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Magdalânia Cauby França; Nelcida Maria Cearon
FÓRUNS DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:
UMA HISTÓRIA CONTADA A PARTIR DA MOBILIZAÇÃO
NA BAHIA E DA PARTICIPAÇÃO DO SEGMENTO DAS
UNIVERSIDADES
Magdalânia Cauby França
Nelcida Maria Cearon
*
**
RESUMO
O presente artigo pretende fazer uma retomada das mobilizações dos Fóruns de
Educação de Jovens e Adultos no Brasil, ressaltando a interlocução que vem se
construindo e se fortalecendo com o segmento das universidades, para alcançar o
seu objetivo fundamental de contribuir com o debate e com a formulação de políticas
públicas e práticas sociais de educação de jovens e adultos. Para tal, resgata o histórico
da mobilização dos fóruns de EJA nos encontros nacionais e a construção coletiva do
Fórum estadual, bem como dos regionais da Bahia, no que se refere à organização
e elaboração das temáticas de discussão. Por fim, ressalta o papel do segmento das
universidades, evidenciando os resultados dessa ação conjunta na realização do
Seminário Nacional de Formação de Educadores de Jovens e Adultos, em 2006 e
2007.
Palavras-chave: Fóruns de EJA. Formação de educadores. Universidade. Políticas
públicas.
ABSTRACT
YOUTH AND ADULT EDUCATION FORUMS: A STORY TOLD FROM THE
MOBILIZATION AND PARTICIPATION IN UNIVERSITIES OF BAHIA
This paper aims at an historical review of the social mobilization of the Youth and
Adult Education Forums in Brazil, highlighting the dialogue that has been building
and strengthening with the universities to achieve their ultimate goal to contribute
to the formulation, discussion, dialogue and intervention in Public Policy and Social
Practices of Youth and Adults. To do this, we rescue the history of mobilization of
adult education forums in national meetings highlighting the collective construction
of state and regional forums of Bahia, its organization and thematic thread. Finally, we
Mestre em Educação. Professora da UNEB. Ex-coordenadora do Fórum de EJA da Bahia. Endereço para correspondência:
Rua Francisco das Mercês, s/n, Cond. Intervilas Quadra A, C10, Buraquinho, Lauro de Freitas (BA). CEP: 42700-000. [email protected]
∗∗
Mestre em Educação. Professora da UNEB. Coordenadora do Fórum de EJA do Extremo Sul da Bahia. Endereço para correspondência: Rua Régis Pacheco, n. 260 - Bairro Jardim Caraipe. CEP 45997-811 - Teixeira de Freitas (BA). [email protected].
br / [email protected]
∗
Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 21, n. 37, p. 63-70, jan./jun. 2012
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Fóruns de educação de jovens e adultos: uma história contada a partir da mobilização na bahia e da participação do segmento das universidades
highlight the role of universities, showing the results of this joint action in achieving the
National Training Seminars for Educators of Youth and Adults in 2006 and 2007.
Keywords: Adult education forum. Teacher’s training. Universities. Public policy.
EJA: bases legais e movimentos por
direitos
A educação de jovens e adultos vem se configurando ao longo da história como um contínuo
movimento de pressão para que se garantam efetivamente os direitos constitucionais à educação de
qualidade para todos.
Uma análise sobre a história das políticas públicas do Estado brasileiro em relação à educação
de jovens e adultos realizada por Beisiegel (2003)
registra que, a partir de 1991, o Ministério da Educação formalizou a intenção de não mais atuar na
educação de jovens e adultos, transferindo toda a
responsabilidade do atendimento a esse público
para os municípios.1 Os esforços do ministério
seriam dirigidos para a educação das crianças,
crendo que, ao concentrar os recursos na educação
infantil, estancaria, em médio prazo, a geração
de novos analfabetos. Ledo engano, uma vez que
chegamos ao século XXI com dados alarmantes
sobre o analfabetismo no Brasil; 12,4% das pessoas
acima de 15 anos não têm o domínio da leitura e da
escrita, ou seja, 16 dos 170 milhões de brasileiros
continuam na classificação de analfabetos (IBGE,
2000), sem a mínima condição de decodificar os
códigos da escrita.
