Condições Ambientais e Crescimento Populacional

Propaganda
Condições Ambientais e Crescimento Populacional:
um estudo de caso∗1
João Stefani
UNI/BH
Rafael Rangel
IGC/UFMG
Introdução
As relações entre meio ambiente e crescimento populacional abrangem uma
diversidade de propostas metodológicas no interior de algumas disciplinas, como a
Demografia e a Economia, por meio de trabalhos que vem enriquecendo debates afins.
O presente artigo pretende incitar diferentes aproximações disciplinares, acerca
de relações entre meio ambiente e crescimento populacional, com, o auxílio de
instrumentos teóricos desenvolvidos ao longo da epistême da Geografia.
1. Aspectos Teóricos e Metodológicos
A discussão teórica requer dois tipos de considerações. O primeiro envolve a
seleção de uma idéia de meio ambiente, tomando-se por referência a complementaridade
entre extensões de categorias de análise utilizadas pela Geografia contemporânea. O
segundo pressupõe uma rápida reflexão teórica acerca do crescimento populacional
urbano brasileiro.
No desenrolar das discussões sobre meio ambiente, as conferências
‘ambientalistas’ das décadas de 70, 80 e 90 marcam uma época de novas orientações e
definições conceituais. Por exemplo, o meio ambiente sendo compreendido como o
“conjunto de componentes naturais e sociais e suas interações em um espaço e em um
∗
Trabalho apresentado no XIII Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais, realizado
em Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil de 4 a 8 de novembro de 2002.
1
Esse texto deriva da dissertação de mestrado Meio Ambiente e Crescimento Populacional; aspectos
teóricos e empíricos, apresentada ao Instituto de Geociências da UFMG em fevereiro de 2002 por João
Stefani.
tempo determinados” (Gutman apud IBAMA, 1999:19). E que sua produção pode ser
associada à:
“dinâmica
das
interações
sociedade-natureza
e
suas
conseqüências no espaço que habita o homem e do qual o
mesmo também é parte integrante. Desta forma, o meio
ambiente é gerado e construído ao longo do processo histórico
de ocupação e transformação do espaço pela sociedade”
(Gutman apud IBAMA,1999:19).
Nesta proposta, fica claro que a interpretação não pode prescindir da dimensão
espacial que, em virtude dos debates extremamente ricos sobre a categoria espaço na
Geografia contemporânea, possui variadas extensões de significação. No caso da
proposta de Gutman, o espaço deve ser abordado como um processo social. Um
processo marcado por conflitos e mediações. Isto equivale a dizer, que o meio ambiente,
nesta interpretação, é algo interno aos processos sócio-espaciais. Milton Santos (1997),
por exemplo, considera o espaço como sendo um conjunto de objetos e de relações que
se realizam sobre ele, resultantes da ação dos homens sobre o próprio espaço, ações
intermediadas pelos objetos que o compõem, naturais e artificiais. Contudo, o espaço
não deve ser visto como um espelho da sociedade2.
A proposta de meio ambiente apresentada por Gutman supõe que ele pode ser
entendido como algo interno ao espaço. Assim, outra categoria de análise geográfica
pode introduzir subsídios para esta discussão: o lugar. Desse modo, a interpretação de
meio ambiente a ser utilizada nesta pesquisa passa por uma leitura apresentada por
Milton Santos, em que, não obstante seus múltiplos significados, o lugar é entendido
como o conjunto dos objetos físicos no espaço, suas qualidades localizadas na
superfície da terra, ocupando nela determinadas áreas, emprestando-lhes determinadas
formas e características.
Assim sendo, pode-se entender que as ‘condições ambientais’ são subconjuntos
de objetos componentes do lugar3, constitutivo da fração daquilo que se pode entender
2
Nesta linha de raciocínio, Henri Lefébvre (Villaça,1998) aponta para a necessidade de se considerar as
co-interações que existem entre espaço e sociedade. O espaço, segundo ele, deve ser visto como uma
condição para produção e reprodução de relações sociais. Podendo mesmo, ser apreendido como produto
e instrumento social. Enfim, uma condição sine qua non para o existir de toda e qualquer sociedade.
3
No estudo de caso aqui tratado, o lugar pode ser tratado como o local de domicílio das populações a
serem enfocadas.
2
como sendo o meio ambiente. Centrar esforços na identificação de alguns objetos
oriundos de dinâmicas sociais históricas, em suas qualidades e relações quantitativas.
Os objetos do lugar, relacionam-se aos serviços e equipamentos públicos
urbanos básicos. Portanto, de responsabilidade do Estado e que seriam (em larga
medida) comuns à qualquer cidade. São eles: estruturas de abastecimento de água, de
instalações sanitárias, e formas de tratamento do lixo.
No que diz respeito às interações entre dinâmicas sociais e objetos naturais,
também mencionadas na proposta de Gutman, quaisquer estudos voltados às suas
apreensões devem assumir uma postura de investigação ecológica, uma vez que tais
elementos estariam, na verdade, co-interagindo com os indivíduos, com as populações,
enfim, com as sociedades. Para tal, se fazem necessárias a instrumentação teórica e
técnica específicas para a investigação de objetos e dinâmicas naturais. Reconhece-se a
importância desta possibilidade de investigação, que só teria a contribuir para o
enriquecimento da pesquisa. Entretanto, escapa aos limites desse trabalho assumir
discussões mais aprofundadas acerca destas duas dimensões.
Um segundo tipo de consideração teórica reporta-se à questões associadas ao
crescimento populacional, frente aos elementos mais gerais do processo de urbanização
no Brasil, em especial, aqueles que marcam o período compreendido entre os anos de
1930 e os anos de 1980. Nesse âmbito, cabe destacar as migrações internas (fator de
redistribuição de população pelo território), a ‘desconcentração’ populacional a partir
dos grandes centros urbanos do país, e os reflexos destes processos no crescimento
populacional observado em algumas cidades de porte médio.
