Perspectivas da Ciência e Tecnologia, v.7, n. 1, (2015) CONTRIBUIÇÃO À QUALIDADE DO CHÁ DE Ginkgo biloba L. (GINKGOACEAE) COMERCIALIZADO NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Contribution to the quality of Ginkgo biloba L. tea (Ginkgoaceae) negotiated in Rio de Janeiro state, Brazil. Fabiane da Conceição Vieira Santos 1,3; Lúcia Tropia Marota dos Santos2; José Celso Torres1; Carlos Alexandre Marques1* 1- Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), campus Nilópolis, RJ. R. Lúcio Tavares, 1045, Nova Cidade, Nilópolis, RJ. CEP. 26530-060. 2 - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), campus Rio de Janeiro, RJ. Rua Senador Furtado, 121, Maracanã, Rio de Janeiro, RJ. CEP: 20270-021. 3- Pós-graduanda no Instituto de Química. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Avenida Athos da Silveira Ramos, 149, Ilha do Fundão, Rio de Janeiro, RJ. Cep: 21941-909. *Autor para correspondência: [email protected] RESUMO A utilização de plantas medicinais para cura e prevenção de doenças ainda é uma prática bastante comum por ser de fácil acesso e de baixo custo. Muitas dessas plantas utilizadas pela população, na forma de chás, não passam por um controle de qualidade rigoroso, podendo assim trazer riscos à saúde do consumidor. Neste contexto, o objetivo deste trabalho foi avaliar amostras comerciais de chá de Ginkgo biloba L. (Ginkgoaceae), levando em consideração diferentes parâmetros de qualidade. Os resultados obtidos através da análise microscópica confirmaram a autenticidade botânica das folhas através da presença de características morfológicas e anatômicas típicas da espécie, além da presença de metabólitos típicos, detectados por testes após cromatografia em camada delgada. Em outras análises, foi possível verificar a presença de sujidades em quase todas as amostras e a ausência de diversas informações importantes para o consumidor além da presença de aspectos inadequados nas embalagens, representando deficiências que podem constituir um potencial risco à saúde do consumidor. Palavras-chave: Ginkgo biloba, chá, qualidade. ABSTRACT The use of medicinal plants for diseases healing and prevention is still a common practice since it is an accessible and low cost option. Many of these plants used by the population as teas do not go through a strict quality control and may risk the health of the consumer. In this context, the purpose of this study was to evaluate commercial samples of tea of Ginkgo biloba L. (Ginkgoaceae) taking into consideration different parameters of quality. The obtained results from microscopic analysis confirmed the botanical authenticity of the leaves by the presence of typical morphological and anatomical characteristics of the species, besides the presence of typical metabolites, detected by testes after thin layer chromatography. In another analysis, it was possible to verify the presence of impurities in almost all samples and absence of many important information to the consumer on the packages, representing inappropriate aspects and demonstrating a deficiency that constitutes potential risks to the health of consumers. Keywords: Ginkgo biloba, tea, quality. 2 Perspectivas da Ciência e Tecnologia, v.7, n. 1, (2015) INTRODUÇÃO As plantas medicinais são bastante utilizadas pela população desde a antiguidade para o tratamento, cura e prevenção de doenças. De acordo com a OMS, 65-80% da população que vive nos países em desenvolvimento não tem acesso ao atendimento básico de saúde ou não têm recursos para fazer uso dos medicamentos que são prescritos e utilizam as plantas medicinais como a principal forma de tratamento (AKERELE, 1993). Muitas dessas espécies são comercializadas em farmácias, lojas de produtos naturais, feiras livres e mercados populares ou são encontradas em quintais residenciais, sendo consumidas pela população, mesmo sem estudos para comprovação das suas