Navegar sem Mapa? Alexandra Okada1 Fernando Almeida2 Estamos diante de um oceano de informações que se modificam a cada segundo. Isso requer uma reflexão constante para atualização necessária sem nos perdermos nesse dilúvio caótico de dados. Muitas vezes, ondas nos levam sem sabermos para onde estamos indo. Neste contexto, este texto tem como objetivo provocar uma discussão sobre a utilização de mapas durante a navegação na web. Mapear não só como um meio de orientação, mas também, como um processo de construção de sentidos e significados. Para isso, trazemos à tona “trilhas onde não há pegadas” para descrever o cenário atual. Prosseguimos, “mapeando os caminhos da aprendizagem” para indicar pesquisas que vem sendo feitas sobre o assunto. Então, apresentamos o software “Nestor Web Cartographer”, para discutir como mapas virtuais – webmaps podem ser construídos. E finalmente, tecemos algumas reflexões sobre “cartografia virtual, desvelando oceanos na web” para concluir esta reflexão e abrir novos desafios... TRILHAS ONDE NÃO HÁ PEGADAS. O que mais nos impressiona nos caminhos da aprendizagem contemporânea é a imprecisão e as desorientações. O sol não nasce mais de lado nenhum. Tudo é escuridão e tudo é sol da meia noite. Vemos que às vezes, a briga feita pela defesa da interdisciplinaridade não acontece à toa. As disciplinas causam incômodos. As certezas dos limites, das fronteiras dos saberes não podem ser aceitas, pois contrariam a variedade e a avalanche das notícias. Hoje, mais que conhecimentos temos notícias. Elas, sim, são vivas e quentes e têm o frescor do real. O real é a notícia. Notícia enquanto ‘notum’ nota digna de ser conhecida. A notabilidade do imediato tomou o lugar das ciências configuradas e comportadas em estatutos que perdem pelas suas desatualizações – vestutez, a notabilidade. Estas, não são mais notadas, anotadas, notáveis, conhecidas. Ganha destaque de máxima notabilidade, portanto, a notícia quente, a informação breve, a novidade fluida, o evento volátil, a ligeireza da quantidade de dados. Se o sólido referencial do construído aos poucos e do ponto a ponto conformado é descuidado; se o tempo da gestação pode ser dispensado pela clonagem da maturação; então, o conhecimento foi-se como valor. Ele, que é tempo vivido e que é prazer demorado, não tem lugar nem vez. A avalanche de recortes, bricolagem, copiar-colar, stick notes, autocolantes substitui freqüentemente os textos longos. As histórias que varam as noites das fogueiras ou as enciclopédias, os estatutos, as Odisséias, os longos teatros e a meditação são insuportáveis nesse regime “fast food” da informação. A imprecisão de caminhos, notabilidade do imediato e a avalanche de recortes trazem novos questionamentos. Como lidar com este novo cenário? As informações e apelos às novidades são tantas e tão luminosas que se passa correndo sobre elas. Tornam-se desapercebidas como se queimassem ao contato, como se brilhassem demais diante de vistas acostumadas à sombra dos fundos das cavernas. A batalha de armas diversas contra as informações disponíveis, mutantes e emergentes de todos os cantos provocam cansaço. Corremos à geladeira à busca de um refrigerante ou de um iogurte qualquer sem nos darmos conta do que causa a sede. Esta verdadeira “guerra nas estrelas”, ao nos deixar cansados, provoca-nos um vazio de dados. Defendemo-nos da quantidade inassimilável com o esquecimento de suas desimportâncias. Os acontecimentos perdem suas densidades dramáticas pelo seu caráter minimalista e de diversidade desorganizada. Juntam-se debaixo de um mesmo programa de notícias, eventos de moda, desastres sísmicos, dramas sangrentos ou 1 Alexandra Okada, tecnóloga em computação no ITA, pesquisadora, mestre e doutoranda em Educação:Currículo na PUCSP, professora do Colégio Dante Alighieri e da Universidade Mackenzie. 2 Fernando Almeida, filósofo e pedagogo, pós-doutor na Universidade de Lyon, Professor Doutor no Programa de Pósgraduação em Educação:Currículo na PUC-SP. palavras cruzadas, como se todos tivessem a mesma densidade. Esquecemo-nos ou liquidificamos tudo numa pasteurização aética e antiestética. Não ficam rastros. Não há caminho. Não há pegadas que resistam a solo tão pantanoso. Esse cansaço e vazio, nos conduzem às mudanças. A quantidade inassimilável, atualização constante e diversidade de dados mostram que dominar um assunto não é mais deter todas as informações, mas sim, saber onde e como encontrá-las. Neste sentido, a idéia de mapear a informação, traçar rotas, selecionar e articular o que é relevante seja talvez o modo de caminhar no pântano. Saber trilhar onde não há pegadas é o