A integração entre ‘condições ambientais’ e crescimento populacional passa a
ser indicada à medida que desenvolve-se uma proposta de tratamento à seguinte
indagação: de que forma e em que situação o crescimento populacional poderia
influenciar a produção de condições ambientais de sociedades urbanas? Deste
tratamento surgem algumas idéias:
a) que o crescimento populacional pode de fato influenciar a produção de
condições ambientais de lugares urbanos;
b) que toda cidade é marcada por diferenciações sócio-espaciais, mais ou
menos evidentes de acordo com o processo histórico de produção de cada
3
espaço. Deste modo, o crescimento populacional pode, em alguns casos, ser
visto como um fator importante no processo de constituição destas
diferenciações. Porém, o grau de influência deste fenômeno sobre a
produção ambiental vai depender de uma série de características ligadas à
sociedade e populações envolvidas na produção do espaço e do lugar;
c) finalmente, no caso do crescimento populacional estar influenciando
negativamente a produção de condições ambientais, isso poderia se dar por
pelo menos duas formas: 1) quando o crescimento populacional se soma a
uma estruturação intra-urbana em que algumas diferenças sócio-espaciais já
são marcantes, a exemplo de uma diferenciada disponibilidade de serviços
e equipamentos urbanos básicos ou; 2) quando o crescimento populacional
rápido e expressivo provoca um descompasso entre o volume e a
diversificação da demanda e a capacidade da administração pública de
suprí-la.
2. O Estudo de Caso
Ao nível comparativo este estudo privilegia:
a) comparações entre as condições ambientais de populações urbanas
imigrantes e as condições ambientais de populações urbanas não-migrantes
nas cidades selecionadas4;
b) comparações entre as condições ambientais5 gerais das cidades e suas
respectivas populações enfocadas.
2.1 Selecionando os casos
No processo de urbanização do Brasil no período compreendido entre os anos
de 1970 e de 1980, é razoável considerar que o crescimento populacional de algumas
4
Neste artigo, são considerados imigrantes todos aqueles indivíduos que realizaram algum tipo de
movimento intermunicipal com troca de residência no período 1981-1991, e que portanto, estavam
residindo a menos de 10 anos em algum município no ano de 1991. Por sua vez, o não-migrante é todo
aquele indivíduo que não efetivou mudança de município de residência no período em questão.
5
Conforme exposto, o termo ‘condições ambientais’ designará o conjunto das qualidades de alguns
componentes físicos do lugar urbano.
4
cidades médias foi resultado, em larga medida, das contribuições das migrações
internas. De fato, as migrações internas apresentam-se, neste período, como o fator mais
relevante para explicar o crescimento de lugares urbanos, uma vez que as taxas de
fecundidade declinavam consideravelmente nestas áreas.
Em Minas Gerais, por exemplo, cidades de tamanhos variados experimentam
ao longo da década de 1980 um crescimento populacional motivado por movimentos
migratórios deste tipo. Estas migrações foram motivadas por diversos fatores, dentre
eles podendo-se destacar: a) processos de dinamismo e evolução econômica em várias
áreas receptoras; b) processos de redistribuição de populações a partir dos grandes
centros urbanos. Excluídos os municípios pertencentes à RMBH, aqueles que se
destacam em crescimento são os municípios de Uberlândia (3,89%) e Pouso Alegre
(3,27%), porém, apresentando taxas bem menos significativas se comparada àquelas
observadas para os municípios da periferia metropolitana. De todo modo, ao que tudo
indica, alguns municípios e cidades de porte médio fora da influência imediata de Belo
Horizonte experimentam, na década de 1980, forte dinamismo demográfico.
Procura-se discriminar os municípios mineiros que no período 1981-1991
apresentaram as maiores taxas de crescimento geométrico anual médio e que,
simultaneamente, indicavam em 1991 as maiores contribuições relativas de imigrantes
do período 1981-1991 em suas respectivas populações totais. As Tabelas 1 e 2 indicam:
a) os dez primeiros municípios (exclusive aqueles da RMBH) que mais se destacaram
em crescimento populacional no período 1981-1991; b) os dez primeiros municípios
(exclusive aqueles da RMBH) que se destacaram em contribuição de imigrantes em suas
populações totais em 1991. Preenchendo os dois critérios simultaneamente, encontramse os seguintes municípios (sombreados em cinza): Uberlândia, Pouso Alegre, Sete
Lagoas, Montes Claros e Varginha.
5
Tabela 1
10 Principais municípios em crescimento
anual médio no período 1981-1991
Posição
Municípios
T.C.G
1
Uberlândia
3,89
2
Pouso Alegre
3,27
3
Sete Lagoas
3,22
4
Montes Claros
3,07
5
Pará de Minas
2,95
6
Varginha
2,81
Patrocínio
2,76
7
8
Araxá
2,47
9
Manhuaçu
2,44
Divinópolis
2,34
10
Fonte: Adaptada de Matos (1999), IBGE - Censo Demográfico 1991.
Nota 1: T.C.G - Taxa de Crescimento Geométrico Anual Médio.
Nota 2: Excluídos municípios da RMBH.
Tabela 2
10 Principais municípios em taxas de
contribuição relativa de imigrantes da década
na população total em 1991
Posição
Municípios
(%) Imig.
Uberlândia
24,52
1
2
Pouso Alegre
23,63
3
C. Fabriciano
21,31
4
Gov. Valadares
19,69
5
Montes Claros
19,32
6
Sete Lagoas
19,30
Ipatinga
19,27
7
8
Varginha
19,22
9
Poços de Caldas
18,89
10
Itajubá
18,33
Fonte: Adaptada de Matos (1999), IBGE - Censo Demográfico 1991.
Nota 1: T.C.G - Taxa de Crescimento Geométrico Anual Médio.
Nota 2: Excluídos municípios da RMBH.
A Tabela 3 mostra que estes municípios já apresentavam na década de 1970
números significativos para os dois critérios utilizados na seleção de casos. Os anos de
1970 marcam, por assim dizer, um período de forte expansão econômica na maioria
destes municípios, com reflexos inclusive nas possibilidades de se apresentarem como
áreas de ‘atração’ de populações. Alguns deles inclusive, poderiam ser identificados
como pólos de importantes regiões mineiras, a exemplo de Uberlândia, Pouso Alegre,
Montes Claros e Varginha. O caso de Sete Lagoas torna-se particular nesse sentido, uma
vez que, ao mesmo tempo em que polariza secundariamente algumas áreas do interior
do Estado, faz parte da região de polarização direta de Belo Horizonte (FJP, 1988).
6
Tabela 3
Crescimento populacional e contribuição relativa dos imigrantes da década na população tota
dos municípios selecionados
Municípios
Uberlândia
Pouso Alegre
Sete Lagoas
Montes Claros
Varginha
Pop.1970 Pop.1980 Pop.1991
124.706
38.072
66.585
116.486
43.628
240.961
57.364
100.628
177.308
64.906
367.061
81.836
144.014
250.062
88.022
T.C.G
70/80
6,81
4,18
4,22
4,29
4,05
T.C.G
80/91
3,90
3,28
3,22
3,07
2,81
(%) Imig. (%) Imig.
