XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009 Documento Libre Crises financeiras e reformas: políticas para a redução da vulnerabilidade externa Marco Aurélio dos Santos Araújo 1. Introdução O sistema financeiro internacional sofreu mudanças profundas ao longo das últimas décadas, alterando o modo de integração das economias nacionais. Mudanças tecnológicas intensificaram a rapidez e a variedade dos fluxos de capital, que suplantaram em larga escala, no final do século XX, o volume das transações comerciais. O crescimento da interdependência econômica, verificado desde o pós-guerra, foi intensificado na área financeira após o colapso do sistema de Bretton Woods, no início dos anos 70. A desregulamentação no centro do sistema (Estados Unidos, Japão e União Européia) difundiu-se em escala global. Neste processo ganharam importância os mercados latino-americanos, economias de renda média com um nível de industrialização relativamente adiantado, que atraem o interesse dos mercados de capitais nos anos 90. Este movimento coincidiu com o estabelecimento de regimes democráticos e introdução de reformas de mercado nos países do continente. Após uma sucessão de crises financeiras nestas economias, no final dos anos 90 e início do século atual, ocorre certo desencanto com a perspectiva de alcançar significativo progresso econômico através da participação no sistema financeiro internacional, que responde ao aparente fracasso das reformas de mercado com uma guinada à esquerda. Retrocessos começam a aparecer, e uma renovada atração por políticas heterodoxas ganha importância em economias importantes da região, como Argentina e Venezuela. A crise financeira de 2008, que se inicia no centro da economia mundial, os Estados Unidos, magnifica a tendência de redução do suporte ao livre mercado na América Latina. As classes políticas da região se distanciam do discurso da liberalização econômica, retirando do debate público o tema das reformas institucionais, que permanecem inacabadas. Nos países desenvolvidos, a crise financeira impulsiona a contenção dos excessos da desregulamentação econômica, que permitiram o crescimento de bolhas especulativas. Líderes latino-americanos encontram, desse modo, uma justificativa para oposição às reformas de mercado: o retorno de um papel ativista do Estado na economia seria necessário para superar a crise. Apontam que os países ricos sempre pregaram a abertura das economias dos emergentes, frequentemente associando o acesso a recursos externos (do FMI, Banco Mundial ou bilateralmente) ao avanço de reformas na economia, que se traduziam invariavelmente na proposta de redução do papel do Estado. Apesar da retórica, quando sofrem uma crise econômica, as economias desenvolvidas reforçam, elas mesmas, o intervencionismo estatal. Deve-se ressaltar que as mudanças em curso nos países do centro são correções de rumo, não se tratando de alterações na estrutura da economia de mercado. Os excessos do sistema financeiro não comprometeram o apoio à manutenção das instituições do capitalismo, que permitiram a estes países alcançar um nível inédito de bem-estar social (comparado às condições vigentes no período anterior à ascensão das economias de mercado modernas, a partir do século XVIII). XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009 Documento Libre O processo em curso nos países industrializados pode ser chamado de re-regulação, e está sendo construído sobre uma estrutura social e política madura, que se associa de forma simbiótica ao sistema de mercado – restringindo a liberdade dos agentes econômicos conforme o interesse público e propiciando o ambiente institucional necessário para seu desenvolvimento. Claramente, o ambiente institucional latino-americano não se assemelha ao dos países desenvolvidos. A resposta à crise econômica internacional não pode ser uma apropriação tendenciosa de movimentos no centro. Esta conjuntura está servindo como pretexto para a continuação, sob novos e velhos referenciais ideológicos, de práticas entranhadas na experiência latino-americana: estatizações, restrições aos direitos de propriedade, aumento da regulação econômica e fechamento ao comércio internacional. Este artigo tratará do processo de liberalização financeira na América Latina, tomando como referencial o corpo teórico da economia e da economia política que analisa a dinâmica das crises financeiras auto-realizáveis em contextos de equilíbrios múltiplos. A partir deste enfoque serão delineadas políticas para a redução da vulnerabilidade econômica em países latino-americanos, que apontam para a necessidade de avançar no caminho das reformas institucionais para superar as dificuldades da conjuntura de crise atual, rejeitando os caminhos “alternativos” que oferecem soluções simples, óbvias e erradas para os problemas da região. 2. Contextualização 2.1. Abertura econômica na América Latina Nos anos 80, grandes choques externos atingem as economias latino-americanas. O combate à inflação nos países centrais leva a uma substancial elevação das taxas de juros cobradas, no mercado financeiro internacional, por empréstimos aos países em desenvolvimento (as economias principais, com juros maiores e risco reduzido, passaram a atrair parte do capital antes direcionado a estes países). Os países emergentes haviam acumulado grandes passivos em moeda estrangeira em um período de grande liquidez, os anos 70, que são amplificados com uma queda em suas exportações, decorrente do baixo dinamismo que a economia mundial apresenta na década de 80. Com a gradual redução na disponibilidade de recursos, passaram a tomar empréstimos bancários de prazo cada vez mais curto, e com juros ascendentes. Quando, em 1982, o México se viu impossibilitado de honrar o pagamento de sua dívida soberana, a crise se alastrou pelos demais países do continente, que tiveram sua capacidade de obter novos empréstimos (necessários para a rolagem da dívida) severamente limitada. Esta crise obriga os emergentes a reconsiderarem suas políticas econômicas e efetuarem um considerável ajuste em suas contas externas. A crise da dívida alcança tanto a América Latina quanto os países do Leste asiático, ambos recentemente industrializados e que fizeram amplo uso de empréstimos externos para alavancar seu crescimento na década anterior. Apesar das semelhanças, os dois grupos de países sofreram os efeitos da crise em grau diferente. Os latino-americanos, adeptos do modelo de industrialização por substituição de importações (ISI), tiveram seu crescimento comprimido por um longo período, marcado por altos níveis de inflação e deterioração geral do bem-estar econômico e social. Os asiáticos, por outro lado, após dificuldades iniciais decorrentes da moratória mexicana e da retração dos fluxos financeiros, retomaram sua trajetória de crescimento. 2 XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009 Documento Libre Esta diferença decorreu principalmente do modo de integração à economia mundial adotado pelos dois grupos de países. Os asiáticos buscavam, desde o período anterior à crise, expandir suas exportações e abrir sua economia, intensificando a corrente de comércio com o restante do mundo (a Coréia do Sul, por exemplo, adota esta iniciativa já nos anos 60). Este modelo foi mais bem sucedido em se adaptar aos choques internacionais dos anos 80, em comparação com as economias latino-americanas, que haviam se fechado ao comércio internacional e adotado estratégias de isolamento econômico. Os efeitos da crise da dívida pressionam os países latino-americanos a modificar suas políticas econômicas, incapazes de restabelecer o crescimento, tornado mais imperativo pela dinâmica de redemocratização que se expande pelo continente - trazendo novos atores, antes marginalizados, à arena política, portadores de demandas por redução da chamada “dívida social”. Reformas de mercado são adotadas nestes países, visando recuperar o crescimento, alcançar a estabilidade econômica e participar dos ganhos da globalização, que oferecia fluxos comerciais e de investimentos ascendentes a partir do início dos anos 90. Percebe-se uma convergência nas estratégias econômicas com as políticas adotadas pelas economias avançadas, na medida em que os conceitos estruturalistas e heterodoxos que predominaram no antigo Terceiro Mundo são abandonados. A Argentina, com a eleição do peronista Carlos Menem, em 1989, exemplifica este processo. Quando candidato, Menem adotou o tradicional discurso populista defendido por seu partido desde o início da derrocada econômica argentina, no pós-guerra. Uma vez eleito, confrontado com uma economia estagnada e inflação crescente, abraça as propostas liberais (abrindo a economia, privatizando estatais, eliminando controles de preços) e busca modificar a própria percepção da Argentina como país em desenvolvimento. (CAMPOS,1996:237-241). A presença de reformas incompletas, especialmente no que tange ao controle dos gastos públicos, e a adoção de um sistema de currency board fora de sincronia com a economia argentina eventualmente levam ao colapso desta tentativa de modernização, demonstrando a dificuldade encontrada pelos países em desenvolvimento em empreender reformas estruturais consistentes e sustentáveis a longo prazo. A agenda de reformas que os países da América Latina começam a adotar no final dos anos 80 ganha maior visibilidade com uma conferência realizada em Washington, em que se elabora uma lista de dez reformas que, em 1989, contavam com amplo apoio nos centros de decisão dos países avançados, e para as quais os latino-americanos, após décadas de experiências heterodoxas, estavam convergindo. Esta proposta é chamada Consenso de Washington, e imediatamente se torna alvo de ataques constantes por parte da “economia crítica” e dos “alternativos”, não somente pelo nome infeliz (que atiça o anti-americanismo latente no continente), mas também por sua conexão às políticas advogadas pelo FMI e Banco Mundial. (FRANCO, 2006:54-56) Os pontos do Consenso são: 1. Redução de déficits públicos a níveis que não requeiram o uso do imposto inflacionário. 