Luiz Carlos Barros Couto GRR20128826 O uso de elementos

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Luiz Carlos Barros Couto
GRR20128826
O uso de elementos estruturais do blues na improvisação de Amilton Godoy: um estudo sobre
a aquisição da expertise na prática da música instrumental brasileira improvisada
Monografia apresentada à disciplina OA027 –
Trabalho de Conclusão de Curso Bacharelado
como requisito parcial à conclusão do Curso de
Bacharelado em Música - Departamento de Artes,
Setor de Artes, Comunicação e Design da
Universidade Federal do Paraná.
Orientador: Prof. Dr. Danilo Ramos
CURITIBA
2015
AGRADECIMENTOS
Quando pensei a quem deveria agradecer por algum tipo de auxílio a mim, levei em
consideração não só este trabalho de conclusão de curso, mas também pessoas que me ajudaram na
minha formação musical durante toda a universidade.
A primeira pessoa que gostaria de agradecer é o professor Danilo Ramos, o Dan. E esse
agradecimento não se restringe apenas a orientação, mas também a tudo que me ensinou durante o
curso. Aprendi muito nas aulas de harmonia; cresci muito como músico por causa dessas aulas e
desenvolvi o meu gosto especial pela matéria, devido às aulas de harmonia popular que tive. A
orientação do trabalho apenas refletiu o ótimo profissional que é, ajudando-me durante todo o
processo para chegar neste resultado. Lembrarei para sempre tanto das ótimas aulas de harmonia
que tive, como da orientação nesse trabalho de conclusão de curso. Aprendi muito e por isso
agradeço ao Dan.
Também gostaria de fazer um agradecimento ao professor José Estevam Gava por tudo o
que me ensinou, por ter sido um exemplo de organização e por ter “apadrinhado” uma idéia que
tornou-se realidade: um grupo de estudos de blues na UFPR. Realizei uma vontade que tinha:
difundir o blues dentro do meio universitário. Obrigado, professor.
Agradeço também a todos os professores que me ensinaram algo durante o curso. Aprendi
muito sobre o que fazer e o que não fazer. Evoluí como músico em cada uma das aulas memoráveis
que tive e que lembrarei para sempre. Muito obrigado professores Hugo, Indioney, Norton
(agradeço também por integrar a banca avaliadora do meu TCC), Rosane, Roseane, Álvaro, Silvana
(faço também um agradecimento especial aqui pela oportunidade de monitoria que me foi dada),
Fernando, Edwin, Bini, Zélia, Dottori: muito obrigado!
Agradeço ao meu colega Gustavo pela colaboração nas transcrições dos improvisos e
agradeço a minha colega/amiga Anaiz pela ajuda na revisão das transcrições, assim como pelas
ótimas conversas acadêmicas que de algum modo me ajudaram nesse trabalho.
Por fim agradeço a minha namorada, Manu, tanto pelo auxílio nesse trabalho (com a figura
do modelo de improvisação), como também pela compreensão nos momentos que tive que me
ausentar para elaborar/escrever esse trabalho ou estudar e fazer todos os trabalhos que tive durante o
curso, uma vez que tive uma rotina universitária pesada devido ao meu trabalho, tendo que me
dedicar à universidade e assuntos correlatos no que deveria ser o momento de descanso ou lazer
com ela.
“Quem passou pela vida em branca nuvem
E em plácido repouso adormeceu,
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu,
Foi espectro de homem, e não homem,
Só passou pela vida, não viveu.”
Francisco Otaviano
RESUMO
O objetivo desta pesquisa é verificar como os elementos estruturais do blues são utilizados por
Amilton Godoy em improvisações do Zimbo Trio. A pesquisa foi desenvolvida em três etapas: (1)
revisão da literatura sobre improvisação e expertise e suas possíveis aplicações na música
instrumental brasileira improvisada, procurando a definição de conceitos e explanação histórica
deste estilo musical; (2) seleção de cinco solos de Amilton Godoy em improvisações do Zimbo Trio
que contenham elementos estruturais característicos do blues; (3) Transcrição e análise rítmica,
harmônica e melódica desse material musical, buscando-se verificar como este músico aplica os
elementos característicos do blues nos solos selecionados. O uso moderado de elementos estruturais
do blues foi identificado como a principal estratégia cognitiva para a aquisição de expertise musical
em improvisos que visem uma sonoridade semelhante à obtida por Amilton Godoy. O
desenvolvimento dessas estratégias pode ser associado a um estudo deliberado que leve em conta a
prática de escalas blues (tradicional e maior) aplicadas em semicolcheias ou em tercinas (em
referência ao shuffle) e ao cuidado para que a mensagem musical a ser comunicada ao ouvintes não
descaracterize a identificação de temas reconhecidos internacionalmente pela indústria fonográfica
como canções no contexto da bossa nova.
Palavras-chave: improvisação; blues; Amilton Godoy; Zimbo Trio; expertise musical.
ABSTRACT
The purpose of this research is to verify how blues fundamentals elements are employed in Zimbo
Trio improvisations. This research has been developed in three steps: (1) a literature review about
improvisation and expertise and its possible applications in the improvised Brazilian instrumental
music, looking for the definition of concepts and historical explanation of this musical style; (2)
selection of five Zimbo Trio improvisation solos which contain blues fundamental elements; (3)
transcription and rhythmic, melodic and harmonic analysis of this musical material, in order to
verify how this musician applies blues fundamentals elements in the solos chosen. The moderate
use of blues fundamentals elements was identified as the primary cognitive strategy for acquiring
expertise in musical improvisations aiming to a sound similar to that obtained by Amilton Godoy.
The development of these strategies can be associated to a debilerate study that takes into account
practical of blues scales (major or minor) applied to octave-notes or in triplets (in reference to
shuffle) and to a special care in which the musical message to be communicated to listeners do not
defeat the identification of musical themes internationally recognized by the music industry as
songs in bossa nova context.
Key-words: improvisation; blues; Amilton Godoy; Zimbo Trio; musical expertise.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1. Modelo de improvisação (Kenny & Gellrich, 2002. pp.125) ........................................... 10
Figura 2. Escala blues em dó (notação nossa). ............................................................................... 13
Figura 3. Escala blues maior em dó (notação nossa) ...................................................................... 13
Figura 4. Exemplo de harmonia tradicional no blues contendo os acordes I, IV e V em dó (notação
nossa)............................................................................................................................................ 14
Figura 5. Exemplo de harmonia tradicional de blues menor contendo os acordes Im, IV e V em dó
(notação nossa). ............................................................................................................................ 14
Figura 6. Exemplo de progressão slow change blues (notação nossa) ............................................ 15
Figura 7. Exemplo de progressão fast change blues (notação nossa) .............................................. 15
Figura 8. Exemplo de progressão five chord blues (notação nossa) ................................................ 16
Figura 9. Exemplo de progressão jazzy blues (notação nossa)........................................................ 16
Figura 10. Exemplo de progressão be-bop blues (notação nossa) ................................................... 17
Figura 11. Célula rítmica típica do blues, o shuffle (notação nossa). .............................................. 17
Figura 12. Utilização da escala blues em acordes dominantes (Chediak, 2009. pp. 345). ............... 21
Figura 13 - análise do trecho da transcrição de um improviso executado por Amilton Godoy sobre o
tema Garota de ipanema (notação nossa) ...................................................................................... 27
Figura 14 - análise do trecho da transcrição de um improviso executado por Amilton Godoy sobre o
tema Samba de uma nota só (notação nossa) ................................................................................. 28
Figura 15 análise do trecho da transcrição de um improviso executado por Amilton Godoy sobre o
tema Triste (notação nossa) ........................................................................................................... 29
Figura 16 - análise do trecho da transcrição de um improviso executado por Amilton Godoy sobre o
tema Balanço zona sul (notação nossa) ......................................................................................... 29
Figura 17 - análise do trecho da transcrição de um improviso executado por Amilton Godoy sobre o
tema Brigas nunca mais (notação nossa) ....................................................................................... 30
LISTA DE TABELAS
TABELA 1. TÍTULO DAS OBRAS ESCOLHIDAS PARA ANÁLISE NO PRESENTE ESTUDO,
BEM COMO OS ÁLBUNS QUE ELAS INTEGRAM, O ANO E SEUS RESPECTIVOS
COMPOSITORES ........................................................................................................................ 28
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 1
2. REVISÃO DA LITERATURA ................................................................................................ 3
2.1 Expertise musical ................................................................................................................. 3
2.2 Improvisação ....................................................................................................................... 5
2.3 O modelo de improvisação proposto por Kenny e Gellrich ............................................... 7
2.4 Blues: aspectos históricos e definições .............................................................................. 12
2.5 Música instrumental brasileira improvisada ................................................................... 19
2.6 Influências do blues na música instrumental brasileira improvisada ............................. 21
2.7 Zimbo Trio e o CLAM ...................................................................................................... 22
2.8 Propósito da presente pesquisa ......................................................................................... 24
3. METODOLOGIA .................................................................................................................. 25
3.1 Material musical a ser analisado....................................................................................... 25
3.2 Materiais e equipamentos ................................................................................................. 26
3.3 Análise de dados ................................................................................................................ 26
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................................. 27
4.1 Análise das transcrições .................................................................................................... 27
4.2 Discussão ............................................................................................................................ 31
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS. ................................................................................................. 34
6. REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 36
7. ANEXOS ................................................................................................................................. 38
1
1. INTRODUÇÃO
Após ter me matriculado no curso de música da UFPR e a todo o universo musical ao qual
fui exposto durante o curso e após ter tido a oportunidade de participar em dois grupos de pesquisa,
várias questões surgiram em minha mente. Há algum tipo de conexão entre a prática do blues e a
prática da música instrumental brasileira improvisada? O blues faz parte das ferramentas de
aquisição da expertise na música instrumental brasileira improvisada? Esses dois estilos de música
compartilham pontos em comum? Se compartilham, quais seriam esses pontos e como eles
deveriam ser analisados, estudados e descritos em uma pesquisa? Estas foram as questões
norteadoras para a realização deste trabalho.
Minha trajetória como músico se inicia na adolescência influenciada por grupos musicais
do cenário rock n’ roll do final dos anos 80. Ao passar dos anos, tocando violão e depois guitarra,
procurei me interessar sobre a origem desse estilo e foi aí que encontrei o blues. Com isso, passei
anos tocando blues1 e meus primeiros trabalhos como músico profissional foram tocando blues.
Após um período de atividade, cessei essas atividades e me dediquei a outras áreas, mas tendo
sempre o blues como horizonte no estudo de música e força motriz principal na minha vida musical.
Após o início dos meus estudos dentro da vida universitária e após tomar conhecimento de outros
estilos de música, especialmente a música instrumental brasileira improvisada, surgiu-me a
pergunta de como situar o blues nesse contexto musical brasileiro, aliás; faria o blues parte desse
contexto?