propriedades farmacológicas (MACIEL, 2002; VEIGA JR., 2005), o que pode representar riscos em alguns casos. Segundo RANGEL e BRAGANÇA (2009), do ponto de vista fitoquímico, as espécies vegetais costumam ser complexas, pois além de terem substâncias farmacologicamente ativas, podem conter substâncias tóxicas. Em alguns casos, o constituinte responsável pela atividade farmacológica não é conhecido. Outras vezes, a atividade medicinal não é atribuída à um metabólito isoladamente, mas a um conjunto de metabólitos presentes, chamados de “fitocomplexos”. A RDC n° 277 da Anvisa, de 22 de setembro de 2005 que trata da identidade e das características mínimas de qualidade de chás, café, cevada, erva-mate e produtos solúveis, define chá como “o produto constituído de uma ou mais partes de espécie(s) vegetal(is) inteira(s), fragmentada(s) ou moída(s), com ou sem fermentação, tostada(s) ou não, constantes de Regulamento Técnico de Espécies Vegetais para o Preparo de Chás. O produto pode ser adicionado de aroma e/ou especiaria para conferir aroma e/ou sabor” (BRASIL, 2005a). No Brasil, os chás de plantas que são medicinais também podem ser comercializados como complementos alimentares ou mesmo como alimentos funcionais. Com isso, são tratados pela legislação brasileira de forma diferenciada dos fitoterápicos. Para estes produtos, sem a indicação terapêutica, não são exigidos os teores mínimos de constituintes químicos, como são para comercialização da planta como medicamento (BRANDÃO et al., 2002). De acordo com a RDC n° 277/2005 “Não é permitida, no rótulo, qualquer informação que atribua indicação medicamentosa ou terapêutica (prevenção, tratamento e ou cura) ou indicações para lactentes” (BRASIL, 2005a). O consumo dessas plantas ocorre de variadas formas, podendo ser utilizadas através de infusão, maceração, tinturas, cataplasmas e xaropes (PEREIRA et al., 2010). Muitas plantas são utilizadas na forma de chás, com fins medicinais, segundo a sabedoria popular. As espécies vegetais, bem como as partes utilizadas permitidas para o preparo de chás estão mencionadas nas Resoluções RDC 267 de 22 de setembro de 2005 e RDC 219 de 22 de dezembro de 2006 (BRASIL, 2005; BRASIL, 2006). Dentre as plantas medicinais mais consumidas no mundo, encontra-se a Ginkgo biloba L.. Registros chineses mostram que desde 2.800 a.C. a planta era utilizada na medicina tradicional do país (BARATTO et al., 2009). No ocidente, a pesquisa de seu uso medicinal se iniciou em meados do século XX e, em 1965, foi introduzido na medicina o extrato padronizado de Ginkgo biloba EGb 761 (BANOV et al., 2006), obtido a partir de suas folhas secas, através de um processo de extração com acetona e água. Após a eliminação da acetona por evaporação, o extrato é submetido a uma série de tratamentos para eliminação de substâncias indesejáveis que oferecem risco toxicológico (BRUNETON, 1992 apud BANOV et al., 2006; BARATTO et al., 2009). Segundo a Resolução 89 de 16 de Março de 2004 o extrato de G. biloba deve possuir 24% de flavonoides glicosídeos (quercetina, camferol e isoramnetina) e 6% de terpenos como os bilobalideos e os ginkgolídeos A, B, 3 Perspectivas da Ciência e Tecnologia, v.7, n. 1, (2015) C e E (BRASIL, 2004a). Atualmente, as folhas secas da espécie têm sido comercializadas indiscriminadamente, sendo indicadas para o tratamento de distúrbios de memória, podendo ser encontradas na forma de cápsulas, comprimidos, aerossóis sublinguais, tinturas, preparações para uso tópico e para uso cosmético, inclusive como protetor solar. As sementes são indicadas para o alivio da respiração ofegante, para diminuir o catarro, tratar corrimentos vaginais, incontinências e vesícula debilitada. Entretanto, as sementes possuem um alcaloide, a ginkgotoxina que, ao ser ingerida pode provocar convulsões, parada cardiorespiratória e perda de consciência, as folhas possuem substâncias como a bilobalina e