Pop.1980 Pop.1991
35,13
24,54
28,90
23,63
24,80
19,30
22,40
19,32
20,70
19,22
Fonte: Adaptado de Matos (1999), IBGE - Censos Demográficos (1980,1991), microdados do Censo Demográfico de 1991.
Nota 1: T.C.G - Taxa de Crescimento Geométrico Anual Médio.
Destas primeiras observações, cabe ressaltar o caso de Uberlândia, que se
destaca nos anos de 1970 como o município de maior crescimento populacional (6,81%)
e maiores taxas de contribuição de imigrantes (35,13%). Deve-se levar em conta ainda,
que Uberlândia polariza uma região do Estado de Minas Gerais de grande dinamismo
econômico, dada inclusive, a sua proximidade com centros sub-metropolitanos
paulistas, o que favorece intensas e diversificadas ligações funcionais para com uma
densa e desenvolvida rede urbana (Matos,1997).
Quanto aos demais municípios selecionados, o período 1970-1980 mostra a
existência de significativas taxas de crescimento populacional, pouco acima dos 4%, e
uma expressiva contribuição da migração em suas populações totais em 1980 (24% das
populações totais sendo constituídas de imigrantes). Destes municípios, aqueles
localizados ao sul do Estado (Pouso Alegre e Varginha), pela sua proximidade para com
a cidade de São Paulo, sofrem as mais diversas influências da expansão econômica e
demográfica da capital paulista, tornando-os inclusive áreas economicamente atraentes,
não obstante o declínio maior do ritmo de crescimento demográfico de Varginha.
Sete Lagoas ‘beneficia-se’, sem dúvida, de sua proximidade para com Belo
Horizonte, atraindo populações oriundas de áreas deprimidas do Leste e Nordeste
mineiros, que provavelmente contribuíram em larga medida para o crescimento
populacional deste município.
Montes Claros, por sua vez, polariza ampla superfície territorial, com uma rede
urbana menos complexa, de baixo dinamismo econômico e marcada por inúmeras
carências. Nos anos de 1970, apresentava-se praticamente como a única área de grande
atração de populações urbanas e rurais de regiões ao norte de Minas.
7
Os anos da década de 1980 marcam um arrefecimento geral nos níveis de
crescimento populacional e da própria contribuição das populações imigrantes nos
municípios selecionados. Destaque-se o caso de Varginha, que neste grupo de
municípios, apresenta a menor taxa de crescimento (2,81%) e a menor contribuição de
imigrantes na população total (19,22%).
De todo modo, os números referentes a esta década ainda são bastante
expressivos, o que favorece a suposição de manutenção da intensidade do processo de
crescimento e urbanização nos referidos municípios. Os dados mostram que a grande
maioria das populações residentes nos municípios selecionados estão em situação
domiciliar urbana.Vale destacar que, do conjunto de municípios selecionados, o
município ‘mais urbanizado’ é o de Uberlândia, apresentando 97,58% de sua população
total domiciliada em condições urbanas em 1991. Por sua vez, o município ‘menos
urbanizado’ é Pouso Alegre, com 90,82% de sua população total vivendo em situação
urbana.
2.2 Aspectos metodológicos e conceituais
Das populações urbanas de cada município, são discriminados os nãomigrantes e os imigrantes. Destes dois grupos originam-se os indivíduos que vão
compor os segmentos de população sobre os quais incidirão as análises comparativas
acerca de suas ‘condições ambientais’. A Tabela 4 indica a significativa contribuição
das populações imigrantes da década de 1980 nas populações totais em 1991 em cada
cidade selecionada.
Tabela 4
Distribuição da população em 1991 nas cidades Selecionadas com
discriminação de Imigrantes e Não-Migrantes
Pop.Urb.
Pop.Urb.
Pop.Urb.
Cidades
(2)/(1) % (3)/(1) % Total (%)
Total.(1)
Imig.(2)
N.Imig(3)
Uberlândia
358.165
87.124
271.041
24,33
75,67 100,00
74.322
17.841
56.481
24,01
75,99 100,00
Pouso Alegre
Sete Lagoas
140.120
26.780
113.340
19,11
80,89 100,00
Montes Claros
227.752
45.661
182.091
20,05
79,95 100,00
Varginha
82.242
16.376
65.866
19,91
80,09 100,00
Fonte: Microdados do Censo Demográfico de 1991- IBGE.
8
Os destaques vão para Uberlândia (24,33%) e Pouso Alegre (24,01%), embora
a contribuição dos imigrantes nas demais cidades varie em torno dos 20%. Confirma-se
a importância da migração em direção a estas cidades, inclusive enquanto fator de
crescimento populacional, visto que tão significativas contribuições são resultantes de
processos dinâmicos ocorridos ao longo de todo o período 1981-1991.
Como já indicado, as ‘condições ambientais’ estariam relacionadas à
abastecimento de água, instalação sanitária e destino do lixo, que correspondem, na
estrutura do
Censo Demográfico de 1991, às variáveis de domicílios particulares
permanentes. Assim, no âmbito das cidades selecionadas e em termos de ‘condições
ambientais’, poder-se-ia admitir que as características ambientais domiciliares da grande
maioria das populações ‘não-migrantes’ seriam, por assim dizer, tipificadoras de
quadros ambientais dominantes em cada cidade.
Isso se deve, não só ao fato destas populações constituírem ampla maioria da
população total, mas também, ao fato de que estes quadros ambientais seriam
resultantes de dez ou mais anos de participação destas populações nos processos de
produção de suas respectivas cidades, estando, portanto, inseridas a mais tempo nas
estruturas sócio-econômicas locais. Por sua vez, a grande maioria das populações
‘imigrantes’ estaria ao longo do período 1981-1991 em franco processo de inserção
econômica, política e cultural nas cidades receptoras. Então, suas condições de
habitação e o atendimento em relação às suas reivindicações por equipamentos urbanos
básicos poderiam estar dependendo do tempo e do local de residência destes
imigrantes6.
