LONGE DOS HOMENS de David Oelhoffen_ 7 de Janeiro de 2016 sinopse Argélia, 1954. Daru (Viggo Mortensen) é um professor idealista que apenas deseja ajudar os seus jovens alunos a crescer e ter uma vida melhor. Um dia é obrigado a escoltar Mohamed (Reda Kateb), um aldeão acusado de homicídio, até à cidade de Tinguit, onde terá de ser entregue à polícia para julgamento. Apesar da recusa inicial, Daru aceita a missão. Porém, perseguidos por homens que procuram fazer justiça pelas suas próprias mãos, os dois vêem-se perdidos no deserto. Sem escolha, eles sabem que têm de continuar o caminho, mesmo cientes das poucas hipóteses de sobreviver aos perigos da jornada… Com realização de David Oelhoffen ("En Mon Absence", "Nos Retrouvailles"), um drama sobre dilemas interiores e o absurdo da existência, que é uma adaptação livre do conto "O hóspede", escrito, em 1957, por Albert Camus, o nobelizado escritor e filósofo francês (nascido na Argélia) conhecido pela sua filosofia do absurdo Título original: Loin des Hommes (França, 2014, 101 min.) Realização: David Oelhoffen Interpretação: Viggo Mortensen, Reda Kateb, Djemel Barek Argumento: David Oelhoffen, a partir da obra O Hóspede de Albert Camus Fotografia: Guillaume Deffontaines Montagem: Juliette Welfling Musica: Nick Cave e Warren Ellis Produção: Marc du Pontavice, Matthew Gledhill Classificação: M/12 Estreia: 6 de Agosto de 2015 Distribuição: Alambique Fiel, não à letra, mas ao espírito de Albert Camus, do qual adapta um conto, L’hôte, o cineasta dirige os actores com uma delicadeza rara - Télérama É, simplesmente, um grande western tradicional: a língua e os detalhes culturais podem ser diferentes, mas a elegância esparsa e os dilemas morais são familiares e tão sugestivos como sempre (…). LONGE DOS HOMENS é, de forma discreta, um filme grandioso e belo. - Indiewire O que faz com que funcione é a eficiência solene com que o realizador David Oelhoffen conta a história e a intensidade silenciosa dos dois protagonistas: a ternura rude do olhar de Mortensen contrapõe-se bem ao comportamento conflituante de Kateb. - New York Magazine Camus estabelece o rumo inicial do filme, mas Oelhoffen leva-o firmemente a bom porto com contexto político, análise histórica retrospectiva, um imperativo moral inequívoco e um par de interpretações bem emparelhadas. Dito de outra forma, apropria-se da história. - New York Times Cineclube de Joane 1 de 4 Uma história de amizade e a uma visão da liberdade. Inês Lourenço, DN de 6 de Agosto de 2015 Uma parábola do livre arbítrio 1954, Guerra da Argélia. Longe dos Homens dá-nos uma conjuntura histórica, mas desce às tensões individualizadas. Seduzido pelo conto de Albert Camus, L"hôte (O Hóspede), David Oelhoffen catalisa para o cinema o grito existencialista da literatura camusiana. É bem verdade que o modelo da amizade masculina encontra, muitas vezes, na sétima arte a sua expressão mais justa. Longe dos Homens entrega-se pois a essa qualidade, juntando Viggo Mortensen, no papel de um professor - Daru - instalado nas montanhas do Atlas, e Reda Kateb, representando um aldeão acusado de homicídio, que deve ser conduzido por Daru ao tribunal da cidade de Tinguit. Nesse desígnio, o filme converte-se à paisagem de um western, com dois corpos em fuga na aridez dominante. Daru quer convencer Mohamed (não havia um nome mais original para Kateb?) de que ele pode escolher a liberdade, em vez de se entregar às autoridades - e todo o tempo é dedicado a essa "aprendizagem" da escolha. Fixado numa extraordinária paisagem, Longe dos Homens é um bem-aventurado dueto de representação, vigiado pelos acordes de Nick Cave e Warren Ellis. Para lá dos clichés políticos João Lopes, DN Viggo Mortensen e Reda Kateb são os dois magníficos intérpretes de um filme que evoca os conflitos na Argélia dos anos 50 — "Longe do Homens", de David Oelhoffen, procura a verdade dos homens para lá dos limites da cena política. Eis um filme atípico que, infelizmente, corre o risco de passar despercebido no meio de uma paisagem de Verão dominada pelas campanhas mais agressivas (de filmes "bons" ou "maus", não é isso que está em causa). De facto, "Longe dos Homens" propõe um exercício de revisitação da história que, para além da complexidade factual, envolve a necessidade de superar qualquer cliché político ou moral. O