VAMOS FALAR CABOVERDIANO língua e cultura

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VAMOS FALAR CABOVERDIANO
língua e cultura
Esta obra foi patrocinada pela
Fundação Calouste Gulbenkian.
Ficha técnica
Título: Vamos falar caboverdiano, língua e cultura
Autor: Nicolas Quint
Versão portuguesa: Mafalda Mendes
Título original: Parlons capverdien, langue et culture
Consultor para a língua caboverdiana: Aires Semedo
© L'Harmattan, 2010
ISBN: 978-2-296-10360-3
EAN: 9782296103603
Nicolas Quint
VAMOS FALAR
CABOVERDIANO
língua e cultura
Adaptação para o português
Mafalda Mendes
L’Harmattan
OBRAS DE NICOLAS QUINT SOBRE A LÍNGUA CABOVERDIANA
Em português (ou bilingue com versão portuguesa):
Dicionário de Caboverdiano-Português, Lisboa, Verbalis, 1998 (CDrom/ papel).
[com Mafalda Mendes, Fátima Ragageles & Aires Semedo], Dicionário
Prático Caboverdiano-Português, Lisboa, Verbalis, 2002.
L’élément africain dans la langue capverdienne/ Africanismos na língua
caboverdiana, Paris, L’Harmattan, 2008.
O Caboverdiano de Bolso, Chennevières-sur-Marne, Assimil, 2009.
Em francês:
Lexique créole de Santiago - français, Praia/ Paris, Edição de autor 1996.
Dictionnaire français - cap-verdien, Paris, L'Harmattan, 1997.
Dictionnaire cap-verdien - français, Paris, L'Harmattan, 1999.
Grammaire de la langue cap-verdienne, Paris, L'Harmattan, 2000.
Le capverdien: origines et devenir d'une langue métisse, Paris,
L'Harmattan, 2000.
Parlons capverdien, langue et culture, Paris, L'Harmattan, 2003 (livro +
CD).
Le créole capverdien de poche, Chennevières-sur-Marne, Assimil, 2005.
Em alemão:
Kapverdisch (Kiriolu) Wort für Wort, Bielefeld, Éditions Reise KnowHow, 2.007, 192 p.
Traduções:
Semedo Aires (traduzido por Nicolas Quint), Lobu ku Xibinhu ku
Nhordés/ Compère loup, Compère lièvre et le Bon Dieu, Paris,
L'Harmattan, 2005 (livro + CD).
Semedo Aires (traduzido por Nicolas Quint), Lobu, Xibinhu ku Nha Tiâ
Gánga/ Le loup, le lièvre et la sorcière Tia Ganga, Paris,
L'Harmattan, 2005 (livro + CD).
Semedo Aires (traduzido por Nicolas Quint e Fátima Ragageles), Gó ki
pórka dja torsi rábu/ Le cochon qui tord la queue/ Agora é que a
porca torce o rabo, Paris, L'Harmattan, 2007 (livro + CD).
Aux soirs de grande sécheresse sur la terre,
lorsque les hommes en voyage disputent des choses de l’esprit
adossés à de très grandes jarres,
j’ai entendu parler de toi de ce côté du monde.
Saint-John Perse, La gloire des Rois.
Nas noites de grande seca sobre a terra,
quando os homens em viagem discutiam as coisas do espírito
recostados em cântaros enormes
ouvi falar de ti desse lado do mundo.
Saint-John Perse, La gloire des Rois.
A Paul Teyssier, meu mestre e amigo, que nos deixou há já quase
nove anos. Ele amava o português e o crioulo, mas acima de tudo amava
o saber e a ciência, que serviu com rigor, honestidade e humanidade.
Tenho a ousadia de acreditar que esta obra lhe teria agradado.
Agradecimentos
Agradeço a todos os que me ajudaram a elaborar este manual.
