412 ARTIGO ORIGINAL REFORMA PSIQUIÁTRICA NA BAHIA

Propaganda
ARTIGO ORIGINAL
REFORMA PSIQUIÁTRICA NA BAHIA: DESAFIOS E (DES)CAMINHOS
Monica Lorencetti Fornaziera
Rosimeira das Chagas Delgadob
Resumo
A Reforma Psiquiátrica, por ser um processo histórico recente, de embates
e conquistas, envolvendo os mais diversos atores sociais, requer ampla discussão e
encaminhamentos em todo o Brasil e em particular no estado da Bahia. O principal objetivo
deste trabalho, além de compreender a rede de serviços de saúde e as demais redes
intersetoriais, é construir um diagnóstico situacional que possa nortear as propostas de ações
de saúde mental no estado, com base na identificação das dificuldades apresentadas pelos
serviços e das informações disponibilizadas pela rede de serviços. Metodologicamente,
trata-se de pesquisa de cunho quantitativo e qualitativo. A discussão dos dez aspectos que
destacam as principais dificuldades para a implementação da Reforma Psiquiátrica no estado
Bahia permitiu concluir-se que as questões apontadas não fogem às principais dificuldades
presentes nos demais estados brasileiros no que diz respeito ao seu fortalecimento e à sua
efetiva implementação.
Palavras-chave: Reforma psiquiátrica. Saúde pública. Saúde mental. Política nacional de saúde
mental.
PSYCHIATRIC REFORM IN BAHIA: CHALLENGES AND (TEM)PATHS
Abstract
The Psychiatric Reform, being a recent historical process of clashes and
conquests which involved diverse social actors, requires extensive discussion and referrals
Especialista em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (CESTEH)/FIOCRUZ. Mestra em Saúde Pública pela Escola
Nacional de Saúde Pública (ENSP), FIOCRUZ. Psicóloga – Coordenação Estadual de Saúde Mental, Secretaria da Saúde
do Estado da Bahia (SESAB).
b
Especialista em Saúde Mental Coletiva pela Faculdade Ruy Barbosa. Educadora Física – Coordenação Estadual de Saúde
Mental, Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (SESAB).
Endereço para correspondência: Rua Senador Vergueiro, nº. 135, Flamengo, Rio de Janeiro. CEP: 22230-000.
[email protected]
a
412
Revista Baiana
de Saúde Pública
throughout Brazil and particularly in the state of Bahia. The main objective of this work,
besides understanding the network of health services and the other intersectoral networks,
is to build a situational diagnosis that can guide the proposals for mental health services in
that state, based on the identification of the difficulties presented by the services and of the
information provided by the network of services. Methodologically, this research is quantitative
and qualitative. The discussion of the ten aspects that highlight the main difficulties for the
implementation of the Psychiatric Reform in Bahia lead to the conclusion that the issues raised
are the same as the main difficulties which are present in other Brazilian states regarding the
strengthening and effective implementation of the Reform.
Key words: Psychiatric reform. Public health. Mental health. National policy on mental health.
REFORMA PSIQUIÁTRICA EN BAHIA: RETOS Y (DES)CAMINOS
Resumen
La Reforma Psiquiátrica, como un proceso histórico de los recientes
enfrentamientos y conquistas, involucrando diversos actores sociales, requiere de un amplio
debate y encaminamientos en todo el Brasil y, en particular, en el estado de la Bahía. El
objetivo principal de este trabajo, además de entender la red de servicios de salud y otras
redes intersectoriales, es la construcción de un diagnóstico situacional que pueda guiar
las propuestas de acciones de la salud mental en el estado, basado en la identificación de
las dificultades que presentan los servicios y en la información proporcionada por la red
de servicios. Metodológicamente, es una investigación de tipo cuantitativa y cualitativa.
La discusión de los diez aspectos que ponen en relieve las principales dificultades para la
implementación de la Reforma Psiquiátrica en el estado de Bahía, llegó a la conclusión de que
las cuestiones planteadas no escapan a las principales dificultades presentes en otros estados
del Brasil con respecto a la aplicación efectiva y a su fortalecimiento.
Palabras-clave: Reforma psiquiátrica. Salud pública. Salud mental. Política nacional de salud
mental.
INTRODUÇÃO
O Sistema Único de Saúde (SUS) constitui-se enquanto uma processualidade
– ainda em curso – decorrente do engajamento e do amplo debate promovidos pelos
v.35, n.2, p.412-431
abr./jun. 2011
413
profissionais progressistas da saúde, sanitaristas, sindicatos e representantes da sociedade
organizada e civil de modo geral, em torno do que se denominou Movimento pela Reforma
Sanitária Brasileira, responsável por promover discussões e propor modificações para as
políticas e as práticas públicas de saúde vigentes no país desde a Constituição Federal de
1967.1 Sua elaboração é paralela ao processo de transição democrática do país e tem como
referencial a VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada no ano de 1986. Um dos pontos
centrais suscitados pela então chamada “reforma sanitária” é o entendimento de que todas as
ações e serviços de saúde deveriam ser unificados em seus conceitos, princípios e diretrizes,
além de serem descentralizados.2
Marco na formulação de propostas de mudanças no setor saúde, essa
conferência organizou um documento que propôs a definição da saúde como uma
confluência de condições biopsicossociais. Esse documento serviu como referência para as
discussões posteriores na Assembleia Nacional Constituinte de 1987.
A Constituição Federal Brasileira3 contempla os vários acordos internacionais
entre países no que diz respeito à garantia dos direitos das pessoas e ao papel do Estado
Democrático no cumprimento desses direitos. No caso da saúde da população, a Constituição
considerou o acordo internacional de Alma Ata,4 que consolidou o conceito de saúde adotado
pelo sistema sanitário da Organização Mundial de Saúde (OMS) que considera – ainda que
essa conceituação seja controversa e amplamente discutida – a saúde enquanto um estado de
bem-estar físico, mental e social e não simplesmente a ausência de doença,3 além de afirmar
categoricamente que a única alternativa ao tratamento ou reabilitação das doenças é ter como
objetivo proteger e promover a saúde e a “qualidade” de vida dos sujeitos. Uma vez que define
a saúde como um direito de todos e dever do Estado, propõe-se a legislar acerca de políticas,
sociais e econômicas – condicionantes e determinantes do processo saúde x doença – que
visam a diminuição do risco de doença e de outros agravos à saúde e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.3 Cabe ressaltar a
centralidade de alguns conceitos consolidados pela Lei Orgânica da Saúde (LOS),5 definidos
enquanto princípios e diretrizes que orientam as ações e os serviços de saúde no país desde então.