As bases legais vigentes asseguram o direito
à educação para todas as pessoas. Com a Constituição promulgada em 1988, o dever do Estado
com a educação de jovens e adultos é ampliado ao
se determinar a garantia de “ensino fundamental
obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua
oferta para todos os que a ela não tiveram acesso
na idade própria”2. Se, por um lado, alcançou-se
a universalização do atendimento escolar para a
quase totalidade das crianças do Brasil, por outro,
está a passos lentos a superação do analfabetismo,
seja por pouco investimento e ausência de políticas
1 A União só voltaria a atuar na educação de jovens e adultos analfabetos a partir de 1997, com o início do Programa de Alfabetização
Solidária.
2 Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, art. 208.
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públicas para a EJA, seja pela má qualidade da
educação básica, que gera a evasão e a retenção
que, consecutivamente, causam aumento por demanda na EJA.
Cabe ainda evidenciar alguns pontos importantes sobre o tratamento dado pela Lei de Diretrizes
e Bases (LDB) (Lei nº 9.394/96) no que se refere
à educação de jovens e adultos. Em seu artigo 3º,
determina a LDB, dentre os princípios que devem
servir de base ao ensino, “[...] igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; [...]
pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;
[...] garantia de padrão de qualidade; [...] valorização da experiência extra-escolar; [...] vinculação
entre a educação escolar, o trabalho e as práticas
sociais” (BRASIL, 1996).
Muito embora o Brasil possua um sistema legal
que garanta o direito à educação, na prática algumas
ações dessa política específica parecem impedir a
oferta de uma educação que atenda às necessidades
básicas de aprendizagem dos jovens e adultos não
escolarizados.
Ainda que com essas significativas conquistas
legais, persiste a ideologia que considera a EJA uma
educação de menor importância. Como exemplo
pode-se citar o veto presidencial à inclusão da EJA
no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), em 1996, por razões injustificadas,
que geraram como consequência redução da oferta,
baixa qualidade e perda de identidade da educação
para as pessoas jovens e adultas (DI PIERRO,
2005). Essas ações vêm corroborar com uma
ideologia que nega a EJA, reforçando os mitos da
dificuldade de aprendizagem do adulto, defendendo
a existência de uma idade própria para aprender.
Mesmo com as moções e manifestações dos
Fóruns de EJA, a isonomia entre os níveis e modalidades da educação básica não foi garantida,
persistindo assim a desigualdade no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica
e de Valorização dos Profissionais da Educação
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(FUNDEB), uma vez que o artigo 11º da Medida
Provisória nº 339 determina o percentual de 10%
dos recursos públicos para a educação básica, enquanto para a EJA disponibiliza um recurso menor,
apenas 0,7% do valor de referência estabelecido
para as séries iniciais do ensino fundamental.
Assim, prevalece a análise de que o governo federal desrespeita o direito constitucional garantido
à população, negligenciando o dever do Estado em
relação à educação de jovens e adultos.
participação ativa no cenário nacional da EJA. Este
movimento cada vez mais vem se fortalecendo pelo
reconhecimento da legitimidade dos fóruns.
Atualmente, todos os estados do Brasil, bem
como o Distrito Federal, têm o Fórum de EJA
organizado, conseguindo acompanhar com força
o movimento internacional e nacional em favor
da EJA, ressignificando, inclusive, o sentido da
educação de adultos para além da escolarização,
para o direito de aprender por toda a vida, cujos
fins podem se observar na explicitação:
Fóruns de EJA: do movimento nacional
para a mobilização regional
Os fóruns, como legítimos movimentos organizados
em torno do direito à educação não recuarão na defesa intransigente desse direito para os muitos milhões
de brasileiros que ainda não participam, na condição
de incluídos, da vida social regida pela cultura escrita e pelas linguagens que a contemporaneidade
consagra e recria cotidianamente. (ENCONTRO
NACIONAL..., 2006).
