A VIVÊNCIA DA SEXUALIDADE DE MULHERES JOVENS: UMA INTERVENÇÃO PSICOSSOCIAL NO PLANEJAMENTO FAMILIAR Roseane Amorim da Silva1 Patrícia Ivanca de E. Gonçalves 2 Marilyn Dione de Sena Leal3 Resumo O presente estudo teve como objetivo investigar as práticas referentes à dupla proteção de mulheres jovens, para intervir neste contexto, identificando as parcerias e práticas heterossexuais, especialmente aquelas envolvidas no uso da camisinha. Para alcançar este objetivo foi realizada uma parceria com a Estratégia de Saúde da Família – ESF, de um dos bairros, localizado no Município de Garanhuns/PE. Inicialmente foram aplicados 28 questionários a mulheres jovens na faixa etária entre 16 e 24 anos, usuárias da ESF supracitada que participam das ações do planejamento familiar da unidade. Após identificar o perfil destas mulheres foi elaborada uma intervenção psicossocial com o objetivo de aprofundar as temáticas discutidas no questionário. Com este intuito foram realizadas oficinas com as participantes e construiu-se uma cartilha informativa para ser discutida junto às mesmas. Durante os encontros foi possível verificar a dificuldade das mulheres na realização da negociação sexual no uso da camisinha, sendo o método mais utilizado os anticoncepcionais, apresentando-se nos discursos das mulheres questões que podem ser analisadas como sendo da ordem das relações de gênero, e que dificultam a negociação sexual. No planejamento familiar da unidade de saúde, participante do estudo, é realizado apenas a entrega das pílulas e a enfermeira chefe, atende as mulheres que a solicitam, não havendo, um trabalho de prevenção e promoção de saúde que atinja toda a comunidade. Fatos que convidam os/as profissionais, sobretudo, da área da saúde a desenvolverem intervenções psicossociais que contribuam a promoção e a qualidade de vida das mulheres. Palavras-chave: gênero; direitos reprodutivos; mulheres jovens; sexualidade. 1 INTRODUÇÃO O presente estudo realizado com mulheres jovens no Município de Garanhuns apresenta os resultados do projeto de extensão universitária4 realizado pela Universidade de Pernambuco – Campus Garanhuns, o qual foi baseado no projeto de pesquisa aprovado pela FACEPE/CNPQ intitulado “Mulheres jovens e dupla proteção em diferentes circuitos de socialidade: um estudo comparativo entre Recife e Caruaru – PE”, coordenado pela Drª. Marion Teodósio de Quadros, pesquisadora do FAGES/UFPE, (Núcleo de Família, Gênero e 1 Psicóloga; Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. [email protected]. 2 Psicóloga graduada pela Universidade de Pernambuco-UPE, Campus Garanhuns. Patrí[email protected] 3 Professora Assistente da Universidade de Pernambuco-UPE, Campus Garanhuns. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. [email protected] 4 Projeto intitulado: Mulheres jovens e dupla proteção nas práticas e parcerias sexuais: uma intervenção psicossocial no município de Garanhuns/PE. Sexualidade), que em sua equipe de pesquisa, possui como uma das integrantes a Msa. Marilyn Dione de Sena Leal, professora da UPE, Campus Garanhuns e orientadora do presente estudo. A referida pesquisa conta também com pesquisadores de outras instituições, a exemplo da UFPE, Campus Recife e FIOCRUZ, possibilitando uma interlocução direta entre diferentes núcleos de pesquisa. Este estudo, portanto, configura-se como uma ampliação do campo de estudos que abrange Caruaru e Recife, ao contemplar Garanhuns, bem como ofereceu ainda a possibilidade de uma parceria interinstitucional fundamental para a produção do conhecimento científico. Tendo conhecimento do projeto supracitado, evidenciou-se a necessidade de investigar as práticas referentes à dupla proteção praticada ou não por mulheres jovens e intervir nestes contextos, identificando as parcerias e práticas heterossexuais realizadas pelas mesmas, bem como informar a relação de métodos contraceptivos e de prevenção na constituição da dupla proteção, incluindo a negociação sexual nas parcerias e práticas sexuais, e investigar as percepções das jovens sobre os Serviços de Saúde/Educação Sexual disponível em termos de acesso e o modo