Trabalho completo em PDF - Laboratório de Psicopatologia

Propaganda
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
FACHS - FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA SAÚDE
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM PSICOLOGIA
CLÍNICA
LABORATÓRIO DE PSICOPATOLOGIA FUNDAMENTAL
Esquizofrenia e laço social em Freud
Relatório Final
Orientanda: Aline Silva da Costa
Curso de Psicologia
Orientador: Dr. Prof. Manoel Tosta Berlinck
São Paulo - 2013
2
NOTA PRÉVIA
Relatório científico de Pesquisa de Iniciação Científica aprovada pelo
Conselho de Ensino e Pesquisa da PUC-SP, subsidiado pelo PIBIC-CNPq
e desenvolvido no período de agosto de 2012 a julho de 2013.
3
Resumo: O objetivo desta pesquisa é analisar a relação do sujeito
esquizofrênico com o laço social a partir de um levantamento bibliográfico,
propondo uma reflexão da condição humana nessa psicopatologia. Será
considerado o contexto histórico da esquizofrenia. Também será realizada uma
interlocução entre a Psicopatologia Fenomenológica e a Psicanálise Freudiana
a respeito da esquizofrenia. Soma-se à pesquisa uma breve experiência clínica
de atendimento voluntário a pacientes psicóticos num grupo terapêutico de
reflexão em que, em conclusão, para atender a demanda de alguns pacientes,
bem como uma possibilidade de estabelecimento de vínculo, laço social com o
esquizofrênico, segundo uma perspectiva freudiana, será apresentada uma
proposta de intervenção clínica em “educação terapêutica” através do ensino
de língua e cultura estrangeira como recurso terapêutico no tratamento de
pacientes esquizofrênicos em um hospital psiquiátrico, refletindo sobre a
introdução de outro idioma - a língua espanhola - como terceiro na relação
sujeito esquizofrênico - língua materna. As principais contribuições serão as de
Freud, da Psicanálise, da Psicopatologia Fundamental, da Psiquiatria e da
Psicopatologia Fenomenológica.
Palavras-Chave: Esquizofrenia, Psicanálise, Psicopatologia Fundamental,
Psicopatologia Fenomenológica, Língua Estrangeira.
7.00.00.00-0 – CIÊNCIAS HUMANAS
7.07.00.00-1 – Psicologia
4
Sumário
Resumo ............................................................................................................. 3
Primeira Parte - Relatório de atividades ............................................................ 5
Segunda Parte - Relatório Científico ................................................................29
Introdução .........................................................................................................29
Objetivos ...........................................................................................................31
Metodologia ......................................................................................................31
A evolução histórica do conceito de esquizofrenia e demência precoce .........32
Tratamento da esquizofrenia – uma possibilidade de laço? ............................44
Esquizofrenia e demência precoce em Freud ..................................................48
O diálogo entre as Psicopatologias sobre a esquizofrenia ...............................55
Esquizofrenia e laço social ...............................................................................63
Esquizofrenia e laço social em Freud ...............................................................69
Tratamento da esquizofrenia - uma proposta de intervenção clínica com
pressupostos freudianos ........................ ..........................................................81
Conclusão .........................................................................................................82
O ensino de língua estrangeira como recurso terapêutico no tratamento de
pacientes esquizofrênicos .................................................................................82
Referências bibliográficas .................................................................................90
Anexos ..............................................................................................................94
Relatório do Estágio em Psicopatologia Fundamental ....................................94
Cronograma da Monitoria de Psicanálise em Freud .......................................96
Pôster: Esquizofrenia como pathos e tratamento clínico em Freud ................98
5
Primeira Parte: Relatório de Atividades
Os primórdios da concepção desse projeto de pesquisa surgiram no 2º
ano (4º semestre) do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, quando o professor Manoel Tosta Berlinck apresentou aos
alunos da graduação uma palestra sobre Pesquisa em Psicanálise a convite do
professor Marcelo Sodelli da disciplina de Modelos de Investigação.
Posteriormente, a pesquisadora comunicou o interesse em realizar a
Iniciação Científica com o professor Manoel Tosta Berlinck como orientador da
pesquisa. Após a delimitação do tema de pesquisa (Psicose) e mais
especificamente Esquizofrenia, a pesquisadora direcionou sua escolha às
disciplinas eletivas da Faculdade, cursou “Psicose: uma herança Psíquica?”
lecionada pelo professor Hemir Baricão no primeiro semestre de 2012 e
“Psicose em Freud e Winnicotti” lecionada pelas professoras Chu Regina
Cavalcanti e Paula Perón no segundo semestre de 2012. E também “Pesquisa
em Psicanálise” disciplina ministrada pela professora Elisa Cintra também no
sexto período.
Nessas disciplinas foram realizadas várias leituras sob o referencial
psicanalítico e elaborados trabalhos específicos para as avaliações dessas
matérias que muito contribuíram para a ampliação do tema da pesquisa.
