EFETIVIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

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EFETIVIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS PROGRAMÁTICAS E O
ESTADO BRASILEIRO
EFFECTIVENESS OF THE CONSTITUTIONAL PROGRAMMATICALLY RULES
AND THE BRAZILIAN STATE
Marcelle Freitas Mattos e Marjorie Teles Pinheiro *
RESUMO: O estudo da eficácia das normas Constitucionais é dotado de
complexidade no mundo jurídico no que concerne primordialmente às normas
programáticas. Destarte, existem divergências quanto ao entendimento de sua
classificação que findam por gerar discussões em relação à sua efetividade. A atual
Constituição Dirigente, baseada nos ditames do Estado de Direito, reconhece a
natureza eficaz das normas jurídicas que pregam diretrizes a serem seguidas
porquanto encontram-se sob a égide Constitucional. Hierarquicamente submissas à
Lei Maior, encontram-se as leis infraconstitucionais que, associadas às diretrizes
impostas
pelas
normas
programáticas,
assumem
função
essencial
à
complementaridade de tais normas, investindo na busca da plena eficácia.
Palavras-chave: Normas programáticas; Eficácia; Estado de Direito.
ABSTRACT: The study of the effectiveness of the Constitutional rules is endowed
with complexity in the legal world in what concerns primarily in relation to
programmatically rules. Thus, there are differences in the understanding of their
classification that cease to create discussions regarding their effectiveness. The
current Ruling Constitution, based on the dictates of the Rule of Law recognizes the
effective nature of the juridical rules that preach effective guidelines to follow because
they are under the Constitutional aegis. Hierarchically submissive to the Highest Law,
are the infraconstitutional laws that associated to the guidelines imposed by program
standards, assume key role complementarity of such rules, investing in the search for
full effectiveness.
Keywords: Programmatically rules; Effectiveness; Rule of Law.
* Graduandas em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ
INTRODUÇÃO
No que concerne à efetivação de normas programáticas, existem ideias
doutrinárias divergentes quanto à sua concepção e forma de interpretação,
causando um entendimento confuso de sua definição.
As normas programáticas estão submetidas ao inevitável e constante
desenvolvimento histórico e aos valores em vigor na sociedade, o que resulta em
demonstrar um anêmico caráter técnico-jurídico dentre as normas constitucionais.
Existem tendências tanto positivas quanto negativas em relação à existência de
normas constitucionais programáticas e por isso são comuns posicionamentos de
que estas normas enfraquecem a jurisdicidade da Constituição, o que acaba por
servir de subterfúgio à sua total observância.
Essencialmente presente em nosso texto Constitucional está o teor
programático, principalmente por se consubstanciar numa Lei Maior dirigente,
enunciadora de diretrizes e objetivos a serem traçados, os quais são características
intrínsecas ao Estado Democrático de Direito. Para total compreensão de seu texto
formal, é necessária uma abordagem histórica do tempo em que as normas
programáticas foram desenvolvidas, levando-se em consideração os costumes e
também a finalidade destas no regime governamental a que pertencem.
Dotadas de conteúdo ético-social, as normas programáticas representam
conquistas da sociedade atingidas ao longo dos anos, no plano de suas
necessidades. Sua eficácia plena se dá necessariamente por ação do legislador
ordinário, que efetiva a direção postulada no teor programático.
ESTADO E DIREITO, ACEPÇÕES DE ESTADO E O ESTADO DE DIREITO
BRASILEIRO
A origem do Estado remete-nos a incertezas, discussões doutrinárias, e a
inúmeras teorias, detalhes históricos que não convêm neste estudo. Porém, é
importante registrar que o vocábulo “Estado” é recente. Há raízes seculares quanto à
tentativa intermitente de pensadores, gregos a renascentistas, de buscar uma
definição da nação politicamente formada a que pertenciam tal como eram, sem
projeções ilusórias. Maquiavel, nos idos de 1.513, ano em que lançou a obra O
Príncipe, trata, de logo, dessa questão. Nas primeiras palavras de seu livro, à sua
ótica, ele expõe em uma frase os tipos de Estado no intróito: “Todos os Estados,
todos os domínios que têm havido e que há sobre os homens foram e são repúblicas
ou principados.” (2002, p. 29)
A partir das ideias repletas de autonomia de Maquiavel, a necessidade de
definir o regime a que determinado povo faz parte e o know-how concernente à
maneira de administrar, assumiram maiores proporções que as “polis”. Hoje, fala-se
em formas de governo, formas de estado e sistemas de governo. Adota-se a divisão
tripla do poder proposta por John Locke, sistematizada por Montesquieu, e, por
ensejo desses avanços, define-se com precisão, embora em inúmeras linhas de
pesquisa, o tripé de tantas indagações - Estado.