alquifenóis, como os ácidos ginkgólicos, substâncias tóxicas que podem provocar reações alérgicas por contato (CHEVALLIER, 1996 apud VALMORBIDA, 2008; BARATTO et al., 2009). Nativa da região asiática (China, Japão e Coréia), G. biloba é uma espécie pertencente à família Ginkgoaceae e ao Filo Ginkgophyta, sendo a única espécie deste Filo. A espécie foi considerada por Charles Darwin um fóssil vivo, tendo surgido há quase 200 milhões de anos. Tratase de uma espécie arbórea, perene e dióica que pode chegar a 40 metros de altura, seu caule possui medula e córtex pouco desenvolvidos. A espécie possui dimorfismo na ramificação do caule, padrão que se repete nas nervuras foliares. As estruturas reprodutivas se desenvolvem nas axilas das folhas dos ramos curtos (RAVEN et al., 2001; FORLENZA, 2003; VALMORBIDA, loc. cit.). A espécie tem seus óvulos e microsporângios em diferentes indivíduos. Os óvulos apresentam-se em pares na extremidade de pequenos pedúnculos e amadurecem, produzindo sementes no outono. A fecundação dentro dos óvulos pode não ocorrer até uma época posterior à queda dos óvulos da árvore. Os embriões formam-se durante os últimos estágios de maturação das sementes, que se dá no solo. Tais sementes possuem um odor rançoso em consequência do ácido butírico existente no seu envoltório carnoso, e por esta razão cultiva-se em geral somente as árvores masculinas nas ruas (Fig. 1A), parques ou jardins. Os microsporofilos são unidos em estruturas estrobiliformes, cada um dos quais conduz dois microsporângios (RAVEN et al, loc. cit). Suas folhas são de cor acinzentada ou verde-amarelada no verão e amarelo-dourado no outono, a face superior da folha é um pouco mais escura que a face inferior, as folhas podem ser variegadas e possuem forma de leque (flabeliformes), podendo apresentar-se bilobadas, fendidas ou inteiras (Fig.2), podem atingir cerca de 4 a 7 cm de comprimento e 4 a 10 cm de largura. As folhas mais jovens apresentam margens inteiras e as mais antigas são profundamente lobadas. As margens laterais são inteiras, as faces abaxial e adaxial das folhas são lisas e possuem nervura dicotômica, saindo do pecíolo e irradiando como um leque, acompanhando o padrão flabeliforme. Figura 1. Aspectos morfológicos de Ginkgo biloba. A. Aspecto geral do ramo com estróbilo masculino (seta). B. Ramo com sementes pêndulas. C. Ramo com estróbilos femininos. (Fig. A: original; fig. B: modificada de Andrews; fig. C: seg. Wettstein). Fonte: JOLY, (1976) 4 Perspectivas da Ciência e Tecnologia, v.7, n. 1, (2015) Os pecíolos da folha possuem cerca de 4 a 9 cm de comprimento. Possuem sementes pêndulas (Fig. 1B), com tegumento que possui um envoltório carnoso (JOLY, 1976; RAVEN et al, 2001; LORENZI E MATOS, 2002; BRITISH PHARMACOPOEIA, 2005; BANOV et al., 2006; BARDOLA et al, (2009)). Figura 2. Variabilidade morfológica nas folhas de diferentes variedades de G. biloba existentes. Fonte: http://kwanten.home.xs4all.nl/thetree.htm. Acesso em 10/02/14. MATERIAL E MÉTODOS Obtenção das amostras Foram adquiridas quinze amostras de Ginkgo biloba em farmácias, lojas de produtos naturais e feiras livres localizadas nos municípios do Rio de Janeiro, Niterói, São Gonçalo, Nilópolis, Duque de Caxias e São João de Meriti, RJ. Análise morfológica e anatômica das folhas As folhas utilizadas como padrão foram coletadas a partir de um espécime pertencente ao horto do Departamento de Biologia Vegetal da Universidade Federal de Viçosa (MG) e conservadas em FAA 70% (formaldeído: ácido acético: etanol 70%, na proporção 1:1:18). Para descrição dos aspectos macroscópicos utilizou-se microscópio estereoscópico, com lentes objetivas de 20 e 40X. As características observadas foram comparadas com as informações descritas na BRITISH PHARMACOPOEIA (2005) e FARMACOPÉIA HOMEOPÁTICA BRASILEIRA (2011). Para análise das características histológicas, as folhas foram submetidas à reidratação em solução de glicerina e água (1:1) à 100°C por aproximadamente 30 minutos. Posteriormente, tanto as folhas das amostras como as do material usado como padrão foram submetidas ao processo de diafanização, segundo STRITMATTER (1973). 