Por seu turno, a Reforma Psiquiátrica Brasileira, compreendida enquanto um
conjunto de transformações de práticas, saberes, valores culturais e sociais, ainda que tenha
construído uma trajetória singular, é contemporânea ao engendramento do “movimento pela
reforma sanitária”, nos anos de 1970 e de 1980. Nesse momento alinhou-se aos princípios
e às diretrizes do SUS, em especial à universalidade, integralidade, descentralização e
participação popular.6
414
Revista Baiana
de Saúde Pública
Pode-se dizer que a reforma psiquiátrica está fundamentalmente pautada
na reivindicação dos direitos civis e humanos dos sujeitos em sofrimento psíquico e na
possibilidade de invenção de um modelo outro de atenção e cuidado que não aquele
centrado no asilamento promovido e historicamente naturalizado pela instituição hospitalar
psiquiátrica. Uma reivindicação pela desospitalização e pela desinstitucionalização da loucura,
portanto, que coloca em questão, para os profissionais da área em geral, e para toda a
humanidade em particular, não apenas a funcionalidade e eficácia terapêutica dos hospitais
psiquiátricos, mas também a própria razão de ser de sua existência. A desinstitucionalização
é esse processo, não apenas técnico, administrativo, jurídico, legislativo ou político, mas,
sobretudo, ético, de reconhecimento de uma prática que introduz novos sujeitos de direito e
novos direitos para os sujeitos.7
Contudo, é somente no ano de 2001 que a Lei Paulo Delgado8 – já tramitando
enquanto projeto de lei no Congresso Nacional desde o ano de 1989 – é sancionada no país
com a proposta de regular as internações psiquiátricas e de orientar o redirecionamento da
assistência em saúde mental na perspectiva de oferta de serviços abertos, de base comunitária
e territorial, serviços esses substitutivos ao hospital psiquiátrico.
Os serviços já não serão locais de repressão, exclusão, disciplina, controle e
vigilância panóptica. Devem ser entendidos como dispositivos estratégicos,
como lugares de acolhimento, de cuidado e de trocas sociais. Enquanto
serviços que lidam com as pessoas e não com as doenças, devem ser lugares
de sociabilidade e produção de subjetividades.9:69
Esse também é o ano em que ocorre a III Conferência Nacional de Saúde
Mental e, em seguida, o Ministério da Saúde, por intermédio da Coordenação Nacional de
Saúde Mental, adota a Reforma Psiquiátrica como política oficial para o setor, elaborando
o documento “A Reforma Psiquiátrica e a Política de Saúde Mental no Brasil”,10 que discute
e sugere, de forma esclarecedora, o que vem a ser esses serviços substitutivos, dando
visibilidade e impulso aos necessários processos de “desinstitucionalização” da loucura e de
mudança da lógica do cuidado.
Atualmente, no Brasil, a constituição e a consolidação de uma rede integral
de cuidado em saúde mental, que assegure a livre circulação das pessoas com transtornos
mentais pelos serviços, comunidades e cidades e ofereça cuidados com base nos recursos
oferecidos pelas comunidades,8 colocam-se como um desafio. Este modelo é composto por
v.35, n.2, p.412-431
abr./jun. 2011
415
serviços e equipamentos diversos que se dispõem a substituir efetiva e progressivamente
as internações em hospitais psiquiátricos, tais como os Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS), os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), os Centros de Convivência e Cultura, o
Programa de Volta para Casa e os Leitos de Atenção Integral em Saúde Mental. Estes podem
encontrar-se tanto em hospitais gerais, nos Centro de Atenção Psicossocial do tipo III, em
emergências gerais, quanto em serviços hospitalares de referência para álcool e outras drogas.
Nessa proposta de conformação de uma rede de atenção psicossocial, destaca-se, enquanto
questões centrais e para além dos CAPS, a inclusão das ações de saúde mental na atenção
básica, a formação e qualificação de recursos humanos, a promoção de direitos de usuários e
familiares e o incentivo à sua participação no processo de cuidado.10
No estado da Bahia, a condução da gestão das políticas públicas em saúde
mental encontra-se em consonância com as proposições da Política Nacional de Saúde
Mental e sua Rede de Atenção em Saúde Mental tem se transformado de forma significativa
desde a publicação da Lei no. 10.216.8 Dentre as diversas ações adotadas e realizadas,
aqui interessa destacar que, por intermédio da Secretaria Estadual da Saúde (SESAB), o
estado implantou, no ano de 2007, a estratégia do Apoio Institucional em Saúde Mental,
visando a estruturação e a efetivação das propostas, entre outras, de Educação Permanente,
assessoramento, acompanhamento e cooperação aos municípios, junto aos mais diversos
atores, como usuários, gestores locais, trabalhadores e as demais redes públicas. Desde então,
amparado nessa proposta, tem buscado avançar na construção de parâmetros assistenciais e
de regulação em Saúde Mental dos seus 417 municípios.
O Apoio Institucional, tal qual no estado efetivado, encontra-se fortemente
referendando pela Análise Institucional,11 uma vez que se propõe a problematizar as práticas
instituídas e seu contínuo processo de desterritorialização e reterritorialização. Também
tem se apoiado no Método Paidéia,12 com vista ao engendramento de espaços coletivos
para a co-gestão da qualificação dos municípios, entendendo que a gestão produz efeitos
sobre os modos de ser e de proceder de trabalhadores e de usuários das organizações. “Ao
não reconhecer que toda gestão é produto de uma interação entre pessoas, verifica-se,
com frequência, tendência a se reproduzirem formas burocratizadas de trabalho, com
empobrecimento subjetivo e social dos trabalhadores e dos usuários.”12:47
Esse apoio institucional ainda se propõe a trabalhar com base na distribuição
territorial do Plano Diretor de Regionalização (PDR) do estado e nas nove Macrorregiões
de Saúde por ele estabelecidas. Para tanto, uma das estratégias metodológicas adotadas foi a
realização e sistematização de um “diagnóstico situacional” acerca das principais demandas e
416
Revista Baiana
de Saúde Pública
dificuldades encontradas na implementação da Política Nacional de Saúde Mental no estado.
Isso foi feito principalmente por meio das 47 visitas técnico-institucionais aos municípios, entre
os anos de 2007 e 2009, e das 25 ações de educação permanente, no formato de oficinas ali
realizadas. Além disso, optou pelas discussões coletivas por intermédio dos chamados Grupos
Técnicos (GT), envolvendo algumas áreas de concentração da Saúde Mental.
