeia, permitem consolidar
alguns aspetos decisivos:
(a) A coesão territorial respeita a um processo de articulação territorial do projeto europeu que não se
confina ao domínio das políticas regionais (com vocação explícita no que respeita aos seus efeitos
territoriais); pressupõe, simultaneamente, a atenção aos efeitos territoriais das políticas macroeconómicas e setoriais e pressupõe políticas de desenvolvimento regional não tradicionais, que não
se confinem aos problemas de regiões específicas mas acolham os desafios de desenvolvimento
na “totalidade das localidades”, conjugando a articulação multinível e a articulação intersetorial
para a integração territorial na construção de respostas específicas em cada unidade territorial;
(b) A coesão territorial pressupõe uma mudança paradigmática na compreensão das relações entre
as sociedades e os respetivos territórios e as implicações que daí decorrem na formulação das políticas públicas; tem como implicação direta a compreensão de que os desafios que se colocam à
competitividade, ao emprego e à coesão social têm concretizações que não são independentes
dos contextos em que os respetivos problemas se manifestam (context-dependency) de forma
espacialmente diferenciada e localmente específica; as respostas poderão ter de ser específicas
e únicas em cada unidade territorial;
(c) A coesão territorial pressupõe, assim, capacidades locais de iniciativa e de organização suficientes
para assegurar a coerência dessa especificidade e a sinergia potencial na articulação entre os diferentes domínios de política pública (Henriques, 2009; OCDE, 2009);
(d) Podendo essa capacidade não pré-existir, para a sua constituição, a animação territorial poderá
ter de ser considerada como objeto de política pública para a coesão territorial.
A coesão territorial levanta, assim, desafios relevantes no domínio das políticas públicas:
(a) Garantia da coerência entre, por um lado, políticas macroeconómicas e setoriais com implicações
territoriais e, por outro, políticas territoriais;
(b) Criação de formas de governança que permitam assegurar respostas específicas em cada unidade
territorial (multinível, integração territorial, etc.);
pág. 205
Livro Agricultura 12 agosto.qxp_Apresentação 1 13/08/16 00:00 Página 206
II. POLÍTICAS PÚBLICAS E GOVERNAÇÃO TERRITORIAL
(c) Animação da criação das condições institucionais e organizacionais locais das quais possa
depender a ação estratégica, a criação de soluções organizativas e de competências técnicas e
organizacionais adequadas à construção da especificidade das respostas em cada unidade territorial (acesso a informação relevante, produção de conhecimento adequado ao contexto, desenvolvimento de competências, etc.); trata-se de políticas públicas que contribuam para contrariar a
“não-emergência” espontânea das condições para a capacidade de iniciativa e de organização;
(d) Animação da criação das condições das quais possa depender a qualidade da ação substantiva
na facilitação de mudanças nos contextos locais, favoráveis à competitividade, ao emprego e à
coesão social (construção de estratégias inscritas em trajetórias locais orientadas para a “reversão”
de processos de “desintegração territorial”, produção de conhecimento e capacitação na ação, a
partir de informação sobre resultados de projetos em programas experimentais orientados para a
inovação, “condições de possibilidade” associadas a “boas práticas” identificadas, etc., organização
de processos de aprendizagem interpares para o desenvolvimento de competências específicas e
genéricas (“comunidades de prática”, etc.).
5. Coesão territorial, policy integration e inovação social
Territorialização das políticas setoriais e macroeconómicas, integração intersetorial e territorial das
políticas públicas e novas formas de governança multinível, são dimensões centrais da operacionalização da coesão territorial.
Embora expressões como “integração de políticas” (policy integration), “coordenação de políticas” e
“cooperação de políticas” sejam expressões que acolhem referências crescentes, nem sempre é
rigoroso o modo como são usadas. Tendo em atenção o sentido da reflexão que aqui é desenvolvida,
a noção de “integração de políticas” será abordada de forma específica.
Trata-se da gestão de questões transversais de política pública que transcendem as fronteiras de
domínios setoriais e que se situam para além da responsabilidade individual de qualquer das entidades
envolvidas (Stead, D. e Meijers, 2009: 321). Os desafios de política relacionados com as alterações
climáticas, a competitividade e o desemprego ou a pobreza e a exclusão social, inscrevem-se nesse
tipo de questões.