desafio. MAPEANDO OS CAMINHOS DA APRENDIZAGEM. O pesquisador francês de origem russa, Romain Zeiliger já desde 1986 vem estudando curiosamente o percurso que os aprendizes traçam ao buscarem conhecer um fenômeno. Começou antes mesmo disto, em 1983, a investigar como os professores ensinavam e produziam os seus cursos. Daí, imaginava ele, descobriria ou ao menos chegaria muito próximo do que era o conhecimento. Se construísse um modelo que simulasse a estrutura de uma aula e a multiplicasse à saturação, pelos milhares de experimentos, chegaria a entender como os alunos aprendem ao saber como os professores ensinam ao prepararem suas aulas. Criou, então, o programa ORGUE e seu correspondente gráfico o MINIGR. Entre os anos 1984-1989, no laboratório IRPEACS do CNRS em Lyon, desenvolveu, implantou e consolidou um protótipo de Logitiel, o Didactitiel, que permitia que o professor organizasse uma aula, com todos os elementos que essencialmente a constituem. Sendo assim, o Didactitiel disponibilizava aos professores uma série de instrumentos e uma estrutura de organograma que permitia aos docentes prepararem suas aulas em um ambiente de computadores. Os elementos básicos estruturantes eram: um conjunto de caixas coloridas – cada uma com sua função onde o professor colocava informações (textos ou imagens) para a aula; noutras ele fazia perguntas para ver se o aluno estava acompanhando os cursos, e noutra verificava se o aluno tinha respondido corretamente as questões postas. Se não fosse a esperada, analisava sua resposta e enviava mensagem de erro encaminhando-o para outros estudos. A criação do organograma/fluxograma que permitia o aluno passear pelos caminhos da aula era dada pelo estilo cognitivo do professor. Aí, ele passeava com o aluno e estimulava o aluno a percorrer seus caminhos. Os conteúdos gráficos de cada cenário eram produzidos pelo próprio professor com o MINIGR que quer dizer editor gráfico. Ali o professor desenhava, inseria textos, fazia questões e inseria figuras ou sons. Porém, o Didactitiel foi vendido a AIRBUS e sua pesquisa acabou-se quando ainda muito restava por fazer. Dizem que este software foi usado para trabalhar com novas habilidades para o treinamento dos mecânicos de manutenção da fábrica de aviões. No entanto, o pesquisador Zeiliger não parou por aí. Sua enorme curiosidade e espírito científico, indicavam que as coisas do saber-sobre- o-saber estavam apenas começando. Daí em diante, caminhou pelas trilhas da internet com o mesmo afinco para descobrir (e agora com novíssima função) os segredos dos caminhos da construção do conhecimento na Internet. Seu maior desafio era o de registrar os processos de conhecimento dos usuários durante suas pesquisas na Web. Para isto, estudou as teorias da ação de Habermas e de autores que evidenciam os processos cognitivos e buscam na meta-cognição a esteira do aprender. Em 1996, Zeiligier desenvolveu a primeira versão do software Nestor Web Cartographer. O NESTOR é um 'browser' que permite navegar na Internet e registrar o caminho percorrido durante a navegação através de mapas. Este software oferece vários recursos para organização de informações, facilitando a leitura de dados e também a reescrita de novas páginas web para publicação na Internet. Além disso, oferece também recursos para comunicação síncrona e assíncrona entre usuários possibilitando a aprendizagem colaborativa. Nestes últimos seis anos, Zeiliger vem aprimorando o software e organizando uma comunidade de usuários do NESTOR, possibilitando a troca de informações, mapas, experiências com software, eventos na área, papers, teoria e prática. NESTOR WEB CARTOGRAPHER A apresentação que se fará do software NESTOR, vai evidenciar esse percurso e os resultados de tal pesquisa. Sua investigação sobre os registros dos percursos mentais de aprendizagem e de seus processos internos aparece na estrutura dos “webmaps”- mapas conceituas e cognitivos. Os webmaps simulam, de alguma forma, nossas estruturas mentais. Além do mais, o software é graficamente plástico, simulando também a mente aprendiz e viabilizando que recomponha e aperfeiçoe, a cada passo, os trâmites do processo do conhecimento. Vale também dizer que a partir disto pode-se operar mudanças, agregar cooperação, inserir correções e sínteses “aperfeiçoadoras” dos objetos construídos pelas operações mentais. Novos significados podem ser agregados e novas articulações podem ser feitas. Vamos a elas. O software NESTOR é gratuito e sua instalação pode ser feita através do download no site:http://www.gate.cnrs.fr/~zeiliger/nestor/nestor.htm Após a instalação, ao executar o software, surgem algumas