A presença e o contato com o professor orientador Manoel Tosta
Berlinck
foi
semanal.
Quinzenalmente,
a
pesquisadora
participou
do
Laboratório de Psicopatologia Fundamental às quintas-feiras das 9h00 às
12h00. O professor orientador, a pesquisadora e os membros do Laboratório
compartilhavam comentários das pesquisas, lidas com antecedência, e
ofereciam também possíveis indicações bibliográficas.
Alternavam-se às aulas do Laboratório, quinzenalmente, os seminários
ministrados pelo professor Manoel Tosta Berlinck. O primeiro seminário
assistido pela aluna foi sobre O método Clínico no 2º semestre de 2011.
Nesse curso, o professor Manoel Tosta Berlinck deu orientações
pertinentes que foram úteis à pesquisadora posteriormente. Por exemplo,
mencionou que o pensar é para depois da clínica. Na clínica, o que precisa
prevalecer é o devanear, o sonhar, o que brota. Pois, a clínica voltada para o
pensamento afasta-se da psicanálise.
6
Não obstante, o professor destaca a importância da pesquisa e da
reflexão ao dizer que apesar de a clínica ser de uma realidade, e a escrita de
outra, a escrita tenta dar um sentido racional ao trabalho da clínica, que é
inapreensível.
A continuidade da clínica e a escrita transforma a vivência em uma
experiência, o clínico compartilha consigo mesmo a partir da escrita aquilo que
foi vivido na clínica. Coloca em palavras o vivido. E deve escrever sobre uma
questão enigmática.
A clínica é um trabalho que tanto o clínico quanto o paciente pagam, o
clínico faz um esforço penoso e o paciente também precisa se esforçar. O
professor disse ainda que o trabalho psíquico é um esforço penoso, mesmo o
sonho é uma loucura, como diz Freud é uma psicose controlada. Há pessoas
que sonham de olhos abertos, isso é crise. Na crise, a mudança na imagem
corporal altera as identificações. De repente, a identidade deixa de ser.
No filme “Uma Mente Brilhante”, o professor comenta que o personagem
se dá conta que enlouqueceu quando percebe que a menina (alucinada) não
envelhece. Ele consegue estabelecer distância. A dissolução da transferência é
a distância que se estabelece entre eu e o outro.
Segundo o professor, a identificação é uma dinâmica interminável. E a
sanidade é a capacidade de não ficar consumido pela identificação e deslocar
dos objetos. È possível, mesmo em caso de psicose, estabelecer relações
objetais. E a livre associação permite outros objetos de amor.
Essas
comunicações
foram
relevantes
para
a
pesquisadora
especialmente porque durante o período da pesquisa, ela realizou um trabalho
clínico voluntário de atendimento a pacientes psicóticos em uma Casa de
Saúde, que será relatado posteriormente, e esta experiência acrescentou ricas
reflexões à pesquisa, e foram aplicadas tais valiosas informações dessas
aulas.
As considerações sobre Melancolia e Mania foram realizadas no 1º
semestre de 2012 com continuidade no 2º semestre de 2012 e abarcaram
temas psicanalíticos como a Perda, Narcisismo Primitivo, a Concepção
Psíquica e o Infantil e no 1º semestre de 2013 considerou-se a Neurose
Obsessiva.
7
As orientações específicas do professor Manoel Tosta Berlinck à
pesquisadora após o início do projeto foram, primeiramente, iniciar o trabalho
de reunir o que ela chamou de “Compilado das Obras de Freud”, que consistiu
em buscar no índice remissivo de todos os 24 volumes das obras de Freud, as
palavras esquizofrenia, melancolia, mania, paranoia e psicose, e digitar
arquivando em pastas todo o conteúdo.
A seguinte orientação foi iniciar a escrita sobre esquizofrenia. Ao passo
que a pesquisadora contextualizou historicamente o conceito de esquizofrenia
e fez um esboço sobre o diálogo entre a Psicopatologia Fenomenológica e a
Psicanálise Freudiana, o professor disse ter lido o texto e ter ficado feliz com
ele. Acrescentou que no texto, a pesquisadora avançou e a pesquisa é sempre
um avanço paulatino em direção à compreensão de um fenômeno. Então
propôs que ela continuasse a trabalhar nos textos de Freud.
Além disso, o professor destacou que seria muito interessante se a
pesquisadora investigasse o conceito de dementia praecox e esquizofrenia em
Kraepelin e em Kurt Schneider. Depois disso, seria muito importante pesquisar
um pouco mais de Eugen Bleuler, que foi um clínico fantástico.
Disse também que o capítulo sobre a esquizofrenia na psiquiatria
fenomenológica poderia ficar para mais tarde. Mas, ele seria importante.
Para tudo isso, o professor disse que seria interessante ir a esses
autores e deixar de lado, agora, os manuais de psiquiatria, que são muito úteis
para dar um panorama.
