22 - CENACON

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NÚMERO: 22
TÍTULO: Relato de Caso - Síndrome dos pontos brancos: diagnóstico diferencial
AUTORES: Matheus P. Sticca1, Murilo W. Rodrigues Jr.2
1
Residente de oftalmologia da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - FAMERP, São José do
Rio Preto, São Paulo, Brasil
2
Fellow de retina da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FMRP USP,
Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil
INSTITUIÇÃO: Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto – FAMERP/ Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FMRP USP
Resumo
A síndrome dos pontos brancos engloba várias condições inflamatórias coriorretinianas que
constituem um desafio diagnóstico ao oftalmologista, principalmente aquele que não é especialista em
uveíte e retina. Apresentamos um caso de uma mulher de 25 anos com queixa de escotoma central
bilateral e leve embaçamento visual, piora das crises de enxaqueca e lesões branco-amareladas
múltiplas em polo posterior.
Descritores: inflamação coriorretiniana; síndrome dos pontos brancos; epiteliopatia pigmentar
placóide multifocal posterior aguda
Abstract
The white dot syndrome include several chorioretinal inflammatory conditions that constitute a
challenge diagnosis to an ophthalmologist, especially one who is not a specialist in uveitis and retina. We
present a case of a 25 years woman with complain of bilateral central scotoma and mild visual blurring,
worsening of migraine symptoms and multiple lesions white-yellow on posterior pole.
Keywords: corioretina inflammation; white dot syndrome; acute posterior multifocal placoid
pigment epitheliopathy
Introdução
A síndrome dos pontos brancos é um termo usado para descrever um grupo de
coriorretinopatias inflamatórias que possuem algumas características gerais semelhantes entre si
(aspecto das lesões, etiologia desconhecida, acometimento de adultos jovens, podem ser precedidas
por pródromo viral e sintomas como fotopsias, embaçamento visual e alterações no campo visual).
Apesar das semelhanças, a maioria pode ser distinguida pela sua história natural, morfologia e
progressão das lesões e o padrão angiofluoresceinográfico1, com destaque para os achados típicos da
epiteliopatia pigmentar placóide multifocal posterior aguda (EPPMPA) com hipofluorescência precoce e
hiperfluorescência tardia, sendo que outros exames complementares também têm o seu papel
estabelecido na EPPMPA2,3,4,5,6,7.
A EPPMPA é uma condição geralmente bilateral (75%), assimétrica (olho contralateral
acometido em dias a semanas) que acomete homens e mulheres de 20 a 40 anos na mesma proporção e
que apresentam queixas de escotomas centrais ou paracentrais e embaçamento visual. Em um terço
dos casos há identificação de um pródromo viral prévio. A fundoscopia mostra lesões múltiplas
placóides branco-amareladas em polo posterior1. Pode ocorrer envolvimento do sistema nervoso desde
cefaléia até vasculite cerebral grave fatal8,9,10,11.
O objetivo desse relato é apresentar um caso de uma paciente que recebeu inicialmente o
diagnóstico de síndrome dos pontos brancos e a investigação complementar elucidou tratar-se de um
típico caso de EPPMA.
Relato de caso
Paciente do sexo feminino, de 25 anos, com queixa de escotoma central e embaçamento visual
leve há 1 semana em olho esquerdo associada a piora das crises de enxaqueca. Negava fotopsias e
outros sintomas. Antecedente pessoal de estenose mitral de longa data e enxaqueca há 5 anos. Em uso
de atenolol contínuo e amitriplina há 1 semana. Sem antecedentes oftalmológicos e familiares prévios.
Negava diabetes melitus, hipertensão arterial sistêmica, doença reumatológica, traumas, cirurgias
prévias, tabagismo, uso de anticoncepcionais orais, vacinação, infecção viral ou sintomas respiratórios
nos últimos meses.
No exame oftalmológico da admissão, apresentava acuidade visual com melhor correção de
20/20 em olho direito e 20/25 em olho esquerdo. A biomicroscopia não apresentava alterações, não
havendo reação de câmara anterior. A pressão intra-ocular foi de 11 mmHg em ambos os olhos.
Reflexos pupilares sem alterações. Fundoscopia sem sinais de vitreíte, olho direito com tortuosidade
vascular mas sem nenhuma outra alteração enquanto o olho esquerdo apresentava em polo posterior
múltiplas lesões placóides com quase 1 diâmetro de disco, branco-amareladas. Após 1 semana de
acompanhamento, a paciente apresentou os mesmos sintomas e lesões em olho direito.
O diagnóstico inicial foi de síndrome dos pontos brancos. A conduta a princípio foi expectante
com ampla investigação complementar. Os exames laboratoriais, PPD e radiografia de tórax estão
descritos na tabela 1. Também realizamos retinografia colorida (figura 1), autofluorescência (figura 2),
angiografia fluoresceínica (figura 3) e tomografia de coerência óptica de domínio espectral (figura 4).
Tabela 1 – Exames complementares laboratoriais, PPD e raio-x de tórax
Hemograma: normal
Herpes vírus simples I e II IgM: 1,93
(Reagente > 1,10)
FTA Abs: negativo
Herpes vírus simples I e II IgG: 23,2 (Reagente
> 1,10)
VDRL: negativo
VHS: 30 mm/h
Anti HIV I e II Elisa: negativo
Proteína c reativa: 0,89
Toxoplasmose IgM: negativo
HLA B27: negativo
Toxoplasmose IgG: positivo
Fator reumatóide: negativo
Bartonela IgG < 64
Fator anti núcleo: negativo
Toxocara IgM: negativo
Anti SSA/RO: negativo
Toxocara IgG: negativo
Anti SSA/LA: negativo
Anti HBsAg: positivo
Anti RNP: negativo
HBsAg: negativo
Anti cardiolipina IgM: negativo
Anti HBc: negativo
Anti cardiolipina IgG: negativo
Anti CMV IgM: negativo
ECA: 35 (Valor de referência 35 a 90 U/L)
Anti CMV IgG: positivo
PPD: negativo/não reator
HCV: negativo
Radiografia de tórax: normal
Figura 1: Retinografia Colorida da terceira semana mostra múltiplas lesões branco-amareladas de quase
1 diâmetro de disco em polo posterior, mais intensas em olho direito.