realizador David Oelhoffen inspirou-se num conto de Albert Camus (1913-1960), "L'Hôte", para contar uma história da Argélia de 1954, numa altura em que se agudizam os conflitos com a França que conduziriam à independência argelina em 1962. É uma história centrada em dois homens reunidos por circunstâncias mais ou menos fortuitas: um professor de francês que dá aulas a crianças numa escola perdida no meio de uma paisagem desértica; e um prisioneiro árabe que esse professor é encarregado de devolver às autoridades. Rapidamente enredados nos conflitos que começam a proliferar, os dois homens vão, afinal, viver um processo de mútua e dramática descoberta. De tal modo que a escolha do lado "bom", seja ele qual for, se pode revelar um equívoco que só pode desembocar na perda de dignidade. Acima de tudo, Oelhoffen conseguiu fazer um filme sobre a não coincidência dos destinos dos homens com os parâmetros mais maniqueístas da política (ou da ideologia que a pode sustentar). E contou com dois actores brilhantes: Viggo Mortensen, no papel do professor, e Reda Kateb (que vimos recentemente em "O Astrágalo"), assumindo a personagem do prisioneiro. Cineclube de Joane 2 de 4 A lei, o deserto e Viggo Mortensen _ Entrevista ao realizador Luís Miguel Oliveira, Público de 6 de Agosto de 2015 É pragmático, tudo se define pela acção, é como que uma projecção do lado interiorizado e reflexivo da escrita de Albert Camus - Longe dos Homens adapta um conto do escritor. É como um western Albert Camus não é o escritor mais na moda, nem é um escritor assim tão adaptado pelo cinema, havendo sobretudo memória da adaptação de O Estrangeiro que Luchino Visconti dirigiu em 1967, com Marcello Mastroianni no protagonista. A grande particularidade de base de Longe dos Homens, segunda longa-metragem do francês David Oelhoffen, é a sua inspiração camusiana. O ponto de partida é um conto do escritor de origem argelina, O Hóspede, publicado em 1957. Estamos na Argélia, nos momentos iniciais, ou ainda meramente indiciadores, da guerra pela independência, com a tensão entre colonos franceses e a população árabe a crescer, e a um professor primário (Viggo Mortensen) numa localidade isolada cai nas mãos a incumbência de conduzir um jovem árabe (Reda Kateb), acusado de matar um primo, até à cidade mais próxima para ser entregue à justiça. Depois de um preâmbulo – que é o que mais corresponde ao conto de Camus – em que ambos travam conhecimento, enquanto o árabe é mantido sob custódia na pequena escola, põem-se ao caminho, num jornada pelo deserto, tratado como um território de “fronteira” onde a lei é incerta ou ineficaz, de forma aproximável ao de tantos westerns clássicos. Tudo é bastante singular, das ressonâncias (políticas, filosóficas) que a convivência do par de personagens suscita ao tratamento, resolvido numa austeridade muito pragmática, que Oelhoffen faz da escrita de Camus. Em conversa telefónica com o realizador, queremos começar por saber se o que o conduziu a este filme foi um interesse genérico pela abordagem da obra de Camus ou, mais simplesmente, uma atracção por esta história específica. Num primeiro momento a resposta de Oelhoffen é simples: há muito tempo que se sentia atraído por este texto em concreto (um conto de apenas 12 páginas), que tinha “descoberto por acaso” e pensou no filme como uma maneira de descobrir porque é que ele o "tocava tanto”. Mas quando lhe perguntamos em que medida a questão histórica e o contexto argelino eram importantes para essa sua atracção a resposta adensa-se. Oelhoffen precisa que o relato de Camus (embora publicado em 1957) foi escrito em 1954, num momento em que a guerra ainda não tinha de facto começado. “Mas o texto de O Hóspede, continua, “dá-me para o primeiro quarto de hora de filme, mais ou menos”. A partir daí a inspiração “são as Crónicas Argelinas, sobretudo as mais antigas, escritas ainda nos anos 30, onde Camus já prenunciava a guerra como algo inevitável, dada a relação entre os franceses e as populações locais”. E se ele próprio, David Oelhoffen, não tem nenhuma relação directa com a Argélia, o seu pai "foi lá professor primário [como o protagonista do filme], esteve ligado aos movimentos independentistas e tinha uma conexão mais ou menos subterrânea com o PCF. Nunca soube exactamente o que é que ele lá fez porque ele nunca