Carta 70

Propaganda
Dynamo
70
2.2011
Carta
7x (com juros)
Conforme vimos, o tema da Carta anterior foi provocado
pela publicação de alguns artigos na imprensa ao longo deste ano.
Preocupados com o crescimento acelerado do crédito no Brasil
e com o comprometimento de renda “exorbitante” do brasileiro,
os autores sugeriam que o país se encaminha para uma crise
financeira tipo subprime, a exemplo do que ocorreu nos Estados
Unidos. Relembrando, basicamente, o argumento destas matérias
se constrói da seguinte forma:
• No Brasil, a combinação de uma expansão rápida do crédito
interno e de taxas de juros elevadas produz no consumidor o
efeito perverso do comprometimento excessivo de sua renda
com o serviço da dívida. O brasileiro compromete cerca de
24% da sua renda anual com o pagamento de dívidas. Na
crise financeira dos Estados Unidos, o consumidor americano
‘explodiu’ com um comprometimento de apenas 14% da renda.
• Com os indicadores de crédito sob estresse, o Brasil estaria
se aproximando de uma crise tipo subprime, a exemplo dos
Estados Unidos.
• A evidência da trajetória de colisão do sistema chega através
do aumento da inadimplência, melhor indicador da saturação
da capacidade financeira das famílias.
• A bolha de crédito ameaça a solidez do nosso sistema financeiro e bancário. Prova disso, são as evidências recentes de
que os bancos menores estariam em dificuldades.
Na Carta anterior, procuramos qualificar o primeiro argumento acima, do comprometimento de renda, lembrando que
a crise financeira nos Estados Unidos teve gênese e evolução
específicas, derivadas da mecânica singular das engrenagens do
mercado hipotecário americano. Assim, estatísticas isoladas, fora
de seus respectivos ambientes, podem não dizer muito. Neste contexto, passamos a descrever as peculiaridades do nosso mercado
de crédito local. A idéia agora é continuar a análise, endereçando
os outros tópicos acima. No final, aproveitamos o ensejo do tema
para atualizar nossas considerações sobre o Itaú Unibanco, investimento importante da nossa carteira.
Crédito e crises
Os artigos na imprensa fazem eco de uma crença razoavelmente difundida: a exemplo de outros países, a expansão
acelerada do crédito no Brasil pode levar a uma crise no sistema
bancário. Novamente, não nos parece ser o caso. Primeiro, pelo
fundamento micro-econômico do setor. É baixa a alavancagem
do nosso sistema, os maiores bancos estão capitalizados, com
índices de Basiléia (17,1%) acima das exigências do Bacen (11%)
e dos padrões internacionais (8%), a liquidez do sistema é alta, o
loan to deposit não é elevado (1,1), as provisões são adequadas
e a supervisão do Bacen tem se mostrado bastante efetiva. Além
disso, a qualidade do funding no Brasil também é diferenciada.
O sourcing é praticamente todo local, diversificado, grande parte
depósitos de correntistas no varejo, o que traz capilaridade e
estabilidade. Os bancos praticamente não têm concorrência na
captação da poupança doméstica e, portanto, não precisam correr
riscos de originação externa. O risco de descasamento ainda é
baixo, já que o crédito imobiliário não predomina. O prazo médio
da carteira é curto (1,3 ano), o que permite que as correções de
rumo sejam executadas de forma rápida. No entanto, mesmo com
todas estas evidências disponíveis, este não tem sido o foco destas
análises. Nenhuma linha destes artigos na imprensa foi dedicada
às especificidades micro-setoriais do nosso sistema bancário. O
método preferido é o de comparar variáveis e experiências macroeconômicas de outros países.