Até o ano de 2009, eram sete os GT em andamento na Área Técnica de Saúde
Mental (ATSM) da SESAB: álcool e outras drogas; infância e adolescência; idoso; assistência
farmacêutica; pessoas com sofrimento mental em situação de privação de liberdade; educação
permanente e o GT de Rede. Este último compôs-se, na ocasião, por representantes de
instituições de ensino do Estado, bem como do Movimento Social. O GT de Rede, em função
de sua proposta, qual seja, entender e propor a efetivação de uma Rede de Atenção
Integral em Saúde Mental no Estado, esteve mais próximo da discussão e da construção
desse “diagnóstico situacional”. É assim que, concluído esse “levantamento”, foi produzido
um documento denominado “Análise da Situação de Saúde Mental do Estado da Bahia, em
julho de 2008”,13 que subsidiou a Área Técnica de Saúde Mental da SESAB na proposição
de alguns pontos nodais e de dificultadores – também de algumas propostas de ação
e regulação – presentes na efetiva implementação da Reforma Psiquiátrica no Estado da
Bahia.14 Este artigo propõe-se a apresentar e discutir esses documentos, priorizando os
“dificultadores” apontados.
O principal objetivo deste trabalho, além de compreender a rede de serviços de
saúde e as demais redes intersetoriais, é construir um diagnóstico situacional que possa nortear
as propostas de ações de saúde mental no Estado, com base na identificação das dificuldades
apresentadas pelos serviços e das informações disponibilizadas pela rede de serviços.
METODOLOGIA
A necessidade de melhor compreender a situação da saúde mental no Estado
da Bahia levou à realização, pela Área Técnica de Saúde Mental (ATSM) da Secretaria da
Saúde do Estado da Bahia (SESAB), de um mapeamento dos serviços de saúde e de saúde
mental, financiados pelo SUS, assim como dos serviços de assistência social e de educação,
por município e por Macrorregião de Saúde.
Assim, foi elaborada uma pesquisa de cunho quantitativo e qualitativo, baseada
nos dados secundários fornecidos pelo Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde
(CNES)15 – competência julho de 2008 –, pelas informações fornecidas pelos municípios do
Estado da Bahia nas 25 oficinas de Saúde Mental realizadas nas nove macrorregiões entre os
v.35, n.2, p.412-431
abr./jun. 2011
417
meses de outubro do ano de 2007 e julho do ano de 2008, com a participação de 166 dos
417 municípios do estado da Bahia, como também pelas 47 visitas técnico-institucionais.
Foram ainda consultadas as fontes oficiais disponibilizadas pelo Ministério
da Educação (MEC), Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), Secretaria do
Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza do Estado da Bahia (SEDES) e Secretaria de
Saúde do Estado da Bahia (SESAB).
As oficinas foram articuladas pelos apoiadores institucionais em parceria com
as Diretorias Regionais de Saúde (DIRES) e os gestores locais, pautadas na metodologia
participativa. Essas oficinas contaram com a participação de gestores de saúde, trabalhadores
da rede de saúde e saúde mental, além de representantes de outros setores e instituições.
Importante ressaltar que os “problemas” não estão relacionados por ordem de
importância ou prioridade e há uma fina coadunação entre eles, de modo que a separação
por pontos é também um recurso didático. Este artigo tem como propósito apresentar e fazer
uma análise mais detalhada desses dois documentos.13,14
DISCUSSÃO
De forma sistemática e não pretendendo esgotar as discussões, apresentam-se
as principais dificuldades encontradas para a implementação da Reforma Psiquiátrica no
estado da Bahia.
Como primeiro ponto – a despeito de, no cenário nacional, a Bahia encontrar-se
em 20ª posição dentre os 24 estados brasileiros com relação ao número de leitos SUS por
1.000 habitantes – destaca-se a existência de um grande número de leitos psiquiátricos, 888 ao
todo, distribuídos nos sete Hospitais Psiquiátricos do estado.16
No que tange a esse aspecto, as oficinas desenvolvidas permitiram sugerir que
a presença desses equipamentos de saúde tem dificultado a desconstrução do imaginário
social acerca do lugar ocupado pelo hospital psiquiátrico enquanto espaço privilegiado de
“tratamento” à loucura. Constatou-se ainda, nas comunidades onde coexistam hospital
psiquiátrico e serviços substitutivos, em particular os Centro de Atenção Psicossocial (CAPS),
que o primeiro ainda tem sido utilizado enquanto recurso para acolhimento nas situações
de “crise”.
Aponta-se aqui que a redução progressiva, responsável e pactuada – simultânea
ao fortalecimento da rede de serviços substitutivos – dos leitos em hospitais psiquiátricos tem
sido uma das prerrogativas da Política Nacional de Saúde Mental,10 estando mais claramente
definida pela Portaria nº 251/2002.17
418
Revista Baiana
de Saúde Pública
Em agosto de 2004, o Ministério da Saúde anunciou a decisão de intervir
judicialmente em 10 hospitais psiquiátricos conveniadas ao SUS, após os
resultados da avaliação realizada pelo Programa Nacional de Avaliação dos
Serviços Hospitalares (PNASH/Psiquiatria) e após denúncias de movimentos
organizados (Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do
Brasil e Conselho Federal de Psicologia, Movimento da Luta-antimanicomial,
movimentos locais de familiares de pacientes) que pediam providências
quanto aos maus-tratos nas instituições psiquiátricas.18:27
Visando a redução progressiva dos leitos, a ATSM e o GT de Rede propuseram,
enquanto ações estratégicas, a realização de um diagnóstico da situação das populações
hospitalizadas com identificação de origem, tempo de permanência, diagnóstico clínico,
situação social, frequência de reinternações, identificação de serviços de referência nos
municípios de origem; a pactuação com o município de um processo de desospitalização
acompanhado de um plano de implantação de uma rede de serviços substitutivos; o
assessoramento e apoio à implantação/implementação do Programa de Volta para Casa19,20
e de Residências Terapêuticas,21 prioritariamente em municípios onde existam hospitais
psiquiátricos; estabelecimento de critérios para a abertura de Leitos de Atenção Integral em
Saúde Mental nos Hospitais Gerais da Rede Própria.22
Enquanto segundo desafio, destaca-se a insuficiência de profissionais de
psiquiatria no estado da Bahia, seus múltiplos vínculos empregatícios, bem como a necessidade
de uma formação acadêmico/profissional que seja compatível com as necessidades de cuidado
em saúde mental, tal qual preconizado pela Política Nacional de Saúde Mental.10
De acordo com o CNES, o estado da Bahia possuía, no período da pesquisa,
529 profissionais cadastrados nas diversas Unidades de Saúde dos municípios. Esse dado,
entretanto, não revela o quantitativo absoluto de médicos psiquiatras existentes no estado,
considerando que alguns desses profissionais estão cadastrados em mais de um município/
estabelecimento de saúde. Cabe ainda destacar que dos 529 médicos cadastrados, 172 estão
no município de Salvador, 49 em Feira de Santana, 12 em Vitória da Conquista, 9 em Lauro
de Freitas, 8 em Itabuna, 5 em Ilhéus. Assim, 48,20% dos psiquiatras estão concentrados
nos municípios de maior porte do estado. Na grande maioria das vezes, apenas um médico
psiquiatra é responsável pela assistência em vários municípios de menor porte.
