EFETIVIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS PROGRAMÁTICAS E O ESTADO BRASILEIRO EFFECTIVENESS OF THE CONSTITUTIONAL PROGRAMMATICALLY RULES AND THE BRAZILIAN STATE Marcelle Freitas Mattos e Marjorie Teles Pinheiro * RESUMO: O estudo da eficácia das normas Constitucionais é dotado de complexidade no mundo jurídico no que concerne primordialmente às normas programáticas. Destarte, existem divergências quanto ao entendimento de sua classificação que findam por gerar discussões em relação à sua efetividade. A atual Constituição Dirigente, baseada nos ditames do Estado de Direito, reconhece a natureza eficaz das normas jurídicas que pregam diretrizes a serem seguidas porquanto encontram-se sob a égide Constitucional. Hierarquicamente submissas à Lei Maior, encontram-se as leis infraconstitucionais que, associadas às diretrizes impostas pelas normas programáticas, assumem função essencial à complementaridade de tais normas, investindo na busca da plena eficácia. Palavras-chave: Normas programáticas; Eficácia; Estado de Direito. ABSTRACT: The study of the effectiveness of the Constitutional rules is endowed with complexity in the legal world in what concerns primarily in relation to programmatically rules. Thus, there are differences in the understanding of their classification that cease to create discussions regarding their effectiveness. The current Ruling Constitution, based on the dictates of the Rule of Law recognizes the effective nature of the juridical rules that preach effective guidelines to follow because they are under the Constitutional aegis. Hierarchically submissive to the Highest Law, are the infraconstitutional laws that associated to the guidelines imposed by program standards, assume key role complementarity of such rules, investing in the search for full effectiveness. Keywords: Programmatically rules; Effectiveness; Rule of Law. * Graduandas em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ INTRODUÇÃO No que concerne à efetivação de normas programáticas, existem ideias doutrinárias divergentes quanto à sua concepção e forma de interpretação, causando um entendimento confuso de sua definição. As normas programáticas estão submetidas ao inevitável e constante desenvolvimento histórico e aos valores em vigor na sociedade, o que resulta em demonstrar um anêmico caráter técnico-jurídico dentre as normas constitucionais. Existem tendências tanto positivas quanto negativas em relação à existência de normas constitucionais programáticas e por isso são comuns posicionamentos de que estas normas enfraquecem a jurisdicidade da Constituição, o que acaba por servir de subterfúgio à sua total observância. Essencialmente presente em nosso texto Constitucional está o teor programático, principalmente por se consubstanciar numa Lei Maior dirigente, enunciadora de diretrizes e objetivos a serem traçados, os quais são características intrínsecas ao Estado Democrático de Direito. Para total compreensão de seu texto formal, é necessária uma abordagem histórica do tempo em que as normas programáticas foram desenvolvidas, levando-se em consideração os costumes e também a finalidade destas no regime governamental a que pertencem. Dotadas de conteúdo ético-social, as normas programáticas representam conquistas da sociedade atingidas ao longo dos anos, no plano de suas necessidades. Sua eficácia plena se dá necessariamente por ação do legislador ordinário, que efetiva a direção postulada no teor programático. ESTADO E DIREITO, ACEPÇÕES DE ESTADO E O ESTADO DE DIREITO BRASILEIRO A origem do Estado remete-nos a incertezas, discussões doutrinárias, e a inúmeras teorias, detalhes históricos que não convêm neste estudo. Porém, é importante registrar que o vocábulo “Estado” é recente. Há raízes seculares quanto à tentativa intermitente de pensadores, gregos a renascentistas, de buscar uma definição da nação politicamente formada a que pertenciam tal como eram, sem projeções ilusórias. Maquiavel, nos idos de 1.513, ano em que lançou a obra O Príncipe, trata, de logo, dessa questão. Nas primeiras palavras de seu livro, à sua ótica, ele expõe em uma frase os tipos de Estado no intróito: “Todos os Estados, todos os domínios que têm havido e que há sobre os homens foram e são repúblicas ou principados.” (2002, p. 29) A partir das ideias repletas de autonomia de Maquiavel, a necessidade de definir o regime a que