Mesmo no campo das correlações macro, há problemas
no argumento. Se é verdade que as crises bancárias costumam ser
precedidas de uma expansão rápida do crédito, nem todo boom
de crédito termina em crise bancária. Ao contrário, a maior parte
deles é absorvido sem provocar grandes rupturas. De fato, estudos
empíricos mostram que os ciclos de expansão de crédito quando
acompanhados pela presença de outros ingredientes, como crescimento econômico, moeda estável, maior abertura comercial,
melhor supervisão bancária, geralmente não se transformam em
crises bancárias (Barajas e Dell’Ariccia, 2007). Há evidências
também de que o estágio do ciclo ajuda. Ou seja, booms de
crédito em países onde o desenvolvimento financeiro ainda não
está consolidado seriam menos propensos a terminarem numa
crise sistêmica. Por outro lado, as chances de instabilidade financeira aumentam quando o crescimento do crédito vem associado
ao aumento rápido nos preços dos ativos (Borio e Lowe, 2002),
à deterioração da qualidade do crédito (Kraft e Jankov, 2005) e
dos critérios de concessões de empréstimos (Dell’Aricccia, Igan
e Laeven, 2007). Inflação alta e um fluxo elevado de entrada de
capitais também estão presentes nos ciclos ‘ruins’. Se o nosso
Tabela 1
2003
Taxade Desemprego
12,4%
Taxade Emprego Informal
39,9%
Taxabásica de Juros (Selic-Bacen)
16,50%
Inflação Média (últimos 3 anos)
9,8%
Crescimento Anualdo PIB (últimos 3 anos)
1,7%
Crédito/PIB
24,6%
tres levou a um aumento da
inadimplência em alguns
segmentos - comporta6,7%
mento natural, tipicamente
30,8%
cíclico, compatível com os
dados históricos. Os ban10,75%
cos capturam a mensagem
do mercado e, precavi5,4%
dos, reduzem os resultados
presentes aumentando as
3,9%
provisões, ao mesmo tempo
46,4%
em que atualizam os modelos de crédito para a nova
conjuntura. Na verdade, em
nossa longa experiência de
acompanhamento do setor
no Brasil, percebemos que os bancos muitas vezes se antecipam
a uma eventual deterioração futura, aumentando ex ante os
spreads. Compensam nos preços o risco maior, mostrando
efetivo pricing power.
2010
Fonte: Bacen, Dynamo.
ciclo de crédito acusa a presença de alguns destes elementos
potencialmente ‘negativos’, o quadro geral do país nos permite
afastar com alguma tranqüilidade a hipótese de uma crise bancária no horizonte.
Assim, o crédito no Brasil se expande na esteira de diversos macro predicados: estabilidade da moeda, crescimento
econômico, expansão do emprego, formalização da economia,
amadurecimento institucional, segurança jurídica, democracia
política, desenvolvimento do mercado de capitais, condição de
investment grade, destino preferencial de investimento externo
direto, entre outros. Talvez mais importante ainda, em paralelo,
o Brasil conserva os micro atributos que asseguram sobriedade
neste ambiente de crescimento: um Banco Central com efetiva
capacidade de supervisão-controle e um sistema com mecanismos de feedback negativo em funcionamento2.
No nosso entendimento, as transformações estruturais do
país definem um ambiente benigno, onde o crédito se expande
de forma controlada, acomodando demandas de consumo há
tempo reprimidas. É nítida a macro-evolução dos indicadores
sócio-econômicos do país (Tabela1).
Dado o patamar ainda baixo de penetração do crédito no
Brasil, o aumento de participação do setor no PIB e a expansão
do mercado de crédito devem ser vistas como uma conseqüência
natural destas melhorias estruturais ilustradas acima.
Em 2011, vemos uma deterioração em alguns destes
indicadores. A inflação voltou a subir, ficando acima da meta,
e o crescimento econômico arrefeceu. Como resposta, o banco
central elevou o juro básico e o crédito no sistema já se expande a taxas menores. A reação ilustra a capacidade de resposta
do nosso sistema, mostrando que os mecanismos de feedback
automático estão em funcionamento. Os bancos no Brasil têm
controle sobre a oferta de crédito e o Bacen tem instrumentos
efetivos para direcionar o comportamento dos bancos. As medidas macroprudenciais recentes surgem nesta linha1. Nos Estados
Unidos, lembramos, o sistema perdeu a capacidade de controle
da oferta de crédito, tornando-se refém de uma variável externa: o
preço dos ativos imobiliários, definido num ambiente de mercado
artificialmente estimulado.
Crédito e bolhas
O aumento recente dos preços dos imóveis no Brasil
também tem sido lembrado como sinal de alerta para o país.
