A IMPORTÂNCIA DOS EXAMES IMAGINOLÓGICOS NO DIAGNÓSTICO E CONTROLE DE TRATAMENTO DO TUMOR ODONTOGÊNICO QUERATOCÍSTICO: RELATO DE TRÊS CASOS THE IMPORTANCE OF IMAGING IN THE DIAGNOSIS AND CONTROL OF TREATMENT OF KERATOCYST ODONTOGENIC TUMOR: REPORT OF THREE CASES Alexandre Simões Nogueira1, Kleber Roberto de Oliveira2, Rosana Mara Adami Tucunduva3, Izabel Maria Marchi de Carvalho4, Eduardo Sanches Gonçales5 , Roberta Barroso Cavalcante6 1 Doutorando em Estomatologia pela Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo (FOB-USP) - Email:[email protected], 2Residente em Radiologia Odontológica pelo Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, Centrinho (HRAC-USP) Email: [email protected], 3Residente em Radiologia Odontológica pelo Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, Centrinho (HRAC-USP) - Email: [email protected], 4 ,Radiologista do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, Centrinho (HRAC-USP) Email: [email protected], 5Professor Livre-Docente do Departamento de Estomatologia, Área de CTBMF da Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo (FOB-USP) Email: [email protected], 6Doutora em Patologia Oral pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Endereço: Curso de Odontologia da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Email: [email protected]. Endereço para correspondência: FOB/USP – Alameda Octávio Pinheiro Brisola, 9-75 - Bauru - SP - Brasil - 17012-901. RESUMO O tumor odontogênico queratocístico outras lesões e a ausência de expansão (TOQ) passou a ter essa denominação de corticais, apesar de não obrigatória e ao invés de queratocisto odontogênico a não partir sugestiva da sua presença. O presente da última classificação da patognomônica, trabalho lesão patológica de grande interesse à clínicos de TOQ localizados na mandí- Odontologia e apresenta características bula e peculiar demonstraram ausência de expansão de que a distinguem das lesões císticas e corticais. A sugestão de diagnóstico de da maioria das lesões tumorais, a TOQ a partir dos achados imagino- exemplo de lógicos foi confirmada através da análise recidiva. O conhecimento das caracte- histopatológica, demonstrando a grande rísticas importância das imagens em relação ao dos biológico elevados imaginológicas fundamental no índices do TOQ estabelecimento diagnóstico diferencial é do em relação a Revista ABRO, v.13, n.2, p. 55-72, jul./dez. 2012. cujos diagnóstico casos relatar bastante Organização Mundial da Saúde. É uma comportamento objetiva é aspectos desta três casos imaginológicos lesão. Nos três descritos o controle do trata- 55 mento também teve como base a in relation to the diagnosis of this injury. análise dos exames imaginológicos. In the three cases described the control treatment PALAVRAS-CHAVE: Tumor Odontogênico Queratocístico. Diagnóstico the odontogenic Diagnostic. tumor of odontogenic keratocyst from the latest the Imaginologic Treatment. (KCOT) came to have that name instead of on KEYWORDS: Keratocystic Odontogenic ABSTRACT classification based analysis of imaging examinations. Tumor. keratocystic was por Imagens. Tratamento. The also World Health 1 INTRODUÇÃO A partir de 2005 a Organização Mundial da Saúde (OMS) reclassificou o Organization. It is a pathological lesion of anteriormente great interest to dentistry and has odontogênico em tumor odontogênico peculiar characteristics and biological queratocístico (TOQ) tendo por base o behavior that it distinguish of the cystic comportamento lesions and of majority of tumors, like the característico de neoplasma1,2. high rates of relapse. The knowledge of the KCOT da lesão, O TOQ tem sua origem relacionada aos remanescentes da lâmina dentá- the ria3. É uma lesão intra-óssea benigna, differential diagnosis regarding other que apresenta aspectos clínicos e radio- injuries and the absence of cortical gráficos característicos e relativamente expansion, although not compulsory and constantes, mas mos-trando uma ampla not pathognomonic, is highly suggestive gama de variações histopatológicas, e- of their presence. The present paper ventualmente dificul-tando o diagnóstico reports three cases of KCOT located in correto4. São mais comuns na mandíbu- the mandible in which aspects imaging la do que na maxila, com uma tendência demonstrated cortical para localização nas regiões posterio- expansion. The suggestion diagnostic of res5,6,7. Alguns