A história da educação de jovens e adultos no
Brasil passa a percorrer novos rumos a partir da
mobilização para a realização da V Conferência
Internacional de Educação de Adultos (CONFERÊNCIA INTERNACIONAL..., 1997), em 1997,
em Hamburgo, na Alemanha. Como decorrência
desse movimento, a sociedade e os movimentos
organizados articularam-se e começaram a criar
fóruns de educação de jovens e adultos e a promover os Encontros Nacionais de Educação de
Jovens e Adultos (ENEJA) (PAIVA; MACHADO;
IRELAND, 2004).
O primeiro ENEJA aconteceu em 1999, no Rio
de Janeiro, e visou contribuir para a ampliação e
a melhoria da qualidade da educação de pessoas
jovens e adultas no Brasil, mediante o estabelecimento de políticas de cooperação articuladas entre
as esferas de governo e os segmentos não governamentais. Ao renovar o interesse pela temática
da alfabetização, da educação para a cidadania e a
formação para o trabalho, esse encontro colaborou
para a revisão e o alargamento do conceito de EJA,
propiciando uma leitura brasileira da V CONFINTEA. O encontro visou, também, promover a divulgação e o intercâmbio de experiências, fortalecendo
parcerias constituídas nos estados e municípios e
os fóruns estaduais já existentes (RJ, MG, ES, RS,
SP), estimulando a criação de outros.
Desde 1996, quando foi criado o primeiro fórum
no Rio de Janeiro, até a realização dos encontros
regionais e nacional em preparação para a VI
CONFINTEA, realizada em 2009, em Belém do
Pará, Brasil, os Fóruns destacaram-se com uma
Fóruns de EJA na Bahia: nas trilhas da
mobilização nacional
Motivados pela realização dos Encontros Nacionais de Educação de Jovens e Adultos (ENEJA),
que desde 1999 caracterizam-se como um marco no
debate e intercâmbio das políticas de EJA no Brasil,
entidades representativas dos diversos segmentos,
como o Serviço Social da Indústria (SESI), Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Central Única dos
Trabalhadores (CUT), Federação de Órgãos para
Assistência Social e Educacional (FASE), Associação de Educadores Católicos (AEC), Fórum de
Educação do Campo, Instituto Integrar, Secretaria
Estadual de Educação da Bahia, Secretaria Municipal de Salvador e Secretaria de Educação de
Alagoinhas articularam-se para a implantação do
Fórum de EJA na Bahia. Para tanto, foi criado, em
agosto de 2001, um Pré-Fórum, com a missão de
buscar coletivamente as condições para a implantação de um fórum de EJA que contemplasse a
diversidade de atores sociais que configura a EJA na
grande extensão do estado da Bahia. Circunstâncias
favoráveis, como a localização na capital de órgãos
gestores e deliberativos das políticas de educação e
da EJA, a Secretaria Estadual de Educação (SEC)
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Fóruns de educação de jovens e adultos: uma história contada a partir da mobilização na bahia e da participação do segmento das universidades
e a Universidade do Estado da Bahia (UNEB),
facilitaram a mobilização dos atores sociais em
diferentes regiões da Bahia. Além do fator localização, ressalta-se, por um lado, o apoio significativo
de representantes dos fóruns dos estados de São
Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo nas orientações para a implantação do fórum baiano, e, por
outro, o acesso ao Boletim Informação em REDE
da ONG Ação Educativa e à revista Alfabetização
e Cidadania da RAAAB3, que instigavam a criação
e a mobilização dos fóruns, bem como a discussão
coletiva de temas relevantes da conjuntura política,
social e educacional brasileira.
Após o IV ENEJA, em 2002, foi adotado o
sugestivo nome de Pré-Fórum, cuja missão seria
a de instituir o Fórum de EJA na Bahia por meio
da realização do I Encontro do Fórum de Educação Jovens e Adultos no estado, nos dias 12 e 13
de novembro de 2002. O encontro contou com a
participação expressiva de professores, gestores,
pesquisadores, professores universitários, educadores populares de vários municípios do estado,
envolvidos direta ou indiretamente com a educação
de jovens e adultos.
