ESTUDO DA INTERAÇÃO VIA/ESTRUTURA NA PONTE DONA ANA EM MOÇAMBIQUE Paulo Silveira1, Pedro Oliveira2, João Pedro Santos3, Manuel Pipa4, Francisco Asseiceiro5 1 Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Departamento de Estruturas, Avenida do Brasil, 101, 1700-066 Lisboa, Portugal email: [email protected] http://www.lnec.pt 2 Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Departamento de Estruturas, Avenida do Brasil, 101, 1700-066 Lisboa, Portugal 3 Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Departamento de Estruturas, Avenida do Brasil, 101, 1700-066 Lisboa, Portugal 4 Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Departamento de Estruturas, Avenida do Brasil, 101, 1700-066 Lisboa, Portugal 5 Mota-Engil Engenharia e Construção, Casa da Calçada, Largo do Paço 6, 4600-017 Cepelos-Amarante, Portugal. Sumário Na presente comunicação apresenta-se o estudo de interação-via estrutura, desenvolvido pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil, por solicitação da Mota-Engil Ferrovias, no âmbito da reabilitação do armamento de via da Ponte Dona Ana, em Moçambique. Este estudo teve por finalidade averiguar a viabilidade de substituir o armamento de via existente nesta ponte, por um sistema em barra longa soldada, sem recurso a aparelhos de dilatação de via, para corresponder ao conjunto das condicionantes existentes e reduzir os custos de manutenção. Foram avaliadas as consequências da interação entre a via e a estrutura da ponte, com base em modelos de cálculo que tiveram em consideração o comportamento não linear dos vários componentes do armamento de via. Para tal elaboraram-se modelos numéricos e realizaram-se ensaios para caracterizar experimentalmente, quer o comportamento longitudinal das fixações carril-travessa, quer o das ligações da travessa à estrutura. Foi também realizado um conjunto de ensaios in situ, após a reabilitação da linha, que permitiram avaliar as variações de tensão a que os carris se encontravam sujeitos, quer devido às ações térmicas ambientais, quer devido à passagem do tráfego. Palavras-chave: Ponte Ferroviária; Interação Via/Estrutura; Fixação Permissiva; Barra Longa Soldada - BLS. 1 INTRODUÇÃO A Ponte Dona Ana, insere-se na Linha de Sena, no troço que une a estação de Sena à estação de Mutarara, situadas, respetivamente, na margem Sul e na margem norte do rio Zambeze. Trata-se de uma estrutura construída entre 1925 e 1931, tendo sido utilizadas vigas metálicas de alma cheia nos viadutos de acesso e vigas metálicas em treliça na ponte propriamente dita. O comprimento total da ponte é de 3677,21 m, sendo por isso uma das pontes ferroviárias mais extensas de África. 1 Este artigo descreve o estudo realizado para averiguar a viabilidade de substituir o armamento de via existente nesta ponte, por um sistema em barra longa soldada, sem recurso a aparelhos de dilatação de via. A solução em barra longa soldada, agora adotada na Ponte de Dona Ana, tem um carácter inovador, uma vez que permite prescindir da instalação de aparelhos de dilatação de via, possibilitando assim corresponder ao conjunto das condicionantes existentes. Ao permitir ampliar a extensão da via sem interrupções, reduzem-se também os custos de manutenção comparativamente à solução tradicional na qual se utilizam aparelhos de dilatação de via. Este estudo implicou a avaliação teórica dos efeitos decorrentes da interação entre a via e ponte, recorrendo à análise estrutural deste sistema, por meio de um modelo de elementos finitos, no qual se teve em consideração o comportamento e as características das diversas estruturas e dos vários componentes do armamento de via. Por se tratar de uma solução com carácter inovador, na qual se utilizam carris em barra longa soldada fixados em travessas de madeira, que assentam nas longarinas por meio de duas palmilhas de borracha e onde se recorre a fixações entre o carril e a travessa, tanto do tipo permissivo como não permissivo, foi necessário caracterizar experimentalmente, quer o comportamento longitudinal