RELAÇÕES DE GÊNERO NA DOCÊNCIA. Mareli Eliane Graupe - UNIJUÍ Ana Maria Colling - UNIJUI RESUMO - O presente trabalho aborda sobre o que são relações de gênero e quais são as suas possíveis contribuições ou implicações no campo da docência. O conceito mais usado é o da Scott, em que gênero é definido como “um elemento constitutivo das relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é um primeiro modo de dar significado as relações de poder”, (1990:14 ). Scott usa o termo gênero para se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas de homens e mulheres. Relaciona-se gênero a docência, principalmente pelo fato desta categoria demarcar a dimensão cultural, biológica, bem como pelo caráter relacional que atribui a construção social dos sexos biológicos. A história da educação nos demonstra que, a docência não foi sempre vista como uma profissão feminina. Ao contrário, era uma profissão caracterizada como masculina, pois os primeiros docentes no Brasil eram do sexo masculino. Mas, hoje percebe-se um efetivo abandono dos homens pela profissão docente, no ensino fundamental, principalmente nas séries iniciais. A partir destas constatações, busca-se investigar as possíveis causas do desinteresse dos professores homens pela profissão docente, e desmistificar as explicações de condições naturalizadas sobre fenômenos que fazem do magistério algo mais do que “coisa de mulher’. O que é gênero? Quando surgiu? É importante conhecer que representações são atribuídas a essa expressão para buscar a compreensão das imagens docentes, de como os professores homens e as professoras mulheres se sentem trabalhando numa profissão que primeiramente era considerada masculina, e que agora é vista como profissão feminina. Constata-se que no ano de 1878, o dicionário de língua francesa atribuía ao gênero o conceito de “um homem muito dissimulado, do qual não se conhecia os sentimentos”. O uso pioneiro do conceito de gênero é objeto de controvérsia entre os teóricos. Embora haja acordo quanto ao ano, existe divergência quanto a quem teria primeiro empregado esse conceito. Alguns autores (Bourque e Scott, 1987; Gomáriz, 1992) apontam a obra do sociólogo funcionalista norte-americano Talcott Parsons, Family, socialization and interaction process, publicada em 1955, como a primeira a apresentar uma visão das relações entre os sexos. Rompendo com as noções naturalistas, hegemônicas na Sociologia da época, ele afirmava que existem papéis de gênero, masculino e feminino, do mesmo modo que existem outros tipos de papéis (políticos, de classe etc.) nas relações sociais. Parsons atribui, assim, a diferenciação dos papéis de gênero não a causas reprodutivas, mas à importância das funções que compete à família na sociedade, usando gênero para descrever papéis sociais com base biológica, definida em termos de funções econômicas e sexuais. Por outro lado, segundo Gomáriz (1992), localiza pela primeira vez o termo gênero no trabalho do psiquiatra John Money, também de 1955, em uma pesquisa sobre hermafroditismo. Emprestando o termo da filologia, Money emprega a expressão “papel de gênero” (gender role) para denominar as atribuições ou conjunto de atributos identificados socialmente como masculino e feminino. 2 Em 1968, no trabalho de Robert Stoller, aparece uma acepção mais próxima da atual discussão. Nesse trabalho, ele busca estabelecer uma distinção nítida entre gênero e sexo, a partir da observação de crianças que, haviam sido educadas de acordo com um sexo que não era fisiologicamente o seu. Stoller observou que as crianças mantinham os padrões de comportamentos do sexo para o qual foram educados, mesmo depois de serem informados que sofriam de mutilação acidental ou má formação de seus órgãos genitais externo. No Brasil, no final da década de 80, iniciou a discussão de textos sobre gênero nas academias. Estes nos primeiros momentos carregavam a marca da militância, e estavam basicamente atentos as denúncias da opressão em relação as mulheres. No entanto, aos poucos surgiu uma maior preocupação em ensaiar explicações sobre o assunto gênero dentro de uma nova ótica, e foi conquistando espaço principalmente no campo da sociologia, história, literatura e educação. Segundo Scott (1988), de um modo geral, a distinção entre sexo e gênero consiste em considerar o primeiro como aspecto biológico relacionado à esfera reprodutiva entre homens e mulheres, enquanto gênero refere-se aos significados socialmente construídos. “O gênero se torna, aliás, uma maneira de indicar as ‘construções sociais’: a criação inteiramente social das idéias sobre os papéis próprios aos homens e às mulheres É uma maneira de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas dos homens e das mulheres. O gênero é, segundo essa definição, uma categoria social imposta sobre o corpo sexuado” (Scott, 1988: 03). O conceito mais usado é o da Scott, em que gênero é definido como “um elemento constitutivo das relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é um primeiro modo de dar significado as relações de poder” (1990:14). A Scott usa o termo gênero para