determinado povo faz parte e o know-how concernente à maneira de administrar, assumiram maiores proporções que as “polis”. Hoje, fala-se em formas de governo, formas de estado e sistemas de governo. Adota-se a divisão tripla do poder proposta por John Locke, sistematizada por Montesquieu, e, por ensejo desses avanços, define-se com precisão, embora em inúmeras linhas de pesquisa, o tripé de tantas indagações - Estado. Paulo Nader, doutrinador atual, sustenta que as investigações da doutrina moderna sobre o Estado caminham nas direções sociológica, política e jurídica. Para ele, “Estado é um complexo político, social e jurídico, que envolve a administração de uma sociedade estabelecida em caráter permanente em um território e dotado de poder autônomo.” (2009, p. 130) Como forma de melhor arrolar as opiniões, adotaremos a investigação jurídica sobre o Estado arguida por Paulo Nader. Para tanto, cumpre estabelecer a relação entre Direito e Estado, visto que, segundo Heinrich Henkel, há uma correspondência funcional entre Direito e Estado: “seu necessitar” e “ser necessitado” recíprocos, no sentido de que só com sua união podem alcançar ambos a plena capacidade funcional.”. (1968, p. 185) Direito, analisado simultaneamente ao Estado, sugere um fim comum. Em nome do povo e em proveito deste delimita-se a proximidade entre o Estado e o Direito, concorrendo, assim, a ideia de justiça social entre tais institutos. Além disso, há uma interdependência, pois o Direito provém do Estado e este é uma instituição jurídica. Entretanto, a atuação do Estado no âmbito do Direito não se reduz ao controle da produção das regras jurídicas, já que almeja manter a ordem social por meio de dispositivos de proteção próprios e aplicar o Direito a casos concretos fazendo uso de sua característica coercitiva. 1 Por ser notória a ampla conexão existente entre o Direito e o Estado, a doutrina propõe três concepções básicas sobre o tema. A primeira delas é a teoria dualística, a qual argumenta que Direito e Estado formam duas ordens integralmente distintas. Há também a teoria monística defendida por Kelsen, e indica o Direito e o Estado como uma só entidade – sunt unumet idem. O último posicionamento diz respeito à teoria do paralelismo, sujeita ao bom senso, que afirma o Direito e o Estado como entidades distintas, mas interligadas, apresentando uma mútua vinculação. 2 Em lato sensu, há uma concordância de que o Direito, historicamente, antecedeu ao surgimento do Estado. Todavia, essa desarmonia não afeta a compreensão atual de complementaridade, como afirma a teoria do paralelismo. Prova inerente a esse entendimento está na Magna Carta vigente quando aborda o Estado brasileiro como Democrático e de Direito no caput de seu 1º artigo, in verbis: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:” Desse modo, o legislador ao denominar o Brasil como Estado Democrático de Direito demonstra claramente a afinidade entre Estado, Democracia e Direito. Afastando este debate da diretriz democrática, apesar de ter surgido como expressão jurídica da democracia liberal3, que é mantenedora da soberania popular, Estado de Direito induz à observância da lei por todos, pessoas físicas e jurídicas. Partindo da premissa de que, para Canotilho, Estado de Direito é subdivisão do Estado Constitucional, ele argumenta que “o constitucionalismo procurou justificar um Estado submetido ao direito, um Estado regido por leis, um Estado sem confusão de poderes” 4. Em outras palavras, vê-se nesta definição uma alusão ao Estado de Direito e a reciprocidade perante o Poder Judiciário. Resta claro que, em virtude do 1 NADER, Paulo. Introdução ao estudo do Direito. 31 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 129. NADER, Paulo. Introdução ao estudo do Direito. 31 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 137. 3 AFONSO, José. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32 ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 117. 4 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3 ed. Coimbra: Almedina, 1998, p. 89. 