como atendem ou não às suas necessidades. O que significa a dupla proteção? De acordo com Berer (2006, p. 23) “é a proteção contra a gravidez indesejada, HIV e outras infecções sexualmente transmitidas (IST). É uma forma de sexo para práticas heterossexuais e implica na concordância e envolvimento dos parceiros”. Tal temática aponta para a necessidade de estudar a constituição das práticas sexuais em uma visão onde a psicologia, a sociologia e a saúde coletiva dialoguem, e assuntos como a negociação sexual e empoderamento possam ser aprofundados, visando intervir em diversos contextos, informando e discutindo questões relacionadas à dupla proteção e as práticas sexuais. Na literatura revisada, a dupla proteção recebeu mais atenção dos profissionais do planejamento familiar do que dos que trabalham na prevenção e no tratamento da HIV/IST. Um dos maiores problemas em definir dupla proteção primariamente ou do ponto de vista do planejamento familiar é que o sexo seguro é muito mais do que o ato sexual pênis-vagina protegida (BERER, 2006). Visto que, o planejamento familiar é um conjunto de ações em que são oferecidos recursos, tanto para auxiliar a ter filhos/as (concepção), quanto para prevenir uma gravidez indesejada (contracepção). Essas ações podem ocultar a extensão do uso do preservativo e da prática da dupla proteção, no que se refere à prevenção/contracepção e a importância da prática dialogada. Por prática dialogada entende-se que é um diálogo entre os parceiros onde será dividida a responsabilidade para a proteção e a escolha do ou dos métodos a serem utilizados. A dupla proteção pode de fato ser praticada de várias maneiras, podendo ser usado um ou mais métodos, não necessariamente de modo simultâneo. O método mais eficaz é a camisinha, no entanto, outros métodos podem ser utilizados, a exemplo do coito interrompido aliado, se necessário, a contracepção de emergência, e coito interrompido aliado à negociação sexual, desde que exista diálogo e concordância nos métodos utilizados e os parceiros tenham certeza que não possuem nenhuma infecção preexistente. Outro aspecto relevante são as questões de gênero nos estudos acerca da saúde, essa tem um papel central no desvendamento no modo pelo qual os conhecimentos e as práticas produzidas nessa área estão referidos à produção social do feminino e do masculino, e às relações de poder aí engendradas. É importante esclarecer o significado do conceito de gênero, que é definido por Scott (1996, p. 19) como “um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, assim o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder”. Essa noção sugere redefinições dos marcos programáticas de cobertura assistencial de homens e mulheres, de orientações sexuais diversas, os agravos das ISTs/AIDS, da maternidade e do aborto em meninas, da longevidade, das transformações tecnológicas na genética e na reprodução (COSTA, 2001). A interface saúde e gênero, expõe aspectos a considerar tanto na constituição da dupla proteção quanto na orientação das práticas em saúde. Este estudo se debruça sobre a atenção ao uso do condom (camisinha), as relações com a contracepção e proteção contra a infecção por IST e HIV/AIDS e aos contextos em que o uso está associado à dupla proteção. Ressalta-se a importância do estudo realizado, no sentido de contribuir às instituições governamentais e não-governamentais a partir de discussões sobre a temática abordada e informações a respeito da dupla proteção, contribuindo para o aprofundamento deste problema no âmbito da saúde pública. O mesmo irá oferecer subsídios à reflexão e práticas educativas no que tange à prevenção e promoção de saúde de mulheres jovens do município de Garanhuns/PE. A perspectiva da integralidade da saúde coloca para a formação e a atuação prática do/as profissionais, os desafios de não dicotomizar a atenção individual da coletiva, a saúde física da psíquica, a atenção à saúde igualitária e a equidade dos trabalhos educativos junto à população. Para isso, é necessário efetivar o trabalho em equipe multi e interdisciplinar desde o processo de formação profissional e estabelecer estratégias de aprendizagem que favoreçam o diálogo, a troca, a transdisciplinaridade entre os diversos saberes formais e informais que contribuam para ações de promoção da saúde, tanto no âmbito individual quanto no coletivo (MACHADO apud CREPOP, 2008). Dessa forma o presente estudo poderá servir também como suporte para a formação de futuros psicólogos/as e profissionais que já atuam na área na prática interventivo-clínica em contextos diversos que por ventura, se depararem no mercado de trabalho com esta demanda. 