Este tipo de mudança na conceção, na gestão e na implementação das políticas públicas vem ao encontro
da noção de “inovação social” tal como é apresentada pela OCDE ou por investigadores nesse domínio
(Moulaert et al., 2013). De acordo com estas perspetivas, ocorre “inovação social” quando novos mecanismos e novas normas contribuem para consolidar e melhorar o bem-estar dos indivíduos, das comunidades e dos territórios em termos de coesão social, de criação de emprego e de qualidade de vida.
pág. 206
Livro Agricultura 12 agosto.qxp_Apresentação 1 13/08/16 00:00 Página 207
Coesão Territorial, Resiliência e Inovação Social: O Programa Rede Social
O reconhecimento da ausência, insuficiência ou desadequação das respostas estatais aos problemas
sociais contemporâneos tem vindo a ser associado à afirmação da necessidade de inovação nas políticas públicas. É este tipo de reconhecimento que tem estado subjacente à criação de programas de
iniciativa Europeia de natureza experimental (Pobreza I, II e III, Urban, Leader, Emprego & Adapt, Equal,
etc.) assentes, predominantemente, em “projetos locais” orientados para a experimentação e tendo
em vista a inovação nas políticas públicas com base em princípios de ação previamente formulados
(“multidimensionalidade”, “partenariado” ou “parceria”, “participação”, “integração territorial”,
“empowerment”, etc.).
A experimentação precoce tendo em vista a inovação institucional para a construção de novas formas
de governança esteve presente desde o início do lançamento deste tipo de programas, através da inscrição de princípios como os do “partenariado” ou da “participação”.
6. Coesão territorial e o Programa Rede Social “revisitado”
O reconhecimento da relevância da coesão territorial na construção da Europa pelo Tratado de Lisboa
e a evolução do processo que conduziu à Agenda Territorial da União Europeia, permitem consolidar
alguns aspetos decisivos para a reflexão sobre a utilidade potencial da experiência já adquirida através
do Programa Rede Social, para o aprofundamento da coesão territorial no nosso país.
Relembrando, a coesão territorial respeita a um processo de articulação territorial do projeto europeu
que não se confina ao domínio das políticas regionais (com vocação explícita no que respeita aos seus
efeitos territoriais). Pressupõe simultaneamente a atenção aos efeitos territoriais das políticas macroeconómicas e setoriais e pressupõe políticas de desenvolvimento regional não confináveis aos problemas de regiões específicas. Pressupõe políticas de desenvolvimento regional que se orientem para
desafios de desenvolvimento de qualidade diferente na totalidade das regiões recorrendo a formas de
governança que permitam simultaneamente a articulação multinível e a articulação intersetorial para
a integração territorial da ação, na construção de respostas específicas adequadas a cada unidade
territorial.
Está em jogo uma mudança paradigmática na compreensão das relações entre as sociedades e os
respetivos territórios e as implicações que daí decorrem na formulação das políticas públicas. Uma
mudança paradigmática que tem como implicação direta a compreensão de que os desafios que se
colocam à competitividade, ao emprego e à coesão social têm concretizações que não são independentes dos contextos em que os respetivos problemas se manifestam (context-dependency). Ou seja,
os desafios colocam-se de forma espacialmente diferenciada e localmente específica, o que pressupõe
respostas únicas em cada unidade territorial, embora não dependendo a sua resolução exclusivamente
de competências e de recursos localmente disponíveis. A coesão territorial não respeita apenas a
“regiões-problema” mas à “totalidade das localidades”.
pág. 207
Livro Agricultura 12 agosto.qxp_Apresentação 1 13/08/16 00:00 Página 208
II. POLÍTICAS PÚBLICAS E GOVERNAÇÃO TERRITORIAL
O tipo de mudança a ocorrer na “totalidade dos contextos locais” pressupõe capacidades locais de
iniciativa e de organização suficientes para assegurar a coerência dessa especificidade e a sinergia
potencial na articulação entre os diferentes domínios de política pública (Henriques, 2009; OCDE,
2009).
O acompanhamento da Avaliação do Programa Rede Social permitiu constatar a riqueza da experiência
portuguesa em torno da concretização de diferentes redes sociais locais. É a essa experiência pessoal
que se recorre para a oportunidade de uma reflexão sobre o contributo potencial do Programa para a
resposta aos desafios contemporâneos, no quadro do aprofundamento da ação para a “coesão territorial”.
