Dynamo 70 2.2011 Carta 7x (com juros) Conforme vimos, o tema da Carta anterior foi provocado pela publicação de alguns artigos na imprensa ao longo deste ano. Preocupados com o crescimento acelerado do crédito no Brasil e com o comprometimento de renda “exorbitante” do brasileiro, os autores sugeriam que o país se encaminha para uma crise financeira tipo subprime, a exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos. Relembrando, basicamente, o argumento destas matérias se constrói da seguinte forma: • No Brasil, a combinação de uma expansão rápida do crédito interno e de taxas de juros elevadas produz no consumidor o efeito perverso do comprometimento excessivo de sua renda com o serviço da dívida. O brasileiro compromete cerca de 24% da sua renda anual com o pagamento de dívidas. Na crise financeira dos Estados Unidos, o consumidor americano ‘explodiu’ com um comprometimento de apenas 14% da renda. • Com os indicadores de crédito sob estresse, o Brasil estaria se aproximando de uma crise tipo subprime, a exemplo dos Estados Unidos. • A evidência da trajetória de colisão do sistema chega através do aumento da inadimplência, melhor indicador da saturação da capacidade financeira das famílias. • A bolha de crédito ameaça a solidez do nosso sistema financeiro e bancário. Prova disso, são as evidências recentes de que os bancos menores estariam em dificuldades. Na Carta anterior, procuramos qualificar o primeiro argumento acima, do comprometimento de renda, lembrando que a crise financeira nos Estados Unidos teve gênese e evolução específicas, derivadas da mecânica singular das engrenagens do mercado hipotecário americano. Assim, estatísticas isoladas, fora de seus respectivos ambientes, podem não dizer muito. Neste contexto, passamos a descrever as peculiaridades do nosso mercado de crédito local. A idéia agora é continuar a análise, endereçando os outros tópicos acima. No final, aproveitamos o ensejo do tema para atualizar nossas considerações sobre o Itaú Unibanco, investimento importante da nossa carteira. Crédito e crises Os artigos na imprensa fazem eco de uma crença razoavelmente difundida: a exemplo de outros países, a expansão acelerada do crédito no Brasil pode levar a uma crise no sistema bancário. Novamente, não nos parece ser o caso. Primeiro, pelo fundamento micro-econômico do setor. É baixa a alavancagem do nosso sistema, os maiores bancos estão capitalizados, com índices de Basiléia (17,1%) acima das exigências do Bacen (11%) e dos padrões internacionais (8%), a liquidez do sistema é alta, o loan to deposit não é elevado (1,1), as provisões são adequadas e a supervisão do Bacen tem se mostrado bastante efetiva. Além disso, a qualidade do funding no Brasil também é diferenciada. O sourcing é praticamente todo local, diversificado, grande parte depósitos de correntistas no varejo, o que traz capilaridade e estabilidade. Os bancos praticamente não têm concorrência na captação da poupança doméstica e, portanto, não precisam correr riscos de originação externa. O risco de descasamento ainda é baixo, já que o crédito imobiliário não predomina. O prazo médio da carteira é curto (1,3 ano), o que permite que as correções de rumo sejam executadas de forma rápida. No entanto, mesmo com todas estas evidências disponíveis, este não tem sido o foco destas análises. Nenhuma linha destes artigos na imprensa foi dedicada às especificidades micro-setoriais do nosso sistema bancário. O método preferido é o de comparar variáveis e experiências macroeconômicas de outros países. Mesmo no campo das correlações macro, há problemas no argumento. Se é verdade que as crises bancárias costumam ser precedidas de uma expansão rápida do crédito, nem todo boom de crédito termina em crise bancária. Ao contrário, a maior parte deles é absorvido sem provocar grandes rupturas. De fato, estudos empíricos