Crises financeiras e reformas: políticas para a - siare

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XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009
Documento Libre
Crises financeiras e reformas:
políticas para a redução da vulnerabilidade externa
Marco Aurélio dos Santos Araújo
1. Introdução
O sistema financeiro internacional sofreu mudanças profundas ao longo das últimas décadas, alterando
o modo de integração das economias nacionais. Mudanças tecnológicas intensificaram a rapidez e a
variedade dos fluxos de capital, que suplantaram em larga escala, no final do século XX, o volume das
transações comerciais. O crescimento da interdependência econômica, verificado desde o pós-guerra,
foi intensificado na área financeira após o colapso do sistema de Bretton Woods, no início dos anos 70.
A desregulamentação no centro do sistema (Estados Unidos, Japão e União Européia) difundiu-se em
escala global. Neste processo ganharam importância os mercados latino-americanos, economias de
renda média com um nível de industrialização relativamente adiantado, que atraem o interesse dos
mercados de capitais nos anos 90. Este movimento coincidiu com o estabelecimento de regimes
democráticos e introdução de reformas de mercado nos países do continente.
Após uma sucessão de crises financeiras nestas economias, no final dos anos 90 e início do século
atual, ocorre certo desencanto com a perspectiva de alcançar significativo progresso econômico através
da participação no sistema financeiro internacional, que responde ao aparente fracasso das reformas de
mercado com uma guinada à esquerda. Retrocessos começam a aparecer, e uma renovada atração por
políticas heterodoxas ganha importância em economias importantes da região, como Argentina e
Venezuela.
A crise financeira de 2008, que se inicia no centro da economia mundial, os Estados Unidos, magnifica
a tendência de redução do suporte ao livre mercado na América Latina. As classes políticas da região se
distanciam do discurso da liberalização econômica, retirando do debate público o tema das reformas
institucionais, que permanecem inacabadas. Nos países desenvolvidos, a crise financeira impulsiona a
contenção dos excessos da desregulamentação econômica, que permitiram o crescimento de bolhas
especulativas.
Líderes latino-americanos encontram, desse modo, uma justificativa para oposição às reformas de
mercado: o retorno de um papel ativista do Estado na economia seria necessário para superar a crise.
Apontam que os países ricos sempre pregaram a abertura das economias dos emergentes,
frequentemente associando o acesso a recursos externos (do FMI, Banco Mundial ou bilateralmente) ao
avanço de reformas na economia, que se traduziam invariavelmente na proposta de redução do papel do
Estado. Apesar da retórica, quando sofrem uma crise econômica, as economias desenvolvidas
reforçam, elas mesmas, o intervencionismo estatal.
Deve-se ressaltar que as mudanças em curso nos países do centro são correções de rumo, não se
tratando de alterações na estrutura da economia de mercado. Os excessos do sistema financeiro não
comprometeram o apoio à manutenção das instituições do capitalismo, que permitiram a estes países
alcançar um nível inédito de bem-estar social (comparado às condições vigentes no período anterior à
ascensão das economias de mercado modernas, a partir do século XVIII).
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O processo em curso nos países industrializados pode ser chamado de re-regulação, e está sendo
construído sobre uma estrutura social e política madura, que se associa de forma simbiótica ao sistema
de mercado – restringindo a liberdade dos agentes econômicos conforme o interesse público e
propiciando o ambiente institucional necessário para seu desenvolvimento. Claramente, o ambiente
institucional latino-americano não se assemelha ao dos países desenvolvidos.
A resposta à crise econômica internacional não pode ser uma apropriação tendenciosa de movimentos
no centro. Esta conjuntura está servindo como pretexto para a continuação, sob novos e velhos
referenciais ideológicos, de práticas entranhadas na experiência latino-americana: estatizações,
restrições aos direitos de propriedade, aumento da regulação econômica e fechamento ao comércio
internacional.
Este artigo tratará do processo de liberalização financeira na América Latina, tomando como
referencial o corpo teórico da economia e da economia política que analisa a dinâmica das crises
financeiras auto-realizáveis em contextos de equilíbrios múltiplos. A partir deste enfoque serão
delineadas políticas para a redução da vulnerabilidade econômica em países latino-americanos, que
apontam para a necessidade de avançar no caminho das reformas institucionais para superar as
dificuldades da conjuntura de crise atual, rejeitando os caminhos “alternativos” que oferecem soluções
simples, óbvias e erradas para os problemas da região.
2. Contextualização
2.1. Abertura econômica na América Latina
Nos anos 80, grandes choques externos atingem as economias latino-americanas. O combate à inflação
nos países centrais leva a uma substancial elevação das taxas de juros cobradas, no mercado financeiro
internacional, por empréstimos aos países em desenvolvimento (as economias principais, com juros
maiores e risco reduzido, passaram a atrair parte do capital antes direcionado a estes países). Os países
emergentes haviam acumulado grandes passivos em moeda estrangeira em um período de grande
liquidez, os anos 70, que são amplificados com uma queda em suas exportações, decorrente do baixo
dinamismo que a economia mundial apresenta na década de 80.
Com a gradual redução na disponibilidade de recursos, passaram a tomar empréstimos bancários de
prazo cada vez mais curto, e com juros ascendentes. Quando, em 1982, o México se viu impossibilitado
de honrar o pagamento de sua dívida soberana, a crise se alastrou pelos demais países do continente,
que tiveram sua capacidade de obter novos empréstimos (necessários para a rolagem da dívida)
severamente limitada. Esta crise obriga os emergentes a reconsiderarem suas políticas econômicas e
efetuarem um considerável ajuste em suas contas externas.
A crise da dívida alcança tanto a América Latina quanto os países do Leste asiático, ambos
recentemente industrializados e que fizeram amplo uso de empréstimos externos para alavancar seu
crescimento na década anterior. Apesar das semelhanças, os dois grupos de países sofreram os efeitos
da crise em grau diferente. Os latino-americanos, adeptos do modelo de industrialização por
substituição de importações (ISI), tiveram seu crescimento comprimido por um longo período, marcado
por altos níveis de inflação e deterioração geral do bem-estar econômico e social. Os asiáticos, por
outro lado, após dificuldades iniciais decorrentes da moratória mexicana e da retração dos fluxos
financeiros, retomaram sua trajetória de crescimento.
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Esta diferença decorreu principalmente do modo de integração à economia mundial adotado pelos dois
grupos de países. Os asiáticos buscavam, desde o período anterior à crise, expandir suas exportações e
abrir sua economia, intensificando a corrente de comércio com o restante do mundo (a Coréia do Sul,
por exemplo, adota esta iniciativa já nos anos 60). Este modelo foi mais bem sucedido em se adaptar
aos choques internacionais dos anos 80, em comparação com as economias latino-americanas, que
haviam se fechado ao comércio internacional e adotado estratégias de isolamento econômico.
Os efeitos da crise da dívida pressionam os países latino-americanos a modificar suas políticas
econômicas, incapazes de restabelecer o crescimento, tornado mais imperativo pela dinâmica de
redemocratização que se expande pelo continente - trazendo novos atores, antes marginalizados, à
arena política, portadores de demandas por redução da chamada “dívida social”. Reformas de mercado
são adotadas nestes países, visando recuperar o crescimento, alcançar a estabilidade econômica e
participar dos ganhos da globalização, que oferecia fluxos comerciais e de investimentos ascendentes a
partir do início dos anos 90. Percebe-se uma convergência nas estratégias econômicas com as políticas
adotadas pelas economias avançadas, na medida em que os conceitos estruturalistas e heterodoxos que
predominaram no antigo Terceiro Mundo são abandonados.
A Argentina, com a eleição do peronista Carlos Menem, em 1989, exemplifica este processo. Quando
candidato, Menem adotou o tradicional discurso populista defendido por seu partido desde o início da
derrocada econômica argentina, no pós-guerra. Uma vez eleito, confrontado com uma economia
estagnada e inflação crescente, abraça as propostas liberais (abrindo a economia, privatizando estatais,
eliminando controles de preços) e busca modificar a própria percepção da Argentina como país em
desenvolvimento. (CAMPOS,1996:237-241). A presença de reformas incompletas, especialmente no
que tange ao controle dos gastos públicos, e a adoção de um sistema de currency board fora de
sincronia com a economia argentina eventualmente levam ao colapso desta tentativa de modernização,
demonstrando a dificuldade encontrada pelos países em desenvolvimento em empreender reformas
estruturais consistentes e sustentáveis a longo prazo.