2 MÉTODO DE TRABALHO Participaram do estudo mulheres jovens com idades entre 16 a 24 anos do município de Garanhuns/PE, usuárias de uma Estratégia de Saúde da Família – ESF, de um dos bairros do município. Foi realizada uma pesquisa-intervenção, que segundo Lévy (2001) esta diz respeito aos grupos de pessoas em seu devir coletivo e as tomadas de consciência, pois aquisições de conhecimentos são resultantes de um trabalho analítico que se desenvolve nesse contexto e tem sentido apenas em função dos efeitos concretos na história do grupo. A relação entre o/a pesquisador/a e o objeto pesquisado é o que irá determinar os caminhos da pesquisa, sendo uma produção do grupo envolvido. Para que os objetivos deste trabalho pudessem ser comtemplados foram realizadas seis etapas: 1º etapa: Consistiu em visitas a algumas ESFs a fim de formar parcerias com as equipes de Agentes Comunitários de Saúde - ACSs, para que estas auxiliassem na aplicação de um questionário, elaborado pelas pesquisadoras deste estudo, utilizado como instrumento investigativo para obter o perfil das participantes da intervenção. 2º etapa: Foi realizada a análise dos dados coletados, a partir destes foi percebido que as jovens participantes possuíam uma necessidade de obter informações a respeito da temática. A partir desta percepção surgiu à ideia da elaboração de uma cartilha informativa referente ao assunto investigado, que foi intitulada: “Dupla proteção nas práticas e parcerias sexuais”, com o objetivo de utilizar o referido material como um dos métodos para a realização das oficinas. A escolha do uso de oficinas para a intervenção psicossocial advém do fato de que as palestras fornecem informações sem possibilitar a participação de forma reflexiva do público, o que pode não resultar em uma prevenção efetiva, enquanto que as oficinas favorecem a metodologia participativa através de técnicas diversificadas, a exemplo de dinâmicas de grupo, vivências e atividades lúdicas que possibilitam informar e levar os/as participantes à reflexão e sensibilização acerca dos temas trabalhados (AFONSO, 2006). 3º etapa: Para realização das oficinas foi entregue convites as ACSs para que estas distribuíssem entre as mulheres participantes da primeira etapa e as demais na faixa etária entre 16 e 24 anos, residentes na comunidade onde o estudo estava sendo desenvolvido. Como a proposta deste tratava-se da realização de uma intervenção psicossocial, em que “intervir é muito mais do que vir de fora para modificar uma situação, é colocar-se entre os elementos constituintes de um contexto social” (FERREIRA NETO, 2008), fomos ao território junto as ACSs no intuito de conhecer um pouco mais a realidade das jovens, bem como explicar como seriam as oficinas para as quais as participantes haviam sido convidadas inicialmente pelas ACSs. 4ª etapa: Foi realizada a primeira oficina, cujo objetivo foi conhecer as participantes e, após isto, o enquadre grupal, que engloba todos os procedimentos que organizam o grupo, a exemplo de: número de encontros; tempo de duração, local dos encontros grupais, entre outros (ZIMMERMAN et al, 1997; CASTILHO, 1998), a oficina foi realizada a partir da leitura da cartilha, que tem como temas: Dupla proteção, negociação sexual, direitos sexuais e reprodutivos, informações sobre IST/HIV, métodos preventivos e contraceptivos, e também foi discutida as principais dúvidas das mulheres em relação às temáticas abordadas. 