Assim, para uma análise do contributo potencial do Programa Rede Social para o enquadramento e
aprofundamento da ação para a coesão territorial, diferentes dimensões emergem, com relevância
central: iniciativa local e “transição paradigmática” no desenvolvimento regional; inovação institucional
e novas formas de governança colaborativa e multinível; “não-emergência” de iniciativa local e animação territorial para a “inovação social”; novos processos de aprendizagem, mobilização integral de
diferentes formas de conhecimento e desenvolvimento de competências técnicas e genéricas para a
ação.
Programa Rede Social
Tratando-se de uma experiência de mais de uma década de consolidação, e tendo sido objeto de diversos exercícios de avaliação, de natureza e âmbito distintos, o Programa Rede Social reúne condições
muito relevantes para uma reflexão estruturada sobre as suas eventuais potencialidades e possibilidades de aprofundamento, tendo em vista a promoção da coesão territorial no nosso país.
O Programa Rede Social foi criado num contexto nacional e europeu marcado pela procura de novas
formas de resposta pública aos problemas de pobreza e de exclusão social. A legislação inicialmente
criada (Resolução do Conselho de Ministros n.º 197/97) afirma o Programa como medida de política
pública orientada para a procura de maiores eficácia e eficiência na mobilização de recursos e
reconhece-o a partir de 2006 (Decreto-Lei n.º 115/2006) como elemento central do Plano Nacional
de Ação para a Inclusão (PNAI), expressão nacional da Estratégia Europeia para a Inclusão Social.
Iniciativa local e “transição paradigmática” no desenvolvimento regional
A iniciativa local e as condições organizacionais e institucionais da autossustentação da ação situam-se no centro da reflexão sobre a articulação territorial das políticas públicas para o emprego e para o
combate à pobreza.
pág. 208
Livro Agricultura 12 agosto.qxp_Apresentação 1 13/08/16 00:00 Página 209
Coesão Territorial, Resiliência e Inovação Social: O Programa Rede Social
O Programa Rede Social assenta numa medida de política pública focalizada no combate à pobreza e
à exclusão social e cobrindo integralmente o território do Continente envolvendo todos os Municípios
na corresponsabilização pela sua concretização. Assenta no reconhecimento do papel incontornável
da iniciativa local na mobilização integral de recursos para a superação de respostas à pobreza e à
exclusão social, exclusivamente orientadas para a privação e não para a autonomização no acesso a
recursos, para a “integração económica” e para a coesão social. Finalmente, o Programa Rede Social
propõe uma resposta à pobreza e à exclusão social enquadrada por uma perspetiva de “desenvolvimento social” (prioridade ao emprego, ao combate à pobreza e à exclusão social e à promoção da coesão social).
O Programa Rede Social inscreve-se, assim, numa perspetiva de coesão territorial. Associa iniciativa
local orientada para “outro” desenvolvimento regional, à mobilização integral de recursos na “totalidade
das localidades” e ao esforço de reestruturação concetual viabilizador da “inovação social” na capacitação social para os desafios contemporâneos.
Inovação institucional e novas formas de governança colaborativa e multinível
A coordenação territorial de políticas de emprego, de desenvolvimento económico e de inclusão, a
adaptação de políticas às condições locais e a participação da sociedade civil e dos agentes
económicos na orientação de políticas são reconhecidas pela OCDE como dimensões centrais na
governança local (OCDE, 2004, 2006). A criação de condições favoráveis à iniciativa de atores locais
e à autossustentação da sua ação vem merecendo um reconhecimento crescente. As condições
institucionais de que depende a governança local vêm sendo objeto de reflexão estruturada por esta
organização (descentralização, flexibilidade administrativa, gestão por objetivos, mecanismos de
financiamento, integração dos serviços públicos de emprego, etc.) (OCDE, 2009). A investigação sobre
“governança colaborativa” inscreve-se igualmente nesta perspetiva (Ansell e Gash, 2007).
O Programa Rede Social associa uma medida de política pública central à sua concretização local,
através da mobilização de competências municipais, e à promoção de concretização de formas de
governança colaborativa e multinível localmente específicas (autonomia na determinação da
constituição de membros dos Conselhos Locais de Ação Social (CLAS) e participação diferenciada nos
“núcleos executivos”, além da presença obrigatória da Segurança Social e dos municípios).
O Programa Rede Social inscreve-se também, por esta via, numa perspetiva de coesão territorial.