2. Redirecionamento dos gastos públicos de setores politicamente privilegiados para áreas com maior retorno econômico e potencial para melhorar a distribuição de renda (saúde, educação, infra-estrutura). 3. Reforma tributária que alargue a base fiscal e reduza as tarifas marginalmente. 4. Liberalização financeira, alcançando taxas de juros determinadas pelo mercado. 5. Taxa de câmbio unificada e competitiva. 6. Abertura para o comércio externo. 7. Abolição de restrições ao investimento externo direto (IED). 8. Privatização de empresas públicas. 3 XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009 Documento Libre 9. Abolição de regras que impedem a competição (monopólios, por exemplo). 10. Garantia de direitos de propriedade, com redução da informalidade. (WILLIAMSON, 1990). O Brasil, mesmo assolado pela hiperinflação, é reticente quanto às reformas, que se iniciam de fato a partir do Plano Real, com a estabilização monetária, e com o governo de Fernando Henrique Cardoso. A abertura comercial começa, de forma incerta no governo Collor, assim como as privatizações. A estabilização econômica, o crescimento e o ambiente mais propício para negócios recolocam os emergentes na rota dos investidores internacionais, que direcionam para estes mercados tanto recursos de longo prazo (IED), atraídos também pelas privatizações; e recursos de curto prazo, que permitem financiar déficits em conta corrente e gastos governamentais. A bem-sucedida reestruturação da dívida externa dos países atingidos pela crise dos anos 80, por meio da securitização das dívidas soberanas (criando os brady bonds), reforça a confiança nestes mercados, diminuindo a percepção de risco por parte dos investidores internacionais. 2.2. Políticas de estabilização e o FMI O Fundo Monetário Internacional participou ativamente dos programas de estabilização econômica implementados nos países latino-americanos a partir dos anos 1980. A atuação do Fundo foi criticada repetidas vezes, acusando-se a instituição de ser uma ferramenta dos interesses dos países desenvolvidos e do “mercado financeiro”, entidade contrária ao progresso econômico dos países mais pobres. A “imposição” de programas de ajuste econômico seria prejudicial ao bem-estar da população dos países em desenvolvimento, especialmente aos grupos sociais com menor renda, afetados por cortes nos gastos públicos e medidas de redução da demanda contidas nos programas elaborados junto ao Fundo (aumento dos juros, reduzindo a atividade produtiva e o emprego, e desvalorização cambial, deteriorando o poder de compra dos salários). A interferência do FMI é considerada por muitos como ilegítima, por subordinar governos soberanos e a vontade popular a uma autoridade estrangeira. As críticas ao FMI partem, em sua maioria, de posições dogmáticas (anti-mercado) que não consideram o ambiente em que o Fundo é acionado - situações de crise no balanço de pagamentos, ataques ao câmbio (por especulação ou fuga de capitais) e desconfiança quanto ao comportamento da autoridade monetária. Não se deve culpar o bombeiro pelo fogo. As alternativas possíveis para a superação de crises são muito limitadas, e a responsabilidade decisória permanece em grande parte com as autoridades nacionais, que escolhem se um programa de ajuda será requisitado junto ao FMI, consideram as condições para a concessão de empréstimos e aplicam as políticas para o controle da crise. A credibilidade do FMI foi abalada, nos anos 90 e início do século XXI, por sua inabilidade em prevenir crises e auxiliar países já atingidos a superá-las. A elaboração de programas de salvamento não foi capaz de evitar o colapso econômico em mercados emergentes atingidos por crises, na América Latina (1994-95, 1998-2002) e Ásia (1997-98). O prolongado processo de esfacelamento econômico da Argentina, entre 1999 e 2002, foi acompanhado pelo Fundo, que não foi capaz de aconselhar a mudança das políticas no momento apropriado (mantendo um modesto apoio a um currency board estruturalmente impraticável). 4 XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009 Documento Libre Quando a crise finalmente forçou a desvalorização da moeda argentina, a ausência de apoio para a recuperação do país incentivou uma reestruturação unilateral da dívida, um resultado danoso à estabilidade do sistema financeiro internacional e à confiança nos mercados emergentes em geral. Para muitos analistas, uma reforma no FMI será necessária para que o organismo assumisse com maior eficiência o papel de provedor da estabilidade do sistema financeiro internacional. As propostas mais abrangentes sugerem a transformação do Fundo em um verdadeiro provedor de liquidez internacional, um emprestador internacional de última instância. A expansão das atribuições do Fundo é severamente limitada pelas dificuldades em estabelecer um grau significativo de cooperação internacional nas questões monetárias e de política macroeconômica. Comprometer a autonomia das políticas nacionais ainda é um anátema, especialmente para as maiores economias – que dificilmente aceitariam algo próximo à influência exercida pelo FMI sobre os países dentro de programas de financiamento emergencial, em suas políticas monetária, cambial, tributária e fiscal. A experiência mostra que a cooperação neste nível é excepcional, e usualmente exige a presença de um forte estímulo externo, que torne os custos da “não-cooperação” suficientemente altos. (ELERIAN, 2006:509) A gravidade da crise econômica iniciada em 2008 pode servir como um fator propiciador para uma reforma do FMI e do sistema financeiro internacional, apesar dos obstáculos à formação de consensos intergovernamentais. (TRUMAN, 2009). O FMI é capaz de auxiliar um país em processo de crise através da provisão de um volume limitado de recursos, através de empréstimos. A dimensão dos empréstimos que o FMI é capaz de realizar, no entanto, é reduzida em comparação com o volume de recursos em circulação no mercado de capitais. Os recursos do FMI, isoladamente, não seriam capazes de cobrir as obrigações de uma economia emergente média com dificuldades de rolar sua dívida, enfrentando uma perda de confiança dos agentes do mercado. O compromisso do país com as políticas recomendadas pelo FMI para a concessão do empréstimo (condicionalidades) é a chave para que os investidores recuperem sua confiança na estabilidade. O estabelecimento de condicionalidades pode prover garantias para o mercado de que governo se empenhará na prática de políticas responsáveis, pois a liberação da totalidade do empréstimo programado depende da constatação, pelo Fundo, de que as metas acordadas estão sendo cumpridas. Este compromisso é, no entanto, temporário, pois as condicionalidades são efetivas somente durante o período de duração do programa com o FMI - que pode ser, inclusive, encurtado pelo país, caso este considere inconveniente a continuidade do acordo até a data prevista para o seu final. A confiança do mercado obtida através de um acordo com o FMI é, portanto, temporária, e não é capaz de modificar a percepção quanto à credibilidade estrutural de um país, o risco de realizar investimentos e o compromisso de honrar as obrigações externas, mantendo os pagamentos ao exterior. Para que a credibilidade de um país se consolide, e ele possa reduzir sua vulnerabilidade, é preciso realizar mudanças que fortaleçam seus fundamentos macroeconômicos e a confiança do mercado no compromisso com as regras de mercado. 5 XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009 Documento Libre Considerando a reduzida capacidade do FMI de auxiliar países submetidos a crises financeiras, percebe-se que as políticas de redução da vulnerabilidade econômica dependem de estratégias de caráter nacional, que reflitam um consenso político amadurecido de apoio à estabilidade econômica. (ARAÚJO, 2007) Este trabalho enfocará tais políticas de caráter nacional, recorrendo à teoria econômica a respeito de crises financeiras em contextos de equilíbrios múltiplos. 