Principal vilão da crise americana, a bolha imobiliária já estaria
se infiltrando por aqui. O argumento também merece qualificações. Primeiramente, vale relembrar que a dívida imobiliária
ainda é muito baixa no Brasil. Representa apenas 18% do
estoque total de dívida das famílias, contra 75% nos Estados
Unidos3. O loan to value por aqui também é baixo, ou seja,
2 Exemplo recente foi a criação da Central de Cessão de Crédito (C3), iniciativa
do Banco Central e de entidades setoriais para melhorar a transparência e a
segurança das operações de cessão de carteira. A iniciativa é uma resposta
pronta, e promete ser efetiva, para endereçar o problema de duplicidade
de vendas de ativos, prática apurada no escândalo recente envolvendo a
administração do banco Panamericano.
O aumento recente das provisões para devedores duvidosos também ilustra esta disposição e capacidade dos bancos
no Brasil de ajustarem rapidamente seus balanços aos sinais
emitidos pela atividade econômica. A deterioração do ambiente
macro vis à vis a expansão rápida do crédito nos últimos trimes-
3 Com relação aos juros incidentes sobre as hipotecas, também há diferenças.
Quando a crise imobiliária americana explodiu, as hipotecas ‘pós-fixadas’ (ou
ARM, adjustable-rate mortgage) representavam cerca de 40% do mercado
total (Federal Reserve Bank of NY, 2010) e cerca de 80% do mercado subprime
(Dodd, 2007). Quando os preços dos imóveis começaram a ceder a partir
do segundo semestre de 2006, o refinanciamento destes títulos ficou mais
difícil. As ARM tiveram que enfrentar juros maiores para serem recompostas,
1 Conjunto de decisões tomadas pelo CMN e pelo Bacen em dezembro de 2010
com o intuito de, entre outros objetivos, permitir o crescimento sustentável
do mercado de crédito. Destacam-se o aumento do requerimento de capital
para operações de crédito a pessoas físicas e a elevação do compulsório
sobre depósitos a vista e a prazo.
2
pelas nossas regras, o proprietário costuma contribuir com
cerca de 45% do valor do imóvel, enquanto que nos Estados
Unidos o financiamento chega a 100%. Adicionalmente, nosso
sistema impõe amortização anual do principal da dívida, já
a partir do primeiro ano. O equity que já é alto na partida,
necessariamente cresce a cada ano. Nos Estados Unidos, era
comum encontrar empréstimos imobiliários que contemplassem
apenas o pagamento de juros (interest only loans). Em algumas
modalidades, havia até carência para pagamento de juros. Ou
seja, não temos por aqui os mecanismos de extração de renda
do imóvel, amplamente disseminados no modelo americano. O
crédito, o consumo privado e, em última instância, a demanda
doméstica não dependem umbilicalmente do comportamento
do preço dos imóveis4.
bem definidas: i) aumento da alavancagem, inclusive através
de operações fora do balanço; ii) ganhos de tesouraria, através
da marcação a mercado dos ativos no trading book; iii) ganhos
com operações envolvendo derivativos6. No Brasil, os bancos
são bem menos alavancados, não fazem operações fora do
balanço nos moldes dos bancos lá fora, a tesouraria contribui, mas não de forma preponderante e o uso de derivativos
basicamente se restringe a operações de hedge. O resultado
dos bancos vem da intermediação financeira, da atividade de
empréstimos-financiamentos e das receitas dos produtos e serviços bancários. O aumento dos lucros dos bancos explica-se
fundamentalmente pelo avanço da bancarização, pelo maior
consumo dos produtos e serviços financeiros e pelo elevado
share of wallet dos bancos nestes mercados, combinado com
a concentração vertical e horizontal da indústria, permitindo a
internalização dos ganhos de escala7. Ou seja, os resultados
dos bancos no Brasil apresentam fundamentos bem mais saudáveis, resilientes e recorrentes.