Concomitante à mobilização para a criação do
fórum estadual, em novembro de 2001 foi instituido
o Fórum de EJA no extremo sul da Bahia. De acordo com Cearon (2011) ele surgiu baseado na demanda por formação especifica dos educadores de
adultos que atuavam no Programa de Alfabetização
de Jovens e Adultos (PRAJA)4. Diante dessa demanda, “os coordenadores do PRAJA organizaram
e ministraram um curso de formação intitulado Repensando a Prática – Buscando Alternativas”(p.96)
O curso, com duração de 90 horas, teve como
objetivos: aprofundar o entendimento sobre educação como prática de liberdade (FREIRE, 1997),
refletir sobre o trabalho pedagógico desenvolvido
nos grupos de alfabetização e educação de adultos
do PRAJA e discutir a elaboração de material adequado à educação de adultos. Participaram desse
curso educadores atuantes na educação do PRAJA,
da Pastoral da Criança, do Programa Nacional de
3 A Rede de Apoio a Ação Alfabetizadora do Brasil (RAAAB), que
surgiu de articulação de ONGs, na década de oitenta, teve ativa
participação em vários eventos e mobilizações ocorridos nos últimos
anos, destacando o seu papel na articulação dos ENEJAS.
4 Programa de extensão do Campus X/UNEB, desenvolvido em
Teixeira de Freitas e região do extremo sul da Bahia desde 1988.
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Educação na Reforma Agrária (PRONERA), bem
como professores da rede pública municipal de
educação interessados em discutir o tema. Ao final
desse curso, os educadores participantes assumiram
o compromisso de implantar o fórum de EJA no
extremo sul da Bahia, como forma de garantir a
continuidade das discussões em torno da educação
de adultos (FÓRUM DE EDUCAÇÃO..., 2001).
Trilhando os seus próprios caminhos, somam-se
a esse fórum regional e ao fórum estadual, outros
regionais: em Alagoinhas, Jequié, Território do
Sisal e Recôncavo. Não podemos deixar de mencionar que, além dos fóruns, vários outros coletivos
foram se mobilizando em defesa da EJA, tanto no
estado como no Brasil, constituindo-se, também,
como sujeitos nesse processo de mobilização.
Conforme o documento de implantação do
Fórum de EJA da Bahia, em 2002, o fórum tem
como princípio ser um espaço público, permanente,
não estatal e não institucional, de articulação de
entidades públicas, privadas e do terceiro setor que
atuem na educação de jovens e adultos na Bahia
(FÓRUM DE EDUCAÇÃO..., 2002). Seguindo
a deliberação nacional, a sua organização ocorre
por segmentos: instituições de nível superior
(universidades e faculdades públicas e privadas);
movimentos sociais e ONGs (movimento sindical,
sem terra, movimento de mulheres, de negros); entidades confessionais e entidades de cultura popular
etc.; entidades empresariais e privadas (sistema S,
fundações, escolas privadas); Estado (secretarias
estaduais e municipais, escolas públicas, conselhos
municipais e estaduais, comissão de educação, órgãos públicos diversos); Educadores e Educandos.
Esse modelo de gestão possibilita que as decisões
sejam tomadas de forma coletiva, garantindo o
cumprimento das propostas acordadas.
Esse trabalho, como todo processo dialético,
requer repensar o papel dos sujeitos/segmentos
nessa construção coletiva para a superação dos
entraves culturais que permanecem reproduzindo
as correlações de forças nas relações sociais. Nesse
sentido,
[...] deve-se entender que os Fóruns não têm “dono”,
não são propriedade de nenhuma instituição, mas
resultam do esforço político de várias pessoas/
entidades que acreditam na idéia e na possibilidade
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de gestão compartilhada e cooperativa para tomar
decisões e propor alternativas. Significa dizer que
o poder circula, não está centralizado, não é hierárquico. (PAIVA, 2007, p. 72).
Inseridos nessa dinâmica coletiva, os Fóruns
de Educação de Jovens e Adultos da Bahia vêm
desenvolvendo ações para alcançar os seus objetivos de: promover debates, encontros e estudos
sobre a educação de jovens e adultos na Bahia
e participar de atividades congêneres regionais,
nacionais e internacionais; contribuir para a eliminação de processos discriminatórios relativos ao
acesso à educação; promover trocas de experiência,
desenvolvimento e avaliação de metodologias de
educação de jovens e adultos, incluindo a formação
específica de educadores(as); propor aos órgãos
componentes convênios, programas e projetos relacionados à educação de jovens e adultos na Bahia;
promover e incentivar campanhas e mobilizações
pelo direito e/ou promoção da educação de jovens
e adultos; incentivar a pesquisa, publicações e a
elaboração de material didático de apoio à prática
educativa com adultos.