5 Perspectivas da Ciência e Tecnologia, v.7, n. 1, (2015) Depois da etapa de diafanização, as folhas foram coradas com Safranina aquosa 1% por 10 minutos e lavadas em seguida com água destilada para retirada do excesso de corante. As lâminas foram montadas entre lâmina e lamínula usando-se glicerina 50% em água como meio de montagem. Em seguida, as lâminas foram observadas ao microscópio fotônico para observação de caracteres da lâmina foliar, especialmente da epiderme. As fotomicrografias foram obtidas com equipamento fotográfico digital acoplado ao microscópio. As barras de medidas foram feitas com auxílio de régua micrométrica acoplada à lente ocular do microscópio. Para caracterização do tipo de estômato, usaram-se como referência ESAU (1976), além das farmacopéias supra citadas. Análise de elementos estranhos e do teor de umidade. As amostras foram acondicionadas em placas de Petri e analisadas ao microscópio estereoscópico. Todo material estranho às amostras, bem como outras partes da planta além da parte utilizada foram retirados com auxílio de pinça para registro. O teor de umidade foi determinado segundo especificações da BRITISH PHARMACOPOEIA (2005). Cromatografia em camada delgada (CCD) Para o preparo dos extratos as amostras foram separadas em três grupos, cada um contendo a junção de cinco amostras distintas, para que fosse possível obter um rendimento significativo para a utilização do teste. Os extratos foram denominados E1, E2 e E3, respectivamente e foram obtidos aquecendo-se 10mL de metanol com 2g de folhas em banho-maria a 65°C durante 10 min. Após o aquecimento, os extratos foram submetidos a forte agitação e filtração depois de atingir a temperatura ambiente. Na realização da CCD, foram utilizadas como fase estacionária cromatofolhas de alumínio revestidas de sílica gel 60 F254 da Merck e, como fase móvel, utilizaram-se os sistemas de solventes: Acetato de etila: Ácido acético glacial: Ácido fórmico: Água (100:11:11:26) para detecção de flavonoides segundo WAGNER E BLADT (2003). Os perfis obtidos foram comparados com os dados descritos na literatura citada e com o padrão utilizado (do flavonoide Rutina). Análise de rotulagem Foram analisadas as informações contidas nos rótulos, como a correta nomenclatura botânica, o peso real do produto, e outras informações que devem ser fornecidas pelo fabricante. Os dados obtidos foram analisados de acordo com as especificações da Resolução RDC n° 259, de 20 de setembro de 2002 da ANVISA (BRASIL, 2002) e da Resolução RDC n° 227, de 22 de setembro de 2005 da ANVISA (BRASIL, 2005). 6 Perspectivas da Ciência e Tecnologia, v.7, n. 1, (2015) RESULTADOS E DISCUSSÃO Análise morfológica e anatômica das folhas A autenticidade de uma droga vegetal é estabelecida pelos parâmetros de identidade botânica feita através de ensaios macro e microscópicos, bem como pela presença dos constituintes químicos ativos e/ou característicos da espécie (FARIAS, 2004). Em todas as amostras analisadas foram observadas folhas secas que mantiveram uma coloração verde-amarelada à parda. Mesmo quando fragmentadas, mantiveram o formato de leque (tipo flabeliforme), com margem lateral inteira e margem superior com sinuosidades irregulares (Fig. 3). O pecíolo tende à forma laminar, com as margens revolutas, dobradas sobre a face adaxial. Esse aspecto do bordo mantém-se na porção basal da lâmina foliar, conforme se pode observar na figura 4. Na porção distal do pecíolo, abre-se a lâmina foliar, onde as nervuras dicotômicas se irradiam da base do limbo (Fig. 5A) e são salientes nas duas faces. Figura 3. Fragmentos foliares de G. biloba encontrados nas amostras de chás. Barra = 1 