2 termo “leis”, não há lacuna nas palavras do referido jurista português no que tange à possível arguição de que o Poder Legislativo é poder principal do Estado de Direito. Não o é porque a discussão não concerne à atividade legiferante, mas sim à garantia da legitimidade da norma jurídica constitucional somente oferecida pelo Poder Judiciário. José Afonso da Silva pondera que Estado de Direito indica o Poder Judiciário como elemento fundamental à sua subsistência. Estado submetido a um árbitro imparcial implica em Estado cujos atos legislativos, administrativos, executivos e também judiciais ficam subordinados ao controle jurisdicional no que alude à legitimidade constitucional e legal. (2008, p. 114) Estado de Direito era um conceito essencialmente liberal em sua origem, cujas características principais foram a submissão ao império da lei, divisão de poderes e enunciado e garantia dos direitos individuais. Contudo, por seu significado depender consubstancialmente da idéia sobre Direito, que tem inúmeras facetas, da mesma forma apareceram várias concepções distorcidas sobre Estado de Direito, a saber: Estado de Direito feudal, estamental, burguês. Essas denominações outras acrescidas a “Estado de Direito” indica conteúdo meramente material. Em uma perspectiva formal, vislumbra-se a corrente social ou socialista do Estado apresentada por muitos autores em virtude de as constituições de países ocidentais, inspirados pela Constituição alemã de Weimar, intitularem-se Estados Sociais de Direito. É válido anotar, por vias de consequência, que tais Cartas Magnas se declaram formalmente sociais não pelo fato de terem sido socialistas, mas sim pela tentativa de ir de encontro às idéias liberais e garantir, ainda que de forma programática, a justiça social, os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana. Sobre, bem observa Paulo Bonavides - “Estado Social do século XX regula uma esfera muito mais ampla: o poder estatal, a sociedade e o indivíduo.”(2004, p. 229) Assim, limitando-se ao Brasil na realidade atual, pode-se assegurar que o Estado Brasileiro não é um Estado Social, mas possui garantias sociais deste ao trazer em sua Lei Maior normas preocupadas em afirmar os direitos essenciais à coletividade. Como alento para essa idéia, assinala Pablo Lucas Verdú, doutrinador espanhol: “O Estado de Direito, na atualidade, deixou de ser formal, neutro e individualista, para transformar-se em Estado material de Direito, enquanto adota uma dogmática e pretende realizar a justiça social”. (1975, p. 94) Por sua vez, na conjuntura contemporânea, temos no Brasil a lei como principal consolidadora do princípio da legalidade, essência do conceito de Estado de Direito e que é concebida como norma jurídica geral e abstrata com finalidade de alcançar uma igualdade social por meio de seu conteúdo. Em muitos dos artigos da Lei maior vigente, além da garantia da ordem jurídica, social e econômica do Estado brasileiro, esboça-se um futuro ideal no que se pauta ao bem-estar social. A corrente Carta Política persiste em buscá-lo, empenha-se em sustentar o otimismo de que será alcançada a plena eficácia dos ditames programáticos. NORMAS PROGRAMÁTICAS E EFICÁCIA No Estado liberal do século XIX, a Constituição disciplinava somente os direitos individuais e o poder estatal. Atualmente o Estado social ampliou sua esfera de incidência, pois regula o poder estatal, a sociedade e o indivíduo. Ao analisar a relação entre a Constituição e a realidade político-social, percebe-se que esta deve corresponder às expectativas dos indivíduos a quem se dirige além de gerar condições para a satisfação das necessidades de uma sociedade em geral. Para tanto, o Estado torna-se o meio apropriado para realizar a proteção da sociedade, assegurando direitos que concernem à melhoria da vida, igualdade material e econômica. Importante se faz que a Constituição esteja inserida num contexto de espaço e tempo, conciliando Estado e Sociedade. A Magna Carta deve ser interpretada utilizando-se o seu texto formal e as características históricas, políticas, culturais, ideológicas do momento de sua criação, para um maior entendimento do aspecto sociopolítico-econômico, facilitando a percepção do melhor sentido da norma e tendo em vista sua plena eficácia. Toda norma jurídica tem caráter imperativo, e aquelas que compõem uma Constituição formal têm uma imperatividade maior, suprema, absoluta independentemente de seu conteúdo, porquanto são derivadas do Poder Constituinte e por isso dotadas de supralegalidade. Essa característica é imprescindível para a proclamação da natureza jurídica constitucional, ocorrendo, sem ela, a quebra de sua unidade normativa. Indubitavelmente percebe-se que as normas que