se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas de homens e mulheres. Ainda prefaciando Scott, “o termo ‘gênero’ torna-se uma forma de indicar ‘construções culturais’ - a criação inteiramente social de idéias sobre os papéis adequados aos homens e às mulheres”. Trata-se de uma forma de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas de homens e de mulheres (1988: 75). O gênero torna-se, assim, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado ou, mais precisamente, um elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças percebidas/construídas sobre os sexos. Concordamos com Scott (1988), quando ela propõe que a saída para uma reconstrução das igualdades sexuais consiste em fazer explodir a noção de que é fixo a diferenciação entre os sexos. Nesse sentido, questionar o status da distinção “natural” entre os sexos, base da diferenciação de gênero, talvez contribua para uma reflexão mais produtiva sobre as relações sociais, num sentido mais amplo. Nessa perspectiva, adotar o conceito de gênero não significa substituir um determinismo biológico por um determinismo social. Não significa dizer que todos os indivíduos de um dado sexo necessariamente possuem determinadas características definidas socio-culturalmente, pois, como nos lembra Scott (1988), os homens e as mulheres não cumprem sempre, nem cumprem literalmente, os termos das prescrições sociais ou de nossas categorias analíticas. Existem, todavia, padrões de comportamento que circulam no imaginário social, funcionando como parâmetros a partir dos quais os indivíduos se posicionam, seja acomodando-se, seja contrapondo-se. 3 Segundo Grossi, falar em gênero é portanto pensar em homens e mulheres biologicamente diferenciados mas em masculino e feminino como constituídos a partir de “relações sociais fundadas entre os sexos”, diferenças lentamente construídas e hierarquicamente determinada (1992: 76). Substituir as categorias homens e mulheres pelas palavras masculino e feminino não garante uma análise comprometida com a perspectiva de gênero. É preciso cuidado para não usar impunemente este conceito, como tem sido feito. Se gênero é uma categoria analítica que diz respeito à cultura e às relações sociais, uma estatística não pode ser de gênero mas sim de sexo, pois refere-se principalmente a atributos de ordem biológica. É difícil distinguir sexo de gênero porque a construção de nossa identidade pessoal se constrói na nossa identidade sexual. Assim, características como agressividade ou passividade são percebidas como masculinas ou femininas quando na verdade são atitudes que variam de acordo com a cultura e o momento histórico. “Por que, então, começou-se a exigir a idéia de diferença de sexos para estabelecer a diferença de gênero entre homens e mulheres? (...) Porque segundo autores como Foucault, Lacqueur e outros, os ideais igualitários da revolução democrático-burguesa tinham que justificar a desigualdade entre homens e mulheres, com fundamento numa desigualdade natural (...) Para que as mulheres, assim como os negros e os povos colonizados, não pudessem ter os mesmos direitos de cidadãos homens, brancos e metropolitanos, foi necessário começar a inventar algo que, na natureza, justificasse racionalmente as desigualdades exigidas pela política e pela economia da ordem burguesa dominante” (Costa, 1995: 7). Outra definição de gênero se relacionava a diferença entre homens e mulheres, e que era explicada pela argumentação biológica, definido segundo as características sexuais de cada pessoa. Sexo não é gênero. Ser fêmea não significa ser mulher. Ser macho não significa ser homem. Sexo diz respeito as características fisiológicas, relativas à reprodução biológico. O gênero está relacionado as diferenças sexuais, mas não necessariamente as diferenças fisiológicas. O gênero depende de como a sociedade representa a relação que transforma um macho em homem. Cada cultura em imagens prevalecentes do que homens e mulheres devem ser. O que significa ser homem? O que significa ser mulher? Todavia, a busca de diferenciações essencialistas entre um sexo natural/objetivo e um gênero social/subjetivo constitui-se ainda como forte tendência nos estudos de gênero. Depois desse apanhado histórico sobre gênero, é importante conhecer as contribuições no campo da docência. Observa-se que nos estudos mais recentes sobre a profissão professor, gênero e docência vêm sendo associados. No entanto, este trabalho, também se baseará na perspectiva de associar os dois termos. Num primeiro olhar, trata-se de um estudo do exercício do ensino como uma ação desenvolvida por pessoas de um determinado gênero, as mulheres. Em outro momento, busca-se conhecer como os professores homens e as professoras mulheres representam as relações de gênero na escola, na família, na igreja... Busca-se relacionar gênero a docência, principalmente pelo fato desta categoria demarcar a dimensão cultural, biológica, bem como pelo caráter relacional que atribui a 4 construção social dos sexos biológicos. Prefaciando Joan Scott: “O uso de gênero põe ênfase sobre todo um sistema de relações que pode incluir o sexo, mas ele não é diretamente