estudos mostraram que KCOT from the imaging findings were as lesões são mais prevalentes na se- confirmed by histopathologic analysis, gunda e terceira décadas de vida7, en- demonstrating the importance of images quanto outros apontaram a terceira e 56 Revista ABRO, v.13, n.2, p. 55-72, jul./dez. 2012. in aspects biológico queratocisto is fundamental radiologic chamado establishing absence of quarta décadas6. As lesões acometem pressão osmótica em seu interior, esse de modo mais prevalente pacientes do mecanismo não parece ser verdadeiro gênero masculino4,6,8. para o TOQ e seu crescimento pode Apresentam comportamento estar relacionado a fatores potencialmente agressivo e infiltrativo e desconhecidos uma característica importante do TOQ é epitélio ou atividade enzimática na sua a sua propensão para crescer em uma parede3. A maioria dos TOQ aparece direção ântero-posterior, no interior da isoladamente, mas há a possibilidade da cavidade medular do osso, causando lesão expansão óssea mínima9. As lesões síndrome podem se apresentar radiograficamente basocelulares2,7. com aspecto unilocular ou multilocular, associadas ou não a dentes não fazer inerentes parte dos do ao ainda próprio contexto carcinomas da nevóides O tratamento do TOQ permanece controverso e várias irrompidos e com a possibilidade de conservadoras ocasionar relatadas6. As mais utilizadas são: mar- reabsorção radicular de ou modalidades radicais foram dentes vizinhos10. Outras lesões podem supialização apresentar radiográfico cleação isolada, enucleação associada semelhante aos achados no TOQ6 e ao uso de solução de carnoy, enu- devem ser consideradas no diagnóstico cleação associada a ostectomia perifé- diferencial: amelo- rica, enucleação associada a ostectomia blastoma, mixoma odontogênico e o periférica e solução de carnoy e res- cisto ósseo simples9,11. secção, Os aspecto cisto dentígero, pacientes podem se apresentar assintomáticos ou referir dor 10 (descompressão), além nitrogênio de crioterapia líquido12,13. As enu- com taxas de recidiva podem variar de 0 a 50%, a associada à lesão . Fratura patológica, depender do tipo de tratamento utilizado déficit e, embora seja geralmente aceito que sensorial, edema e infecção também podem ser achados associados tratamentos ao TOQ5,7. em Enquanto a maioria dos autores menor mais taxa radicais resultam de recorrência, a literatura não dá provas suficientes para acredita que cistos dentígeros e cistos radiculares apresentem o seu cresci- determinar a modalidade de tratamento mento que é mais eficaz na redução da associado ao aumento da Revista ABRO, v.13, n.2, p. 55-72, jul./dez. 2012. 57 morbidade ou ou prevenção da 13 recorrência . (Figura 1A). Através da aplicação do método de Miller-Winter foi possível O presente trabalho tem por observar que a lesão desenvolveu-se no objetivo relatar três casos clínicos de sentido TOQ que acometeram a mandíbula. toda Serão mandibular, sem ocasionar expansão de discutidos aspectos gerais relacionados ao TOQ com ênfase na importância dos exames por imagens no diagnóstico e controle de tratamento das ântero-posterior, a porção acometendo medular do osso corticais (Figura 1B). Figura 1 - A. Área radiolúcida distal ao dente 48. B. Ausência de expansão de corticais lesões. 2 CASOS CLÍNICOS 2.1 Caso 1 A Paciente do gênero feminino, 18 anos de idade, procurou atendimento com a queixa de dor na região do dente 48, que apresentava-se parcialmente irrompido e com nítidos sinais de inflamação nos tecidos circunvizinhos. No aspecto extra-oral não havia alteração digna de nota. A radiografia panorâmica mostrou a presença de área B radiolúcida, unilocular, de limites bem Com base nos exames por principal hipótese de definidos, mas irregulares, bordas escle- imagens, róticas na diagnóstico foi de TOQ. O paciente foi região de ângulo e ramo ascendente submetido à enucleação cirúrgica da mandibular, distal ao dente 48, medindo lesão juntamente com a remoção do aproximadamente 2cm x 3,5cm em sua dente maior extensão. O teto do canal mandi- histopatológico confirmou o diagnóstico bular, em algumas áreas, apresentava- de TOQ paraceratinizado. Após controle se comprometido, com sinais de erosão de 4 anos a área acometida pela lesão 58 Revista ABRO, v.13, n.2, p. 55-72, jul./dez. 2012. e festonadas, localizada 48 a (Figura 2A). O exame apresentou radiopacidade compatível assimetria facial, e queixava-se com