WORD - CASO 89 UFMG - Unimed-BH

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Imagem da Semana: RM + TC + cintilografia
Imagem 01. Cortes axiais de ressonância magnética de crânio, ponderada em T2 (a) e
ponderada em T1, após administração do contraste paramagnético, gadolínio (b).
Imagem 02. Corte axial de tomografia computadorizada abdominal após administração
de contraste iodado, em fase arterial.
Imagem 03. Corte axial de ressonância magnética abdominal ponderada em T2.
Imagem 04. Estudo cintilográfico de corpo inteiro realizado 24 e 48 horas após a
administração de 5 mCi de 131Iodo-MIBG. Abaixo , em fundo negro, imagens adicionais
com a técnica SPECT/CT, nos eixos coronal, sagital e transversal. – 1a linha imagens CT;
2a linha imagens cintilograficas SPECT fundidas às tomográficas apresentadas na 1a linha.
Paciente do sexo feminino, 44 anos, admitida com quadro recente de ataxia e cefaléia
holocraniana progressivas, além de redução da acuidade visual no olho esquerdo.
Apresentava hipertensão arterial sistêmica de difícil controle, diabetes mellitus nãoinsulinodependente e amaurose direita (por descolamento de retina traumático). Foram
solicitadas ressonância magnética do crânio (imagem 1) e oftalmoscopia do olho esquerdo
quesugeriram uma única etiologia e orientou a solicitação de propedêutica adicional.
(imagens 2 a 4).
Levando em consideração o quadro clínico e os exames apresentados, qual foi a
hipótese diagnóstica levantada pela equipe assistente?
a) Doença Renal Policística
b) Doença de Von Hippel-Lindau
c) Esclerose Tuberosa
d) Neoplasia Endócrina Múltipla Tipo 2
Análise da imagem
Imagem 1: (a) Imagem ponderada em T2 no plano axial, demonstrando lesão expansiva no
hemisfério cerebelar esquerdo, predominantemente cística, com áreas sólidas e septações
grosseiras em seu aspecto lateral. (b) Imagem ponderada em T1, após administração do
gadolíneo, mostrando grande área cística com nodulação sólida periférica, em seu aspecto
lateral, com importante realce. Os achados são compatíveis com hemangioblastoma
cerebelar. Observe o efeito de massa, com leve compressão sobre quarto ventrículo, que se
encontra deslocado contralateralmente.
Imagem 2: TC contrastada demonstrando massa sólida heterogênea com intensa
impregnação pelo meio de contraste na adrenal direita (vermelho) sugestiva de
feocromocitoma.Massa de características similares, em topografia paravertebral esquerda
também é identificada (azul). No pâncreas, observam-se pequenas formações arredondadas,
hipoatenuantes, não captantes de contraste, compatíveis com cistos (amarelo). No interior
do canal vertebral nota-se pequeno nódulo com intensa impregnação pelo meio de contraste,
sugestivo de hemangioblastoma medular intradural (seta preta). São visualizadas duas
imagens arredondadas, hipoatenuantes, não captantes, no polo inferior do rim esquerdo
(verde), caracterizando cistos renais simples (categoria 1 de Bosniak).
Imagem 3: Ressonância magnética, no plano axial, ponderação T2, demonstrando
hiperintensidade do sinal das formações arrendondadas de aspecto cístico (amarelo). Na
adrenal direita, a lesão expansiva sólida heterogênea apresenta-se com moderado
hipersinalnesta sequência (vermelho), corroborando o diagnóstico de feocromocitoma. Os
cistos renais esquerdos são visíveis nessa ponderação com marcado hipersinal (verde).
Imagem 4: Estudo realizado 24 e 48 horas após a administração de 5 mCi de 131Iodo-MIBG
evidenciou área de fixação anômala do material na projeção das suprarrenais (círculo azul).
Imagens adicionais com a técnica SPECT/CT, nos eixos coronal, sagital e transversal,
demonstram hipercaptação na suprarrenal direita e duas áreas focais à esquerda, adjacentes,
prováveis suprarrenal esquerda e paraganglioma (em amarelo). Esse exame confirma a
origem neuroendócrina das massas suspeitas nas imagens 2 e 3.
Diagnóstico
A Doença de Von Hippel-Lindau é uma síndrome associada à presença de neoplasias em
múltiplos órgãos, destacando-se hemangioblastomas do sistema nervoso central (HSNC) e da
retina (HR), cistos e tumores renais e pancreáticos e feocromocitoma. Em pacientes com
história familiar positiva, uma destas lesões é suficiente para diagnóstico. Sehistória
familiarnegativa, são necessários2 HSNC e/ou HR ou 1HSNC ou HR associado a uma lesão
visceral.No caso em questão havia tanto o HSNC, quanto o HR, identificado à oftalmoscopia,
além das neoplasias abdominais.