cm. Figura 4. Folhas de G. biloba em detalhe, mostrando a porção distal do pecíolo (à esquerda) e a base foliar com margem dobrada sobre a face adaxial (à direita). Barra = 1 cm. 7 Perspectivas da Ciência e Tecnologia, v.7, n. 1, (2015) A análise microscópica das amostras comerciais revelou que a epiderme nas faces adaxial e abaxial é constituída de células de comprimento variável. As paredes anticlinais são sinuosas (Fig. 5B). Na face adaxial, não se observam estômatos nem tricomas (Fig. 5B). A face abaxial da lâmina foliar possui pequenos e numerosos estômatos distribuídos pela lâmina foliar (Fig. 5A). ESAU (1976) descreve que as células estomáticas em G. biloba estão localizadas em depressões, tal como visto nos materiais analisados (Fig. 5C). Segundo essa autora, as células subsidiárias podem ou não relacionar-se ontogeneticamente com as células-guarda. No tipo haploquélico, presente em espécies de Cycadophyta, coníferas e em Ginkgo, as células subsidiárias não têm essa relação. Com isso, observaram-se que as células-guarda só podem ser vistas, no plano paradérmico, por transparência, encobertas pelas outras células epidérmicas. Os estômatos, dessa forma, são classificados, em várias referências como a BRITISH PHARMACOPOEIA (2005) e FARMACOPÉIA HOMEOPÁTICA BRASILEIRA (2011) como actinocíticos, por possuírem de 4 a 6 células subsidiárias (Fig. 5C). Por transparência, também é possível visualizar drusas de oxalato de cálcio distribuídas pelo mesófilo, mais concentradas ao longo das nervuras (Fig. 5D). Figura 5. Detalhes da lâmina foliar em vista frontal. A. Detalhe da ramificação dicotômica das nervuras, a partir da base da lâmina foliar (seta). Em destaque (circulado), um pequeno estômato. Barra = 20 µm. B. Epiderme adaxial, mostrando a sinuosidade das paredes anticlinais. Barra = 3 µm. C. Estômatos em detalhe na epiderme abaxial (seta). Barra = 3 µm. D. Detalhes das drusas que acompanham o feixe vascular (seta). Barra = 8 µm. 8 Perspectivas da Ciência e Tecnologia, v.7, n. 1, (2015) Após as análises, as características macroscópicas e microscópicas observadas nas amostras comerciais foram comparadas com as descrições das farmacopeias supra citadas, confirmando a autenticidade das amostras. Todavia, apesar das amostras terem sido consideradas aprovadas em relação à autenticidade botânica, o consumo das folhas secas ou frescas não é aconselhado. Pesquisas com G. biloba relatam com frequência que efeitos adversos aparecem quando se faz uso de partes da planta seca ou fresca que não passaram por um processo de remoção de substâncias tóxicas existentes na espécie, como a bilobalina, os ácidos ginkgólicos e a ginkgotoxina. Devido à presença dessas substâncias capazes de provocar alergias ou reações tóxicas para o sistema nervoso, o consumo dessas folhas, na forma de chá ou em contato direto com a pele não é recomendado (BARATTO et al., 2009). Análise de elementos estranhos Nesta etapa da análise foram considerados como elementos estranhos as sujidades leves ou pesadas, como por exemplo, fragmentos de insetos, terra ou pedra, vidro e fragmentos metálicos, bem como considerou-se também a presença de outras partes da planta, normalmente não utilizadas, mas que possam estar presentes nas amostras. Em todas as amostras foram encontrados pecíolos da própria planta (Fig. 6, Gráfico 1). Mesmo não sendo considerada uma sujidade, a presença em grande quantidade nas amostras pode fazer com que o peso das folhas utilizado seja menor que o indicado na embalagem. Este tipo de contaminação pode indicar fraude no peso ou até mesmo um certo descaso por parte dos fabricantes, já que a parte “indicada” para utilização são as folhas, porém nos rótulos das amostras 06 e 15 a parte da planta indicada para uso eram folhas e “talos” (pecíolos/fragmentos do caule), portanto a presença destes nessas amostras não pode ser considerada irregular. Com exceção de uma única amostra, todas as demais continham elementos estranhos (Fig. 7) como pedras, terra, fragmentos do caule e folhas de outras espécies. Figura 6. Pecíolos encontrados na amostra 05. Barra = 1 cm. 9 Perspectivas da Ciência e Tecnologia, v.7, n. 1, (2015) Gráfico 1. Percentual da quantidade de peciolos em relação a quantidade de folhas nas amostras de Ginkgo biloba. Gráfico 2. Teor de umidade das amostras comerciais analisadas. 