indicam fins ao Estado e estabelecem programas a serem atingidos e princípios a serem cumpridos, são dotadas de imperatividade igualmente a todas as outras normas presentes na Constituição. Facilmente se pode identificar as normas programáticas da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, são exemplos a prestação de serviços de saúde, cultura, desporto, ciência e tecnologia pelo Estado; regulamentação dos serviços públicos; justa distribuição de terras; política agrícola fundiária e de reforma agrária; propriedade em sentido social; e intervenção do Estado na economia. A doutrina apresenta diversas regras de hermenêutica quanto às espécies e aplicabilidade das normas Constitucionais, separando-as em relação à sua eficácia. A classificação mais tradicional é a de José Afonso da Silva que interpretou da seguinte forma: normas constitucionais de eficácia plena, que produz efeitos imediatos desde a entrada da Constituição em vigor; normas constitucionais de eficácia contida, em que o legislador deixou margem à possibilidade de restrição por parte dos limites estabelecidos por lei; normas constitucionais de eficácia limitada, as quais têm aplicabilidade mediata, reduzida e indireta porque somente após lei infraconstitucional que a integre é capaz de produzir seus efeitos. Subdividem-se em normas de princípio institutivo e normas de princípio programático. Maria Helena Diniz classifica as normas constitucionais em: normas supereficazes ou com eficácia absoluta as quais são intangíveis, não podem ser emendadas e têm efeito paralisante sobre qualquer legislação que vier a contrariálas; as normas de eficácia plena incidem imediatamente sem necessidade de posterior legislação complementar, porém são emendáveis; as normas com eficácia relativa restringível têm aplicabilidade imediata ou plena, mas sua eficácia pode ser reduzida nos limites que a lei estabelecer; normas com eficácia relativa complementável ou dependente de complementação legislativa produzem efeitos mediatos porque somente através de lei complementar ou ordinária o direito é exercido, porem são dotadas de eficácia paralisante sobre qualquer norma incompatível ou impeditiva de conduta contrária. Dividem-se em normas de princípios institutivos e normas programáticas. (2003, p. 111-118) Comum entre ambos doutrinadores acima mencionados é a definição de normas de princípios institutivos e as normas de princípios programáticos. As primeiras dependem de lei para dar corpo a instituições, pessoas, órgãos para que tenham aplicabilidade plena ou imediata. As segundas são aqueles princípios e programas a serem cumpridos pelo poder público que serão desenvolvidos mediante lei infraconstitucional. Importante também a classificação normativa de Gilmar Mendes quanto à executoriedade das normas constitucionais, quando delibera que quanto à sua eficácia e aplicabilidade, as normas podem ser auto-executáveise não autoexecutáveis. As primeiras são aquelas bastantes em si, completas e precisas, que administram os meios pelos quais se possa proteger ou exercer o direito que conferem ou cumprir o dever ou o ônus por elas impostas. Opostamente segue a definição da segunda espécie caracterizadas como incompletas ou insuficientes, perfazendo-se indispensável a atuação do legislador para promover sua execução. Neste sentido, enquadra-se a norma programática. (2000, p. 41-42) Quando as regras jurídicas precisam da criação de regulamentação que as suplementem ou completem para poder incidir e serem aplicadas, dizem-se não bastantes em si. É comum ouvir-se que as normas programáticas negam a eficácia constitucional, mas como visto anteriormente, as normas programáticas são capazes de produzir seus efeitos, porém sua natureza faz com que necessitem de posterior lei ordinária ou complementar para ter o efeito planejado pelo legislador. São essencialmente princípios destinados ao cumprimento por parte dos órgãos legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos. Sua eficácia é vinculante e elas representam um marco constitucional, já que impedirão que se produzam normas infraconstitucionais que as contrariem no todo ou em parte, ensejando atos de declaração de inconstitucionalidade quando da afronta de seus preceitos. Diante do exposto e para reiterar o teor eficaz e jurídico das normas programáticas, nos limitamos ao que defende Maria Helena Diniz, que postula que as normas