me falou muito disso, mas sim, há esta relação”. Que portanto cria uma aproximação pessoal entre o realizador e o protagonista da história, assim como sugere um reflexo do próprio percurso de Camus. Cineclube de Joane 3 de 4 Tudo pela acção Em todo o caso, a força de Longe dos Homens está na maneira como se furta a ser um “filme de tema”. É pragmático, tudo, inclusive as personagens, se define pela acção, é como que uma projecção do lado interiorizado e reflexivo da escrita de Camus. As coisas estão lá, inclusive a “questão argelina”, mas raramente são trazidas para o primeiro plano, aparecem por reflexos, por sinais, ou por momentos razoavelmente curtos, sem sublinhados. Longe dos Homens descarna a narrativa, procura ficar-lhe só com o osso, e esse “osso” é razoavelmente universal: um território não dominado, quase selvagem, e as questões que isso coloca, seja em termos de identidade seja em termos de relação com a lei. Oelhoffen concorda com esta observação, e é ele que menciona a palavra western que nos estava no espírito desde o visionamento do filme quando diz que “consegue imaginar o essencial desta história em muitos lugares, por exemplo no território da velha ‘fronteira’ americana”. Pegando na deixa, sugerimos que um dos temas cruciais do western enquanto género é justamente a questão da lei, e da sua difusa aplicação. Oelhoffen acrescenta: “Mais do que apenas a lei, tomada como absoluto, é a existência de várias leis, pessoais ou comunitárias; aqui, por exemplo, há a lei dos colonos franceses e a lei dos árabes” (e, acrescentamos nós, variadas interpretações de cada uma dessas leis). “Mas penso”, continua, “que a questão central tem a ver com o confronto entre leis diferentes”. Ou a origem do conflito: só uma delas pode prevalecer. O que nos leva a outra questão fulcral: a identidade. A identidade não como um adquirido mas como uma escolha, em simultâneo uma manifestação de liberdade e responsabilidade. É um pouco aquilo de que, ao longo de todo o filme, o professor primário tenta convencer o seu cativo/protegido: que ele tem, pelo menos, uma margem de escolha (é um dos melhores planos do filme, quando Mortensen, do topo da paisagem, fica a ver Kateb a hesitar entre o destino que escolhe: ou a cidade ou o deserto). Mas a identidade é também algo atribuído pelos outros. Numa cena o professor diz: “Os meus pais eram imigrantes espanhóis, os franceses tratavam-nos como se fôssemos árabes e os árabes como se fôssemos franceses”. É uma frase, diz Oelhoffen, que reflecte “a experiência do próprio Camus, cuja mãe era espanhola, havia aliás uma grande comunidade argelina de imigrantes espanhóis que os franceses tratavam como árabes”. Mas, voltando à questão da identidade, “a personagem central é alguém que se enganou: pensava que era uma coisa, via-se como um argelino, e depois percebe que para os argelinos ele nunca será um deles”. É uma questão “muito presente no mundo contemporâneo, em França e noutros sítios, e penso que tenderá a intensificar-se com o aumento dos fluxos migratórios: pessoas que pensam ser uma coisa, franceses por exemplo, e se apercebem que o mundo à volta as vê como outra coisa, árabes por exemplo”. Longe dos Homens reúne dois contributos pouco esperados num filme francês com estas características: a música original (composta por Nick Cave e Warren Ellis, com tonalidades “westernianas” que parecem um tanto deslocadas mas não deixam de fazer o seu sentido) e a presença de Viggo Mortensen (que não parece nada deslocado, acredita-se nele a partir do primeiro minuto). Oelhoffen “sabia que não queria um actor francês”. Queria um actor que “encarnasse por si mesmo a questão da identidade dividida ou difusa”. E Viggo “é um actor assim, ele próprio não sabe se é europeu, americano ou argentino [Mortensen viveu grande parte da juventude na Argentina], e ninguém consegue saber se é um actor de Hollywood ou antiHollywood, tanto o vemos em blockbusters como em filmes de autores marginais [é por exemplo o protagonista do último filme de Lisandro Alonso]”. Chegou a ele “por amigos de amigos”, que lhe garantiam que o actor estaria receptivo. Quando se encontraram pela primeira vez, Mortensen já trazia debaixo do braço uma biografia de Albert Camus. Oelhoffen soube imediatamente que tinha encontrado o seu actor. Cineclube de Joane 4 de 4