Em 2010, apenas 17% dos financiamentos para habitação no Brasil foram concedidos a devedores que tomaram, ao
mesmo tempo, outros tipos de empréstimo. Ou seja, no universo
total de crédito a pessoa física é muito pouco disseminada (no
máximo 3%, ou seja, 18% x 17%) a prática de tomar emprestado
para dar entrada no financiamento do imóvel. A valorização dos
imóveis no Brasil já acarreta um efeito positivo sobre o valor das
garantias dos financiamentos, mas afirmar que o Brasil estaria
se “encaminhando para uma crise tipo subprime”, parece um
salto exagerado5.
Pelo visto acima, parece precoce afirmar que o Brasil
caminha para uma bolha de crédito ou que estamos na iminência de um risco sistêmico. Com isso, não estamos dizendo
que o comprometimento de renda do brasileiro seja baixo, ou
que não mereça ser acompanhado de perto. O próprio Banco
Central sugere “cautela” quanto ao ritmo de expansão (Bacen
abr-2011). E as instituições financeiras, em pesquisa recente,
apontaram “o nível de comprometimento da renda do consumidor” como o fator mais importante na decisão de conceder
crédito (Bacen, jun-2011). Interessante, na mesma pesquisa,
as instituições ranqueiam o comprometimento da renda como
mais relevante para elas, doadoras, do que para os tomadores
de crédito. Como se o sistema reconhecesse que o tomador
pode estar mais ‘distraído’. E isto também é compatível com
a estatística de que o comprometimento de renda é maior nas
camadas de menor rendimento, onde o nível de educação
financeira é menor.
Outro ângulo de análise que ajuda afastar a hipótese
de uma crise bancária próxima no Brasil é um exame comparado da qualidade dos resultados das instituições bancárias.
Haldane (2009) sugere que o excesso de retornos dos bancos
americanos que precedeu à crise reflete os efeitos de um maior
nível de risco assumido pelas instituições financeiras. Neste
sentido, “o milagre da produtividade bancária deve ser visto, ao
menos em parte, como miragem”. Grande parte dos retornos
dos bancos americanos pode ser explicada por três estratégias
o que aumentou drasticamente a inadimplência. O efeito logo se alastrou
para outros mercados. No Brasil, o financiamento imobiliário é tomado
com base na TR (taxa referencial), que tem se comportado, pelo menos nos
últimos anos, quase como uma taxa pré. Mas, bem sabemos, nada garante
que este seja o caso no futuro.
Como no Brasil a oferta de crédito é concentrada e não
temos um mercado secundário, de securitização, desenvolvido, o
resultado final do desempenho da operação de crédito é apurado
pelo próprio ofertante. Quem concede o crédito é quem vai colher
os lucros ou arcar com os prejuízos da transação. Isto significa
que o sistema tem todo incentivo para ser criterioso no controle
da oferta. Diferente, mais uma vez, do mercado americano, onde
diversos intermediários recebem na frente pela originação de
cada etapa da operação, dissolvendo a conexão fundamental
entre a remuneração do doador-emissor e o desempenho (risco)
do tomador final.
4 Uma nota, mais como curiosidade acadêmica. A experiência comparada em
outros países mostra que onde o mercado de crédito de hipotecas ainda é
incipiente um aumento dos preços dos imóveis pode até provocar um efeito
contracionista no consumo agregado (Muellbauer, 2007). Isto porque parte
da população ainda não teve acesso à primeira moradia e aqueles que já
têm imóvel próprio também não conseguem extrair renda, já que não há
um mercado secundário, de colaterais e securitizações, desenvolvido. Ou
seja, um país que experimenta um boom de preços dos imóveis residenciais
antes de ter um mercado de crédito de hipotecas totalmente desenvolvido,
tudo o mais constante, pode vir a experimentar um efeito contra-cíclico,
via aumento da poupança precaucionária, já que em tese seria necessário
um esforço de poupança maior para “dar entrada” no primeiro imóvel. No
Brasil, as estatísticas apontam déficits habitacionais elevados e os preços
dos imóveis em várias capitais já acumula uma significativa apreciação
recente, mas não temos condições de afirmar que este pode ser o caso por
aqui. Na verdade, a evidência empírica até hoje, vai na direção contrária:
o consumo agregado segue aumentando ao mesmo tempo em que uma
parte da população tem acesso à primeira moradia.