opções de trabalho [groupware] para interação num grupo específico ou [no groupware] opção mais utilizada pelos usuários da web. Em seguida, aparecem três janelas do software: à esquerda o cartógrafo, à direita o browser, e abaixo anotações. Figura 1 – Nestor Web Cartographer: Cartographer(mapeador) – Browser (navegador)– Annotation (anotação) Quando iniciamos uma navegação no browser, automaticamente aparecerá um webmap registrando todos os Urls (endereços das páginas web) que são acessados. O webmap representa nossa experiência de navegação através dos nós e das ligações que trilhamos. Ao acessar uma página interessante, é possível sublinhar os parágrafos mais importantes, destacá-los com sombras coloridas como um pincel de marca-texto e também incluir anotações. Da navegação experiencial à navegação conceitual Uma das grandes vantagens do software é possibilidade de editar o webmap, as anotações e também novas páginas html. Desse modo, podemos reorganizar a disposição automática de modo a transformar o mapa de navegação num mapa mais significativo. Para facilitar a organização do webmap, alguns recursos podem ser utilizados: a lixeira para exclusão/deleção do que não é relevante (lixo), o “bag” para guardar informações selecionadas das páginas web, Desse modo, a experiência inicial de navegação é transformada em uma estrutura conceitual visando dar significado às informações navegadas. Ao organizarmos nossa navegação, nosso mapa inicial que parecia caótico contendo todo o percurso navegado experiencial é transformado num mapa mais conceitual. No estágio final, podemos usufruir o mapa conceitual onde quase nenhum sinal de nossa experiência de navegação permaneça. O processo de mapeamento facilita a compreensão de nossas estruturas mentais. Por um lado, pautamos-nos fortemente no contexto e na experiência para lembrar e resgatar o processo e os dados. Assim, durante a pesquisa na Web podemos recorrer à nossa experiência de navegação para encontrar alguma informação já visitada. Esta é uma das utilidades dos mapas inicialmente construídos. Por outro lado, as estruturas conceituais permitem compreender mais os mapas que compartilhamos porque facilitam nossa visualização, articulação e conexões entre dados. A seleção do que é relevante e o acesso muito mais rápido facilitam a reconstrução das informações segundo nossa interpretação. O mesmo mapa pode ser organizado em diversos estilos mais experienciais (mapa A) ou conceituais (mapa B). As mesmas ligações podem sugerir diversos tipos estruturas heterárquicas ou hierárquicas. O status das ligações pode deslocar a Relação-Experiencial para Relação-Conceitual. Do navegante ao autor Uma outra grande vantagem do NESTOR é possibilidade de publicar o webmap, as anotações e também as páginas html editadas. Os usuários navegam muito mais rápido com os webmaps, pois tem acesso a todos links já visitados, selecionados e organizados. Além de visualizar e acessar a informação como mais facilidade e agilidade, podem criar novas páginas web, com anotações, imagens e inclusive com os mapas. Além dos mapas facilitarem a investigação na Internet, incentivam o leitor a se transformar em um AUTOR na Web. Os mapas de NESTOR são os espaços pessoais da informação onde podemos construir também páginas na Web. Os mapas que são arquivos do tipo MAP podem ser convertidos em arquivos HTML e então, publicados na Internet. O NESTOR foi projetado para promover uma aproximação construtivista à navegação da Web. À medida que o usuário navega na web se transforma em cartógrafo, ou seja, de leitor se torna um autor - produtor de conhecimentos. Neste processo, quatro estágios são importantes: 1- navegar e selecionar o que é relevante no mapa. 2- configurar o mapa de navegação de modo mais significativo. 3- organizar áreas conceituais. 4- socializar os mapas possibilitando a troca de informações com outros navegantes. Utilizando o software NESTOR I - Iniciando a navegação Clique na caixa de endereço na parte superior da janela do browser e digite um endereço dentro dela, iniciando com http://www...., e tecle enter. Ou então, clique no menu ferramenta “Tools” e selecione um dos sites de busca sugeridos Yahoo, AltaVista ou outros. A janela de browser do NESTOR é muito similar ao do Internet Explorer. As opções são idênticas. É possível ir “para trás” e "para frente", parar, atualizar, etc. Além disso, é possível utilizar o mapa para navegar nos endereços visitados. Para isto, basta clicar nos ícones que representam os endereços visitados. Inicialmente, os ícones são círculos azuis, sendo que a cor vermelha é utilizada para representar no mapa o