3 Liberalização financeira: avanços e crises A intensificação dos fluxos internacionais de capital, a partir dos anos 70, colocou em pauta os benefícios e malefícios da integração financeira característica deste novo período de ascensão da globalização. Nos anos 90, após encontrar o apoio da maioria dos formuladores de política econômica nas economias industrializadas, o suporte à abertura da conta capital se difundiu entre os governos de muitos países emergentes. Países latino-americanos se aproveitaram deste período de abundância de capital para atrair investimentos externos (IED), financiar gastos públicos, investimento privado e também para controlar a inflação. As crises financeiras que atingiram uma série de economias da região a partir de meados dos anos 90 reavivaram o debate quanto à validade da integração destes países aos mercados globais de capital. Os efeitos positivos e negativos deste processo de abertura serão analisados. 3.1 Conseqüências positivas A abertura financeira internacional permite que os países em desenvolvimento tenham acesso aos recursos disponíveis nas economias avançadas, em que o capital é abundante. Assim, o investimento pode superar as limitações impostas pelo nível de poupança interna. Em uma economia fechada, o investimento, correspondendo ao produto subtraído do consumo privado e gastos do governo, se iguala à poupança (aquilo que foi produzido pela economia e deixou de ser consumido no presente, de forma privada, ou pelo governo). A abertura ao mercado financeiro internacional também foi utilizada como parte da estratégia de estabilização nos mercados latino-americanos. Vários destes países apresentavam profundos desequilíbrios internos e externos, que restringiam as possibilidades de crescimento econômico e industrialização. A entrada de investimentos do exterior era uma saída para a correção destes desequilíbrios, seja como uma política isolada ou em conjunção com um ajuste estrutural, que reduzisse a vulnerabilidade externa, com a expansão das exportações e redução do endividamento externo, especialmente aquele derivado de déficits governamentais. Num contexto de crise no balanço de pagamentos, a necessidade de manter, e preferencialmente ampliar o acesso a fontes externas de capital, faz com que os custos derivados das políticas que limitam a entrada de recursos do exterior sejam exacerbados – o que se aplica tanto a limitações explícitas, como controles na entrada de capitais, quanto a políticas que reduzem a atratividade do país aos investidores internacionais, como a instabilidade monetária e risco de default. Assim, Haggard e Maxfield (1996:221) consideram que a manutenção ou a intensificação da abertura financeira frente a crises sinaliza aos investidores que eles serão capazes de liquidar seus investimentos, indicando a intenção do governo em manter a disciplina fiscal e monetária, o que finalmente aumenta a entrada de capitais. A abertura ao capital internacional também aumenta a pressão por reformas, maximizando os custos de políticas distorcidas. 6 XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009 Documento Libre A pressão sobre os governos para que adotem políticas sólidas e estáveis provém das altas penalidades que o mercado impõe aos países incapazes de modernizar-se, isto é, a fuga de capitais e desvalorização da moeda local. (EICHENGREEN,2004:289). Além disso, o processo de abertura financeira foi igualmente utilizado no contexto de estratégias de estabilização monetária. Ao adotar uma âncora cambial, o país limita a expansão da base monetária à sua capacidade de adquirir a moeda forte. Como a existência de uma base monetária compatível com o crescimento das transações econômicas é essencial para a economia (pois um desequilíbrio na oferta de moeda pode ocasionar deflação, e possível redução na atividade econômica), torna-se vital promover a entrada de divisas. A abertura ao investimento externo permite intensificar esta entrada. A abertura aos fluxos internacionais de capital pode também promover a modernização do sistema financeiro, dando acesso aos capitalistas locais a instrumentos financeiros de maior complexidade, presentes nos mercados avançados, permitindo a realização de investimentos que não seriam possíveis dentro da estrutura do sistema financeiro nacional, ainda subdesenvolvido. Deste modo, a intensificação da competição reduz as distorções derivadas de monopólios (oligopólios) e rent-seeking presentes nos mercados financeiros domésticos. (EICHENGREEN,2004:291). 3.2 Conseqüências negativas Os benefícios apresentados pela abertura financeira também permitem significativos custos no curto prazo. Reversões abruptas nos fluxos de capital (sudden stops) podem ocasionar crises cambiais, crises no balanço de pagamentos e até mesmo se alastrar no sistema financeiro doméstico, produzindo crises bancárias. A instabilidade no acesso dos países latino-americanos ao mercado financeiro internacional assinala os riscos presentes na abertura aos fluxos de capital, e coloca sérias dúvidas quanto à sua validade como ferramenta para o crescimento destas economias. Prevenir a ocorrência de crises financeiras originadas da conta capital torna-se um desafio para os formuladores de políticas econômicas, e também para a comunidade internacional, dado o potencial de alastramento da instabilidade pelo sistema financeiro internacional, que pode se dar pelo contágio. Na eventualidade de uma crise se aprofundar, existe o perigo de default da dívida, com conseqüências nefastas para a atividade econômica local – perda do acesso aos fluxos de investimento internacional e quebra na confiança dos investidores externos e internos (que pode se estender por longo período, mesmo após a restauração dos pagamentos da dívida). (AGÉNOR y AIZENMAN, 1998). Compreender a dinâmica das crises financeiras, quais fatores tornam as economias mais propensas a sofrerem crises e como estas se desencadeiam é essencial para a sua prevenção e administração. Nas crises financeiras contemporâneas o desequilíbrio no balanço de pagamentos deriva de colapsos na conta capital – em um processo que é espelhado no mercado de câmbio, ou seja, crises na conta capital e crises cambiais se dão como processos complementares. Uma depreciação da moeda nacional provoca uma redução correspondente no valor dos investimentos locais em moeda estrangeira, associando uma crise cambial a uma crise financeira (queda abrupta no valor dos ativos financeiros nacionais). Economias em desenvolvimento atingidas por crises cambiais apresentam, tipicamente, uma entrada líquida de capitais substancial no período anterior, acompanhado de um déficit em conta corrente. 7 XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009 Documento Libre Uma crise cambial provoca uma retirada de capital do país em larga escala, resultando em um pronunciado déficit na conta capital, forçando o país a alcançar um superávit em conta corrente (excesso de exportações sobre importações) para manter o equilíbrio do balanço de pagamentos. Este processo acarreta um profundo ajuste na economia, com redução na renda e no consumo, devido à desvalorização da moeda, que reduz os salários, encarece os importados e direciona uma maior parte da produção local para o exterior, em oposição ao consumo e investimento interno. (BRAKMAN,2006:222). Crises cambiais acompanhadas de crises financeiras são possíveis tanto em regimes de câmbio fixo quanto em regimes de câmbio flutuante. Nos casos em que existe um câmbio administrado, em que o governo se compromete a defender um valor estabelecido para a moeda, os efeitos das crises cambiais são geralmente mais pronunciados, e sua ocorrência tende a ser mais frequente. Ao se afastar do compromisso com o valor da moeda, o governo compromete sua credibilidade junto aos investidores, que podem percebem uma ruptura nas regras do jogo e uma indicação de falta de compromisso com os contratos (aumentando o risco de default). A moeda nacional é, afinal, um acordo fundamental entre as autoridades e os agentes econômicos, e a confiança na estabilidade do valor da moeda é o instrumento que transforma esta convenção legal (o dinheiro) em uma realidade social e econômica, capaz de representar riqueza e ser utilizada como meio de troca. (FRANCO,1999:263-264). Ao garantir a estabilidade do valor do câmbio, o governo desobriga os agentes econômicos de se proteger de mudanças neste preço, e quando a paridade é modificada, os contratos estabelecidos (e as previsões de investimento), por não levarem em conta o risco cambial, têm seus termos de pagamento substancialmente modificados. Em um regime de câmbio flutuante, os atores são obrigados a se precaver de variações cambiais, considerando o risco em suas avaliações e decisões, e podem se proteger utilizando mecanismos de hedge. Outro fator que torna as crises cambiais ainda mais danosas para os países que adotam o câmbio fixo é o emprego das reservas internacionais para defender a moeda. A reação inicial à desconfiança do mercado quanto ao valor da moeda é a venda de moeda estrangeira, pelo governo, que busca arrefecer os ânimos dos investidores, reafirmando seu compromisso com a paridade corrente. Com o aprofundamento da crise, a continuidade desta política significa a redução, até a exaustão, das reservas, sem conseguir preservar a estabilidade cambial. Em uma análise a posteriori, verifica-se que recursos públicos (as reservas) foram utilizados para alimentar a fuga de capitais e resgatar investidores estrangeiros, que foram capazes de repatriar seus investimentos sem sofrer os custos da desvalorização. A presença de um regime de câmbio flexível não torna o país imune a crises cambiais, e tampouco impede que uma desvalorização abrupta gere efeitos deletérios sobre a economia. O Brasil pôde experimentar em 1999 uma crise cambial que inviabilizou a continuidade do regime de câmbio administrado, e em 2002, com o câmbio flutuante, sofreu novamente uma reversão abrupta nos fluxos de capitais que, na visão de muitos analistas, poderia ter levado ao default. (WILLIAMSON, 2002:10). 