das fixações carril-travessa, permissivas e não permissivas, quer o das ligações da travessa à estrutura. Neste sentido foram realizados ensaios monotónicos e cíclicos para avaliar a força longitudinal de retenção, a abrasão dos componentes da ligação e a fluência da ligação. Após a concretização da solução estudada pelo LNEC, foi efetuado um conjunto de ensaios in situ para avaliar as variações de tensão a que os carris se encontram efetivamente sujeitos, quer devido às ações térmicas ambientais, quer devido à passagem do tráfego, tendo em conta a interação existente entre a via e a estrutura. Para o efeito foram instrumentadas quatro zonas correspondentes a juntas entre tabuleiros, por se tratar dos locais onde se estimou que ocorressem as maiores variações de tensão nos carris, devido às ações referidas. 2 ENSAIOS DOS SISTEMAS DE FIXAÇÃO DO ARMAMENTO DE VIA E CARRIS A modelação da estrutura da Ponte Dona Ana foi efetuada com base no levantamento efetuado a esta obra, em 2012, por técnicos do LNEC. No entanto, para estudar a interação entre a via e a estrutura era também necessário caracterizar o comportamento do armamento de via. Por este motivo ensaiaram-se as fixações não permissivas (SKL12) e permissivas (SKLU12), do tipo KS da empresa Vossloh, para avaliar a rigidez longitudinal e a força de retenção longitudinal de cada ligação (Fig. 1). Foram realizados ensaios com diferentes configurações, tendo-se alterado os componentes utilizados e também variado o binário de aperto dos grampos, de forma a caracterizar o comportamento destas ligações para as diversas situações (Fig. 2). Realizaram-se também ensaios para avaliar a resistência ao escorregamento longitudinal do carril, a abrasão e a possível fluência da ligação ao longo de vários ciclos de carga (Fig. 3). Foi ainda realizado um ensaio à ligação da travessa à estrutura (Fig. 4) de forma a caracterizar a sua rigidez longitudinal (Fig. 5). Os ensaios para avaliar a retenção longitudinal das fixações foram realizados com base nas prescrições da norma EN 13146-1 [1], e incidiram sobre um protótipo constituído por um perfil do carril, com cerca de 0,5 m, por meia travessa e pelo sistema de fixação KS. À patilha do carril foi soldada uma chapa metálica para aplicação das forças. O ensaio foi controlado em termos de deslocamento, e foi realizado a uma velocidade de 0,025 mm/s, até que se verificasse a ocorrência de deslizamento entre o carril e a fixação. Para cada ensaio, conforme as diferentes configurações/tipo de fixação, foram realizados quatro ciclos de carga, desprezando-se os resultados do primeiro, de acordo com o especificado na norma referida. Entre cada ciclo aguardou-se 3 minutos, sem ajustar o sistema. O ensaio cíclico sob ações longitudinais foi realizado impondo deslocamentos de ± 3 mm, de acordo com o previsto no estudo de interação via-estrutura para a passagem do comboio [2]. Para avaliar rigidez longitudinal da ligação travessa-estrutura foram realizados dois ensaios de compressão na direção longitudinal da longarina, com uma força longitudinal máxima de 20 kN, de forma a determinar a relação força-deslocamento. Foram realizados ensaios com diferentes configurações, tendo-se alterado os componentes utilizados e também variado o binário de aperto dos grampos [3], de forma a caracterizar o comportamento destas ligações para as diversas situações. Na Fig. 2 apresentam-se os diagramas força-deslocamento, correspondentes aos três últimos ciclos de carga do ensaio de retenção longitudinal da fixação SKL12, designados nesta figura como Ensaio 2 a Ensaio 4. Neste ensaio utilizou-se um torque de aperto, dos grampos ao chapim, de 200 N.m. 2 1 – 0,50 m de carril; 2 – Sistema de fixação; 3 – Medidores indutivos de deslocamento; 4 – Travessa ou meia travessa; 5 – Suporte rígido. Fig. 1. Ensaio das fixações Força [kN] 45.00 Ensaio 2 Ensaio 3 Ensaio 4 40.00 35.00 30.00 22,6 25.00 25,1 27,1 20.00 15.00 10.00 5.00 Deslocamento longitudinal [mm] 0.00 0 0.5 1 1.5 2 2.5 3 3.5 4 4.5 Fig. 2. Ensaio da fixação SKL12 com um torque de 200 N.m: diagrama força-deslocamento Nas fixações permissivas, uma vez que não existia qualquer orientação ou limitação quanto ao deslizamento do carril na fixação, foram também realizados ensaios cíclicos com o intuito de avaliar a abrasão dos vários componentes (Fig. 3). Além dos ensaios efetuados às fixações, foi ainda avaliada a rigidez longitudinal do sistema de ligação das travessas à estrutura (Fig. 4 e Fig. 5). 