Assim, a atuação dos Fóruns de Educação de
Jovens e Adultos da Bahia visa contribuir para a
sistematização e melhoria da formação em EJA.
Além disso, busca identificar e atender às várias
demandas por EJA no estado da Bahia.
Encontros dos Fóruns de EJA da Bahia:
objetivos e temáticas
Os encontros realizados periodicamente, tanto
no estado quanto nas regiões, têm como objetivos:
debater a conjuntura nacional e estadual das políticas de EJA; discutir novos paradigmas para essa
modalidade de educação; colaborar na efetivação
de políticas públicas de educação mais consistentes;
socializar experiências das práticas educativas em
EJA, bem como divulgar as ações dos Fóruns.
Apresentam-se como temáticas recorrentes:
políticas públicas em EJA; balanços da década da
alfabetização; formação de educadores de jovens
e adultos; as experiências dos fóruns estaduais de
EJA; alfabetização e letramento; currículo; avaliação, entre outros. Esses temas emergem da prática
educativa em EJA, como também podem surgir
dos relatos feitos pelos participantes nos encontros
dos fóruns. As questões discutidas abordam desde
as políticas nacionais, estaduais e municipais de
EJA, como temas relacionados à economia da
América Latina e Brasil, passando pelas políticas
de caráter formativo, como currículo e formação
de professores, até as mais específicas, como metodologia de trabalho com jovens e adultos. Essas
temáticas têm por base os novos referenciais de
educação de adultos, uma vez que é necessário
reafirmar a ideia de educação continuada como a
educação ao longo da vida. Segundo declaração
da V CONFINTEA – Conferência Internacional
de Educação de Adultos:
A educação de adultos engloba todo o processo de
aprendizagem, formal ou informal, onde pessoas
consideradas “adultas” pela sociedade desenvolvem
suas habilidades, enriquecem seu conhecimento e
aperfeiçoam suas competências técnicas e profissionais, direcionando-as para a satisfação de suas
necessidades e da sociedade. A educação de adultos
compreende a educação formal e permanente, a
educação não formal e toda a gama de oportunidades
de educação informal e ocasional disponível em
uma sociedade educativa e multicultural, onde os
estudos baseados na teoria e na prática devem ser
reconhecidos (CONFERÊNCIA INTERNACIONAL..., 1997).
Dentro desse contexto, a EJA assume uma
nova centralidade, exigindo prioridade das políticas públicas, no que concerne à oferta de vagas,
financiamento, desenvolvimento de pesquisas,
redefinição de concepções político-pedagógicas,
criação de cursos de pós-graduação e formação de
educadores.
O papel do segmento Universidade na
mobilização dos Fóruns
A opção pelo trabalho coletivo implica refletir
sobre o papel específico de cada segmento participante dos fóruns, para que aconteça a contribuição efetiva na elaboração de políticas públicas. É
urgente que o fórum de EJA “passe de fato a uma
organização social e política com capacidade de
intervenção orgânica no campo da política pública
de educação” (MACHADO, 2007, p. 22).
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Fóruns de educação de jovens e adultos: uma história contada a partir da mobilização na bahia e da participação do segmento das universidades
Nesse sentido, destaca-se a atuação das universidades na organização e mobilização dos fóruns.
Desde a criação do Fórum de EJA do Rio de
Janeiro, em 1996, o pioneiro no Brasil, foi muito
significativa a contribuição direta de professores da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Da mesma forma, os fóruns de outros estados
contaram e contam com a participação direta das
universidades na coordenação e na efetivação dos
encontros nacionais, estaduais e regionais. O papel
dos representantes das universidades destaca-se
nos ENEJAs pela participação das mesas redondas,
conferências e, sobretudo, na sistematização dos
relatórios finais. Ademais, a universidade ocupa um
lugar de destaque na pauta de discussão dos demais
segmentos sobre formação inicial e continuada.