A Residência Médica em Psiquiatria, realizada pela SESAB em dois dos hospitais
do município de Salvador, por meio de concurso público anual, possui um número restrito
v.35, n.2, p.412-431
abr./jun. 2011
419
de vagas – uma média de nove por ano. Pelo número de inscritos, verifica-se uma média
de cinco candidatos para cada vaga,23 o que nos faz supor uma baixa procura por essa
especialidade médica. Considerando que nos municípios do estado da Bahia, em média, são
habilitados cerca de 20 novos CAPS a cada ano,16 torna-se evidente a insuficiência desses
profissionais para suprir tal demanda.
Com o propósito construir, junto às instituições de ensino e às entidades de
classe, alternativas para essa questão, pensou-se na construção de agendas de discussão com
a Associação Psiquiátrica da Bahia (APB) e o Conselho Regional de Medicina (CREMEB),
objetivando problematizar o modo de inserção da psiquiatria na Reforma Psiquiátrica, bem
como com a Superintendência de Recursos Humanos da Secretaria da SESAB para discussão
dos programas de Residência Médica em Psiquiatria mantidos pelo Estado e também sobre a
possibilidade de abertura de novas residências, inclusive no interior da Bahia.
O terceiro aspecto é o número reduzido de CAPS III no Estado. Um dos
recursos estratégicos para a substituição das internações psiquiátricas, o CAPS III, constitui-se
em dispositivo fundamental, por possibilitar o acolhimento noturno, pelo funcionamento
ininterrupto, inclusive nos fins de semana e feriados.24
No Brasil, a quantidade reduzida de CAPS III – 46 ao todo16 –, os mecanismos
para sua implantação e a fragilidade dos dispositivos que garantam sua efetividade e
resolutividade apresentam-se enquanto outro grande desafio para a efetiva consolidação das
propostas da “Reforma”.
De acordo com os critérios populacionais definidos pelo Ministério da Saúde,24
o CAPS III deve ser implantado em municípios com população superior a 200.000 habitantes.
Tomando este como único critério para abertura desse serviço, apenas seis municípios
baianos respondem a ele25 e, atualmente, apenas dois CAPS III estão implantados e em
funcionamento no estado (municípios de Alagoinhas e Feira de Santana).16
Na tentativa de ampliação do número desse serviço, são propostos: a
definição de municípios prioritários e estratégicos para sua implantação, seguida da
negociação e pactuação com o Ministério da Saúde e gestores municipais; a discussão em
torno da possibilidade de incentivo financeiro estadual aos municípios; o assessoramento
aos municípios na elaboração de Projetos Terapêuticos Institucionais e na implantação dos
serviços; e a pactuação na Comissão Intergestora Bipartite (CIB), de forma a legitimar as
implantações.
Outro ponto nodal verificado é a ausência de respostas às necessidades de
assistência a Saúde Mental nos municípios com população inferior a 20.000 habitantes.
420
Revista Baiana
de Saúde Pública
Para a discussão desse ponto, consideram-se dois aspectos importantes:
primeiro, que as ações de Saúde devem ser priorizadas na Atenção Básica,26-28 e que essas
ações não devem excluir a assistência em saúde mental; segundo, que dos 417 municípios
existentes no estado, cerca de 60%, ou 250 do total, possuem população abaixo de 20.000
habitantes,25 portanto, não estão habilitados a implantar CAPS, uma vez que essa é a
população mínima para o funcionamento desses serviços com recursos federias.24 Assim, seria
correto dizer que a atenção e o cuidado em saúde mental devem ser ofertados e priorizados
pela Atenção Básica,29 o que nem sempre tem ocorrido.
Visando sistematizar ações de Saúde Mental na Atenção Básica, em 2006, o
Ministério da Saúde definiu, para pactuação com os estados e municípios, os Parâmetros
Assistenciais da Saúde Mental na Atenção Básica30 pelo processo de Programação e
Pactuação Integrada (PPI).31 As ações devem ser realizadas nas Unidades Básicas de Saúde,
por equipe multiprofissional, considerando o número de atendimentos de acordo com a
existência ou não do CAPS, visando garantir a assistência ambulatorial. Ressalta-se ainda
que, a partir de 2008, os Núcleos de Apoio a Saúde da Família (NASF)32 recomendaram,
de forma clara, a inclusão de ao menos um profissional de saúde mental por equipe, para
a realização de ações conjuntas. Ainda assim, em todo o estado da Bahia, salvo alguns
poucos municípios, as iniciativas de ações estruturadas de saúde mental na Atenção
Básica são incipientes.
Dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde29 indicam que 56% das equipes
de PSF referem realizar “alguma ação de saúde mental”. Por sua proximidade com as famílias
e as comunidades, elas se constituem num recurso estratégico para o enfrentamento do
sofrimento psíquico. Afora isso “[...] a Organização Mundial da Saúde e o Ministério da Saúde
estimam que quase 80% dos usuários encaminhados aos profissionais de Saúde Mental não
trazem, a priori, uma demanda especifica que justifique a necessidade especializada”.33:146
Desta feita, o documento em análise propõe a construção de novos arranjos
assistenciais em Saúde Mental pautados na imprescindível construção intra e intersetorial, ou
seja: construção, em parceria com a Diretoria de Atenção Básica (DAB/SESAB), de ações de
Educação Permanente voltadas às equipes da Atenção Básica do estado; produção de material
didático, abordando a interface Saúde Mental x Atenção Básica; inclusão de ações de Saúde
Mental nos Programas já existentes nas demais Secretarias de Estado; redimensionamento ou
expansão de espaços/equipamentos de convivência social existentes nos Programas de outras
secretarias –Secretaria de Desenvolvimento Social e Combate à pobreza (SEDES), Secretaria
do Trabalho Emprego e Renda (SETRE), Secretaria de Educação do Estado da Bahia (SEC) e
v.35, n.2, p.412-431
abr./jun. 2011
421
Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (SECULT) – visando, entre outras, a reinserção social
das pessoas com transtorno mental.