3.2.1 Modelos de crise de primeira geração A análise acadêmica das crises cambiais ganhou renovada importância a partir dos anos 70, com a crescente integração financeira internacional, que expunha um novo padrão predominante nas crises no balanço de pagamentos, diferente das tradicionais crises derivadas de desequilíbrios na conta corrente (típicas do período de Bretton Woods, em que os fluxos de capitais eram limitados). 8 XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009 Documento Libre Uma primeira geração de modelos de crises era centrada nos fundamentos da economia, e esta análise foi aprofundada nos chamados modelos de segunda geração, que consideravam a possibilidade de equilíbrios múltiplos. Um conceito importante para o estudo das crises financeiras é o de fundamentos macroeconômicos, que são os indicadores da capacidade de uma economia continuar o pagamento de sua dívida (pública e externa) de forma não-explosiva. Muitas coleções de indicadores já foram apresentadas no debate acadêmico, mas pode se considerar satisfatória a listagem elaborada por John Williamson (2002): estoque da dívida, taxa de crescimento da economia, índice de inflação, (desvio da) taxa de câmbio de equilíbrio, taxa de juros externa (mundial), superávit primário do governo e o saldo em conta corrente primário (descontado o pagamento de juros). O modelo clássico de análise das crises cambiais foi elaborado por Paul Krugman (1979:311-325), e considerava a existência de um único equilíbrio, um preço da moeda –taxa de câmbio- em que a oferta e a demanda por moeda estrangeira se igualam. Nesta concepção, um país estabelece uma taxa de câmbio fixa, que se torna insustentável devido à presença de um déficit orçamentário, financiado pela expansão monetária. Para sustentar o câmbio, o país utiliza seu estoque de reservas estrangeiras (vendendo e comprando a moeda estrangeira ao preço estabelecido previamente). De acordo com o modelo, a crise cambial eclodirá no momento em que as reservas alcancem um nível crítico, em que uma fuga de capitais se torna capaz de exaurir as reservas de moeda estrangeira do país. Um ataque especulativo abrupto rapidamente consumiria as reservas, forçando o abandono da taxa de câmbio estabelecida. A inconsistência entre as políticas econômicas domésticas (a expansão monetária impulsionada pelo déficit público) e a taxa de câmbio estabelecida assinala a presença de um desequilíbrio, que é corrigido com a crise cambial, quando a taxa de câmbio correta (compatível com os fundamentos) é alcançada. Este modelo possui grande força explicativa, pois na maioria dos casos de crises cambiais o país afetado apresenta uma deterioração nos fundamentos macroeconômicos, que impossibilitam a manutenção da paridade. Além disso, o modelo explica a ocorrência de fugas abruptas de uma moeda, que podem ser explicadas de acordo com critérios econômicos, sem recorrer a explicações baseadas na irracionalidade dos investidores ou a esquemas de manipulação do mercado (os agentes procuram preservar seus recursos retirando seus investimentos de uma moeda em vias de desvalorização, percepção compatível com a dinâmica do mercado). Este modelo de primeira geração, entretanto, devido a sua simplicidade, não considera as alternativas disponíveis para os governos, quando estes se confrontam com ameaças à estabilidade cambial, como ajustar a política monetária doméstica, elevando os juros para atrair capitais do exterior e evitar a fuga dos investidores da moeda local. Mais sofisticados, os modelos de segunda geração analisam a dinâmica das crises de forma menos mecânica, considerando as possíveis ações dos governos que podem levar ao abandono da paridade ou à defesa da taxa de câmbio corrente, o que torna a consumação da crise cambial uma possibilidade (e não o resultado inevitável das políticas equivocadas do governo, incompatíveis com a estabilidade cambial). (OBSTFELD, 1994:189-213). 9 XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009 Documento Libre Os modelos de segunda geração admitem a possibilidade de equilíbrios múltiplos no mercado de câmbio, explicando como um mesmo conjunto de fundamentos econômicos, dependendo das percepções dos investidores, pode dar origem a uma situação de normalidade ou à eclosão de uma crise cambial. Uma consideração quanto à teoria dos equilíbrios múltiplos é necessária para compreender os modelos de crises cambiais com características de auto-realização. 3.2.2 Equilíbrios múltiplos Um sistema econômico se encontra em equilíbrio quando todas as suas variáveis permanecem constantes por um determinado período, isto é, quando as condições de oferta e demanda se mantêm inalteradas, alcança-se um preço estável, indefinidamente sustentável. Nesta situação, a demanda se iguala à oferta, definindo um preço de equilíbrio, em que as preferências dos compradores se ajustam às dos vendedores. Em certos casos, no entanto, é possível que se apresentem dois ou mais equilíbrios possíveis, indefinidamente sustentáveis. Para que exista um equilíbrio, é necessária a presença de condições que levem os agentes a não querer agir de forma diferente, dadas as suas expectativas quanto às reações dos demais agentes do sistema. Na hipótese de equilíbrios múltiplos, estas condições podem ser satisfeitas por mais de um conjunto de valores das variáveis relevantes. (BLACK,1997:311). Cada equilíbrio é compatível com os fundamentos presentes na economia, e a determinação de qual será alcançado depende das expectativas dos agentes econômicos. Hipoteticamente, se existirem dois equilíbrios possíveis, dados os fundamentos (equilíbrios A e B), a expectativa do mercado de que um destes equilíbrios será atingido no futuro levará a este desfecho. Portanto, partindo de um equilíbrio inicial A, caso o mercado espere a permanência desta situação, A continuará. Caso os agentes econômicos percebam que a tendência é a mudança para um novo equilíbrio B, este será alcançado devido a esta expectativa, pois a determinação de qual será o equilíbrio “futuro” (dados os equilíbrios possíveis) não depende dos fundamentos da economia, pois ambos são compatíveis. A definição do equilíbrio neste mercado se torna um produto das percepções e expectativas, abrindo espaço para que, espíritos animais, profecias auto-realizáveis e sunspots (manchas solares) possam afetar os resultados agregados. (ROMER, 1996:296). 3.2.3 Modelos de crise de segunda geração Uma redução no financiamento externo causado “pura e simplesmente” pelo pânico dos investidores é chamada crise de liquidez, e pode provocar uma crise financeira caso a continuidade dos pagamentos externos seja comprometida. Uma crise de solvência, por outro lado, é provocada por debilidades nos fundamentos da economia, que tornam uma reestruturação da dívida inevitável, pois o país não tem a capacidade de continuar honrando seus compromissos devido a desequilíbrios estruturais em sua economia. (EICHENGREEN, 2003:55) Na prática, é problemática a diferenciação entre uma crise de solvência e uma de liquidez. Para que uma crise de liquidez se torne possível, deve haver alguma fraqueza em seus fundamentos que incentive uma porção substancial dos investidores a apostar contra esta economia. E, mais preocupante, a própria deterioração dos fundamentos até o ponto de insolvência pode decorrer da fuga de capitais, que inicialmente se mostrava apenas uma crise de liquidez, mas termina inviabilizando a manutenção dos pagamentos por parte do país. 10 XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009 Documento Libre Entre os tipos ideais extremos em que um país pode se encontrar (totalmente solvente ou totalmente insolvente), há uma ampla gama de situações possíveis. A análise das crises cambiais nesta faixa intermediária é o foco dos modelos de segunda geração. A possibilidade de equilíbrios múltiplos ocorre apenas dentro de um espectro dos fundamentos da economia. Caso estes sejam muito fortes, mesmo sob um ataque especulativo as autoridades nacionais não terão dificuldade em defender a taxa de câmbio, e crises cambiais serão improváveis. No lado oposto do espectro, caso os fundamentos de uma economia se encontrem muito deteriorados, mesmo sem um ataque especulativo não será possível sustentar a taxa de câmbio, e uma crise cambial se tornará inevitável – o caso típico examinado no modelo clássico de Krugman. Na faixa intermediária dos fundamentos podem ocorrer equilíbrios múltiplos, ou seja, pode não haver crise, mas caso ocorra um ataque especulativo, a estabilidade cambial estará em perigo. (WILLIAMSON, 2002:3). Em um contexto de equilíbrios múltiplos, quando exposto a condições normais de mercado o governo pode continuar a servir a dívida pública de forma viável (sem que esta se torne um encargo incompatível com as