Os primeiros indícios, após escutas mais atentas e conversas com músicos mais
experientes, mostraram que sim; o blues faz parte do contexto da música instrumental brasileira
improvisada e os improvisadores utilizam elementos do blues em suas improvisações. Portanto,
procura-se verificar, no presente trabalho, como a utilização dos elementos do blues na
improvisação está ligada à aquisição da expertise musical no contexto da música instrumental
brasileira improvisada. Assim, torna-se possível a contextualização de um estilo, o blues, que
aparentemente e em um primeiro momento é estranho ao contexto musical brasileiro.
Pretende-se, ao final desta pesquisa, apontar o uso dos elementos estruturais do blues na
música instrumental brasileira improvisada, contribuindo, assim, para que músicos passem a utilizar
esses elementos encontrados em suas improvisações, de maneira a adquirirem uma maior expertise
musical. Essa é a justificativa para a sua realização.
1
Definições de blues, expertise, improvisação, música instrumental brasileira improvisada e outros conceitos expostos
nesta introdução serão apresentadas ao decorrer do presente trabalho.
2
O trabalho foi realizado pelo viés da cognição musical e tendo em vista temas como
improvisação e aquisição de expertise em música. O apontamento principal do trabalho é
demonstrar que para o performer adquirir expertise em música instrumental brasileira improsivada,
o blues faz parte do conjunto de habilidades que ele deve adquirir ao longo de sua prática musical.
Para tanto, além do levantamento bibliográfico realizado sobre o tema, iniciando no blues,
passando por música instrumental brasileira improvisada, assim como conceitos da cognição sobre
expertise e improvisação, o trabalho também se dará na seleção dos trechos musicais de
performances improvisatórias da música brasileira instrumental e consequente análise rítmica,
melódica e harmônica de solos de improvisação para encontrar os elementos estruturais do blues
como parte do vocabulário do instrumentista brasileiro. A partir de transcrições musicais desses
solos, foram realizados apontamentos em relação ao uso de elementos estruturais do blues durante o
discurso musical. A análise, feita na forma de apontamento, foi utilizada como uma ferramenta de
pesquisa para demonstrar que um improvisador expert em música brasileira improvisada (no caso, o
pianista do Zimbo Trio, Amilton Godoy) utiliza elementos do blues em seus improvisos, uma vez
que o presente trabalho faz parte de um projeto maior intitulado “A aquisição de expertise musical
no piano brasileiro improvisado”.
Sendo assim, a pesquisa tem como objetivo geral verificar como a utilização de elementos
estruturais do blues poderão contribuir para a aquisição da expertise em performances de música
instrumental brasileira improvisada. Os objetivos específicos do presente trabalho são: (1) discorrer
sobre como a improvisação e expertise são estudadas na cognição musical e o modelo de
impovisação de Kenny e Gellrich (2002); (2) contextualização histórica e definições de conceitos
sobre blues, música instrumental brasileira improvisada e Zimbo Trio; (3) escuta e transcrição de
gravações de improvisos de algumas peças de música instrumental brasileira improvisada tocada
pelo Zimbo Trio que utilizem elementos estruturais do blues; (4) análise dos improvisos
selecionados; (5) discutir os resultados das análises com o modelos de improvisação de Kenny e
Gellrich (2002), no intuito de fornecer ao performer estratégias de aprendizagem que visem à
execução de improvisações que levem em conta a expressividade da linguagem musical dos estilos
musicais em questão.
3
2. REVISÃO DA LITERATURA
2.1. Expertise musical
Para Ericsson (2006), a expertise se refere a características, habilidades e conhecimentos
que distinguem experts de novatos e/ou pessoas com menos experiência em determinada atividade
humana. Em algumas áreas, existem critérios objetivos para a identificação de experts, que são, de
maneira consistente, capazes de exibir uma performance de nível superior àquele encontrado na
média de uma determinada população em tarefas representativas na área em questão. O autor ainda
alega que um expert é alguém muito habilidoso, amplamente reconhecido como confiável fonte de
conhecimento, técnica ou habilidade, cujo julgamento é concedido geralmente pelo público ou
pares.
Para Chi (2006) expert é um trabalhador de destaque ou brilhante; altamente reconhecido
por pares, cujos julgamentos são de maneira incomum precisos e confiáveis, cuja performance
mostra habilidade consumada e economia de esforço e quem consegue lidar efetivamente com
certos tipos de casos raros ou casos complicados. Um expert é alguém que possui habilidades
especiais ou conhecimento derivado de experiência extensa em subáreas. De acordo com Hunt
(2006) tornar-se um expert em quase qualquer coisa requer literalmente anos de trabalho. As
pessoas somente irão fazer algo se obtiverem sucesso inicial, apreciarem o trabalho e estiverem
apoiadas socialmente. Expertise não é somente um assunto cognitivo.
Para Ackerman e Beier, (2006) o estudo científico da expertise envolve a confiabilidade e
validade das medições em nível de preditores-alvo, que envolve o desenvolvimento de medidas de
aptidão que possam prever quais indivíduos irão desenvolver os níveis de performance expert e ao
nível de critérios. Estes autores ainda consideram tarefas que estão dentro das capacidades da
maioria dos intérpretes ou executantes e a diminuiçao da variabilidade inter-sujeito.
O que parece limitar o desempenho no início da prática de tarefas, para iniciantes, são as
mesmas habilidades que são aproveitadas por medidas de inteligência distintas, como memória e
raciocínio. As diferenças individuais nessas habilidades podem determinar o quão bem um aluno
compreende o que é necessário para seu aprendizado na situação da tarefa e quão eficaz o aluno está
na elaboração de estratégias e planos para a realização da tarefa. O desempenho expert nestas
tarefas é, portanto, influenciado conjuntamente por diferenças individuais no conhecimento de
domínio e por habilidades intelectuais gerais.
Na música, esse domínio do conhecimento pode ser observado por meio da prática da
improvisação. Para Ackerman e Beier (2006) informações sobre estruturas de conhecimento do
4
indivíduo, ou seja, os padrões de conhecimentos e habilidades que o indivíduo tem de um domínio
específico também podem ser utilizados no contexto da classificação da expertise.
Para Galvão (2006), tocar um instrumento musical é uma das mais complexas atividades
humanas pelo tipo de demanda que esta atividade traz ao sistema de conhecimento do indivíduo
como um todo, envolvendo uma interdependência de aspectos cognitivos, sinestésicos e emocionais
realizados por meio de uma coordenação entre os sistemas auditivos e visuais, que se articulam com
o controle motor fino. De acordo com o autor, para se tornar um expert, o músico deve levar em
conta quatro aspectos cognitivos: estudo deliberado, auto regulação, memória e ansiedade.
O estudo deliberado é a organização prática de estudo do músico que o levará à expertise,
colocará o quanto ele estudará e praticará até que alcance um determinado objetivo. A auto
regulação diz respeito aos mecanismos que as pessoas usam para controlar o seu próprio processo
de aprendizagem. Trata-se do estabelecimento de um objetivo ou norma de estudo por meio do
controle do próprio progresso, em relação ao uso de estratégias como monitoração, elaboração e
gerenciamento de esforço. A memorização refere-se ao material e conteúdo previamente estudado
pelo músico. Por fim, o quarto aspecto cognitivo relacionado à aquisição de expertise pelo músico é
ansiedade, que pode ser facilitadora ou debilitadora e depende de uma combinação de fatores
alheios à performance.
De acordo com Lehmann e Gruber (2006), não se sabe se a prática é uma condição
suficiente para a conquista de uma performance de alto nível, mas é certamente necessária para o
desenvolvimento cognitivo, fisiológico e para as adaptações psicomotoras observadas em experts.
Para esses autores, embora a prática seja onipresente durante o desenvolvimento da expertise na
música, o seu papel e manifestação não é idêntica em todos os gêneros musicais. Diferentes estilos
musicais são característicos para específicas culturas musicais, uma vez que eles possuem seus
respectivos tipos de prática. A maior parte das pesquisas sobre expertise musical foi conduzida na
tradição de conservatório clássica – também conhecido como tradição de música ocidental.
Investigações sobre comparações entre aquisição de expertise no jazz ou estilos considerados
populares com a música de concerto europeia têm mostrado resultados distintos. Segundo Lehmann,
Sloboda e Woody (2007), pianistas e violonistas que estudam em conservatórios britânicos iniciam
suas práticas musicais cedo (por volta dos oito anos de idade), enquanto guitarristas de jazz neste
mesmo contexto cultural iniciam seus estudos mais tarde, na adolescência, por volta dos 15 anos de
idade.
Como colocado por Lehmann e Gruber (2006), não somente a prática acumulada de horas é
necessária para se tornar um expert, mas também a escolha de como essas horas serão empregadas
na prática. Assim, diferentes instrumentos possuem tipos de prática musical distintos para se
alcançar a expertise; um violinista terá que empregar um número diferente de horas do que um
5
pianista, por exemplo. Segundo os autores, um instrumentista de música clássica irá passar muito
mais tempo estudando sozinho do que um guitarrista de jazz, que terá que desenvolver
principalmente atividades musicais em grupo para alcançar determinado nível na perfomance.
Entretanto, os autores apontam a avaliação do instrumentistas por um tutor como uma atividade
extremamente necessária, até que eles adquiram autonomia para se auto-avaliar.
Em relação às habilidades cognitivas empregadas no processo aquisição de expertise,
Lehmann e Gruber (2006) apontam a memória e a capacidade de resolução de problemas como
cruciais para tal desenvolvimento. Mesmo que a memorização não seja o objetivo principal e
imediato, a capacidade de retenção de informação nos experts, principalmente em longo prazo,
aparece como uma habilidade cognitiva a ser treinada. Contudo, o treino dessa habilidade cognitiva
não aparece somente como a capacidade de o músico expert em reter informação, mas
principalmente, uma habilidade seletiva, por meio da retenção de informação útil e relevante para a
performance a ser desenvolvida.
Além dessas habilidades cognitivas, Lehmann e Gruber observaram também a necessidade
de adaptações fisiológicas dos experts em função da atividade que eles realizam. Neste sentido, o
corpo do instrumentista parece se adaptar à atividade que realiza com o objetivo de aumentar o
nível de sua execução instrumental. Uma adaptação fisiológica relevante apontada pelos autores é a
adaptação cerebral, ou seja, o cérebro dos experts parece mudar conforme o histórico de suas
práticas. Para Lehmann e Gruber, pode-se concluir que a prática e o estudo da música leva a
mudanças funcionais e estruturais substanciais no cérebro da pessoa, o que provoca alterações,
consequentemente, em sua capacidade de processamento de informação. Uma última adaptação
fisiológica citada por Lehmann e Gruber é da capacidade auditiva refinada que o expert adquire,
conseguindo identificar uma gama maior de frequências e dinâmicas do que os não músicos. Apesar
de os fatores fisiológicos serem limitadores para a aquisição de expertise na performance musical de
determinados indivíduos, os autores ainda apontam as condições sociais, históricas e ambientais em
que o indivíduo está inserido como determinantes para influenciar a capacidade de o músico em se
tornar expert ou não.