A agenda de reformas que os países da América Latina começam a adotar no final dos anos 80 ganha
maior visibilidade com uma conferência realizada em Washington, em que se elabora uma lista de dez
reformas que, em 1989, contavam com amplo apoio nos centros de decisão dos países avançados, e
para as quais os latino-americanos, após décadas de experiências heterodoxas, estavam convergindo.
Esta proposta é chamada Consenso de Washington, e imediatamente se torna alvo de ataques
constantes por parte da “economia crítica” e dos “alternativos”, não somente pelo nome infeliz (que
atiça o anti-americanismo latente no continente), mas também por sua conexão às políticas advogadas
pelo FMI e Banco Mundial. (FRANCO, 2006:54-56) Os pontos do Consenso são:
1. Redução de déficits públicos a níveis que não requeiram o uso do imposto inflacionário.
2. Redirecionamento dos gastos públicos de setores politicamente privilegiados para áreas com maior
retorno econômico e potencial para melhorar a distribuição de renda (saúde, educação, infra-estrutura).
3. Reforma tributária que alargue a base fiscal e reduza as tarifas marginalmente.
4. Liberalização financeira, alcançando taxas de juros determinadas pelo mercado.
5. Taxa de câmbio unificada e competitiva.
6. Abertura para o comércio externo.
7. Abolição de restrições ao investimento externo direto (IED).
8. Privatização de empresas públicas.
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9. Abolição de regras que impedem a competição (monopólios, por exemplo).
10. Garantia de direitos de propriedade, com redução da informalidade.
(WILLIAMSON, 1990).
O Brasil, mesmo assolado pela hiperinflação, é reticente quanto às reformas, que se iniciam de fato a
partir do Plano Real, com a estabilização monetária, e com o governo de Fernando Henrique Cardoso.
A abertura comercial começa, de forma incerta no governo Collor, assim como as privatizações.
A estabilização econômica, o crescimento e o ambiente mais propício para negócios recolocam os
emergentes na rota dos investidores internacionais, que direcionam para estes mercados tanto recursos
de longo prazo (IED), atraídos também pelas privatizações; e recursos de curto prazo, que permitem
financiar déficits em conta corrente e gastos governamentais. A bem-sucedida reestruturação da dívida
externa dos países atingidos pela crise dos anos 80, por meio da securitização das dívidas soberanas
(criando os brady bonds), reforça a confiança nestes mercados, diminuindo a percepção de risco por
parte dos investidores internacionais.
2.2. Políticas de estabilização e o FMI
O Fundo Monetário Internacional participou ativamente dos programas de estabilização econômica
implementados nos países latino-americanos a partir dos anos 1980. A atuação do Fundo foi criticada
repetidas vezes, acusando-se a instituição de ser uma ferramenta dos interesses dos países
desenvolvidos e do “mercado financeiro”, entidade contrária ao progresso econômico dos países mais
pobres. A “imposição” de programas de ajuste econômico seria prejudicial ao bem-estar da população
dos países em desenvolvimento, especialmente aos grupos sociais com menor renda, afetados por
cortes nos gastos públicos e medidas de redução da demanda contidas nos programas elaborados junto
ao Fundo (aumento dos juros, reduzindo a atividade produtiva e o emprego, e desvalorização cambial,
deteriorando o poder de compra dos salários). A interferência do FMI é considerada por muitos como
ilegítima, por subordinar governos soberanos e a vontade popular a uma autoridade estrangeira.
As críticas ao FMI partem, em sua maioria, de posições dogmáticas (anti-mercado) que não consideram
o ambiente em que o Fundo é acionado - situações de crise no balanço de pagamentos, ataques ao
câmbio (por especulação ou fuga de capitais) e desconfiança quanto ao comportamento da autoridade
monetária. Não se deve culpar o bombeiro pelo fogo. As alternativas possíveis para a superação de
crises são muito limitadas, e a responsabilidade decisória permanece em grande parte com as
autoridades nacionais, que escolhem se um programa de ajuda será requisitado junto ao FMI,
consideram as condições para a concessão de empréstimos e aplicam as políticas para o controle da
crise.
A credibilidade do FMI foi abalada, nos anos 90 e início do século XXI, por sua inabilidade em
prevenir crises e auxiliar países já atingidos a superá-las. A elaboração de programas de salvamento
não foi capaz de evitar o colapso econômico em mercados emergentes atingidos por crises, na América
Latina (1994-95, 1998-2002) e Ásia (1997-98). O prolongado processo de esfacelamento econômico da
Argentina, entre 1999 e 2002, foi acompanhado pelo Fundo, que não foi capaz de aconselhar a
mudança das políticas no momento apropriado (mantendo um modesto apoio a um currency board
estruturalmente impraticável).
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Quando a crise finalmente forçou a desvalorização da moeda argentina, a ausência de apoio para a
recuperação do país incentivou uma reestruturação unilateral da dívida, um resultado danoso à
estabilidade do sistema financeiro internacional e à confiança nos mercados emergentes em geral.
Para muitos analistas, uma reforma no FMI será necessária para que o organismo assumisse com maior
eficiência o papel de provedor da estabilidade do sistema financeiro internacional. As propostas mais
abrangentes sugerem a transformação do Fundo em um verdadeiro provedor de liquidez internacional,
um emprestador internacional de última instância. A expansão das atribuições do Fundo é severamente
limitada pelas dificuldades em estabelecer um grau significativo de cooperação internacional nas
questões monetárias e de política macroeconômica.
Comprometer a autonomia das políticas nacionais ainda é um anátema, especialmente para as maiores
economias – que dificilmente aceitariam algo próximo à influência exercida pelo FMI sobre os países
dentro de programas de financiamento emergencial, em suas políticas monetária, cambial, tributária e
fiscal. A experiência mostra que a cooperação neste nível é excepcional, e usualmente exige a presença
de um forte estímulo externo, que torne os custos da “não-cooperação” suficientemente altos. (ELERIAN, 2006:509) A gravidade da crise econômica iniciada em 2008 pode servir como um fator
propiciador para uma reforma do FMI e do sistema financeiro internacional, apesar dos obstáculos à
formação de consensos intergovernamentais. (TRUMAN, 2009).
O FMI é capaz de auxiliar um país em processo de crise através da provisão de um volume limitado de
recursos, através de empréstimos. A dimensão dos empréstimos que o FMI é capaz de realizar, no
entanto, é reduzida em comparação com o volume de recursos em circulação no mercado de capitais.
Os recursos do FMI, isoladamente, não seriam capazes de cobrir as obrigações de uma economia
emergente média com dificuldades de rolar sua dívida, enfrentando uma perda de confiança dos
agentes do mercado. O compromisso do país com as políticas recomendadas pelo FMI para a concessão
do empréstimo (condicionalidades) é a chave para que os investidores recuperem sua confiança na
estabilidade.
O estabelecimento de condicionalidades pode prover garantias para o mercado de que governo se
empenhará na prática de políticas responsáveis, pois a liberação da totalidade do empréstimo
programado depende da constatação, pelo Fundo, de que as metas acordadas estão sendo cumpridas.
Este compromisso é, no entanto, temporário, pois as condicionalidades são efetivas somente durante o
período de duração do programa com o FMI - que pode ser, inclusive, encurtado pelo país, caso este
considere inconveniente a continuidade do acordo até a data prevista para o seu final.
A confiança do mercado obtida através de um acordo com o FMI é, portanto, temporária, e não é capaz
de modificar a percepção quanto à credibilidade estrutural de um país, o risco de realizar investimentos
e o compromisso de honrar as obrigações externas, mantendo os pagamentos ao exterior. Para que a
credibilidade de um país se consolide, e ele possa reduzir sua vulnerabilidade, é preciso realizar
mudanças que fortaleçam seus fundamentos macroeconômicos e a confiança do mercado no
compromisso com as regras de mercado.
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Considerando a reduzida capacidade do FMI de auxiliar países submetidos a crises financeiras,
percebe-se que as políticas de redução da vulnerabilidade econômica dependem de estratégias de
caráter nacional, que reflitam um consenso político amadurecido de apoio à estabilidade econômica.
(ARAÚJO, 2007) Este trabalho enfocará tais políticas de caráter nacional, recorrendo à teoria
econômica a respeito de crises financeiras em contextos de equilíbrios múltiplos.
3 Liberalização financeira: avanços e crises
A intensificação dos fluxos internacionais de capital, a partir dos anos 70, colocou em pauta os
benefícios e malefícios da integração financeira característica deste novo período de ascensão da
globalização. Nos anos 90, após encontrar o apoio da maioria dos formuladores de política econômica
nas economias industrializadas, o suporte à abertura da conta capital se difundiu entre os governos de
muitos países emergentes. Países latino-americanos se aproveitaram deste período de abundância de
capital para atrair investimentos externos (IED), financiar gastos públicos, investimento privado e
também para controlar a inflação. As crises financeiras que atingiram uma série de economias da região
a partir de meados dos anos 90 reavivaram o debate quanto à validade da integração destes países aos
mercados globais de capital. Os efeitos positivos e negativos deste processo de abertura serão
analisados.