3 Força [kN] DL Macaco 6 4 2 0 -4 -3 -2 -1 0 1 2 3 4 Deslocamento longitudinal [mm] -2 -4 -6 Fig. 3. Ensaio cíclico das fixações SKLU12: ciclo 2046 ao 2050 Fig. 4. Sistema de fixação das travessas em obra Força [kN] 22.5 20 17.5 15 12.5 10 7.5 5 2.5 Deslocamento longitudinal [mm] 0 0 0.5 1 1.5 2 2.5 3 3.5 4 4.5 Fig. 5. Ensaio de avaliação da rigidez longitudinal da fixação da travessa à estrutura 4 3 INTERAÇÃO VIA/ESTRUTURA O comportamento e a estabilidade das linhas férreas tem, desde há vários anos, sido alvo de melhoramentos, tendo-se desenvolvido diversas metodologias para avaliar a estabilidade e a segurança deste tipo infraestruturas, que levaram ao desenvolvimento e aperfeiçoamento dos métodos construtivos utilizados tradicionalmente, sendo substituídos os usuais carris de 12 m, ligados entre si por barretas metálicas, por sistemas em barra longa soldada (BLS). A inexistência de juntas de dilatação nos carris levou ao aumento das tensões instaladas na via, principalmente nas zonas onde existem descontinuidades entre as estruturas, devido às suas deformações longitudinais ou verticais. Para garantir que não ocorrem fenómenos de rotura, encurvadura ou degradação da via é necessário utilizar soluções estruturais e sistemas de fixação adequados ao tipo de via e à estrutura de suporte, e efetuar o controlo: das sobretensões nos carris e a eventual necessidade de dispor de aparelhos de dilatação de via; dos deslocamentos, absoluto do tabuleiro e relativos entre a via e o tabuleiro ou plataforma, com a finalidade de assegurar a estabilidade geral da via. Para análise do fenómeno de interação via-estrutura, a regulamentação existente [4,5] considera a possibilidade de utilizar uma metodologia de análise simplificada, ou uma metodologia de análise numérica. Para realizar este trabalho optou-se pela utilização desta última, que implica a utilização de modelos estruturais para simular o sistema via/estrutura e avaliar as tensões instaladas nos carris e os deslocamentos e esforços nos diversos componentes. Na regulamentação são estabelecidos limites para os acréscimos de tensão devidos aos fenómenos de interação via-estrutura, em vias balastradas. Estes limites correspondem ao cálculo teórico da estabilidade do carril e são os seguintes: Acréscimo de tensão de compressão no carril de 72 MPa; Acréscimo de tensão de tração no carril de 92 MPa (Fig. 6). As vias não balastradas, dado que a sua fixação é direta à estrutura, são pouco suscetíveis a fenómenos de encurvadura. Nestes casos pode portanto considerar-se que a tensão máxima de compressão disponível para os efeitos decorrentes da interação via-estrutura é igual à tensão de tração disponível. Fig. 6. Tensão de tração disponível para os efeitos de interação [6] Na elaboração dos diagramas apresentados na Fig. 6, considerou-se que a tensão máxima admissível para o aço dos carris é igual a 470 MPa, o que corresponde a 90% da tensão de cedência deste aço (525MPa). Na mesma figura, evidencia-se que a tensão de tração disponível para os efeitos decorrentes da interação via-estrutura é igual a 112 MPa. No entanto, segundo Delgado [6] e Simões [7], este valor não é consensual, sendo usualmente definido nas diversas regulamentações [4,5] o valor máximo de 92 MPa. 5 3.1 Modelação da interação Via/Estrutura Para efetuar a análise da interação via/estrutura utilizou-se o programa SAP2000. Esta análise implicou a modelação das quatro zonas da ponte que possuem características próprias, nomeadamente os dois viadutos de acesso e as vigas treliçadas, com 50 m e 80 m de comprimento (Fig. 7). Na simulação