6 Por exemplo, através da oferta de seguros na cauda do risco. Enquanto que
este risco remoto não se materializa, o retorno destas operações aparece
como ‘fácil’. Por outro lado, como vimos, quando o pior acontece, as perdas
são de grandes proporções.
7 O aumento recente das despesas operacionais e a queda marginal dos índices
de eficiência devem ser entendidos como reflexo deste esforço dos bancos se
preparando para o crescimento futuro. São gastos, a modo de investimento,
que ainda não tiverem contra-partida de receitas.
5 Além disso, a fim de expandir de forma sustentável o financiamento imobiliário
no longo prazo, o país precisa resolver uma equação de funding, já que o
estoque de poupança compulsória usado até então está se esgotando.
3
Ainda sobre este tema, uma nota sobre concentração e
estabilidade do sistema bancário. Desde a última crise financeira, vem se desenvolvendo uma literatura técnica que aborda o
sistema bancário à luz das contribuições das teorias de rede8.
Neste enfoque, que traz insights da biologia, particularmente dos
processos epidemiológicos e infecciosos, as grandes instituições,
hubs financeiros, tornam-se vetores potenciais de alta contaminação e, caso infectados, colocam em risco todo o sistema (‘too
big to interconnect’). Neste sentido, estes autores são simpáticos
a estruturas mais descentralizadas, modelos bancários menos
concentrados, onde os choques têm propagação localizada
e não causam rupturas importantes na rede. Acontece que,
da mesma forma em que as grandes instituições se infectadas
causam grandes distúrbios, quando imunizadas podem trazer
robustez à rede. Ou seja, não está claro se um modelo bancário
concentrado, onde os hubs têm boa saúde financeira, não seria
adequado. No Brasil, temos tido esta experiência. Nos momentos de crise, são os bancos pequenos que costumam balançar.
Possuem o funding e a carteira de crédito mais concentrados.
Estão mais alavancados aos ciclos da atividade econômica e
mais suscetíveis aos acertos e erros das próprias estratégias
operacionais. Não por acaso, nestes períodos de estresse, o
flight to quality dos depósitos no Brasil migra na direção dos
grandes bancos. Pelas características que vimos acima, são eles
que trazem segurança ao sistema, funcionando como vacinas,
defesas imunológicas, muitas vezes ativadas por sugestão da
própria autoridade regulatória.
O ‘Crédito’ do Itaú Unibanco
Vimos que o sistema financeiro nacional assenta-se em
fundamentos sólidos, que nos permitem afastar a possibilidade
de uma crise de grandes proporções, particularmente do tipo
subprime. Mas isto não significa que não possamos ter más
notícias isoladas. O negócio bancário não tem nada de simples: lida no cotidiano com diversos tipos de riscos e incertezas,
intensivo em gente, capital e tecnologia, alavancado nos ciclos
econômicos, requer diligência técnica e não costuma tolerar
descuidos na gestão. Recentemente, tornou-se público o caso
de fraude dos administradores no banco Panamericano, notícia
que surpreendeu não apenas os participantes do mercado, mas
também o regulador e até o próprio acionista controlador. Bons
fundamentos setoriais não garantem bons investimentos. Investir
é uma tarefa complexa, uma busca contínua por roteiros seguros. Na nossa experiência, o enfoque bottom-up é um destes
preciosos atalhos.
Nas Cartas Dynamo nos. 59 e 60, na época da última
grande crise financeira, tivemos oportunidade de descrever em
detalhes as diferenças dos fundamentos dos bancos aqui e lá
fora, justificando nosso otimismo com as perspectivas do banco
Itaú Unibanco. Lembrávamos que o Itaú Unibanco cresceu conservando os atributos desejáveis do controle definido: um banco
de donos, onde se preserva o capital reputacional, orientado
para os interesses de longo prazo dos acionistas, e não para
maximizar a remuneração de curto prazo dos executivos, como
vimos em outras franquias no exterior.
Esta vivência prática no Brasil encontra o respaldo de
argumentos teóricos e de estudos empíricos. Em tese, uma
maior concentração bancária aumenta o poder de mercado dos
bancos, geralmente alavancando a rentabilidade do sistema.