A Doença Renal Policística Autossômica Dominante manifesta-se principalmente por
cistos renais uni ou bilaterais, frequentes cistos hepáticos e, raramente, cistos do pâncreas,
vesícula seminal, membrana aracnoide e aneurismas cerebrais. Veja mais no caso 187.
A Esclerose Tuberosa é uma doença autossômica dominantecaracterizada pelo
desenvolvimento de múltiplos tumores benignos em tecidos de origem ectodérmica,
principalmente angiofibromas faciais, túberes corticais/subcorticais, rabdomiomas cardíacos
e angiomiolipomas renais, além de alterações ósseas, oculares e dentárias, dentre outras.
A Neoplasia Endócrina Múltipla Tipo 2 (NEM 2) é também uma rara síndrome de
neoplasia poliglandular de herança autossômica dominante. É caracterizada pela presença de
feocromocitoma, de carcinoma medular da tireoide edehiperparatireoidismo primário.
Discussão do caso
A Doença de Von Hippel-Lindau (DVHL), ou AngiomatoseCerebelorretinianaFamiliar, é uma
síndrome de neoplasias hereditárias múltiplas, benignas e malignas (tabela 1), com
incidência de 1:31.000-53.000. Decorre de mutações no gene supressor de tumor
VHLdocromossomo 3, comtransmissão autossômica dominantee penetrância idadedependente. Hápleiotropismo marcante mesmo entre indivíduos que partilham uma mutação
específicae a doença se subdivide entre tipo 1 (ausência de feocromocitoma) e tipo 2
(presença).
Os hemangioblastomas do sistema nervoso centralsão as lesõesmais características da
síndrome e,habitualmente,múltiplos, precoces e de pior prognóstico em relação aos casos
esporádicos.Desenvolvem-se principalmente no cerebelo e na medula espinhal.
Oshemangioblastomasretinianossão,
frequentemente,
a
manifestação
iniciale
sãotipicamente, múltiplos, bilaterais ejustapapilares (imagem 5).
A manifestação renal incluicistos e carcinoma de células renais tipo células claras (CCR),
quesão as lesões malignas mais frequentes da doença e tendem à multicentricidade e
bilateralidade, com prognóstico reservado.Destacam-se ainda alterações pancreáticas,
comocistos etumores neuroendócrinos, que são frequentemente assintomáticas e podem ser
manifestação visceral isolada da doença.Feocromocitomas também são associados à DVHL,
tendendo a ser precoces, suprarrenais,assintomáticos e produtores quase que exclusivamente
de normetanefrina. Veja mais sobre Feocromocitomas nos casos 23, 77 e 120.
O diagnóstico é baseado na presença de características clínicas cardinais. O estudo genético
éindicado paracasos suspeitos e, precocemente,paraindivíduos com história familiar positiva.
O tratamento é feito em casos de lesões sintomáticas ou malignas, baseado em terapias locais
mínimas devido ao índice de recidivas e consequente risco de perda da função do órgão. É
imperativo o acompanhamento multidisciplinar e a adoção de protocolos de vigilância
rigorosos, que possibilitam o diagnóstico e tratamento precoce de lesões associadas (tabela
2). A expectativa de vida média é de 49 anos e as principais causas de morte são CCR e
complicações neurológicas dos HSNC.
Tabela 1: Manifestações da DVHL de acordo com a prevalência
Manifestações
Prevalência (%)
Cistos pancreáticos
50-91%
Hemangioblastoma cerebelar
44-72%
Cistos renais
59-63%
Hemangioblastoma de retina
45-59%
Carcinoma de célular renais
24-45%
Hemangioblastoma de medula 13-59%
espinhal
Feocromocitoma
Tumores
pancreáticos
0-60%
neuroendócrinos 5-17%
Cistadenoma seroso do pâncreas 12%
Hemangioblastoma bulbar
Cistadenoma
epidídimo
papilar
Tumores do saco endolinfático
5%
do 10-60%
7-11%
Leung RS, Biswas SV, Duncan M, Rankin S. ImagingFeaturesof von HippelLindauDisease.RadioGraphics 2008; 28:65-79.
Tabela 2: Protocolo de triagem para DVHL
Sistema
Regime
Seguimento
Renal
Ultrassonografia
abdominal TC
ou
RM
(US) anual a partir dos 10 anos. (dependendo
dos
achados ao US).
SNC
RM cerebral e medular aos 20 Baixo limiar para
anos ou se sintomático. Exame solicitar repetição da
neurológico anual.
RM se sinais ou
sintomas suspeitos.
Suprarrenal
Medidas anuais do nível de Somente
se
AVM
AVM* urinário de 24h. Medida anormal.
da pressão arterial anual.
Oftalmológico Oftalmoscopia direta e indireta Não é necessária
anual a partir dos 5 anos, com propedêutica
ou sem angiografia
fluoresceína.
com radiológica.