Em uma orientação posterior, o professor sugeriu a leitura do livro de
German E. Berrios e Roy Poter. Uma história da Psiquiatria Clínica - II. As
psicoses funcionais. São Paulo: Escuta, 2012.
No 1º semestre de 2013, a pesquisadora escreveu seu projeto para o
Trabalho de Conclusão do Curso de Psicologia com o tema “O ensino de língua
e cultura estrangeira como recurso terapêutico no tratamento de pacientes
esquizofrênicos”
que
será
uma
continuidade
teórica
e
prática
das
considerações trabalhadas paralelamente nessa pesquisa de Iniciação
Científica.
As orientações do professor, as investigações da pesquisadora e as
atividades acadêmico-culturais contribuíram muito para a construção da
presente pesquisa.
8
E outra atividade de grande importância foi o estágio em Psicopatologia
Fundamental realizado entre fevereiro e agosto de 2012, cujos trabalhos
principais foram: a organização
do V Congresso Internacional de
Psicopatologia Fundamental e XI Congresso Brasileiro de Psicopatologia
Fundamental - 2012 e as atualizações dos sites Laboratório de Psicopatologia
Fundamental
Pesquisa
www.psicopatologiafundamental.org
em
e
da
Associação
Psicopatologia
de
Fundamental
www.fundamentalpsycophatology.org. (Relatório em anexo).
Tal estágio por ser remunerado forneceu a possibilidade financeira para
a presença da pesquisadora nos Congressos, o que consequentemente,
contribuiu para a produção dessa pesquisa.
A presença da pesquisadora no V Congresso Internacional de
Psicopatologia Fundamental e XI Congresso Brasileiro de Psicopatologia
Fundamental – 2012 e participação com a apresentação do Pôster
Esquizofrenia como pathos e tratamento clínico em Freud (publicado nos Anais
do Congresso e em anexo), envolveu uma pesquisa prévia com leitura de
textos de Freud, da psicanálise, teses e dissertações, bem como artigos da
Revista Latinoamericana de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental. Nesse
Congresso cujo tema: Dietética Corpo Pathos, a pesquisadora pode apreciar
várias apresentações, algumas dessas, relacionadas a seu tema de pesquisa.
Outra Conferência relevante para a presente pesquisa foi a palestra de
Gabriel Lombardi, com o tema “Delírio, discurso e verdade: o sujeito psicótico e
o laço social” proferida em espanhol no dia 01/11/2012 na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.
Nessa palestra, o conferencista afirmou que podemos falar não somente
em pacientes psicóticos, com também em analisantes psicóticos.
Citando “O Seminário XVI” de Lacan, o palestrante mencionou que
nesse texto, o autor descreve a ruptura dos laços sociais por meio da
passagem ao ato, seja o ato suicida, o crime ou a fuga. Destacou que para
Lacan, nesses casos, rompem-se as cadeias borromeanas do laço social, ou
melhor, do nó social, do laço com o desejo do outro.
Então, quando um psicótico chega à ruptura do laço, como pode ter e
buscar laço com o analista? Como se demanda a busca pela análise?
9
Após descrever e explicar o famoso esquema de Lacan sobre o discurso
do amo, Gabriel Lombardi apontou que há quatro formas fundamentais de laço
e mencionou seu livro Delírio y lazo social.
De acordo com o conferencista, o amo ocupa o lugar de prestígio, da
ordem. O amo identifica-se com a demanda, “governa” sobre o escravo que
obedece. No capitalismo, o amo apreende o saber das máquinas e que,
consequentemente, os escravos que vendem sua força de trabalho podem ser
substituídos. Outra das formas de laço social, a partir de Freud, mencionada
pelo palestrante, é o sintoma histérico, o laço social histérico.
Citando “O Seminário III”, de Lacan, Gabriel Lombardi diz que na
psicose é melhor não interpretar. Pois, com o psicótico o analista não pode
brincar com as interpretações e fazer um jogo com o que lhe ocorre a partir do
que diz o paciente, porque, segundo o palestrante, o psicótico não possui a
metáfora paterna como princípio da linguagem. E isso poderia irromper uma
passagem ao ato.
Nesse sentido, a atitude do analista em relação ao analisante deve ser
de estrita submissão, deve haver uma destituição subjetiva do analista, sair da
posição de divisão.
O palestrante mostrou um esquema em que, basicamente, em
comparação com a perversão e a neurose, na psicose o grau de referência ao
pai é consideravelmente menor, porém, em relação às essas outras estruturas
subjetivas a psicose não é tão deficitária assim, pois nela, de acordo com
Gabriel Lombardi, o grau de liberdade é maior.
O palestrante destaca que ao passo que o paciente apenas padece, o
psicótico é também ativo, agente do discurso. E ao analista cabe escutar o
diálogo amoroso, psicotizado desse paciente em que a alienação consiste na
eliminação do outro.
Quanto à transferência, Gabriel Lombardi menciona que existe e é
plena. E acrescenta que o psicótico tem liberdade, o que não significa que não
se possa voltar aos laços sociais.