3.1 Conseqüências positivas
A abertura financeira internacional permite que os países em desenvolvimento tenham acesso aos
recursos disponíveis nas economias avançadas, em que o capital é abundante. Assim, o investimento
pode superar as limitações impostas pelo nível de poupança interna. Em uma economia fechada, o
investimento, correspondendo ao produto subtraído do consumo privado e gastos do governo, se iguala
à poupança (aquilo que foi produzido pela economia e deixou de ser consumido no presente, de forma
privada, ou pelo governo).
A abertura ao mercado financeiro internacional também foi utilizada como parte da estratégia de
estabilização nos mercados latino-americanos. Vários destes países apresentavam profundos
desequilíbrios internos e externos, que restringiam as possibilidades de crescimento econômico e
industrialização. A entrada de investimentos do exterior era uma saída para a correção destes
desequilíbrios, seja como uma política isolada ou em conjunção com um ajuste estrutural, que reduzisse
a vulnerabilidade externa, com a expansão das exportações e redução do endividamento externo,
especialmente aquele derivado de déficits governamentais.
Num contexto de crise no balanço de pagamentos, a necessidade de manter, e preferencialmente
ampliar o acesso a fontes externas de capital, faz com que os custos derivados das políticas que limitam
a entrada de recursos do exterior sejam exacerbados – o que se aplica tanto a limitações explícitas,
como controles na entrada de capitais, quanto a políticas que reduzem a atratividade do país aos
investidores internacionais, como a instabilidade monetária e risco de default. Assim, Haggard e
Maxfield (1996:221) consideram que a manutenção ou a intensificação da abertura financeira frente a
crises sinaliza aos investidores que eles serão capazes de liquidar seus investimentos, indicando a
intenção do governo em manter a disciplina fiscal e monetária, o que finalmente aumenta a entrada de
capitais.
A abertura ao capital internacional também aumenta a pressão por reformas, maximizando os custos de
políticas distorcidas.
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A pressão sobre os governos para que adotem políticas sólidas e estáveis provém das altas penalidades
que o mercado impõe aos países incapazes de modernizar-se, isto é, a fuga de capitais e desvalorização
da moeda local. (EICHENGREEN,2004:289). Além disso, o processo de abertura financeira foi
igualmente utilizado no contexto de estratégias de estabilização monetária. Ao adotar uma âncora
cambial, o país limita a expansão da base monetária à sua capacidade de adquirir a moeda forte. Como
a existência de uma base monetária compatível com o crescimento das transações econômicas é
essencial para a economia (pois um desequilíbrio na oferta de moeda pode ocasionar deflação, e
possível redução na atividade econômica), torna-se vital promover a entrada de divisas. A abertura ao
investimento externo permite intensificar esta entrada.
A abertura aos fluxos internacionais de capital pode também promover a modernização do sistema
financeiro, dando acesso aos capitalistas locais a instrumentos financeiros de maior complexidade,
presentes nos mercados avançados, permitindo a realização de investimentos que não seriam possíveis
dentro da estrutura do sistema financeiro nacional, ainda subdesenvolvido. Deste modo, a
intensificação da competição reduz as distorções derivadas de monopólios (oligopólios) e rent-seeking
presentes nos mercados financeiros domésticos. (EICHENGREEN,2004:291).
3.2 Conseqüências negativas
Os benefícios apresentados pela abertura financeira também permitem significativos custos no curto
prazo. Reversões abruptas nos fluxos de capital (sudden stops) podem ocasionar crises cambiais, crises
no balanço de pagamentos e até mesmo se alastrar no sistema financeiro doméstico, produzindo crises
bancárias. A instabilidade no acesso dos países latino-americanos ao mercado financeiro internacional
assinala os riscos presentes na abertura aos fluxos de capital, e coloca sérias dúvidas quanto à sua
validade como ferramenta para o crescimento destas economias.
Prevenir a ocorrência de crises financeiras originadas da conta capital torna-se um desafio para os
formuladores de políticas econômicas, e também para a comunidade internacional, dado o potencial de
alastramento da instabilidade pelo sistema financeiro internacional, que pode se dar pelo contágio. Na
eventualidade de uma crise se aprofundar, existe o perigo de default da dívida, com conseqüências
nefastas para a atividade econômica local – perda do acesso aos fluxos de investimento internacional e
quebra na confiança dos investidores externos e internos (que pode se estender por longo período,
mesmo após a restauração dos pagamentos da dívida). (AGÉNOR y AIZENMAN, 1998).
Compreender a dinâmica das crises financeiras, quais fatores tornam as economias mais propensas a
sofrerem crises e como estas se desencadeiam é essencial para a sua prevenção e administração. Nas
crises financeiras contemporâneas o desequilíbrio no balanço de pagamentos deriva de colapsos na
conta capital – em um processo que é espelhado no mercado de câmbio, ou seja, crises na conta capital
e crises cambiais se dão como processos complementares. Uma depreciação da moeda nacional
provoca uma redução correspondente no valor dos investimentos locais em moeda estrangeira,
associando uma crise cambial a uma crise financeira (queda abrupta no valor dos ativos financeiros
nacionais).
Economias em desenvolvimento atingidas por crises cambiais apresentam, tipicamente, uma entrada
líquida de capitais substancial no período anterior, acompanhado de um déficit em conta corrente.
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Uma crise cambial provoca uma retirada de capital do país em larga escala, resultando em um
pronunciado déficit na conta capital, forçando o país a alcançar um superávit em conta corrente
(excesso de exportações sobre importações) para manter o equilíbrio do balanço de pagamentos. Este
processo acarreta um profundo ajuste na economia, com redução na renda e no consumo, devido à
desvalorização da moeda, que reduz os salários, encarece os importados e direciona uma maior parte da
produção local para o exterior, em oposição ao consumo e investimento interno.
(BRAKMAN,2006:222).
Crises cambiais acompanhadas de crises financeiras são possíveis tanto em regimes de câmbio fixo
quanto em regimes de câmbio flutuante. Nos casos em que existe um câmbio administrado, em que o
governo se compromete a defender um valor estabelecido para a moeda, os efeitos das crises cambiais
são geralmente mais pronunciados, e sua ocorrência tende a ser mais frequente. Ao se afastar do
compromisso com o valor da moeda, o governo compromete sua credibilidade junto aos investidores,
que podem percebem uma ruptura nas regras do jogo e uma indicação de falta de compromisso com os
contratos (aumentando o risco de default). A moeda nacional é, afinal, um acordo fundamental entre as
autoridades e os agentes econômicos, e a confiança na estabilidade do valor da moeda é o instrumento
que transforma esta convenção legal (o dinheiro) em uma realidade social e econômica, capaz de
representar riqueza e ser utilizada como meio de troca. (FRANCO,1999:263-264).
Ao garantir a estabilidade do valor do câmbio, o governo desobriga os agentes econômicos de se
proteger de mudanças neste preço, e quando a paridade é modificada, os contratos estabelecidos (e as
previsões de investimento), por não levarem em conta o risco cambial, têm seus termos de pagamento
substancialmente modificados. Em um regime de câmbio flutuante, os atores são obrigados a se
precaver de variações cambiais, considerando o risco em suas avaliações e decisões, e podem se
proteger utilizando mecanismos de hedge.
Outro fator que torna as crises cambiais ainda mais danosas para os países que adotam o câmbio fixo é
o emprego das reservas internacionais para defender a moeda. A reação inicial à desconfiança do
mercado quanto ao valor da moeda é a venda de moeda estrangeira, pelo governo, que busca arrefecer
os ânimos dos investidores, reafirmando seu compromisso com a paridade corrente. Com o
aprofundamento da crise, a continuidade desta política significa a redução, até a exaustão, das reservas,
sem conseguir preservar a estabilidade cambial. Em uma análise a posteriori, verifica-se que recursos
públicos (as reservas) foram utilizados para alimentar a fuga de capitais e resgatar investidores
estrangeiros, que foram capazes de repatriar seus investimentos sem sofrer os custos da desvalorização.
A presença de um regime de câmbio flexível não torna o país imune a crises cambiais, e tampouco
impede que uma desvalorização abrupta gere efeitos deletérios sobre a economia. O Brasil pôde
experimentar em 1999 uma crise cambial que inviabilizou a continuidade do regime de câmbio
administrado, e em 2002, com o câmbio flutuante, sofreu novamente uma reversão abrupta nos fluxos
de capitais que, na visão de muitos analistas, poderia ter levado ao default. (WILLIAMSON, 2002:10).