5 ª etapa: Na segunda oficina, foi realizada uma dinâmica que tem como título: “Práticas e parcerias sexuais”, consistiu na análise de cenas sexuais para discussão e reflexão. Por cenas sexuais entende-se que é uma forma de investigar como a sexualidade se realiza em cada subgrupo ou nos programas de prevenção para identificar as diferenças entre as intenções de fazer sexo seguro e a prática. Essa tem sido a melhor maneira de perceber os obstáculos para a ação individual e para organização comunitária (PAIVA, 1999). O grupo de participantes foi divido em duplas e trio para que discutissem as cenas e, em seguida, socializassem com todo o grupo, momento em que todas poderiam opinar sobre os mesmos. As cenas discutidas foram: I cena: André e Marina estão namorando há quatro meses. Marina apresentou corrimento, ardência ao urinar, três dias após a primeira relação sexual com André. Se você fosse Marina o que faria? II cena: Lena e Felipe estão transando há seis meses. O método que estão usando é a tabelinha, só que, mesmo marcando tudo direitinho na sua agenda e sendo super regular, Lena está insegura. Ela acha que Felipe poderia usar camisinha, já que é fácil de comprar ou conseguir no posto. Acontece que Felipe é contra. O que você faria? III cena: Jade sempre que vai ao posto de saúde buscar preservativo está em falta. Quais as outras possibilidades que Jade tem para encontrar preservativos e quais os outros métodos que ela pode usar? 6º etapa: Após as oficinas foi solicitado que as participantes construíssem um painel sobre o que apreenderam nas mesmas, com a finalidade de verificar as opiniões das mulheres em relação à temática e realizar a avaliação da intervenção. 3 RESULTADOS E DISCUSSÕES Participaram da 1ª etapa da pesquisa-intervenção (respondendo os questionários) 28 mulheres, com idade de 16 a 24 anos. Os dados revelaram que a idade média para o início da prática sexual foi de 15 anos, em consonância com alguns estudos que evidenciam que a iniciação sexual dos/as jovens tem sido cronologicamente antecipada, principalmente na última década, conforme pode ser observada na pesquisa realizada em 2004 por Castro et al (apud SILVA; ABRAMOVAY, 2007), com jovens estudantes de quatorze unidades federadas, em que a idade média da primeira relação sexual, entre os alunos do sexo masculino varia de 13,9 a 14,5 anos, enquanto entre as estudantes do sexo feminino, as idades médias são de 15,2 a 16 anos. Tal cenário revela a necessidade desta temática ser discutida junto as/aos jovens em escolas e nas unidades de saúde. Em relação à primeira relação sexual, os dados mostraram que 14 (catorze) mulheres utilizaram algum método preventivo e/ou contraceptivo. Atualmente o método mais utilizado por elas é o anticoncepcional, o uso de tal método remete a uma prática protetora solitária, uma vez que os homens deixam a proteção contra a gravidez quase totalmente a cargo de suas parceiras (BERER, 2006), evidenciando desigualdades de gênero quando se trata da negociação sexual. Nesse estudo 20 participantes afirmaram ser responsáveis pelo uso dos métodos, o que aponta para a prática solitária referida por Berer, e revela a importância da dupla proteção ser abordada e trabalhada junto às mulheres no que se refere à prática sexual negociada. Muitas das mulheres que utilizam o anticoncepcional esquecem que as relações sexuais podem trazer o risco de infecção pelo HIV/AIDS e por outras doenças sexualmente transmissíveis, descuidando-se e, portanto, não fazendo uso da dupla proteção (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006). Foi visto que dentre os métodos contraceptivos existentes, os mais conhecidos pelas participantes são anticoncepcionais (pílula e injeção) e camisinha masculina. Das 28 participantes, 24 afirmaram não conhecer o significado da dupla proteção e as que revelaram algum tipo de conhecimento, tinham uma vaga ideia baseada apenas no significado das palavras dupla e proteção, e não sobre o significado do referido conceito. A partir destes resultados foi elaborada a cartilha “Dupla proteção nas práticas e parcerias sexuais” que foi utilizada como um dos métodos para a realização das oficinas, na busca de propiciar informações e reflexões acerca da temática. Na primeira oficina, a responsabilidade do uso