pressões sociais, políticas e econômicas, que forçariam o governo a entrar em default), e o país auferir recursos em moeda estrangeira (i.e., dólares) para manter o serviço de sua dívida externa. Deste modo, sob condições normais de mercado os fundamentos são consistentes com um “bom equilíbrio”. Caso a continuidade do pagamento da dívida pública e dos pagamentos do país com o exterior se torne impossível sob um conjunto plausível alternativo de condições, os fundamentos dão espaço para a existência de um “mau equilíbrio” (de crise). Este conjunto de condições que propicia uma crise se caracteriza pela fuga de capitais, elevação do risco-país e do spread cobrado sobre os juros da dívida. As expectativas dos investidores e dos formuladores de políticas determinam se uma crise cambial ocorrerá ou não, nesta faixa intermediária, e não apenas os fundamentos, que são compatíveis com uma situação de estabilidade ou de crise (ambos equilíbrios são possíveis, e indefinidamente sustentáveis). As expectativas dos investidores possuem um caráter de auto-realização, pois, caso estes se comportem prevendo uma desvalorização iminente, esta acontecerá - pois os agentes econômicos, esperando uma deterioração do valor da moeda, tentarão se proteger, vendendo seus ativos na moeda local e adquirindo divisas, o que representa uma fuga de capitais. Uma fuga de capitais, com uma reversão abrupta nos fluxos financeiros (sudden stop), força uma desvalorização (a oferta de moeda estrangeira se reduz repentinamente, e a demanda se eleva). Em um regime de câmbio fixo, o governo eventualmente deixará de despender reservas para defender a paridade (seja porque estas foram exauridas, ou mesmo antes, quando perceber que tentar preservar o câmbio corrente não é mais factível), e terá que permitir a depreciação do câmbio. No caso do regime flutuante, a cotação da moeda se deteriorará com a reversão nos fluxos de capitais, realizando a expectativas de desvalorização. Por outro lado, se não houver expectativa de desvalorização, o comportamento dos investidores refletirá esta percepção, que se provará verdadeira, pois na ausência de um ataque especulativo a manutenção da estabilidade cambial é um equilíbrio que pode ser alcançado, e é compatível com os fundamentos. A possibilidade de equilíbrios múltiplos no mercado de câmbio, ao apontar as expectativas e ações dos investidores como determinantes para a ocorrência de crises, não retira a responsabilidade das autoridades nacionais. 11 XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009 Documento Libre O ambiente propício à presença de equilíbrios múltiplos exige que os fundamentos macroeconômicos se encontrem relativamente fracos, de modo que o governo não se mostre capaz de defender a moeda caso esta sofra um ataque especulativo. Assim, não é válido concentrar toda a responsabilidade sobre os investidores internacionais, ou sobre especuladores manipulando o mercado financeiro, pois a incoerência das políticas econômicas adotadas pelos governos é um ingrediente necessário para que tais crises se tornem possíveis (câmbio sobrevalorizado, déficit público, endividamento excessivo em moeda estrangeira, etc.). Cabe aos formuladores de políticas evitar esta zona de crise e reduzir a possibilidade de sucesso de um ataque especulativo. Há diversos temas controversos na análise de crises cambiais, que tratam da lógica que move a ação dos investidores. Em um contexto de equilíbrios múltiplos, é possível que um país se mantenha estável, mas permanece a possibilidade de que uma crise se desencadeie devido à fragilidade nos fundamentos macroeconômicos. Conhecendo este risco, torna-se proveitoso entender os fatores que dão início a uma crise. 3.2.4 Contágio As crises financeiras dos anos 90 foram caracterizadas pelo rápido alastramento de uma economia para outra de ataques especulativos ao câmbio e súbita reversão nos fluxos de capitais. Este contágio se deu principalmente em nível regional- na Europa, na crise do ERM (exchange rate mechanism), América Latina, após a crise do México de 1994 (o efeito tequila) e na Ásia, a partir da crise da Tailândia. Este contágio poderia ser explicado por conexões “reais” entre as economias dos países em questão: os países são importantes parceiros comerciais, e uma recessão em um deles, reduzindo as importações de seu parceiro, piora os fundamentos deste; ou os países competem nos mesmos mercados de exportação, e uma desvalorização no país em crise, por baratear seus produtos, reduz as exportações do outro. No entanto, esta hipótese não foi capaz de explicar a extensão do contágio nas crises dos anos 90, especialmente entre países com reduzidos contatos comerciais. Outra explicação seria de caráter financeiro. Enfrentando uma crise em um mercado, investidores globais retirariam recursos de outros países para conseguir liquidez, alastrando a crise internacionalmente. Fundos de hedge, que geralmente operam de forma alavancada, se vêem forçados a reduzir seu portfolio de investimentos, para compensar as perdas sofridas em um mercado, retirando capitais de outros países. Além disso, e principalmente, a crise em um mercado emergente eleva a percepção de risco dos emergentes em geral, pois os investidores, após admitirem perdas em uma destas economias, tendem a buscar ativos com maior segurança (em moeda forte e em economias desenvolvidas). A predominância do contágio entre economias da mesma região (mesmo com ligações econômicas tênues) aponta também para a percepção, entre os investidores, de que tais países possuiriam características semelhantes, mesmo que intangíveis. Sofrendo pressões semelhantes, espera-se que um país parecido (latino ou asiático, por exemplo) se comporte de forma análoga: como o México abandonou o câmbio fixo de seu peso, provavelmente a Argentina fará o mesmo com o seu. Uma crise em outro país pode trazer para os investidores um alerta (wake up call) sobre as vulnerabilidades de uma economia emergente, que apresente características similares. 12 XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009 Documento Libre A crise da Ásia ressaltou as falhas do capitalismo asiático, com ligações promíscuas entre grupos empresariais, bancos e o governo (crony capitalism), que podem ter ocasionado as fugas de capital da Tailândia, primeiro, e depois da Indonésia, Coréia do Sul e vizinhos. No entanto, alguns anos após a eclosão da crise, os investidores estrangeiros voltaram à região, que mantinha basicamente os mesmos problemas estruturais que teriam explicado a crise anterior. Aparentemente, a atenção dada aos problemas nos fundamentos teve importância somente quando uma expectativa de crise se avolumou entre os agentes do mercado, reafirmando a importância da autorealização das perspectivas macroeconômicas presente nos modelos de crise de segunda geração. (MASSON,1999:9). 3.2.5 Comportamento de manada Ao analisar a dinâmica das crises cambiais é preciso considerar se os mercados de moeda estrangeira são eficientes. Mercados ineficientes abrem a possibilidade para o comportamento de manada (herding), em que as ações dos atores econômicos não resultam na alocação do capital da forma que maximize da melhor forma o seu uso. A ineficiência no mercado de câmbio se explica pelo ambiente em que são formadas as expectativas dos atores econômicos (que condiciona seu comportamento), em que a informação se apresenta de forma imperfeita e assimétrica. Este contexto esclarece como se espalham as ondas de fuga de capital, em que uma onda de venda da moeda nacional (não importando a sua causa inicial) é magnificada através da imitação. Em meio a essa tendência, a única explicação que um agente do mercado financeiro possui para se desfazer da moeda é que o preço desta está caindo, e sua ação, aliada ao comportamento dos demais investidores que fogem da moeda, intensifica esta queda (formando uma verdadeira “horda eletrônica”). A ação de grandes agentes do mercado financeiro tem grande capacidade de definir uma mudança nas tendências do mercado, pois estes são geralmente considerados detentores de informação privilegiada e uma reputação em perceber os movimentos do mercado. Este seria o mecanismo de coordenação entre os investidores individuais que determina qual equilíbrio será alcançado (um “bom equilíbrio” ou um “mau equilíbrio”, a normalidade ou a crise). Outro mecanismo que propicia o comportamento de horda provém do fato de que a maior parte dos recursos investidos no mercado financeiro são operados por agentes, e não por seus proprietários (problema do agente-principal). Os operadores do mercado financeiro são avaliados em comparação com seus pares, e pouco têm a ganhar ao atuar na contramão do mercado. Mesmo que um agente não possua informações indicando alto potencial de crise em um mercado, se a tendência predominante é apostar contra a moeda e vender os ativos neste país, é mais interessante imitar os demais, pois o dano individual de errar seguindo a maioria é inferior que o risco percebido de perder agindo de forma isolada. (KRUGMAN, 1997). As informações podem ser baseadas nos fundamentos e no compromisso das autoridades nacionais em defender a taxa de câmbio, o que sinaliza aos agentes do mercado a situação da