A seguir, e enquanto quinto aspecto, destacam-se os limites da cultura
“técnico sanitária” e psiquiátrica acerca da “Reforma” no âmbito das gestões municipais.
A quantidade reduzida de municípios que incluem ações e Programas de Saúde Mental
nos seus Planos Municipais de Saúde pode ser tomada enquanto um indicador desses
“limites” e pode ser entendida enquanto uma das causas que dificultam a organização e a
implementação de uma rede de saúde mental que efetivamente trabalhe na perspectiva da
integralidade e de forma resolutiva.
Esses “limites” ainda podem ser entendidos enquanto uma das maiores
justificativas para que os hospitais psiquiátricos ainda sejam acionados enquanto recurso
de cuidado no Estado e para que haja encaminhamentos da demanda de saúde mental
de município para município, o que aponta para a fragilidade na efetivação da diretriz de
descentralização/municipalização do SUS.
Novamente com base no entendimento de que a grande maioria das ações de
saúde, no SUS, é de responsabilidade municipal,26-28 um das atribuições da gestão estadual é
criar dispositivos que possam, com base na pactuação, fortalecer a gestão municipal.
Assim, a necessidade de sensibilização da gestão municipal no que diz respeito
ao planejamento e efetivação de ações e serviços de saúde mental na localidade, contribuiu
para pensar-se, inicialmente, na necessidade de fortalecimento da função de regulação
estadual, principalmente mediante o estabelecimento de parâmetros de assistência para a
Saúde Mental na Atenção Básica/Unidades Básicas de Saúde, tendo por perspectiva a PPI.31
Além disso, estimular a presença de profissionais de referência qualificados nas DIRES com
papel de articulação e acompanhamento das ações nos municípios; estimular a definição
de profissionais de referência em Saúde Mental na gestão municipal para a coordenação
das ações dessa área; estimular a criação de Programas Municipais de Saúde Mental – com
elaboração de estratégias para a expansão da rede de atenção integral à Saúde Mental – e
sua discussão nos Conselhos Municipais de Saúde; estimular a organização dos Grupos de
Referência Macrorregionais (Grupo de Referência diz respeito, aqui, a um colegiado de
trabalho composto por profissionais de saúde da rede, profissionais das instituições de ensino,
bem como usuários e familiares e gestão, objetivando a discussão da saúde mental no âmbito
regional); produzir regularmente informativos de Saúde Mental da SESAB, que ofereçam
dados sobre a situação da saúde mental no Estado; propor ao Conselho Estadual de Saúde
(CES), ao Conselho Estadual dos Secretários Municipais de Saúde da Bahia (COSEMS-BA) e
422
Revista Baiana
de Saúde Pública
à Comissão Intergestora Bipartite (CIB) o debate acerca das diretrizes do Programa de Saúde
Mental do Estado da Bahia e sua implementação de acordo com as realidades locorregionais;
e, por fim, o fortalecimento e consolidação da estratégia de Apoio Institucional na Área
Técnica de Saúde Mental do Estado.
Enquanto sexto ponto destacam-se os limites da atenção integral ao uso de risco
e à dependência de álcool e outras drogas no estado. Este, sem dúvida, apresenta-se enquanto
um grande nó estratégico, na medida em que há um aumento significativo do uso abusivo de
substâncias psicoativas, em especial o álcool, em todo o Brasil.34
Esta problemática remete-nos a dois aspectos relevantes: primeiro, a progressiva
diminuição da idade para o início do consumo de algum tipo de substância psicoativa
e a “interiorização” desse consumo, o que indica uma mudança significativa do perfil
epidemiológico de consumo, que exige reformulações e maior atenção do SUS e das políticas
públicas para a área; segundo, o fato de que as “causas externas” vêm se configurando como
uma importante causa de mortalidade, tanto nos países desenvolvidos como nos países em
desenvolvimento.35,36 No estado da Bahia, esses índices se confirmam.34 Contudo, e dada a
gravidade da situação, todo o estado da Bahia conta com apenas 13 CAPS para acolhimento e
cuidado em álcool e outras drogas – CAPS ad17 –, embora possua dez municípios com critério
populacional para habilitação desse serviço. Não dispõe ainda de Leitos de Atenção Integral
em Saúde Mental, dispositivo também destinado ao atendimento à crise em saúde mental
deflagrada pelo uso abusivo de alguma substância psicoativa, ou leitos de desintoxicação em
Hospitais Gerais.16
Outro aspecto contributivo para o agravamento dessa situação é a ausência
de propostas, na estratégia de Educação Permanente estadual, voltadas para a formação e
preparo das equipes dos serviços de saúde, nos três níveis de atenção, para o acolhimento
dessa demanda (salvo particularidade de alguns municípios).
Embora historicamente a problemática do uso, do abuso e da dependência
de substâncias psicoativas tenha sido abordada por um modelo médicocentrado, em 2003 a Política Nacional de Atenção Integral a Usuários de
Álcool e Outras Drogas foi apresentada pelo Ministério da Saúde [...] Este
documento assinala a necessidade de se facilitar o acesso de usuários ao
tratamento, de se ampliar o olhar dos profissionais, bem como considerar
os processos subjetivos, as heterogeneidades, as multiplicidades e as
particularidades e diferenças dos sujeitos.37:23
v.35, n.2, p.412-431
abr./jun. 2011
423
No tocante a essa questão, propôs-se a formalização do Plano Estadual para
Atenção Integral Relativa ao Uso de Risco e Dependência de Álcool e outras Drogas,38 o
levantamento dos recursos assistenciais e comunitários destinados às pessoas que fazem uso
grave de álcool e outras drogas no estado; estabelecimento de critérios para definição de
municípios estratégicos para implantação de CAPS ad; negociação com gestores municipais
para a sua implantação e pactuação na CIB; criação de condições para implantação de
leitos para alcoolistas nos hospitais gerais, conforme orientado pela Portaria nº 2.197,39,40
iniciando-se pelos Hospitais da Rede Própria do Estado e pela sensibilização dos gestores
municipais onde existam hospitais municipais e conveniados ao SUS. E, ainda, produção
intersetorial de propostas de regulação estadual para o funcionamento das chamadas
“Comunidades Terapêuticas” no Estado; a avaliação da possibilidade, junto ao Ministério
da Saúde, de formação de consórcios intermunicipais para implantação de CAPS ad em
municípios considerados estratégicos, para assistência e Apoio Matricial; problematização
da demanda por leitos de desintoxicação, ampliando a rede social para oferecimento
de continência social nos casos mais graves pela estimulação da criação de espaços de
hospitalidade e construção de propostas de Educação Permanente junto à DAB/ SESAB.