da interação entre a via e a estrutura foram tidos em conta os contributos da fixação do carril à travessa e da palminha de borracha de 20 mm instalada sob a travessa de madeira. Note-se que foi necessário ter em consideração que o comportamento da fixação do carril à travessa, na direção longitudinal da via, apresenta um comportamento não linear que depende do facto da via se encontrar, ou não, carregada. Fig. 7. Modelo dos tramos intermédios da Viga treliçada de 80 m 3.2 Verificação dos esforços nos carris A verificação da estabilidade da via foi feita de acordo com a EN1991-2 [4], tendo em consideração os efeitos da interação via/estrutura, e as ações correspondentes às sobrecargas ferroviárias e ainda as deformações do sistema originadas pelas variações de temperatura. Como sobrecargas ferroviárias utilizaram-se as locomotivas do tipo GE T26 CU2 e pares de vagões HL6, tendo-se considerado para as ações correspondentes à aceleração e à frenagem forças longitudinais, por eixo, com valor igual a 25% da carga vertical [4,5]. Relativamente às variações de temperatura, os valores característicos a considerar na análise da interação via/estrutura, no carril e na estrutura são, respetivamente, ±50 ºC e ±35 ºC. A norma limita ainda a diferença entre a variação uniforme de temperatura atuante no tabuleiro e na via a ±20 ºC. No caso de vias férreas sem aparelhos de dilatação térmica, a variação de temperatura do carril não gera quaisquer movimentos relativos entre o carril e a estrutura, pelo que apenas induz tensões uniformes ao longo do desenvolvimento da via, com um valor igual a: σcarril = E × α × ∆T = 210 × 106 × 1 × 10−5 × 50 = 105MPa 6 em que E é o módulo de elasticidade do carril, α o coeficiente de dilatação térmica e ΔT a variação de temperatura. Na análise da interação via-estrutura, para a verificação das sobretensões no carril, é unicamente necessário considerar, nos modelos elaborados, a variação de temperatura do tabuleiro (±35 ºC). Como regra de combinação para as ações consideradas, ambas as regulamentações [4,5] definem a seguinte expressão: F𝐿 = ∑ 𝜓0𝑖 × F𝑙𝑖 em que FL representa a reação longitudinal do carril, Fli a reação longitudinal correspondente à ação i e coeficiente de combinação, que para a interação carril-estrutura deverá ser igual a 1,0. ψ0i o Dada a inaplicabilidade da regulamentação às vias de fixação direta, foi apenas limitado a 3 mm o deslocamento vertical relativo entre dois troços de tabuleiro sucessivos, ou entre o troço de tabuleiro e o encontro, para uma velocidade máxima da linha até 160 km/h, para controlar indiretamente as tensões de flexão nos carris. Numa primeira fase identificaram-se as zonas onde as tensões nos carris, devido as sobrecargas ferroviárias, às variações de temperatura e à interação via/estrutura, eram mais elevadas. Nestas zonas adotaram-se fixações permissivas e nas zonas menos solicitadas fixações não permissivas. Foram estudadas diversas soluções de modo a otimizar a distribuição das fixações, com a finalidade de diminuir as tensões nos carris, garantindo que estas se encontram dentro dos limites definidos na regulamentação [4,5]. Da análise efetuada verificou-se que as secções mais solicitadas se situavam na transição entre o viaduto de Mutarara e o primeiro tramo com 80 m e entre tramos de 80 m (Fig. 8, Fig. 9). Além das verificações relativas a secções situadas na ponte, foram ainda analisadas as secções de transição para os blocos técnicos (aterro) e os viadutos de acesso. três tramos centrais carregados Tração +360,2 kN -299,8 kN Compressão Fig. 8. Tramos intermédios das vigas treliçadas de 80 m: diagrama de Esforço axial para a carga vertical e a frenagem no sentido de Mutarara Tração +243,5 kN -243,5 kN Compressão Fig. 9. Tramos intermédios das vigas treliçadas de 80 m: diagrama de Esforço axial para a variação de temperatura na ponte de +35ºC Foi também desenvolvido um modelo especificamente para estimar a abertura do carril, no caso de ocorrer a sua rotura por tração, tendo-se verificado que a secção mais traccionada se situa entre os tramos intermédios da viga treliçada de 80 m. Para esta secção estimou-se o valor da sua abertura em resultado da ação térmica (-35 ºC na ponte e -50 ºC no carril) e da ação de frenagem. Os valores obtidos foram os seguintes: 1,34 mm / ºC de abaixamento de temperatura; 7 17 mm para as ações inerentes à circulação ferroviária. 