economia, apontando se a taxa de câmbio é sustentável e qual o risco de investir neste país. Outra possibilidade de coordenação refere-se ao uso de informação que não é relacionada diretamente à economia real. 13 XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009 Documento Libre Qualquer espécie de informação que dê início a uma onda de venda da moeda local, independente da sua natureza, pode dar início a uma crise, através da dinâmica de horda, por simples imitação. Neste caso, as expectativas de desvalorização inicial se materializam exatamente porque os investidores se comportam de acordo com esta perspectiva. As crises cambiais teriam sua origem em sunspots (manchas solares), uma variável que não possui, ela mesma, efeito qualquer na economia, mas passa a ser um determinante na definição do equilíbrio do mercado porque os agentes acreditam que ela possui este papel. Os agentes validam, por meio de seu comportamento, sua crença na importância desta variável na definição dos resultados. (ROMER,1996:296) Uma declaração pública de uma autoridade ou de um grande investidor pode se transformar em uma sunspot, coordenando as expectativas dos participantes do mercado em uma direção pela própria dinâmica dos agentes ao assumir a realidade desta informação, materializando um “sentimento” do mercado. Percebe-se que as crises cambiais decorrem da confluência de fundamentos macroeconômicos fracos, que dão margem a ataques especulativos, e expectativas dos investidores. O ambiente externo compõe outra variável que participa na erupção de crises financeiras. A deterioração dos fundamentos, particularmente na presença de um volume significativo da dívida de curto prazo (em comparação com o volume de reservas ou a capacidade do país absorver divisas, por meio de exportações), combinada a um ambiente internacional com liquidez reduzida, resulta em extrema vulnerabilidade a crises de confiança. (VELASCO,1999) Neste cenário, o alastramento de uma dinâmica de fuga de capitais (ataque especulativo sobre a moeda) pode emanar das ações de um número reduzido de agentes do mercado financeiro, e se disseminar pelo mercado através da dinâmica de horda. A percepção dos agentes do mercado financeiro ganha destaque, assinalando que não basta a um governo agir de forma consistente com um “bom equilíbrio” – controlando o endividamento externo, mantendo um nível satisfatório de reservas e uma política macroeconômica sólida. A concretização de uma crise cambial e financeira depende da percepção do mercado sobre o que as autoridades pretendem fazer, qual a disposição de um governo em defender a estabilidade da moeda, e quais as verdadeiras preferências assumidas pelo país. O compromisso pontual com a estabilidade cambial e monetária não é capaz de certificar o respeito aos contratos em um momento de crise, quando a manutenção de um clima propício ao investimento externo é testada frente a outros interesses, como a adoção de políticas expansionistas e a imposição de restrições à liberdade de movimentação de capital. A definição das preferências nacionais no manejo da política macroeconômica define o trade-off entre desvalorização e defesa da moeda, e a percepção de compromisso do país com a estabilidade cambial, o que será refletido no risco percebido pelos investidores. 4. Políticas para a redução da vulnerabilidade A possibilidade de ocorrência de crises financeiras auto-realizáveis demanda aos países latinoamericanos a adoção de medidas preventivas. Três fatores são determinantes para a ocorrência de crises financeiras auto-realizáveis: - fundamentos macroeconômicos em posição intermediária, situando o país entre a inevitabilidade e a impossibilidade e erupção de uma crise; - diminuição da confiança dos investidores conformando-se em um pânico; 14 XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009 Documento Libre - redução das fontes de financiamento externo, provocando um colapso na liquidez. Crises auto-realizáveis ocorrem quando os fundamentos macroeconômicos de um país dão margem à existência de equilíbrios múltiplos. Para que a possibilidade de crise se concretize (o país alcance o “mau equilíbrio”) é preciso que os investidores percam a confiança na capacidade do país preservar o valor de sua moeda, ou mesmo honrar seus compromissos externos, percebendo um aumento no risco de default. A subseqüente retirada dos recursos financeiros do país, devido à deterioração das expectativas (pânico), provoca uma piora nos fundamentos, conduzindo a uma crise financeira, que realiza as expectativas dos investidores. Assim, a prevenção de crises financeiras deve enfocar a melhora nos fundamentos macroeconômicos, aproximando o país, no espectro dos fundamentos, da condição em que um ataque especulativo não é capaz de levar à erupção de uma crise – as autoridades não encontram dificuldade em defender a moeda e a manutenção de um “bom equilíbrio”. (WILLIAMSON, 2002:3) Manter a estabilidade monetária (inflação baixa), equilíbrio fiscal (controlar o déficit público) e um balanço de pagamentos equilibrado são condições essenciais para que um país consiga defender um “bom equilíbrio” (sem crise) frente a um ataque especulativo. A confiança dos investidores na sustentabilidade dos pagamentos externos é diretamente influenciada pela consolidação de políticas condizentes com a estabilidade macroeconômica, o que requer reformas institucionais e a formação de consensos políticos interpartidários que deem suporte ao fortalecimento da economia de mercado. Além destas recomendações gerais, algumas políticas específicas podem reduzir o impacto de flutuações nos fluxos de capitais sobre a estabilidade econômica e a possibilidade que uma redução temporária na liquidez externa dissemine a suspeita de desvalorização e provoque uma fuga de capitais. 4.1 Reduzir a exposição externa Países afetados por crises financeiras apresentam, via de regra, uma proporção elevada de dívida de curto prazo (pública ou privada) em relação às reservas internacionais. Uma redução na liquidez internacional combinada com a presença de um volume significativo de obrigações de curta maturação torna a economia de um país extremamente vulnerável a crises de confiança. (VELASCO,1999) O excesso de obrigações com vencimento próximo em relação à capacidade de obter acesso a financiamento origina uma crise de liquidez, que pode propiciar uma interrupção nos pagamentos externos de uma economia. Uma dívida pública que apresente uma dinâmica de intenso crescimento (com a acumulação de déficits fiscais) obriga o governo a depender de forma crescente do financiamento para a manutenção de seus pagamentos. Além de exacerbar a dependência de fluxos de capital, esta dinâmica determina um crescimento nos juros cobrados sobre a dívida, pois cada aumento no montante devido reduz a confiança do mercado na sustentabilidade da dívida - esta forma de endividamento pode, em casos extremos, deteriorar-se em um esquema do tipo Ponzi. Os encargos crescentes com o serviço da dívida também aumentam os custos percebidos pelas autoridades em manter os pagamentos externos. 15 XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009 Documento Libre A percepção de que as autoridades possuem um incentivo crescente para aceitar a desvalorização (que permitiria a adoção de políticas expansionistas, reduzindo a dívida interna em termos reais), ou mesmo a suspensão dos pagamentos, reduz a confiança dos investidores e estimula a fuga de capitais (pois cada investidor quer preservar o valor de seus ativos, evitando ser o “último da fila” em uma corrida para se desfazer dos ativos nacionais). (MASSON,1999:5-7). Uma proporção elevada de dívida em moeda estrangeira é um complicador adicional. Neste caso, uma desvalorização poderia tornar a continuidade dos pagamentos insustentável. A expectativa de desvalorização pode partir da consciência de que a desvalorização encaminha a dívida para uma dinâmica insustentável. Como as percepções podem ser auto-realizáveis em cenários de equilíbrios múltiplos, a presença de um grande montante de dívida de curto prazo em moeda estrangeira, combinada a uma crise de confiança, cria um cenário completo para uma crise financeira internacional. (WILLIAMSON, 2002:9). A presença de currency mismatches coloca a economia em uma posição vulnerável a flutuações cambiais e nos fluxos de capital. Um currency mismatch é a situação em que há um desequilíbrio na composição de ativos e obrigações em um setor ou na economia como um todo, que provoca uma falta de correspondência entre a moeda em que os ativos (ou a renda) de um agente são contabilizados e a moeda em que se encontram suas obrigações de pagamento (dívida). Quando uma empresa toma recursos emprestados no exterior, em moeda estrangeira, mas obtém seus recursos no mercado doméstico, em moeda local, ela cria um currency mismatch. Uma desvalorização da moeda elevaria o valor das obrigações da empresa, sem alterar o rendimento da empresa em moeda local. A desvalorização pode, assim, impedir a empresa de realizar seus pagamentos, uma situação que, se difundida na economia, pode propiciar uma onda de falências ou até mesmo o default. (GOLDSTEIN, 2005:381-384) A utilização de mecanismos de swap é uma maneira de prevenir estas conseqüências deletérias, pois permite estabelecer um seguro contra tais variações cambiais. Contudo, a presença de um câmbio fixo ou administrado exime os agentes econômicos de assumirem o ônus deste dispositivo preventivo, pois a autoridade monetária assume o risco cambial ao defender a paridade estabelecida, dando margem à manifestação de pronunciados currency mismatches. Os efeitos de uma desvalorização são potencializados na presença de currency mismatches, com efeitos que se alastram pela economia real (devido à contração no crédito e crescimento abrupto da dívida, considerada em moeda local). Prevenir o endividamento excessivo em moeda estrangeira é necessário para prevenir crises financeiras, o que envolve o estabelecimento de supervisão bancária mais estrita (que limite a concessão de empréstimos denominados em moeda estrangeira a clientes incapazes de gerar receita suficiente em moeda estrangeira). A expansão do crédito em economias emergentes deve se basear, preferencialmente, na formação de um sistema financeiro sólido, com a ampliação do mercado de capitais e a utilização de mecanismos de proteção (hedging e outros derivativos). 