2.2. Improvisação
Allorto (1996) define a improvisação musical como uma composição extemporânea,
elaborada in loco por um ou mais executantes de música. Segundo o autor, normalmente,
improvisa-se sobre um tema, uma melodia qualquer, uma sucessão de acordes, muito embora
também possa-se improvisar sem qualquer ponto de partida preexistente. Para Kenny e Gellrich
6
(2002), a improvisação musical é o conjunto de decisões tomadas pelo intérprete com as restrições
temporais da própria performance.
Azzara & Grunow (2006) alega que a improvisação musical guarda semelhanças com a
composição, sugerindo que ambas pressupõem um processo criativo e cognitivo para acontecer,
considerando-a como uma expressão espontânea de ideias musicais significativas. Contudo, há
posições conflitantes a esse conceito. Para Sloboda (2008), quando o musicista improvisa, partes de
seu córtex pré-frontal são ativadas, de maneira que, do ponto de vista cognitivo, pode-se associar
esta atividade com uma atividade escolar, como por exemplo, planejar, implementar tarefas e/ou
resolver problemas. Segundo o autor, o improvisador não possui tempo suficiente para escolher e
analisar possibilidades quando está executando seu improviso, servindo-se da primeira solução que
julga como sendo a mais adequada, ao contrário da composição, em que o músico tem tempo o
suficiente para testar soluções diferentes até que encontre aquela que seja mais funcional no
momento de sua performance.
Para Thompson e Lehmann (2004), a improvisação está mais perto da leitura à primeira
vista de uma partitura do que propriamente da composição musical. Segundo o autor, a
improvisação e a leitura à primeira vista exigem prática e acúmulo de conhecimento prévio para a
sua execução e a questão temporal influencia a execução; de fato, em ambas as atividades não há
muito tempo disponível para a tomada de decisões durante a performance. A partir da premissa
deste acúmulo de conhecimento prévio, é possível se supor que, assim como qualquer outra
habilidade musical, a aquisição de expertise na prática da improvisação musical parece estar
relacionada a uma prática deliberada, conforme os pressupostos estabelecidos por Ericsson (2006).
No intuito de verificar como um indivíduo adquire expertise na prática da improvisação
musical, Lehmann, Sloboda e Woody (2007) sugerem que, para a execução de uma improvisação,
faz-se necessário um estudo prévio do estilo no qual se pretende improvisar, especialmente em
relação a aspectos musicais relacionados à harmonia, uso de escalas, estrutura da peça (número de
compassos, forma), entre outros. Assim, os autores consideram uma improvisação como sendo
vertical aquela que é construída sobre acordes e que requer do improvisador a identificação das
funções tonais dos acordes, do modo e das cadências musicais envolvidas. Esta construção é feita
previamente por meio da análise musical da peça a ser executada.
Em um estudo conduzido por Hargreaves, Cork e Setton (1991), foi requisitado que
pianistas de jazz profissionais e semiprofissionais improvisassem sobre uma base harmônica e logo
após o momento de improvisação eles foram questionados sobre o que eles pensavam durante a
improvisação. Os pianistas semiprofissionais não conseguiram apontar com exatidão o que
pensavam no momento da improvisação, mostrando que não estavam totalmente conscientes das
progressões harmônicas e cadências que executaram, resultando, assim, em frases relativamente
7
curtas e com poucos ornamentos. Os músicos profissionais, em contrapartida, conseguiram
responder a questão com maior precisão, inclusive detalhando sobre as progressões harmônicas e
cadências executadas. A conclusão do estudo foi a de que a preparação do performer para a
execução de uma improvisação mais elaborada abrange um estudo prévio que proporciona uma
preparação adequada para a execução da improvisação.
2.3 O modelo de improvisação proposto por Kenny e Gellrich
Para Kenny e Gellrich (2002) o termo improvisação incorpora uma multiplicidade de
significados musicais, comportamentos e práticas. Uma característica comum em todas
improvisações, no entanto, é que as decisões criativas dos performers são realizadas levando-se em
conta as restrições temporais da própria performance. Sendo assim, os autores consideram a
improvisação como uma arte por excelência, que requer não somente um vida de preparação por um
amplo espectro de experiências formativas musicais e não musicais, mas também habilidades
ecléticas e sofisticadas. A restrição temporal determina que a criação improvisatória deve ocorrer
simultaneamente à própria improvisação. Tais restrições temporais necessitam de uma série de
mecanismos elaborados para facilitar a improvisação em tempo real. A partir de uma perspectiva
psicológica, essas restrições se dividem em duas categorias: internas (psicológicas) e externas
(socioculturais).
De acordo com Kenny e Gellrich (2002), a restrição interna mais importante é a base de
conhecimento. Esta bagagem de conhecimento previamente adquirido mostra que o improvisador
traz para a improvisação materiais musicais, excertos, repertórios, habilidades secundárias,
estratégias de percepção, estratégias para resolução de problemas, memória hierarquizada de
estruturas e esquemas e programações motoras generalizadas. Esta base de conhecimento usada por
improvisadores envolve tipicamente uma internalização de material fonte/base, que é idiomático a
determinada. Em relação às restrições externas do improvisador, há os referenciais socioculturais,
que irão influenciar a improvisação de alguma maneira, ou seja, a maneira com que o conhecimento
sobre improvisação e o material improvisatório é empregado irá constituir a maneira de o
improvisador tocar. Os autores ainda apontam duas funções desses referenciais que têm
fundamental importância na prática da improvisação musical: a habilidade de limitar as escolhas
improvisatórias de acordo com diretrizes apropriadas a cada estilo musical e o papel que o ouvinte
da improvisação tem durante a performance. Neste sentido, improvisadores habilidosos parecem ser
capazes de manipular os ouvintes, criando e quebrando expectativas de maneira consciente. Com
isso, estabelece-se que são dois os pontos cruciais formadores da improvisação em nível de
8
excelência: o conhecimento previamente adquirido pelo músico e a comunicação dele com o seu
ouvinte.
Todas essas condições fazem parte do conjunto de fatores que exercem, de algum modo,
influência na improvisação. Contudo, improvisadores experimentam estados que não possuem
controle cognitivo (ou não estão cientes desses). Há situações em que improvisadores se entregam
ao momento criativo. Essas experiências de pico, também chamado de estado de fluxo, vão além do
controle cognitivo do improvisador. Para Csikszentmihalyi e Rich (1997), uma vez possuído pelo
momento, músicos começam a esquecer problemas pessoais, perder consciência de autocrítica,
perder a noção da passagem do tempo e, finalmente, sentir que a atividade que estão realizando (a
improvisação) deve ser feita por si só, esquecendo qualquer tipo de conexão com o mundo exterior.
Além disso, tratando-se de uma habilidade musical que é feita em tempo real, devido à sua
restrição temporal, também faz parte da improvisação arriscar-se e cometer erros. Ao realizar a
improvisação tradicional no jazz, em que por muitas vezes utiliza-se uma escala diferente a cada
acorde, o improvisador aumenta a chance de tocar notas que não fazem parte da escala e/ou não
estavam por ele planejadas. Quanto mais internalizada e sólida a base de conhecimento do autor,
menores são as chances de tocar notas erradas e mais riscos irá assumir durante a improvisação,
uma vez que os processos fazem parte do seu conhecimento base mais sólido (Sudnow, 1978).
Sendo assim, presume-se que a prática da improvisação musical envolve uma série de
fatores, desde o processo de se adquirir as habilidades cognitivas necessárias para a realização da
improvisação, como os fatores socioculturais, externos, que irão influenciá-la, de algum modo.
Segundo Kenny e Gellrich (2002),os improvisadores mais habilidosos se rendem ao momento da
improvisação, alcançando o chamado estado de fluxo, no qual o músico não possui consciência
efetiva dos processos cognitivos empregados; ele apenas realiza e externaliza as habilidades que
foram por ele adquiridas no curso de seus estudos musicais. Por fim, os improvisadores parecem
assumir e aceitar riscos durante a improvisação como parte natural do processo improvisatório, que
são evitados por meio da automação do acesso ao conhecimento base.
O modelo de improvisação de Kenny e Gellrich (2002) combina oito diferentes tipos de
etapas que podem ser observadas durante a prática da improvisação. Segundo os autores, os
improvisadores tipicamente mudam de uma para outra, mas não combinam duas ou mais etapas
simultaneamente. Além disso, estas etapas não estão organizadas em ordem hierárquica. Tais
etapas podem ser assim classificadas:
-
Etapa 01: antecipação de curto prazo. Nesta etapa, em algum ponto da improvisação, os
eventos musicais são antecipados dentro de um intervalo de tempo estimado de um a três segundos.
9
Contudo, essas notas antecipadas não podem ser tocadas por, no mínimo, 0.3 segundos depois que a
decisão de tocá-la foi tomada;
-
Etapa 02: antecipação em médio prazo. Tratam-se de eventos musicais que ocorrem no
intervalo entre 3 a 12 segundos, podendo ser antecipados e projetados ao futuro;
-
Etapa 03: antecipação em longo prazo. Trata-se da projeção de planos em longo prazo
dentro da improvisação, que funcionam como um lembrete a respeito do que e quando algo será
tocado.
Estas três primeiras etapas da prática improvisatória acontecem antes de o músico tocar a
nota propriamente dita, ou seja, antes da realização in loco da improvisação. As próximas etapas
acontecem após a nota ou notas terem sido executadas:
-
Etapa 04: lembrança em curto prazo. Nesta etapa, os eventos musicais realizados nos
últimos segundos podem ser lembrados, em um processo no qual a concentração é focada nos
eventos principais;
-
Etapa 05: é a lembrança de médio prazo. Nesta etapa, os eventos musicais que ocorreram
nos últimos 4, 8 ou 16 compassos podem ser lembrados para proverem um resumo preciso da frase
musical que foi executada.
-
Etapa 06: lembrança de longo prazo. Nesta etapa, o improvisador é capaz de recordar toda a
improvisação, desde sua origem até o presente momento.
-
Etapa 07: trata-se do estado de fluxo, em que o improvisador geralmente é capaz de
concentrar toda a sua atenção no momento em que está improvisando, “esquecendo” do que se
passa ao seu redor;
-
Etapa 08: trata-se de uma etapa que ocorre após o fim da execução musical, a partir de uma
construção que leva em conta uma espécie de relatório mental (ou parecer) das ideias musicais
empregadas para futuras improvisações, podendo elas ser reunidas a partir do que pode ser
lembrado. Por exemplo, uma nota não pretendida ou uma frase que o improvisador tenha criado
poderão ser usadas novamente em outra improvisação.
A figura 1 abaixo ilustra o modelo de improvisação criado por Kenny e Gellrich (2002):
10
Figura 1. Modelo de improvisação (Kenny & Gellrich, 2002. pp.125)
Para Gellrich (2002), a partir de entrevistas não publicadas com improvisadores experts, as
etapas mais utilizadas na prática da improvisação são a primeira (01), a segunda (02) e a sétima
(07).