6
O tempo de residência pode ser um fator determinante para variações nas condições ambientais
domiciliares dos grupos que serão enfocados. Por exemplo, os serviços públicos de equipamentos básicos
exigem um certo tempo de implantação, além disso, pode haver descompassos entre a velocidade do
crescimento populacional e a capacidade do poder público para atender novas demandas. Observar
também, que as condições sócio-econômicas dos imigrantes podem influenciar o ‘quando’ e ‘onde’
instalar serviços. George Martine (in Moura,1980), discutindo de quais formas poderia alterar-se a
situação sócio-econômica da população imigrante à medida que consolida-se a sua integração na
sociedade receptora, toma como hipótese básica o entendimento de que a medida que o tempo de
residência dos imigrantes aumenta, melhora sua situação em termos de renda, ocupação, posição,
educação etc. Mas, salienta que, para este tipo de estudo seria preciso controlar as populações enfocadas,
pela idade e pelo sexo, afim de averiguar níveis de participação na força de trabalho, experiência,
produtividade, contatos e capitalização. Esta hipótese contemplaria ainda as influências dos processos de
retenção e evasão seletivas dos indivíduos menos capacitados.
9
Assim sendo, as condições ambientais domiciliares dos imigrantes estariam, ou
não, apontando para quadros ambientais bastante distintos daqueles identificados para
as populações não-migrantes. E mesmo entre os imigrantes, poder-se-ia identificar
distinções relacionadas ao maior ou menor tempo de residência, de modo que, os
imigrantes mais ‘antigos’ já teriam tido algum tempo para consolidar seu processo de
integração às estruturas sócio-econômicas da cidade. Então, provavelmente, teriam eles
melhores condições para exercer pressões junto aos órgãos da administração pública
municipal.
Por seu turno, os imigrantes ‘recentes’, chegados em fins da década de 1980,
poderiam estar experimentando um incipiente processo de integração e assentamento,
vivendo provavelmente em condições ambientais domiciliares inferiores aos imigrantes
‘antigos’, e consequentemente, apresentando ‘novas’ demandas7. Entretanto, uma
específica dificuldade se apresenta neste ponto da aproximação empírica para com os
questionamentos levantados e que dizem respeito também às possibilidades de
comparações entre as condições ambientais domiciliares de imigrantes e não-migrantes.
E isso acontece porque, em um único domicílio particular permanente podem
estar habitando:
a) somente imigrantes;
b) somente não-migrantes ou;
c) imigrantes e não-migrantes.
Deste modo, é praticamente impossível separar grupos formados apenas por
imigrantes e grupos formados apenas por não-migrantes. Um ponto crucial para a
solução deste ‘problema’ é a admissão da possibilidade do ‘compartilhamento’ de
condições ambientais domiciliares. Entretanto, deve-se procurar manter um grau
satisfatório de discriminação entre populações imigrantes e não-migrantes, para que não
7
A comparação entre imigrantes por tempo de residência requer alguns cuidados metodológicos. É
preciso estar atento para o fato de que a estrutura sócio-econômica da sociedade receptora é sujeita à
transformações históricas, o que influi no modo de inserção das populações. Imigrantes recentes inseremse em sociedades estruturadas diferentemente daquelas encontradas pelos imigrantes mais antigos
(Martine in Moura,1980:960-962). Ciente destes cuidados, a comparação entre imigrantes e nãomigrantes estará limitada à processos de avaliação de resultados materiais gerados em dinâmicas sócioespaciais conhecidas. Cabe salientar ainda, a importância da seletividade na migração e suas resultantes.
Imigrantes mais recentes, no caso da discussão que está sendo desenvolvida, podem apresentar condições
sócio-econômicas superiores aos imigrantes antigos, com possíveis reflexos nas suas condições de
assentamento.
10
se perca de vista o significado do estudo comparativo. Assim, adota-se o critério da
dependência para com o chefe de domicílio (imigrante ou não-migrante). Este critério é
justificável na medida em que relações de dependência domiciliar podem indicar, grosso
modo, certo grau de dependência econômica, familiar etc. Havendo pois, alguma forma
de ascendência do chefe sobre os demais ocupantes do domicilio. Estariam assim, os
dependentes compartilhando das mesmas condições de moradia do chefe.
Ao critério da ‘dependência’ pode-se juntar ainda outro pressuposto: o de que
chefes de domicílio com idade entre 20 e 60 anos estariam mais aptos à inclusão na vida
econômica produtiva da cidade, apresentando maior capacidade ao trabalho, renda e
escolaridade, maior experiência profissional etc. Isso, inclusive, exerceria influência na
sua capacidade de indicar demandas concretas sobre serviços e equipamentos urbanos.
Assim, de acordo com o critério e o pressuposto apresentados, ficam definidos
os seguintes subgrupos populacionais sobre os quais incidirão as análises comparativas
acerca de suas respectivas condições ambientais domiciliares:
Grupo A: chefes não-migrantes (idade entre 20 e 60 anos) + dependentes do
domicílio. As condições ambientais domiciliares deste grupo serão tratadas como sendo
as condições típicas da cidade. Este grupo será tratado, todo ele, como sendo o grupo
dos ‘não-migrantes’.
Grupo B: chefes imigrantes da década (idade entre 20 e 60 anos) com tempo
de residência menor ou igual a 1 ano + dependentes do domicílio. Este grupo será
tratado, todo ele, como sendo o grupo dos ‘imigrantes recentes’.
Grupo C: chefes imigrantes da década (idade entre 20 e 60 anos) com tempo
de residência maior que 1 ano + dependentes do domicílio. Este grupo será tratado, todo
ele, como sendo o grupo dos ‘imigrantes antigos’.
As Tabelas 5, 6 e 7 apresentam dados referentes aos grupos selecionados e suas
discriminações de dependência.