4.2. Regime cambial sustentável A política cambial deve ser compatível com o nível de abertura financeira adotado pelo país. O regime de câmbio ajustável, mas rígido (pegged-but-adjustable rates, bandas cambiais ou target zones) coloca a moeda em posição vulnerável à especulação. Este regime não provê nem o nível de confiança garantido por um câmbio plenamente fixo, nem a flexibilidade do câmbio flutuante. 16 XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009 Documento Libre A definição de um câmbio oficial, que o governo se compromete a defender (mas não totalmente) incentiva apostas de mão única (one-way bets): um investidor, percebendo a possibilidade de desvalorização, é estimulado a vender seus ativos em moeda local, esperando tirar proveito depreciação (adquirindo divisas o agente se protege da desvalorização, e pode ter o valor real de seus ativos, considerados em moeda local, aumentado). O risco desta operação é pequeno, pois mesmo que a previsão do investidor se mostre equivocada, a perda sofrida corresponde apenas aos custos de transação do processo, pois o valor do câmbio permanece igual. (EICHENGREEN,2004:299). A manutenção de um câmbio fixo, atualmente, é cerceada pela dificuldade de um país comprometer a sua autonomia macroeconômica em nome da estabilidade cambial. Um câmbio fixo obriga o país a direcionar suas políticas econômicas exclusivamente para a manutenção da paridade, um compromisso difícil de ser mantido em um ambiente democrático. (EICHENGREEN, 2003:6). A adoção de um regime de câmbio flutuante facilita o ajuste a choques no balanço de pagamentos, evitando que a moeda se aprecie ou deprecie acentuadamente (em um valor incompatível com a sustentabilidade do balanço de pagamentos). Para manter o equilíbrio, um país submetido a um choque externo (uma redução abrupta na transferência líquida de recursos do exterior para o país) é forçado a realizar um ajuste nos preços relativos, que reduza o preço dos produtos não-comercializáveis (tradables) em relação aos não comercializáveis - isto é, uma depreciação na taxa de câmbio real. Este ajuste pode ser feito através da depreciação da taxa de câmbio nominal (em um regime de câmbio flexível) ou por uma redução na atividade econômica (em um sistema de câmbio fixo ou semi-fixo). (ROJAS-SUAREZ, 2003:134). O sistema de câmbio flutuante também torna transparente aos agentes do mercado financeiro a existência de riscos cambiais – ao definir um câmbio fixo, o governo assume todo o risco cambial, e a responsabilidade de cobrir este risco defendendo o valor da moeda. Com a flutuação cambial, o risco cambial é transferido para os agentes do mercado financeiro, que são impelidos a adotar instrumentos de precaução (fazendo hedge cambial, utilizando mecanismos como o swap cambial). A possibilidade de um ataque especulativo provocado pela desconfiança na capacidade do governo sustentar a taxa de câmbio é reduzida em um regime de câmbio flutuante. Outros fatores continuam possibilitando a erupção de uma crise auto-realizável, no entanto, ligados a uma deterioração na confiança do mercado na capacidade do país continuar realizando seus pagamentos externos. Uma corrida da moeda local, ao precipitar uma crise de liquidez (escassez de moeda estrangeira), pode comprometer a capacidade de financiamento das obrigações externas (rolagem da dívida), especialmente se houver um grau significativo de dívida de curto prazo. Assim, a adoção do câmbio flutuante não é uma panacéia contra as crises cambiais e financeiras. Outras medidas, que fortaleçam a estabilidade da moeda e a confiança do mercado, são necessárias, em particular o equilíbrio fiscal, estabilidade monetária e a acumulação de reservas. 17 XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009 Documento Libre 4.3. Acumulação de reservas internacionais Uma política de crescimento das reservas internacionais pode facilitar a solução de problemas temporários de liquidez (sudden stops), permitindo aumentar a confiança dos investidores na capacidade do país honrar suas obrigações externas. Uma proporção de reservas compatível com o nível de endividamento de curto prazo pode ser um seguro contra o aprofundamento de uma crise causada por uma reversão temporária nos fluxos de capitais – reduzindo o incentivo para que investidores retirem seus recursos do país em momentos de tensão (como a erupção de uma crise outro mercado emergente). Este sinal de solidez pode evitar o contágio e impedir que a dinâmica de autorealização de crises se instale no país. (LOPES, 2005). A acumulação de reservas impõe custos aos países emergentes. Um grande volume de divisas é imobilizado, rendendo juros baixos (títulos do Tesouro americano possuem juros muito reduzidos, em comparação com os papéis da dívida dos emergentes em geral). Entretanto, não é apropriado depender de fontes externas (FMI, empréstimos bilaterais) para prover de forma confiável a liquidez necessária para conter crises. Desse modo, os países latino-americanos são forçados a reduzir esta vulnerabilidade por conta própria, arcando com os custos de manter um grande volume de reservas. (REDRADO,2006:272). A experiência de combinar um regime de câmbio flutuante com um sistema de metas de inflação tem se mostrado capaz de indicar ao mercado um compromisso crível do Banco Central em manter a inflação baixa e reduzir a vulnerabilidade da moeda. Diversos países da região adotaram o sistema de metas de inflação (Brasil, Chile, Colômbia, México, etc.) até o momento. A consolidação da confiança do mercado na estabilidade exige a definição clara de um compromisso com o equilíbrio monetário, fiscal e cambial, estabelecendo a credibilidade da política monetária e cambial. A autonomia do Banco Central, possibilitando que esta instituição enfoque sua ação exclusivamente na preservação da estabilidade da moeda (utilizando ou não um sistema de metas de inflação), é um passo importante no aumento da confiança dos investidores, e deste modo na prevenção de crises financeiras internacionais. (ROJAS-SUAREZ,2003:147). 4.4. Transparência A percepção de risco-país depende das informações disponíveis aos investidores sobre os fundamentos macroeconômicos. A ausência de fontes verossímeis de informação impede o mercado de ter uma noção clara das fraquezas de uma economia, e as expectativas de eclosão de crise se tornam objeto de dúvida, dando margem a percepções equivocadas entre os agentes do mercado. A incerteza é prejudicial quando há melhora nos fundamentos, pois este dado pode deixar de ser assimilado pelo mercado, impedindo que a confiança na economia melhore. Um país em situação relativamente positiva pode sofrer com a desinformação (misperception), por exemplo, se tornando vítima de contágio. Investidores incapazes de julgar de forma apropriada o risco de default podem considerar de forma semelhante mercados com características díspares, dando um tratando de forma excessivamente dura um país com fundamentos razoáveis. A ausência de dados confiáveis também pode levar a análises descuidadas, negligenciando vulnerabilidades e colocando o mercado desprevenido em face de desequilíbrios. Tal foi a situação da Tailândia, em 1997, em que a eclosão de uma crise (com a desvalorização da moeda local) não foi considerada de forma realista pela maioria dos participantes do mercado até que esta se tornou inevitável. (BLUNSTEIN,2002:65-95). 18 XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009 Documento Libre O aumento da transparência dos dados do governo é recomendável. A adoção de códigos e padrões internacionais de transparência abrange dados macroeconômicos, regulação e supervisão financeira e do mercado de capitais. Os acordos de Basiléia representam um padrão mínimo a ser adotado para as políticas de supervisão bancária na América Latina (BASEL COMITEE ON BANKING SUPERVISION, 2006). 