programáticas têm eficácia jurídica porque: “impedem que o legislador comum edite normas em sentido oposto ao direito assegurado pelo constituinte(...) condicionando assim a futura legislação com a consequência de ser inconstitucional; impõem um dever político ao órgão com competência normativa; informam a concepção estatal ao indicar suas finalidades sociais e os valores objetivados pela sociedade; condicionam a atividade discricionária da administração do Judiciário; servem de diretrizes teleológicas para a interpretação e aplicação jurídica; estabelecem direitos subjetivos por impedirem comportamentos antagônicos a elas.” 5 Por conterem direcionamentos jurídicos, essas normas necessitam da mediação dos poderes constituídos, sobretudo, do Poder Legislativo para a sua integral realização nas relações concretas. Paulo Bonavides assevera que as normas programáticas distinguem-se das outras normas basicamente pelos seguintes critérios: o destinatário das mesmas é o legislador por ser este o responsável à criação de legislação que vier a complementá-las; tem por objeto a eficácia sobre os comportamentos estatais; e a natureza da norma se caracteriza por seu alto teor de abstração por serem normas incompletas e demandarem integração. Em contrapartida à doutrina clássica concernente à eficácia das normas constitucionais, o professor J.J. Gomes Canotilho defende pela ruptura da atual classificação e apregoa a “morte das normas programáticas” como asseverado em seu ensinamento “Às normas programáticas é reconhecido hoje um valor jurídico constitucionalmente idêntico ao dos restantes preceitos da constituição. Não deve, pois, falar-se de simples eficácia programática (ou directiva), porque qualquer norma constitucional deve considerar-se obrigatória perante quaisquer órgãos do poder político.”6. Deste modo, entende-se o pensamento do constitucionalista português sustentador de uma sistematização igualitária de todas as normas constitucionais. Portanto o malogro da programaticidade de normas não deve ser atribuído à sua existência e sim à sua forma de entendimento, que finda por se tornar errôneo ao projetar que somente será eficaz a norma programática dotada de complementação infraconstitucional. A inclusão dos elementos sociais nas constituições aconteceu com o enfraquecimento do pensamento liberal e em consequência emergiu o Estado 5 DINIZ, Maria Helena. Norma Constitucional e seus efeitos. 6 ed. São Paulo: Saraiva. 2003, p.118. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3 ed. Coimbra: Almedina, 1998, p. 1102. 6 Social, baseado na inclusão da massa que anteriormente findava por não receber adequadamente os benefícios burgueses que transpassaram a fase constitucional liberal. Com o crescente nível de desigualdade, a maior preocupação se dá em traçar metas e programas que possuam efetivação imediata e também mediata. Os direitos sociais exigem tanto normas de efeito imediato como mediato, sendo a segunda propositora de programas e geradora de perspectivas de comportamentos a serem produzidos pelo Estado de forma progressiva. As leis constitucionais programáticas estão intrinsecamente atreladas aos princípios estruturantes da justiça e do Estado Social e, portanto, à tese dos direitos fundamentais, auxiliando como parâmetro para interpretação destes. À medida que não fundam institutos nem determinam diretamente o âmago das relações jurídicas que abraçam, seu preenchimento finda por dotar uma elasticidade à Constituição, permitindo sua projetação quanto à realidade social e econômica e tornam-se programas a serem realizados paulatinamente à evolução do Estado. São consideradas princípios-fim voltados para a realização da justiça social. EFETIVIDADE DAS NORMAS PROGRAMÁTICAS E A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 Consagrada pela doutrina, a teoria tridimensional do Direito afirma que este é norma, valor e fato, ratificando, assim, o liame entre tais institutos. Toda e qualquer norma jurídica tem uma dimensão normativa, axiológica e fática, correspondentes às validades formal, ética e fática, respectivamente. Esta última é definida por alguns autores como eficácia, e alega que uma norma somente é eficaz quando produz na realidade algum efeito, quando a sociedade a obedece por vontade própria ou por vontade da própria lei (órgãos). Para Tércio Sampaio Ferraz Jr., a eficácia é uma qualidade da norma que