reparo ósseo satisfatório (Figura dormência na 2B). panorâmica mostrou a presença de região. A de radiografia extensa área radiolúcida, unilocular, de Figura 2 – A) Enucleação cirúrgica. B) Evidência de reparo ósseo no controle de 4 anos. limites bem definidos e regulares, sem margens escleróticas e que extendia-se desde a distal do dente 45 até a região do ramo ascendente, medindo aproximadamente 5cm x 3cm em sua maior extensão e comprometendo toda a área do ângulo mandibular. A base da mandíbula estava A mantida. O dente 48 apresentava-se rechaçado em direção ao ramo e não era possível se visualizar o canal mandibular (Figura 3A). A Radiografia póstero-anterior de mandíbula mostrou que a lesão comprometeu a porção medular do osso mandibular. A cortical lingual não apresentava B expansão e a cortical vestibular estava ausente em quase toda a extensão da . 2.2 Caso 2 lesão, sugerindo completa erosão, mas Paciente do gênero masculino, 22 sem qualquer evidência de expansão anos de idade, procurou atendimento nas áreas imediatamente vizinhas à queixando-se de dor e drenagem de ausência secreção região também era possível observar a sombra correspondente ao dente 46, o qual correspondente ao aumento de volume havia sido extraído 30 dias antes da dos tecidos moles na região facial direita consulta inicial. (Figura 3B). purulenta na Apresentava considerável edema da cortical. Na imagem Figura 3 - A) Extensa área radiolúcida em região de ângulo mandibular. B) Extensão ânteroposterior da lesão sem expansão de corticais. na hemiface direita, o que ocasionava Revista ABRO, v.13, n.2, p. 55-72, jul./dez. 2012. 59 A A controle, Radiografia obtida descompressão panorâmica de posteriormente à cirúrgica, evidenciou nítida neoformação óssea nas regiões mais periféricas da lesão (Figura 5A) e então foi programada a realização de enucleação total do TOQ seguida de ostectomia periférica (remoção adicional de tecido ósseo nas paredes da loja B cirúrgica). Decorridos 3 anos de pósCom base principalmente nos exames por imagens a principal hipótese de diagnóstico foi de TOQ, confirmada através da realização de biópsia incisional, que mostrou tratar-se de um operatório observou-se completo reparo ósseo na região operada (Figura 5B). Figura 5 – A) Evidente neoformação óssea após a descompressão cirúrgica. B) Completo reparo ósseo observado após enucleação da lesão seguida de ostectomia periférica. TOQ paraceratinizado. O paciente foi tratado através de descompressão cirúrgica (Figura 4). A Figura 4 - Descompressão cirúrgica da lesão 60 Revista ABRO, v.13, n.2, p. 55-72, jul./dez. 2012. do osso medular, porém sem expansão de corticais (Figura 6B). Figura 6 – A) Extensa área radiolúcida em região de ângulo mandibular direito. B) Observar comprometimento da porção óssea medular sem expansão de corticais B 2.3 Caso 3 Paciente do gênero feminino, 19 anos de idade, foi encaminhada pelo ortodontista para análise de lesão A mandibular. A paciente apresentava-se assintomática e na análise extra-oral não foram observadas alterações dignas de nota. A radiografia panorâmica mostrou a presença de extensa área radiolúcida, unilocular, de limites bem definidos e regulares, bordas escleróticas e que B extendia-se desde a distal do dente 46 até a região do ramo ascendente, Nas reconstruções em 3 medindo aproximadamente 4cm x 3cm dimensões (3D), observou-se que a em sua maior extensão e compro- cortical lingual e a cortical vestibular metendo a área do ângulo mandibular. apresentavam-se A base da mandíbula estava preservada e o canal integralmente pre- servadas (Figuras 7A e 7B). Com base mandibular na análise dos exames por imagens a apresentava-se com erosão do seu teto principal hipótese de diagnóstico foi de e deslocamento inferior (Figura 6A). Na TOQ, confirmada através da realização tomografia computadorizada em corte de biópsia incisional, que mostrou tratar- coronal, janela para tecidos moles, foi se de um TOQ paraceratinizado. possível observar o comprometimento Revista ABRO, v.13, n.2, p. 55-72, jul./dez. 2012. 