4.5 Mudanças estruturais Reformas institucionais são necessárias para que um país coloque em prática políticas coerentes com a estabilidade macroeconômica, no plano interno e externo. Para que o comportamento condizente com a estabilidade econômica se torne a regra, e não a exceção (durante uma administração de caráter prómercado, por exemplo), mudanças nas instituições devem ser realizadas, consolidando este comportamento nas “regras do jogo”. São exemplos de reformas que restringem a abertura disponível para a prática de políticas heterodoxas: - independência do Banco Central, com mandato restrito à defesa da estabilidade monetária; reformas na estrutura tributária e orçamentária, reduzindo a discricionariedade na obtenção de receitas pelo governo e no seu gasto; - normas de responsabilidade fiscal, contendo o endividamento do governo central e entidades subnacionais; - redução da insegurança jurídica, que reduz a previsibilidade das regras do jogo, comprometendo o planejamento e a disposição ao investimento; - promoção da integração à economia internacional, com a abertura comercial. (KUCZYNSKI y WILLIAMSON, 2003). A reforma da administração pública é um passo necessário para a democratização do Estado e consolidação de instituições políticas e econômicas condizentes com uma economia de mercado aberta aos fluxos internacionais de capitais. A presença de uma burocracia corporativista e ineficiente esteve comumente associada à manutenção de práticas patrimonialistas por parte das elites políticas latinoamericanas, preservando comportamentos de rent-seeking – utilização do poder do Estado como instrumento para a extração de rendas da sociedade, para benefício privado. Predomina uma baixa capacidade de formular e implementar políticas públicas consistentes com as demandas sociais, resultado de falhas de gestão disseminadas no aparato estatal dos países do continente. A renovação da agenda reformista requer a definição de eixos estratégicos para a modernização do Estado. Abrucio (2007) identifica, analisando a realidade brasileira, quatro pontos focalizadores para este projeto. Primeiramente, aponta a necessidade de profissionalização dos quadros da administração pública, com a redução das indicações políticas, reforço da meritocracia na seleção de pessoal e aumento do investimento na capacitação dos servidores. Outro ponto é a eficiência, a racionalização da lógica do orçamento. Há um descompasso entre o planejamento de metas governamentais, geralmente descompromissadas com a capacidade de implementação, e as forma como são definidas as ações de governo realmente executadas anualmente. O aumento da eficiência do gasto público permitiria, além da redução nas despesas, otimizar os serviços à disposição da população. A atuação em parceria com o setor privado pode fortalecer a ação governamental, superando o debate estéril entre privatismo e estatismo. 19 XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009 Documento Libre A preocupação com a efetividade também deve ser destacada, adotando a gestão por resultados como forma de orientar a administração pública por metas e indicadores. Recomenda-se também a transformação da lógica segmentada das políticas públicas, tanto horizontalmente (entre ministérios) quanto verticalmente (entre níveis de governo). Ações intersetoriais e programas transversais são alternativas para reduzir a fragmentação da ação do Estado – que deriva do aprisionamento em estruturas organizacionais departamentalizadas e sem coordenação efetiva. Finalmente, o aumento da transparência e da responsabilização do poder público compõe um eixo estratégico em uma nova agenda de reformas. A administração pública deve ser cobrada e controlada pela sociedade, para que assuma de forma permanente o compromisso com a eficiência, efetividade e respeito às leis e direitos individuais. A abertura dos gastos do Estado ao escrutínio público permite à sociedade civil cobrar a responsabilidade das autoridades pela utilização dos recursos da comunidade. O sancionamento a comportamentos irregulares exige que se consolidem instrumentos de responsabilização, de caráter judicial ou político. Apesar de diversas movimentações no campo político e legislativo, os projetos de reforma na administração pública na América Latina vêm sofrendo problemas de continuidade. Retrocessos são comuns, resultando principalmente da transição de autoridades presidenciais comprometidas com a abertura econômica para lideranças opositoras eleitas democraticamente, portadoras de um discurso anti-mercado. Para que o processo de reformas seja sustentável, e a consolidação de regras de mercado seja percebida de forma crível pelo mercado, o apoio da sociedade às mudanças deve ser sólido, sustentável politicamente. Caso o risco de reversão das reformas seja grande, não será possível incrementar a credibilidade das políticas nacionais, pois a estabilidade da economia e da capacidade de pagamento será considerada incerta pelos investidores. A falta de legitimidade das reformas mostra a incapacidade de convencer a maioria da sociedade a apoiar a continuidade das políticas de mercado. Um país que realizou uma ampla gama de reformas, como a Bolívia, não foi capaz de preservá-las devido à falta de apoio de setores importantes de sua população, que se mobilizaram contra as mudanças e determinaram um retrocesso em todo o projeto de modernização. A ausência de melhorias no bem-estar social no médio prazo pode comprometer o desenvolvimento de um programa de reformas, inviabilizando a manutenção do consenso necessário para a sua consolidação. (ARMIJO y FAUCHER, 2002:1-40). No longo prazo, as reformas, fortalecendo a confiança do mercado no país, melhoram a capacidade de atuação do Estado e o crescimento econômico. A redução no risco país (com a queda do spread da dívida) e a presença de uma posição fiscal mais favorável aumentam a sustentabilidade da dívida e a estabilidade monetária e cambial. O aumento da credibilidade do país permite reduzir o risco de contágio. Possibilita a maximização dos fluxos financeiros, e abre espaço para uma integração mais positiva, reduzindo a dependência de empréstimos de curto prazo para o setor público, estimulando o financiamento de longo prazo para investimentos e o próprio investimento externo direto (IED). Este é um longo processo de convergência com as políticas praticadas nas economias avançadas, que abre amplas possibilidades para as economias emergentes dentro da dinâmica de globalização contemporânea. 20 XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009 Documento Libre 5. Conclusão Os países da América Latina apresentam experiências diferenciadas de continuidade e profundidade das reformas de mercado. Venezuela, Bolívia e Equador retrocederam de forma decisiva no processo de estabelecimento de democracias de mercado. No Chile e na Colômbia permanece um apoio estabilizado à abertura econômica, situando o debate político no aperfeiçoamento das instituições e nas correções nas políticas econômicas que se fazem necessárias no contexto atual de retração do crescimento econômico mundial. Na Argentina e no Peru acirra-se a polarização entre forças favoráveis à consolidação de estruturas institucionais condizentes com a economia de mercado moderna e grupos sociais que pregam o retorno ao estatismo e fechamento ao comércio internacional. Uruguai e Brasil, mesmo com a subida ao poder de lideranças historicamente críticas ao mercado, não voltaram atrás no processo de reforma, que perdeu impulso, no entanto. A necessidade de empreender reformas institucionais é uma realidade incontornável para os países latino-americanos que pretendem avançar dentro do sistema de mercado. A inserção nos fluxos econômicos internacionais – de comércio, investimentos e finanças, vetores altamente entrelaçados na atualidade – é um processo que pode contribuir para o desenvolvimento econômico e social. Há riscos inerentes a esta alternativa de inserção internacional, aberta e propositiva, que devem ser considerados de forma consequente e enfrentados diretamente. A possibilidade de crises financeiras auto-realizáveis é um destes riscos, e a mitigação da vulnerabilidade a este fenômeno passa pela adoção de políticas macroeconômicas sustentáveis e consolidação dos marcos institucionais de uma economia de mercado. Para os países que recusarem o aprofundamento de reformas, deve-se esperar a continuidade do crescimento econômico reduzido, que somente alcança níveis mais elevados em períodos de expansão da demanda por commodities no mercado internacional, e a incapacidade de utilizar o setor externo como impulsor de um processo de modernização econômica. A presença de reformas incompletas e a ausência de um consenso político de sustentação às instituições de mercado deixa em aberto o processo político às forças que pretendem substituir o falho regime capitalista em vigor na América Latina por alternativas “bolivarianas”, de reforço do papel do Estado, que passa a controlar a economia, retirando a autonomia da sociedade civil e comprometendo, gradativamente, as liberdades individuais em nome do “interesse nacional e da revolução”. 6.- Bibliografia Abrucio, Fernando Luiz (2007), "Trajetória recente da gestão pública brasileira: um balanço crítico e a renovação da agenda de reformas", en Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, edição especial 40 anos: 1967-2007. 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