Com relação ao ensino da improvisação, a literatura científica aponta duas abordagens
pedagógicas: a prática deliberada e a transcendência. A prática da improvisação envolve uma vida
de preparação no pensamento musical, para que músicos possam responder artisticamente, assim
como espontaneamente, durante as improvisações. Essa preparação se dá por meio da prática
deliberada. Trata-se de uma prática com fim específico de se adquirir uma habilidade improvisatória
e, por consequência, expertise (Weisberg, 1999; Pressing, 1998; Lehmann & Ericsson, 1997). A
literatura na área de cognição musical aponta maneiras em que o músico pode realizar a prática
deliberada no curso de sua vida musical, incluindo o trabalho em conjunto com um professor, a
absorção de exemplos de práticas improvisatórias (performances) de experts, estudos de teoria e
análise musical e o trabalho interativo com pares durante ensaios e apresentações (Kenny &
Gellrich, 2002).
Segundo os autores, um dos principais objetivos da prática deliberada é encorajar a expertise
improvisatória por meio da internalização de um intenso desenvolvimento de conhecimento base. A
11
diferença entre um improvisador expert e um não expert se mostra no quanto sofisticada,
automatizada e personalizada as estruturas improvisatórias se tornam. Improvisadores novatos, por
exemplo, tendem a acessar materiais de um conhecimento base de maneira literal, repetindo frases
aprendidas, ao passo que improvisadores experts são capazes de realizar conexões sofisticadas com
o material previamente aprendido. Para os músicos, essas conexões se desenvolvem por meio de
práticas deliberadas bem estabelecidas e rotineiras.
A transcendência pode ser entendida como um alto estado de consciência que se move além
dos limites do conhecimento base previamente adquirido pelo performer. Trata-se de um estado de
consciência que, como a prática deliberada, pode ser encorajado no início da formação do
improvisador, não precisando ser cultivado tardiamente até que o improvisador atinja estágios
avançados de desenvolvimento, como implica a prática deliberada. Contudo, a transcendência se
mostra mais difícil e complexa de ser estudada em forma de pesquisa.
Segundo Kenny e Gellrich (2002), os improvisadores necessitam dominar o hardware da
improvisação: padrões, melodias, progressões de acordes, modulações, condução de vozes,
contraponto e coordenação entre progressões de acordes e padrões melódicos. Após dominar o
hardware, o software da improvisação pode ser desenvolvido: regras sistemáticas que assistem à
construção de melodias, frases, ideias musicais mais amplas, trabalho com motivos melódicos e
estabelecimento de relações entre diferentes partes da improvisação. Ambos, hardware e software,
devem ser praticados sistematicamente e separadamente. Neste sentido, para os autores, o
improvisador deve manter sua prática deliberada atualizada e sofisticada, assim como aprender a
transcender, buscando novos elementos para sua improvisação.
O senso comum parece concordar que o jazz pode ser o método primário de ensino de
improvisação na cultura ocidental. Neste sentido, o binômio escala/acorde2 parece ser o caminho
mais usado para se alcançar altas habilidades improvisatórias neste contexto. Bastos e Piedade
(2006) afirmam que a bossa-nova, por exemplo, serve de apoio para a música instrumental
brasileira improvisada e essa dialogava com o jazz estadunidense. Portanto, é possível que na
música instrumental brasileira improvisada, experts utilizem elementos do blues em suas
improvisações dentro deste binômio.
Neste sentido, pode-se inferir a hipótese de que, durante a prática deliberada e focada para a
música instrumental brasileira improvisada, os experts possam dedicar uma parte de seus estudos ao
blues, ao ponto de utilizar elementos deste estilo musical como ferramentas em suas improvisações.
Esta hipótese é averiguada no curso do desenvolvimento deste trabalho.
2
O improvisador no jazz, cria melodias baseadas no encademanto de acordes. (Malson e Bellest, 1986).
12
2.4 Blues: aspectos históricos e definições
O blues é uma forma musical afro-americana que surgiu após a guerra de secessão nos
Estados Unidos3. Ao contrário do que é comumente visto, a origem geográfica do blues não se deu
no delta do rio Mississippi, nas vizinhanças da cidade estadunidense de Nova Orleans, mas sim, no
delta do rio Yazoo, região de pântanos e plantações de algodão (Muggiati, 2001). O blues surge em
um contexto social de pós abolição da escravatura nos Estados Unidos. Contudo, como em outros
países, o fim oficial da escravidão não se deu rapidamente de forma prática na vida dos ex-escravos.
Os negros, ainda vivendo em uma situação de marginalidade social, a comunidade
africana, que era densa, pobre e isolada, buscou de alguma maneira, formas de entretenimento.
Parte dela se concentrou na vida religiosa hibrída com tradições africanas e locais, dando origem ao
spiritual4, que por sua vez resultou no gospel; outra parte desta população se concentrou em
tradições musicais que deram origem ao blues.
Com relação ao desenvolvimento histórico da prática do blues, Mugiatti (2001) alega que
os negros trouxeram aos Estados Unidos sua expressão vocal básica, os hollers, gritos de
entonações incomuns de cunho religioso. Segundo o autor, por ordem dos seus donos, os escravos
não podiam possuir instrumentos de sopro e/ou percussão, fazendo com que as manifestações
musicais fossem estritamente vocais. Seguindo as tradições musicais africanas, esses escravos
cantavam suas músicas em diversas ocasiões, em especial, nas chamadas work-songs, canções para
ditar o ritmo do trabalho árduo, mas também em celebrações religiosas e de entretenimento.
Para Berendt e Huesmann (2014) os negros cantavam durante o trabalho pois era mais fácil
trabalhar, o ritmo das canções marcavam o ritmo do trabalho. Segundo Hobsbawm (1989) em sua
forma original o blues é essencialmente uma música acompanhada; mais precisamente uma música
antifônica, na longa tradição africana de canto e resposta.
Como se tratava de uma música estritamente vocal, as melodias percorriam intervalos
musicais que não necessariamente percorriam a distância de um tom e/ou semitom de acordo com o
sistema temperado5. Segundo Mugiatti (2001), foi por conta disso que surgiram as chamadas blue
notes, as notas características que dão a sonoridade típica do blues. Este autor afirma ainda que a
célula básica do blues é a própria blue note. Assim, ao cantarem as melodias tradicionalmente
africanas, os (ex) escravos percorriam linhas melódicas contendo três intervalos em destaque: uma
terça menor, uma quinta diminuta ou quarta aumentada e uma sétima menor. Quando tomaram
3
Considerada a primeira guerra moderna da história, a Guerra da Secessão (1861-1865) foi uma luta sangrenta que opôs
o Sul escravista e o Norte industrializado dos Estados Unidos. (Ameur, 2010).
4
Estilo musical surgido no fim do século XIX, caracterizadado por retomar cantos religiosos de tradição europeia com
costumes africanos (Malson e Bellest, 1986).
5
Sistema que divide uma escala do dó a dó em doze semitons iguais. (Medaglia, 2008).
13
contato com os instrumentos e com a teoria/harmonia musical europeia, essa tradição vocal passou
para os instrumentos e pôde ser traduzida em uma escala pentatônica menor contendo uma nota de
passagem, indicada por um círculo, entre o IV e o V grau da escala, conforme figura 2 abaixo:
Figura 2. Escala blues em dó (notação nossa).
Segundo Ottaviano (2014), a terça menor e a sétima menor dão a característica de modo
menor à escala acima ilustrada e a quarta aumentada, indicada acima através de círculo, é utilizada
como nota de passagem e possui nela a sonoridade típica do blues. Contudo, há também a escala de
blues maior. Nessa escala, parte-se do raciocínio de uma pentatônica maior6 e a nota de passagem
na escala de blues maior passa a ser uma nona aumentada (#9) ou, enarmonicamente, uma terça
menor (b3). Na escala de blues maior a nota de passagem, indicada na figura 3 abaixo, conterá a
sonoridade típica do blues. Sendo assim, a escala de blues maior será a escala pentatônica maior
somada a uma nota de passagem entre o grau II e III, conforme figura 3 abaixo:
Figura 3. Escala blues maior em dó (notação nossa)
Para Farias (2009), a diferença na utilização das escalas se dá no tipo de harmonia em que
ela será empregada. A escala de blues tradicional, por exemplo, costuma ser “usada em progressões
de blues maior ou menor”. Para Farias (2009), a escala de blues maior é usada apenas na progressão
harmônica I-IV-V, que será demonstrada adiante.
Segundo Wisnik (1989), outras tradições musicais utilizam escalas pentatônicas, formadas
por cinco notas, e foram encontradas na China, Indonésia, África e América, mas apenas a escala
blues utiliza essa nota de passagem no quarto grau aumentado (ou no quinto grau diminuto). Com
isso, esta escala leva o nome do estilo e pode ser atualmente encontrada com esse nome em diversos
6
A escala pentatônica maior pode ser encarada como um sendo a escala maior sem o 4º e o 7º graus ou como um arpejo
maior com sexta e nona (Farias, 2009)
14
livros de teoria e harmonia. Entretanto, além desta escala, existem outros elementos que
caracterizam o blues: a harmonia e a quadratura métrica/ritmo. Segundo Malson e Bellest (1989),
este estilo musical caracteriza-se, geralmente, por uma quadratura métrica de 12 compassos, uma
estrutura harmônica com um encadeamento específico de acordes e um aspecto melódio com
frequente emprego de notas facultativas conhecidas por blue notes.
A harmonia tradicional do blues é relativamente simples se comparada a outros estilos
musicais. Ao longo dos anos, o estilo se desenvolveu e novas possibilidades harmônicas surgiram a
partir do uso de substituições de acordes, inverções, modalismos e outros recursos. Contudo, a
harmonia tradicional do blues tem como base três acordes: aqueles formados sobre o grau I, IV e V
(Ottaviano, 2014). Porém, estes acordes não seguem as funções tradicionais da harmonia tonal,
sendo eles do tipo maior com sétima menor, o que, na música de concerto, como um exemplo mas
não somente, geralmente só ocorrem no V grau na harmonia tradicional (Schoenberg, 2011). A
figura 4 abaixo ilustra os três acordes acima mencionados e a maneira como são tradicionalmente
empregados no blues na tonalidade de dó maior:
Figura 4. Exemplo de harmonia tradicional no blues contendo os acordes I, IV e V em dó (notação nossa).
Além desse emprego dos acordes maiores acima demonstrados, há também o blues menor.
Para Rubin (1999), o blues se torna menor quando o grau I acima é substituído por um acorde
menor com a sétima menor. Para Rubin (1999), a substituição do grau V por graus IV e V menores
é facultativa e o caráter de blues menor se faz especificamente com a substituição do grau I acima
mencionada. Sendo assim, um exemplo de harmonia de um blues menor é demonstrado na figura 5:
Figura 5. Exemplo de harmonia tradicional de blues menor contendo os acordes Im, IV e V em dó (notação
nossa).
15
O terceiro elemento que caracteriza o blues é sua quadratura métrica e seu ritmo.