11
Tabela 5
Grupo A - Distribuição da população com discriminação para chefes de domicílio e dependentes
nas cidades selecionadas
Cidades
Uberlândia
Pouso Alegre
Sete Lagoas
Montes Claros
Varginha
Dependentes
Total (5) (2)/(4)% (3)/(4)%
N. migrantes (2) Imigrantes (3) Subtotal (4)
58.382
163.976
10.091
174.069 232.451
94,20
5,80
11.240
33.176
1.892
35.048 46.288
94,66
5,40
20.441
70.311
3.393
73.704 94.115
95,40
4,60
33.361
117.833
8.023
125.856 159.817
93,63
6,37
12.731
39.573
1.889
41.462 54.193
95,44
4,56
Chefes (1)
Fonte: IBGE - Microdados do Censo Demográfico de 1991
Tabela 6
Grupo B - Distribuição da população com discriminação para chefes de domicílio e dependentes
nas cidades selecionadas
Cidades
Uberlândia
Pouso Alegre
Sete Lagoas
Montes Claros
Varginha
Chefes (1)
4.436
978
1.097
2.059
863
Dependentes
Total (5) (2)/(4)% (3)/(4)%
N. migrantes (2) Imigrantes (3) Subtotal (4)
1.194
11.688
12.882 17.318
9,27
90,73
313
2.623
2.936
3.914
10,66
89,34
244
2.994
3.238
4.335
7,54
92,46
786
5.969
6.755
8.814
11,64
88,36
238
2.533
2.771
3.634
8,59
91,41
Fonte: IBGE - Microdados do Censo Demográfico de 1991
Tabela 7
Grupo C - Distribuição da população com discriminação para chefes de domicílio e dependentes
nas cidades selecionadas
Cidades
Uberlândia
Pouso Alegre
Sete Lagoas
Montes Claros
Varginha
Chefes (1)
16.797
3.364
4.977
7.373
3.084
Dependentes
Total (5) (2)/(4)% (3)/(4)%
N. migrantes (2) Imigrantes (3) Subtotal (4)
13.213
36.843
50.056 66.853
26,40
73,60
3.364
6.850
9.392 12.756
35,82
72,93
4.977
11.302
15.869 20.846
31,36
71,22
7.373
17.981
25.628 33.001
28,77
70,16
3.084
6.609
9.111 12.195
33,85
72,54
Fonte: IBGE - Microdados do Censo Demográfico de 1991
No Grupo A, é flagrante a predominância dos dependentes não-migrantes. Em
todos os casos, os valores desta discriminação ultrapassam os 90%, apresentando em
termos mais gerais uma média de 94.64% da população dependente representada pelos
não-migrantes. Por sua vez, a média de representação dos imigrantes nas populações
dependentes fica em torno de 5,30%.
12
No Grupo B, as discriminações relativas aos dependentes apresentam relações
inversas àquelas observadas no Grupo A. Em todos os casos, os dependentes imigrantes
superam, em larga medida, os dependentes não-migrantes. A contribuição relativa
daqueles nas populações totais de dependentes situa-se em torno de 90,40%. Por sua
vez, a contribuição relativa dos dependentes não-migrantes corresponde em média à
9,54%.
Com relação ao Grupo C, as contribuições relativas dos chefes de domicílio na
população total do grupo em cada cidade mantêm-se bem próximas daquelas registradas
nos demais grupos, situando-se em torno dos 24%. Por sua vez, a média dos
dependentes alcança os 75%. No caso destes últimos, se discriminados em nãomigrantes e imigrantes, as contribuições relativas passam a apresentar diferenças
bastante significativas, quando comparadas às do Grupo B. Recorde-se, que neste
grupo, os chefes de domicílio possuem mais de 1 ano de residência nos municípios.
Ainda sobre o Grupo C, no conjunto das cidades selecionadas, a média de
contribuição dos dependentes imigrantes cai para 72% ao mesmo tempo em que a
contribuição dos dependentes não-migrantes eleva-se para 27,90%, em média. Isto se
deve, provavelmente, as possibilidades de maior extensão das relações de dependência
domiciliar de indivíduos não-migrantes, unidos por parentesco, com destaque para
filhos, netos, cônjuges, etc.
Em suma, parece estar evidenciado que os chefes imigrantes de domicílio nos
Grupos B e C, independente do tempo de residência, respondem por dependentes que,
em sua grande maioria, são também imigrantes. Por outro lado, os chefes de domicílio
no Grupo A chefiam famílias que, predominantemente, são formadas por nãomigrantes. Portanto, os critérios utilizados para a definição dos subgrupos populacionais
de trabalho são marcados pela pertinência.
2.3 Construindo uma tipologia para comparações domiciliares
Mesmo tendo em conta as particularidades que marcam os processos de
espacialização de populações urbanas e as limitações inerentes aos processos de
identificação e representação de características qualitativas para alguns casos de
investigação, seria plausível estabelecer um instrumento capaz de ‘padronizar’ alguns
13
aspectos materiais das condições ambientais domiciliares dos grupos populacionais
selecionados. Nesse sentido, será construída, a partir de uma combinação entre
qualidades dos objetos dos lugares, uma tipologia voltada à avaliação inicial destas
condições. O Quadro 1 apresenta as variáveis censitárias relacionadas à estes objetos e
suas respectivas discriminações.
Quadro 1
Discriminações contidas nas variáveis censitárias selecionadas
Variável
0205 - Abastecimento de Água
0206 - Instalação Sanitária
0214 - Destino do Lixo
Discriminações
- rede geral com canalização interna
- poço ou nascente com canalização interna
- outra forma com canalização interna
- rede geral sem canalização interna
- poço ou nascente sem canalização interna
- outra forma sem canalização interna
- não tem
- rede geral
- fossa séptica ligada à rede pluvial
- fossa séptica sem escoadouro
- fossa rudimentar
- vala negra
- outros
- não sabe
- coletado diretamente
- coletado indiretamente
- queimado
- enterrado
- jogado em terreno baldio
- jogado em rio, lago, lagoa ou mar
- outro
Fonte: Documentação dos Microdados da Amostra Censo 1991. IBGE-1996.
A primeira etapa metodológica para a construção da tipologia está relacionada à
agregação do Quadro 2 segundo critérios de aproximação qualitativa. Uma segunda
etapa está relacionada à indicação de um código para cada um dos grupos formados.
Sobre estes códigos será efetivada uma combinação simples, a fim de delimitar
tipologicamente as discriminações de qualidade para ‘condições ambientais’ dos
domicílios.
14
Quadro 2
Agrupamentos, Códigos e Observações das discriminações contidas nas variáveis selecionadas
Variável
Abastecimento
de Água
Instalação
Sanitária
Destino do Lixo
Discriminações agrupadas
Cód.
Rede Geral (com canalização interna ou não)
A
Poço / Nascente / Outros (canalizados ou não)
B
Rede Geral ou Fossa Séptica (com rede)
C
Fossa Séptica s/ rede; Fossa Rudimentar;
Vala Negra; Não Tem; Outros e 'Não sabe'
D
Coleta Direta ou Indireta
E
Queimado; Enterrado; Depositado em terreno
baldio;Jogado em rios, côrregos, lagos,lagoas;
Outros etc.
F
Observações
Sujeito à contaminação.
Poluição de águas subterrâneas. Escoamentos à céu aberto.
Poluição direto do ar e de águas
Ambiente favorável à bióticos
patogênicos
Finalizando os procedimentos metodológicos para uma definição da tipologia
usada, efetiva-se uma combinação simples dos códigos de cada grupo. Conforme
indicado no Quadro 3, o resultado desta combinação aponta os tipos de ‘condições
ambientais’ que serão utilizados na análise comparativa. Além de suas qualificações, o
quadro apresenta algumas observações acerca das carências relacionadas à cada um dos
tipos estabelecidos.
