OPINIÃO Inacreditável... ...mas verdadeiro! Os mais velhos talvez ainda se lembrem do programa «Uncroyable mais vrai» O aborto e o Código Deontológico dos médicos No preâmbulo do projecto de Código Deontológico agora em discussão pública, afirma-se que os médicos não estão de acordo sobre quando começa a vida! Inacreditável!, não é? (mas aquilo não estará lá por acaso, pois certamente apenas se terá pretendido o «politicamente correcto»), embora todos aceitem que a vida é um todo continuo... O aborto continua quanto a nós, indiscutivelmente, a ser falta deontológica, mesmo para aqueles que se arrogam o definir por si, um «início tardio» da vida humana, negando o que a ciência demonstra. Se a violação de um código ético deve prever sanções, também não é menos evidente que nenhuma sansão, excepto a moral, poderá ter lugar, se o acto praticado estiver de acordo com a lei do país. Mas a lei nunca poderá anular o valor ético em causa, o que aliás correctamente o novo projecto de Código reafirma. Vejamos o que a ciência biológica comprova, indiscutivelmente! A fecundação do óvulo pelo espermatozóide dá origem a uma única célula, o ovo ou zigoto, onde algumas horas depois se unem os 23 cromossomas e os milhares de genes dados pelo pai e pela mãe, ficando assim constituido um novo ser humano, único e irrepetível, com o seu ADN próprio e específico, que o identificará ao longo de toda a vida. Até ao 14º dia, momento em que o óvulo se torna indivisível (lembremos o exemplo bem conhecido dos gémeos univitelinos) nem por isso o óvulo deixa de ser 26 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Janeiro 2009 o estadio inicial de cada novo «ser humano», portanto já vida humana, em evolução continua... Na terceira semana, o novo cérebro inicia o seu desenvolvimento. Num processo evolutivo continuo como estabelecer quando tem início a actividade cerebral? E esta não pode, logicamente, ser o início de uma vida, já que, de facto, esta já se encontra em evolução. Às 10 semanas o feto já tem um face humana e atingiu todas características básicas: a partir daí apenas se irá diferenciar e desenvolver até ao nascimento, aos 9 meses, podendo, no entanto, já ser viável, após 24 semanas de gestação, ponto a partir do qual alguns pretendem, só então ter início a vida humana! Poderá imaginar-se maior absurdo e distorção de factos evidente, pelo menos em termos biológicos e científicos (excluindo, obviamente, razões políticas, religiosas, culturais, de conveniência, oportunistas, ou outras...)? Por favor não se use o argumento, de que não há consenso, entre os médicos, de quando começa a vida! E então que significado tem a fertilização in vitro, em que juntando simplesmente uma célula materna e outra paterna, se obtém uma criança normal? Quando começou a vida dessa criança? Tudo o que seja diferente, é erro biologicamente grave, que só parece poder justificar-se pelo desejo de alguns em justificar as ideias que têm, ou as propostas que pretendem fazer. Quando pensa, cada um de nós, que começou a sua vida; não foi com a junção de um óvulo e de um espermatozoide, de nossa mãe e de nosso pai? Juridicamente, desde a concepção teremos um nascituro, sujeito de direitos próprios, entre os quais o ser herdeiro…! O direito distingue pois a personalidade jurídica. Será que um recém-nascido pode sobreviver sozinho? Certamente que não. E tem ou não direito à vida? Tem. Já fala e já anda mas ainda não tem autonomia. Será o seu direito à vida menor? Ou será que a pessoa só tem, verdadeiramente, direito à vida, quando pode casar, conduzir automóvel ou votar? E uma criança, há 9 meses ainda no útero materno, será menos pessoa que um prematuro de 24 semanas de gestação, mas já nascido. Diz o povo, e bem, que «não há pior cego do que aquele que não quer ver». Quem poderá honestamente ter dúvidas sobre a vida que possui, ao ver o novo ser a reagir e a mover-se quando observado por ecografia? A Constituição Portuguesa diz que o direito à vida é inviolável. As razões últimas que justificam o direito à vida do nascituro, são precisamente as mesmas que depõem a favor do direito à vida das pessoas, em geral. Os nascituros não são mais do que a humanidade do amanhã. Os verdadeiros médicos, apenas poderão aceitar o aborto terapêutico, nomeadamente quando, numa alternativa real, concreta e comprovada, a sobrevida do nascituro possa envolver a morte da mãe. Se é firmemente repudiado o infanticídio, com que lógica admitir o aborto em malformação compatível com a vida? Será que alguns portugueses pretendem, por passos sucessivos de uma mesma filosofia, chegar à legalização do infanticídio? António Gentil Martins