Muito em particular a:
- Fundação Calouste Gulbenkian, que apoiou a tradução e
subsequente publicação da versão portuguesa do meu livro;
- Mafalda Mendes, minha colaboradora e amiga, que sempre me
incentivou a prosseguir na minha investigação sobre o crioulo de Cabo
Verde e que se encarregou da versão portuguesa deste manual;
- Aires Semedo, meu colaborador e amigo, que releu todo o texto
caboverdiano e de cuja competência em caboverdiano, sua língua
materna, a revisão final da obra beneficiou;
- François Post das edições Africa Nostra, que muito amavelmente
autorizou a reprodução dos textos das canções Sodade e Petit Pays nas
duas versões do livro: a francesa e agora a portuguesa;
- Martine Vanhove e Pierre Nougayrol, que sabiamente me
aconselharam na redacção do texto original em francês;
- Jeanne Zerner e Danielle Bonardelle, que compuseram a capa da
versão portuguesa deste livro;
- Guillaume Segerer, que produziu os mapas incluídos na obra;
- Henry Tourneux pela sua ajuda bibliográfica;
- Mic Dax, pelas suas preciosas referências discográficas.
- Christian Chanard, Jeanne Zerner e Benoît Legouy, sempre
prontos a me socorrer quando o meu computador não se comportava com
a docilidade desejada;
- Grupo de estudantes de espanhol da Universidade de Caen que
frequentou assiduamente a disciplina opcional de Língua Caboverdiana,
no ano lectivo de 1998-1999, e experimentou as dez primeiras lições
deste manual. As suas observações e comentários contribuíram
significativamente para o aperfeiçoamento deste livro.
***
Este trabalho beneficiou também do apoio e encorajamento de:
- Mari Paz e Élise-Marie, como de toda a minha família;
- Adérito Semedo, que foi o meu primeiro professor de crioulo;
- Gaby, o amigo que, nos momentos em que a saudade das ilhas era
mais premente, sempre me acolheu no seu ambiente crioulo;
- Todos os caboverdianos que há mais de quinze anos me recebem
nas suas casas, especialmente aqueles que permanecem nas ilhas e que
revejo com alegria cada vez que regresso ao seu país. Uma menção
especial para a Mimita e a sua família.
***
Quanto aos erros e às imperfeições que inevitavelmente persistirão
nesta obra, desde já agradeço aos meus leitores que deles me dêem
notícia. Desse modo poderão contribuir para o aperfeiçoamento de uma
eventual segunda edição.
INTRODUÇÃO À VERSÃO PORTUGUESA
PORQUÊ UM MANUAL DE APRENDIZAGEM
DE CABOVERDIANO PARA LUSÓFONOS?
Algumas pessoas talvez se surpreendam ao ver aparecer este
primeiro manual de aprendizagem de caboverdiano como língua
estrangeira destinado ao público lusófono. Com efeito, desde que entrou
para a história, Cabo Verde foi e continua a ser um país de língua oficial
portuguesa. A língua que se aprende na escola em Cabo Verde é o
português, os grandes autores caboverdianos escrevem a maior parte da
sua obra na língua de Camões, que dominam com mestria.
Se bem que Cabo Verde pertença à comunidade lusófona, os
caboverdianos dispõem também de uma língua própria, o caboverdiano
ou crioulo de Cabo Verde. Os documentos administrativos, os livros e os
media expressam-se em português. Mas os caboverdianos, em família, na
rua ou no local de trabalho, falam, amam, choram, gritam, cantam,
divertem-se e pensam em caboverdiano. A grande maioria dos
caboverdianos está ligada ao português, mas na intimidade fala crioulo, a
maior e a mais nobre criação de todos os tempos do Povo Caboverdiano,
nas palavras de António Manuel Mascarenhas Monteiro, ex-presidente da
república de Cabo Verde.
De modo geral, é possível comunicar em Cabo Verde usando o
português, mas só com o crioulo se torna possível compreender
verdadeiramente a alma dos ilhéus. Este manual propõe-se abrir-lhe as
portas para a língua caboverdiana moderna, tal como é falada hoje por
cerca de um milhão de pessoas, das quais 500.000 vivem nas ilhas de
Cabo Verde e mais de 100.000 na região de Lisboa, onde a população
caboverdiana quase iguala a população da Praia, capital de Cabo Verde.