61 Figura 7- A e B. Reconstruções em 3D evidenciam cortical vestibular e cortical lingual do lado direito preservadas na área correspondente à lesão, sem sinais de erosão ou expansão panorâmica da dorizada por tomografia feixe computa- cônico (TCFC) evidências de satisfatória neoformação óssea (Figura 8B). Figura 8 - A. Descompressão cirúrgica. B. Reparo ósseo obtido no controle de 1 ano A A B Os B TOQ A paciente foi submetida a descompressão cirúrgica (Figura 8A) e encontra-se sob acompanhamento. No exame por imagem obtido após 1 observou-se 62 ano da descompressão na reformatação pacientes aqui descritos acometidos por permitiram a utilização das imagens constantes no presente artigo através da assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido. A seguir é apresentado quadro representativo dos principais achados relacionados aos três casos descritos: Revista ABRO, v.13, n.2, p. 55-72, jul./dez. 2012. Quadro 1 - Principais achados relacionados aos três casos relatados. Casos Descrição Idade do paciente Gênero do paciente Sintomatologia Exames por imagem utilizados no diagnóstico Localização do TOQ Característica Tamanho (largura x altura) Forma Contorno/limite ou borda Efeitos nas estruturas vizinhas Dentes não irrompidos no interior da lesão e reabsorção de raízes dentárias Expansão de corticais Tratamento realizado Exames por imagem utilizados no controle Tempo de controle 1 2 3 18 F Presente Radiografia Parorâmica e técnica de MillerWinter Ângulo e ramo 22 M Presente Radiografia Panorâmica e PA de mandíbula Corpo, ângulo e ramo Radiolúcida 5cm x 3cm Unilocular Bem definido, regular e não esclerótico Rechaçamento do 3o molar para o ramo ascendente, erosão da cortical vestibular e do canal mandibular Ausente 19 F Ausente Radiografia panorâmica e tomografia computadorizada (TC) Ângulo e ramo Ausente Descompressão e enucleação + ostectomia periférica Radiografia panorâmica Ausente Descompressão Radiolúcida 2cm x 3,5cm Unilocular Bem definido, irregular, festonado e esclerótico Erosão parcial do teto do canal mandibular Ausente Ausente Enucleação Radiografia panorâmica 4 anos 3 anos Radiolúcida/hipodensa 4cm x 3cm Unilocular Bem definido, regular e esclerótico Erosão do teto e deslocamento inferior do canal mandibular Ausente Tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC) 1 ano 3 DISCUSSÃO Ao contrário dos cistos, os quais pode ter limites festonados, com uma acredita-se que cresçam apenas por série de arcos contíguos9. O comporta- pressão osmótica, o epitélio de um TOQ mento potencialmente agressivo e infil- parece apresentar potencial inato de trativo do TOQ é universalmente reco- crescimento, tal qual um tumor benigno, nhecido e a atual classificação da OMS e ilhas de epitélio na sua parede podem enfatiza esta natureza. levar ao surgimento de microcistos saté- avaliação da expressão imunohistoquí- lites. Assim como os cistos, o TOQ ge- mica de marcadores de proliferação ce- ralmente mostra-se radiograficamente lular (proteína Ki-67) e no aspecto ima- com um limite cortical, exceto se estive- ginológico de TOQ, foi considerado que rem secundariamente infectados. a proliferação de TOQ está mais relacio- A lesão pode ter um formato redondo ou oval idêntico aos cistos ou Revista ABRO, v.13, n.2, p. 55-72, jul./dez. 2012. Com base na nada com as suas características de imaginologia do que com as suas carac- 63 terísticas histopatológicas e que os TOQ vendo a análise de 46 casos, os pacien- uniloculares têm comportamento biológi- tes encontravam-se desde a segunda co menos agressivo, e deveriam ser ca- até a nona década de vida8. Na análise racterizados como um cisto visto que a de 33 casos de TOQ, a média de idade reclassificação da OMS pode motivar dos pacientes foi de 30,58 anos10. As desnecessariamente o gerenciamento idades dos três pacientes descritos no da lesão de modo agressivo para dimi- presente trabalho, respectivamente 18, nuir recidivas. Os mesmos autores aler- 22 e 19 anos, não são achados atípicos tam que os aspectos radiográficos do mas em conformidade com estudos epi- TOQ são variáveis, o que torna difícil demiológicos anteriormente apresenta- distinguí-lo de cistos ou outras lesões dos. neoplásicas com base apenas nas suas Em relação ao gênero, baseando- características radiográficas14. Nos três se em estudos epidemiológicos anterio- casos descritos no presente trabalho o res, o gênero masculino foi mais acome- formato oval estava presente, com as tido5,8,10. Considerando-se que no pre- lesões apresentando largura maior que sente trabalho dois casos de TOQ ocor- altura. Nos casos 1 e 3 eram nítidos os reram no gênero feminino e um caso no limites corticais e no caso 2 o halo radio- gênero masculino, não é possível men- paco não foi observado, provavelmente