3.2.1 Modelos de crise de primeira geração
A análise acadêmica das crises cambiais ganhou renovada importância a partir dos anos 70, com a
crescente integração financeira internacional, que expunha um novo padrão predominante nas crises no
balanço de pagamentos, diferente das tradicionais crises derivadas de desequilíbrios na conta corrente
(típicas do período de Bretton Woods, em que os fluxos de capitais eram limitados).
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Uma primeira geração de modelos de crises era centrada nos fundamentos da economia, e esta análise
foi aprofundada nos chamados modelos de segunda geração, que consideravam a possibilidade de
equilíbrios múltiplos.
Um conceito importante para o estudo das crises financeiras é o de fundamentos macroeconômicos,
que são os indicadores da capacidade de uma economia continuar o pagamento de sua dívida (pública e
externa) de forma não-explosiva. Muitas coleções de indicadores já foram apresentadas no debate
acadêmico, mas pode se considerar satisfatória a listagem elaborada por John Williamson (2002):
estoque da dívida, taxa de crescimento da economia, índice de inflação, (desvio da) taxa de câmbio de
equilíbrio, taxa de juros externa (mundial), superávit primário do governo e o saldo em conta corrente
primário (descontado o pagamento de juros).
O modelo clássico de análise das crises cambiais foi elaborado por Paul Krugman (1979:311-325), e
considerava a existência de um único equilíbrio, um preço da moeda –taxa de câmbio- em que a oferta
e a demanda por moeda estrangeira se igualam. Nesta concepção, um país estabelece uma taxa de
câmbio fixa, que se torna insustentável devido à presença de um déficit orçamentário, financiado pela
expansão monetária. Para sustentar o câmbio, o país utiliza seu estoque de reservas estrangeiras
(vendendo e comprando a moeda estrangeira ao preço estabelecido previamente). De acordo com o
modelo, a crise cambial eclodirá no momento em que as reservas alcancem um nível crítico, em que
uma fuga de capitais se torna capaz de exaurir as reservas de moeda estrangeira do país. Um ataque
especulativo abrupto rapidamente consumiria as reservas, forçando o abandono da taxa de câmbio
estabelecida.
A inconsistência entre as políticas econômicas domésticas (a expansão monetária impulsionada pelo
déficit público) e a taxa de câmbio estabelecida assinala a presença de um desequilíbrio, que é
corrigido com a crise cambial, quando a taxa de câmbio correta (compatível com os fundamentos) é
alcançada. Este modelo possui grande força explicativa, pois na maioria dos casos de crises cambiais o
país afetado apresenta uma deterioração nos fundamentos macroeconômicos, que impossibilitam a
manutenção da paridade.
Além disso, o modelo explica a ocorrência de fugas abruptas de uma moeda, que podem ser explicadas
de acordo com critérios econômicos, sem recorrer a explicações baseadas na irracionalidade dos
investidores ou a esquemas de manipulação do mercado (os agentes procuram preservar seus recursos
retirando seus investimentos de uma moeda em vias de desvalorização, percepção compatível com a
dinâmica do mercado).
Este modelo de primeira geração, entretanto, devido a sua simplicidade, não considera as alternativas
disponíveis para os governos, quando estes se confrontam com ameaças à estabilidade cambial, como
ajustar a política monetária doméstica, elevando os juros para atrair capitais do exterior e evitar a fuga
dos investidores da moeda local. Mais sofisticados, os modelos de segunda geração analisam a
dinâmica das crises de forma menos mecânica, considerando as possíveis ações dos governos que
podem levar ao abandono da paridade ou à defesa da taxa de câmbio corrente, o que torna a
consumação da crise cambial uma possibilidade (e não o resultado inevitável das políticas equivocadas
do governo, incompatíveis com a estabilidade cambial). (OBSTFELD, 1994:189-213).
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Os modelos de segunda geração admitem a possibilidade de equilíbrios múltiplos no mercado de
câmbio, explicando como um mesmo conjunto de fundamentos econômicos, dependendo das
percepções dos investidores, pode dar origem a uma situação de normalidade ou à eclosão de uma crise
cambial. Uma consideração quanto à teoria dos equilíbrios múltiplos é necessária para compreender os
modelos de crises cambiais com características de auto-realização.
3.2.2 Equilíbrios múltiplos
Um sistema econômico se encontra em equilíbrio quando todas as suas variáveis permanecem
constantes por um determinado período, isto é, quando as condições de oferta e demanda se mantêm
inalteradas, alcança-se um preço estável, indefinidamente sustentável. Nesta situação, a demanda se
iguala à oferta, definindo um preço de equilíbrio, em que as preferências dos compradores se ajustam
às dos vendedores.
Em certos casos, no entanto, é possível que se apresentem dois ou mais equilíbrios possíveis,
indefinidamente sustentáveis. Para que exista um equilíbrio, é necessária a presença de condições que
levem os agentes a não querer agir de forma diferente, dadas as suas expectativas quanto às reações dos
demais agentes do sistema. Na hipótese de equilíbrios múltiplos, estas condições podem ser satisfeitas
por mais de um conjunto de valores das variáveis relevantes. (BLACK,1997:311).
Cada equilíbrio é compatível com os fundamentos presentes na economia, e a determinação de qual
será alcançado depende das expectativas dos agentes econômicos. Hipoteticamente, se existirem dois
equilíbrios possíveis, dados os fundamentos (equilíbrios A e B), a expectativa do mercado de que um
destes equilíbrios será atingido no futuro levará a este desfecho. Portanto, partindo de um equilíbrio
inicial A, caso o mercado espere a permanência desta situação, A continuará.
Caso os agentes econômicos percebam que a tendência é a mudança para um novo equilíbrio B, este
será alcançado devido a esta expectativa, pois a determinação de qual será o equilíbrio “futuro” (dados
os equilíbrios possíveis) não depende dos fundamentos da economia, pois ambos são compatíveis. A
definição do equilíbrio neste mercado se torna um produto das percepções e expectativas, abrindo
espaço para que, espíritos animais, profecias auto-realizáveis e sunspots (manchas solares) possam
afetar os resultados agregados. (ROMER, 1996:296).
3.2.3 Modelos de crise de segunda geração
Uma redução no financiamento externo causado “pura e simplesmente” pelo pânico dos investidores é
chamada crise de liquidez, e pode provocar uma crise financeira caso a continuidade dos pagamentos
externos seja comprometida. Uma crise de solvência, por outro lado, é provocada por debilidades nos
fundamentos da economia, que tornam uma reestruturação da dívida inevitável, pois o país não tem a
capacidade de continuar honrando seus compromissos devido a desequilíbrios estruturais em sua
economia. (EICHENGREEN, 2003:55) Na prática, é problemática a diferenciação entre uma crise de
solvência e uma de liquidez.
Para que uma crise de liquidez se torne possível, deve haver alguma fraqueza em seus fundamentos que
incentive uma porção substancial dos investidores a apostar contra esta economia. E, mais preocupante,
a própria deterioração dos fundamentos até o ponto de insolvência pode decorrer da fuga de capitais,
que inicialmente se mostrava apenas uma crise de liquidez, mas termina inviabilizando a manutenção
dos pagamentos por parte do país.
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Entre os tipos ideais extremos em que um país pode se encontrar (totalmente solvente ou totalmente
insolvente), há uma ampla gama de situações possíveis. A análise das crises cambiais nesta faixa
intermediária é o foco dos modelos de segunda geração.
A possibilidade de equilíbrios múltiplos ocorre apenas dentro de um espectro dos fundamentos da
economia. Caso estes sejam muito fortes, mesmo sob um ataque especulativo as autoridades nacionais
não terão dificuldade em defender a taxa de câmbio, e crises cambiais serão improváveis. No lado
oposto do espectro, caso os fundamentos de uma economia se encontrem muito deteriorados, mesmo
sem um ataque especulativo não será possível sustentar a taxa de câmbio, e uma crise cambial se
tornará inevitável – o caso típico examinado no modelo clássico de Krugman. Na faixa intermediária
dos fundamentos podem ocorrer equilíbrios múltiplos, ou seja, pode não haver crise, mas caso ocorra
um ataque especulativo, a estabilidade cambial estará em perigo. (WILLIAMSON, 2002:3).