Paulo Nader, doutrinador atual, sustenta que as investigações da doutrina
moderna sobre o Estado caminham nas direções sociológica, política e jurídica. Para
ele, “Estado é um complexo político, social e jurídico, que envolve a administração
de uma sociedade estabelecida em caráter permanente em um território e dotado de
poder autônomo.” (2009, p. 130)
Como forma de melhor arrolar as opiniões, adotaremos a investigação jurídica
sobre o Estado arguida por Paulo Nader. Para tanto, cumpre estabelecer a relação
entre Direito e Estado, visto que, segundo Heinrich Henkel, há uma correspondência
funcional entre Direito e Estado: “seu necessitar” e “ser necessitado” recíprocos, no
sentido de que só com sua união podem alcançar ambos a plena capacidade
funcional.”. (1968, p. 185)
Direito, analisado simultaneamente ao Estado, sugere um fim comum. Em
nome do povo e em proveito deste delimita-se a proximidade entre o Estado e o
Direito, concorrendo, assim, a ideia de justiça social entre tais institutos. Além disso,
há uma interdependência, pois o Direito provém do Estado e este é uma instituição
jurídica. Entretanto, a atuação do Estado no âmbito do Direito não se reduz ao
controle da produção das regras jurídicas, já que almeja manter a ordem social por
meio de dispositivos de proteção próprios e aplicar o Direito a casos concretos
fazendo uso de sua característica coercitiva.
1
Por ser notória a ampla conexão existente entre o Direito e o Estado, a
doutrina propõe três concepções básicas sobre o tema. A primeira delas é a teoria
dualística, a qual argumenta que Direito e Estado formam duas ordens integralmente
distintas. Há também a teoria monística defendida por Kelsen, e indica o Direito e o
Estado como uma só entidade – sunt unumet idem. O último posicionamento diz
respeito à teoria do paralelismo, sujeita ao bom senso, que afirma o Direito e o
Estado como entidades distintas, mas interligadas, apresentando uma mútua
vinculação. 2
Em lato sensu, há uma concordância de que o Direito, historicamente,
antecedeu ao surgimento do Estado. Todavia, essa desarmonia não afeta a
compreensão atual de complementaridade, como afirma a teoria do paralelismo.
Prova inerente a esse entendimento está na Magna Carta vigente quando aborda o
Estado brasileiro como Democrático e de Direito no caput de seu 1º artigo, in verbis:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos:”
Desse modo, o legislador ao denominar o Brasil como Estado Democrático de
Direito demonstra claramente a afinidade entre Estado, Democracia e Direito.
Afastando este debate da diretriz democrática, apesar de ter surgido como
expressão jurídica da democracia liberal3, que é mantenedora da soberania popular,
Estado de Direito induz à observância da lei por todos, pessoas físicas e jurídicas.
Partindo da premissa de que, para Canotilho, Estado de Direito é subdivisão
do Estado Constitucional, ele argumenta que “o constitucionalismo procurou justificar
um Estado submetido ao direito, um Estado regido por leis, um Estado sem confusão
de poderes” 4. Em outras palavras, vê-se nesta definição uma alusão ao Estado de
Direito e a reciprocidade perante o Poder Judiciário. Resta claro que, em virtude do
1
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do Direito. 31 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 129.
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do Direito. 31 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 137.
3
AFONSO, José. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32 ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.
117.
4
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3 ed. Coimbra:
Almedina, 1998, p. 89.
2
termo “leis”, não há lacuna nas palavras do referido jurista português no que tange à
possível arguição de que o Poder Legislativo é poder principal do Estado de Direito.