Maiores lucros podem servir de buffer em momentos de crise.
Além disso, como vimos, uma maior concentração setorial
facilita o trabalho de supervisão da autoridade regulatória,
aumentando o potencial da eficácia dos controles de contágio
em momentos de estresse. De fato, usando dados comparados
de 69 países, Beck (et al 2005) mostrou evidências de que onde
os bancos são mais concentrados as chances de crises sistêmicas são menores. Neste contexto, o movimento de estímulo às
fusões bancárias nos Estados Unidos em meios à crise pode ser
entendido como lição aprendida.
Desde então, os resultados operacionais comportam-se
de forma bastante razoável. Os níveis de retornos permanecem
em patamares elevados 23% (ROE), assim como a participação
de mercado nos principais segmentos de atuação: 16% do crédito total (27% excluindo os bancos públicos), 40% da emissão
de cartão de crédito, 39% da captura de transações com cartões
de crédito e débito (adquirência)9, 34% do financiamento a
veículos, 20% do resultado da intermediação financeira de todo
o sistema, 19% das receitas provenientes de tarifas bancárias e
serviços prestados. É bem verdade, os gastos com a integração
das operações do Unibanco avançam, mas as sinergias ainda
não apareceram por completo nos resultados operacionais.
Ao apresentar os resultados do exercício de 2010, o CEO e
co-controlador do Banco, Roberto Setúbal, anunciou metas
agressivas de eficiência operacional para serem atingidas até
2013. No passado, o banco mostrou capacidade de superar
as dificuldades das integrações e entregar no prazo estimado os
ganhos de sinergias das aquisições anteriores. Na verdade, as
fusões forjaram o DNA do Itaú, desde sua origem como Banco
Federal de Crédito, na década de 50. Apenas nos últimos quinze
anos, na lista de fusões e aquisições aparecem: Banerj, Bemge, Banestado, Beg, BBA e, mais recentemente, BankBoston.
Além disso, o Unibanco também consolidou-se a partir de um
Por fim, vale lembrar que o nosso mercado bancário
conta com a presença atuante dos bancos públicos. Banco do
Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES são participantes
importantes no mercado, onde também desempenham um
papel institucional, ‘para-governamental’. ‘Deep pockets’,
desenvolvem segmentos de mercados incipientes, testam novos
canais/produtos, atuam de forma contra-cíclica ou mesmo como
cleaners do ecossistema, eventualmente absorvendo participantes fragilizados. Com isso, acabam trazendo mais robustez
ao sistema, além de gerarem externalidades positivas para os
demais atores privados.
9 Considerando 100% da Redecard em 2010, companhia na qual o Itaú
Unibanco detém o controle com 50% de participação.
8 Haldane 2009, Battiston et alli 2009, Hale 2011, entre outros.
4
processo de fusões. Dado o track record das integrações e o
elevado padrão de commitment da companhia, na nossa visão,
este é um time de executivos que se qualifica como merecedor
do benefício da dúvida.
através das próprias agências, ou absorvendo-o através de
outras modalidades, como o consignado e em parcerias com
varejistas. Não acreditamos que este seja o caso no segmento
de PMEs, que já é uma realidade lucrativa no banco e não
um experimento. De qualquer forma, vale a memória deste
episódio que ilustra um traço característico da cultura do Itaú
Unibanco, fundamental num negócio que, ao mesmo tempo
em que exige iniciativa empreendedora e capacidade de tomar
risco, requer também método de gestão e disciplina de capital.
Ao longo deste ano, as ações preferenciais do Itaú acumulam perda de 30% e da Itaúsa, nosso principal veículo, de
31%. O mercado parece não ter dado “crédito” ao guidance
da companhia ou não se sente confortável com um objetivo
“tão” distante. No reino das cotas diárias, 2013 parece um
futuro demasiadamente remoto para gestores de recursos e
investidores em geral. Na divulgação dos resultados do 2T2011,
o Itaú aumentou as provisões de perdas na carteira de crédito
acima das projeções dos analistas de mercado, basicamente
no segmento de pequenas e médias empresas (PMEs), admitindo um desajuste entre a aceleração das concessões no ano
passado e a realidade do desempenho deste segmento neste
exercício. Muito provavelmente nos próximos dois trimestres
as provisões na carteira de pessoa física também crescerão.