cionar que os achados são distoantes da em decorrência da infecção secundária literatura pois representam um número presente. Limites bem definidos eram pequeno de casos. vistos em todos os casos e, especifica- A apresentação radiográfica de mente no caso 1, eram festonados. Tais TOQ pode ser dividida em quatro tipos: achados, isoladamente, não foram sufi- a) unilocular: a radiografia mostra uma cientes para a determinação da hipótese lesão cística radiolúcida bem circunscrita diagnóstica de TOQ. cercada por uma margem radiopaca fina Os TOQ podem ser diagnostica- e lisa ou irregular que é frequentemente dos em amplas faixas de idade. Na aná- associada com dentes não irrompidos; b) lise de 109 casos de TOQ os pacientes multilocular: a radiografia mostra pelo acometidos apresentavam entre 11 e 79 menos duas áreas císticas radiolúcidas, 5 anos de idade, média de 40 anos . Da redondas ou ovais, que são uniformes mesma forma, em outro estudo envol- ou diferentes em tamanho, e se sobre- 64 Revista ABRO, v.13, n.2, p. 55-72, jul./dez. 2012. põem umas às outras. Nesses casos, o acometida e as lesões uniloculares são interior da lesão é parcialmente dividido mais por dois tipos de septos: ósseo (mais estudos mostrarem maior prevalência de perceptível, com maior densidade e niti- TOQ mandibulares multiloculares10. No dez) e fibroso (menos perceptível, com presente menor densidade e apresentando des- relatados eram de TOQ uniloculares que continuidade); c) TOQ múltiplos (exclu- acometeram indo-se a síndrome dos carcinomas mandíbula, achados que contribuíram nevóides basocelulares). Várias imagens para o estabelecimento da principal císticas são vistas nos maxilares; e d) hipótese de diagnóstico. comuns6,7, apesar trabalho a os de outros três região casos posterior da TOQ associados a síndrome dos carci- O diagnóstico radiológico dife- nomas nevóides basocelulares, a qual é rencial do TOQ inclui a análise da caracterizada por cinco componentes localização da lesão, associação com a principais: múltiplos carcinomas nevói- presença de dente em seu interior e a des das células basais, lesões de aspec- definição dos seus limites8 e devem ser to cístico nos maxilares (TOQ múltiplos), consideradas as seguintes lesões: cisto anomalias congênitas do esqueleto, cal- dentígero, cificações ectópicas e depressões pal- odontogênico e o cisto ósseo simples9,11. mares nas mãos e plantares nos pés14. Cisto ameloblastoma, dentígero foi mixoma apontado como Devido à sua apresentação radio- hipótese de diagnóstico, mesmo em gráfica variável e natureza agressiva, a casos de TOQ de aspecto multilocular e confirmação histopatológica e a utiliza- principalmente quando havia dentes não ção de avançados métodos de imagem, irrompidos tais como a TC e a ressonância magné- Embora o TOQ apresente várias carac- tica, podem ser utilizados para auxiliar terísticas envolvidos pelas observadas no lesões. amelo- na diferenciação de TOQ de outras lesões e na identificação de extensão do blastoma, há uma série de diferenças, tumor e do seu conteúdo7. como Os TOQ são mais prevalentes na por exemplo vestibulo-lingual, que a expansão tende a ser mandíbula do que na maxila, podendo mínima, diferente do aspecto expansivo, ser uniloculares ou multiloculares. A mais típico de ameloblastomas10. De um região posterior da mandíbula é a mais modo geral, na diferenciação de TOQ e Revista ABRO, v.13, n.2, p. 55-72, jul./dez. 2012. 65 ameloblastomas devem ser analisados imagem fantasma da coluna vertebral, a nos exames por imagens: localização e sobreposição tamanho da lesão, número de lóculos, basilar expansão paralelismo na técnica panorâmica entre de corticais, reabsorção da da radiopacidade mandíbula, em TC, áreas internas da lesão com alta determinada parede da lesão, o que densidade vistas na TC, reabsorção borraria as margens e prejudicaria a radicular interpretação. Uma combinação destes vizinhos e a raios X e de a dentes dos falta óssea, densidade interna da lesão vista de incidência a da uma presença de dentes não irrompidos15. fatores Nos três casos descritos, o caráter dificuldade de interpretação radiográfica unilocular, a ausência de expansão de das lesões. A presença de margens corticais e a ausência de reabsorção irregulares, em associação a outros radicular de dentes próximos à lesão dados clínicos, pode fornecer suporte resultaram no estabelecimento do TOQ para o