determinado pelo sexo, nem determina diretamente a sexualidade”, (1990:17). A categoria de gênero foi utilizada historicamente como forma de dominação masculina sobre o feminino. E mesmo depois da entrada da mulher na esfera pública, alguns lugares estabelecidos na sociedade eram destinados unicamente aos homens. Em todos esses processos de dominação, vale salientar que estão presentes relações de poder, como encontramos descritas por Foucault: “(...) o poder funciona e se exerce em rede. Nas malhas os indivíduos não s´circulam mas estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação; nunca são o alvo são o alvo inerte ou consentido do poder, são sempre centros de transmissão(...) Efetivamente, aquilo que faz com que um corpo, gestos, discursos e desejos sejam identificados e constituídos enquanto indivíduos e um dos primeiros efeitos de poder”, (Foucault, 1981,p.1). Na abordagem sobre o trabalho docente busca-se desmistificar as explicações de condições naturalizadas sobre fenômenos que fazem do magistério algo mais do que “coisa de mulher’. Não existe uma condição social para apenas um sexo, existe sim, vários discursos e práticas sociais, relações de poder que se inter-relacionam, ocasionando uma interdependência entre mulheres e homens. Considerando os dados colocados acima, faz-se necessário conhecer e reconhecer como o gênero se proliferou no campo da docência. A história da educação nos demonstra que, a docência não foi sempre vista como uma profissão feminina. Ao contrário, era uma profissão caracterizada como masculina, ois os primeiros docentes no Brasil eram do sexo masculino. Mas, hoje percebe-se um efetivo abandono dos homens pela profissão docente. Referente a predominância das mulheres no magistério, pode-se relacionar alguns fatores interessantes. É sabido que essa categoria nem sempre foi predominada pelas mulheres. A inserção das mulheres no magistério público primário data da 1ª metade do século XIX, ( BRUSCHINI, 1981). Sem dúvida, tem se atrelado a esse fato uma progressiva desvalorização da profissão, se comparada a um momento em que os homens assumiam tal responsabilidade. Desvalorização em vários sentidos, econômico, social e cultural. A mulher apenas em 15 de outubro de 1827, adquire o direito à escolarização. Surgindo assim, as primeiras vagas para o sexo feminino no magistério primário, e tinham como pré-requisito ser mulher solteira, pois como não tinham sido consentidas com o casamento, eram convidadas para estudarem em colégio de freiras e posteriormente, cuidariam dos filhos das outras, já que naquela época não permitiam que fossem mães solteiras. O ensino da disciplina de Geometria era critério para estabelecer os níveis salariais, e como as professoras não administravam essa disciplina, por serem mulheres e que não deveriam trabalhar com cálculos, ganhavam menos que os professores embora a legislação da época determinasse que deveriam ser pagos os mesmos salários para os profissionais de ambos os sexos. Aqui, já ocorre uma implicação do gênero, que é relacionada a argumentação biológica para explicar a desigualdade entre os sexos. Segundo os dados do Censo do professor de 1997, no Brasil há em torno de 95% de professoras mulheres no ensino básico. Percebe-se, que é significativo ampliarmos 5 nossos conhecimentos, a fim de compreendermos quais foram as contribuições ou implicações das relações de gênero durante esse período de dois séculos em que ocorreram várias transformações nesse contexto. As condições mencionadas referente a trajetória da mulher na educação apontam influencia do patriarcalismo, não só determinando o limite da instrução como o seu modo de agir, e de se comportar dentro da sociedade. Pois, a história sempre foi contada pelos homens. Os estudos de gênero relacionados com a docência podem apontar um outro olhar sobre o efetivo abandono dos homens pela profissão docente, nas séries iniciais do Ensino Fundamental, além da desvalorização salarial e do desprestígio social, o olhar dos discursos e práticas sociais sobre o que é considerado como profissão masculina e profissão feminina. Referências bibliográficas: ALMEIDA, Jane Soares de. Mulheres na escola: algumas reflexões sobre o magistério feminino. Cadernos de Pesquisa. Fevereiro 1996, nº 96, pg. 71 até 77. BRUSCHINI, Cristina. Horizontes Plurais: Novos Estudos de Gênero no Brasil. Cristina Bruschini e Heloísa Buarque de Hollanda, (Orgs. ).São Paulo: FCC - São Paulo: Ed. 34, 1998. 416 p. ------------------------- IN: COSTA, Albertina de O, BUSCHINI, Cristina, (orgas). Uma questão de gênero. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1992. FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 2ed. Rio de Janeiro: Graal, 1981. LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: Uma perspectiva pós-estruturalista / Guacira Lopes Louro. -Petrópolis, R.J. Vozes, 1997. -----------------------------------. Gênero, História e Educação: construção e desconstrução. EDUCAÇÃO & REALIDADE: 20(2) 101-132, Jul/dez. 1995. SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade . Porto Alegre, 16 ( 2 ): 5-22, jul./dez. 1990.