dos métodos contraceptivos ficar a cargo das mulheres, foi um fato reafirmado, reproduzindo as desigualdades de gênero, através da difícil inserção do homem na prática sexual dialogada. No que se refere a esta prática, o argumento central diz respeito ao fato dos companheiros não quererem e/ou não gostarem de utilizar a camisinha, bem como pelo incômodo que as participantes relataram sentir durante a relação sexual. Tradicionalmente, o tema da contracepção foi associado às mulheres, tendo como referência a preocupação em evitar uma gravidez. Contudo, a partir da década de 90, com o aumento da epidemia da AIDS entre a população feminina nos diferentes continentes, ficou evidente o grande desafio na promoção da adoção de práticas sexuais mais seguras e do lugar das mulheres como agentes/sujeitos na defesa de seus direitos sexuais, reprodutivos e pela vida. A negociação no uso do preservativo masculino esbarra em padrões sociais pautados em relações de gênero, deixando mais vulneráveis os jovens e, particularmente, as mulheres, pois muitas vezes a insegurança afetiva, noções de amor romântico e fidelidade podem contribuir para que as mulheres abram guarda em relação à administração do seu poder de fecundação e direito de se prevenir em relação à IST/AIDS, o que se demonstra nas análises sobre motivos para o não uso de preservativo (SILVA; ABRAMOVAY, 2007). Neste estudo, pôde-se perceber que essa é também uma realidade das jovens participantes, conforme supracitado, boa parte das jovens não usam camisinha com seus companheiros e algumas alegaram que eles não gostam ou simplesmente não querem. Em relação às ISTs foi observado que, muitas mulheres não sabiam o significado desta sigla e nem da sigla DST que é mais conhecida, desconhecendo também, as doenças existentes e consequências, apesar de terem visto no ESF, cartazes, panfletos, bem com assistido algumas palestras sobre o tema. O mesmo ocorre quando se trata das formas de contágio da AIDS, fato que corrobora com o estudo realizado em Campinas/SP (FERNANDES et al, 2000), pois, na rede primária de saúde, observou-se que das 249 mulheres entrevistadas, mais da metade disse desconhecer qualquer sintoma que uma IST pode causar e mais de 18% afirmaram nada saber a respeito da transmissão. Este cenário pode evidenciar que as estratégias utilizadas pelos profissionais acerca da forma de contágio e possíveis consequências das ISTs e HIV são apenas informativas não promovendo assim uma reflexão genuína para as mulheres acerca da importância da manutenção de práticas sexuais seguras. No final da cartilha, ao ser discutida a lista de métodos que podem ser usados para a dupla proteção, a exemplo da monogamia mútua entre os parceiros e o uso de um contraceptivo, muitas afirmaram ser natural, os homens terem outras parceiras, diferentemente das mulheres, que só podem ter um único parceiro se não quiserem ficar “mal faladas” pelas outras mulheres e pelos homens. Assim, mais uma vez, apareceram questões que expõem as desigualdades de gênero. É comentado por Quadros (2004), que existe uma classificação feita pelos homens, ou seja, existem as mulheres que “servem” apenas para o prazer sexual, outras que é preferível manter distância e ainda, as mulheres com as quais se pode namorar ou casar. Foi percebido que essa classificação não é algo feito apenas pelos homens, mas as próprias mulheres participantes também possuem esta percepção, reproduzindo as desigualdades de gênero e, consequentemente, mantendo-se numa posição de subordinação ao homem. Na segunda oficina, foi realizada a dinâmica que consistia na discussão de algumas cenas. Na discussão da primeira cena (ver metodologia) foi possível perceber, mais uma vez, a necessidade de informação, através do relato de uma das participantes que sugeriu como solução para a situação de alguns sinais que apareceram no corpo da personagem, a exemplo de ardência ao urinar, que o casal fosse ao médico para ver quem é o culpado, caso a mesma esteja com uma IST. Foi realizada uma reflexão sobre a importância de conhecer o corpo e, diante de qualquer alteração, o casal procurar o serviço