HHH ab Domingo, 16 DE Agosto DE 2015 raquel Cunha/Folhapress 2 série especial primeira infância CAPA PRIMEIRA infÂnCia O termo define o período que vai da gestação aos seis anos. É a fase em que há maior expansãodeconexõesneuronais,basedoaprendizado,doraciocínioedacapacidadede criarbonsrelacionamentosaolongodavida.asconexõessemultiplicamseacriançatem vínculos afetivos fortes com adultos e recebe os estímulos certos. e podem ser lesadas em casos de estresse prolongado como negligência ou violência. primeira infância é o foco desta série que começou no domingo passado (9/8) e termina no próximo (23/8). nesta edição, o caderno prioriza os cuidados com crianças de três a quatro anos. PAI E BEBÊ ELAS E AS TELAS 0 a 2 anos 3 a 4 anos HORA DA EScOLA o quE sE PAssA nEssA cAbEcInhA >>marCos do desenvolvimento por idade Considerando as características médias das crianças Começa a redução da obstinação (capacidade de agir diferentemente do instinto natural, como classificar cartões coloridos por forma em vez de cor) Fala cerca de 290 palavras e frases com diversas palavras anos de idade Mantém na mente duas regras (por exemplo, azul nessa caixa, vermelho na outra) Muda ações de acordo com mudança das regras (tira os sapatos em casa, mas os mantém na escola) Começa a compreender que a aparência nem sempre é igual à realidade (percebe a diferença entre uma pedra e uma esponja com aspecto de pedra) >>formação de sinapses (ligações) entre neurônios, de 3 a 4 anos Maior número de sinapses 670% 5 a 6 anos Área de broca Responsável pela expressão verbal Menor número de sinapses foi o crescimento no número de smartphones no Brasil entre 2010 e 2015 38% das crianças com menos de dois anos nos EUA haviam usado celular em 2013 (eram 10% em 2011) PERDIDos nA CriAnçA e teCnologiA ChAPéu se faltam CONClUsões sOBRe Os efeItOs Das telas sOBRe CRIaNÇas PeQUeNas, sOBRam PROvas CIeNtÍfICas De QUe BRINCaR e INteRagIR NO mUNDO Real é BOm PaRa CResCeR bruno fávero fábio takahashi de são paulo Córtex pré-frontal Responsável por funções cognitivas mais refinadas, como planejar ações Giro angular Responsável por associar percepções sensoriais que vão estruturar a linguagem Córtex auditivo Responsável pela audição Córtex visual Responsável pela visão >> estímulos positivos para crianças de 3 a 4 anos Nessa fase, é bom incentivar um certo grau de autonomia, dando talheres de plástico para a criança usar na hora das refeições ou deixando que ela mesma se vista com peças de roupa fáceis de serem colocadas Deixar a criança brincar sozinha, com brinquedos ou amigos imaginários, é um grande estímulo à criatividade, além de desenvolver a confiança da criança para resolver desafios físicos, motores, emocionais ou intelectuais Saul Cypel neurologista infantil adriana friedmann educadora e antropóloga Estabelecer regras de comportamento aos poucos, e repeti-las sempre, deixa a criança mais segura em situações em que está longe dos pais e facilita sua convivência com outras crianças ou com adultos que não pertencem à família Levar os filhos aos espaços infantis de livrarias ou bibliotecas públicas e deixálos brincar com os livros, ouvir histórias ou simplesmente se deitar num travesseiro e observar o ambiente abre o caminho para eles descobrirem o prazer da leitura ana OlmOS psicanalista e neuropsicóloga infantil ilan Brenman escritor de livros infantis Crianças de até dois anos não devem ser expostas a celulares e tablets. Dos três aos cinco, segundo o consenso científico existente até agora, podem usá-los até duas horas por dia—desde que a diversão eletrônica não substitua brincadeiras ao ar livre e interação com pais e amigos. “O cérebro na primeira infância está em ebulição, e o que se aprende nessa fase fica guardado por toda a vida. A tela é experiência pobre, sem a riqueza sensorial e a tridimensionalidade da realidade”, defende o psicólogo André Trindade, autor de “Gestos de Cuidado, Gestos de Amor” (Summus). Tente dizer isso para Laura, 4. Ela adora ver vídeos no tablet