Segundo o sociólogo Boaventura Santos, a
universidade do século XXI, para sobreviver como
instituição autônoma na produção de conhecimento, deverá passar por reformas que proponham
alternativas contra a hegemonia do capitalismo
global
[...] atribuindo às universidades uma participação
ativa na construção da coesão social, no aprofundamento da democracia, na luta contra a exclusão
social, na degradação ambiental, na defesa da diversidade cultural (SANTOS, 2005, p. 159).
Nos primeiros ENEJAs, a preocupação deste
segmento resumia-se a discutir sobre as dificuldades na execução dos programas governamentais,
como o Programa Alfabetização Solidária (PAS), o
Programa Brasil Alfabetizado (PBA), o Programa
Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), dentre outros. Aos poucos foi evoluindo a
fim de obter o reconhecimento de seu papel social
em atender às demandas de formação inicial e continuada dos educadores de adultos. No IV ENEJA,
realizado em 2004, representantes da UNEB apresentaram os resultados de uma pesquisa preliminar
que revela indicadores de análise nas três dimensões de atuação das universidades públicas.
Na dimensão do ensino, a Bahia foi a pioneira
no Brasil, com a criação do curso de Pedagogia
com habilitação em educação de jovens e adultos
oferecido pela UNEB, em 1985, no campus de
Juazeiro. Essa universidade ofereceu também um
curso de educação básica de jovens e adultos, no
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período de 1998 a 2003, formando aproximadamente 400 alunos. No entanto, houve pouco avanço
nas outras universidades públicas do estado, que se
restringiram à oferta de uma disciplina de EJA no
currículo de graduação em Pedagogia.
Na pós-graduação observou-se destaque para
o curso de especialização em educação de adultos
oferecido pela Universidade Federal da Bahia
(UFBA), em 1997, formando uma turma de 13 alunos. Em relação à qualificação de mestrado e doutorado, pesquisa realizada na UFBA demonstrou que
dos 400 trabalhos de dissertação e teses registrados
na biblioteca, no período de 1970 a 2000, apenas 15
(3,7%) tematizaram a EJA (FRANÇA, 2001).
No que concerne à extensão, os registros
apresentaram algumas ofertas, na sua maioria ligadas aos programas do governo federal, como os
mencionados anteriormente para atendimento das
demandas da sociedade. Assim, nesses encontros
o debate reincidia em torno do reconhecimento de
que no campo da EJA, a extensão universitária gera
a pesquisa e ambas nutrem o ensino. Entretanto,
pode-se interpretar essa característica como uma
articulação virtuosa entre as dimensões de ensino,
pesquisa e extensão; pode-se também problematizá-la quando a agenda de pesquisa acaba sendo
definida a reboque de programas governamentais
que demandam da universidade uma formação
emergencial de educadores em serviço, restringindo sua participação nas instâncias decisórias da
orientação político-pedagógica dessas iniciativas
(DI PIERRO, 2006, p. 290).
O Plano Nacional de Extensão Universitária de
2001 defende que:
A Extensão é uma via de mão-dupla, com trânsito
assegurado à comunidade acadêmica, que encontrará, na sociedade, a oportunidade de elaboração da
práxis de um conhecimento acadêmico. No retorno
à Universidade, docentes e discentes trarão um
aprendizado que, submetido à reflexão teórica, será
acrescido àquele conhecimento.
[...]
Esse fluxo, que estabelece a troca de saberes sistematizados, acadêmico e popular, terá como conseqüências a produção do conhecimento resultante
do confronto com a realidade brasileira e regional,
a democratização do conhecimento acadêmico e a
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Magdalânia Cauby França; Nelcida Maria Cearon
participação efetiva da comunidade na atuação da
Universidade. (PLANO..., 2001).
A partir do V ENEJA esse segmento da universidade começa a ser mais propositivo ao apontar a
necessidade de ações e financiamento que pudessem garantir recursos para o desenvolvimento de
pesquisas na área, possibilitando um mapeamento
que retratasse o estado da arte da EJA. No VI
ENEJA, a demanda para este segmento era para
a universidade repensar e propor ações para a formação inicial e continuada.