Auditivo
Questionário
auditivo. RM se audiograma
Audiograma é solicitado se anormal.
questionário alterado.

AVM: ácido vanilmandélico
Retirado de: Leung RS, Biswas SV, Duncan M, Rankin S. ImagingFeaturesof von HippelLindauDisease. RadioGraphics 2008; 28:65-79.
Imagem 5: Hemangioblastoma de retina. (a) Oftalmoscopia revela uma massa avermelhada
associada a artéria nutriz proeminente e veia de drenagem. (b) Angiograma com fluoresceína
revela hiperfluorescência da lesão.Retirado de: Leung RS, Biswas SV, Duncan M, Rankin S.
ImagingFeaturesof von Hippel-LindauDisease. RadioGraphics 2008; 28:65-79. 6
Imagem 6: Tumor do saco endolinfático. TC axial (a) e RM ponderada em T1 após a
administração do meio de contraste (b)revelam um tumor com epicentro na região do
aqueduto vestibular da parte petrosa do osso temporal. A TC revela destruição geográfica de
osso e espículas ósseas intratumorais, enquanto RM revela focos com intensa impregnação
pelo meio de contraste.Essascaracterísticassãotípicasdessestumores.Retirado de: Leung RS,
Biswas
SV,
Duncan
M,
Rankin
S.
ImagingFeaturesof
von
Hippel6
LindauDisease. RadioGraphics 2008; 28:65-79.
Imagem 7: Cistadenoma papilar do epidídimo. Imagem ultrassonográfica (a) do testículo
direito revela um tumor sólido bem definido, isoecóico em relação ao parênquima testicular.
Imagem ultrassonográfica (b) do testículo esquerdo revela cistos epididimários simples com
rede testicular ectásica e dilatada. Retirado de: Leung RS, Biswas SV, Duncan M, Rankin S.
ImagingFeaturesof von Hippel-LindauDisease. RadioGraphics 2008; 28:65-79. 6
Aspectos relevantes
- A DVHL é uma síndrome autossômica dominante com alta penetrância e marcante
pleiotropismo,decorrente da mutação do VHL, um gene supressor de tumor;
- As manifestações mais frequentes são hemangioblastomas do sistema nervoso central e da
retina, além de lesões renais e feocromocitoma;
- Manifestações clínicas podem fechar diagnóstico, mas o estudo genético é indicado para
todos os casos suspeitos e para indivíduos com história familiar positiva;
- O tratamento é baseado principalmente na terapia local para as lesões presentes;
- O acompanhamento rigoroso por protocolos de triagem e investigação de lesões associadas
é fundamental para redução da morbimortalidade.
Referências
- Maher ER, Neumann HPH, Richard S. Von Hippel-Lindau disease: A clinical and scientific
review. European Journal Human Genetics 2011; 19: 617-623.
- Schmid S, Gillessen S, Binet I, Brandle M, Engeler D, Greiner J, et al. Management of von
Hippel-Lindau Disease: An Interdisciplinary Review. Oncol Res Treat 2014;37:761-771.
- Plon SE, Jonasch E. Clinical Features, diagnosis, and management of von Hippel-Lindau
disease. UpToDate. Disponível em:http://www.uptodate.com/contents/clinical-featuresdiagnosis-and-management-of-von-hippel-lindau-disease. Acessado em: 15 de junho de
2015.
- Grantham JJ. AutosomalDominantPolycysticKidneyDisease.N Engl J Med, Oct-2008;
359(14); 1477-1485
- Gulani AC, Defendi GL. Von Hippel-LindauDisease. Medscape. Disponível
em: http://emedicine.medscape.com/article/1219430-overview. Acessado em: 15 de junho
de 2015.
- Leung RS, Biswas SV, Duncan M, Rankin S. ImagingFeaturesof von Hippel-LindauDisease.
RadioGraphics 2008; 28:65-79.
Responsáveis
André Ribeiro Guimarães, acadêmico do 11º período da Faculdade de Medicina da
Universidade Federal de Minas Gerais.
E-mail: guimaraesandrer[arroba]hotmail.com
Júlia Alvarenga Petrocchi, acadêmica do 12º período da Faculdade de Medicina de
Universidade Federal de Minas Gerais.
E-mail: juliapetrocchi[arroba]gmail.com
Orientadora
Dra. Luciana Costa, médica radiologista e Professora do Departamento de Anatomia e
Imagem da Faculdade de Medicina da UFMG.
Revisores
Luanna Monteiro, Daniela Braga, Ana Júlia Bicalho, Raíra Cezar, Letícia Horta, Marina Leão
e Profa. Viviane Parisotto
Agradecimento
Agradecemos a equipe de residentes de Medicina Nuclear do Hospital das Clínicas da UFMG
pela gentileza em ceder a imagem do estudo com 131I-MIBG.
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