4 ENSAIOS IN SITU Com estes ensaios procurou-se avaliar as variações de tensão a que os carris se encontram efetivamente sujeitos, quer devido às ações térmicas ambientais, quer devido à passagem do tráfego. Para o efeito foram instrumentadas quatro zonas correspondentes a juntas entre tabuleiros. A sua localização foi definida com base nos estudo referidos nos pontos anteriores, tendo-se escolhido os locais onde se estimou que ocorressem as maiores variações de tensão nos carris, devido às ações mencionadas (Fig. 10 e Fig. 11). S1 S2 Vigas treliçadas de 50 m Vigas treliçadas de 80 m Fig. 10. Localização das secções S1 e S2 S3 Vigas treliçadas de 80 m Fig. 11. Localização das secções S3 e S4 S4 Viaduto de Mutarara 4.1 Equipamento utilizado nos ensaios Durante os ensaios mediu-se a variação da deformação nos carris, a temperatura nos carris e na estrutura e ainda a temperatura e humidade do ar. O equipamento de medição foi constituído por um computador portátil e várias unidades de leitura, extensómetros elétricos de resistência e sensores de temperatura e humidade. Os extensómetros elétricos de resistência foram colados nas almas dos carris, em secções a meio do vão do carril, entre travessas. Estes extensómetros foram colados em dois níveis, à distância do centro de massa que se indica na Fig. 13. Com base nesta disposição foi possível determinar as tensões ao nível das fibras extremas e também ao nível do centro de massa (tensão uniforme). Fig. 12. Aspeto geral dos sensores e sistemas de aquisição utilizados 8 Carril 54 E.1 34 22 es ei Fig. 13. Posicionamento dos extensómetros na alma do carril UIC 54 E.1 Em cada secção foram criadas três subsecções com extensómetros. Estas subsecções foram designadas E1, E2 e E3, conforme se ilustra na Fig. 14. Fig. 14. Esquema da montagem dos extensómetros nas subsecções das secções ensaiadas 4.2 Variações de tensão nos carris devidas às ações térmicas ambientais Durante os ensaios mediu-se a variação da deformação nos carris, a temperatura nos carris e na estrutura e ainda a temperatura e humidade do ar (Fig. 15). Em relação às variações da tensão uniforme dos carris, deve referir-se que estes foram soldados quando a sua temperatura se encontrava entre 35 e 40 ºC, pelo que a tensão uniforme efetivamente instalada (σef) poderá ser estimada, em função da temperatura de fecho do carril (T fecho), da temperatura do carril (T carril) e da tensão 9 calculada a partir das extensões medidas (σcalc), utilizando a expressão seguinte, considerando positivas as tensões de tração: 𝜎𝑒𝑓 = 𝜎𝑐𝑎𝑙𝑐 − (𝑇𝑐𝑎𝑟𝑟𝑖𝑙 − 𝑇𝑓𝑒𝑐ℎ𝑜 ) × 𝛼 × 𝐸 onde σef - tensão uniforme efetivamente existente no carril, σcalc - tensão no carril calculada a partir das extensões medidas, Tcarril - temperatura do carril no início do ensaio, Tfecho - temperatura do carril no instante em que foi feita a soldadura de continuidade, α - coeficiente de dilatação linear do aço do carril, E - módulo de elasticidade do aço do carril. Para o presente caso, e na falta de informação mais precisa, pode considerar-se o valor de Tfecho igual a 35 ºC e o produto “α x E” igual a 2,10 MPa ºC-1. Fig. 15. Temperaturas da ponte, do carril e do ar e humidade relativa do ar Neste artigo apresentam-se da Fig. 16 à Fig. 20 as variações de tensão e curvatura nos carris da Secção S2, dado que se trata da secção onde são mais evidentes os efeitos decorrentes da interação entre a via e a estrutura. Tal deve-se ao facto do comboio utilizado neste ensaio ter os vagões carregados. No entanto, as maiores variações de tensão nos carris ocorreram na secção S3, apesar de no ensaio desta secção os vagões se encontrarem descarregados, o que diminuiu os efeitos decorrentes da interação via/estrutura. Apresenta-se na Fig. 16 e na Fig. 17 os gráficos relativos às variações da tensão uniforme e da curvatura dos carris, na Secção S2, devidas às variações de temperatura. 