diagnóstico de TOQ16. Conforme como principal hipótese de diagnóstico, mencionado anteriormente, em todos os principalmente devido à ausência de casos descritos os limites das lesões expansão das corticais. Ameloblastoma eram bem definidos e somente no caso unicístico foi a segunda hipótese e cisto 1 dentígero não foi mencionado devido a margens ausência de dentes não irrompidos evidenciadas nos casos 1 e 3. Ressalte- associados às lesões. se que todos esses achados foram O crescimento lento do TOQ ocasionaria pressão suficiente para pode ser responsável apresentavam-se pela irregulares. escleróticas foram As bem observados na análise de radiografias panorâmicas. provocar uma reação no osso adjacente, Uma característica importante do com deposição de matriz óssea e de TOQ é sua propensão a crescer ao sais minerais, o que explicaria os longo achados imaginológicos de margens maxilares, causando mínima expansão. escleróticas. Essas margens escleróticas Isso podem não ser vistas em toda a lesão e mandíbula, exceto na porção superior do algumas cada ramo e processo coronóide, onde uma segmento podem talvez explicar esse expansão considerável pode ocorrer. fenômeno, tais como a interferência da Ocasionalmente, a expansão de grandes 66 Revista ABRO, v.13, n.2, p. 55-72, jul./dez. 2012. peculiaridades de dos ocorre espaços ao medulares longo de toda dos a lesões pode ultrapassar a capacidade do póstero-anterior da mandíbula. Ausência periósteo de formar osso, permitindo, da então, que a parede do tumor entre em denotando um crescimento inicial da contato com o tecido mole na cortical lesão na porção medular da mandíbula e externa da mandíbula. A expansão posterior acometimento relativamente leve, comumente obser- cortical. O conteúdo da lesão não vada, provavelmente contribui para a estava confinado ao tecido ósseo devido detecção tardia das lesões, o que à ausência da cortical, e um aumento de ocasionalmente permite que alcancem volume foi observado clinicamente. É grandes dimensões9. Dentre os casos provável que a lesão apresentasse descritos no presente trabalho, ausência grande tempo de evolução. de expansão de corticais foi um achado cortical vestibular foi da notada, referida Apesar da ausência de expansão em comum. No caso 1, a sintomatologia de dolorosa decorrente da presença do apontada como característica, em um terceiro molar irrompido parcialmente estudo epidemiológico específico sobre levou TOQ esse achado não foi confirmado5. à realização panorâmica e da ao radiografia consequente corticais Exames ser frequentemente tomográficos pré-operatórios diagnóstico do TOQ. Caso a sintoma- estavam disponíveis para 69 pacientes e tologia não estivesse presente, era os achados das imagens mostraram que possível alcançasse perfuração de cortical ocorreu em 4 maiores dimensões. No caso 2, a casos, expansão óssea em 14 casos e presença de sintomatologia somente em ocorreu após a evolução infecciosa da estavam presentes. Contrariando outros exodontia anteriormente realizada e o estudos e os três casos descritos no TOQ, mesmo apresentando grandes presente trabalho, no citado estudo dimensões, somente foi diagnosticado epidemiológico apenas uma minoria de após a sua infecção secundária. Mesmo casos desenvolveu-se na mandíbula no tratando-se de um TOQ de grande sentido extensão, que acometia desde o corpo expansão de corticais. Em um outro mandibular até o ramo ascendente, não relato isolado de caso clínico de um houve expansão de corticais, fato bem grande TOQ, também evidenciou-se evidenciado através de TC a expansão de corticais17, que o tumor através da radiografia Revista ABRO, v.13, n.2, p. 55-72, jul./dez. 2012. 32 casos ambos ântero-posterior os sem achados causar 67 fato que mostra o caráter não obrigatório mandibular foi afetado em todos os e não patognomônico deste achado. casos: erosão parcial do teto no caso 1, Assim, mesmo em casos de haver erosão completa no caso 2 e erosão do expansão hipótese teto e deslocamento inferior no caso 3. A diagnóstica de TOQ não pode ser basilar da mandíbula apresentava-se descartada. com o seu contorno mantido nos três de corticais, a Em uma análise de 33 casos de 10 casos. TOQ , aqueles localizados na mandi- Em estudo epidemiológico de 261 bula eram predominantemente multilo- casos de TOQ a região do ângulo culares TOQ mandibular foi a mais acometida (29,5% multiloculares eram mais velhos do que do