de saúde. Enfatizou-se também que quando existe uma prática sexual dialogada um não culpabiliza o outro, pois, essa prática traz mais consciência para os parceiros sobre a responsabilidade de ambos na prevenção contra a gravidez e ISTs. Na segunda cena (ver metodologia), houve uma dificuldade significativa das participantes no que tange as possibilidades para a negociação sexual. O grupo silenciou evidenciando a dificuldade na resolução da cena, porém, uma das participantes propôs uma saída: “se ele não quiser utilizar outro método contraceptivo, faça com uma porca”. O grupo não expressou nenhuma reação, tendo em vista as dificuldades apresentada no debate da segunda cena. Então, visando outros métodos elencados na cartilha e, mais uma vez, evidenciaram a importância de terem com o parceiro uma prática sexual dialogada. Entretanto, na discussão desta cena, as mulheres tiveram uma participação bastante tímida, revelando uma passividade no debate que pareceu reproduzir seus próprios comportamentos na escolha negociada de um método que assegure um sexo protegido para o casal. Parece que, na escolha do método, as mulheres não fazem uso de uma prática dialogada, mas sim de uma prática silenciada, revelando a submissão ao parceiro. Na terceira cena, que faz referência à dificuldade de encontrar preservativos na ESF próxima a seu domicílio, as participantes relataram que buscariam em outras ESFs, Centro de Testagem e aconselhamento – CTA ou comprariam. O acesso aos métodos contraceptivos/preventivos não é considerado difícil, tendo em vista que a ESF possui o dia do planejamento familiar, onde são entregues pílulas e camisinhas, o suprimento de camisinhas geralmente falta na unidade em que o presente estudo foi realizado, pois a quantidade que chega a unidade de saúde não é suficiente para atender a toda a demanda. Assim, as mulheres que utilizam apenas a camisinha dizem que preferem comprá-la. Após esta etapa, foi produzido um painel no qual as mulheres puderam colocar suas percepções. Assim, foi possível perceber através dos relatos expostos que os objetivos desta intervenção psicossocial foram alcançados. As mulheres demostraram ter apreendido os conceitos chaves da dupla-proteção, bem como a importância da mesma. Segue os relatos escritos no painel: “Eu entendi que entre um casal temos que ter diálogo. Quando tiver relação se prevenir usando todos os métodos para quando acontecer algo não ser culpa da mulher”. “Entendi que é sempre bom a gente se prevenir contra as doenças, sempre. Tanto para a gente que é mulher quanto pra nossos maridos. É importante a gente se prevenir tomando pílula, injeção ou usando camisinha. Tem várias formas para a gente se prevenir para que não pegue uma gravidez indesejada”. “Eu entendi a importância do preservativo, eles podem nos prevenir de doenças e de gravidez indesejada”. “Hoje eu aprendi que sem a camisinha não é certo porque podemos pegar alguma doença ou pegar uma gravidez indesejada, por isso eu e meu marido nos prevenimos com a camisinha porque sem ela não dá. Eu gostei muito da palestra [grifo nosso] de vocês e com vocês aprendi muito mais coisas, é isso mesmo bola pra frente, mas sem doenças”. Em relação à última frase citada no momento da leitura do painel, foi discutida a questão apresentada pela participante, para deixar claro que as facilitadoras não deram palestras, ou seja, não se detiveram na emissão de juízos morais ou de valores dizendo sobre o que consideram certo ou errado, ou seja, simplesmente que fazer sexo sem camisinha é errado. Trata-se de refletir sobre o uso ou não de práticas protetoras na hora do sexo e sobre a importância de uma decisão do casal no que concerne a melhor forma de praticar o sexo seguro, uma proteção não apenas para a gravidez indesejada, mas, também contra ISTs e AIDS. No Brasil, persiste uma cultura sexual impregnada por uma visão dualista de gênero, delegando aos homens atributos da atividade, dominação e racionalidade, e às mulheres, os de passividade, submissão e emoção. Nesse contexto, a negociação do uso do preservativo masculino fica difícil para as mulheres, tendo em vista que esse é um método utilizado pelos homens (PRATES; ABIB; OLIVEIRA, 2008). 