Outro aspecto a ser problematizado está relacionado às limitações quanto
às respostas assistenciais oferecidas à atenção integral em saúde mental à infância e à
adolescência.
No Brasil é notória a omissão da saúde pública no direcionamento das políticas
de saúde mental para a infância e adolescência, com uma rede historicamente constituída
por instituições filantrópicas e privadas, com forte componente tutelar, como educandários,
abrigos, escolas especiais, institutos para deficientes mentais e clínicas para autistas.10
As ações dirigidas a crianças e adolescentes no Brasil atravessaram um século
de história cir­cunscritas a um ideário de proteção, que, parado­xalmente,
redundou na construção de um modelo de assistência com forte tendência
à institucionali­zação e em uma concepção segmentada, não inte­gradora, da
população infanto-juvenil.10:35
Não obstante a Lei n° 10.216,8 é apenas no ano de 2004 que é instituído, pelo
Ministério da Saúde, o Fórum Nacional de Saúde Mental Infanto-Juvenil,41 com a finalidade
de construir, coletiva e intersetorialmente, as bases, princípios e diretrizes de uma política
pública de saúde mental especificamente dirigida a esse segmento da população.42
424
Revista Baiana
de Saúde Pública
Os dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde43 permitem-nos visualizar
com mais clareza a trajetória de implantação do serviço substitutivo, CAPS Infantil (i),
destinado a essa população: em todo o Brasil, no ano de 2009, estavam habilitados 112
desses serviços, sendo cinco no estado da Bahia.16 Contudo, na mesma época, já existiam 683
CAPS I em todo o Brasil, sendo 103 no estado da Bahia.
Como proposta para ampliação e fortalecimento da assistência à infância
e à adolescência, propôs-se: a formalização de um Plano Estadual para Atenção Integral à
Saúde Mental da Infância e Adolescência, construído necessariamente na perspectiva da
intersetorialidade; a realização de levantamento, por Macrorregiões de Saúde do Estado, dos
serviços existentes que acolham a demanda desse segmento; ampliação da rede de serviços
para a atenção integral à infância e adolescência.
O oitavo aspecto destacado é a existência de grande rotatividade de profissionais
nos serviços e a precariedade dos vínculos empregatícios, um dos fatores contributivos para a
fragilidade de investimento efetivo e continuado na qualificação das equipes de trabalho e
da continuidade dos Projetos Terapêuticos Institucionais adotados pelas equipes dos serviços.
Esta rotatividade acaba ainda por gerar a descontinuidade dos “vínculos” terapêuticos,
imprescindíveis na continuidade e efetividade do cuidado em saúde mental.
De uma maneira mais global, as pressões por mudanças e reestruturações que
atingem as organizações privadas também atingem as do setor público. Nem
sempre na mesma época e da mesma forma, mas o certo é que a ideologia
de feição neoliberal, na qual a acumulação capitalista se faz premente e
dominante, também atinge o Estado brasileiro. Isto significa, por sua vez, uma
mesma lógica em relação à concepção de mundo e de trabalho.44:11
Aponta-se para o uso, cada vez mais frequente, de mecanismo de terceirização
e quarteirização pela administração pública, tal qual utilizada na iniciativa privada. No âmbito
da Saúde Pública brasileira, em particular e mais especificamente, pelas contratações por
intermédio das chamadas “Organizações Sociais”. Tal prática é empregada para o adiamento
de concursos públicos, o que acaba por favorecer não apenas as práticas clientelistas, mas
também a precarização das relações de trabalho quanto à qualificação e benefícios sociais.45
Como alternativa, propõe-se uma discussão com os gestores municipais para
estimular a realização de contratações de profissionais por meio de concursos públicos para a
área de Saúde Mental; engendramento, em parceria com a Escola Estadual de Saúde Pública,
v.35, n.2, p.412-431
abr./jun. 2011
425
de estratégias de apoio e suporte aos processos de Educação Permanente nos municípios, em
âmbito microrregional, levando em conta as especificidades locorregionais.
Como penúltimo dificultador, aponta-se a fragilidade do Apoio Matricial na
Atenção Básica pelos CAPS e das ações de Saúde Mental nesse nível de atenção.
O Apoio Matricial pode ser entendido enquanto um suporte técnico
especializado, ofertado a uma equipe multiprofissional de saúde, a fim de ampliar seu campo
de atuação e qualificar suas ações.46 Em Saúde Mental, mais especificamente, esse “apoio”
seria uma ferramenta para agenciar a instrumentalização das equipes, subvertendo o “Modelo
Médico Assistencial” dominante, que se traduz na fragmentação do trabalho e na produção
excessiva de encaminhamentos às diversas áreas.47
Na Política Nacional de Saúde Mental,10 o Apoio Matricial é um arranjo
organizacional também contemplado.
Nesse arranjo, a equipe de saúde mental compartilha alguns casos com as
equipes de Atenção Básica. Esse compartilhamento se produz na forma de
co-responsabilização pelos casos, que pode se efetivar através de discussões
conjuntas de casos, intervenções conjuntas junto às famílias e comunidades ou
em atendimentos conjuntos, e também na forma supervisão e capacitação.10:34
Essa compreensão permitiu, fundamentalmente, a proposição da construção
conjunta (Diretoria de Atenção Básica/Diretoria de Gestão do Cuidado) de Linhas de
Cuidado em Saúde Mental na Atenção Básica e posterior pactuação e implantação junto aos
municípios. Além disso, o acompanhamento do processo de implantação dos NASF, em que
o profissional de saúde mental seja a referência para as ações de Apoio Matricial nas ESF sob
sua responsabilidade; por fim, o trabalho de Educação Permanente junto às equipes dos CAPS
do Estado, responsáveis elas mesmas pelas ações de Apoio Matricial no seu território adstrito.
Entende-se que a efetivação dessas propostas é de fundamental importância para evitar o
movimento em direção à “capsização” da assistência em saúde mental no Estado.
Por fim, destaca-se a insuficiência da Política Estadual de Assistência
Farmacêutica, quanto ao fornecimento de medicações ditas “psiquiátricas”.