Estruturalmente, o blues acabou se fixando em uma forma bastante rigorosa: 12 compassos
divididos em três partes iguais dentro de um esquema do tipo A-A-B, com um acorde diferente
sublinhando cada parte. Para Eskridge (2014), essa quadratura métrica de 12 compassos possui três
formas mais usadas: o slow change blues, o fast change blues e o five chord blues. O slow change
blues é demonstrado na figura 6 abaixo:
Figura 6. Exemplo de progressão slow change blues (notação nossa)
O fast change blues se diferencia do slow change blues já no segundo compasso. No fast
change blues, o grau IV já aparece no segundo compasso e também no compasso 10. Nos
compassos 11 e 12, os três acordes aparecem em sequência antes de se retornar ao início da
convenção, como pode-se observar na figura 7 abaixo:
Figura 7. Exemplo de progressão fast change blues (notação nossa)
16
O terceiro tipo mais comum de blues seguindo a quadratura métrica de 12 compassos é o
five chord blues. Nessa convenção, além dos graus I, IV e V, também são usados os graus VI e II
antes de se chegar ao grau V no compasso 10, conforme observa-se na figura 8 abaixo:
Figura 8. Exemplo de progressão five chord blues (notação nossa)
O blues possui outras variações e convenções, como o blues de oito e/ou 16 compassos
(Ottaviano, 2014), com outros acordes que o aproxima do jazz, criando assim o jazzy blues,
exemplificado na figura 9 abaixo, que se caracteriza por um estilo que utiliza a mesma métrica,
ritmos e celulas rítmicas do blues mas com acordes geralmente utilizados no jazz (Rubin, 1999).
Figura 9. Exemplo de progressão jazzy blues (notação nossa)
Segundo o autor, outra variação de blues é o be-bop blues, que utiliza acordes com a
sétima maior dentro da estrutura blues, exemplificado na figura 10 abaixo.
17
Figura 10.. Exemplo de progressão be-bop blues (notação nossa)
Em relação ao ritmo, o blues geralmente está construído sobre um compasso 12/8 e sobre
uma acentuação rítmica denominada shuffle rythm (Muggiati, 2001). Para Ottaviano (2014)
(2014), o ritmo
no blues atende, em geral, à fórmula de compasso composto 12/8. No entanto, pode
pode-se também
escrevê-lo
lo em compasso simples 4/4, mas adotando imprescindivelmente o grupo rítmico de tercina
ter
de colcheia com quiáltera (grupo rítmico alterado), isto é, a figura colcheia passa a valer 1/3 de
tempo, tal como no compasso composto.
Para Rubin (1999) o shuffle pode ter se originado na tentativa de se imitar as células
rítmicas causadas pelos trens ao se movimentarem sobre os trilhos no sul dos Estados Unidos no
início do século. A célula rítmica shuffle é, na verdade, a principal célula no discurso musical do
blues, como pode-se
se observar na figura 9 abaixo:
Figura 11. Célula
ula rítmica típica do blues, o shuffle (notação nossa).
Em relação aos temas encontrados nas letras de blues,, de acordo com Berendt e Huesmann
(2014), mais da metade das letras de blues falam sobre amor. Contudo, como colocado pro
Muggiati (2001), o blues tratava em seu início também dos temas conte
contemporâneos
mporâneos aos seus
compositores. Trens, ferrovias e estradas utilizadas pelos negros do sul dos Estados Unidos para
fugirem para o norte do país também eram temas recorrentes. Bebidas, descobertas tecnológi
tecnológicas do
início do século e política também faziam parte do material literário que os compositores de blues
do início do século utilizavam. Conforme colocado por Muggiati (2001),
(2001) os únicos temas que não
18
faziam parte das letras nos blues eram os temas ligados à elite branca do início do século, uma vez
que pareciam não condizerem com a realidade dos negros que compunham blues.
Durante o seu processo de consolidação como estilo musical, o jazz recebeu forte
influência do blues, uma vez que teve suas raízes na música afro-americana do início do séc. XX e o
blues é considerado como uma das contribuições mais fabulosas da arte profana afro-americana
(Malson, 1989). Este fato pode ser corroborado ainda por Hobsbawm (1989):
O blues não é um estilo ou uma fase do jazz, mas um substrato permanente de todos os estilos; não
é todo o jazz, mas é o seu núcleo. Nenhum músico ou banda que não possa tocá-lo alcançará as
alturas das conquistas do jazz. E o momento em que o blues deixar de fazer parte do jazz será o
momento em que o jazz, como o conhecemos, deixará de existir (Hobsbawm, 1989, p.125).
Charlie Parker, ícone do jazz, também dá importância ao blues quando diz que “é uma
pena ver que muitos dos jovens músicos que estão começando a aparecer não conhecem ou se
esqueceram dos seus fundamentos: o blues. É a base do jazz” (Hobsbawm, 1989). Segundo o autor,
o blues mostrou ser uma base singularmente adequada para a improvisação individual ou coletiva
em jazz, vale dizer, para a composição jazzística. Berendt e Huesmann (2014) apontam que as
linhas melódicas do blues são amplamente usadas no jazz, fato que evidencia o quanto o jazz, em
sua universalidade, alimenta-se de elementos oriundos do blues, tratando-se ou não de um blues
padrão. Berendt e Huesmann ainda citam a opinião do pianista de jazz Billy Taylor sobre a
influência do blues no jazz:
Desconheço um único jazzista importante – antigo, recente, do período intermediário dos anos de
1930 ou do cool jazz – que não tenha manifestado grande respeito e afetividade pelo blues, tocasse
ele blues ou não. Ou o espírito do blues estava presente em sua forma de tocar ou ele não era
realmente um grande jazzista (Berendt e Huesmann, 2014, p.196).
No Brasil, o blues propriamente dito teve seus primeiros grupos musicais formados a partir
da década de 1970. Antes disso, de acordo com Muggiati (2001), o blues que chegava ao Brasil
vinha de forma indireta, com os grupos musicais de baile de jazz da década de 30, no primeiro
festival de jazz no Brasil realizado em 1956, ou embutido no rock n’ roll estadunidense que chegou
ao Brasil na década de 50/60 ou ainda com o rock britânico da década de 60. Festivais de jazz no
fim da década de 70 e início da década de 80, como o São Paulo Jazz Festival, Rio-Monterey ou o
Free Jazz trouxeram ao Brasil nomes do blues como John Lee Hooker, B.B. King, Albert Collins
dentre outros.
Em 1989 na cidade de Ribeirão Preto aconteceu o primeiro festival exclusivo de blues
(Muggiati, 2001) que contou com a participação de nomes conhecidos do blues como Buddy Guy,
Junior Wells e Etta James, além dos brasileiros André Christovam e o grupo de blues Blues Etílicos.
19
No fim da década de 1980, André Christovam, Celso Blues Boy e o angolano radicado no Brasil
Nuno Mindelis se consolidaram como nomes conhecidos no cenário brasileiro de blues e artistas
que possuem no blues influências musicais. O multi-instrumentista Ed Motta e o grupo musical
Barão Vermelho também contribuíram para colocar o blues em voga no Brasil (Muggiati, 2001).
2.5. Música instrumental brasileira improvisada
Bahiana (1979) define música popular brasileira instrumental como “formas musicais
cunhadas na informação do jazz e à geração de seus praticantes, os instrumentistas dispersos da
bossa-nova e o desinteresse do mercado e da indústria fonográfica”. Bastos e Piedade (2006) afirmam
que uma característica específica da música instrumental brasileira é o fato de ela excluir a letra e o
cantor. Rodrigues (2006) reforça esta questão:
Então, podemos, em princípio e de forma bem generalizada, considerar a música popular
instrumental brasileira como uma música destinada ao entretenimento, podendo englobar grande
variedade de gêneros e estilos, e as peças musicais em geral apresentam curta duração, podendo
infringir estes limites e tangenciar com a música de concerto, em especial quando o conteúdo musical
chega a um grau maior de sofisticação estética e complexidade formal (Rodrigues, 2006, pp.12).
Para Bastos e Piedade (2006), o desenvolvimento inicial da música instrumental brasileira
improvisada, que segundo os autores também é jazz brasileiro principalmente no cenário
internacional, inicia nas raízes da música popular brasileira, a modinha e o lundu, sendo ambas
consideradas como ponto pacífico entre os musicólogos como origem da música popular brasileira. A
modinha brasileira teria uma característica rítmica acentuada que lhe é vital e é compartilhada em
outras vertentes da música popular brasileira. Para Bastos e Pieadade (2006), é relevante ressaltar que
a modinha não é música instrumental. Contudo, possui um lirismo melancólico que constitui uma
faceta da musicalidade brasileira que se faz presente em outras vertentes, como o choro e a própria
música instrumental brasileira improvisada, aparecendo em temas e improvisos.
Para Alvarenga (1950), o lundu deu à música brasileira características musicológicas
importantes, como a sistematização da síncope e o emprego da sétima abaixa, ou seja, acordes de
sétima menor. Esta autora, que cita o lundu e a modinha como estilos musicais importantes para o
desenvolvimento da música instrumental brasileira improvisada, atribui especial importância ao
choro, vertente da música brasileira improvisada muito praticada até o presente. Para Bastos e
Piedade (2006), em termos formais, o choro tem normalmente três partes em forma rondó (ABACA)
e se caracteriza por ser necessariamente modulante. Com a prática do choro, consolida-se uma
aproximação da música brasileira instrumental improvisada com o jazz.
20
Como colocado por Bastos e Piedade (2006), um aspecto comum entre o jazz e o choro é,
sem dúvida, a improvisação generalizada e o caráter de interação entre os músicos na perfomance da
música instrumental. Os autores apontam ainda a forma do improviso como uma atividade
diretamente ligada à prática do jazz norte-americano, muito embora diferenças peculiares distinguem
um de outro: enquanto no choro o improviso deve ser entendido como uma variação da melodia do
tema principal, no jazz norte-americano, o improviso é muito mais a criação de novas melodias sobre
uma harmonia fixa (Bastos e Piedade, 2006).
Durante o desenvolvimento de uma das fases da música instrumental brasileira improvisada
surgiu a bossa nova. Considera-se essa fase apenas como uma das fases da música instrumental
brasileira improvisada, uma vez que o choro (que é mais antigo do que a bossa-nova) também possui
improvisação. Contudo, como colocado por Bastos e Piedade (2006), a improvisação no choro é
diferente da improvisação no jazz, que acabou influenciando essa música instrumental brasileira
improvisada. O improviso no choro deve ser entendido como uma variação da melodia do tema
principal. No jazz, o improviso está mais ligado a ciração de novas melodias em cima de uma
harmonia fixa. No choro, o solista improvisador toca a melodia com liberdade para interpretá-la,
floreá-la, variá-la, mas deve se preocupar em manter seus traços temáticos sempre claros (Bastos e
Piedade, 2006).
Com início no anos 50, no Rio de Janeiro, a bossa nova uniu cantores, instrumentistas e
compositores amantes do jazz estadunidense, da música brasileira e da música de concerto de tradição
européia. Para Bastos e Piedade (2006) a influência do jazz na bossa-nova é reconhecida pelos
próprios bossanovistas. Contudo, a bossa nova possui raízes também estabelecidas na própria música
brasileira e ao mesmo tempo em que ela tornava-se conhecida em todo mundo, toda uma geração de
instrumentistas influenciados pelo jazz se envolvia com esse gênero.