Em um contexto de equilíbrios múltiplos, quando exposto a condições normais de mercado o governo
pode continuar a servir a dívida pública de forma viável (sem que esta se torne um encargo
incompatível com as pressões sociais, políticas e econômicas, que forçariam o governo a entrar em
default), e o país auferir recursos em moeda estrangeira (i.e., dólares) para manter o serviço de sua
dívida externa. Deste modo, sob condições normais de mercado os fundamentos são consistentes com
um “bom equilíbrio”. Caso a continuidade do pagamento da dívida pública e dos pagamentos do país
com o exterior se torne impossível sob um conjunto plausível alternativo de condições, os fundamentos
dão espaço para a existência de um “mau equilíbrio” (de crise). Este conjunto de condições que
propicia uma crise se caracteriza pela fuga de capitais, elevação do risco-país e do spread cobrado
sobre os juros da dívida.
As expectativas dos investidores e dos formuladores de políticas determinam se uma crise cambial
ocorrerá ou não, nesta faixa intermediária, e não apenas os fundamentos, que são compatíveis com uma
situação de estabilidade ou de crise (ambos equilíbrios são possíveis, e indefinidamente sustentáveis).
As expectativas dos investidores possuem um caráter de auto-realização, pois, caso estes se comportem
prevendo uma desvalorização iminente, esta acontecerá - pois os agentes econômicos, esperando uma
deterioração do valor da moeda, tentarão se proteger, vendendo seus ativos na moeda local e
adquirindo divisas, o que representa uma fuga de capitais. Uma fuga de capitais, com uma reversão
abrupta nos fluxos financeiros (sudden stop), força uma desvalorização (a oferta de moeda estrangeira
se reduz repentinamente, e a demanda se eleva). Em um regime de câmbio fixo, o governo
eventualmente deixará de despender reservas para defender a paridade (seja porque estas foram
exauridas, ou mesmo antes, quando perceber que tentar preservar o câmbio corrente não é mais
factível), e terá que permitir a depreciação do câmbio.
No caso do regime flutuante, a cotação da moeda se deteriorará com a reversão nos fluxos de capitais,
realizando a expectativas de desvalorização. Por outro lado, se não houver expectativa de
desvalorização, o comportamento dos investidores refletirá esta percepção, que se provará verdadeira,
pois na ausência de um ataque especulativo a manutenção da estabilidade cambial é um equilíbrio que
pode ser alcançado, e é compatível com os fundamentos. A possibilidade de equilíbrios múltiplos no
mercado de câmbio, ao apontar as expectativas e ações dos investidores como determinantes para a
ocorrência de crises, não retira a responsabilidade das autoridades nacionais.
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O ambiente propício à presença de equilíbrios múltiplos exige que os fundamentos macroeconômicos
se encontrem relativamente fracos, de modo que o governo não se mostre capaz de defender a moeda
caso esta sofra um ataque especulativo.
Assim, não é válido concentrar toda a responsabilidade sobre os investidores internacionais, ou sobre
especuladores manipulando o mercado financeiro, pois a incoerência das políticas econômicas adotadas
pelos governos é um ingrediente necessário para que tais crises se tornem possíveis (câmbio
sobrevalorizado, déficit público, endividamento excessivo em moeda estrangeira, etc.). Cabe aos
formuladores de políticas evitar esta zona de crise e reduzir a possibilidade de sucesso de um ataque
especulativo.
Há diversos temas controversos na análise de crises cambiais, que tratam da lógica que move a ação
dos investidores. Em um contexto de equilíbrios múltiplos, é possível que um país se mantenha estável,
mas permanece a possibilidade de que uma crise se desencadeie devido à fragilidade nos fundamentos
macroeconômicos. Conhecendo este risco, torna-se proveitoso entender os fatores que dão início a uma
crise.
3.2.4 Contágio
As crises financeiras dos anos 90 foram caracterizadas pelo rápido alastramento de uma economia para
outra de ataques especulativos ao câmbio e súbita reversão nos fluxos de capitais. Este contágio se deu
principalmente em nível regional- na Europa, na crise do ERM (exchange rate mechanism), América
Latina, após a crise do México de 1994 (o efeito tequila) e na Ásia, a partir da crise da Tailândia. Este
contágio poderia ser explicado por conexões “reais” entre as economias dos países em questão: os
países são importantes parceiros comerciais, e uma recessão em um deles, reduzindo as importações de
seu parceiro, piora os fundamentos deste; ou os países competem nos mesmos mercados de exportação,
e uma desvalorização no país em crise, por baratear seus produtos, reduz as exportações do outro. No
entanto, esta hipótese não foi capaz de explicar a extensão do contágio nas crises dos anos 90,
especialmente entre países com reduzidos contatos comerciais.
Outra explicação seria de caráter financeiro. Enfrentando uma crise em um mercado, investidores
globais retirariam recursos de outros países para conseguir liquidez, alastrando a crise
internacionalmente. Fundos de hedge, que geralmente operam de forma alavancada, se vêem forçados a
reduzir seu portfolio de investimentos, para compensar as perdas sofridas em um mercado, retirando
capitais de outros países. Além disso, e principalmente, a crise em um mercado emergente eleva a
percepção de risco dos emergentes em geral, pois os investidores, após admitirem perdas em uma
destas economias, tendem a buscar ativos com maior segurança (em moeda forte e em economias
desenvolvidas).
A predominância do contágio entre economias da mesma região (mesmo com ligações econômicas
tênues) aponta também para a percepção, entre os investidores, de que tais países possuiriam
características semelhantes, mesmo que intangíveis. Sofrendo pressões semelhantes, espera-se que um
país parecido (latino ou asiático, por exemplo) se comporte de forma análoga: como o México
abandonou o câmbio fixo de seu peso, provavelmente a Argentina fará o mesmo com o seu. Uma crise
em outro país pode trazer para os investidores um alerta (wake up call) sobre as vulnerabilidades de
uma economia emergente, que apresente características similares.
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A crise da Ásia ressaltou as falhas do capitalismo asiático, com ligações promíscuas entre grupos
empresariais, bancos e o governo (crony capitalism), que podem ter ocasionado as fugas de capital da
Tailândia, primeiro, e depois da Indonésia, Coréia do Sul e vizinhos.
No entanto, alguns anos após a eclosão da crise, os investidores estrangeiros voltaram à região, que
mantinha basicamente os mesmos problemas estruturais que teriam explicado a crise anterior.
Aparentemente, a atenção dada aos problemas nos fundamentos teve importância somente quando uma
expectativa de crise se avolumou entre os agentes do mercado, reafirmando a importância da autorealização das perspectivas macroeconômicas presente nos modelos de crise de segunda geração.
(MASSON,1999:9).
3.2.5 Comportamento de manada
Ao analisar a dinâmica das crises cambiais é preciso considerar se os mercados de moeda estrangeira
são eficientes. Mercados ineficientes abrem a possibilidade para o comportamento de manada
(herding), em que as ações dos atores econômicos não resultam na alocação do capital da forma que
maximize da melhor forma o seu uso. A ineficiência no mercado de câmbio se explica pelo ambiente
em que são formadas as expectativas dos atores econômicos (que condiciona seu comportamento), em
que a informação se apresenta de forma imperfeita e assimétrica.
Este contexto esclarece como se espalham as ondas de fuga de capital, em que uma onda de venda da
moeda nacional (não importando a sua causa inicial) é magnificada através da imitação. Em meio a
essa tendência, a única explicação que um agente do mercado financeiro possui para se desfazer da
moeda é que o preço desta está caindo, e sua ação, aliada ao comportamento dos demais investidores
que fogem da moeda, intensifica esta queda (formando uma verdadeira “horda eletrônica”).
A ação de grandes agentes do mercado financeiro tem grande capacidade de definir uma mudança nas
tendências do mercado, pois estes são geralmente considerados detentores de informação privilegiada e
uma reputação em perceber os movimentos do mercado. Este seria o mecanismo de coordenação entre
os investidores individuais que determina qual equilíbrio será alcançado (um “bom equilíbrio” ou um
“mau equilíbrio”, a normalidade ou a crise).
Outro mecanismo que propicia o comportamento de horda provém do fato de que a maior parte dos
recursos investidos no mercado financeiro são operados por agentes, e não por seus proprietários
(problema do agente-principal). Os operadores do mercado financeiro são avaliados em comparação
com seus pares, e pouco têm a ganhar ao atuar na contramão do mercado. Mesmo que um agente não
possua informações indicando alto potencial de crise em um mercado, se a tendência predominante é
apostar contra a moeda e vender os ativos neste país, é mais interessante imitar os demais, pois o dano
individual de errar seguindo a maioria é inferior que o risco percebido de perder agindo de forma
isolada. (KRUGMAN, 1997).