No VII ENEJA avançou-se, propondo uma
meta de realização de Seminários Nacionais de Formação de Educadores de Jovens e Adultos. Assim,
em maio de 2006, em Belo Horizonte, aconteceu
o I Seminário, realizado pelos representantes das
universidades envolvidas nos fóruns de EJA, sob
a coordenação da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG). O referido seminário contou também com o apoio do Fundo das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e do
Ministério da Educação (MEC). Participaram 137
pessoas, representando 36 instituições de ensino
superior, e 15 pessoas representantes de fóruns
estaduais (SOARES, 2006). Este foi um momento
significativo para o segmento das universidades
refletir sobre seu papel social na formação de
educadores de EJA, propondo alternativas como:
editais da Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade (SECAD) específicos
para a EJA; fomentar a cultura de redes interuniversidades. Como resultado final deste seminário
foi publicado o livro Formação de Educadores de
Jovens e Adultos, organizado por Leôncio Soares,
que apresenta reflexões sobre as questões norteadoras da formação de educadores na EJA.
O II Seminário ocorreu em 2007, em Goiânia,
com a seguinte temática: Os desafios e as perspectivas da formação dos educadores de jovens
e adultos, visando refletir e apontar diretrizes
acerca da formação de educadores de jovens e
adultos no Brasil, que vem sendo realizada pelas
universidades, pelos movimentos sociais e pelo
sistema público de ensino, ressaltando a necessidade de reconfiguração do currículo da EJA com
base nos eixos temáticos: sujeitos da EJA; mundo
do trabalho; educação em presídios; questões de
gênero, etnia e orientação sexual; educação popular
e educação do campo.
Como podemos constatar, o segmento da universidade vem reafirmando sua responsabilidade
social como um serviço público prestado à sociedade, devendo ter como princípios a solidariedade
e a cooperação na construção do conhecimento e
na reformulação epistemológica que promove o
diálogo entre os saberes científicos da universidade
e os saberes populares que circulam na sociedade
(SANTOS, 2005).
Essas considerações revelam a necessidade da
universidade ressignificar o seu papel frente às
demandas por EJA, buscando superar as suas limitações quanto: ao reconhecimento e identificação
de especificidades da formação do educador para a
EJA em todas as licenciaturas; fomento de pesquisa
na área; e a constituição de uma extensão universitária como real espaço de pesquisa e formação de
educadores de jovens e adultos.
Considerações Finais
Assim, pode-se afirmar que a grande contribuição dos fóruns de EJA do Brasil configura-se na
articulação de pessoas e instituições em torno do
fazer e refletir a EJA, quer pelo papel formador,
quer pela troca de experiências e pela socialização
de informações e pelo fortalecimento em defesa dos
direitos da educação para a EJA.
Considerando que a temática da EJA, na maioria
das vezes, adentra a universidade via extensão, seja
por meio de programas governamentais de âmbito
federal ou estadual, ou para atender às demandas
locais das prefeituras ou de ONGs, a interlocução
com os fóruns implica em fomentar o repensar a
formação inicial e continuada.
Mesmo com os avanços, ainda são muitos
os desafios para os fóruns de EJA conseguirem
cumprir os compromissos firmados nos ENEJAs.
Considerando a extensão territorial da Bahia e os
altos índices de analfabetismo, faz-se necessário
pensar numa política de regionalização dos fóruns
para possibilitar a ampliação das discussões e intervenções, com maior participação dos diversos
segmentos que atuam na EJA para melhor intervenção nas práticas sociais e políticas públicas.
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Fóruns de educação de jovens e adultos: uma história contada a partir da mobilização na bahia e da participação do segmento das universidades
REFERÊNCIAS
BEISIEGEL, Celso de Rui. A educação de jovens e adultos analfabetos no Brasil. Alfabetização e Cidadania,
São Paulo nº 16, p. 19-26, jul. 2003.
BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Presidência da República. Brasília, 1996. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso em: 15 set. 2010.
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Recebido em 31.10.2011
Aprovado em 07.12.2011
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Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 21, n. 37, p. 63-70, jan./jun. 2012
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