Este manual é também como uma mão estendida, uma ponte entre
Cabo Verde e a lusofonia. O charme e a riqueza de Cabo Verde residem
em grande parte nessa dupla identidade, lusófona e crioula – essa
dimensão crioula do arquipélago tantas vezes menosprezada, ou mesmo
desprezada pelos restantes lusófonos. Para muita gente, ainda nos nossos
dias, o crioulo não passa de um português mal falado, um dialecto
lusitano em que os verbos não são conjugados. No entanto, a realidade
não é bem essa, e falar bem crioulo não é fácil. O caboverdiano, tal como
o povo que o engendrou, teve uma génese mestiça, do português ficou a
maior parte do material lexical, das línguas africanas alguns princípios de
organização gramatical. Falar crioulo com os seus amigos caboverdianos
é uma demonstração de respeito pela sua língua e pela sua cultura,
semelhante ao respeito por eles demonstrado quando falam consigo em
português, não sendo esta a sua língua materna. As relações entre os
países são, afinal, como as relações entre pessoas: a amizade duradoira e
verdadeira pressupõe reciprocidade, a todos os níveis, muito
particularmente no que toca às questões linguísticas.
Resta-nos apenas desejar-lhe sorte na sua aventura pelos meandros
da gramática do caboverdiano. Aprenda crioulo e sobretudo fale-o com os
caboverdianos: os seus sorrisos, os seus risos e a sua amizade
recompensá-lo-ão de todos os esforços.
Nicolas QUINT, Villejuif, 16 de Março de 2010
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INTRODUÇÃO
PORQUÊ, PARA QUEM, UM MANUAL DE CABOVERDIANO?
Térra póbr, xei d'amor
"Terra pobre, cheia de amor"
(canção caboverdiana dedicada a Cabo Verde)
Quer aprender caboverdiano? Há para isso muitas e boas razões. O
caboverdiano, ou crioulo de Cabo Verde, é a chave para uma cultura com
mais de quinhentos anos, a da república de Cabo Verde. Conhecendo o
caboverdiano, poderá apreciar melhor as canções de Cesária Évora,
compreender as histórias das batucadeiras, os textos do funaná e das
coladeiras, as inúmeras e variadíssimas canções e músicas que os
caboverdianos exportam para todos os cantos do mundo.
Esta língua permite-lhe comunicar com mais de um milhão de
caboverdianos, que, nas ilhas ou na diáspora, cultivam o caboverdiano
como língua materna e quotidiana. Trata-se de um falar mestiço,
românico e africano, umas vezes fascinantemente familiar, outras
tremendamente (ou melhor, saborosamente) exótico. Em suma, uma
língua que merece ser aprendida.
Este manual dirige-se a três grandes públicos:
- Principiantes lusófonos que queiram aprender o caboverdiano.
Este manual fornece-lhes sólidas bases de língua, bem como elementos de
cultura.
- Caboverdianos ou descendentes de caboverdianos em países
lusófonos que apenas conhecem a modalidade oral da língua. Estas lições
oferecem-lhes os conhecimentos indispensáveis para o domínio da
gramática e da escrita da língua caboverdiana moderna.
- Meros curiosos que desejam conhecer alguma coisa da cultura de
Cabo Verde, mas sem investimento excessivo. As rubricas de cultura e o
léxico temático proporcionam uma primeira aproximação à língua e
deixam, assim o espero, a vontade de ir mais além na respectiva
aprendizagem.
O léxico caboverdiano é maioritariamente de origem portuguesa.
Por esse motivo, a aprendizagem desta língua não é difícil para os falantes
lusófonos, que, regra geral, conseguem atingir um razoável nível de
fluência com alguma rapidez. Este manual vai ajudá-lo a atingir esse
objectivo. Para o conseguir, o segredo é simples: regularidade. Se praticar
diariamente durante quinze minutos, aprenderá mais facilmente do que se
trabalhar três horas seguidas de quinze em quinze dias (isto aplica-se à
aprendizagem de qualquer língua). E claro que irá aprender ainda mais
depressa se tentar aplicar os seus conhecimentos conversando com os
seus amigos caboverdianos.
Resta-me apenas desejar-lhe boa sorte e esperar que muito em
breve possa falar caboverdiano sima pó di téra, como um caboverdiano
de gema, ou mais literalmente "como as árvores da terra ".