Segundo Bastos e Piedade (2006), instrumentistas formavam grupos que tocavam um
repertório de bossa nova e jazz instrumental, muitos inclusive utilizando-se de uma formação clássica
de jazz trio, com piano, contrabaixo e bateria. É nesse universo instrumental da bossa nova que surge
a música instrumental brasileira improvisada, que cresceu, portanto, apoiando-se, portanto, menos no
choro e mais na bossa nova, aí destacando o encontro deste estilo musical com o jazz estadunidense.
O encontro real entre Stan Getz e João Gilberto simboliza um diálogo entre as musicalidade da bossa
nova e do jazz, que para Bastos e Piedade (2006) é uma das características fundamentais da música
instrumental brasileira improvisada. Uma outra característica peculiar da música instrumental
brasileira é a exclusão do uso da letra. Apesar de a voz ser utilizada na música instrumental brasileira,
ela é empregada como um instrumento. Como apontado por Bastos e Piedade (2006), há obras que
utilizam a voz como instrumento, sem se preocupar com a letra, como Mundo verde esperança, de
Hermeto Pascoal ou Meu Brasil, de Teco Cardoso. Na música instrumental, a voz é utilizada como
21
instrumento, dobrando a melodia ou fazendo contracantos, o que parece deixar o cantor no mesmo
patamar hierárquico que os outros instrumentistas.
2.6 Influências do blues na música instrumental brasileira improvisada
Alguns métodos de ensino de improvisação em música brasileira publicados na última
década parecem dedicar capítulos exclusivos a utilização da escala pentatônica e de sonoridades do
blues. Este fato pode ser encontrado nas obras do músico brasileiro e autor de livros didáticos de
música brasileira Nelson Faria, em seus livros intitulados A arte da improvisação (2009) e Acordes,
arpejos e escalas para violão e guitarra (2009). Este fato também pode ser identificado nos livros
intitulados Harmonia e Improvisação (volumes I e II) de Almir Chediak (2009). Tais obras vêm
sendo utilizadas em escolas de música e conservatórios brasileiros e esta parece ser uma primeira
pista relacionada ao fato de que a escala blues é utilizada na música instrumental brasileira
improvisada.
Neste sentido, Chediak (2009) propõe o uso da escala blues sobre acordes dominantes,
conforme figura 4 abaixo:
Figura 12. Utilização da escala blues em acordes dominantes (Chediak, 2009. pp. 345).
Segundo o autor, quando da utilização de um acorde dominante (sendo ele primário e/ou
secundário), faz-se possível a utilização da escala blues na improvisação.
Assim como os livros didáticos, a literatura científica parece apontar novamente uma
conexão mais próxima entre o blues e a bossa-nova, a partir do fato de que os artistas que iniciaram
a bossa-nova tiveram, de alguma forma, algum tipo de contato com o blues. A quadratura métrica, o
ritmo, a escala e a harmonia do blues não aparecem em sua integralidade nas composições de bossanova. Contudo, é razoável a ideia de que o blues fez parte, em algum nível, como elemento
22
formador da bossa-nova, como colocado pelo professor da universidade de Georgetown, Bryan
McCann:
(...) considerando-se a pesquisa do mundo do jazz no Rio de Janeiro no final dos anos 50 e início
dos anos 60, revela-se a profunda influência do blues na explosão da bossa nova naquele mesmo
período. A exploração dessa influência ajuda a iluminar a estrutura da bossa nova, explica por que
os músicos de jazz dos Estados Unidos se apegaram à bossa com tanto entusiasmo e leva em
consideração algumas suposições sobre gênero existentes há muito tempo (McCann, 2010, p.14).
Para Bahiana (1979) o último grande momento da música instrumental no Brasil havia sido
a bossa-nova. A origem da música instrumental brasileira improvisada está atrelada à bossa-nova.
Formações de grupos que posteriormente se destacariam na execução de música instrumental
brasileira improvisada, se deu nesse período e/ou após ele, levando-se em consideração que a bossanova encontrou seu auge entre os anos de 1958 e 1962 (Gava, 2002). Entretanto, o objetivo desse
trabalho não é realizar os apontamentos de influência direta do blues na bossa-nova, mas sim a
utilização do blues na música instrumental brasileira improvisada.
Para Bastos e Piedade (2006), a música instrumental brasileira improvisada tem como uma
de suas características fundamentais uma proximidade com o jazz estadunidense. Como já apontado
nesse trabalho, o blues foi uma das bases originadoras do jazz estadunidense e por isso, indiretamente
faz parte da música instrumental brasileira improvisada. Esse ponto é retomado na discussão final do
presente trabalho, fazendo-se a ligação entre os temas aqui expostos e as análises dos trechos
selecionados de música instrumental brasileira improvisada que contêm elementos estruturais do
blues em suas execuções.
2.7. Zimbo Trio e o CLAM
De acordo com Suzigan (2006), o Zimbo Trio é um grupo de instrumentistas de música
instrumental brasileira. A formação original do grupo, que permaneceu a mesma por 37 anos, de 1964
até 2001, era composta por Amilton Godoy, Luiz Chaves e Rubens Alberto Barsotti.
Amilton Godoy, pianista, compositor e arranjador, nasceu em Bauru em 2 de março de 1941,
Estado de São Paulo. Pertencente a uma família de músicos, possui dois irmãos (Adilson e Amilson
Godoy), ambos pianistas, compositores e arranjadores no cenário musical brasileiro. Em São Paulo,
Amilton completou sua formação musical na Escola Magdalena Taglaferro, com a professora Nellie
Braga e com a pianista que dá nome a escola. Nessa escola, ele estudou técnica pianística e
interpretação. Em relação ao jazz e à música popular, segundo coloca Suzigan (2006), Amilton teve
23
formação autonôma, ouvindo discos de pianistas estadunidenses como Bud Powell, Horace Silver,
Thelonius Monk, Oscar Peterson, Bill Evans e Chick Corea.
Luiz Chaves nasceu em Belém do Pará em 27 de agosto de 1931, iniciou os seus estudos de
música com seus pais e irmãos mais velhos. A escolha pelo contrabaixo veio através da admiração
pelo instrumento ao ouvir as gravações do trio de Nat King Cole e do quarteto do Maestro Radamés
Gnatalli. Transferindo-se para São Paulo, estudou contrabaixo com Maurício Ferreira, primeiro
contrabaixista da Orquestra Sinfônica Municipal (Suzigan, 2006).
Rubens (Rubinho) Alberto
Barsotti nasceu em São Paulo em 16 de outubro de 1932 Adquiriu interesse pela bateria ouvindo
ritmistas estadunidenses de jazz como Art Blakey, Buddy Rich, Jo Jones, Kenny Clark, Max Roach,
Philly Jo Jones e Sidney Catlet, que o influenciaram em seu desenvolvimento como músico
autodidata (Suzigan, 2006).
De acordo com Suzigan (2006), a idéia inicial de formar o grupo de música instrumental
brasileira Zimbo Trio aconteceu em 1963, durante uma turnê de Rubens Alberto Barsotti e Luiz
Chaves em Portillo, no Chile. Ao voltar ao Brasil, Rubens e Luiz Chaves passaram a tocar com o
pianista Moacyr Peixoto na Boite Baiúca. Com a saída desse pianista, Amilton Godoy foi convidado,
originando-se assim o Zimbo Trio. Além de executar suas próprias composições, o grupo fez
releituras de canções para música instrumental de diversos artitas brasileiros, como por exemplo Tom
Jobim, Milton Nascimento, Edu Lobo, Chico Buarque, Baden Powell, Carlos Lyra, Gilberto Gil, João
Bosco, Djavan, Ary Barroso, Pixinguinha, Ivan Lins, Francis Hime, Egberto Gismonti, Hermeto
Pascoal, Luis Bonfá, Johnny Alf, Durval Ferreira, Bororó, Noel Rosa, Nelson Cavaquinho e VillaLobos. Em virtude do falecimento de Luiz Chaves em 2007, o Zimbo Trio continou suas atividades
com uma nova formação, sendo o integrante original Amilton Godoy ainda o pianista, Mario
Andreotti o contrabaixista e Pércio Sápia o baterista. Atualmente, Amilton Godoy ainda se apresenta,
mas sem utilizar o nome Zimbo Trio (Suzigan, 2006), devido a desentendimentos com a família do
baterista Rubens Barsotti em relação aos direitos de uso do nome Zimbo Trio.
Além da contribuição à música popular brasileira instrumental propriamente dita, o Zimbo
Trio contribui para a formação dos músicos brasileiros. Em 1973 os músicos integrantes do Zimbo
trio fundaram, em conjunto ao baterista João Rodrigues Ariza, o CLAM – Centro Livre de
Aprendizagem Musical (Suzigan, 2006). Na epóca da fundação do CLAM, os conservatórios de
ensino de música no Brasil possuíam uma divisão muito rígida entre música popular brasileira
(excluída dos conservatórios) e a música de tradição europeia. O CLAM surgiu para suprir essa
lacuna no ensino da música popular brasileira instrumental e, como coloca a autora, oferecia
ambiente diferente aos tradicionais da época:
O CLAM caracterizou-se por apresentar um ambiente extremamente musical. Não era raro encontrar
e escutar músicos importantes do cenário artístico nacional e internacional. Músicos de outros países
24
que estavam em nosso país fazendo shows, visitavam a escola e tinham um grande interesse em
conhecer sua metodologia, ouvir alunos e professores e tocar com o Zimbo Trio (Suzigan, 2006, p.
36).
Outra citação da mesma autora sobre o CLAM:
Um dos objetivos principais do CLAM era desenvolver no aluno a capacidade de compor, de criar
seus próprios arranjos. Não era objetivo da escola que todos os alunos tocassem do mesmo jeito, mas,
que, ao tocarem a mesma música utilizando os mesmos elementos e nível prático-teórico,
apresentassem resultado e sonoridade diferentes. Todos os alunos com um pouco de interesse e
dedicação eram capazes de desenvolver uma forma própria de tocar e apresentar um bom
desempenho, construindo o conhecimento desde o início do processo de ensino-aprendizagem.
(Suzigan, 2006, p. 53).
O CLAM continua ativo e atualmente é dirigido pelo pianista e fundador da escola Amilton
Godoy. De acordo com Suzigan (2006), o CLAM é responsável pela educação e formação musical de
mais de 15 mil alunos. O surgimento do CLAM coincide com o surgimento da música popular
instrumental brasileira, quando compara-se a data de fundação da escola com os trabalhos redigidos
por Bahiana (1979) e Bastos e Piedade (2006): o movimento de música instrumental pós bossa-nova
que se expandiu e desdobrou-se após a década de 1960 no Brasil. O CLAM e consequentemente o
Zimbo Trio deixaram como herança um rico material de ensino e aprendizagem de música popular
brasileira instrumental (Suzigan, 2006).