As informações podem ser baseadas nos fundamentos e no compromisso das autoridades nacionais em
defender a taxa de câmbio, o que sinaliza aos agentes do mercado a situação da economia, apontando
se a taxa de câmbio é sustentável e qual o risco de investir neste país. Outra possibilidade de
coordenação refere-se ao uso de informação que não é relacionada diretamente à economia real.
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Qualquer espécie de informação que dê início a uma onda de venda da moeda local, independente da
sua natureza, pode dar início a uma crise, através da dinâmica de horda, por simples imitação. Neste
caso, as expectativas de desvalorização inicial se materializam exatamente porque os investidores se
comportam de acordo com esta perspectiva.
As crises cambiais teriam sua origem em sunspots (manchas solares), uma variável que não possui, ela
mesma, efeito qualquer na economia, mas passa a ser um determinante na definição do equilíbrio do
mercado porque os agentes acreditam que ela possui este papel. Os agentes validam, por meio de seu
comportamento, sua crença na importância desta variável na definição dos resultados.
(ROMER,1996:296) Uma declaração pública de uma autoridade ou de um grande investidor pode se
transformar em uma sunspot, coordenando as expectativas dos participantes do mercado em uma
direção pela própria dinâmica dos agentes ao assumir a realidade desta informação, materializando um
“sentimento” do mercado.
Percebe-se que as crises cambiais decorrem da confluência de fundamentos macroeconômicos fracos,
que dão margem a ataques especulativos, e expectativas dos investidores. O ambiente externo compõe
outra variável que participa na erupção de crises financeiras. A deterioração dos fundamentos,
particularmente na presença de um volume significativo da dívida de curto prazo (em comparação com
o volume de reservas ou a capacidade do país absorver divisas, por meio de exportações), combinada a
um ambiente internacional com liquidez reduzida, resulta em extrema vulnerabilidade a crises de
confiança. (VELASCO,1999) Neste cenário, o alastramento de uma dinâmica de fuga de capitais
(ataque especulativo sobre a moeda) pode emanar das ações de um número reduzido de agentes do
mercado financeiro, e se disseminar pelo mercado através da dinâmica de horda.
A percepção dos agentes do mercado financeiro ganha destaque, assinalando que não basta a um
governo agir de forma consistente com um “bom equilíbrio” – controlando o endividamento externo,
mantendo um nível satisfatório de reservas e uma política macroeconômica sólida. A concretização de
uma crise cambial e financeira depende da percepção do mercado sobre o que as autoridades pretendem
fazer, qual a disposição de um governo em defender a estabilidade da moeda, e quais as verdadeiras
preferências assumidas pelo país.
O compromisso pontual com a estabilidade cambial e monetária não é capaz de certificar o respeito aos
contratos em um momento de crise, quando a manutenção de um clima propício ao investimento
externo é testada frente a outros interesses, como a adoção de políticas expansionistas e a imposição de
restrições à liberdade de movimentação de capital. A definição das preferências nacionais no manejo da
política macroeconômica define o trade-off entre desvalorização e defesa da moeda, e a percepção de
compromisso do país com a estabilidade cambial, o que será refletido no risco percebido pelos
investidores.
4. Políticas para a redução da vulnerabilidade
A possibilidade de ocorrência de crises financeiras auto-realizáveis demanda aos países latinoamericanos a adoção de medidas preventivas. Três fatores são determinantes para a ocorrência de crises
financeiras auto-realizáveis:
- fundamentos macroeconômicos em posição intermediária, situando o país entre a inevitabilidade e a
impossibilidade e erupção de uma crise;
- diminuição da confiança dos investidores conformando-se em um pânico;
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- redução das fontes de financiamento externo, provocando um colapso na liquidez.
Crises auto-realizáveis ocorrem quando os fundamentos macroeconômicos de um país dão margem à
existência de equilíbrios múltiplos. Para que a possibilidade de crise se concretize (o país alcance o
“mau equilíbrio”) é preciso que os investidores percam a confiança na capacidade do país preservar o
valor de sua moeda, ou mesmo honrar seus compromissos externos, percebendo um aumento no risco
de default. A subseqüente retirada dos recursos financeiros do país, devido à deterioração das
expectativas (pânico), provoca uma piora nos fundamentos, conduzindo a uma crise financeira, que
realiza as expectativas dos investidores.
Assim, a prevenção de crises financeiras deve enfocar a melhora nos fundamentos macroeconômicos,
aproximando o país, no espectro dos fundamentos, da condição em que um ataque especulativo não é
capaz de levar à erupção de uma crise – as autoridades não encontram dificuldade em defender a
moeda e a manutenção de um “bom equilíbrio”. (WILLIAMSON, 2002:3) Manter a estabilidade
monetária (inflação baixa), equilíbrio fiscal (controlar o déficit público) e um balanço de pagamentos
equilibrado são condições essenciais para que um país consiga defender um “bom equilíbrio” (sem
crise) frente a um ataque especulativo.
A confiança dos investidores na sustentabilidade dos pagamentos externos é diretamente influenciada
pela consolidação de políticas condizentes com a estabilidade macroeconômica, o que requer reformas
institucionais e a formação de consensos políticos interpartidários que deem suporte ao fortalecimento
da economia de mercado. Além destas recomendações gerais, algumas políticas específicas podem
reduzir o impacto de flutuações nos fluxos de capitais sobre a estabilidade econômica e a possibilidade
que uma redução temporária na liquidez externa dissemine a suspeita de desvalorização e provoque
uma fuga de capitais.
4.1 Reduzir a exposição externa
Países afetados por crises financeiras apresentam, via de regra, uma proporção elevada de dívida de
curto prazo (pública ou privada) em relação às reservas internacionais. Uma redução na liquidez
internacional combinada com a presença de um volume significativo de obrigações de curta maturação
torna a economia de um país extremamente vulnerável a crises de confiança. (VELASCO,1999) O
excesso de obrigações com vencimento próximo em relação à capacidade de obter acesso a
financiamento origina uma crise de liquidez, que pode propiciar uma interrupção nos pagamentos
externos de uma economia.
Uma dívida pública que apresente uma dinâmica de intenso crescimento (com a acumulação de déficits
fiscais) obriga o governo a depender de forma crescente do financiamento para a manutenção de seus
pagamentos. Além de exacerbar a dependência de fluxos de capital, esta dinâmica determina um
crescimento nos juros cobrados sobre a dívida, pois cada aumento no montante devido reduz a
confiança do mercado na sustentabilidade da dívida - esta forma de endividamento pode, em casos
extremos, deteriorar-se em um esquema do tipo Ponzi. Os encargos crescentes com o serviço da dívida
também aumentam os custos percebidos pelas autoridades em manter os pagamentos externos.
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A percepção de que as autoridades possuem um incentivo crescente para aceitar a desvalorização (que
permitiria a adoção de políticas expansionistas, reduzindo a dívida interna em termos reais), ou mesmo
a suspensão dos pagamentos, reduz a confiança dos investidores e estimula a fuga de capitais (pois
cada investidor quer preservar o valor de seus ativos, evitando ser o “último da fila” em uma corrida
para se desfazer dos ativos nacionais). (MASSON,1999:5-7).
Uma proporção elevada de dívida em moeda estrangeira é um complicador adicional. Neste caso, uma
desvalorização poderia tornar a continuidade dos pagamentos insustentável. A expectativa de
desvalorização pode partir da consciência de que a desvalorização encaminha a dívida para uma
dinâmica insustentável. Como as percepções podem ser auto-realizáveis em cenários de equilíbrios
múltiplos, a presença de um grande montante de dívida de curto prazo em moeda estrangeira,
combinada a uma crise de confiança, cria um cenário completo para uma crise financeira internacional.
(WILLIAMSON, 2002:9).
A presença de currency mismatches coloca a economia em uma posição vulnerável a flutuações
cambiais e nos fluxos de capital. Um currency mismatch é a situação em que há um desequilíbrio na
composição de ativos e obrigações em um setor ou na economia como um todo, que provoca uma falta
de correspondência entre a moeda em que os ativos (ou a renda) de um agente são contabilizados e a
moeda em que se encontram suas obrigações de pagamento (dívida). Quando uma empresa toma
recursos emprestados no exterior, em moeda estrangeira, mas obtém seus recursos no mercado
doméstico, em moeda local, ela cria um currency mismatch. Uma desvalorização da moeda elevaria o
valor das obrigações da empresa, sem alterar o rendimento da empresa em moeda local.
