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Por Leonardo Nunes
E
m seu famoso poema “No Meio do Caminho”, Carlos Drummond de Andrade nos conta que:
No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra.
Nesses memoráveis versos, Carlos Drummond
vê um caminho e uma pedra. Talvez sejam o caminho da vida e a pedra dos problemas.
O tema do caminho também é muito importante
para outro autor. No livro de Atos, os seguidores de
Cristo são chamados de “Os do Caminho” (ex.: At
9:2). Viver a vida cristã é viver no “Caminho” (ex.:
At 18:26), o próprio movimento cristão é conhecido
como “O Caminho” (ex.: At 24:14). À primeira vista,
esse título indaga e intriga. Por que o cristianismo
era conhecido como “O Caminho”?
O evangelista Lucas é bem conhecido como teólogo e historiador, mas seu conhecimento em geografia como meio de comunicar uma mensagem é
simplesmente magistral. O corpo do evangelho de
Lucas pode ser organizado em três partes: (1) Ministério de Jesus na Galileia, (2) Jornada de Jesus para
Jerusalém e (3) Jesus em Jerusalém. É possível notar um movimento norte-sul começando na Galileia,
passando por Samaria e culminando em Jerusalém.
De acordo com Lucas esse movimento é acompanhado pelo padrão de aceitação-rejeição. Embora
Jesus seja rejeitado pelos Seus na cidade em que
cresceu, todo o Seu ministério na Galileia é marcado
por ampla aceitação. Nos capítulos que relatam o ministério da Galileia, todos querem ver a Jesus, porque
muitos milagres O acompanham. Jesus é sempre recebido com grande expectativa e alegria. Após Jesus
revelar que “é necessário que o Filho do Homem sofra muitas coisas, seja rejeitado pelos anciãos, pelos
principais sacerdotes e pelos escribas; seja morto e,
no terceiro dia, ressuscite” (Lc 9:22), a marcha em direção à Jerusalém se inicia e, com ela, a rejeição se
avoluma, tendo como resultado Sua morte.
Dos vinte e quatro capítulos do seu evangelho, Lucas usa quase três capítulos para relatar a infância e a
preparação de Cristo para o ministério. Quando comparado com os outros dois evangelhos sinóticos, pode-se perceber que Lucas resume a narrativa da Galileia
em seis capítulos. O relato da morte e da ressurreição
é descrito com cerca de seis capítulos. Já a jornada de
Jesus para Jerusalém toma aproximadamente dez capítulos de todo o livro (Mateus usa dois capítulos, 1920, e Marcos um capítulo e meio, 10:1-11:14), e conta
com 44% de conteúdo exclusivo ao evangelho de Lucas,
isto é, material que foi não relatado por nenhum outro
evangelista a não ser ele. O caminho para Jerusalém,
portanto, encontra em Lucas um lugar de destaque.
O discipulado é o tema marcante do Caminho. É
no Caminho que Jesus prova Seus seguidores e envia os setenta em uma missão de treinamento. No
Caminho, Jesus fala aos discípulos de maneira par-
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ticular, revelando-lhes sabedoria celestial. É nesse Caminho que
os discípulos aprendem a orar. O verdadeiro teste do discipulado
é feito nesse Caminho. As palavras de Jesus ainda ressoam aos
nossos ouvidos: “Se alguém vem a mim e não aborrece a seu pai,
e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs e ainda a sua própria
vida, não pode ser meu discípulo. E qualquer que não tomar a sua
cruz e vier após mim não pode ser meu discípulo” (Lc 14:26-27).
O Caminho tem um começo, as ricas paragens da Galileia, ao
Norte. Tem um destino, Jerusalém, ao Sul. Um alvo, a Cruz. E,
enquanto estamos no Caminho, a única coisa que Jesus requer é
a entrega absoluta. Para aquele que anda no Caminho, o servir é
fundamental, o sofrimento é esperado, a rejeição, uma certeza, a
abnegação, realidade, e a cruz, o foco.
Lucas, contudo, vê além da cruz. Existe algo depois da cruz?
Para Lucas, geograficamente, a resposta é sim. O livro de Atos
expressa as tão conhecidas palavras de Jesus, “mas recebereis
poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria
e até aos confins da terra”. O movimento agora é Sul-Norte.
Assim como em seu evangelho, Lucas também usa a geografia
para divulgar uma mensagem. O Caminho precisa ser proclamado em Jerusalém, Judéia, Samaria (At 1-11:18), até os confins da
Terra (At 11:19-28). É interessante notar que o avanço do Caminho
é sempre acompanhado de perseguição e morte. Em Jerusalém,
os apóstolos são presos (At 5:16), Estêvão é morto (At 7) e toda a
igreja é perseguida (At 8:1), mas o Caminho progride. Saulo passa
a perseguir a igreja por toda a Palestina. Mas o Caminho cresce
(At 9:31). E “por causa da tribulação, os que foram dispersos se
espalharam até a Fenícia, Chipre e Antioquia” (At 11:19). Paulo e
Silas, entre muitos outros sofrimentos e privações, são presos e
açoitados. Tiago é decapitado. A mensagem de Lucas, porém, é a
de que o Caminho continua a avançar, até os confins da Terra, pelo
poder do Espírito, através do serviço fiel de discípulos que um dia
andaram com Jesus no caminho para Jerusalém.
O que vês no caminho? No caminho, Drummond vê uma pedra. No Caminho, o discípulo contempla a cruz. A pedra são os
problemas. A cruz é a solução e a certeza da vitória.
LEONARDO NUNES
O pastor Leonardo Godinho Nunes trabalhou dez anos como distrital, quatro como
professor do SALT, e atualmente está concluindo seu PhD em Teologia Bíblica na
Universidade Andrews. É casado com Beverly Scardini Menegazzo Nunes, com
quem tem dois filhos: Larissa e Eduardo.
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