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Foi visto que existe um desconhecimento das mulheres, não só no que se refere à dupla-proteção, foco deste estudo, mas também no que diz respeito aos temas geradores como as ISTs e os métodos contraceptivos existentes. Outra questão prevalente foi à dificuldade da negociação sexual para o uso da camisinha, e, em decorrência disto, a opção pelos anticoncepcionais, método mais utilizado. As questões de gênero atravessavam os discursos durante todo o momento, pois, as mulheres deixaram claro que existem comportamentos diferenciados entre ambos os sexos, a exemplo, das participantes que afirmaram ser natural os homens ter outras parceiras, diferentemente das mulheres que só podem ter um parceiro. A ESF, no qual, foi realizada a pesquisa possui como uma de suas ações, o planejamento familiar. No entanto, neste é feito a entrega das pílulas e a enfermeira chefe, atende as mulheres que a solicitam, não havendo dessa forma, um trabalho informativo/preventivo que foque na atitude reflexiva da mulher, considerando sua realidade sócio-cultural. É importante que mediante a gravidez, ISTs e HIV entre jovens, sejam considerados os discursos que a cultura constrói em torno do exercício da sexualidade. São necessárias políticas públicas que envolvam a saúde e a educação a fim de minimizar situações de vulnerabilidade relacionadas ao exercício da sexualidade pelas mulheres e homens jovens, pois o planejamento familiar ao focar as questões contraceptivas direcionadas apenas as mulheres, não oferece muita atenção à importância da participação masculina em tais práticas, o que revela a necessidade de que os homens também sejam incluídos na análise e nas estratégias de ação sobre a questão da gravidez e da vulnerabilidade às ISTs e AIDS. THE EXPERIENCE OF SEXUALITY IN YOUNG WOMEN: A PSYCHOSOCIAL INTERVENTION IN FAMILY PLANNING Abstract: The present study aimed to investigate the practices related to dual protection of young women, to intervene in this context, identifying partnerships and heterosexual practices, especially those involved in the use of condoms. To achieve this goal was accomplished in partnership with the Family Health Strategy - FHS, one of the neighborhoods located in the Municipality of Garanhuns / PE. Initially questionnaires were administered to 28 young women aged between 16 and 24 years, clients FHS aforementioned participating shares of the family planning unit. After identifying the profile of these women developed a psychosocial intervention was aimed at deepening the themes discussed in the questionnaire. With this purpose workshops were held with the participants and constructed a informative booklet to be discussed thereto. During the meetings we observed the difficulty in achieving women's sexual negotiation on condom use, and the method most commonly used contraceptives, presenting speeches on women's issues that can be considered as being of the order of gender relations, and that hinder sexual negotiation. In family planning health unit, study participant, is performed only delivery of the pills and the head nurse, meets women who ask, and there is a work of prevention and health promotion that reaches the entire community. Facts that invite / the professionals, especially health care to develop psychosocial interventions that contribute to promotion and quality of life of women. Keywords: gender, reproductive rights, young women, sexuality REFERÊNCIAS AFONSO, M. Lúcia M (Org). Oficinas em dinâmica de grupo: um método de intervenção psicossocial. Belo Horizonte: Edições do campo social, 2006. BERER, Marge. Dual Protection: More Needed than Practised or Understood, Reproductive health Matters, Vol. 14, n°. 28, pp. 162-170, November, 2006. CASTILHO, AUREA. A Dinâmica do trabalho de grupo. 3ed. São Paulo: Qualitymark, 1998. COSTA, Suely Gomes. Saúde, gênero e representações sociais. In: Mulher, Gênero e Sociedade. MURARO, Rose Marie e PUPPIN, Andréa Brandão (Orgs). 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