Quadro 3
Tipologia das condições ambientais domiciliares
Combinação
Condições Ambientais
dos Códigos
Domiciliares - Tipos
A+C+E
A+C+F ou
A+E+D ou C+E+B
Boas
Regulares
Recolimento do lixo ou
Rede geral de esgoto ou de água
Rede geral de esgoto e de água ou
B+D+E ou
B+F+C ou D+F+A
Ausência do serviço / equipamento público
Ruins
Rede geral de água é recolhimento de lixo
Rede geral de esgoto e recolhimento de
B+D+F
Péssimas
Ausência completa dos serviços selecionados
15
2.4 Análise comparativa
Passa-se agora à aplicação da tipologia sobre as populações dos Grupos A, B e C
em cada uma das cidades selecionadas. O instrumento de padronização pretende
identificar elementos quali-quantitativos acerca das questões levantadas sobre possíveis
relações entre condições ambientais e crescimento populacional derivado da
contribuição das migrações. Isto pode ser feito mediante dois níveis de comparação. O
primeiro, compara os grupos populacionais em cada cidade. O segundo, relacionado às
comparações entre cidades, pressupõe a influência da localização geográfica relativa das
cidades.
A Tabela 8 expõe os resultados obtidos para cada uma das cidades selecionadas.
Recorde-se que as condições ambientais domiciliares referentes ao Grupo A estão sendo
tratadas como predominantes em cada cidade. Assim sendo, para o conjunto das cidades
em estudo, três delas apresentam ‘Boas’ condições ambientais domiciliares. Em
Uberlândia, Varginha e Pouso Alegre, acima de 90% da população desse grupo
encontra-se vivendo nessas condições.
As demais representações tipológicas no Grupo A neste primeiro conjunto de
cidades alcança pouca expressividade, sempre bem abaixo dos 10%. Por outro lado,
Sete Lagoas e Montes Claros apresentam um quadro de predominância ambiental
distinto. Ainda que a categoria ‘Boas’ domine o quadro ambiental (65,42% em Montes
Claros e 53,97% em Sete Lagoas), as outras três situações ambientais merecem
destaque. No caso de Sete Lagoas, 27.,4% da população no Grupo A vive em condições
‘Regulares’, quer dizer, condições marcadas pela ausência, ou do ‘recolhimento do
lixo’, ou da ‘rede de água’. Portanto, uma boa parcela da população deste grupo estaria
diretamente em contato com práticas de tratamento do lixo que, em alguma medida,
favorecem a poluição do ar e de águas e a proliferação de bióticos patogênicos.
Ainda enquanto destaques no Grupo A da cidade de Sete Lagoas, vale
mencionar que 17,43% da população deste grupo vive em condições ambientais
‘Ruins’, quer dizer, convivendo com a ausência de, no mínimo, três serviços. No caso
desta qualificação, os serviços de água em rede e recolhimento do lixo, ou, os serviços
de esgoto em rede e recolhimento do lixo. Provavelmente, o segundo grupo de
ausências domina a discriminação dos problemas ambientais desta população, visto que,
em geral, os serviços e equipamentos ligados às estruturas sanitárias são mais caros e de
16
implantação mais demorada. De certo modo, em Sete Lagoas, a condição ambiental
domiciliar na cidade é representada por 3 tipos significativos: ‘Boas’, ‘Regulares’ e
‘Ruins’. Pode-se dizer, que esta cidade apresenta então, condições ambientais bem
piores que as cidades de Uberlândia, Pouso Alegre e Varginha.
Montes Claros apresenta condições ambientais domiciliares significativamente
melhores do que Sete Lagoas. Entretanto, também uma ‘heterogeneidade’ ambiental
pode ser identificada nesta cidade, visto que 15,22% da população integrante do Grupo
A vive em condições ambientais domiciliares ‘Ruins’ e 16,53% em condições regulares.
Resumindo, verifica-se que, do conjunto de cinco cidades selecionadas, três
delas (Uberlândia, Pouso Alegre e Varginha) apresentam predominância das condições
ambientais domiciliares ‘Boas’. Por seu turno, Sete lagoas e Montes Claros estariam
apresentando condições ambientais gerais inferiores. Assim, verifica-se a existência de
dois grupos de cidades bem distintos. Um grupo em que as populações ‘não-migrantes’
vivem, em quase sua totalidade, em condições ambientais domiciliares ‘Boas’
(Uberlândia, Pouso Alegre e Varginha), e um outro grupo em que as populações ‘nãomigrantes’ vivem em condições ambientais mais diversificadas, nas quais as condições
‘Regulares’ e ‘Ruins’ são expressivas.
2.4.1 Condições ambientais dos imigrantes x não-migrantes
Expressam-se, em seguida, possíveis relações entre condições ambientais e
incremento populacional a partir das condições ambientais domiciliares dos imigrantes,
pressupondo que essa subpopulação impõe ‘tendências’ ambientais mediante possíveis
pressões sobre equipamentos e serviços urbanos básicos ao longo dos anos de 1980.
Uberlândia
Considerando Uberlândia, os dados relativos aos Grupos C e B (grupos
representados por populações ‘imigrantes’) mostram a predominância das condições
ambientais ‘Boas’, representada por valores muito próximos àqueles observados para o
Grupo A. Além disso, é provável que o tempo de residência exerça alguma influência
nas condições ambientais de vida dos imigrantes, porquanto os chefes de domicílio com
maior tempo de residência (chefes do Grupo C) devem apresentar melhores condições
sócio-econômicas que os chefes imigrantes recentes (Grupo B).
17
De todo modo, os números indicam que tanto o Grupo B quanto o Grupo C
estão satisfatoriamente servidos em relação aos objetos urbanos selecionados, estando,
percentualmente, inseridos na sua quase totalidade na condição ambiental típica da
cidade. Essa situação deve estar relacionada ao histórico dinamismo econômico que
marca a cidade de Uberlândia, bem como, suas relações para com toda a região do
Triângulo Mineiro e áreas vizinhas nos Estados de São Paulo e Goiás. Nesse sentido,
características de seletividade do processo de migração poderiam indicar formas de
inserção em atividades econômicas da cidade, sem pressionarem as estruturas de
serviços urbanos básicos e a própria capacidade de atendimento e de recursos por parte
da administração pública.