MAPA 1. O ARQUIPÉLAGO DE CABO VERDE
4
AS ORIGENS DE CABO VERDE
E DA LÍNGUA CABOVERDIANA
Kuándu mundu novu kunkí na portom di nós ilia, "quando o
mundo novo bateu à porta das nossas ilhas...", assim reza um poema
caboverdiano, musicado pelo grupo Os tubarões, que alude à entrada de
Cabo Verde na história. No final do século XV, os navegadores
portugueses, à descoberta dos oceanos, encontraram um arquipélago, ao
largo do cabo da península de Dacar (África Ocidental), denominado
Cabo Verde, e baptizaram-no com o nome desse promontório. As ilhas
eram áridas e virgens, sem rasto de presença humana. Ao sul, as ilhas do
Sotavento: Santiago, Maio, Fogo, Brava. Ao norte, as ilhas do Barlavento:
Santo Antão, São Vincente, Santa Lúzia, São Nicolau, Sal e Boavista.
Cedo os descobridores compreenderam o partido que podiam tirar
daquele arquipélago inóspito, situado junto ao continente africano, mas
suficientemente longe da costa para ficar ao abrigo dos ataques das
populações autóctones. Cabo Verde torna-se uma base estratégica para a
frota portuguesa, que ali ancorava antes de partir para a Índia.
Santiago, a maior das ilhas, foi a primeira a ser povoada. Os
portugueses instalaram-se ali e não tardaram a trazer escravos negros para
os servir. Quando os portugueses chegam ao Brasil, a escravatura em
Cabo Verde assume proporções industriais. Santiago, tal como a ilha de
Goreia no Senegal e outros lugares ao longo da costa africana, torna-se
uma espécie de reserva para os escravos que os portugueses capturavam
ou compravam nas costas africanas para enviar para as plantações da
América do Sul, no outro lado do Atlântico. Os cativos passavam alguns
meses nas ilhas: eram baptizados, aprendiam ofícios (oleiros, lavradores,
ferreiros...) e aprendiam um português rudimentar. Os negros assim
formados foram chamados ladinos (porque compreendiam a língua latina,
ou seja, o português). Eram depois revendidos a preços mais elevados nos
mercados da América do Sul e das Antilhas. No século XVII vive-se o
apogeu da Capitania de Cabo Verde: a capital das ilhas, Ribeira Grande (a
actual Cidade Velha, na costa oeste de Santiago), tinha mais de 10.000
habitantes, e os panos azuis de Cabo Verde serviam de moeda de troca
(na aquisição de escravos) em todas as costas da África Ocidental.
Dá-se, em seguida, a decadência: por volta de 1650, os privilégios
comerciais dos mercadores portugueses de Santiago são reduzidos pela
coroa portuguesa. No século seguinte, os piratas ingleses e franceses
5
vandalizam a Ribeira Grande. No último assalto, os corsários franceses
arrasam a cidade e incendeiam a catedral, da qual hoje apenas restam
ruínas.
Entretanto, um novo povo se tinha formado, o povo caboverdiano.
Os escravos escaparam-se das cidades controladas pelos portugueses e
colonizaram o interior da ilha. Os fugitivos eram designados vadios e é
desse termo que deriva o nome crioulo dado aos santiaguenses, badiu.
Nas cidades, os senhores brancos tinham concubinas negras e muitos
filhos mulatos nasceram dessas uniões. A população tornou-se cada vez
mais mestiça e o mesmo aconteceu à língua. O português dos senhores
misturava-se com as línguas africanas dos escravos (principalmente o
uólofe, o mandinga e o timené). Tinha nascido o crioulo, uma língua
nova, com o vocabulário enraizado no português e a gramática nas
línguas africanas. Esta língua mestiça torna-se muito rapidamente a língua
materna de quase toda a população.
A partir de Santiago, faz-se o progressivo povoamento de todo o
arquipélago: primeiro o Fogo, logo no século XVI, por último o Sal,
apenas no século XIX. As repetidas secas provocavam terríveis
mortandades nas populações. Em 1880 a escravatura foi abolida. A
população caboverdiana continuava a crescer e a terra não produzia o
suficiente para alimentar toda a gente. Os ilhéus emigravam cada vez
mais, especialmente para os Estados Unidos da América. Outros
tornaram-se funcionários da administração colonial portuguesa.