Associa a integração territorial de políticas públicas ao exercício de competências municipais e das
Juntas de Freguesia, promove o envolvimento da sociedade civil e concretiza a simultaneidade e a
complementaridade do “central” e do “local” no desenvolvimento local.
pág. 209
Livro Agricultura 12 agosto.qxp_Apresentação 1 13/08/16 00:00 Página 210
II. POLÍTICAS PÚBLICAS E GOVERNAÇÃO TERRITORIAL
“Não-emergência” de iniciativa local e animação territorial para a “inovação social”
A iniciativa local e as condições organizacionais e institucionais da autossustentação da ação situam-se no centro da reflexão sobre a articulação territorial das políticas públicas para o emprego, para o
combate à pobreza ou para a promoção da coesão social e das formas de governança local que melhor
possam contribuir para a melhoria dos seus resultados.
Mas, este tipo de iniciativas pode não emergir “espontaneamente” (Henriques, 2006; 2007). A sua
“não-emergência” pode ser entendida como a consequência de processos de “desintegração territorial”
(emigração dos mais qualificados, “drenagem” de recursos financeiros, erosão de recursos naturais,
etc.) que concorrem para a desestruturação económica e socioinstitucional das comunidades locais.
A “animação territorial” visa facilitar a emergência de iniciativa e a autossustentação da ação orientada
para a “reversão” desses processos, contribuindo para o alargamento de possibilidades de integração
económica e social, de acesso ao emprego e de promoção da cidadania (Henriques, 2009). Contempla
a criação de novas formas de governança (articulação institucional, construção da ação coletiva,
“parcerias de ação”, etc.), de estratégias de animação (animação da cidadania, criação de novas formas
organizacionais, capacitação individual e coletiva, etc.), de estratégias de animação para a “integração
económica” (autodeterminação e subsidiariedade, diminuição da dependência mercantil e animação
de circuitos económicos locais, promoção do acesso ao emprego através de “percursos integrados” e
do “empreendedorismo inclusivo”, etc.) e de estratégias de mobilização de conhecimentos, de
aprendizagem e de produção de competências (mobilização integral de conhecimentos, novas formas
de diálogo entre diferentes formas de conhecimento, produção de competências específicas, etc.).
É de admitir que o desemprego e a pobreza persistam a níveis muito elevados e que se tornem cada
vez mais ineficazes as medidas convencionais de promoção do acesso ao emprego e de superação
dos limites da simples resposta à privação. Por exemplo, tornar-se-á mais clara a necessidade de redefinir o emprego não como um fim em si mas como meio para o acesso a recursos monetários, para
a criação e preservação de relações de interdependência social significativa e para facilitar a realização
de direitos sociais.
Implica, assim, recentrar o “económico” nas condições bloqueadoras, ou facilitadoras, da satisfação
de necessidades humanas. A reestruturação concetual em causa pressupõe a crítica dos fundamentos
das respostas correntes e a procura de apoio em perspetivas alternativas. A “inovação social” associada à criação de novas formas de resposta aos problemas da pobreza ou do emprego implica uma
profunda reestruturação concetual em torno da perceção da respetiva dimensão “económica”.
A iniciativa local e as condições organizacionais e institucionais da autossustentação da ação situam-se, assim, no centro da reflexão sobre a articulação territorial das políticas públicas para o emprego,
pág. 210
Livro Agricultura 12 agosto.qxp_Apresentação 1 13/08/16 00:00 Página 211
Coesão Territorial, Resiliência e Inovação Social: O Programa Rede Social
de combate à pobreza ou de promoção da coesão social e sobre as formas de governança local que
possam contribuir para a melhoria dos seus resultados.
Espacialmente diferenciadas nos seus efeitos materiais, as políticas públicas, em particular no domínio
do desenvolvimento regional, não se têm mostrado suficientes, ou adequadas, à superação da não-emergência de iniciativa local. Em certos casos, poderão mesmo ter vindo a contribuir para o seu
reforço (migrações internas, efeitos perversos de acessibilidades acrescidas em regiões periféricas,
efeitos de valorização fundiária em áreas urbanas em “crise”, etc.).
O Programa Rede Social associa uma medida de política pública central à sua concretização local, inscrevendo-a nas competências das autarquias locais e perspetivando a sua articulação futura com instrumentos de planeamento territorial (Planos Municipais de Ordenamento do Território, Planos Diretores
Municipais, etc.) numa perspetiva de animação territorial.