local atual que aparece no browser. É possível mover cada objeto individualmente ou um conjunto, arrastando-o com o mouse para o local desejado no mapa.Para deletar o que não é importante, basta arrastar para a lixeira, ou então, clicar com o botão direito do mouse sobre o link indesejado e deletar. Figura 2 – Nestor Web Cartographer: Navegando e construindo um webmap http://www.projeto.org.br/ccartografia II - Reorganizando a navegação Para alterar atributos de objetos, no mapa do NESTOR, dê duplo-clique ou com o botão direito do mouse no objeto que deseja alterar, clique em propriedades - "properties": Aparecerá, então, a caixa de diálogo das propriedades.Você poderá configurar o objeto alterando: título, ícone e até mesmo o URL (endereço). Para reorganizar melhor o mapa, diversos objetos podem ser utilizados: Document: Keyword: documento atual. permite criar um documento pessoal, uma página HTML . permite criar palavras-chave, facilitando a localização de termos essenciais no Mapa: permite criar submapas dentro de mapas, compactar e descompactar parte do mapa. É muito útil quando o mapa é muito grande. URL: permite inserir um novo URL no mapa, um endereço da Web que você não está relacionado com o site incial de navegação. Memo: anotação. permite criar uma anotação sobre a página web escolhida. Cada Url no mapa pode ter uma Concept ou shape: permite inserir imagens no mapa. permite criar áreas conceituais para agrupar Urls selecionados. E também CARTOGRAFIA COGNITIVA, DESVELANDO OCEANOS NA WEB O processo de aprendizado é um caminho complexo que possibilita aprendizes se envolverem de um estágio inicial de exploração de informações para um outro estágio mais "rico" reconstrução de conhecimentos. Durante esse processo, a aquisição de dados, qualificação, classificação, armazenamento, combinação são apenas alguns passos entre muitos outros. Esse processo de aprendizado é intensamente enriquecido através do trabalho construtivo (aprender fazendo) e do trabalho colaborativo (aprender fazendo com os outros). EKLUND, SAWERS e ZEILIGER (1999). A interpretação da informação não acontece apenas durante a leitura: é uma atividade que ocorre dentro de um processo interativo, onde a dialogicidade é fundamental. O conhecimento das coisas provém de um contexto de leitura e da discussão desse contexto. A leitura dos documentos da Web requer que os usuários desenvolvam um sistema específico de interpretação através dos quais possam construir o contexto durante a discussão. Isto possibilita a construção de uma complexa rede de trabalho entre aprendizes e professores, informações, ações e conhecimento para reconstruir novos significados. Os mapas são imprescindíveis para o ciberespaço. Mapas bem elaborados são fontes efetivas de comunicação porque permitem desenvolver e explorar as habilidades da mente. Ao possibilitar estabelecer e ver relações em suas estruturas físicas, os mapas permitem compreensão das complexidades do ambiente, reduz o tempo de procura e revela relações que de outra forma não seriam notadas. DODGE E KITCHEN (2001:65) Navegar sem mapas? É possível construir nossas próprias pegadas num oceano complexo de informações e notícias? Mapear através de estruturas que permitam integrar o sentido das mensagens e apreender novos significados é nosso atual desafio. Provavelmente assim, poderemos compreender e reter bem melhor tudo aquilo que esteja organizado de acordo com as nossas relações espaciais... BIBLIOGRAFIA DODGE, M e KITCHEN, R. (2001). Mapping cyberspace. London: Routledge. _____.(2002). Atlas of Cyberspace http://www.cybergeography.org EKLUND J, SAWERS J e ZEILIGER R (1999). NESTOR Navigator: A tool for the collaborative construction of knowledge through constructive navigation. http://ausweb.scu.edu.au/aw99/papers/eklund2/ In R. Debreceny & A. Ellis (eds.) proceedings of Ausweb99, The Fifth Australian World Wide Web Conference. Southern Cross University Press, Lismore. p. 396-408. LEVY, P. (1993). P. As tecnologias da inteligência - O futuro do pensamento na era da informática. 4a. ed. Rio de Janeiro: Editora 34. NESTOR WEB CARTOGRAPHER http://www.gate.cnrs.fr/~zeiliger/nestor/nestor.htm OKADA, A.; E ZELIGER ,R. (2003). The Building of Knowledge through Virtual Maps in Collaborative Learning Environments. Proceedings of EDMEDIA. Hawaii USA, (p. 1625-1628). OKADA, A. (2003). Webmap- The collective building of information network through virtual maps in collaborative learning environments. Proceedings of VIRTUAL EDUCA. Miami USA. WURMAN, R. (1991). Ansiedade de informação: Como transformar informação em compreensão. São Paulo: Cultura Editores Associados.