O filho de um destes funcionários, um professor instalado na
Guiné-Bissau, deveria conhecer um destino fora do comum. Com efeito,
Amílcar Cabral, nascido em 1924 em Bafatá (Guiné-Bissau), funda com
alguns companheiros o PAIGC (Partido Africano para a Independência da
Guiné [Bissau] e de Cabo Verde), de que se torna dirigente máximo. A
partir de 1963, o PAIGC trava no continente uma luta armada contra as
forças portuguesas. Em 1973 Amílcar Cabral é assassinado em Conacri
(provavelmente a mando do governo português). Cabo Verde e a GuinéBissau tornam-se, apesar disso, um país independente a 5 de Julho de
1975 e o PAIGC assume o papel de partido único.
No novo país, porém, o equilíbrio entre caboverdianos e
guineenses é frágil. Os caboverdianos, mais ocidentalizados, têm acesso
privilegiado aos postos de maior responsabilidade, o que desperta
rancores e invejas nos meios guineenses. Em 1980, um golpe de estado na
Guiné-Bissau põe fim à união dos guineenses e dos caboverdianos. Em
Cabo Verde, o PAIGC, passa a designar-se PAICV (Partido Africano para
a Independência de Cabo Verde).
Em1991, as primeiras eleições livres em Cabo Verde dão a vitória
ao MPD (Movimento para a Democracia, de tendência liberal) e o PAICV
é afastado do poder. No mesmo ano, António Mascarenhas Monteiro (do
6
MPD) é eleito presidente da república. Nas eleições de 1996,
Mascarenhas Monteiro é reconduzido no cargo e o MPD mantém a
maioria na Assembleia Nacional. Em 2001, o PAICV torna a ganhar as
eleições legislativas e também as presidenciais. Pedro Pires, membro de
um PAICV renovado, preside desde então ao destino da república de
Cabo Verde.
GEOGRAFIA FÍSICA E HUMANA
Cabo Verde é um país independente, constituído por dez ilhas,
nove delas habitadas, situadas a cerca de quinhentos quilómetros ao largo
da península de Dacar1. É um país da zona sub-sahariana do continente
africano. Tem uma superfície de cerca de 4.000 km2 e a sua população
ronda os 500.000 habitantes. O arquipélago de Cabo Verde divide-se em
dois grandes grupos de ilhas:
- As ilhas do Sotavento, a sul: Maio, Santiago, Fogo, Brava. A
principal cidade do Sotavento é a Praia (120.000 habitantes), capital do
país, situada na ilha de Santiago.
- As ilhas do Barlavento, a norte: Boavista, Sal, São Nicolau, Santa
Luzia (deserta), São Vicente e Santo Antão. A principal cidade do
Barlavento é o Mindelo (70.000 habitantes), na ilha de São Vicente.
Actualmente, Cabo Verde enfrenta diversas dificuldades de
sobrevivência. As secas crónicas que afligem o território condicionam a
autonomia alimentar do país, que é forçado a importar quase 90% do seu
consumo alimentar. À escassez de recursos minerais e energéticos somase a hostilidade das condições climáticas. As cidades, onde o emprego
escasseia, têm vindo a ser alvo de um êxodo rural de proporções massivas
(mais de um terço da população de Cabo Verde concentra-se na Praia e no
Mindelo). A pesca e o turismo parecem ser as actividades com maior
viabilidade económica.
Muitos caboverdianos continuam a procurar a sorte no exílio, nos
Estados Unidos da América (mais de 200.000 pessoas), em Portugal
(mais de 100.000), em França e nos Países Baixos (entre 40.000 e 50.000
em cada país). Há ainda importantes comunidades de caboverdianos no
Senegal, em Angola e em muitos outros países. Pensa-se que para cada
caboverdiano a viver no arquipélago existam dois a viver no estrangeiro.
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O extremo da península de Dacar chama-se Cabo Verde, e é a este promontório
que se deve o nome das ilhas.
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A população caboverdiana, diáspora incluída, ultrapassa largamente o
milhão de pessoas (talvez 1.200.000 indivíduos).
A língua portuguesa é a língua oficial de Cabo Verde. No entanto,
o caboverdiano é a língua materna da quase totalidade (mais de 95%) da
população. Grande parte dos caboverdianos na diáspora continua a usar a
sua língua no contexto familiar, usando a língua do país de acolhimento
em contextos laborais e escolares. Se excluirmos os caboverdianos
linguisticamente assimilados, pode dizer-se que cerca de um milhão de
pessoas têm o caboverdiano como língua materna.