se refere à sua adequação em vista da produção concreta de efeito. Consiste no fato real da aplicação da norma, propondo um caráter experimental, por se referir ao cumprimento efetivo da norma por parte de uma sociedade, ao reconhecimento dela pela comunidade, no plano social ou, em particular, aos efeitos sociais que ela suscita pelo seu cumprimento. A eficácia social seria a efetiva correspondência da norma ao querer coletivo, ou dos comportamentos sociais ao seu conteúdo.7 Na ótica de Kelsen, uma norma que nunca e em parte alguma é aplicada e respeitada, isto é, uma norma que não é eficaz, não será considerada como norma vigente. A eficácia, portanto, pressupõe a vigência da norma. Destarte, é adequado sinalizar que, mesmo sendo descumprida, ela vale. Norberto Bobbio8 argumenta que os critérios de valoração de uma norma validade e eficácia - são ordens distintas de problemas e independentes uma da outra, no sentido em que a eficácia não depende da validade e nem a validade da eficácia. Para ele, uma norma pode ser eficaz sem ser válida. Aponta como exemplo disto as regras da boa educação, as quais não possuem validade jurídica pelo simples fato de serem seguidas. No ponto de vista do jurisconsulto, validade jurídica somente seria alcançada após o crivo dos órgãos competentes do sistema jurídico, garantindo para elas lugar no direito consuetudinário. Abaliza Bobbio também que uma norma pode ser válida sem ser eficaz, a saber: leis de proibição de bebidas alcoólicas. Percebeu-se nos Estados Unidos que o consumo de bebidas alcoólicas durante o regime proibicionista não era inferior ao consumo do período imediatamente sucessivo, quando a proibição foi abolida. Isto traduz que, conquanto estejamos diante de normas jurídicas que, embora válidas, isto é, existentes enquanto normas, não são eficazes. Pondera Paulo Nader que eficácia não é um tipo de validade, mas sim algo inerente ao alcance da norma. Ele afirma que as normas jurídicas não são geradas por acaso, mas visam alcançar certos resultados sociais.9 Assim, o atributo “eficácia” indica que a norma jurídica produz, realmente, os efeitos sociais planejados. No que diz respeito às normas programáticas, sua eficácia torna-se bastante complexa justamente por demandarem, além da eficácia social, a efetiva ação do legislador ordinário, não alcançando de imediato seus fins sociais. Por dependerem de políticas públicas cuja responsabilidade é governamental e necessitarem que seu 7 JR, Tércio Sampaio Ferraz. Teoria da Norma Jurídica: Ensaio de programática da comunicação normativa. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense. 2006, p. 110. 8 BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. 1 ed. São Paulo: Edipro. 2001, p. 48-50. 9 NADER, Paulo. Introdução ao estudo do Direito. 31 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 95. desenvolvimento se dê sob fiscalização, orientação e pressão populares, suas consequências serão resultado de conquistas sociais. As premissas da justiça social, a qual as normas programáticas almejam o pleno alcance, incentivaram o nascimento do constitucionalismo social, volvido para a consumação do bem comum e, por consequência, restringindo as desigualdades presentes entre os menos favorecidos. Os ditames do Estado Social, da mesma maneira que as normas programáticas, abraçam a ideia da erradicação das disparidades e da miséria, como forma de gerar a satisfação de todos e não apenas de uma elite. Atualmente, atrelada à evolução do Estado de Direito Brasileiro está a efetividade das normas programáticas. Com isso, não é intenção determinar que estas têm sua aplicabilidade alcançada por completo. Porém, nota-se um empenho social unido à legislação infraconstitucional em garantir o êxito programático das normas constitucionais em decorrência do aludido processo de maturação do Estado. Neste diapasão, o doutrinador contemporâneo Pedro Lenza aponta o artigo 7º, inciso XI da Constituição vigente ter teor dotado de programaticidade, mas que, para ele, deixou de ser programática ao alcançar eficácia através de lei ordinária. 