total) e a maioria das lesões era pacientes com TOQ uniloculares. Todos unilocular. A multilocularidade esteve os multiloculares apresentavam aspecto associada a lesões maiores que 31mm e de bolhas de sabão e quase todos ocorreu apresentavam margens corticalizadas. pacientes com menos de 41 anos de Expansão vestíbulo-lingual foi vista em idade. O tamanho médio das lesões 27 casos, sendo 16 na mandíbula. Em vistas na radiografia panorâmica foi de 13 casos houve acometimento da borda 31mm e especificamente na mandíbula inferior da mandibula e em 17 casos o foi de 32,4mm, com variação entre 10 a canal deslocado 80mm6. A localização, dimensões e o inferiormente ou apresentou sinais de caráter unilocular dos TOQ relatados no erosão. foi presente trabalho são condizentes com o mais citado estudo e esses achados também e os pacientes mandibular Reabsorção observada em 13 foi com radicular pacientes, predominantemente velhos, e em 19 não houve esse achado. contribuíram para Em 20 casos havia o envolvimento de hipóteses diagnósticas apresentadas. em a formulação das dente não irrompido e o perfil predo- Em um estudo epidemiológico de minante deste achado era de pacientes 46 TOQ, a maioria situada na mandíbula mais jovens. possuía contorno irregular. Dentre os 27 Nos três casos aqui descritos não casos mandibulares, 19 apresentavam havia o envolvimento de dentes não apenas mínima expansão de corticais, irrompidos ou reabsorção de raízes em sua maioria da cortical lingual, dentárias próximas às lesões. O canal enquanto 68 Revista ABRO, v.13, n.2, p. 55-72, jul./dez. 2012. a cortical vestibular encontrava-se com evidências de expansão. Em recorrência foi notada nos casos 1 e 2 e grandes TOQ, que envolveram o ramo os pacientes seguem sob controle. ascendente e o processo coronóide, a Entendemos expansão panorâmica adelgaçamento, sem foi, em alguns casos cirúrgica. Nenhuma evidência que é a de radiografia adequada para o considerável8, o que vem a confirmar acompanhamento afirmações anteriores sobre expansões TOQ mandibulares, reservando-se o uso observadas de TC, ou preferencialmente TCFC, para em lesões de grandes dimensões localizadas nessa região9. O molares envolvimento não de irrompidos, pós-tratamento de casos em que a panorâmica não é terceiros conclusiva ou é insuficiente para reabsorção análises mais específicas em áreas de radicular de dentes próximos à lesão e maior sobreposição de imagens ou de deslocamento de dentes foram achados maior complexidade anatômica (fossas associados nasais e seios maxilares por exemplo). à presença de TOQ, respectivamente em 28%, 13% (dentre Apesar da maioria dos pacientes os que envolviam áreas de suporte dos portadores de TOQ apresentarem-se dentes) e 17% dos casos. Perfuração da assintomáticos4, cortical foi observada em 59% dos casos apresentar localizados na mandíbula, geralmente relacionadas lingual. O médio queixas, a podem especialmente edema na região 7 acometida . Dentre os casos relatados, aparecimento de recorrências foi de 2,2 no caso 2 o paciente apresentou edema anos dos facial e referiu sintomatologia dolorosa, pacientes. Foram determinadas a partir além de diminuição de sensibilidade na da análise de imagens de radiografias área afetada. ocorreram em para mesmos o e tempo os 39% panorâmicas e TC quando a panorâmica Tais achados provavelmente tem não era suficiente, como por exemplo etiologia em casos de TOQ que acometiam os secundária presente e à compressão do seios maxilares8. Nos casos 1, 2 e 3 aqui nervo alveolar inferior respectivamente. relatados o tempo de acompanhamento associada à infecção No caso 1 descrito no presente foi, respectivamente de 4 anos, 3 anos e trabalho 1 ano, neste último caso ainda em apresentada andamento estava associada ao terceiro molar com após a descompressão Revista ABRO, v.13, n.2, p. 55-72, jul./dez. 2012. a sintomatologia muito dolorosa provavelmente 69 irrompimento parcial e não ao TOQ basocelulares e a idade dos pacientes propriamente dito. (na segunda e oitava décadas de vida Na análise de 106 pacientes houve maior índice de recorrência). Nos portadores de TOQ, 14,1% apresen- três tavam carcinomas trabalho, não havia qualquer evidência nevóides basocelulares, caracterizada sugestiva da presença da síndrome dos pela presença de múltiplos TOQ e outros carcinomas nevóides basocelulares. a síndrome achados, dos incluindo descritos no presente carcinomas