mostram que os ciclos de expansão de crédito quando acompanhados pela presença de outros ingredientes, como crescimento econômico, moeda estável, maior abertura comercial, melhor supervisão bancária, geralmente não se transformam em crises bancárias (Barajas e Dell’Ariccia, 2007). Há evidências também de que o estágio do ciclo ajuda. Ou seja, booms de crédito em países onde o desenvolvimento financeiro ainda não está consolidado seriam menos propensos a terminarem numa crise sistêmica. Por outro lado, as chances de instabilidade financeira aumentam quando o crescimento do crédito vem associado ao aumento rápido nos preços dos ativos (Borio e Lowe, 2002), à deterioração da qualidade do crédito (Kraft e Jankov, 2005) e dos critérios de concessões de empréstimos (Dell’Aricccia, Igan e Laeven, 2007). Inflação alta e um fluxo elevado de entrada de capitais também estão presentes nos ciclos ‘ruins’. Se o nosso Tabela 1 2003 Taxade Desemprego 12,4% Taxade Emprego Informal 39,9% Taxabásica de Juros (Selic-Bacen) 16,50% Inflação Média (últimos 3 anos) 9,8% Crescimento Anualdo PIB (últimos 3 anos) 1,7% Crédito/PIB 24,6% tres levou a um aumento da inadimplência em alguns segmentos - comporta6,7% mento natural, tipicamente 30,8% cíclico, compatível com os dados históricos. Os ban10,75% cos capturam a mensagem do mercado e, precavi5,4% dos, reduzem os resultados presentes aumentando as 3,9% provisões, ao mesmo tempo 46,4% em que atualizam os modelos de crédito para a nova conjuntura. Na verdade, em nossa longa experiência de acompanhamento do setor no Brasil, percebemos que os bancos muitas vezes se antecipam a uma eventual deterioração futura, aumentando ex ante os spreads. Compensam nos preços o risco maior, mostrando efetivo pricing power. 2010 Fonte: Bacen, Dynamo. ciclo de crédito acusa a presença de alguns destes elementos potencialmente ‘negativos’, o quadro geral do país nos permite afastar com alguma tranqüilidade a hipótese de uma crise bancária no horizonte. Assim, o crédito no Brasil se expande na esteira de diversos macro predicados: estabilidade da moeda, crescimento econômico, expansão do emprego, formalização da economia, amadurecimento institucional, segurança jurídica, democracia política, desenvolvimento do mercado de capitais, condição de investment grade, destino preferencial de investimento externo direto, entre outros. Talvez mais importante ainda, em paralelo, o Brasil conserva os micro atributos que asseguram sobriedade neste ambiente de crescimento: um Banco Central com efetiva capacidade de supervisão-controle e um sistema com mecanismos de feedback negativo em funcionamento2. No nosso entendimento, as transformações estruturais do país definem um ambiente benigno, onde o crédito se expande de forma controlada, acomodando demandas de consumo há tempo reprimidas. É nítida a macro-evolução dos indicadores sócio-econômicos do país (Tabela1). Dado o patamar ainda baixo de penetração do crédito no Brasil, o aumento de participação do setor no PIB e a expansão do mercado de crédito devem ser vistas como uma conseqüência natural destas melhorias estruturais ilustradas acima. Em 2011, vemos uma deterioração em alguns destes indicadores. A inflação voltou a subir, ficando acima da meta, e o crescimento econômico arrefeceu. Como resposta, o banco central elevou o juro básico e o crédito no sistema já se expande a taxas menores. A reação ilustra a capacidade de resposta do nosso sistema, mostrando que os mecanismos de feedback automático estão em funcionamento. Os bancos no Brasil têm controle sobre a oferta de crédito e o Bacen tem instrumentos efetivos para direcionar o comportamento dos bancos. As medidas macroprudenciais recentes surgem nesta linha1. Nos Estados Unidos, lembramos, o sistema perdeu a capacidade de controle da oferta de crédito, tornando-se refém de uma variável