Garcia CB et al. RELATO DE CASO Tumor odontogênico queratocístico extenso de mandíbula: enucleação associada à crioterapia Extensive odontogenic keratocystic tumor of the mandible: enucleation associated to cryotherapy César Bertoldo Garcia1, Vinicius Faria Gignon2, Marcos Rossiter de Melo2, Sérgio Antônio Araújo Costa3, José Mariano Carvalho Costa4, Lucas Gomes Patrocinio5 RESUMO ABSTRACT Introdução: O tumor odontogênico queratocístico é uma lesão intraóssea benigna, com características malignas, pelo seu comportamento invasivo-destrutivo e grande tendência a recidiva. Mais prevalente na 2ª e 3ª décadas de vida, tem predileção pela região mandibular posterior e mais frequentemente no sexo masculino. Relato do Caso: O presente trabalho descreve o caso de uma paciente acometida por tumor odontogênico queratocístico recidivado em região de corpo, ramo, coronoide e côndilo mandibular, cujo tratamento foi realizado por meio de enucleação associada a crioterapia, com resultado satisfatório, evitando-se hemimandibulectomia e reconstrução condilar com prótese. Introduction: The keratocystic odontogenic tumor is a benign intraosseous lesion with malignant characteristics due to its invasive-destructive behavior and great tendency to relapse. It usually occurs during the 2nd and 3rd decades of life, in the posterior mandible, and in males. Case Report: In the present study, we report a patient affected by recurrent keratocystic odontogenic tumor in the region of the body, ramus, coronoid, and condyle of the mandible, which was treated by enucleation combined with cryotherapy with satisfactory results, avoiding hemimandibulectomy and condylar reconstruction with prosthesis. Descritores: Cistos Odontogênicos. Neoplasias Maxilomandibulares, Mandíbula/cirurgia. Key words: Odontogenic Cysts. Jaw Neoplasms. Mandible/surgery. 1.Médico, Residente em Otorrinolaringologia do Serviço de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil. 2.Médico, Otorrinolaringologista, Residente em Cirurgia Crânio-MaxiloFacial do Serviço de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil. 3.Cirurgião-Dentista, Especialista em Cirurgia Buco-Maxilo-Facial, Colaborador da Divisão de Cirurgia Crânio-Maxilo-Facial do Serviço de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil. 4. Cirurgião-Dentista, Especialista em Cirurgia Buco-Maxilo-Facial, Doutor em Ciências da Saúde, Colaborador da Divisão de Cirurgia Crânio-Maxilo-Facial do Serviço de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil. 5.Médico, Otorrinolaringologista, Cirurgião Crânio-Maxilo-Facial, Doutor em Ciências da Saúde, Chefe da Divisão de Cirurgia Crânio-MaxiloFacial do Serviço de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil. Correspondência: Lucas Gomes Patrocinio Rua Arthur Bernardes, 555 – 1º andar – Uberlândia, MG, Brasil – CEP: 38400-368 E-mail: [email protected] Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2011; 14(1): 60-2 60 Tumor odontogênico queratocístico extenso de mandíbula: enucleação associada a crioterapia INTRODUÇÃO Figura 2 – Fotografia intraoperatória demonstrando a enucleação dos cistos mandibulares. O Tumor Odontogênico Queratocístico (TOQ), ou queratocisto odontogênico, é uma lesão cística intraóssea da maxila e mandíbula, que se caracteriza por sua natureza destrutiva e comportamento agressivo. É mais prevalente no sexo masculino e, na maioria dos casos, localiza-se na mandíbula, com acentuada tendência para envolver a região posterior e ramo ascendente1. O aumento de volume e a dor são manifestações clínicas variáveis conforme a extensão da lesão2. O tratamento do TOQ pode ser realizado por enucleação, curetagem, marsupialização ou ressecção em bloco3. Várias técnicas foram descritas buscando diminuir a taxa de recorrência e a extensão da cirurgia, evitando-se ressecções segmentares, visto que se trata de um tumor benigno. Entre estas estão a colocação de solução de Carnoy (fixador de tecido) na loja cirúrgica e o uso adjunto de crioterapia, osteotomia periférica ou eletrocauterização4. No presente estudo, descrevemos o caso de um extenso TOQ que acometia quase toda uma hemimandíbula, cujo tratamento foi realizado através de enucleação associada à crioterapia, com resultado satisfatório, evitando a realização de hemimandibulectomia e reconstrução condilar com prótese. A paciente está com 1 ano de pós-operatório, sem sinais clínicos de recidiva tumoral. A radiografia panorâmica da mandíbula demonstra quase total reparação óssea dos cistos, sem sinais de recidiva (Figura 4). DISCUSSÃO RELATO DO CASO O TOQ, tradicionalmente conhecido como queratocisto odontogênico, foi recentemente renomeado para enfatizar a sua natureza neoplásica, agressiva e a alta taxa de recorrência. A incidência varia de 7 a 11% dos cistos localizados nesta região5, encontrando-se, com maior frequência, na região dos molares inferiores e no ramo da mandíbula6. A região do 3º molar inferior é o local mais comumente afetado, numa proporção 2:1 mandíbula/maxila7,8. Há uma predileção da lesão pelo sexo masculino, em torno da segunda e terceira décadas de vida, numa razão homem/mulher de 1,42:19, sendo os pacientes brancos mais comumente acometidos2. De etiologia controversa, acredita-se que os TOQs originem-se a partir de remanescentes celulares da lâmina dentária e que seu crescimento