O tratamento de TOQ permanece basocelulares, nevos, calcificações da controverso e o espectro de possibi- foice cerebral, costelas bífidas, entre lidades contém métodos conservadores, outros7. Sinais radiográficos de margens tais como a enucleação simples e a irregulares descompressão, foram os casos evidenciados em e técnicas mais 16,5% dos casos e reabsorção radicular agressivas usando criocirurgia, destrui- foi observada em apenas um caso. ção química superficial no osso rema- Ainda sobre radiográficas, 3 as características nescente e ostectomia periférica, além TOQ apresentavam de táticas cirúrgicas mais radicais como margens mal definidas e 6 mostraram expansão na região da O reconhecimento precoce de mandíbula. Em 52,4% dos casos havia uma recorrência é crucial para evitar associação com dentes não irrompidos, mais danos para o paciente. A TC e os terceiros molares foram os mais oferece informações adicionais para o afetados (44,7%). Em média, os TOQ diagnóstico e planejamento do trata- multiloculares foram significativamente mento com visualização em 3D das maiores em largura vestibulo-lingual do estruturas ósseas e do osso cortical8. A que TOQ uniloculares. Os TOQ também importância foram na planejamento quanto para a supervisão largura vestíbulo-lingual em pacientes de recorrências de TOQ foi demonstrada com mais de 50 anos de idade em em um estudo onde a enucleação comparação com os pacientes menores cirúrgica foi utilizada como tratamento de 15 anos de idade. No estudo, maiores das lesões e a TC foi utilizada no índices de recidiva estiveram associados controle pós-operatório5. A TC também à síndrome dos carcinomas nevóides foi utilizada na avaliação dos efeitos da 70 Revista ABRO, v.13, n.2, p. 55-72, jul./dez. 2012. significativamente basilar a ressecção óssea6,13. maiores da TC, tanto para o descompressão cirúrgica em 15 casos 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS de TOQ com significativa precisão, Nos três casos descritos, os TOQ mostrando que o volume das lesões localizavam-se na região de ângulo e marsupializadas foi reduzido em mais de ramo ascendente. O acometimento da 50% em 239 dias. porção óssea medular e a ausência de Os resultados mostraram a importância da TC e a sua contribuição expansão de corticais foram achados comuns aos três casos. na diminuição dos prolongados períodos Os exames por imagens foram de descompressão18. Acreditamos que essenciais na formulação da hipótese mesmo os métodos convencionais, que diagnóstica de TOQ (confirmada através geram menos dose de radiação, a de análise histopatológica) e também exemplo de radiografias panorâmicas, mostraram-se também possam servir de parâmetro no controle pós-operatório. controle dos casos e, em associação aos neoformação achados clínicos, determinar se TOQ importante parâmetro na determinação estão de cura do TOQ e, considerando-se a respondendo bem à terapia satisfatórios óssea Evidências de representam alta nos casos 1 e 2 e também apontado por pacientes devem ser acompanhados por outros estudos . de o cirúrgica utilizada, conforme mostrado 7 possibilidade para recidiva, os um período mínimo de 5 anos. Quando indicada a realização de TC, preferencialmente deve-se lançar mão da tecnologia de feixe cônico, 5 AGRADECIMENTOS ESPECIAIS principalmente devido às menores doses Patologistas Orais Roberta Barro- de radiação geradas. No caso 3 descrito so Cavalcante e Eveline Turatti, Docen- no presente trabalho TC já estava tes do Curso de Odontologia da Univer- disponível e no controle optou-se pela sidade de Fortaleza (UNIFOR), pelas TCFC. análises histopatológicas que permitiram o diagnóstico das lesões descritas. __________________________________________________________________________ REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Philipsen HP: Keratocystic odontogenic tumour. In: Barnes L, Eveson JW, Reichart P, Sidransky D, (eds), WHO Classification Revista ABRO, v.13, n.2, p. 55-72, jul./dez. 2012. of Tumours. Pathology and Genetics of Head and Neck Tumours. Lyon: IARC Press, 306-307, 2005. 71 2. Slootweg PJ. Lesions of the jaws.Histopathology. 2009 Mar. 54(4): 401418. 3. Neville BW, Damm DD, Allen CM, Bouquot JE. Patologia Oral e Maxilofacial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2009. 4. Azevedo RS, Cabral MG, Santos TCRB, Oliveira AV, Almeida OP, Pires FR. 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