O Programa Rede Social pode claramente acolher as implicações do esforço de “inovação social”, que
se vai tornando urgente. Os domínios setoriais a implicar diretamente poderão ser objeto de reformulação. O Programa já associa uma medida de política pública central à criação de condições para a
autossustentação da iniciativa local na mobilização integral de recursos, agilizando a criação de novas
formas de governança local facilitadoras da integração territorial de políticas setoriais, solicitando a
preparação de instrumentos de planeamento que envolvem o carácter coletivo do agente de planeamento (“diagnóstico social”, “plano de desenvolvimento social”, “plano de ação”, etc.) e convidando à
mobilização coletiva em torno da concretização de desafios de “inovação social” (superação de limites
da resposta à privação no combate à pobreza, novas formas de governança facilitadoras da construção
de respostas coletivas assentes na mobilização integral de recursos locais, inovação nos instrumentos
de planeamento, etc.).
Novos processos de aprendizagem, mobilização integral de diferentes formas de conhecimento e
desenvolvimento de competências técnicas e genéricas para a ação.
A ação para o combate à pobreza ou para a promoção da “integração económica”, por exemplo, implica
uma abordagem integrada da coesão territorial e pressupõe um aperfeiçoamento contínuo de conhecimentos e competências (“específicas”, “técnicas” e “genéricas”), e novos modos de pensar e de trabalhar associados ao trabalho direto com as comunidades, ao trabalho intersetorial, interorganizacional
ou interprofissional.
No âmbito europeu, já foi reconhecido que estão em causa competências cujo desenvolvimento não
está a ser assegurado através dos sistemas formais de educação e formação. É de acordo com esta
perspetiva que o Conselho de Ministros Informal da União Europeia de Bristol (2005) reconheceu
pág. 211
Livro Agricultura 12 agosto.qxp_Apresentação 1 13/08/16 00:00 Página 212
II. POLÍTICAS PÚBLICAS E GOVERNAÇÃO TERRITORIAL
formalmente a existência de um défice de competências genéricas face à natureza dos problemas
contemporâneos e face à complexidade das respostas públicas.
Entretanto, a informação relativa a resultados de projetos desenvolvidos no âmbito de programas experimentais é abundante e está acessível de forma generalizada. São diversas as plataformas Web
que permitem aceder a informação sobre “boas práticas” (Urban, Eukn, Equal, etc.) ou que acolhem a
possibilidade de interação entre utilizadores potenciais e autores (Urbact, Ciaris - Ct, etc.).
Este património oferece excelentes condições para a produção de conhecimento, para a organização
de processos de aprendizagem e para o desenvolvimento de competências orientadas para a inovação
nas políticas públicas e para a “inovação social” em geral. Pode constituir a base de ação imediata
orientada para o aperfeiçoamento das políticas públicas e para a capacitação na ação envolvida na
sua concretização (Henriques e Trayner, 2009).
Ao associar uma medida de política pública a condições de concretização que podem exigir a mobilização de competências não-convencionais, o Programa Rede Social propicia a facilitação de “diálogos”
entre diferentes formas de conhecimento nas comunidades ou a superação de défices de competências, através de formas de auto-organização (competências de animação comunitária, competências
de planeamento, facilitação de aprendizagens e desenvolvimento de competências em “comunidades
de prática”, competências de aprendizagem a partir de informação sobre “boas práticas”, etc.). Esta
perspetiva poderá vir a inscrever-se na combinação entre o aprofundamento de metodologias de “investigação transdisciplinar” e o envolvimento de participantes do Programa Rede Social em knowledge
alliances, conforme já poderá ter acolhimento no âmbito da Estratégia 2020.
Nota Final
O Programa Rede Social inscreve-se, assim, numa perspetiva de experimentação potencial com relevância para a concretização da ação pública para a “coesão territorial”.
Em síntese, associa uma medida de política pública central à “animação territorial” para a inovação
social. Facilita a inovação institucional, a capacidade organizacional e a experimentação com novas
formas de governança colaborativa e multinível. Permite vir a acolher iniciativas locais para a “integração económica” e para a sustentabilidade. Finalmente, oferece condições para a aprendizagem, para
a produção de conhecimento e para o desenvolvimento de competências, a partir do exercício da
reflexividade crítica e da interação contínua com as melhores práticas, imprescindíveis para a mobilização do “potencial endógeno” das comunidades locais e para a mobilização integral de recursos.
pág. 212
Livro Agricultura 12 agosto.qxp_Apresentação 1 13/08/16 00:00 Página 213
Coesão Territorial, Resiliência e Inovação Social: O Programa Rede Social
Bibliografia
Ansell, C. e Gash, A. (2007) Collaborative Governance in Theory and Practice, Journal of Public Administration Research, 13
novembro.