externa: o preço dos ativos imobiliários, definido num ambiente de mercado artificialmente estimulado. Crédito e bolhas O aumento recente dos preços dos imóveis no Brasil também tem sido lembrado como sinal de alerta para o país. Principal vilão da crise americana, a bolha imobiliária já estaria se infiltrando por aqui. O argumento também merece qualificações. Primeiramente, vale relembrar que a dívida imobiliária ainda é muito baixa no Brasil. Representa apenas 18% do estoque total de dívida das famílias, contra 75% nos Estados Unidos3. O loan to value por aqui também é baixo, ou seja, 2 Exemplo recente foi a criação da Central de Cessão de Crédito (C3), iniciativa do Banco Central e de entidades setoriais para melhorar a transparência e a segurança das operações de cessão de carteira. A iniciativa é uma resposta pronta, e promete ser efetiva, para endereçar o problema de duplicidade de vendas de ativos, prática apurada no escândalo recente envolvendo a administração do banco Panamericano. O aumento recente das provisões para devedores duvidosos também ilustra esta disposição e capacidade dos bancos no Brasil de ajustarem rapidamente seus balanços aos sinais emitidos pela atividade econômica. A deterioração do ambiente macro vis à vis a expansão rápida do crédito nos últimos trimes- 3 Com relação aos juros incidentes sobre as hipotecas, também há diferenças. Quando a crise imobiliária americana explodiu, as hipotecas ‘pós-fixadas’ (ou ARM, adjustable-rate mortgage) representavam cerca de 40% do mercado total (Federal Reserve Bank of NY, 2010) e cerca de 80% do mercado subprime (Dodd, 2007). Quando os preços dos imóveis começaram a ceder a partir do segundo semestre de 2006, o refinanciamento destes títulos ficou mais difícil. As ARM tiveram que enfrentar juros maiores para serem recompostas, 1 Conjunto de decisões tomadas pelo CMN e pelo Bacen em dezembro de 2010 com o intuito de, entre outros objetivos, permitir o crescimento sustentável do mercado de crédito. Destacam-se o aumento do requerimento de capital para operações de crédito a pessoas físicas e a elevação do compulsório sobre depósitos a vista e a prazo. 2 pelas nossas regras, o proprietário costuma contribuir com cerca de 45% do valor do imóvel, enquanto que nos Estados Unidos o financiamento chega a 100%. Adicionalmente, nosso sistema impõe amortização anual do principal da dívida, já a partir do primeiro ano. O equity que já é alto na partida, necessariamente cresce a cada ano. Nos Estados Unidos, era comum encontrar empréstimos imobiliários que contemplassem apenas o pagamento de juros (interest only loans). Em algumas modalidades, havia até carência para pagamento de juros. Ou seja, não temos por aqui os mecanismos de extração de renda do imóvel, amplamente disseminados no modelo americano. O crédito, o consumo privado e, em última instância, a demanda doméstica não dependem umbilicalmente do comportamento do preço dos imóveis4. bem definidas: i) aumento da alavancagem, inclusive através de operações fora do balanço; ii) ganhos de tesouraria, através da marcação a mercado dos ativos no trading book; iii) ganhos com operações envolvendo derivativos6. No Brasil, os bancos são bem menos alavancados, não fazem operações fora do balanço nos moldes dos bancos lá fora, a tesouraria contribui, mas não de forma preponderante e o uso de derivativos basicamente se restringe a operações de hedge. O resultado dos bancos vem da intermediação financeira, da atividade de empréstimos-financiamentos e das receitas dos produtos e serviços bancários. O aumento dos lucros dos bancos explica-se fundamentalmente pelo avanço da bancarização, pelo maior consumo dos produtos e serviços financeiros e pelo elevado share of wallet dos bancos nestes mercados, combinado com a concentração vertical e horizontal da indústria, permitindo a internalização dos