10 Fig. 16. Secção S2: variação da tensão uniforme nos carris Fig. 17. Secção S2: variação da curvatura nos carris 4.3 Variações de tensão nos carris devidas à circulação ferroviária A circulação ferroviária sobre a ponte provoca alterações no estado de tensão no carril, por três motivos. O primeiro relaciona-se com os esforços de flexão e com o esforço normal resultantes da ação das sobrecargas e das forças de tração ou de frenagem, que atuam sobre o carril. O segundo motivo prende-se com o próprio funcionamento do tabuleiro, uma vez que os esforços de flexão nele introduzidos pela circulação ferroviária, provocam, no caso destas vigas treliçadas, alongamentos ao nível da corda inferior, e no caso destas vigas de alma cheia, encurtamentos ao nível da fibra superior, que afetam o esforço normal nos carris. O terceiro motivo relaciona-se com os esforços introduzidos nos carris pelos deslocamentos verticais e pelas rotações das vigas onde eles se apoiam. Dado que as secções instrumentadas se situam na transição entre tramos, o facto de um tramo poder estar carregado e o outro não, também afeta o estado de tensão no carril. Na Fig. 18 apresenta-se a variação da tensão nos carris, na Secção S2, devido à circulação ferroviária. 11 Fig. 18. Secção S2: variação da tensão uniforme nos carris Neste ensaio o comboio circulava carregado de Mutarara para Sena, tendo-se iniciado o ensaio com o eixo dianteiro da locomotiva posicionado sobre a subsecção E2 (ver Fig. 14). Os diagramas apresentados na Fig. 18 refletem as trações nos carris decorrentes do facto de, inicialmente, apenas os tramos do lado de Mutarara se encontrarem carregados. Nesse instante observava-se uma diferença nos valores das tensões de tração nas subsecções E1 (8 MPa) e E2 (14 MPa), que é coerente com a variação teórica da tensão de tração. As compressões máximas registadas após a saída do comboio são iguais nas duas subsecções e têm um valor de cerca de -12 MPa. Enquanto o comboio ocupou os tramos contíguos à secção S2 verifica-se que a tensão uniforme no carril foi sensivelmente constante (5 MPa). Na Fig. 19 e na Fig. 20 podem observar-se as variações de tensão registadas nas fibras extremas da Subsecção 2 da Secção S2, durante a passagem de um comboio. Nessa subsecção, durante a passagem do comboio, a tensão na fibra superior variou entre 53 e -23 MPa e na fibra inferior entre 23 e -50 MPa. Esta variação engloba a flexão do carril, entre travessas, devido à sobrecarga ferroviária e também a flexão do carril devido à deformação do tramo. Retirando o efeito da deformação do próprio tabuleiro no carril, verificou-se que, para a passagem da locomotiva, a compressão máxima registada na fibra superior foi de -65 MPa e a tração máxima registada na fibra inferior foi de 60 MPa, enquanto para a passagem do vagão HL6 carregado, a compressão máxima registada na fibra superior foi de -46 MPa e a tração máxima registada na fibra inferior foi de 46 MPa. A título de exemplo, representa-se também na Fig. 19, a verde escuro, a parcela da tensão (σint) devida à interação entre a via e a estrutura, para a fibra superior da Subsecção E2 da secção S2. Na análise da estabilidade dos carris deve ter-se em consideração que a variação de tensão admissível devida às sobrecargas ferroviárias, às variações de temperatura e à sua interação com a estrutura não deve ultrapassar 390 MPa. Este valor corresponde à diferença entre a tensão admissível (470 MPa) e a tensão residual (80 MPa) resultante do processo de laminagem. 12 σint Fig. 19. Secção S2/E2: variação da tensão de flexão na fibra superior Fig. 20. Secção S2/E2: variação da tensão de flexão na fibra inferior Tal como referido no ponto 4.2, as maiores variações de tensão nos carris ocorreram na secção S3. Nesta secção os elevados valores das tensões de flexão máximas registadas nas fibras superior e inferior, durante a passagem do comboio, devem-se ao peso das locomotivas. A variação da tensão uniforme devido às ações térmicas ambientais é igualmente maior nesta secção, por esta se encontrar localizada entre dois tramos de 80 m de comprimento. 