Não o é porque a discussão não concerne à atividade legiferante, mas sim à
garantia da legitimidade da norma jurídica constitucional somente oferecida pelo
Poder Judiciário.
José Afonso da Silva pondera que Estado de Direito indica o Poder Judiciário
como elemento fundamental à sua subsistência. Estado submetido a um árbitro
imparcial implica em Estado cujos atos legislativos, administrativos, executivos e
também judiciais ficam subordinados ao controle jurisdicional no que alude à
legitimidade constitucional e legal. (2008, p. 114)
Estado de Direito era um conceito essencialmente liberal em sua origem,
cujas características principais foram a submissão ao império da lei, divisão de
poderes e enunciado e garantia dos direitos individuais. Contudo, por seu significado
depender consubstancialmente da idéia sobre Direito, que tem inúmeras facetas, da
mesma forma apareceram várias concepções distorcidas sobre Estado de Direito, a
saber: Estado de Direito feudal, estamental, burguês. Essas denominações outras
acrescidas a “Estado de Direito” indica conteúdo meramente material.
Em uma perspectiva formal, vislumbra-se a corrente social ou socialista do
Estado apresentada por muitos autores em virtude de as constituições de países
ocidentais, inspirados pela Constituição alemã de Weimar, intitularem-se Estados
Sociais de Direito. É válido anotar, por vias de consequência, que tais Cartas
Magnas se declaram formalmente sociais não pelo fato de terem sido socialistas,
mas sim pela tentativa de ir de encontro às idéias liberais e garantir, ainda que de
forma programática, a justiça social, os direitos fundamentais e a dignidade da
pessoa humana. Sobre, bem observa Paulo Bonavides - “Estado Social do século
XX regula uma esfera muito mais ampla: o poder estatal, a sociedade e o
indivíduo.”(2004, p. 229)
Assim, limitando-se ao Brasil na realidade atual, pode-se assegurar que o
Estado Brasileiro não é um Estado Social, mas possui garantias sociais deste ao
trazer em sua Lei Maior normas preocupadas em afirmar os direitos essenciais à
coletividade. Como alento para essa idéia, assinala Pablo Lucas Verdú, doutrinador
espanhol: “O Estado de Direito, na atualidade, deixou de ser formal, neutro e
individualista, para transformar-se em Estado material de Direito, enquanto adota
uma dogmática e pretende realizar a justiça social”. (1975, p. 94)
Por sua vez, na conjuntura contemporânea, temos no Brasil a lei como
principal consolidadora do princípio da legalidade, essência do conceito de Estado
de Direito e que é concebida como norma jurídica geral e abstrata com finalidade de
alcançar uma igualdade social por meio de seu conteúdo. Em muitos dos artigos da
Lei maior vigente, além da garantia da ordem jurídica, social e econômica do Estado
brasileiro, esboça-se um futuro ideal no que se pauta ao bem-estar social. A corrente
Carta Política persiste em buscá-lo, empenha-se em sustentar o otimismo de que
será alcançada a plena eficácia dos ditames programáticos.
NORMAS PROGRAMÁTICAS E EFICÁCIA
No Estado liberal do século XIX, a Constituição disciplinava somente os
direitos individuais e o poder estatal. Atualmente o Estado social ampliou sua esfera
de incidência, pois regula o poder estatal, a sociedade e o indivíduo.
Ao analisar a relação entre a Constituição e a realidade político-social,
percebe-se que esta deve corresponder às expectativas dos indivíduos a quem se
dirige além de gerar condições para a satisfação das necessidades de uma
sociedade em geral. Para tanto, o Estado torna-se o meio apropriado para realizar a
proteção da sociedade, assegurando direitos que concernem à melhoria da vida,
igualdade material e econômica. Importante se faz que a Constituição esteja inserida
num contexto de espaço e tempo, conciliando Estado e Sociedade.