ganhos de escala7. Ou seja, os resultados dos bancos no Brasil apresentam fundamentos bem mais saudáveis, resilientes e recorrentes. Em 2010, apenas 17% dos financiamentos para habitação no Brasil foram concedidos a devedores que tomaram, ao mesmo tempo, outros tipos de empréstimo. Ou seja, no universo total de crédito a pessoa física é muito pouco disseminada (no máximo 3%, ou seja, 18% x 17%) a prática de tomar emprestado para dar entrada no financiamento do imóvel. A valorização dos imóveis no Brasil já acarreta um efeito positivo sobre o valor das garantias dos financiamentos, mas afirmar que o Brasil estaria se “encaminhando para uma crise tipo subprime”, parece um salto exagerado5. Pelo visto acima, parece precoce afirmar que o Brasil caminha para uma bolha de crédito ou que estamos na iminência de um risco sistêmico. Com isso, não estamos dizendo que o comprometimento de renda do brasileiro seja baixo, ou que não mereça ser acompanhado de perto. O próprio Banco Central sugere “cautela” quanto ao ritmo de expansão (Bacen abr-2011). E as instituições financeiras, em pesquisa recente, apontaram “o nível de comprometimento da renda do consumidor” como o fator mais importante na decisão de conceder crédito (Bacen, jun-2011). Interessante, na mesma pesquisa, as instituições ranqueiam o comprometimento da renda como mais relevante para elas, doadoras, do que para os tomadores de crédito. Como se o sistema reconhecesse que o tomador pode estar mais ‘distraído’. E isto também é compatível com a estatística de que o comprometimento de renda é maior nas camadas de menor rendimento, onde o nível de educação financeira é menor. Outro ângulo de análise que ajuda afastar a hipótese de uma crise bancária próxima no Brasil é um exame comparado da qualidade dos resultados das instituições bancárias. Haldane (2009) sugere que o excesso de retornos dos bancos americanos que precedeu à crise reflete os efeitos de um maior nível de risco assumido pelas instituições financeiras. Neste sentido, “o milagre da produtividade bancária deve ser visto, ao menos em parte, como miragem”. Grande parte dos retornos dos bancos americanos pode ser explicada por três estratégias o que aumentou drasticamente a inadimplência. O efeito logo se alastrou para outros mercados. No Brasil, o financiamento imobiliário é tomado com base na TR (taxa referencial), que tem se comportado, pelo menos nos últimos anos, quase como uma taxa pré. Mas, bem sabemos, nada garante que este seja o caso no futuro. Como no Brasil a oferta de crédito é concentrada e não temos um mercado secundário, de securitização, desenvolvido, o resultado final do desempenho da operação de crédito é apurado pelo próprio ofertante. Quem concede o crédito é quem vai colher os lucros ou arcar com os prejuízos da transação. Isto significa que o sistema tem todo incentivo para ser criterioso no controle da oferta. Diferente, mais uma vez, do mercado americano, onde diversos intermediários recebem na frente pela originação de cada etapa da operação, dissolvendo a conexão fundamental entre a remuneração do doador-emissor e o desempenho (risco) do tomador final. 4 Uma nota, mais como curiosidade acadêmica. A experiência comparada em outros países mostra que onde o mercado de crédito de hipotecas ainda é incipiente um aumento dos preços dos imóveis pode até provocar um efeito contracionista no consumo agregado (Muellbauer, 2007). Isto porque parte da população ainda não teve acesso à primeira moradia e aqueles que já têm imóvel próprio também não conseguem extrair renda, já que não há um mercado secundário, de colaterais e securitizações, desenvolvido. Ou seja, um país que experimenta um boom de preços dos imóveis residenciais antes de ter um mercado de crédito de hipotecas totalmente desenvolvido, tudo o mais constante, pode vir a experimentar um efeito contra-cíclico, via aumento da poupança precaucionária, já que em tese seria necessário um esforço de poupança maior para “dar entrada” no primeiro imóvel. No Brasil, as estatísticas apontam déficits habitacionais elevados e os preços dos imóveis em várias capitais já acumula uma significativa apreciação recente, mas não temos condições de afirmar que este pode ser o caso por aqui. Na verdade, a evidência empírica até hoje, vai na direção contrária: o consumo agregado segue aumentando ao mesmo tempo em que uma parte da população tem acesso à primeira moradia. 