A desvalorização pode, assim, impedir a empresa de realizar seus pagamentos, uma situação que, se
difundida na economia, pode propiciar uma onda de falências ou até mesmo o default. (GOLDSTEIN,
2005:381-384) A utilização de mecanismos de swap é uma maneira de prevenir estas conseqüências
deletérias, pois permite estabelecer um seguro contra tais variações cambiais. Contudo, a presença de
um câmbio fixo ou administrado exime os agentes econômicos de assumirem o ônus deste dispositivo
preventivo, pois a autoridade monetária assume o risco cambial ao defender a paridade estabelecida,
dando margem à manifestação de pronunciados currency mismatches.
Os efeitos de uma desvalorização são potencializados na presença de currency mismatches, com efeitos
que se alastram pela economia real (devido à contração no crédito e crescimento abrupto da dívida,
considerada em moeda local). Prevenir o endividamento excessivo em moeda estrangeira é necessário
para prevenir crises financeiras, o que envolve o estabelecimento de supervisão bancária mais estrita
(que limite a concessão de empréstimos denominados em moeda estrangeira a clientes incapazes de
gerar receita suficiente em moeda estrangeira). A expansão do crédito em economias emergentes deve
se basear, preferencialmente, na formação de um sistema financeiro sólido, com a ampliação do
mercado de capitais e a utilização de mecanismos de proteção (hedging e outros derivativos).
4.2. Regime cambial sustentável
A política cambial deve ser compatível com o nível de abertura financeira adotado pelo país. O regime
de câmbio ajustável, mas rígido (pegged-but-adjustable rates, bandas cambiais ou target zones) coloca
a moeda em posição vulnerável à especulação. Este regime não provê nem o nível de confiança
garantido por um câmbio plenamente fixo, nem a flexibilidade do câmbio flutuante.
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A definição de um câmbio oficial, que o governo se compromete a defender (mas não totalmente)
incentiva apostas de mão única (one-way bets): um investidor, percebendo a possibilidade de
desvalorização, é estimulado a vender seus ativos em moeda local, esperando tirar proveito depreciação
(adquirindo divisas o agente se protege da desvalorização, e pode ter o valor real de seus ativos,
considerados em moeda local, aumentado).
O risco desta operação é pequeno, pois mesmo que a previsão do investidor se mostre equivocada, a
perda sofrida corresponde apenas aos custos de transação do processo, pois o valor do câmbio
permanece igual. (EICHENGREEN,2004:299). A manutenção de um câmbio fixo, atualmente, é
cerceada pela dificuldade de um país comprometer a sua autonomia macroeconômica em nome da
estabilidade cambial.
Um câmbio fixo obriga o país a direcionar suas políticas econômicas exclusivamente para a
manutenção da paridade, um compromisso difícil de ser mantido em um ambiente democrático.
(EICHENGREEN, 2003:6). A adoção de um regime de câmbio flutuante facilita o ajuste a choques no
balanço de pagamentos, evitando que a moeda se aprecie ou deprecie acentuadamente (em um valor
incompatível com a sustentabilidade do balanço de pagamentos).
Para manter o equilíbrio, um país submetido a um choque externo (uma redução abrupta na
transferência líquida de recursos do exterior para o país) é forçado a realizar um ajuste nos preços
relativos, que reduza o preço dos produtos não-comercializáveis (tradables) em relação aos não
comercializáveis - isto é, uma depreciação na taxa de câmbio real. Este ajuste pode ser feito através da
depreciação da taxa de câmbio nominal (em um regime de câmbio flexível) ou por uma redução na
atividade econômica (em um sistema de câmbio fixo ou semi-fixo). (ROJAS-SUAREZ, 2003:134).
O sistema de câmbio flutuante também torna transparente aos agentes do mercado financeiro a
existência de riscos cambiais – ao definir um câmbio fixo, o governo assume todo o risco cambial, e a
responsabilidade de cobrir este risco defendendo o valor da moeda. Com a flutuação cambial, o risco
cambial é transferido para os agentes do mercado financeiro, que são impelidos a adotar instrumentos
de precaução (fazendo hedge cambial, utilizando mecanismos como o swap cambial).
A possibilidade de um ataque especulativo provocado pela desconfiança na capacidade do governo
sustentar a taxa de câmbio é reduzida em um regime de câmbio flutuante. Outros fatores continuam
possibilitando a erupção de uma crise auto-realizável, no entanto, ligados a uma deterioração na
confiança do mercado na capacidade do país continuar realizando seus pagamentos externos. Uma
corrida da moeda local, ao precipitar uma crise de liquidez (escassez de moeda estrangeira), pode
comprometer a capacidade de financiamento das obrigações externas (rolagem da dívida),
especialmente se houver um grau significativo de dívida de curto prazo.
Assim, a adoção do câmbio flutuante não é uma panacéia contra as crises cambiais e financeiras.
Outras medidas, que fortaleçam a estabilidade da moeda e a confiança do mercado, são necessárias, em
particular o equilíbrio fiscal, estabilidade monetária e a acumulação de reservas.
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4.3. Acumulação de reservas internacionais
Uma política de crescimento das reservas internacionais pode facilitar a solução de problemas
temporários de liquidez (sudden stops), permitindo aumentar a confiança dos investidores na
capacidade do país honrar suas obrigações externas. Uma proporção de reservas compatível com o
nível de endividamento de curto prazo pode ser um seguro contra o aprofundamento de uma crise
causada por uma reversão temporária nos fluxos de capitais – reduzindo o incentivo para que
investidores retirem seus recursos do país em momentos de tensão (como a erupção de uma crise outro
mercado emergente). Este sinal de solidez pode evitar o contágio e impedir que a dinâmica de autorealização de crises se instale no país. (LOPES, 2005).
A acumulação de reservas impõe custos aos países emergentes. Um grande volume de divisas é
imobilizado, rendendo juros baixos (títulos do Tesouro americano possuem juros muito reduzidos, em
comparação com os papéis da dívida dos emergentes em geral). Entretanto, não é apropriado depender
de fontes externas (FMI, empréstimos bilaterais) para prover de forma confiável a liquidez necessária
para conter crises. Desse modo, os países latino-americanos são forçados a reduzir esta vulnerabilidade
por conta própria, arcando com os custos de manter um grande volume de reservas.
(REDRADO,2006:272).
A experiência de combinar um regime de câmbio flutuante com um sistema de metas de inflação tem
se mostrado capaz de indicar ao mercado um compromisso crível do Banco Central em manter a
inflação baixa e reduzir a vulnerabilidade da moeda. Diversos países da região adotaram o sistema de
metas de inflação (Brasil, Chile, Colômbia, México, etc.) até o momento. A consolidação da confiança
do mercado na estabilidade exige a definição clara de um compromisso com o equilíbrio monetário,
fiscal e cambial, estabelecendo a credibilidade da política monetária e cambial. A autonomia do Banco
Central, possibilitando que esta instituição enfoque sua ação exclusivamente na preservação da
estabilidade da moeda (utilizando ou não um sistema de metas de inflação), é um passo importante no
aumento da confiança dos investidores, e deste modo na prevenção de crises financeiras internacionais.
(ROJAS-SUAREZ,2003:147).
4.4. Transparência
A percepção de risco-país depende das informações disponíveis aos investidores sobre os fundamentos
macroeconômicos. A ausência de fontes verossímeis de informação impede o mercado de ter uma
noção clara das fraquezas de uma economia, e as expectativas de eclosão de crise se tornam objeto de
dúvida, dando margem a percepções equivocadas entre os agentes do mercado. A incerteza é
prejudicial quando há melhora nos fundamentos, pois este dado pode deixar de ser assimilado pelo
mercado, impedindo que a confiança na economia melhore. Um país em situação relativamente
positiva pode sofrer com a desinformação (misperception), por exemplo, se tornando vítima de
contágio. Investidores incapazes de julgar de forma apropriada o risco de default podem considerar de
forma semelhante mercados com características díspares, dando um tratando de forma excessivamente
dura um país com fundamentos razoáveis.
A ausência de dados confiáveis também pode levar a análises descuidadas, negligenciando
vulnerabilidades e colocando o mercado desprevenido em face de desequilíbrios. Tal foi a situação da
Tailândia, em 1997, em que a eclosão de uma crise (com a desvalorização da moeda local) não foi
considerada de forma realista pela maioria dos participantes do mercado até que esta se tornou
inevitável. (BLUNSTEIN,2002:65-95).
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O aumento da transparência dos dados do governo é recomendável. A adoção de códigos e padrões
internacionais de transparência abrange dados macroeconômicos, regulação e supervisão financeira e
do mercado de capitais. Os acordos de Basiléia representam um padrão mínimo a ser adotado para as
políticas de supervisão bancária na América Latina (BASEL COMITEE ON BANKING
SUPERVISION, 2006).