A Magna Carta deve ser interpretada utilizando-se o seu texto formal e as
características históricas, políticas, culturais, ideológicas do momento de sua
criação, para um maior entendimento do aspecto sociopolítico-econômico, facilitando
a percepção do melhor sentido da norma e tendo em vista sua plena eficácia. Toda
norma jurídica tem caráter imperativo, e aquelas que compõem uma Constituição
formal têm uma imperatividade maior, suprema, absoluta independentemente de seu
conteúdo, porquanto são derivadas do Poder Constituinte e por isso dotadas de
supralegalidade. Essa característica é imprescindível para a proclamação da
natureza jurídica constitucional, ocorrendo, sem ela, a quebra de sua unidade
normativa. Indubitavelmente percebe-se que as normas que indicam fins ao Estado
e estabelecem programas a serem atingidos e princípios a serem cumpridos, são
dotadas de imperatividade igualmente a todas as outras normas presentes na
Constituição.
Facilmente se pode identificar as normas programáticas da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, são exemplos a prestação de serviços de
saúde, cultura, desporto, ciência e tecnologia pelo Estado; regulamentação dos
serviços públicos; justa distribuição de terras; política agrícola fundiária e de reforma
agrária; propriedade em sentido social; e intervenção do Estado na economia.
A doutrina apresenta diversas regras de hermenêutica quanto às espécies e
aplicabilidade das normas Constitucionais, separando-as em relação à sua eficácia.
A classificação mais tradicional é a de José Afonso da Silva que interpretou da
seguinte forma: normas constitucionais de eficácia plena, que produz efeitos
imediatos desde a entrada da Constituição em vigor; normas constitucionais de
eficácia contida, em que o legislador deixou margem à possibilidade de restrição por
parte dos limites estabelecidos por lei; normas constitucionais de eficácia limitada, as
quais têm aplicabilidade mediata, reduzida e indireta porque somente após lei
infraconstitucional que a integre é capaz de produzir seus efeitos. Subdividem-se em
normas de princípio institutivo e normas de princípio programático.
Maria Helena Diniz classifica as normas constitucionais em: normas
supereficazes ou com eficácia absoluta as quais são intangíveis, não podem ser
emendadas e têm efeito paralisante sobre qualquer legislação que vier a contrariálas; as normas de eficácia plena incidem imediatamente sem necessidade de
posterior legislação complementar, porém são emendáveis; as normas com eficácia
relativa restringível têm aplicabilidade imediata ou plena, mas sua eficácia pode ser
reduzida nos limites que a lei estabelecer; normas com eficácia relativa
complementável ou dependente de complementação legislativa produzem efeitos
mediatos porque somente através de lei complementar ou ordinária o direito é
exercido, porem são dotadas de eficácia paralisante sobre qualquer norma
incompatível ou impeditiva de conduta contrária. Dividem-se em normas de
princípios institutivos e normas programáticas. (2003, p. 111-118)
Comum entre ambos doutrinadores acima mencionados é a definição de
normas de princípios institutivos e as normas de princípios programáticos. As
primeiras dependem de lei para dar corpo a instituições, pessoas, órgãos para que
tenham aplicabilidade plena ou imediata. As segundas são aqueles princípios e
programas a serem cumpridos pelo poder público que serão desenvolvidos mediante
lei infraconstitucional.
Importante também a classificação normativa de Gilmar Mendes quanto à
executoriedade das normas constitucionais, quando delibera que quanto à sua
eficácia e aplicabilidade, as normas podem ser auto-executáveise não autoexecutáveis. As primeiras são aquelas bastantes em si, completas e precisas, que
administram os meios pelos quais se possa proteger ou exercer o direito que
conferem ou cumprir o dever ou o ônus por elas impostas. Opostamente segue a
definição da segunda espécie caracterizadas como incompletas ou insuficientes,
perfazendo-se indispensável a atuação do legislador para promover sua execução.
Neste sentido, enquadra-se a norma programática. (2000, p. 41-42)
Quando as regras jurídicas precisam da criação de regulamentação que as
suplementem ou completem para poder incidir e serem aplicadas, dizem-se não
bastantes em si. É comum ouvir-se que as normas programáticas negam a eficácia
constitucional, mas como visto anteriormente, as normas programáticas são capazes
de produzir seus efeitos, porém sua natureza faz com que necessitem de posterior
lei ordinária ou complementar para ter o efeito planejado pelo legislador. São
essencialmente princípios destinados ao cumprimento por parte dos órgãos
legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos. Sua eficácia é vinculante e
elas representam um marco constitucional, já que impedirão que se produzam
normas infraconstitucionais que as contrariem no todo ou em parte, ensejando atos
de declaração de inconstitucionalidade quando da afronta de seus preceitos.