A discussão acerca da ampliação das categorias diagnósticas apresentadas pelos
códigos internacionais de doença, ampliação esta feita em torno de um processo generalizado
daquilo que se pode denominar de “patologização do normal”,48 bem como do processo
de medicalização do “sofrimento social”, não recente, contudo intensificado na atualidade,
426
Revista Baiana
de Saúde Pública
é uma das pautas mais urgentes do campo da saúde mental, por suas consequências e
implicações na vida dos sujeitos. Não a despeito, mas justamente em função da necessidade
da discussão criticada das práticas e conceitos no âmbito da psicopatologia e no âmbito da
fronteira entre o “normal” e o “patológico”, é que a questão da “assistência farmacêutica”
apresenta-se, no nosso entendimento, enquanto um dos nós críticos da implementação da
“Reforma” no estado da Bahia e em todo país.
No ano de 2007, o Ministério da Saúde aprovou as normas de execução
e financiamento da assistência farmacêutica na Atenção Básica em saúde49 e inseriu os
medicamentos da saúde mental no elenco de referência da assistência farmacêutica básica.
Os medicamentos de dispensação excepcional50 – fornecidos e controlados na capital do
estado por serviços de saúde de referência e no interior pelas DIRES – são, pela legislação
atual, parte do componente especializado da assistência farmacêutica, de acordo com a
Política Nacional de Assistência Farmacêutica.51
Esses dados permitiram às pesquisadoras sugerir a articulação entre a Diretoria
de Gestão do Cuidado (DGC/SESAB) e a Diretoria de Assistência Farmacêutica (DASF/SESAB)
para a construção de um diagnóstico da situação da Assistência Farmacêutica em Saúde
Mental na Bahia e do fluxo de distribuição dessas medicações, bem como o desenvolvimento
de uma proposta de controle e regulação da distribuição e problematização da prescrição,
tanto qualitativa quanto quantitativa, dessas medicações nos serviços.
Partindo da ideia de que tanto as políticas públicas de saúde quanto o
processo de implementação da reforma psiquiátrica brasileira constituem-se enquanto
processo histórico dinâmico, fortemente perpassado por interesses múltiplos, em sua maioria
antagônicos, e que seu fortalecimento se dá com base na construção cotidiana nos mais
diversos âmbitos, como serviços, gestão, comunidade, movimento social, imaginário social,
entre outros, este artigo não pretendeu esgotar as discussões acerca daquilo que se propôs,
nem apontar soluções definitivas para os (dez) caminhos aqui elencados.
Ressalta-se que os documentos que serviram de base para esta discussão
dizem respeito a um período e contexto específicos e que uma parte, tanto dos problemas/
dificultadores, quanto das propostas apresentadas, foi redimensionada e/ou encaminhada.
Por fim, respeitando as particularidades locorregionais e o intermitente
movimento de territorialização e desterritorialização das forças subjacentes ao campo da
“saúde mental”, conclui-se, com base neste estudo, que as questões apontadas acerca do
estado da Bahia não fogem às principais dificuldades presentes nos demais estados brasileiros
no que diz respeito ao fortalecimento e à efetiva implementação da Reforma Psiquiátrica.
v.35, n.2, p.412-431
abr./jun. 2011
427
REFERÊNCIAS
1. Brasil. Presidência da República. Constituição de 1967, de 20 de outubro de
1967. Brasília; 1967.
2. Santos L, Andrade LOM. Vinte anos de SUS: o sistema de saúde no Brasil no
século 21. Rev Saúde em Debate. 2009;33(82):201-13.
3. Brasil. Presidência da República. Constituição de 1988, de 5 de outubro de
1988. Brasília; 1988.
4. Declaração de Alma Ata - Conferência Internacional sobre Cuidados
Primários de Saúde. URSS; 1978.
5. Brasil. Presidência da República. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990.
Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da
saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá
outras providências. Brasília; 1990.
6. Nunes M, Jucá VJ, Valentin CPB. Ações de saúde mental no Programa Saúde
da Família: confluências e dissonâncias das práticas com os princípios das
reformas psiquiátrica e sanitária. Cad Saúde Pública. 2007;23(10):2375-84.
7. Amarante P. Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil.
Rio de Janeiro: Fiocruz; 1995.
8. Brasil. Presidência da República. Lei nº 10.216, de 6 de abril de
2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de
transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.
Brasília; 2001.
9. Amarante P. Estratégias e dimensões do campo da saúde mental e atenção
psicossocial. In: Amarante P, organizador. Saúde Mental e Atenção
Psicossocial. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2007. p. 61-79.
10. Brasil. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações
Programáticas e Estratégicas. Coordenação Geral de Saúde Mental. Reforma
psiquiátrica e política de Saúde Mental no Brasil. Documento apresentado
à Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos
depois de Caracas. Brasília; 2005.
11. Baremblit G. Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e
prática. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos; 1996.
12. Campos RO. A gestão: espaço de intervenção, análise e especificidades
técnicas. In: Campos GW, organizador. Saúde Paidéia. São Paulo: Hucitec;
2003. p. 122-49.
13. Bahia. Secretaria de Saúde da Bahia. Análise da situação de Saúde Mental
do estado da Bahia em julho de 2008. Salvador; in press 2008.
428
Revista Baiana
de Saúde Pública
14. Bahia. Secretaria de Saúde da Bahia. Os dez principais problemas para
implementação da Reforma Psiquiátrica na Bahia, propostas e ações
estratégicas. Salvador; in press 2008.
15. Brasil. Secretaria de Atenção à Saúde. Cadastro de Estabelecimento de Saúde.
Extraído de [www.cnes.datasus.gov.br], acesso em [20 de janeiro de 2010].
16. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento
de Ações Programáticas Estratégicas. Coordenação Geral de Saúde Mental,
Álcool e Outras Drogas. Saúde mental em dados 5: com dados para a
análise da rede em grandes cidades. 2008 out;Ano III(5):1-22 .
17. Brasil. Presidência da República. Ministério da Saúde. Gabinete do
Ministro. Portaria nº 251, de 31 de janeiro de 2002. Estabelece diretrizes e
normas para a assistência hospitalar em psiquiatria, reclassifica os hospitais
psiquiátricos, define e estrutura, a porta de entrada para as internações
psiquiátricas na rede do SUS e dá outras providências. Brasília; 2002.
18. Brasil. Ministério da Saúde. Relatório de Gestão 2003 a 2006. Saúde
Mental no SUS: acesso ao tratamento e mudança do modelo de atenção.
Brasília; 2007.
19. Brasil. Presidência da República. Lei nº 10.708, de 31 de julho de 2003.
Institui o auxílio-reabilitação psicossocial para pacientes acometidos de
transtornos mentais egressos de internações. Brasília; 2003.