2.8. Propósito da presente pesquisa
A revisão da literatura do presente trabalho contemplou termos que fazem uma conexão, no
sentido de estabelecer-se os propósitos teóricos para a realização da presente pesquisa. Foram eles: a
definição do conceito de expertise e expert, um modelo proposto para a prática da improvisação (o de
Kenny e Gellrich, 2002) oriundo do jazz norte-americano, a apresentação de aspectos históricos do
blues (bem como de seus aspectos estruturais) e da música popular brasileira improvisada e,
finalmente, um breve histórico sobre o Zimbo Trio, Amilton Godoy e o CLAM, curso de música
voltado à prática da música popular brasileira improvisada, criado pelos integrantes desse grupo. Essa
conexão contribui para o entendimento do objetivo geral dessa pesquisa, que é verificar como os
elementos estruturais do blues são utilizados em improvisações do Zimbo Trio e, a partir dos
pressupostos do modelo de Kenny e Gellrich, pretende-se identificar estratégias cognitivas que visem
a aplicação desses elementos para a aquisição de expertise musical na prática da música popular
brasileira improvisada.
25
3. METODOLOGIA
O delineamento da presente pesquisa é documental. Gil (1994) define a pesquisa
documental como aquela que vale-se de materiais que ainda não receberam um tratamento analítico,
ou que ainda podem ser reelaborados, de acordo com os objetivos da pesquisa, tais
como:documentos oficiais, reportagens de jornal, cartas, contratos, diários, filmes, fotografias,
partituras musicais, gravações, entre outros. Nesta pesquisa, foram feitas transcrições de cinco
improvisos realizados por Amilton Godoy em performances do Zimbo Trio, no intuito de verificar
de que maneira as estruturas do blues são pensadas e utilizadas no discurso musical do pianista em
questão. Os materiais a serem analisados são descritos a seguir.
3.1 Material musical a ser analisado
A tabela 1 abaixo ilustra o material musical selecionado para as análises do presente
estudo:
TABELA 1. TÍTULO DAS OBRAS ESCOLHIDAS PARA ANÁLISE NO PRESENTE ESTUDO,
BEM COMO OS ÁLBUNS QUE ELAS INTEGRAM, O ANO E SEUS RESPECTIVOS
COMPOSITORES
Música
Álbum
Ano
Compositores
Caminhos Cruzados 1995 Tom Jobim e Vinícius de Moraes
1.
Garota de Ipanema
2.
Samba de Uma Nota Só
Zimbo Trio
1965 Tom Jobim e Newton Mendonça
3.
Triste
Zimbo Trio
1965
Tom Jobim
4.
Balanço Zona Sul
Zimbo Trio vol. II
1966
Tito Madi
5.
Brigas Nunca Mais
Caminhos Cruzados 1995
Tom Jobim
Este trabalho faz parte de um projeto de pesquisa intitulado “Aquisição de expertise
musical no piano brasileiro improvisado”, desenvolvido pelo professor Danilo Ramos junto à
UFPR, líder e fundador do GRUME (Grupo de pesquisa em música e expertise). Trata-se de um
projeto do tipo “guarda-chuva”7 que engloba uma série de outros subprojetos de alunos de pósgraduação (níveis mestrado e doutorado) e graduação (contemplando trabalhos de iniciação
7
Os projetos de pesquisa do tipo guarda-chuva referem-se aos projetos de pesquisa criados pelos docentes de
instituições públicas, visando a produtividade científica no decorrer de seus planos de carreira em suas respectivas áreas
de atuação, conforme normas da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
26
científica e trabalhos de conclusão de curso, como este). Como parte desse projeto guarda-chuva, o
presente trabalho foi desenvolvido em parceria com o aluno Gustavo Aleixo Derenievicz e seu
projeto de iniciação científica intitulado “modelos cognitivos aplicados a estratégias de
improvisação em performances musicais de Amilton Godoy”. As transcrições utilizadas para a
mensuração dos objetivos da presente pesquisa foram feitas a partir do projeto de iniciação
científica do aluno Gustavo, enquanto que a revisão sistemática delas foram feitas por mim, com o
auxílio do professor Danilo. Enquanto o projeto do aluno Gustavo buscava mapear todos os
parâmetros de estrutura musical (contornos melódicos, sequências harmônicas, desenvolvimento do
percurso rítmico, dinâmicas, dedilhados, etc.) empregados por Amilton Godoy em suas
improvisações, este projeto se concentrou especificamente ao uso de parâmetros estruturais
relacionado ao blues, a partir da hipótese de que este estilo musical possa estar bastante relacionado
com o resultado da sonoridade musical obtida pelo pianista em questão. Os cinco solos escolhidos
para a análise foram selecionados a partir de atividades prévias de escuta musical. Nessas
atividades, feitas em conjunto, foi identificada uma forte influência do blues na improvisação de
Amilton Godoy nos cinco solos selecionados.
3.2 Materiais e equipamentos
Foi utilizado um computador da marca ACER modelo Aspire, para escuta, seleção,
manipulação, edição, transcrição e análise dos trechos musicais. O software Transcribe 8® foi
utilizado para as transcrições dos trechos musicais selecionados e o software Finale 2014® foi
utilizado para a editoração das transcrições.
3.3 Análise de dados
As obras escolhidas para a análsie descritas na tabela 1 acima, consituem-se de quatro
interpretações do Zimbo Trio de composições de Tom Jobim e uma interpretação de Tito Madi.
Jusfica-se a escolha das peças analisadas pelo fato de estarem inseridas dentro de um mesmo estilo
musical, bossa-nova, e por possuírem semelhanças quanto a parâmetros de estrutura musical, como
andamento, dinâmicas, contornos melódicos, entre outros. A transcrição completa das obras,
dispostas no Anexo 01, deu-se através da escuta dos improvisos em velocidade reduzida em 50% a
75% utilizando-se do software Transcribe 8®. As obras foram transcritas no software Finale 2014®
e após, verificadas e revisadas mais uma vez utilizando-se o software Transcribe 8®.
27
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
4.1 Análise das transcrições.
A análise das transcrições dos improvisos selecionados foram realizadas com o objetivo de
encontrar elementos estruturais do blues identificados nas atividades prévias de escuta destes
improvisos para, em seguida, estabelecer a relação entre a expertise, blues e música brasileira
instrumental improvisada, utilizando-se dos pressupostos de Kenny e Gellrich (2002). Tais
elementos estão destacados na apresentação dos trechos musicais retirados das transcrições. Além
disso, há ainda a indicação de qual elemento do blues está presente em cada trecho. Apesar de
alguns pequenos trechos dos improvisos selecionados terem sido realizados a partir de estruturas
harmônicas em bloco, isto é, estruturas verticais harmônicas construídas a partir da nota da melodia
do solo, foram consideradas, para efeito de análise, apenas as notas da melodia executada por
Amilton Godoy, uma vez que as estruturas em blocos não costumam ser executadas da mesma
maneira no blues.
O primeiro improviso analisado foi o de Garota de Ipanema. Nesse improviso, Amilton
Godoy utilizou a escala blues em Fá, nos compassos 5 até 10 e a escala de blues em Sol, presente
nos compassos 11, 12 e 13, como observado na figura 13 abaixo.
Figura 13 - análise do trecho da transcrição de um improviso executado por Amilton Godoy sobre o tema Garota de
ipanema (notação nossa)
28
Observa-se nesse improviso, demonstrado na figura 13, que Amilton Godoy utiliza a escala
blues não apenas sobre um acorde específico, mas sim por toda uma sequência de acordes, em uma
cadência tradicional do jazz, a cadência IIm – V7 – I7M. A escala de fá blues maior se caracteriza
pela passagem da terça menor (ou #9) para a terça maior dentro da escala. Ritmicamente, observase que ele utiliza majoritariamente colcheias na execução da escala. Notam-se também acentos em
algumas notas, mas sem padrão definido. A escala de sol blues caracterizou-se pelo uso da quarta
aumentada e também o uso da passagem da terça menor (ou #9) para terça maior, ou seja, aqui
Amilton Godoy utiliza tanto a quarta aumentada como nota de passagem como também a passagem
entre terça menor para terça maior. Nota-se também o uso majoritário de colcheias. Em ambos os
usos das duas escalas blues neste improviso, Amilton Godoy utiliza a região média do piano em sua
a execução.
O segundo improviso analisado foi o executado na música Samba de uma nota só. EM um
trecho desse improviso, Amilton Godoy utilizou já no primeiro compasso uma escala blues em dó,
caracterizada pela passagem da quarta aumentada, conforme a figura 14 abaixo:
Figura 14 - análise do trecho da transcrição de um improviso executado por Amilton Godoy sobre o tema Samba de
uma nota só (notação nossa)
Nota-se que a nota mi, segunda nota do improviso, é natural, o que demonstra que Amilton
Godoy usa a terça maior da escala de dó blues, mas não como nota de passagem. Percebe-se ainda
que não há acentuação semínimas são majoritariamente empregadas nessa passagem, que é efetuada
na região média do piano. Após esse momento inicial do improviso, Amilton Godoy volta a utilizar
a escala blues menor nos compassos 28 e 29, dessa vez em lá, que também se caracteriza pela
quarta aumentada nesse improviso, executado em uma região mais aguda do piano. Ritmicamente,
colcheias foram utilzadas nesse improviso, sem acentuação.
29
O terceiro improviso analisado foi o da música Triste. Nesse improviso, não foi encontrado
nenhum elemento estrutural do blues. Contudo, há em alguns trechos do improviso o uso de
tercinas, que podem indicar alguma presença do shuffle, conforme observado na figura 15 abaixo:
Figura 15 análise do trecho da transcrição de um improviso executado por Amilton Godoy sobre o tema Triste
O quarto improviso analisado foi na música Balanço zona sul, conforme indica a figura 16
abaixo:
Figura 16 - análise do trecho da transcrição de um improviso executado por Amilton Godoy sobre o tema Balanço zona
sul (notação nossa)
30
Nesse improviso, foi encontrado o uso da escala blues maior em fá, nos compassos 7 e 8,
assim como nos compassos 16 e 17, ambas caracterizadas pelas passagem de terça menor para terça
maior. A escala é usada majoritariamente utilizando-se colcheias e sem acentuação nos compassos 7
e 8 e nos compassos 16 e 17, observa-se o uso das tercinas, o que indica o uso da célula rítmica
típica do blues, o shuffle. Observa-se também o uso da escala blues maior em fá em uma cadência
tradicional do jazz, a cadência IIm – V7 – I7M, tanto de fá (compassos 16 e 17) como em si bemol
(compasso 7 e 8). Nesse improviso, também se encontrou o uso da escala blues maior em sol, nos
compassos 14 e 15, caracterizada tanto pela passagem de terça menor para terça maior, quanto pela
passagem na quarta aumentada, executada sobre um acorde de sol maior com sétima menor (acorde
dominante). A passagem é executada majoritariamente em colcheias com uma execução em tercinas
em semínima. Ambas as escalas são executadas em regiões médias do piano.