Em seu discurso, o palestrante chamou de próteses sociais as tentativas
de restabelecer laços sociais por meio, por exemplo, da musicoterapia nos
casos de psicose.
10
Quanto ao movimento antimanicomial e ao excesso de medicação,
Gabriel Lombardi afirma que em substituição à camisa de força, há a camisa
química, que pode ter o efeito de manicômio químico pessoal.
Gabriel Lombardi mencionou também a necessidade de incluir a
foraclusão. E não pensar apenas na realidade compartilhada, pois a realidade
do psicótico é mais forte. Mencionou que no texto “Psicologia das massas”,
Freud aprofunda a questão dos laços sociais.
Acrescentando que na análise, há um lugar para o delírio, o palestrante
afirmou que é necessário escutar sem julgar, ou seja, que não temos o direito
de dizer o que não é realidade, pois devemos ser respeitosos, porque não
somos os amos da realidade.
A palestra encerrou-se com a discussão da possibilidade de passe para
que psicóticos possam ser analistas, e destacou que é necessário deixar de
lado os preconceitos. E que em uma sociedade que o perverso não esconde
sua perversão, o psicótico não deve precisar esconder sua psicose.
Nessa palestra acima citada, a pesquisadora encontrou-se com a
psicóloga Silvana Rabello, uma das palestrantes que esteve presente nos
Congressos já mencionados, e a pesquisadora manifestou seu interesse em
participar de alguns encontros, reflexões e discussões de casos do Espaço
Palavra que é um Laboratório na PUC-SP em que os psicólogos atendem
crianças, adolescentes e adultos com estrutura psíquica como o autismo e a
psicose.
Após a autorização de Silvana Rabello, a pesquisadora participou dos
encontros com o compromisso de manter sigilo como postura ética. Participar
desse lugar em que se dá espaço para a palavra do paciente através do clínico
que o atende foi uma experiência muito importante, pois, contribuiu para o
contato com casos vivos, reais, em que se pode sentir a vivência clínica mais
próxima.
A pesquisadora também participou da assistência do Simpósio
“Esquizofrenia como eu diagnostico e trato” realizado no dia 24/11/2012 no
Anfiteatro do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas FMUSP, uma
realização do Programa Esquizofrenia – PROJESQ IPQ HC FMUSP e do CEIP
– Centro de Estudos do Instituto de Psiquiatria.
11
Na comissão organizadora estavam Hélio Elkis e Mario Louzã, autores
que a presente pesquisa fará posteriores referências bibliográficas.
Na Mesa 1: “Pródromo e 1º Episódio”, com o subtítulo “Período
prodrômico e identificação do primeiro episódio psicótico” participaram o
médico Pedro Gordon e as psicólogas Paula Martins e Priscila Gonçalves.
O período prodrômico foi chamado de “janela de oportunidades”, pois é
o período em que uma intervenção imediata pode diminuir possíveis riscos e
prevenir maiores danos que uma psicose talvez acarrete.
Os palestrantes informaram a duração de uma psicose não tratada, que
abarca um primeiro período de episódio agudo, episódio psicótico, seguido de
um segundo período, o crítico. E definiram a síndrome de psicose atenuada
que possui como característica os delírios, as ideias deliróides e as
alucinações.
No relato de um caso clínico, os autores acrescentaram que no período
prodrômico os sintomas psicóticos estão atenuados, entre esses foram
relatados que o paciente apresentava persecutoriedade infundada, porém com
crítica, alterações da percepção do ambiente, alterações formais do
pensamento e pseudoalucinações auditivas, mas mantinha a crítica.
Após mencionarem que havia alto risco para psicose, acrescentavam-se
outros fatores como risco genético, queda do desempenho funcional e redução
do funcionamento global.
Foi destacada a importância da identificação dos sintomas prodrômicos:
evitar as quantidades e a ocorrência de um segundo episódio psicótico.
No entanto, no caso relatado houve um primeiro episódio que foi
chamado de “Psicose Franca” em que o paciente apresentou perda da crítica
com relação às alucinações e perda da crítica também referente às ideias de
persecutoriedade e auto referência, além de apresentar comportamento hostil.
A seguir, houve remissão após o primeiro episódio, remissão dos
sintomas, reaparecimento da crítica, mas com persistência dos sintomas
cognitivos, acrescido de um episódio depressivo. Por fim, o paciente
apresentou uma recuperação funcional, voltou às suas atividades físicas, as
sociais e apresentou um bom desempenho laboral.
12
Com o subtítulo “Cognição e funcionamento social”, as psicólogas
expuseram que as alterações cognitivas estão presentes desde os sintomas
prodrômicos, bem como o prejuízo funcional e as dificuldades sociais.
As expositoras mencionaram que para a avaliação do funcionamento
social contam com os seguintes recursos: GAF – Escala de Funcionamento
Global (DSM – IV) e a PSP – Escala de Performance Social e Pessoal
(Menezes e cols. 2012) que avaliam as atividades sociais úteis e as relações
pessoais, como por exemplo, o cuidado.