20. Brasil. Presidência da República. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro.
Portaria no 2.077, de 31 de outubro de 2003. Estabelece diretrizes e
normas para a assistência hospitalar em psiquiatria, reclassifica os hospitais
psiquiátricos, define e estrutura, a porta de entrada para as internações
psiquiátricas na rede do SUS e dá outras providências. Brasília; 2003.
21. Brasil. Presidência da República. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro.
Portaria nº 106, de 11 de fevereiro de 2000. Institui os Serviços Residenciais
Terapêuticos. Brasília; 2000.
22. Bahia. Secretaria Estadual de Saúde. Diretoria de Programação. Plano
Diretor de Regionalização. Salvador, 2008. Extraído de [www.saude.ba.gov.
br], acesso em [23 de janeiro de 2008].
23. Consultec. Home Page. Extraído de [www.consultec.com.br], acesso em [25
de fevereiro de 2010].
24. Brasil. Presidência da República. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro.
Portaria nº 336, de 19 de fevereiro de 2002. Estabelece CAPS I, CAPS II,
CAPS III, CAPS i II e CAPS ad II. Brasília; 2002.
25. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sistema IBGE de recuperação
automática SIDRA. Base de dados agregados. Censo demográfico. Extraído de
[http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/popul/], acesso em [27 de janeiro de 2007].
v.35, n.2, p.412-431
abr./jun. 2011
429
26. Brasil. Ministério da Saúde. Norma Operacional Básica do Sistema Único de
Saúde. Brasília; 1991.
27. Brasil. Ministério da Saúde. Norma Operacional Básica do Sistema Único de
Saúde. Brasília; 1993.
28. Brasil. Ministério da Saúde. Norma Operacional Básica do Sistema Único de
Saúde. Brasília; 1997.
29. Brasil. Ministério da Saúde. Saúde mental e atenção básica: o vínculo e o
diálogo necessários. Brasília; 2003. v. 1.
30. Brasil. Ministério da Saúde. Parâmetros Assistenciais da Programação
Pactuada e Integrada da Assistência à Saúde por Área Estratégica. Brasília;
2010. Extraído de [http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/area.
cfm?id_area=993], acesso em [27 de janeiro de 2010].
31. Brasil. Ministério da Saúde. Diretrizes para a Programação Pactuada e
Integrada da Assistência à Saúde. Brasília; 2006.
32. Brasil. Presidência da República. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro.
Portaria nº 154, de 24 de janeiro de 2008. Cria os Núcleos de Apoio à
Saúde da Família - NASF. Brasília; 2008.
33. Figueiredo MD, Campos RO. Saúde Mental e Atenção Básica à Saúde: o
apoio matricial na construção de uma rede multicêntrica. Saúde debate.
2008 jan/dez;32(78):143-9.
34. Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas. I levantamento
nacional sobre os padrões de consumo de álcool na população brasileira.
São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 2006.
35. Brasil. Presidência da República. Ministério da Saúde. Portaria n° 737, de
16 de maio de 2001. Dispõe sobre a Política Nacional de Redução da
Morbimortalidade por Acidentes e Violências. Brasília; 2001.
36. Santos LA. O álcool com causa de mortes por causas externas. Rev Cad Bras
Saúde Mental. 2009 out/dez;1(1):1-11.
37. Pacheco ML, Ziegelman L. Grupo como dispositivo de vida em um CAPSad:
um cuidado em Saúde Mental para além do sintoma. Rev Saúde em Debate
2008 jan/dez;32 (78-80):108-20.
38. Brasil. Presidência da República. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro.
Portaria nº 1.190, de 4 de junho de 2009. Institui o Plano Emergencial de
Ampliação do Acesso ao Tratamento e Prevenção em Álcool e outras Drogas
no Sistema Único de Saúde - SUS (PEAD 2009-2010). Brasília; 2009.
39. Brasil. Presidência da República. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro.
Portaria nº 2.197, de 14 de outubro de 2004. Redefine e amplia a atenção
integral para usuários de álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único
de Saúde - SUS, e dá outras providências. Brasília; 2004.
430
Revista Baiana
de Saúde Pública
40. Brasil. Ministério da Saúde. Política do Ministério da Saúde para a atenção
integral a usuários de álcool e outras drogas. 2ª ed. Brasília; 2004.
41. Brasil. Presidência da República. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro.
Portaria nº 1.608, de 3 de agosto de 2004. Constitui Fórum Nacional sobre
Saúde Mental de Crianças e Adolescentes. Brasília; 2004.
42. Brasil. Presidência da República. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990.
Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras
providências. Brasília; 1990.
43. Brasil. Ministério da Saúde. Dados gerais da rede de atenção à saúde mental
do SUS. Extraído de [http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/ pdf/caps_
dados_atualizados5abril.pdf], acesso em [27 de janeiro de 2010].
44. Guimarães MC. Transformações do trabalho e violência psicológica no
serviço público brasileiro. Rev bras Saúde Ocup. 2009;34(120):163-71.
45. Silva RAR, Souza RC. Casos e descasos da terceirização na administração
pública: apontamentos, percepções e reflexões em órgãos de Minas Gerais.
Encontro anual associação nacional dos programas de pós-graduação,
Curitiba; 2004. 1 (CD-ROOM).
46. Campos GW. Equipes de referência e apoio especializado matricial: um
ensaio sobre a reorganização do trabalho em saúde. Rev Ci Saúde Colet.
1999;4(2):393-403.
47. Campos GW. A clínica do sujeito: por uma clínica reformulada e ampliada. In:
Campos GW, organizador. Saúde Paidéia. São Paulo: Hucitec; 2003. p. 5-67.
48. Serpa Jr OD. Subjetividade, valor e corporeidade: os desafios da
psicopatologia. In: Silva Filho JF, organizador. Psicopatologia hoje. Rio de
Janeiro: CCS/UFRJ; 2006. p. 25-101.
49. Brasil. Presidência da República. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro.
Portaria nº 3.237, de 24 de dezembro de 2007. Aprova as normas de
execução e de financiamento da assistência farmacêutica na atenção básica
em saúde. Brasília; 2007.
50. Brasil. Presidência da República. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro.
Portaria GM/MS n°2.577 de 27 de outubro de 2006. Aprova o Componente
de Medicamentos de Dispensação Excepcional. Brasília; 2006.
51. Brasil. Presidência da República. Ministério da Saúde. Gabinete do
Ministro. Portaria GM/MS nº 2.981 de 26 de novembro de 2009. Aprova o
Componente Especializado da Assistência Farmacêutica. Brasília: 2009.
Recebido em 7.6.2010 e aprovado em 12.8.2011.
v.35, n.2, p.412-431
abr./jun. 2011
431
Download