O caboverdiano é uma língua crioula, ou seja, uma língua que
resulta do encontro de diversas línguas, neste caso o português e as
principais línguas africanas faladas na África Ocidental: o mandinga, o
uólofe e o temné. Cerca de 95% das palavras do caboverdiano são de
origem portuguesa. No entanto, importantes padrões da morfologia da
língua seguem os esquemas do pensamento africano. Muito
particularmente, a estrutura do sistema verbal é muito marcada pelos
substratos mandinga e uólofe.
Hoje em dia, em Cabo Verde, 90% das crianças são escolarizadas.
O português é ainda a única língua de ensino. O facto de a língua materna
dos alunos não coincidir com a língua da escola levanta graves problemas
de escolarização. O francês e o inglês são línguas estrangeiras de
aprendizagem obrigatória.
Em Cabo Verde, muitas pessoas são capazes de se expressar em
português, principalmente nas maiores cidades. No campo, o português é,
pelo menos, parcialmente compreendido, mas a maioria das pessoas tem
grande dificuldade em comunicar nesta língua. Por todo o lado, é possível
encontrar quem compreenda o inglês ou o francês, em especial nas
cidades e nas ilhas mais turísticas (Sal e Boavista). No Fogo e na Brava,
muitas pessoas falam inglês devido à longa tradição de emigração para os
Estados Unidos. Mas em qualquer que seja a ilha, o conhecimento do
crioulo de Cabo Verde (ou pelo menos das bases da língua) facilita o
contacto mais directo com a população.
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A ESCOLHA DA LÍNGUA
Ao contrário do que acontece com o português, o caboverdiano
não dispõe de uma norma unanimemente reconhecida. Cada uma das ilhas
habitadas do arquipélago (nove ao todo) tem a sua própria variedade
linguística. Além disso, dentro de cada uma das ilhas, o crioulo falado no
interior apresenta diferenças relativamente ao crioulo falado nas cidades.
A maioria destas variedades são, no entanto, intercompreensíveis. Esta
diversidade, que faz lembrar um pouco a dos dialectos do árabe ou os
falares de Miranda e de Barrancos, tem certamente um encanto especial.
No entanto, ela constitui uma dificuldade tangível para um nãocaboverdiano.
Neste manual, optou-se pela variedade falada na ilha de Santiago.
Isto não significa que esta seja considerada melhor do que as outras. No
entanto, o crioulo falado na ilha de Santiago apresenta algumas vantagens
pedagógicas e práticas que justificam esta escolha:
- Trata-se da língua materna de cerca de metade da população das
ilhas de Cabo Verde.
- O santiaguense é compreendido por mais de 90% da população
caboverdiana. É a variedade do crioulo mais frequente na rádio e na
televisão caboverdianas.
- Quando se fala o crioulo de Santiago, pode compreender-se sem
grande dificuldade a maioria dos crioulos caboverdianos, à excepção dos
crioulos rurais da ilha de Santo Antão.
- O crioulo de Santiago está muito próximo dos crioulos falados
nas outras ilhas do Sotavento: Maio, Fogo, Brava. Se à população de
Santiago juntarmos a população dessas ilhas, podemos dizer que o
conhecimento do Santiaguense permite comunicar com cerca de 70% dos
caboverdianos.
O crioulo de santiago apresenta ele mesmo duas grandes
variedades: a urbana, falada na Praia, a capital, e a rural, falada no resto
da ilha. Estas duas variedades seguem, no essencial, as mesmas regras
gramaticais, mas o crioulo urbano apresenta numerosas influências do
português moderno, a língua oficial do país. Neste manual privilegia-se
sistematicamente o santiaguense rural fundamentalmente por dois
motivos:
- Nele são menos frequentes as interferências entre o português e o
crioulo;
- Muitos intelectuais caboverdianos consideram o santiaguense do
interior um símbolo da identidade caboverdiana, na medida em que esta é
a variedade que preserva mais vocábulos e expressões de origem africana
e apresenta menos decalques do português.