Outro recurso psicológico disponível é a Avaliação Neuropsicológica,
que inclui testes que avaliam a organização cerebral, particular de cada
paciente, medem-se as funções cognitivas, executivas (relacionadas ao
planejamento), os processos atencionais, a praxia construtiva, a linguagem e
os processos mnêmicos.
Traçou-se o panorama do atendimento na rede pública, destacando as
intervenções economicamente viáveis, que os testes não padronizados são
limitadores e que os Centros de saúde inserem a rotina de avaliação
neuropsicológica. Também se deu importância à habilitação.
Sob o tópico “Prevenção de recaída após o 1º episódio psicótico:
orientação familiar”, as autoras disseram que as recaídas interferem no
funcionamento social e vocacional. Como fatores de risco de sintomas
psicóticos apontaram a medicação, a dependência de substâncias e as críticas
de cuidadores ou “emoção expressa”.
As técnicas de prevenção consideradas foram a psicoeducação, a
orientação familiar, as estratégias cognitivo-comportamentais e planos
individualizados para gerenciamento de crises.
Destacou-se quanto à orientação familiar e à psicoeducação, a
importância de explicar o que é a doença, qual seu curso e expectativas, bem
como entender como se dá o relacionamento familiar e a perplexidade da
família e orientá-la que, em geral, a doença tem curso crônico, mas, pode
ocorrer remissão completa ou parcial dos sintomas com o tratamento
medicamentoso, o que pode significar um melhor prognóstico.
Tratar o paciente inclui o acolhimento das angústias do cuidador, e
também os sentimentos de raiva, frustração e culpa, enfatizando que é
13
necessário
respeitar
as
limitações
iniciais,
mas
sempre
promovendo
estimulação para o retorno das possibilidades e habilidades do paciente.
Como benefícios da orientação familiar, mencionou-se o aumento da
adesão ao tratamento e a melhor capacidade de enfrentar as situações
cotidianas.
Sob o tema “Tratamento”, Mario Lousã apontou dois objetivos: timing e
qualidade. Quanto ao primeiro, refere-se à redução do tempo em iniciar o
tratamento, e o segundo, à provisão de um tratamento abrangente.
O palestrante mencionou que se busca o máximo efeito terapêutico com
mínimo efeito colateral. Advertiu que no início do tratamento, os médicos
devem prescrever baixa dose de antipsicóticos, com aumento lento e gradual,
se houver agitação administrar também um benzodiazepínico.
Orientou os médicos ainda que se a resposta for suficiente, eles devem
verificar as razões, se for insuficiente, devem optar pela clozapina. Acrescentou
que a medicação injetável de longa ação é prescrita em caso de má adesão ao
tratamento. E por fim, afirmou que se o paciente não responde a dois
antipsicóticos é refratário.
Ainda na Mesa 1, sob o tópico “Abordagens psicossociais”, mencionouse a importância do tratamento no “período crítico” com fármacos e as
intervenções psicossociais.
Foi acrescentado que o fim da adolescência e início da idade adulta
marca um período em que, geralmente, ocorre a eclosão de vários quadros
psiquiátricos inclusive a esquizofrenia.
Destacou-se também que o efeito colateral da medicação pode ser a
lentificação ou apatia – sintomas negativos.
Na Mesa 2: “Múltiplos episódios e pacientes não aderentes, recaídas e
seu manejo”, Vivian Hirode explicou que embora não haja consenso no
conceito de recaída para a esquizofrenia, é importante evitar as pioras
sintomáticas. E destacou que é importante a prevenção, pois as recaídas são
cerebrotóxicas, proporcionam diminuição do grau e duração de remissão, piora
do funcionamento, e desenvolvimento da refratariedade, além de ser
sociotóxica, ou seja, ocasionam perda de integração social e vocacional.
A psiquiatra citou como fatores não modificáveis do paciente que
contribuem ao mal prognóstico ser homem, solteiro e possuir deficiência
14
intelectual. Quanto aos modificáveis que indicam comorbidade, ela mencionou
o abuso de drogas, transtorno de humor e as dificuldades familiares e sociais.
O tratamento apontado pela médica é o farmacocinético associado a um
programa de reabilitação.
Quanto ao curso natural da esquizofrenia, a palestrante mencionou a
exarcebação, baixa adesão ao tratamento, negação da doença, prejuízo no
insight, disfunção sexual, sintomas extrapiramidais e discinesia tardia.
Referente aos fatores psicossociais, a médica citou a falta de suporte
social,
família
ausente
ou
“desestruturada”,
ambiente
desfavorável,
desemprego, rede de apoio reduzido, uso de substâncias e preconceitos.
Ao destacar os objetivos do tratamento a psiquiatra mencionou a
melhora da qualidade de vida e a reinserção na sociedade e que o tratamento
farmacológico é contínuo e os antipsicóticos atípicos devem ser administrados
sempre que possível.