Diante do exposto e para reiterar o teor eficaz e jurídico das normas
programáticas, nos limitamos ao que defende Maria Helena Diniz, que postula que
as normas programáticas têm eficácia jurídica porque:
“impedem que o legislador comum edite
normas em sentido oposto ao direito
assegurado pelo constituinte(...) condicionando
assim a futura legislação com a consequência
de ser inconstitucional; impõem um dever
político ao órgão com competência normativa;
informam a concepção estatal ao indicar suas
finalidades sociais e os valores objetivados
pela sociedade; condicionam a atividade
discricionária da administração do Judiciário;
servem de diretrizes teleológicas para a
interpretação e aplicação jurídica; estabelecem
direitos
subjetivos
por
impedirem
comportamentos antagônicos a elas.” 5
Por conterem direcionamentos
jurídicos,
essas
normas
necessitam
da
mediação dos poderes constituídos, sobretudo, do Poder Legislativo para a sua
integral realização nas relações concretas. Paulo Bonavides assevera que as
normas programáticas distinguem-se das outras normas basicamente pelos
seguintes critérios: o destinatário das mesmas é o legislador por ser este o
responsável à criação de legislação que vier a complementá-las; tem por objeto a
eficácia sobre os comportamentos estatais; e a natureza da norma se caracteriza por
seu alto teor de abstração por serem normas incompletas e demandarem integração.
Em contrapartida à doutrina clássica concernente à eficácia das normas
constitucionais, o professor J.J. Gomes Canotilho defende pela ruptura da atual
classificação e apregoa a “morte das normas programáticas” como asseverado em
seu ensinamento “Às normas programáticas é reconhecido hoje um valor jurídico
constitucionalmente idêntico ao dos restantes preceitos da constituição. Não deve,
pois, falar-se de simples eficácia programática (ou directiva), porque qualquer norma
constitucional deve considerar-se obrigatória perante quaisquer órgãos do poder
político.”6. Deste modo, entende-se o pensamento do constitucionalista português
sustentador de uma sistematização igualitária de todas as normas constitucionais.
Portanto o malogro da programaticidade de normas não deve ser atribuído à sua
existência e sim à sua forma de entendimento, que finda por se tornar errôneo ao
projetar que somente será eficaz a norma programática dotada de complementação
infraconstitucional.
A inclusão dos elementos sociais nas constituições aconteceu com o
enfraquecimento do pensamento liberal e em consequência emergiu o Estado
5
DINIZ, Maria Helena. Norma Constitucional e seus efeitos. 6 ed. São Paulo: Saraiva. 2003, p.118.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3 ed. Coimbra:
Almedina, 1998, p. 1102.
6
Social, baseado na inclusão da massa que anteriormente findava por não receber
adequadamente os benefícios burgueses que transpassaram a fase constitucional
liberal. Com o crescente nível de desigualdade, a maior preocupação se dá em
traçar metas e programas que possuam efetivação imediata e também mediata. Os
direitos sociais exigem tanto normas de efeito imediato como mediato, sendo a
segunda propositora de programas e geradora de perspectivas de comportamentos
a serem produzidos pelo Estado de forma progressiva.
As leis constitucionais programáticas estão intrinsecamente atreladas aos
princípios estruturantes da justiça e do Estado Social e, portanto, à tese dos direitos
fundamentais, auxiliando como parâmetro para interpretação destes. À medida que
não fundam institutos nem determinam diretamente o âmago das relações jurídicas
que abraçam, seu preenchimento finda por dotar uma elasticidade à Constituição,
permitindo sua projetação quanto à realidade social e econômica e tornam-se
programas a serem realizados paulatinamente à evolução do Estado. São
consideradas princípios-fim voltados para a realização da justiça social.