6 Por exemplo, através da oferta de seguros na cauda do risco. Enquanto que este risco remoto não se materializa, o retorno destas operações aparece como ‘fácil’. Por outro lado, como vimos, quando o pior acontece, as perdas são de grandes proporções. 7 O aumento recente das despesas operacionais e a queda marginal dos índices de eficiência devem ser entendidos como reflexo deste esforço dos bancos se preparando para o crescimento futuro. São gastos, a modo de investimento, que ainda não tiverem contra-partida de receitas. 5 Além disso, a fim de expandir de forma sustentável o financiamento imobiliário no longo prazo, o país precisa resolver uma equação de funding, já que o estoque de poupança compulsória usado até então está se esgotando. 3 Ainda sobre este tema, uma nota sobre concentração e estabilidade do sistema bancário. Desde a última crise financeira, vem se desenvolvendo uma literatura técnica que aborda o sistema bancário à luz das contribuições das teorias de rede8. Neste enfoque, que traz insights da biologia, particularmente dos processos epidemiológicos e infecciosos, as grandes instituições, hubs financeiros, tornam-se vetores potenciais de alta contaminação e, caso infectados, colocam em risco todo o sistema (‘too big to interconnect’). Neste sentido, estes autores são simpáticos a estruturas mais descentralizadas, modelos bancários menos concentrados, onde os choques têm propagação localizada e não causam rupturas importantes na rede. Acontece que, da mesma forma em que as grandes instituições se infectadas causam grandes distúrbios, quando imunizadas podem trazer robustez à rede. Ou seja, não está claro se um modelo bancário concentrado, onde os hubs têm boa saúde financeira, não seria adequado. No Brasil, temos tido esta experiência. Nos momentos de crise, são os bancos pequenos que costumam balançar. Possuem o funding e a carteira de crédito mais concentrados. Estão mais alavancados aos ciclos da atividade econômica e mais suscetíveis aos acertos e erros das próprias estratégias operacionais. Não por acaso, nestes períodos de estresse, o flight to quality dos depósitos no Brasil migra na direção dos grandes bancos. Pelas características que vimos acima, são eles que trazem segurança ao sistema, funcionando como vacinas, defesas imunológicas, muitas vezes ativadas por sugestão da própria autoridade regulatória. O ‘Crédito’ do Itaú Unibanco Vimos que o sistema financeiro nacional assenta-se em fundamentos sólidos, que nos permitem afastar a possibilidade de uma crise de grandes proporções, particularmente do tipo subprime. Mas isto não significa que não possamos ter más notícias isoladas. O negócio bancário não tem nada de simples: lida no cotidiano com diversos tipos de riscos e incertezas, intensivo em gente, capital e tecnologia, alavancado nos ciclos econômicos, requer diligência técnica e não costuma tolerar descuidos na gestão. Recentemente, tornou-se público o caso de fraude dos administradores no banco Panamericano, notícia que surpreendeu não apenas os participantes do mercado, mas também o regulador e até o próprio acionista controlador. Bons fundamentos setoriais não garantem bons investimentos. Investir é uma tarefa complexa, uma busca contínua por roteiros seguros. Na nossa experiência, o enfoque bottom-up é um