Sob o tema “Manejo da falta de adesão ao tratamento”, o psiquiatra
Ivson Tassell disse que apesar de demandar tempo, deve-se fazer a contagem
da medicação e a dosagem do nível sérico. A opção então é a medicação de
depósito, melhoram a adesão e promovem menor flutuação do nível. Porém, a
desvantagem é que os pacientes não gostam de tomar injeção, pois são
dolorosas.
Depois a psicóloga Elaine Di Sarno falou sobre Orientação familiar nas
recaídas e falta de adesão e mencionou que o ambiente familiar pode
representar uma sobrecarga de emoções expressas, que são críticas e
comentários com tonalidade crítica, negatividade e hostilidade.
Na Mesa 3: “Esquizofrenia refratária e super-refratária”, sob o título “O
que é esquizofrenia refratária e como identifica-la”, a psiquiatra Belquiz Avrichir
explicou que o tratamento é refratário quando resiste a antipsicóticos que não à
clozapina. Segundo a médica, nesses pacientes é maior o número de
internações e as taxas de suicídio, apresentam uma pior qualidade de vida,
maior gravidade psicopatológica, maiores perdas cognitivas e altos custos
financeiros e sociais. Mas, é necessário checar se o paciente não é aderente
ao tratamento.
Destacando a diferença entre cronicidade e refratariedade, a palestrante
mencionou que, a primeira, relaciona-se com o tempo e a persistência dos
15
sintomas. Quanto à segunda, não há relação com a psicopatologia, nem com o
tempo, mas com o resultado, o paciente só responde à clozapina.
Com o tema “Como tratar a esquizofrenia refratária”, a médica psiquiatra
Monica Kayo mencionou o IPAP que é o Algoritmo para o tratamento da
esquizofrenia. Acrescentou que os quatro principais fármacos utilizados no
tratamento da esquizofrenia são: amisulprida, olanzapina, clozapina ou
ziprazidona. A médica explicou que a remissão ocorre quando é mantida a
sintomatologia em nível leve e com bom funcionamento.
Sobre
a
clozapina,
explicou
que
foi
descoberta
em
1958
e
comercializada em 1970, mas que foi interrompida devido a mortes por
glanulocitose. E que mesmo os antipsicóticos de 2ª geração todos são
bloqueadores D2, mas nenhum possui a eficácia da clozapina.
A olanzapina e a clozapina apresentam maiores riscos metabólicos,
como a irrupção de diabetes. A médica advertiu que se deve evitar a retirada
da clozapina, pois pode resultar no rebote colinérgico – náusea, diarreia,
agitação e uma psicose sem volta.
Com o tema “O que é esquizofrenia super-refratária e como tratá-la”, o
palestrante Hélio Elkis disse que a clozapina mantém os pacientes longe da
internação e mencionou que a esquizofrenia super-refratária ocorre quando há
resistência ou resposta parcial ou incompleta à clozapina e citou seu livro
Therapy – resistent schizophenia.
Também reforçou que não se deve suspender a clozapina devido ao
risco de psicose por rebote colinérgico. E se não houver melhora o médico
deve associar ECT (eletroconvulsioterapia) ou CMT com TCC (Terapia
Cognitivo Comportamental).
Na Mesa 4: “Papel das intervenções psicossociais na reabilitação e
reintegração”, com o tema Terapia ocupacional, a terapeuta Adriana Vizzotto,
mencionou
atividades
do
cotidiano
na
reabilitação
de
pacientes
esquizofrênicos. Com esquizofrênicos refratários atividades cognitivo-funcional,
higiene e autocuidados e atividades básicas e instrumentais de vida diária.
Foram citadas pela terapeuta métodos de treino de habilidades como
aprender a estabelecer e alcançar metas, as realizações de tarefas e
monitoração dessas com fichas avaliadoras do funcionamento executivo que
16
dizem: pare e pense – defina as metas – planeje – execute – avalie, fichas que
trabalham a iniciativa, a persistência, o sequenciamento e o monitoramento.
Com o tema “Reabilitação Cognitiva”, a psicóloga Marisa Crivelano citou
de acordo com Kraepelin, que na esquizofrenia pode haver prejuízos cognitivos
e esse serviço de psicologia se propõe a oferecer a reabilitação cognitiva, às
vezes por meio de softwares ou métodos de repetição com treinos de cálculos.
Outra psicóloga Graça Maria R. de Oliveira discursou sobre o tema
“Treinamento
de
habilidades
sociais”,
destacando
a
importância
da
socialização no desenvolvimento da criança. Mencionou também que os
comportamentos que emitimos quando estamos em relação influenciam nossos
sentimentos, atitudes, desejos e opiniões ou direitos individuais.
A psicóloga destacou a importância de impor-se em situações sociais
defendendo seus próprios interesses, o que favorece a construção de
relacionamentos e a necessidade de ser capaz de dizer não. E apresentou
técnicas e conceitos da TCC – Terapia Cognitivo Comportamental.