13 Na Secção S3 obtiveram-se os seguintes valores máximos para as variações de tensão: Sobrecargas ferroviárias: o Flexão: -73 MPa e 65 MPa; o Interação via/estrutura: -8 MPa e 4 MPa; Variação de temperatura: o Tensão uniforme no carril para Δt = 20 ºC: ±90 MPa; o Tensão uniforme no carril estimada para Δt = 50 ºC: ±225 MPa; A partir destes valores verifica-se que as tensões máximas a que o carril seria sujeito nas secções instrumentadas, se se verificar uma variação de temperatura de ±50 ºC, relativamente à temperatura de fecho, são -306 MPa de compressão e 294 MPa de tração, não se ultrapassando assim o valor máximo admissível (390 Mpa). 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Os efeitos decorrentes da interação entre a via e a estrutura são difíceis de quantificar dada a complexidade de modelar rigorosamente o conjunto via/estrutura, uma vez que está em jogo um elevado número de fatores que nem sempre são suscetíveis de ser avaliados e modelados com rigor. Os ensaios para avaliação das variações de tensão nos carris devidas à circulação ferroviária e às ações térmicas ambientais têm implicitamente em consideração a interação entre a via e a estrutura, pelo que permitem, não só comprovar as hipóteses admitidas na modelação numérica utilizada, mas também verificar experimentalmente a adequabilidade da solução adotada. Verificou-se que a variação da tensão uniforme nos carris se encontra bem correlacionada com a variação de temperatura dos carris e não com a variação de temperatura do tabuleiro, o que indicia que, de um modo geral as variações de tensão nos carris não se devem às variações de comprimento do tabuleiro, de origem térmica. Este facto confirma a eficácia do sistema adotado no armamento de via, em isolar os carris do efeito das variações de comprimento do tabuleiro. Considera-se que, para tal, contribuíram as soluções construtivas adotadas, designadamente a utilização de palmilhas de elastómero sob as travessas, o esquema concebido para fixação das travessas às longarinas, a adoção de zonas com fixações permissivas e zonas com fixações não permissivas e a adoção de pequenos intervalos entre as travessas e os cutelos de fixação. Tendo em consideração os valores obtidos nos ensaios realizados conclui-se que as tensões a que os carris da Ponte Dona Ana estão sujeitos não ultrapassam o valor limite definido de 390 MPa. Os resultados obtidos a partir dos ensaios realizados, juntamente com o facto de não terem sido observadas anomalias decorrentes de um funcionamento deficiente do conjunto via/estrutura, permite concluir que a solução adotada para o armamento de via poderá garantir o seu bom desempenho ao longo da vida útil da obra-de-arte, diminuindo os custos com a sua manutenção uma vez que evita a utilização de aparelhos de dilatação de via. 6 REFERÊNCIAS 1. EN 13146-1 - Railway applications. Track. Test methods for fastening systems. Determination of longitudinal rail restraint, Comité Europeen de Normalisation (CEN), 2012 2. OLIVEIRA, Pedro; SILVEIRA, Paulo - Ponte De Dona Ana - Interação entre a via e a estrutura, Relatório 286/2014-NOE, LNEC, 2014 3. EN 13481-2 – Railway applications – Track – Performance requirements for fastening systems – Part 2: Fastening Systems for concrete sleepers, Comité Europeen de Normalisation (CEN), 2002 4. EN 1991-2 - Eurocode 1: Actions on structures - Part 2: Traffic loads on bridges, Comité Europeen de Normalisation (CEN), 2003 5. UIC CODE 774-3 - Track/bridge Interation – Recommendations for calculations, 2nd edition, 2001 14 6. DELGADO, Joana – Interação Via – Ponte em Linhas Ferroviárias, Tese de Doutoramento, FEUP, 2013 7. SIMÕES, Romeu – Iteracção Via – Ponte em Linhas Ferroviárias de Alta Velocidade, Tese de Mestrado, FEUP, 2006 15