destes preciosos atalhos. Nas Cartas Dynamo nos. 59 e 60, na época da última grande crise financeira, tivemos oportunidade de descrever em detalhes as diferenças dos fundamentos dos bancos aqui e lá fora, justificando nosso otimismo com as perspectivas do banco Itaú Unibanco. Lembrávamos que o Itaú Unibanco cresceu conservando os atributos desejáveis do controle definido: um banco de donos, onde se preserva o capital reputacional, orientado para os interesses de longo prazo dos acionistas, e não para maximizar a remuneração de curto prazo dos executivos, como vimos em outras franquias no exterior. Esta vivência prática no Brasil encontra o respaldo de argumentos teóricos e de estudos empíricos. Em tese, uma maior concentração bancária aumenta o poder de mercado dos bancos, geralmente alavancando a rentabilidade do sistema. Maiores lucros podem servir de buffer em momentos de crise. Além disso, como vimos, uma maior concentração setorial facilita o trabalho de supervisão da autoridade regulatória, aumentando o potencial da eficácia dos controles de contágio em momentos de estresse. De fato, usando dados comparados de 69 países, Beck (et al 2005) mostrou evidências de que onde os bancos são mais concentrados as chances de crises sistêmicas são menores. Neste contexto, o movimento de estímulo às fusões bancárias nos Estados Unidos em meios à crise pode ser entendido como lição aprendida. Desde então, os resultados operacionais comportam-se de forma bastante razoável. Os níveis de retornos permanecem em patamares elevados 23% (ROE), assim como a participação de mercado nos principais segmentos de atuação: 16% do crédito total (27% excluindo os bancos públicos), 40% da emissão de cartão de crédito, 39% da captura de transações com cartões de crédito e débito (adquirência)9, 34% do financiamento a veículos, 20% do resultado da intermediação financeira de todo o sistema, 19% das receitas provenientes de tarifas bancárias e serviços prestados. É bem verdade, os gastos com a integração das operações do Unibanco avançam, mas as sinergias ainda não apareceram por completo nos resultados operacionais. Ao apresentar os resultados do exercício de 2010, o CEO e co-controlador do Banco, Roberto Setúbal, anunciou metas agressivas de eficiência operacional para serem atingidas até 2013. No passado, o banco mostrou capacidade de superar as dificuldades das integrações e entregar no prazo estimado os ganhos de sinergias das aquisições anteriores. Na verdade, as fusões forjaram o DNA do Itaú, desde sua origem como Banco Federal de Crédito, na década de 50. Apenas nos últimos quinze anos, na lista de fusões e aquisições aparecem: Banerj, Bemge, Banestado, Beg, BBA e, mais recentemente, BankBoston. Além disso, o Unibanco também consolidou-se a partir de um Por fim, vale lembrar que o nosso mercado bancário conta com a presença atuante dos bancos públicos. Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES são participantes importantes no mercado, onde também desempenham um papel institucional, ‘para-governamental’. ‘Deep pockets’, desenvolvem segmentos de mercados incipientes, testam novos canais/produtos, atuam de forma contra-cíclica ou mesmo como cleaners do ecossistema, eventualmente absorvendo participantes fragilizados. Com isso, acabam trazendo mais robustez ao sistema, além de gerarem externalidades positivas para os demais atores privados. 9 Considerando 100% da Redecard em 2010, companhia na qual o Itaú Unibanco detém o controle com 50% de participação. 8 Haldane 2009, Battiston et alli 2009, Hale 2011, entre outros. 