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Este manual propõe assim uma aprendizagem metódica do
santiaguense rural, não deixando, porém, de fazer as indispensáveis
pontes com as outras variedades do crioulo faladas no resto do
arquipélago.
MAPA 2. A ILHA DE SANTIAGO
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ORGANIZAÇÃO DO MANUAL
Vamos Falar Caboverdiano divide-se em quatro grandes partes:
1. As lições e a correcção dos exercícios propostos
Este manual inclui 23 lições organizadas do seguinte modo:
- A lição 0 visa proporcionar uma familiarização com as bases da
pronúncia das palavras e da ortografia da língua.
- As lições 1 a 20 têm por objectivo apresentar as bases da
morfologia do caboverdiano moderno. Cada lição inclui um texto breve
(normalmente em forma de diálogo), traduzido para português, seguido de
um léxico bilingue composto pelas palavras novas, de um comentário
gramatical, de exercícios de aplicação e de apontamentos sobre a cultura
caboverdiana.
- Nas lições 21 e 22, são propostos dois textos literários: o
primeiro da autoria de um dos melhores autores da língua caboverdiana,
Eugénio Tavares, e o segundo constituído por duas canções, uma
composta por Nando da Cruz, a outra, por Luís Morais e Amândio Cabral,
ambas interpretadas por Cesária Évora.
O conjunto dos textos das lições e dos exercícios pode ser acedido
a partir do registo áudio da respectiva locução por locutores nativos. No
caso de trabalhar sozinho, ou se não se encontrar num contexto de
imersão linguística, é indispensável trabalhar com base nestas gravações.
Escute-as e repita por diversas vezes o texto de cada lição. Não hesite em
voltar atrás para tornar a ouvir e repita a leitura as vezes que forem
necessárias. O pleno domínio da língua oral é fundamental para uma
língua que, como a caboverdiana, praticamente não é utilizada na escrita.
A correcção dos exercícios é apresentada no final do manual. É
aconselhável resolver estes exercícios por escrito antes de consultar as
respectivas correcções.
Após estudar seriamente o conjunto das lições deste manual, estará
apto a participar activamente numa conversa comum em caboverdiano
moderno. Além disso, graças à formação gramatical que terá recebido, no
momento em que entrar em contacto directo com um meio
caboverdianófono, ser-lhe-á muito mais fácil a aprendizagem de novas
palavras e expressões.
Finalmente, os apontamentos de cultura caboverdiana
proporcionam uma primeira abordagem à especificidade da cultura deste
povo, por contraste com as tradições portuguesa e europeia, permitindolhe compreender melhor a maneira de pensar e de ser dos seus amigos
caboverdianos.
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2. Os comentários gramaticais
No seguimento das lições, irá encontrar duas secções de conteúdo
gramatical:
- A primeira, intitulada Elementos de gramática do caboverdiano
moderno, recapitula sinteticamente as principais regras gramaticais
abordadas ao longo das lições, mas também desenvolve alguns aspectos
considerados de utilidade (por exemplo no que toca à formação dos
diminutivos e dos aumentativos);
- A segunda, intitulada Algumas notas acerca do mindelense,
apresenta um apanhado das características do mindelense, variedade
utilizada e compreendida nas ilhas do Barlavento.
3. Os léxicos
Três léxicos distintos completam esta obra:
- O léxico caboverdiano-português colige o conjunto dos termos
caboverdianos usado nas lições 1 a 22, com a respectiva tradução para
português e a indicação do número da lição em que cada termo ocorreu
pela primeira vez.
- A lista das palavras portuguesas usadas nos textos das lições
permite a pesquisa inversa. Partindo das traduções portuguesas das
palavras caboverdianas utilizadas nas lições 1 a 22, poderá encontrar o
número da lição em que é introduzido o termo caboverdiano que procura.
- O léxico temático caboverdiano-português é um miniguia de
conversação. Será particularmente útil para os utilizadores que, ao chegar
a Cabo Verde, não tenham tido tempo de aprender a língua previamente e
tenham de começar a apanhá-la no contacto directo com os
caboverdianos.
4. Índices
Um índice gramatical, um índice dos apontamentos de cultura e
um índice de mapas facilitam o acesso aos conteúdos do manual.
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