E mais especificamente sob o título “Terapia Cognitivo Comportamental”,
a psicóloga Isabel Napolitano, apresentou um relato de caso com filmagem da
paciente e técnicas dessa abordagem psicológica.
Na palestra de “Encerramento”, os psiquiatras Mário Louzã e Hélio Elkis
enfatizaram a importância de um tratamento com identificação precoce da
psicopatologia,
tratar
o
1º
episódio
rigorosamente
pela
“janela
de
oportunidades”.
Aos médicos foi destacado que é necessário introduzir a clozapina
rapidamente, evitar politerapia, ou seja, polifarmácia de antipsicóticos. Propiciar
um tratamento de manutenção contínuo, sem a interrupção do antipsicótico.
Estar atento à adesão do paciente. Utilizar antipsicóticos injetáveis de longa
ação. Cuidar das comorbidades físicas e mentais e dos efeitos colaterais dos
medicamentos, bem como da depressão e possível uso de drogas.
Os palestrantes finalizaram o Simpósio destacando que se devem
utilizar todos os recursos e abordagens psicossociais e manter uma postura
otimista cautelosa perante o paciente e sua família e assim evitar que ocorram
as “profecias autorrealizadoras”.
17
A assistência a esse Simpósio agregou preciosas informações médicas
e técnicas. No entanto, mostrou a ausência, ou melhor, inexistência de um
psiquismo na psicopatologia ainda que também psiquiátrica.
Ainda outra atividade importante para a presente pesquisa foi uma visita
da pesquisadora à Instituição Lugar de Vida.
O Lugar de Vida é um Centro de Educação Terapêutica que atende
crianças e adolescentes com problemas psíquicos, entre esses os Transtornos
Globais do Desenvolvimento (autismo e psicoses infantis) e atua no tratamento
e acompanhamento escolar desses sujeitos.
A instituição Lugar de Vida1 iniciou suas atividades em 1990 como
serviço do Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento
e da Personalidade do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
(PSA-IPUSP). Fundado por Maria Cristina M. Kupfer, docente daquele
departamento, e dirigido também naquela ocasião por Lina G. Martins de
Oliveira e por Marize Lucila Guglielmett.
A fundadora do Lugar de Vida, Maria Cristina M. Kupfer cursou
Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP),
Brasil, (1974) e mestrado e doutorado em Psicologia escolar nessa mesma
instituição. Maria Cristina M. Kupfer é editora da revista Estilos da Clínica
(USP) e além de ser autora de diversos livros e numerosos artigos publicados
em revistas indexadas é também membro da Associação Universitária de
Pesquisa em Psicopatologia Fundamental2.
Inicialmente o Lugar de Vida oferecia atendimento apenas a crianças.
Após cinco anos de trabalho a partir de sua fundação passou a chamar-se Préescola terapêutica Lugar de Vida, na qual se iniciou a prática da Educação
Terapêutica que tem como objetivo não apenas tratar, nem apenas treinar, mas
sim, tratar e educar.
1
2
http://www.lugardevida.com.br acessado em 02/12/2012 às 12h10
http://www.fundamentalpsychopathology.org/pagina-profa-dra-maria-cristina-m-kupfer-74 acessado em 02/12/2012 às
14h51
18
O Lugar de Vida permaneceu na USP durante 18 anos, mas devido às
demandas de atendimento, ampliou suas atividades e atende diversas classes
socioeconômicas e diferentes tipos de sofrimentos psíquicos.
Entre os tratamentos oferecidos pela Clínica do Lugar de Vida estão os
Grupos de Educação Terapêutica, que seguem as mesmas bases do
tratamento psicanalítico individual, porém com os princípios de que o encontro
da criança com outras crianças num grupo heterogêneo e com um foco que
inclua a escrita e os jogos, proporciona um abrangente resultado educativo e
terapêutico.
Outra modalidade de atendimento oferecida pelo Lugar de Vida é o
tratamento psicanalítico individual que busca a organização ou reorganização
da imagem corporal que se encontra perturbada nos casos dos transtornos de
desenvolvimento, a instituição ou enriquecimento do mundo da fantasia e do
brincar, a instituição do mundo das regras e das leis e a ordenação da relação
da criança com a linguagem e com o outro.
O Núcleo de Intervenção na Primeira Infância (NIPI) é outra criação do
Lugar de Vida e visa a Intervenção Precoce atuando no acompanhamento paisbebê, além de fornecer assessoria a equipes que trabalham com a primeira
infância como creches, escolas, hospitais, etc.
Outra forma de atendimento que o Lugar de Vida oferece é o
Acompanhamento escolar. Segundo a visão do Lugar de Vida, a educação é
uma ferramenta terapêutica e a escola é entendida como discurso social, que
oferece à criança as leis que regem as relações entre os humanos.