4 processo de fusões. Dado o track record das integrações e o elevado padrão de commitment da companhia, na nossa visão, este é um time de executivos que se qualifica como merecedor do benefício da dúvida. através das próprias agências, ou absorvendo-o através de outras modalidades, como o consignado e em parcerias com varejistas. Não acreditamos que este seja o caso no segmento de PMEs, que já é uma realidade lucrativa no banco e não um experimento. De qualquer forma, vale a memória deste episódio que ilustra um traço característico da cultura do Itaú Unibanco, fundamental num negócio que, ao mesmo tempo em que exige iniciativa empreendedora e capacidade de tomar risco, requer também método de gestão e disciplina de capital. Ao longo deste ano, as ações preferenciais do Itaú acumulam perda de 30% e da Itaúsa, nosso principal veículo, de 31%. O mercado parece não ter dado “crédito” ao guidance da companhia ou não se sente confortável com um objetivo “tão” distante. No reino das cotas diárias, 2013 parece um futuro demasiadamente remoto para gestores de recursos e investidores em geral. Na divulgação dos resultados do 2T2011, o Itaú aumentou as provisões de perdas na carteira de crédito acima das projeções dos analistas de mercado, basicamente no segmento de pequenas e médias empresas (PMEs), admitindo um desajuste entre a aceleração das concessões no ano passado e a realidade do desempenho deste segmento neste exercício. Muito provavelmente nos próximos dois trimestres as provisões na carteira de pessoa física também crescerão. Os investidores vêm reagindo negativamente a este crescimento de provisões e não é incomum afirmações de que estas provisões seriam o primeiro indício de uma crise de crédito. Como acionistas, obviamente não ficamos satisfeitos com a performance da inadimplência, mas reconhecemos que este comportamento nada tem de alarmante, principalmente se olharmos em perspectiva histórica. Variações nas provisões e ajustes nos modelos de precificação de crédito fazem parte da natureza cíclica do negócio bancário. Com a ameaça de outra crise de grandes proporções no ar, detonada pelo rebaixamento dos Estados Unidos e pela situação fiscal da Europa, o setor de financials voltou a cair em desgraça como classe de ativo no mundo inteiro. Esta combinação de enfatizar notícias negativas do presente, ignorar tendências importantes que se materializam num prazo mais longo, tratar investimentos em companhias, com dinâmicas locais, como temas setoriais globais, misturada a uma boa dose de mal entendidos e análises apressadas, como vimos ao longo desta Carta, tem sido perversa para o desempenho das ações do banco. Nas nossas contas, Itaúsa negocia em torno de P/L = 7,0x para 2011 e 6,5x para 2012. Apenas como ‘exercício calculatório’, se considerarmos a valor de face as metas de índice de eficiência propostas pela companhia, corrigindo o valor de mercado de hoje pelo custo do dinheiro (CDI) teríamos um P/L = 5,3x para 2014. Há quem defenda que contra fluxos não há argumentos. Outros rebatem dizendo que o argumento do fluxo é o fluxo sem argumentos. Da nossa parte, uma companhia com as qualidades do Itaú Unibanco negociando neste nível de valuation, 7x..., nos parece uma rara oportunidade de investimento. Ao mesmo tempo, é nítido o foco do banco em estabelecer uma posição estratégica mais efetiva no segmento de PMEs. Prova disso se evidencia na contratação recente de cerca de dois mil novos officers para atender a área. Este esforço concentrado lembra o passado recente no segmento de veículos, onde o banco foi agressivo em estabelecer uma posição de liderança via investimentos maciços na expansão do canal de distribuição junto às concessionárias de automóveis. Quando a competição se acirrou e os spreads diminuíram, o Itaú Unibanco continuou apresentando resultados crescentes, se beneficiando dos ganhos de escala conquistados pela sua vantagem estabelecida de first mover. Rio de Janeiro, 26 de agosto de 2011 Dynamo Cougar x IBX x Ibovespa Desempenho em R$ até julho de 2011 Dadas as boas perspectivas de longo prazo do segmento de PMEs, calcadas no crescimento do país e no