Pouso Alegre
Outra cidade que não apresenta indicações de prováveis pressões do crescimento
populacional sobre recursos urbanos básicos é Pouso Alegre. Ao contrário, conforme
dados da Tabela 8, evidencia-se que os ‘imigrantes’ vivem, quase em seu conjunto total,
em condições ambientais domiciliares iguais ou melhores que as dos ‘não-migrantes’.
Ao dinamismo econômico do município somam-se as possibilidades e as condições
particulares de adaptação de imigrantes à vida econômica, uma vez que, ao longo do
período 1981-1991, ela estaria recebendo imigrantes qualificados, oriundos, em grande
parte, de áreas urbanas paulistas, a destacar São Paulo.
Varginha
O caso de Varginha, ainda que experimentando, desde os anos de 1970, declínio
em seu crescimento demográfico, apresenta números ‘positivos’ em relação às
condições ambientais domiciliares ‘Boas’, e isto em todos os grupos populacionais. Nos
dois grupos de imigrantes, mais de 90% do total de indivíduos em cada um dos grupos
vive em ‘Boas’ condições ambientais, seguindo portanto, o padrão ambiental
‘homogêneo’ observado na população ‘não-migrante’ desta cidade.
As condições sócio-econômicas dos imigrantes em Varginha atuam no sentido
de elevar as possibilidades do consumo e reivindicação por melhores serviços urbanos
básicos, sem evidências de pressões sobre estes recursos. Pelo contrário, o crescimento
18
populacional pode ter incitado uma maior expansão de serviços e equipamentos urbanos
básicos pela cidade, em sua periferia possivelmente, reforçando a homogeneidade das
condições ambientais domiciliares ‘Boas’.
Montes Claros
No caso de Montes Claros, as populações imigrantes da década de 1980
(‘antigos’ e ‘recentes’) vivem sob o mesmo padrão ambiental da maioria da população
do Grupo A. Entretanto, um detalhe chama atenção. Os números indicam a
possibilidade de ter havido, no período, alguma pressão do crescimento populacional
sobre os recursos urbanos básicos, visto que, o valor percentual de indivíduos no Grupo
C (57,84%) vivendo em condições ambientais ‘Boas’ fica abaixo do valor auferido para
os indivíduos do Grupo A (65,42%). Os valores percentuais no Grupo C para as
condições ambientais ‘Regulares’ e ‘Ruins’ reforçam a hipótese de pressão demográfica
sobre os recursos, quando comparados aos valores percentuais indicados para estas
mesmas condições no Grupo A. De fato, o percentual de indivíduos no Grupo C
vivendo em condições ambientais ‘Regulares’ (19,43%) e ‘Ruins’ (19.62%) supera a
representação dos indivíduos do Grupo A vivendo nestas mesmas condições (16,53% e
15,22%, respectivamente).
Em uma cidade em que se pode identificar quadros de carências relacionadas à
esgoto, água e recolhimento do lixo, um conjunto significativo da população total da
cidade vive em condições sanitárias que as colocam em risco sanitário, atuando na
depreciação cotidiana da qualidade de vida. A análise acerca dos números apresentados
para Montes Claros na Tabela 8 evidencia, grosso modo, a influência de características
sócio-econômicas dos imigrantes. Ademais, parecem mostrar que o tempo de residência
pode não ter exercido grande influência sobre as características sócio-econômicas dos
imigrantes8.
Já nos anos finais da década de 1980, uma seletividade mais exigente da
migração e do processo de fixação na cidade, talvez tenha fomentado a chegada e
permanência de contingentes populacionais mais bem qualificados, com significativa
8
De fato, ainda que apresentando-se como um dos lugares urbanos mais dinâmicos do Norte e Noroeste
mineiros, Montes Claros polariza amplos espaços marcados por uma rede urbana pouco complexa e áreas
rurais deprimidas (mesmo fora de Minas Gerais). Por este motivo, migrantes pobres e menos qualificados
devem ter dominado boa parte da migração em direção à esta cidade nas décadas de 1970 e de 1980.
19
participação de imigrantes de retorno, oriundos principalmente de grandes centros
urbanos. Este grupo então, pode estar representando maiores condições de consumo e de
reivindicações por melhores serviços urbanos básicos.
Fica claro que, em alguma medida, o crescimento populacional de Montes
Claros pressionou os recursos urbanos de serviços e equipamentos básicos. Isso pode
estar relacionado a um somatório entre o crescimento rápido, as condições sócioeconômicas dominantes nas populações ‘imigrantes’, e um histórico de produção
ambiental deficiente.
Sete Lagoas
Em termos de representação dos indivíduos na população total ‘não-migrante’,
os dados da Tabela 8 mostram os seguintes valores: 53,97% vivendo em ‘Boas’
condições, 17.43% em condições ambientais domiciliares ‘Ruins’ e, 27.74% em
condições consideradas ‘Regulares’.
Somente cerca de metade da população não-migrante de Sete Lagoas é servida
satisfatoriamente pelos serviços e equipamentos urbanos selecionados. Este quadro pode
ser tomado como evidenciação de um processo histórico de produção deficitária de
condições ambientais domiciliares, provavelmente agravado pelo crescimento
populacional nesta cidade. Crescimento rápido e intenso, observado deste os anos de
1970 e que, talvez, somado às características sócio-econômicas de boa parte dos
imigrantes chegados nestes anos e nos anos da década seguinte, deve ter pressionado
sobremaneira sua estrutura de serviços e equipamentos urbanos básicos.
Conforme análise anterior, pode-se supor que características sócio-econômicas
dos imigrantes na cidade de Sete Lagoas influenciaram o processo de estruturação
ambiental nesta cidade. Ao verificar os números do Grupo C e do Grupo B, percebe-se
que suas representações percentuais alcançam valores que indicam: 1) que o tempo de
residência pode não ter exercido grande influência sobre características sócioeconômicas dos imigrantes; 2) que o contingente de ‘imigrantes antigos’ agravou a
situação ambiental domiciliar geral da cidade. Mais de 50% dos ‘imigrantes antigos’ na
cidade de Sete Lagoas vivem em condições ambientais marcadas por deficiências ou
ausência de serviços urbanos básicos.
20
Estes dados podem estar refletindo uma situação rapidamente discutida no texto,
qual seja, a de que grande parcela da população imigrante em Sete Lagoas seria
composta de indivíduos pobres e pouco qualificados profissionalmente. Novamente,
deve-se ter em conta a dimensão geo-econômica, já que esta cidade exerce influências
sobre amplos espaços do Leste e Nordeste mineiros, regiões de pobreza e estagnação
econômica. De outra parte, uma contribuição significativa de migrantes oriundos de
Belo Horizonte, provavelmente expulsos das áreas centrais e periféricas da metrópole,
não deve ser desconsiderada.