10 Perspectivas da Ciência e Tecnologia, v.7, n. 1, (2015) Figura 7. Elementos estranhos encontrados nas amostras. Fragmentos de folhas de outras espécies (A7, A11, A15), pedras e fragmentos de caules. Barra = 1 cm. Análise do teor de umidade O excesso de umidade em drogas vegetais favorece a ação de enzimas que podem degradar os constituintes químicos (AMARAL et al., 2003), além disso, cria condições favoráveis para o desenvolvimento de fungos e bactérias, diminuindo a qualidade do produto. Diante disso, a secagem é um processo importante no beneficiamento de drogas vegetais para comercialização, pois aumenta a vida útil do produto. A análise da perda de umidade por dessecação constatou que todas as amostras estavam com o teor de umidade abaixo de 11% (Gráfico 2). Esses valores estão de acordo com o estabelecido por obras de referência como a BRITISH PHARMACOPOEIA (2005). No entanto, algumas amostras apresentaram-se excessivamente dessecadas ou mesmo queimadas, o que sugere a utilização de métodos de secagem inadequados por parte dos fabricantes. Não foram encontrados fungos em nenhuma amostra, fato que coincide com a ausência de umidade excessiva. Cromatografia em camada delgada (CCD) A CCD é uma alternativa fundamental para a identificação dos constituintes químicos de drogas vegetais e identificação de impurezas, além disso, permite analisar a decomposição de alguns constituintes originais (FARIAS, 2004). A análise cromatográfica dos extratos de Ginkgo biloba revelou a presença do ácido 6-hidroxiquinurenico (Rf ~ 0,56) de coloração azul fluorescente e do flavonoide rutina (Rf ~ 0,45) de coloração laranja (Fig. 8). 11 Perspectivas da Ciência e Tecnologia, v.7, n. 1, (2015) Rf ~ 0,56 – Ácido 6-hidroxiquinurenico Rf ~ 0,45 - Rutina Figura 8. Cromatogramas dos extratos metanólicos das amostras comerciais de G. biloba e do padrão de Rutina após separação por CCD utilizando o sistema de solventes descrito por WAGNER E BLADT (2003), após revelação com NP/PEG visualizadas sob luz UV 365nm. Análise de rotulagem Segundo a lei 5991/1973, plantas medicinais podem ser comercializadas em estabelecimentos como farmácias e ervanários com acondicionamento e classificação botânica adequados (BRASIL, 1973). Planta medicinal ou suas partes, após processos de coleta, estabilização e secagem, sendo a mesma íntegra, rasurada, triturada ou pulverizada, é definida pela RDC n° 48 de 16 de março de 2004 como droga vegetal (BRASIL, 2004). Apesar da lei 5991/73 estabelecer que as plantas medicinais (drogas vegetais) não podem ser comercializadas contendo indicação terapêutica em suas embalagens, ainda hoje é possível encontrar tais indicações nos rótulos de muitos produtos. Dentre as indicações encontradas nos rótulos dos materiais analisados, estavam: Tratamento de microvarizes, úlceras varicosas, cansaço das pernas, artrite dos membros inferiores, stress, deficiência auditiva, perda de memória, como afrodisíaco e ainda contra câncer, asma, tosse, alergias, labirintite, depressão, entre outros males. O artigo 5 da RDC n° 259 de 20 de setembro de 2002, determina como informação obrigatória de rotulagem de alimentos, informações sobre a denominação de venda do alimento, lista de ingredientes, conteúdos líquidos, identificação da origem, nome ou razão social e endereço do importador (no caso de alimentos importados), identificação do lote, prazo de validade e informações sobre o preparo e uso do alimento. Além de não permitir nos rótulos