parece estar associado a fatores inerentes, desconhecidos, do próprio epitélio, ou à atividade enzimática na cápsula fibrosa10. Em tais lesões existe maior Paciente do sexo feminino, 43 anos, que foi atendida com história anterior de TOQ tratado cirurgicamente duas vezes por enucleação e marsupialização sem sucesso. Em outro serviço, foi indicada hemimandibulectomia e reconstrução com prótese condilar, porém a paciente recusou. Queixava-se de dor em região submandibular, grande abaulamento em região parotídea, trismo e drenagem de secreção purulenta intraoral. Na radiografia panorâmica de mandíbula, evidenciaram-se várias lesões císticas em corpo, ramo, coronoide e côndilo mandibular à esquerda (Figura 1). A paciente foi submetida a enucleação dos cistos via acesso submandibular (Figuras 2 e 3). Em associação, no intraoperatório, foi realizada crioterapia com spray de nitrogênio líquido (2 aplicações de 10 segundos, com intervalo de 2,5 minutos). A análise histopatológica confirmou o diagnóstico de TOQ. Figura 1 – Radiografia panorâmica demonstrando imagem radiolúcida multilocular de limites irregulares em corpo, ramo, coronoide e côndilo mandibular. Figura 3 – Fotografia demonstrando o espécime produzido pela enucleação dos cistos mandibulares. Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2011; 14(1): 60-2 61 Garcia CB et al. Como o nitrogênio líquido possui a capacidade de desvitalizar o osso in situ e manter a estrutura inorgânica intacta, a crioterapia pode ser utilizada para lesões localmente agressivas dos maxilares, incluindo o queratocisto odontogênico, ameloblastoma e fibroma cemento-ossificante. Entretanto, em decorrência da dificuldade em controlar a quantidade de nitrogênio líquido aplicada à cavidade, a necrose resultante e o edema podem ser imprevisíveis13. Devido ao alto poder de recorrência desse tumor, tem-se a necessidade de acompanhamento clínico e radiográfico anual por tempo indeterminado, dado que, apesar do maior número de recorrências ocorrer nos primeiros cinco anos (cerca de 70%), há relatos de recidiva após 40 anos do tratamento inicial3. Novos estudos com mais pacientes e um maior tempo de acompanhamento pós-operatório são necessário para referendar o tratamento de extensos TOQs mandibulares com enucleação associada a crioterapia. Figura 4 – Radiografia panorâmica da mandíbula demonstrando quase total reparação óssea dos cistos, sem sinais de recidiva, 1 ano após a cirurgia. CONCLUSÃO O TOQ é um tumor agressivo, cujo tratamento em casos extensos permanece controverso. A associação enucleação/ crioterapia parece promover resultados satisfatórios, tanto funcional e esteticamente quanto no controle da doença. número de mitoses quando comparadas a outros cistos, explicando seu comportamento mais agressivo11. O diagnóstico e a exata classificação dependem de exame microscópico do tecido, associado ao estudo cuidadoso dos dados clínicos e radiográficos. Nas fases iniciais, os TOQs são assintomáticos, porém, ao atingirem maiores dimensões, podem gerar sintomas caracterizados pelo mau posicionamento dentário, tumefação, drenagem espontânea de material pardacento, dor, parestesia e trismo2. Radiograficamente, as lesões podem se apresentar sob um aspecto unilocular ou multilocular, sendo que a maior parte exibe imagens radiolúcidas uniloculares bem definidas associadas à coroa de um elemento dental9. Estes dados, portanto, quando associados ao exame histopatológico típico, caracterizado por lesão que apresente uma cápsula cística composta por parede epitelial e parede de tecido conjuntivo fibroso, confirmam o diagnóstico12. O diagnóstico diferencial é feito com outras lesões císticas, tais como ameloblastoma, cisto dentígeno, cisto periodontal lateral, cisto ósseo traumático, fibroma ameloblástico, cisto odontogênico calcificante, tumor odontogênico adenomatoide, lesão central de células gigantes e cisto do ducto nasopalatino2. O tratamento do queratocisto odontogênico é realizado de forma dita conservadora, por enucleação, curetagem e marsupialização, ou de forma radical, por meio de ressecção em bloco, seguida ou não por enxerto ósseo, em geral utilizada para os queratocistos recorrentes3. A colocação de solução de Carnoy (fixador de tecido) na loja cirúrgica, crioterapia, osteotomia periférica ou eletrocauterização parecem reduzir a chance de recidiva4. O tratamento de lesões extensas permanece controverso. Buscam-se formas de tratamento em que haja preservação óssea, sem comprometer o controle da doença. No presente estudo, descrevemos o caso de um extenso TOQ que acometia quase toda uma hemimandíbula, cujo tratamento foi realizado com enucleação associada a crioterapia, com resultado satisfatório, evitando-se a hemimandibulectomia e a reconstrução condilar com prótese. Com 1 ano de acompanhamento, a paciente mantém-se livre da doença. REFERÊNCIAS 1.Zhao YF, Wei JX, Wang SP. 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Apresentado no XI Congresso Brasileiro de Cirurgia Crânio-Maxilo-Facial, em Natal, RN, Brasil, em junho de 2010. Trabalho realizado na Divisão de Cirurgia Crânio-Maxilo-Facial, Serviço de Otorrinolaringologia, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil. Artigo recebido: 15/7/2010 Artigo aceito: 23/10/2010 Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2011; 14(1): 60-2 62