Figura 2: Autofluorescência da terceira semana com lesões que apresentam
hiperautofluorescência central e hipoautofluorescência circunjacente.
A: 5 segundos
B: 10 segundos
E: 11 minutos
C: 27 segundos
D: 38 segundos
F: 11 minutos
Figura 3 A-F: Angiofluoresceinografia da terceira semana mostra hipofluorescência precoce com
hiperfluorescência (impregnação) tardia perilesional.
Figura 4: Tomografia de coerência óptica de
domínio espectral na segunda semana: atrofia
da zona elipsoide e camada externa de
fotorreceptores, hiperrefletividade que
demonstra o comprometimento do segmento
externo de fotorreceptores, EPR e coriocapilar
O diagnóstico para essa paciente, baseado no quadro clínico e exames complementares
característicos, foi de EPPMPA. A sorologia positiva para o vírus do herpes simples 1 e 2 foi considerada
como pródromo viral.
Mantivemos o acompanhamento clínico e a conduta foi conservadora, não sendo prescrito
nenhum medicamento. As lesões placóides passaram a ser hiperpigmentadas (figura 5) e as alterações
da autofluorescência (figura 6) e angiografia fluoresceínica (figura 7) mantiveram-se estáveis.
Durante a evolução, a acuidade visual apresentou pouca piora no início (a pior acuidade visual
foi de 20/25-- em ambos os olhos), porém no terceiro mês de seguimento a acuidade visual era de
20/20 em ambos os olhos. A paciente foi encaminhada à neurologia, que após investigação afastou
comprometimento do sistema nervoso central grave que justificasse a prescrição de corticóide.
Figura 5: Retinografia Colorida da oitava semana mostra que as lesões estão relativamente estáveis,
com leve melhora e tendência à hiperpigmentação
Figura 6: Autofluorescência da oitava semana demonstra estabilidade das lesões com
hiperautofluorescência central e hipoautofluorescência circunjacente.
A: 10 segundos
B: 8 segundos
C: 45 segundos
D: 35 segundos
E: 2:30 minutos
F: 2:30 minutos
Figura 7 A-F: Angiofluoresceinografia da oitava semana mostra manutenção do padrão de
hipofluorescência precoce com hiperfluorescência (impregnação) tardia perilesional.
Discussão
Definir o diagnóstico etiológico de um caso de síndrome dos pontos brancos é um desafio para o
oftalmologista, especialmente aquele não especializado em uveíte e retina. Neste caso, os achados
clínicos e angiofluoresceinográficos típicos da EPPMA permitiram o diagnóstico, apesar de se tratar de
uma doença rara1.
O prejuízo da visão é variável, porém costuma ser leve e reversível a longo prazo apesar de um
escotoma associado1. O exame biomicroscópio e a fundoscopia não apresentam processo inflamatório
significativo como reação de câmara anterior e vitreíte, respectivamente1. Com a evolução, as lesões em
polo posterior costumam atrofiar em graus variáveis e hiperpigmentar1.
Apesar da paciente negar um pródromo viral prévio, a sorologia para vírus da herpes simples 1 e
2 IgM positivo foi considerada o pródromo viral geralmente associado ao quadro1.
Os achados angiofluoresceinográficos com hipofluorescência precoce e hiperfluorescência tardia
foram importantes para confirmar o diagnóstico e diferenciar o caso de outras entidades englobadas na
síndrome dos pontos brancos1. A tomografia de coerência óptica, realizada na fase aguda da doença,
demonstrou o acometimento da zona elipsóide (camada interna do segmento externos dos
fotorreceptores), camada nuclear externa, EPR e coriocapilar2,3. A autofluorescência foi realizada na
terceira semana de acompanhamento e demonstra um padrão de hiperautofluorescência central e
hipoautofluorescência circunjacente o que não corresponde ao “padrão em cocar” das fases mais
precoces do exame4,5. Não foram realizados exames eletrofisiológicos.
A queixa de cefaléia, descrita pela paciente como piora da intensidade e frequência das crises de
enxaqueca justifica uma ampla investigação neurológica, pois o envolvimento do sistema nervoso
central com vasculite cerebral pode ser muito grave8,9,10,11. Após a avaliação pela equipe da neurologia,
foi afastado maiores comprometimentos neurológicos.
A perda visual pronunciada, a recorrência das lesões, a idade do paciente, o envolvimento foveal
e do sistema nervoso central, são considerados na prescrição ou não do corticóide, mas não há
consenso8. Neste caso, optamos por não prescrever o corticóide, a evolução foi satisfatória; porém a
paciente foi orientada a manter o seguimento e caso apresente recorrência, piora das lesões foveolares
e da acuidade visual, ou acometimento neurológico mais grave, o tratamento com corticóide será
considerado.
Agradecimentos
Aos doutores Eduardo Cunha, Renata T. Kashiwabuchi, Plinio P. Martins Neto e Marcelo K.
Kashiwabuchi pela colaboração tanto na discussão quanto no diagnóstico deste caso.
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