4.5 Mudanças estruturais
Reformas institucionais são necessárias para que um país coloque em prática políticas coerentes com a
estabilidade macroeconômica, no plano interno e externo. Para que o comportamento condizente com a
estabilidade econômica se torne a regra, e não a exceção (durante uma administração de caráter prómercado, por exemplo), mudanças nas instituições devem ser realizadas, consolidando este
comportamento nas “regras do jogo”. São exemplos de reformas que restringem a abertura disponível
para a prática de políticas heterodoxas:
- independência do Banco Central, com mandato restrito à defesa da estabilidade monetária;
reformas na estrutura tributária e orçamentária, reduzindo a discricionariedade na obtenção de receitas
pelo governo e no seu gasto;
- normas de responsabilidade fiscal, contendo o endividamento do governo central e entidades subnacionais;
- redução da insegurança jurídica, que reduz a previsibilidade das regras do jogo, comprometendo o
planejamento e a disposição ao investimento;
- promoção da integração à economia internacional, com a abertura comercial. (KUCZYNSKI y
WILLIAMSON, 2003).
A reforma da administração pública é um passo necessário para a democratização do Estado e
consolidação de instituições políticas e econômicas condizentes com uma economia de mercado aberta
aos fluxos internacionais de capitais. A presença de uma burocracia corporativista e ineficiente esteve
comumente associada à manutenção de práticas patrimonialistas por parte das elites políticas latinoamericanas, preservando comportamentos de rent-seeking – utilização do poder do Estado como
instrumento para a extração de rendas da sociedade, para benefício privado. Predomina uma baixa
capacidade de formular e implementar políticas públicas consistentes com as demandas sociais,
resultado de falhas de gestão disseminadas no aparato estatal dos países do continente.
A renovação da agenda reformista requer a definição de eixos estratégicos para a modernização do
Estado. Abrucio (2007) identifica, analisando a realidade brasileira, quatro pontos focalizadores para
este projeto. Primeiramente, aponta a necessidade de profissionalização dos quadros da administração
pública, com a redução das indicações políticas, reforço da meritocracia na seleção de pessoal e
aumento do investimento na capacitação dos servidores.
Outro ponto é a eficiência, a racionalização da lógica do orçamento. Há um descompasso entre o
planejamento de metas governamentais, geralmente descompromissadas com a capacidade de
implementação, e as forma como são definidas as ações de governo realmente executadas anualmente.
O aumento da eficiência do gasto público permitiria, além da redução nas despesas, otimizar os
serviços à disposição da população. A atuação em parceria com o setor privado pode fortalecer a ação
governamental, superando o debate estéril entre privatismo e estatismo.
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A preocupação com a efetividade também deve ser destacada, adotando a gestão por resultados como
forma de orientar a administração pública por metas e indicadores. Recomenda-se também a
transformação da lógica segmentada das políticas públicas, tanto horizontalmente (entre ministérios)
quanto verticalmente (entre níveis de governo). Ações intersetoriais e programas transversais são
alternativas para reduzir a fragmentação da ação do Estado – que deriva do aprisionamento em
estruturas organizacionais departamentalizadas e sem coordenação efetiva.
Finalmente, o aumento da transparência e da responsabilização do poder público compõe um eixo
estratégico em uma nova agenda de reformas. A administração pública deve ser cobrada e controlada
pela sociedade, para que assuma de forma permanente o compromisso com a eficiência, efetividade e
respeito às leis e direitos individuais. A abertura dos gastos do Estado ao escrutínio público permite à
sociedade civil cobrar a responsabilidade das autoridades pela utilização dos recursos da comunidade.
O sancionamento a comportamentos irregulares exige que se consolidem instrumentos de
responsabilização, de caráter judicial ou político.
Apesar de diversas movimentações no campo político e legislativo, os projetos de reforma na
administração pública na América Latina vêm sofrendo problemas de continuidade. Retrocessos são
comuns, resultando principalmente da transição de autoridades presidenciais comprometidas com a
abertura econômica para lideranças opositoras eleitas democraticamente, portadoras de um discurso
anti-mercado. Para que o processo de reformas seja sustentável, e a consolidação de regras de mercado
seja percebida de forma crível pelo mercado, o apoio da sociedade às mudanças deve ser sólido,
sustentável politicamente. Caso o risco de reversão das reformas seja grande, não será possível
incrementar a credibilidade das políticas nacionais, pois a estabilidade da economia e da capacidade de
pagamento será considerada incerta pelos investidores.
A falta de legitimidade das reformas mostra a incapacidade de convencer a maioria da sociedade a
apoiar a continuidade das políticas de mercado. Um país que realizou uma ampla gama de reformas,
como a Bolívia, não foi capaz de preservá-las devido à falta de apoio de setores importantes de sua
população, que se mobilizaram contra as mudanças e determinaram um retrocesso em todo o projeto de
modernização. A ausência de melhorias no bem-estar social no médio prazo pode comprometer o
desenvolvimento de um programa de reformas, inviabilizando a manutenção do consenso necessário
para a sua consolidação. (ARMIJO y FAUCHER, 2002:1-40).
No longo prazo, as reformas, fortalecendo a confiança do mercado no país, melhoram a capacidade de
atuação do Estado e o crescimento econômico. A redução no risco país (com a queda do spread da
dívida) e a presença de uma posição fiscal mais favorável aumentam a sustentabilidade da dívida e a
estabilidade monetária e cambial. O aumento da credibilidade do país permite reduzir o risco de
contágio. Possibilita a maximização dos fluxos financeiros, e abre espaço para uma integração mais
positiva, reduzindo a dependência de empréstimos de curto prazo para o setor público, estimulando o
financiamento de longo prazo para investimentos e o próprio investimento externo direto (IED). Este é
um longo processo de convergência com as políticas praticadas nas economias avançadas, que abre
amplas possibilidades para as economias emergentes dentro da dinâmica de globalização
contemporânea.
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5. Conclusão
Os países da América Latina apresentam experiências diferenciadas de continuidade e profundidade
das reformas de mercado. Venezuela, Bolívia e Equador retrocederam de forma decisiva no processo
de estabelecimento de democracias de mercado. No Chile e na Colômbia permanece um apoio
estabilizado à abertura econômica, situando o debate político no aperfeiçoamento das instituições e nas
correções nas políticas econômicas que se fazem necessárias no contexto atual de retração do
crescimento econômico mundial. Na Argentina e no Peru acirra-se a polarização entre forças favoráveis
à consolidação de estruturas institucionais condizentes com a economia de mercado moderna e grupos
sociais que pregam o retorno ao estatismo e fechamento ao comércio internacional. Uruguai e Brasil,
mesmo com a subida ao poder de lideranças historicamente críticas ao mercado, não voltaram atrás no
processo de reforma, que perdeu impulso, no entanto.
A necessidade de empreender reformas institucionais é uma realidade incontornável para os países
latino-americanos que pretendem avançar dentro do sistema de mercado. A inserção nos fluxos
econômicos internacionais – de comércio, investimentos e finanças, vetores altamente entrelaçados na
atualidade – é um processo que pode contribuir para o desenvolvimento econômico e social. Há riscos
inerentes a esta alternativa de inserção internacional, aberta e propositiva, que devem ser considerados
de forma consequente e enfrentados diretamente. A possibilidade de crises financeiras auto-realizáveis
é um destes riscos, e a mitigação da vulnerabilidade a este fenômeno passa pela adoção de políticas
macroeconômicas sustentáveis e consolidação dos marcos institucionais de uma economia de mercado.
Para os países que recusarem o aprofundamento de reformas, deve-se esperar a continuidade do
crescimento econômico reduzido, que somente alcança níveis mais elevados em períodos de expansão
da demanda por commodities no mercado internacional, e a incapacidade de utilizar o setor externo
como impulsor de um processo de modernização econômica. A presença de reformas incompletas e a
ausência de um consenso político de sustentação às instituições de mercado deixa em aberto o processo
político às forças que pretendem substituir o falho regime capitalista em vigor na América Latina por
alternativas “bolivarianas”, de reforço do papel do Estado, que passa a controlar a economia, retirando
a autonomia da sociedade civil e comprometendo, gradativamente, as liberdades individuais em nome
do “interesse nacional e da revolução”.
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Reseña biografica
Marco Aurélio dos Santos Araújo é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental,
trabalhando da Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e
Energia. Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília, é mestrando em Relações
Internacionais pela mesma instituição, na área de concentração Política Internacional e Comparada.
Dados para contato:
Marco Aurélio dos Santos Araújo
SQN 408, bloco I, ap. 201
CEP 70856-090
Brasília, DF - Brasil
E-mail: [email protected]
Tel: (55-61) 3319-5513 (comercial)
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