Bagguley, P.; Mark-Lawson, J.; Shapiro, D.; Urry, J.; Walby, S. e Warde, A. (1990), Restructuring: Place, Class and Gender, Londres,
Sage.
Barca, F. (2009), An Agenda for a Reformed Cohesion Policy: A Place-Based Approach to Meeting European Union Challenges
and Expectations. Independent Report, prepared at the request of Danuta Hübner, Commissioner for Regional Policy.
Bristow, G. e Healy, A. (2013), Regional Resilience: An agency perspective, Regional Studies, vol. 48, n.º 5: 923-935.
Camagni, R. e Capello, R. (2013), Regional Competitiveness and Territorial Capital: A conceptual approach and empirical evidence
from the European Union, Regional Studies, vol. 47, n.º 9: 1383-1402.
CEC (2008), Green Paper on Territorial Cohesion: Turning territorial diversity into strength, Comunicação da Comissão, COM
(2008) 616 Final.
Faludi, A. (2007), Territorial Cohesion Policy and the European Model of Society, European Planning Studies, vol. 15, n.º 4.
Ferrão, J. (2013), Cardoso, J. L., Machado Pais, J. e Magalhães, P. (org.), Portugal Social de A a Z: Temas em aberto, Lisboa, Expresso e ICS.
Folke, C. (2006), Resilience: The emergence of a perspective for social-ecological systems analyses, Global Environmental
Change, 16: 253-267.
Friedmann, J. (1992), Empowerment: The Politics of Alternative Development, Cambridge Blackwell.
Friedmann, J. e Weaver, C. (1979), Territory and Function, Londres, Edward Arnold.
Harvey, D. (1989), The Condition of Postmodernity, Cambridge, Blackwell.
Henriques, J. M e Godinho, R. (2012), Projeto Rede em Prática – Relatório Final da Avaliação do Programa Rede Social 2010-2012, IESE – Instituto de Estudos Sociais e Económicos / ISS – Instituto da Segurança Social.
Henriques, J. M. (1990a), Theories and Policies of Local Development, Konsolas, N. (ed.), Local Development, Atenas, Instituto
Regional de Desenvolvimento e Agência Helénica para o Desenvolvimento Local e para o Governo Local.
Henriques, J. M. (1990b), Municípios e Desenvolvimento: Caminhos possíveis, Lisboa, Escher.
Henriques, J. M. (1990c), Subdesenvolvimento Local, Iniciativa Municipal e Planeamento Territorial, Sociedade e Território, Ano
4, n.º 12.
Henriques, J. M. (2006), Global Restructuring and Local Anti-Poverty Action: Learning with European Experimental Programmes,
Tese de Doutoramento, Lisboa, Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa.
Henriques, J. M. (2007), Globalização, “Desintegração Local” e Governança: Discursos e possibilidades, Salavisa, I.; Rodrigues,
W. e Mendonça, S. (coord.), Inovação e Globalização: Estratégias para o Desenvolvimento Económico e Territorial, Porto,
Campo das Letras.
Henriques, J. M. (2009), Inovação Social e Animação Territorial: Contributos da Iniciativa Comunitária Equal em Portugal,
Sociedade e Trabalho, n.º 12.
Henriques, J. M. (2014), Coesão Territorial e Desenvolvimento Local “Revisitado”: Perspectivas para o Programa Rede Social,
Morais, C. e Rodrigues, F. (coord.), Por um Alto-Minho Coeso e Inclusivo, Viana do Castelo, Minho-Lima Redes Sociais.
Henriques, J. M. e Trayner, B. (2009), Developing Learning Capabilities Through the EUKN Platform: Methodological perspectives,
Lisboa, Direção-Geral do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Urbano (DGOTDU).
http://www.europarl.europa.eu/meetdocs/2009_2014/documents/regi/dv/barca_report_/barca_report_en.pdf (acedido em
3 Abril 2016).
http://www.notre-europe.eu/media/territorialcohesionjouennejune08.pdf?pdf=ok (acedido em 30 maio 2014)
pág. 213
Livro Agricultura 12 agosto.qxp_Apresentação 1 13/08/16 00:00 Página 214
II. POLÍTICAS PÚBLICAS E GOVERNAÇÃO TERRITORIAL
https://repositorio.iscte-iul.pt/handle/10071/273 (acedido em 3 Abril 2016).