Os investidores vêm reagindo negativamente a este crescimento de provisões e não é incomum afirmações de que estas
provisões seriam o primeiro indício de uma crise de crédito.
Como acionistas, obviamente não ficamos satisfeitos com a
performance da inadimplência, mas reconhecemos que este
comportamento nada tem de alarmante, principalmente se
olharmos em perspectiva histórica. Variações nas provisões e
ajustes nos modelos de precificação de crédito fazem parte da
natureza cíclica do negócio bancário.
Com a ameaça de outra crise de grandes proporções
no ar, detonada pelo rebaixamento dos Estados Unidos e pela
situação fiscal da Europa, o setor de financials voltou a cair em
desgraça como classe de ativo no mundo inteiro. Esta combinação de enfatizar notícias negativas do presente, ignorar
tendências importantes que se materializam num prazo mais
longo, tratar investimentos em companhias, com dinâmicas
locais, como temas setoriais globais, misturada a uma boa dose
de mal entendidos e análises apressadas, como vimos ao longo
desta Carta, tem sido perversa para o desempenho das ações
do banco. Nas nossas contas, Itaúsa negocia em torno de P/L
= 7,0x para 2011 e 6,5x para 2012. Apenas como ‘exercício
calculatório’, se considerarmos a valor de face as metas de índice
de eficiência propostas pela companhia, corrigindo o valor de
mercado de hoje pelo custo do dinheiro (CDI) teríamos um P/L
= 5,3x para 2014.
Há quem defenda que contra fluxos não há argumentos.
Outros rebatem dizendo que o argumento do fluxo é o fluxo sem
argumentos. Da nossa parte, uma companhia com as qualidades
do Itaú Unibanco negociando neste nível de valuation, 7x..., nos
parece uma rara oportunidade de investimento.
Ao mesmo tempo, é nítido o foco do banco em estabelecer uma posição estratégica mais efetiva no segmento
de PMEs. Prova disso se evidencia na contratação recente
de cerca de dois mil novos officers para atender a área. Este
esforço concentrado lembra o passado recente no segmento
de veículos, onde o banco foi agressivo em estabelecer uma
posição de liderança via investimentos maciços na expansão do
canal de distribuição junto às concessionárias de automóveis.
Quando a competição se acirrou e os spreads diminuíram, o
Itaú Unibanco continuou apresentando resultados crescentes,
se beneficiando dos ganhos de escala conquistados pela sua
vantagem estabelecida de first mover.
Rio de Janeiro, 26 de agosto de 2011
Dynamo Cougar x IBX x Ibovespa
Desempenho em R$ até julho de 2011
Dadas as boas perspectivas de longo prazo do segmento
de PMEs, calcadas no crescimento do país e no avanço do processo de formalização da economia, os investimentos do banco
no segmento parecem fazer muito sentido. Ainda assim, derrapadas e recalibragens de curto prazo devem ocorrer, já que são
próprios de movimentos complexos como este. Quanto ao risco
de perdas de proporções maiores, também não acreditamos
que isto deva acontecer no Itaú Unibanco. O banco já mostrou
disciplina e pragmatismo no passado revertendo com agilidade
o curso das suas apostas, quando os resultados esperados não
apareceram. Foi assim no caso da Taii, operação de crédito a
pessoas físicas, num modelo de varejo de rua (“mar aberto”). O