Por fim, o último improviso analisado foi o de Brigas nunca mais, conforme indica a
figura 17 abaixo:
Figura 17 - análise do trecho da transcrição de um improviso executado por Amilton Godoy sobre o tema Brigas nunca
mais (notação nossa)
31
Já no início do improviso, nos compassos 1, 2 e 3, Amilton Godoy utilizou a escala blues em
dó, demonstrado pelo uso da quarta aumentada e também da terça menor, o mi bemol. Nesse
improviso, há a presença do shuffle por meio do uso de uma tercina durante a passagem do
improviso. Após isso, nos compassos 21 e 22 ele volta a utilizar escala blues maior, mas em fá,
caracterizada pela passagem de uma quarta aumentada e a passagem da nona aumentada ou terça
menor para uma terça maior. Ambas as escalas são executadas majoritariamente pelo uso de
colcheias.
4.2 Discussão
O ponto considerado como o mais importante a ser levado em conta a partir das análises dos
solos acima que visam a formação de músicos experts na prática do improviso da música popular
instrumental brasileira são as restrições internas e externas colocadas por Kenny e Gellrich (2002).
Considerando-se o referencial interno da base de conhecimento como sendo o mais relevante
para o improviso, de acordo com Kenny e Gellrich (2002), esta bagagem de conhecimento
previamente adquirido mostra que o improvisador traz para a improvisação materiais musicais,
excertos, repertórios, habilidades secundárias, estratégias de percepção, estratégias para resolução
de problemas, memória hierarquizada de estruturas e esquemas e programações motoras
generalizadas. Essa base de conhecimento envolve tipicamente uma internalização de material
fonte/base, que é idiomático em relação ao estilo musical a ser trabalhado. Nesse sentido, é possível
inferir-se que alguns elementos estruturais do blues, como a escala blues e a célula rítmica típica do
blues, o shuffle parecem fazer parte da base de conhecimento do pianista Amilton Godoy, uma vez
que ele os utilizou da maneira pontual em seus improvisos. Nesse sentido, parece que o domínio
técnico de alguns parâmetros desse estilo musical fazem parte de seu vocabulário improvisatório,
que conta, além do blues, com várias outras escalas e técnicas de improvisação (como a montagem
de improvisos a partir de estruturas de acordes em bloco, por exemplo).
Em relação às restrições externas do improvisador, como colocado por Kenny e Gellrich
(2002), existem os referenciais socioculturais, que irão influenciar a improvisação de alguma
maneira, ou seja, a maneira com que o conhecimento sobre improvisação e o material
improvisatório é empregado irá constituir a maneira de o improvisador tocar. Os autores ainda
apontam duas funções desses referenciais que têm fundamental importância na prática da
improvisação musical: a habilidade de limitar as escolhas improvisatórias de acordo com diretrizes
apropriadas a cada estilo musical e o papel que o ouvinte exerce durante a improvisação. Observase que alguns parâmetros estruturais do blues são empregados por Amilton Godoy nos improvisos
32
do Zimbo Trio com parcimônia, mesmo que usados em improvisos diferentes e momentos
diferentes de uma mesma música. Pode-se inferir que o improvisador em questão tenha limitado
suas escolhas improvisatórias em função da sonoridade a ser obtida sobre o estilo musical em que
está tocando.
O Zimbo Trio não é reconhecido pela indústria fonográfica como sendo um trio de blues,
mas sim, um trio de música instrumental brasileira improvisada, ou jazz brasileiro. Por isso,
acredita-se que os elementos estruturais do blues tenham sido empregados nos improvisos
analisados de maneira cuidadosa a ponto de não descaracterizar a linguagem dos temas a serem
apresentados, que são internacionalmente reconhecidos pela indústria fonográfica como temas de
bossa nova. Assim, a maneira pela qual as escalas blues são usadas nos improvisos não
descaracteriza o estilo musical a ser executado, mas mesmo assim, faz com que a sonoridade do
blues apareça nos improvisos, dando o sotaque peculiar a eles. Os resultados desta pesquisa
parecem indicar que o uso de uma escala qualquer, sendo ela de blues ou não, parece não
caracterizar completamente o estilo musical em questão. Entretanto, é possível inferir-se que o uso
de uma escala de um determinado estilo musical em um improviso pode ser uma das ferramentas
para caracterizá-lo. Acredita-se que o uso de uma determinada escala musical aliado à maneiras
peculiares de ela ser tocada pode contribuir para a identificação de um estilo musical.
Para se tornar expert em um estilo musical, acredita-se que o músico deva levar em
consideração sua experiência de escuta e envolvimento musical com este estilo. Nesse sentido,
conforme apontam Kenny e Gellrich (2002) sobre as restrições temporais externas do improviso,
essa experiência de escuta promove a enculturação (mas no presente caso, do tipo musical), definida
por Hoebel e Frost (1999) como o processo pelo qual o indivíduo aprende e assimila os padrões de
uma cultura. Pode-se inferir, portanto, que uma intensa experiência de escuta musical pode
contribuir para que um músico de torne expert no estilo proposto. Tal enculturação pode ser
contemplada pelo acesso facilitado aos meios de comunicação e recursos tecnológicos atuais no
qual o músico dispõe, como vídeos e performances disponíveis por meio da rede mundial de
computadores.
A partir dos resultados obtidos na presente pesquisa, sugere-se a seguinte proposta
pedagógica: para se utilizar alguns elementos estruturais do blues como ferramentas para a
aquisição da expertise no intuito de se improvisar de modo a buscar a sonoridade obtida por
Amilton Godoy, o músico deve estudar a escala blues, tanto a tradicional quanto a maior, pois
observou-se que ambas foram utilizadas pelo pianista em seus improvisos, em algumas vezes de
maneira misturada. Sugere-se, assim, durante o seu estudo liberado, que o músico atribua uma
atenção especial ao uso da quarta aumentada e de passagens de terça menor para maior em uma
mesma frase. O estudante pode, então, criar essas frases e estudá-la de maneira a adquirir esta
33
restrição temporal interna proposta por Kenny e Gellrich (2002). Tais escalas poderão ser usadas
nos improvisos sobre acordes isolados ou sobre uma cadência, tendo o cuidado de empregá-las no
máximo por cinco compassos, de modo a não descaracterizar a sonoridade pretendida. Sugere-se,
ainda, que o improvisador realize uma frase com o uso da escala blues e, logo em seguida, busque
outra alternativa de linguagem para sua improvisação, para que os referencias socioculturais
externos (Kenny e Gellrich, 2002) sejam preservados. Finalmente, uma última sugestão impica no
estudo deliberado de passagens com o uso de tercinas, visando a sonoridade do shuffle em seus
improvisos, também de madeira moderada, como observou-se nas transcrições dos solos
selecionados para a presente pesquisa.
34
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
O objetivo desta pesquisa foi verificar como os elementos estruturais do blues são utilizados
em improvisações do Zimbo Trio. Ela foi desenvolvida em três etapas: (1) revisão da literatura
sobre improvisação e expertise e suas possíveis aplicações na música instrumental brasileira
improvisada, procurando a definição de conceitos e explanação histórica deste estilo musical; (2)
seleção de cinco solos de improvisação do Zimbo Trio que contenham elementos estruturais
característicos do blues; (3) Transcrição e análise rítmica, harmônica e melódica desse material
musical, buscando-se verificar como a aplicação de elementos característicos do blues nos solos
selecionados é realizada. A partir dos pressupostos do modelo de Kenny e Gellrich, algumas
estratégias cognitivas foram identificadas no intuito de aplicar, de maneira adequada, os elementos
estruturais do blues para a aquisição de expertise musical em improvisos semelhantes ao de Amilton
Godoy: o conhecimento previamente adquirido pelo músico a partir de restrições temporais internas
na prática da improvisação, que no presente estudo foram identificados como o uso das escalas
blues (tradicional e maior) e o uso de tercinas para dar a sonoridade shuffle e a comunicação
expressiva do pianista com os seus ouvintes, de modo a não comprometer o entendimento da
linguagem musical a ser desenvolvida em suas performances: a não descaracterização de temas
reconhecidos internacionalmente pela indústria fonográfica como temas de bossa nova. Nesse caso,
o blues faz parte desse conhecimento previamente adquirido e é usado como parte do vocabulário
improvisatório do Amilton Godoy nos improvisos do Zimbo Trio. Nesse sentido, os resultados da
presente pesquisa indicam que o modelo cognitivo de improvisação proposto por Kenny e Gellrich
(2002) no contexto do jazz norte-americano pode ser aplicado na prática da música popular
instrumental brasileira improvisada.
Considerando-se Amilton Godoy como um expert em música instrumental brasileira
improvisada, e o Zimbo Trio como um dos grupos musicais mais relevantes para este estilo musical
(sendo, inclusive, reconhecido internacionalmente por sua excelência musical), conclui-se que o
estudo sistemático dos elementos estruturais do blues como restrições internas (por meio da prática
deliberada de estudo das duas escalas blues e do shuffle) e dos restritores temporais externos (por
meio de atividades de escuta, transcrição e análise musical de improvisos do grupo) pode contribuir
para que o músico adquira uma expertise musical específica, no intuito de comunicar a seu ouvinte
uma linguagem musical característica: a de Amilton Godoy.
Para estudos futuros, sugere-se a análise de outros estilos musicais como ferramenta para
aquisição de expertise em música instrumental brasileira improvisada, visando uma reflexão sobre a
maneira com a qual o improvisador utiliza as ferramentas que adquiriu previamente através de
35
estudo deliberado a partir do uso das restrições temporais internas proposta pelo modelo de Kenny e
Gellrich (2002). Esses estudos poderão ser realizados, inclusive, a partir dos próprios improvisos
transpostos para a realização desta pesquisa. Uma outra sugestão para estudos futuros seria a de
verificar o uso de padrões de escalas e improvisos executados por diferentes performers sobre um
mesmo tema no âmbito da música popular brasileira improvisada (Garota de Ipanema, por
exemplo). Este estudo possibilitaria a mensuração da amplitude do uso das restrições temporais
internas necessárias para a aquisição de expertise no estilo musical em questão. Finalmente, a
última sugestão para a verificação da natureza das restrições temporais internas adquiridas pelos
experts da música instrumental brasileira improvisada envolveria a análise de uma amostra maior de
temas, visando uma quantidade mais ampla de improvisos. Acredita-se que esse estudo poderia
culminar em uma dissertação de mestrado. Nessa direção, tais transcrições, análises e discussões,
tendo como referencial teórico o modelo de improvisação proposto por Kenny e Gellrich (2002)
fornecerão ferramentas importantes para nortear uma proposta de estudo que vise mensurar de
forma mais abrangente algumas habilidades e competências musicais necessárias para a aquisição
de expertise em música instrumental brasileira improvisada.
36
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Wisnik, J. M. (1989). O som e o sentido. São Paulo: Companhia das letras.
38
7. ANEXOS
Transcrição do improviso em Garota de ipanema.
39
40
Transcrição do improviso em Samba de uma nota só.
41
42
Transcrição do improviso em Brigas nunca mais.
43
Transcrição do improviso em Balanço zona sul.
44
45
Transcrição do improviso em Triste.
46
47
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