avanço do processo de formalização da economia, os investimentos do banco no segmento parecem fazer muito sentido. Ainda assim, derrapadas e recalibragens de curto prazo devem ocorrer, já que são próprios de movimentos complexos como este. Quanto ao risco de perdas de proporções maiores, também não acreditamos que isto deva acontecer no Itaú Unibanco. O banco já mostrou disciplina e pragmatismo no passado revertendo com agilidade o curso das suas apostas, quando os resultados esperados não apareceram. Foi assim no caso da Taii, operação de crédito a pessoas físicas, num modelo de varejo de rua (“mar aberto”). O banco percebeu que a experiência não seria rentável e descontinuou a operação, passando a atender parte do mercado-alvo Período Dynamo Cougar IBX médio Ibovespa médio 60 meses 161,6% 74,9% 69,8% 36 meses 54,2% -4,6% -4,2% 24 meses 73,9% 23,9% 20,7% 12 meses 22,8% 6,6% 0,2% No ano -2,0% -9,9% -15,4% Valor da cota em 30/07/2011 = R$ 295,701875517 5 Dynamo Cougar x FGV-100 x Ibovespa (Percentual de Rentabilidade em US$ comercial) Período 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 DYNAMO COUGAR* FGV-100** IBOVESPA*** Desde Desde Desde No Ano No Ano 01/09/93 01/09/93 01/09/93 No Ano 38,8% 245,6% -3,6% 53,6% -6,2% -19,1% 104,6% 3,0% -6,4% -7,9% 93,9% 64,4% 41,2% 49,8% 59,7% -47,1% 143,7% 28,1% 38,8% 379,5% 362,2% 609,8% 565,5% 438,1% 1.001,2% 1.034,5% 962,4% 878,9% 1.798,5% 3.020,2% 4.305,5% 6.498,3% 10.436,6% 5.470,1% 13.472,6% 17.282,0% 9,1% 165,3% -35,1% 6,6% -4,1% -31,5% 116,5% -2,6% -8,8% -24,2% 145,2% 45,0% 30,8% 43,2% 68,4% -50,1% 151,9% 15,2% 9,1% 189,3% 87,9% 100,3% 92,0% 31,5% 184,7% 177,2% 152,7% 91,7% 369,9% 581,2% 790,7% 1.175,8% 2.048,7% 973,3% 2.603,3% 3.013,2% 11,1% 58,6% -13,5% 53,2% 34,4% -38,4% 69,5% -18,1% -24,0% -46,0% 141,0% 28,2% 44,1% 46,4% 73,4% -55,5% 144,0% 6,2% 11,1% 76,2% 52,5% 133,6% 213,8% 93,3% 227,6% 168,3% 104,0% 10,1% 165,4% 240,2% 390,2% 617,7% 1.144,6% 453,7% 1.250,7% 1.334,5% DYNAMO COUGAR* FGV-100** IBOVESPA*** Desde Desde Desde No Mês No Mês No Mês 01/09/93 01/09/93 01/09/93 jan fev mar abr mai jun jul -4,8% 2,9% 7,7% 3,4% 0,4% -0,5% -3,7% 16.456,3% 16.940,3% 18.255,9% 18.871,4% 18.941,9% 18.842,8% 18.136,5% -2,2% 0,3% 4,1% 2,6% -0,8% -2,3% -5,0% 2.946,5% 2.955,9% 3.081,0% 3.163,0% 3.135,9% 3.060,0% 2.901,8% -4,0% 1,3% 4,0% -0,2% -3,1% -1,9% -5,6% 1.276,5% 1.293,7% 1.349,7% 1.347,4% 1.302,0% 1.275,3% 1.198,7% No Ano 4,9% 18.136,5% -3,6% 2.901,8% -9,5% 1.198,7% Patrimônio médio do Fundo Dynamo Cougar nos últimos 12 meses: R$ 1.450.798.763,00 (*) O Fundo Dynamo Cougar é auditado pela Price Waterhouse and Coopers e sua rentabilidade é apresentada líquida das taxas de performance e administração, ficando sujeita apenas a ajuste de taxa de performance, se houver. (**) Índice que inclui 100 companhias, mas nenhuma instituição financeira ou empresa estatal (***) Ibovespa Médio (não o fechamento). Para comparar a performance da Dynamo e de diversos índices, em períodos específicos, ou para nos conhecer um pouco mais, visite nosso site: Esta carta é publicada somente com o propósito de divulgação de informações e não deve ser considerada como uma oferta de venda do Fundo Dynamo Cougar, nem tampouco como uma recomendação de investimento em nenhum dos valores mobiliários aqui citados. Todos os julgamentos e estimativas aqui contidos são apenas exposições de opiniões até a presente data e podem mudar, sem prévio aviso, a qualquer momento. Performance passada não é necessariamente garantia de performance futura. Os investidores em fundos não são garantidos pelo administrador ou por qualquer mecanismo de seguro ou ainda, pelo fundo garantidor de crédito. DYNAMO ADMINISTRAÇÃO DE RECURSOS LTDA. Av. Ataulfo de Paiva, 1235 / 6º andar – Leblon – 22440-034 – Rio – RJ – Tel.: (021) 2512-9394 – Fax: (021) 2512-5720 Impresso em papel reciclado www.dynamo.com.br