10 Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei; Entretanto, ao nosso ver, não é cabível a alegação “deixou de ser programática”, mas sim que a norma programática alcançou eficácia in concreto, visto que, já possuem eficácia jurídica através de sua redação constitucional, são baseadas em princípios fundamentais garantidos pelo Estado de Direito e, deste modo, não abandonam sua essência programática e dirigente ainda que alcancem efetividade material. Portanto, consagram a preservação de tais princípios mantenedores das diretrizes da Carta Magna e propõem vertentes de eficácia. Dessa forma, o Poder Constituinte as protege quanto à sua imperatividade e rigidez, 10 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13 ed. São Paulo: Saraiva. 2009, p. 139 dificultando sua mutação, já que é norma constitucional, sobretudo. Em contrapartida a esse rigor quanto às modificações, estão as leis infraconstitucionais, indispensáveis promotoras da eficácia material da norma programática, detentoras de texto de fácil alteração e edição por parte do Poder Legislativo, as quais resultam em demonstrar fragilidade neste aspecto e não asseguram em definitivo a perpetuidade de sua aplicação, por serem tendenciosas a perturbar seus efeitos como lei ordinária que é. Tendo em vista essa necessidade de lei que regulamente a norma programática, destaca-se também a precisão de providências administrativas e operações materiais para que sejam capazes de atingir as estruturas econômicas, sociais e culturais subjacentes à Constituição. Percebe-se, então, que a efetividade das normas programáticas reúne evolução social, Estatal e empenho do Poder Público para o alcance ideal que almejam. Assim, nota-se que tais normas não apresentam soluções prontas, mas mecanismos para que homens livres, repleto de garantias individuais e coletivas oferecidas pelo Estado de Direito, decidam sobre seu futuro, valorizando a liberdade de escolha política do povo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Constatou-se, ao longo do presente trabalho que a classificação quanto à eficácia das normas programáticas é dos temas mais controversos do direito constitucional por suscitar várias posições antagônicas. Em início, foi discorrido a respeito da evolução do Estado, associou-a às raízes do Estado Liberal e Social, e, assim, obteve-se a analogia do Estado Democrático de Direito atual como assegurador de normas portadoras de eficácia jurídica, mas com eficácia material questionável, destacando-se aí as normas programáticas da atual Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. No que tange às controvérsias, Canotilho não enseja somente o desejo da consubstanciação social que as normas programáticas preveem em sua redação, mas também sistematiza a compreensão a que chegou este debate ao defender a morte das normas programáticas Para o exímio jurista português, sua vontade em extinguir o vocábulo “programáticas” é válida por entender que a tradicional classificação das normas constitucionais é errônea, pois afirma que o termo “programáticas” induz ao pensamento de que tais normas não possuem eficácia, serão sempre programas, o que não é verdade. A norma programática alcança efeitos compromissários desde sua previsão na Lei Maior. Em última analogia, mas sem olvidar que este estudo não merece ser estagnado, a dependência da legislação infraconstitucional que as normas programáticas necessitam para produzir efeitos é, como discorrido neste estudo, somente de caráter complementador, agindo como aplicador do teor programaticamente postulado. Assim, ao nosso ver, não se deve falar em norma programática que perdeu essa sua característica essencial, por ser esta a garantidora da preservação dos princípios fundamentais nos quais se baseiam a norma programática. Mesmo que haja a complementação da diretriz normatizada, haverá sempre a eficácia jurídica que é inerente à Constituição. BIBLIOGRAFIA BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. 1 ed. São Paulo: Edipro. 2001. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 2004. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3 ed. Coimbra: Almedina, 1998. DINIZ, Maria Helena. Norma Constitucional e seus efeitos. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. JR, Tércio Sampaio Ferraz. Teoria da Norma Jurídica – ensaio da pragmática da comunicação normativa. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. MAQUIAVEL. O Principe. São Paulo: Martin Claret, 2002. MENDES, Gilmar Ferreira. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000. NADER, Paulo. Introdução ao estudo do Direito. 31 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32 ed. São Paulo: Malheiros, 2008.