A situação dos imigrantes se agrava quando discriminados pelo tempo de
residência no município. Os dados do Grupo B confirmam aquilo que foi dito acerca de
uma ‘herança’ ambiental encontrada pelos ‘imigrantes recentes’. De fato, do total dos
‘imigrantes recentes’, apenas 36,29% deles vivem em ‘Boas’ condições ambientais
domiciliares, secundados por 28,50% dos indivíduos deste mesmo grupo vivendo em
condições ‘Ruins’. Note-se então, que o continuado processo de crescimento
populacional na década de 1980 (tendo a migração como fator relevante) parece ter-se
somado à um histórico de produção ambiental marcado por deficiências agudas. Os
dados sugerem a ocorrência de um possível agravamento do quadro geral de condições
ambientais domiciliares na cidade, o que por certo, contribuiu para uma qualidade de
vida cada vez mais precária neste ambiente urbano.
Considerações Finais
Por certo, questões relacionadas à ‘meio ambiente e crescimento populacional’
podem ser tratadas sob diversas formas. Este trabalho procura ser uma proposta de
aproximação junto à temática.
A construção de um procedimento interpretativo para este tema privilegiou, num
primeiro momento, uma aproximação teórica entre o meio ambiente e crescimento
populacional alimentado por fluxos migratórios. A abordagem desse último elemento
orientou-se pelo fenômeno de redistribuição populacional no país na década de 80,
momento em que os grandes e médios centros urbanos comparecem como importantes
segmentos de análise.
21
Ainda que por meio de deduções mais gerais, é plausível aceitar o fato de que o
crescimento populacional pode comparecer como um dos fatores de intensificação das
diferenciações sócio-espaciais que marcam o ambiente urbano. Mais do que isso,
expandindo este raciocínio, é possível que, em havendo crescimento populacional
haverá alguma forma de interferência no processo de estruturação física do ambiente
urbano. Interferência não só pela intensidade deste crescimento, mas também por suas
características sócio-econômicas.
Após definidos os procedimentos, foram levantados alguns elementos
evidenciais que, salvo os limites metodológicos de construção da tipologia utilizada
para qualificar condições ambientais domiciliares, obtiveram resultados que indicam a
existência de situações urbanas em que os impactos da migração foram expressados
tanto de maneira positiva quanto negativa.
Com a divulgação dos dados do CENSO 2000, há a possibilidade de que se
questione, com base nos resultados aqui obtidos para a década de 1980, se o
crescimento populacional nas cidades selecionadas estaria de alguma forma
consolidando as condições ambientais domiciliares gerais encontradas na década
anterior. Ou ainda, se esta fase de crescimento demográfico estaria apontando para
‘novas’ formas gerais de produção ambiental domiciliar.
22
Tabela 8
Distribuição de populações por condições ambientais domiciliares
segundo grupos a que pertencem
Cidades e Grupos
Populacionais
Boas
Abs.
%
Condições Ambientais Domiciliares
Ruins
Péssimas
Regulares
Abs.
%
Abs.
%
Abs.
%
Total
Abs.
%
Uberlândia
Grupo A
Grupo B
Grupo C
214,095
14,721
59,928
92.10
85.01
89.64
9,792
1,175
3,126
4.21
6.79
4.68
6,731
1,062
2,915
2.90
6.13
4.36
1,834
359
885
0.79
2.07
1.32
232,452
17,317
66,854
100.00
100.00
100.00
Pouso Alegre
Grupo A
Grupo B
Grupo C
42,060
3,630
11,542
90.87
92.77
90.48
2,370
153
535
5.12
3.91
4.19
1,620
95
499
3.50
2.43
3.91
238
35
180
0.51
0.89
1.41
46,288
3,913
12,756
100.00
100.00
100.00
Sete Lagoas
Grupo A
Grupo B
Grupo C
50,793
1,573
8,766
53.97
36.29
42.05
26,108
1,259
5,972
27.74
29.05
28.65
16,400
1,235
5,298
17.43
28.50
25.42
814
267
809
0.86
6.16
3.88
94,115
4,334
20,845
100.00
100.00
100.00
Montes Claros
Grupo A
Grupo B
Grupo C
104,172
5,859
19,088
65.42
66.47
57.84
26,318
1,310
6,412
16.53
14.86
19.43
24,230
1,444
6,474
15.22
16.38
19.62
4,527
201
1,028
2.84
2.28
3.11
159,247
8,814
33,002
100.00
100.00
100.00
Varginha
Grupo A
Grupo B
Grupo C
49,367
3,422
11,434
91.10
94.17
93.76
3,783
172
754
6.98
4.73
6.18
680
0
0
1.25
0.00
0.00
362
40
7
0.67
1.10
0.06
54,192
3,634
12,195
100.00
100.00
100.00
Fonte: IBGE - Microdados do Censo Demográfico de 1991.
Bibliografia
CORRÊA, R. L. 1995. Espaço, um conceito chave da Geografia. In: Iná Elias de
Castro; Paulo César da Costa Gomes; Roberto Lobato Corrêa (orgs.) Geografia:
Conceitos e Temas. Ed.Bertrand Brasil, 1995. Rio de Janeiro.
IBAMA. 1999. Amazônia – Uma proposta interdisciplinar de educação ambiental –
Documentos metodológicos. Brasília.
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. 1988. Estrutura Espacial do Estado de Minas Gerais.
Belo Horizonte. V.1. Relatório de Pesquisa.
MARTINE, G. 1980. Adaptação de migrantes ou sobrevivência dos mais fortes?
Brasília: PNUD,1976. In: MOURA, A . M. ed; Migração Interna; textos selecionados,
Fortaleza, 1980.
MATOS, R. E. 1997. Distribuição espacial da população em Minas Gerais e
tendências recentes de concentração na rede de cidades. Relatório Final de Pesquisa.
FAPEMIG, dez/1997.
23
_____________ 1999. Distribuição espacial e desconcentração da população em
Minas Gerais no período 1980-1991. Belo Horizonte, UFMG/IGC.
SILVA, L. R. da. 1991. A natureza contraditória do espaço geográfico. São Paulo:
Contexto – (Caminhos da Geografia).
SANTOS, M. 1997. Metamorfoses do espaço habitado. Ed. Hucitec ; São Paulo.
24
Download