que ganhou dos avós, à revelia dos pais, Fernanda Pegler, 35, e Daniel Pinto, 32. Após meses de uso, a mãe notou que a filha passou a roer as unhas, embora não saiba se os fatos têm relação. Para evitar que a menina passe tempo demais com os olhos na tela, a mãe controla o uso e proíbe que o equipamento seja levado à escola. “Não vamos criá-la viciada, mas também não queremos que fique alienada”, afirma Daniel, o pai. Sobram preocupações entre pais, médicos e educadores, enquanto faltam pesquisas conclusivas sobre o tema. E aumenta o acesso à tecnologia em todas as idades. Nos EUA, estudo nacional conduzido pela ONG Common Sense Media em 2013 mostrou que 72% das crianças de até 8 anos já haviam usado dispositivos móveis — em 2011, eram 38%. No Brasil, uma pesquisa do Ibope e da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal de 2013 mostrou que “deixar assistir a programas na TV” foi a segunda ação mais citada por mães brasileiras (55%) ao serem questionadas sobre atos de estímulo ao desenvolvimento do filho de até um ano. Essa ideia de que a tecnologia traz ganhos de desenvolvimento à criança pequena é contrariada por evidências apontadas pela Academia Americana de Pediatria. atraso na linguagem Após extensa revisão científica sobre o tema, a entidade não só não achou vantagens no uso dos eletrônicos por menores de dois anos como detectou riscos: um estudo analisado encontrou seis vezes mais chances de atrasos na linguagem entre crianças que começam a ver TV antes de um ano e assistem mais de duas horas por dia. A partir dessas pesquisas, o órgão decidiu recomendar que crianças menores de dois anos não tenham qualquer exposição aos eletrônicos. A Sociedade Brasileira de Pediatria segue a entidade americana nesse assunto. Já entre crianças acima dos dois anos, aquelas que viram programas educativos tiveram notas melhores ao chegar ao ensino médio, apontou outro estudo considerado pela academia americana. Devido a evidências como essa, a entidade brasileira recomenda que crianças acima dos dois anos possam ficar até duas horas diárias com TV, celular ou tablet. A lógica por trás da restrição é que, mesmo que haja ganho com tecnologia, a criança aprende mais brincando no mundo real e se relacionando com pessoas. Para as famílias, sobra a contradição entre as recomendações médicas e a onipresença da tecnologia. Um problema nessa discussão é que as pesquisas pouco captaram até aqui so- bre o efeito, na criança, de tablets e celulares, mais interativos que desenhos na TV. O estudo que norteou a recomendação da Academia Americana de Pediatria, por exemplo, analisou principalmente TV, DVDs e vídeos. Em meio a esse cenário, a posição médica é pela cautela. “Os estudos estão sendo feitos em tempo real. Por que expor as crianças se não sabemos o que isso gera?”, afirma Christian Muller, representante da Sociedade Brasileira de Pediatria. “A exposição precoce e exagerada aos dispositivos pode aumentar ansiedade, irritabilidade e agressividade da criança, além de gerar problema físico como obesidade e dor muscular”, completa. Calmante eletrÔniCo Também não funciona usar os aparelhos como “calmante” para as crianças quando estão agitadas, diz o pediatra. “Elas conseguirão desenvolver seus mecanismos de autorregulação?”, questionam pesquisadores da Universidade de Boston (EUA), em artigo de 2014. As telas também têm defensores entre especialistas em ensino. Responsável pelo projeto iPad na Sala de Aula, que capacita professores para o uso do equipamento nas escolas, a pedagoga Adriana Gandim diz que celulares e tablets “são ótimos para contar histórias, porque crianças gostam de algo movimentado, com sons e vídeos”. Cabe aos pais, ressalta, fazer a curadoria do que deve ser visto pela criança. O australiano Daniel Donahoo, dono da consultoria de aplicativos educacionais Better Apps, diz que haverá mais ganhos se os pais estiverem ao lado dos filhos. “Veja TV com eles e fale sobre aquele tema. Use o dispositivo para ler e brincar com eles.”