EFETIVIDADE DAS NORMAS PROGRAMÁTICAS E A CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988
Consagrada pela doutrina, a teoria tridimensional do Direito afirma que este é norma,
valor e fato, ratificando, assim, o liame entre tais institutos. Toda e qualquer norma
jurídica tem uma dimensão normativa, axiológica e fática, correspondentes às
validades formal, ética e fática, respectivamente. Esta última é definida por alguns
autores como eficácia, e alega que uma norma somente é eficaz quando produz na
realidade algum efeito, quando a sociedade a obedece por vontade própria ou por
vontade da própria lei (órgãos).
Para Tércio Sampaio Ferraz Jr., a eficácia é uma qualidade da norma que se
refere à sua adequação em vista da produção concreta de efeito. Consiste no fato
real da aplicação da norma, propondo um caráter experimental, por se referir ao
cumprimento efetivo da norma por parte de uma sociedade, ao reconhecimento dela
pela comunidade, no plano social ou, em particular, aos efeitos sociais que ela
suscita pelo seu cumprimento. A eficácia social seria a efetiva correspondência da
norma ao querer coletivo, ou dos comportamentos sociais ao seu conteúdo.7
Na ótica de Kelsen, uma norma que nunca e em parte alguma é aplicada e
respeitada, isto é, uma norma que não é eficaz, não será considerada como norma
vigente. A eficácia, portanto, pressupõe a vigência da norma. Destarte, é adequado
sinalizar que, mesmo sendo descumprida, ela vale.
Norberto Bobbio8 argumenta que os critérios de valoração de uma norma validade e eficácia - são ordens distintas de problemas e independentes uma da
outra, no sentido em que a eficácia não depende da validade e nem a validade da
eficácia. Para ele, uma norma pode ser eficaz sem ser válida. Aponta como exemplo
disto as regras da boa educação, as quais não possuem validade jurídica pelo
simples fato de serem seguidas. No ponto de vista do jurisconsulto, validade jurídica
somente seria alcançada após o crivo dos órgãos competentes do sistema jurídico,
garantindo para elas lugar no direito consuetudinário. Abaliza Bobbio também que
uma norma pode ser válida sem ser eficaz, a saber: leis de proibição de bebidas
alcoólicas. Percebeu-se nos Estados Unidos que o consumo de bebidas alcoólicas
durante o regime proibicionista não era inferior ao consumo do período
imediatamente sucessivo, quando a proibição foi abolida. Isto traduz que, conquanto
estejamos diante de normas jurídicas que, embora válidas, isto é, existentes
enquanto normas, não são eficazes.
Pondera Paulo Nader que eficácia não é um tipo de validade, mas sim algo
inerente ao alcance da norma. Ele afirma que as normas jurídicas não são geradas
por acaso, mas visam alcançar certos resultados sociais.9 Assim, o atributo “eficácia”
indica que a norma jurídica produz, realmente, os efeitos sociais planejados.
No que diz respeito às normas programáticas, sua eficácia torna-se bastante
complexa justamente por demandarem, além da eficácia social, a efetiva ação do
legislador ordinário, não alcançando de imediato seus fins sociais. Por dependerem
de políticas públicas cuja responsabilidade é governamental e necessitarem que seu
7
JR, Tércio Sampaio Ferraz. Teoria da Norma Jurídica: Ensaio de programática da comunicação
normativa. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense. 2006, p. 110.
8
BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. 1 ed. São Paulo: Edipro. 2001, p. 48-50.
9
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do Direito. 31 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 95.
desenvolvimento se dê sob fiscalização, orientação e pressão populares, suas
consequências serão resultado de conquistas sociais.
As premissas da justiça social, a qual as normas programáticas almejam o
pleno alcance, incentivaram o nascimento do constitucionalismo social, volvido para
a consumação do bem comum e, por consequência, restringindo as desigualdades
presentes entre os menos favorecidos. Os ditames do Estado Social, da mesma
maneira que as normas programáticas, abraçam a ideia da erradicação das
disparidades e da miséria, como forma de gerar a satisfação de todos e não apenas
de uma elite.