ilustrações ou representações gráficas que possam tornar a informação falsa ou induzir o consumidor a erro em relação à forma de uso do alimento. Os dados sobre a análise de rotulagem estão resumidos na Tabela 2. Entre as 15 amostras comerciais analisadas, duas amostras não continham rótulos, outras quatro amostras apresentaram rótulos caseiros, escritos à mão e com a nomenclatura incorreta. A escrita correta do nome científico da espécie estava presente em 10 amostras. Duas amostras (04 e 11) continham a imagem representando uma criança tomando uma caneca de chá, o que pode levar o consumidor a crer que o uso do chá em crianças é permitido sem restrições ou efeitos adversos. 12 Perspectivas da Ciência e Tecnologia, v.7, n. 1, (2015) Tabela 2. Análise de rotulagem das amostras comerciais de G. biloba. Usou-se (+) quando a informação estava presente e (-) quando a informação estava ausente. Dados analisados 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 Nome da empresa + - - + + + - + + - + - - + + Endereço completo + - - + + + - - - - + - - + + CNPJ + - - + + + - + + - + - - + + Data de fabricação - - - + + + - + + - + + - + - Data de validade + - - + + + - + + - + + - + + Lote + - - - - + - - - - - - - + + Parte utilizada - - - - + + - - - - - - - - + Forma de uso - - - + - - - + + - + - - - - Lista de ingredientes - - - - - - - - - - - - - + - Peso líquido + - - + + + - + + - + + - + + Nome científico + - - + + + - + + - + + - + + Família botânica - - - - - - - - - - - - - - - Alegação terapêutica + - - + - - + - - + + + - - - Farmacêutico responsável + - - - - - - - - - - - - - - Instruções sobre o preparo + - - + + + - + + - + - - + + Informação nutricional - - - - + - - - - - - - - - + 13 Perspectivas da Ciência e Tecnologia, v.7, n. 1, (2015) CONCLUSÕES Após a realização do conjunto de análises que constituíram o presente trabalho conclui-se que a análise das características macroscópicas e microscópicas das folhas de G. biloba foi determinante para garantir a autenticidade da espécie que constituía as amostras. Microscopicamente, a presença de paredes anticlinais sinuosas, drusas e estômatos (actinocíticos) com células estomáticas dispostas em depressões, analisados em conjunto com as características macroscópicas, como pecíolo longo, achatado e com margens dobradas, o formato flabeliforme das lâminas foliares com nervuras dicotômicas e margem superior com nervuras irregulares, foram determinantes para a identificação da espécie. A análise de elementos estranhos mostrou a baixa qualidade de algumas amostras. Também foi possível observar a necessidade de padronização na secagem das amostras, devido à grande variação no teor de umidade nas mesmas. Através do perfil cromatográfico dos extratos, foi possível observar bandas que evidenciaram a presença de metabólitos característicos, como a Rutina. A rotulagem dos produtos comercializados apresentou muitos problemas, uma vez que não estão adequadas as exigências da legislação vigente, sendo de grande importância a adequação desses produtos para posterior comercialização, assim como intensificar a vigilância por parte dos órgãos competentes para obtenção de produtos seguros e eficazes. AGRADECIMENTOS Ao Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) pela infraestrutura e apoio dados ao trabalho. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMARAL, F.M.M., COUTINHO, D.F., RIBEIRO, M.N.S. et al. Avaliação da qualidade de drogas vegetais comercializadas em São Luís/Maranhão. Revista Brasileira de Farmacognosia, 13, supl., 27-30, 2003. AKERELE, O. Summary of WHO guidelines for assessment of herbal medicines. Herbal Gram, 28, 13-19, 1993. BANOV, D., BABY, A.R., DEL BOSCO, L.M., et al. Caracterização do Extrato Seco de Ginkgo biloba L. em Formulações de Uso Tópico. Acta Farmacéutica Bonaerense, 25(2), 219-224, 2006. 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