Jouen, M. (2008), Territorial Cohesion: from Theory to Practice, Notre Europe, Policy Paper, n.º 35.
Malecki, E. e Tödtling, F. (1994) The New Flexible Economy: Shaping Regional and Local Institutions for Global Competition, IIR-Discussion 50, Viena, Institut fur Raumplanung und Regionalentwicklung, Wirtschaftsuniversitat Wien.
Moulaert, F. (2000) Globalization and Integrated Area Development in European Cities, Nova Iorque, Oxford University Press.
Moulaert, F.; MacCallum, D.; Mehmood, A. e Hamdouch, A. (ed.) (2013), The International Handbook On Social Innovation:
Collective Action, Social Learning and Transdisciplinary Research, Camberley, Edward Elgar.
OCDE (2001), Local Partnerships for Better Governance, Paris, OECD.
OCDE (2004), New Forms of Governance for Economic Development, Paris, OECD.
OCDE (2010), Breaking Out of Silos: Joining Up Policy Locally, Paris, OECD.
Putnam, R. 1993, Making Democracy Work, Princeton, Princeton University Press.
Rittel, H. e Webber, M (1973), Dilemmas in a General Theory of Planning, Policy Sciences, 4: 155-169.
Stead, D. e Meijers, E. (2009), Spatial Planning and Policy Integration: Concepts, Facilitators and Inhibitors, Planning Theory and
Practice, 10-3: 317-332.
Stöhr, W. (1981), Development from Below: the Bottom-up and Periphery-inward Development Paradigm, Stohr, W. and Taylor,
D.R. (ed.), Development from Above or Below?, Chichester, John Willey and Sons.
Stöhr, W. (1983), Alternative raumliche Entwicklungsstrategien Endogener “Selektiver Eigenstandigkeit”, Osterreichische
Zeitschrift fur Soziologie, 3, Viena, Österreichische Gesellschaft fur Soziologie.
Stöhr, W. (1984), Changing External Conditions and a Paradigm Shift in Regional Development Strategies, Estudos de Economia,
vol. IV, n.º 4.
Stöhr, W. (1986), Regional Innovation Complexes, Proceedings of The Regional Science Association, vol. 59.
Storper, M. (1995), Territorial Development in the Global Learning Economy: The challenge to developing countries, Review of
International Political Economy, 2-3: 394-424.
Syrett, S. (1995), Local Development, Avebury, Aldershot.
Taleb, N. (2013), Antifragile: Things that Gain from Disorder, Londres, Penguin Books.
Urry, J. (1986), Locality Research: The Case of Lancaster, Regional Studies, vol. 20 (3): 233-242.
Weaver, C. (1984), Regional Development and the Local Community, Nova Iorque, John Wiley.
Wheelock, J. (1992), The Household in the Total Economy, Paul Ekins e Manfred Max-Neef (ed.), Real-Life Economics: Understanding Wealth Creation Londres, Routledge.
Nota biográfica
Professor no ISCTE-IUL (Instituto Universitários de Lisboa), diretor do Departamento de Economia Política e docente em Economia
do Desenvolvimento nos Programas Doutorais em Economia e Arquitetura e nos cursos de Mestrado em Estudos de Desenvolvimento, Estudos Internacionais, Economia e Políticas Públicas, Economia Social e Solidária e Arquitetura dos Territórios Metropolitanos Contemporâneos.
Tem desenvolvido pesquisa no quadro de programas europeus de natureza experimental (Pobreza III, Emprego & Adapt, Equal,
etc.), programas nacionais (Iniciativa Bairros Críticos, Programa Rede Social, etc.) e para organizações internacionais como a
Organização Internacional do Trabalho (OIT) (Programa STEP, Projeto CIARIS, projeto BRIDGES) e a OCDE (Projeto IESED). Sociofundador da Agência para a Coesão Territorial dos Açores (AGECTA) onde tem vindo a desenvolver a Academia para a Coesão
nos Açores (ACA).
pág. 214
Download