banco percebeu que a experiência não seria rentável e descontinuou a operação, passando a atender parte do mercado-alvo
Período
Dynamo Cougar
IBX médio
Ibovespa
médio
60 meses
161,6%
74,9%
69,8%
36 meses
54,2%
-4,6%
-4,2%
24 meses
73,9%
23,9%
20,7%
12 meses
22,8%
6,6%
0,2%
No ano
-2,0%
-9,9%
-15,4%
Valor da cota em 30/07/2011 = R$ 295,701875517
5
Dynamo Cougar x FGV-100 x Ibovespa
(Percentual de Rentabilidade em US$ comercial)
Período
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
DYNAMO COUGAR* FGV-100**
IBOVESPA***
Desde
Desde
Desde
No Ano
No Ano
01/09/93
01/09/93
01/09/93
No Ano
38,8%
245,6%
-3,6%
53,6%
-6,2%
-19,1%
104,6%
3,0%
-6,4%
-7,9%
93,9%
64,4%
41,2%
49,8%
59,7%
-47,1%
143,7%
28,1%
38,8%
379,5%
362,2%
609,8%
565,5%
438,1%
1.001,2%
1.034,5%
962,4%
878,9%
1.798,5%
3.020,2%
4.305,5%
6.498,3%
10.436,6%
5.470,1%
13.472,6%
17.282,0%
9,1%
165,3%
-35,1%
6,6%
-4,1%
-31,5%
116,5%
-2,6%
-8,8%
-24,2%
145,2%
45,0%
30,8%
43,2%
68,4%
-50,1%
151,9%
15,2%
9,1%
189,3%
87,9%
100,3%
92,0%
31,5%
184,7%
177,2%
152,7%
91,7%
369,9%
581,2%
790,7%
1.175,8%
2.048,7%
973,3%
2.603,3%
3.013,2%
11,1%
58,6%
-13,5%
53,2%
34,4%
-38,4%
69,5%
-18,1%
-24,0%
-46,0%
141,0%
28,2%
44,1%
46,4%
73,4%
-55,5%
144,0%
6,2%
11,1%
76,2%
52,5%
133,6%
213,8%
93,3%
227,6%
168,3%
104,0%
10,1%
165,4%
240,2%
390,2%
617,7%
1.144,6%
453,7%
1.250,7%
1.334,5%
DYNAMO COUGAR* FGV-100**
IBOVESPA***
Desde
Desde
Desde
No Mês
No Mês
No Mês
01/09/93
01/09/93
01/09/93
jan
fev
mar
abr
mai
jun
jul
-4,8%
2,9%
7,7%
3,4%
0,4%
-0,5%
-3,7%
16.456,3%
16.940,3%
18.255,9%
18.871,4%
18.941,9%
18.842,8%
18.136,5%
-2,2%
0,3%
4,1%
2,6%
-0,8%
-2,3%
-5,0%
2.946,5%
2.955,9%
3.081,0%
3.163,0%
3.135,9%
3.060,0%
2.901,8%
-4,0%
1,3%
4,0%
-0,2%
-3,1%
-1,9%
-5,6%
1.276,5%
1.293,7%
1.349,7%
1.347,4%
1.302,0%
1.275,3%
1.198,7%
No Ano
4,9%
18.136,5%
-3,6%
2.901,8%
-9,5%
1.198,7%
Patrimônio médio do Fundo Dynamo Cougar nos últimos 12 meses: R$ 1.450.798.763,00
(*) O Fundo Dynamo Cougar é auditado pela Price Waterhouse and Coopers e sua rentabilidade é apresentada líquida das taxas de performance e administração, ficando sujeita apenas a ajuste
de taxa de performance, se houver. (**) Índice que inclui 100 companhias, mas nenhuma instituição financeira ou empresa estatal (***) Ibovespa Médio (não o fechamento).
Para comparar a performance da Dynamo e de diversos índices, em períodos específicos,
ou para nos conhecer um pouco mais, visite nosso site:
Esta carta é publicada somente com o propósito de divulgação de informações e não deve ser considerada como uma oferta de venda do Fundo Dynamo Cougar, nem tampouco como uma recomendação de investimento
em nenhum dos valores mobiliários aqui citados. Todos os julgamentos e estimativas aqui contidos são apenas exposições de opiniões até a presente data e podem mudar, sem prévio aviso, a qualquer momento. Performance
passada não é necessariamente garantia de performance futura. Os investidores em fundos não são garantidos pelo administrador ou por qualquer mecanismo de seguro ou ainda, pelo fundo garantidor de crédito.
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Av. Ataulfo de Paiva, 1235 / 6º andar – Leblon – 22440-034 – Rio – RJ – Tel.: (021) 2512-9394 – Fax: (021) 2512-5720
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