Atualmente, atrelada à evolução do Estado de Direito Brasileiro está a
efetividade das normas programáticas. Com isso, não é intenção determinar que
estas têm sua aplicabilidade alcançada por completo. Porém, nota-se um empenho
social unido à legislação infraconstitucional em garantir o êxito programático das
normas constitucionais em decorrência do aludido processo de maturação do
Estado.
Neste diapasão, o doutrinador contemporâneo Pedro Lenza aponta o artigo
7º, inciso XI da Constituição vigente ter teor dotado de programaticidade, mas que,
para ele, deixou de ser programática ao alcançar eficácia através de lei ordinária. 10
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social:
XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e,
excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei;
Entretanto, ao nosso ver, não é cabível a alegação “deixou de ser
programática”, mas sim que a norma programática alcançou eficácia in concreto,
visto que, já possuem eficácia jurídica através de sua redação constitucional, são
baseadas em princípios fundamentais garantidos pelo Estado de Direito e, deste
modo, não abandonam sua essência programática e dirigente ainda que alcancem
efetividade material. Portanto, consagram a preservação de tais princípios
mantenedores das diretrizes da Carta Magna e propõem vertentes de eficácia.
Dessa forma, o Poder Constituinte as protege quanto à sua imperatividade e rigidez,
10
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13 ed. São Paulo: Saraiva. 2009, p. 139
dificultando sua mutação, já que é norma constitucional, sobretudo. Em contrapartida
a
esse
rigor
quanto
às
modificações,
estão
as
leis
infraconstitucionais,
indispensáveis promotoras da eficácia material da norma programática, detentoras
de texto de fácil alteração e edição por parte do Poder Legislativo, as quais resultam
em demonstrar fragilidade neste aspecto e não asseguram em definitivo a
perpetuidade de sua aplicação, por serem tendenciosas a perturbar seus efeitos
como lei ordinária que é.
Tendo em vista essa necessidade de lei que regulamente a norma
programática, destaca-se também a precisão de providências administrativas e
operações materiais para que sejam capazes de atingir as estruturas econômicas,
sociais e culturais subjacentes à Constituição. Percebe-se, então, que a efetividade
das normas programáticas reúne evolução social, Estatal e empenho do Poder
Público para o alcance ideal que almejam. Assim, nota-se que tais normas não
apresentam soluções prontas, mas mecanismos para que homens livres, repleto de
garantias individuais e coletivas oferecidas pelo Estado de Direito, decidam sobre
seu futuro, valorizando a liberdade de escolha política do povo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Constatou-se, ao longo do presente trabalho que a classificação quanto à
eficácia das normas programáticas é dos temas mais controversos do direito
constitucional por suscitar várias posições antagônicas.
Em início, foi discorrido a respeito da evolução do Estado, associou-a às
raízes do Estado Liberal e Social, e, assim, obteve-se a analogia do Estado
Democrático de Direito atual como assegurador de normas portadoras de eficácia
jurídica, mas com eficácia material questionável, destacando-se aí as normas
programáticas da atual Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
No que tange às controvérsias, Canotilho não enseja somente o desejo da
consubstanciação social que as normas programáticas preveem em sua redação,
mas também sistematiza a compreensão a que chegou este debate ao defender a
morte das normas programáticas Para o exímio jurista português, sua vontade em
extinguir o vocábulo “programáticas” é válida por entender que a tradicional
classificação das normas constitucionais é errônea, pois afirma que o termo
“programáticas” induz ao pensamento de que tais normas não possuem eficácia,
serão sempre programas, o que não é verdade. A norma programática alcança
efeitos compromissários desde sua previsão na Lei Maior.
Em última analogia, mas sem olvidar que este estudo não merece ser
estagnado, a dependência da legislação infraconstitucional que as normas
programáticas necessitam para produzir efeitos é, como discorrido neste estudo,
somente
de
caráter
complementador,
agindo
como
aplicador
do
teor
programaticamente postulado. Assim, ao nosso ver, não se deve falar em norma
programática que perdeu essa sua característica essencial, por ser esta a
garantidora da preservação dos princípios fundamentais nos quais se baseiam a
norma programática. Mesmo que haja a complementação da diretriz normatizada,
haverá sempre a eficácia jurídica que é inerente à Constituição.
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