Há três modalidades de acompanhamento escolar. A primeira é o
Acompanhamento à distância, uma parceria entre a escola e a instituição de
tratamento, em que o profissional do Lugar de Vida vai à escola oferece um
espaço de escuta e de interlocução com o professor e outros membros da
equipe, mas não entra na classe nem intervém diretamente com a criança.
A
segunda
modalidade
de
acompanhamento
escolar
é
o
Acompanhamento de professores inclusivos por meio de reuniões mensais na
sede do Lugar de Vida através do Grupo Ponte, cujas reuniões são abertas e
ocorrem sempre na terceira terça-feira de cada mês. A pesquisadora teve a
oportunidade de estar presente em um desses encontros como convidada.
19
Tratou-se de uma reunião de professores realizada no dia 27/11/2012
sob a direção de Maria Eugênia Pasaro e Marise Bartolozzi Bastos em que,
primeiramente, os participantes fizeram uma breve apresentação de si. Logo,
iniciou-se o relato de alguns “casos” de acompanhamento com preciosas
contribuições de comentários das dirigentes da reunião.
Considerou-se, por exemplo, que a escola, os professores e também os
alunos devem envolver a criança para que ela se envolva. Pois, talvez assim os
projetos pedagógicos tenham mais êxito, se a criança se sentir convocada a
participar e se perceber como parte integrante do grupo.
Destacou-se também que o nome inclusão já marca a existência de uma
segregação e o importante papel do Lugar de Vida como um espaço
terapêutico em que o atendimento e procedimento respeitam a individualidade
e a singularidade. Outro ponto importante é a necessidade de investimento da
escola para pensar a inclusão, ou seja, os esforços para superar preconceitos
e limitações.
A inclusão surge como um caminho a ser construído com a criança, a
escola, os pais e o espaço terapêutico, pois não há uma cartilha pronta, os
desafios precisam ser lidados a partir da experiência.
Uma terceira forma de acompanhamento escolar é a parceria orgânica
com a escola, em que o profissional vai à escola com regularidade, permanece
no pátio, entra na classe, acompanha os movimentos, trabalha com a criança e
ao lado da professora quando necessário, e ao fim do dia discute com a
professora e a orientadora as experiências e práticas vividas em conjunto.
A Associação Lugar de Vida incrementou sua montagem institucional de
tratamento às psicoses infantis com a inserção do Acompanhamento
Terapêutico (AT) como dispositivo de tratamento.
Tal passo realizado pela instituição está em conformidade com a proposta
de Kupfer (2000), ao incluir no debate sobre a educação a contribuição da
psicanálise. Desse modo, a autora, entre outras reflexões, problematiza a
educação como oferta de laço social para crianças com graves
comprometimentos emocionais, a ponto, inclusive, de sustentar uma
aproximação da noção de sujeito do inconsciente frente a essa oferta de
laço, ao invés de tomar essas mesmas crianças como objeto colocado
3
frente ao outro. (HERNNAM, 2010)
3
HERNNAM, M. C. Acompanhamento terapêutico, sua criação em uma montagem institucional de tratamento e as
ofertas de laço social. Estilos clin. vol.15 no.1 São Paulo jun. 2010.
20
Visto que para muitas crianças e adolescentes com grande sofrimento
psíquico, a circulação pelos espaços da cidade e o contato com outras pessoas
são vividos como experiências invasivas e ameaçadoras, faz-se necessária a
construção do laço social e da inserção social, então o AT oferece a
possibilidade de estar com a criança em lugares externos à instituição de
tratamento, como a escola, parques, shoppings, ruas ou até mesmo em casa.
No entanto, a configuração do acompanhamento será construída de acordo
com os interesses, possibilidades de cada criança e do momento em que esta
se encontra.
Outro diferencial no tratamento clínico do Lugar de Vida é o atendimento
aos pais. Cada criança e sua família possuem um profissional da equipe,
chamado de “profissional referência”, que é o elo entre as questões e
demandas da criança e sua família e a construção de um projeto clínico
particularizado na instituição. Há o Grupo de pais que fazem parte de um
encontro semanal em que são abordadas as circulações discursivas sobre as
crianças.
Além disso, há os Eventos temáticos e sociais que são ocasiões
importantes para o encontro informal entre os pais, os profissionais da equipe e
os convidados externos à instituição em que podem ocorrer através de
palestras com temáticas diversificadas, exibição de filmes e outras atividades
culturais.
Por fim, há o atendimento fonoaudiológico às crianças com dificuldades
de fala e linguagem atendidas na instituição. O trabalho é realizado com a
montagem da cena de alimentação, e as crianças são convidadas a participar
de todo o processo, desde a escolha, a preparação dos alimentos e seu
cozimento até, finalmente, o momento de sentar-se à mesa para compartilhar
uma refeição.
Convém considerar ainda a importante posição do analista diante do
tratamento de uma criança psicótica, pois tal questão,
parece relevante quando se considera a complexidade que a psicose infantil
implica, e que na prática faz surgir um mal entendido: analista e/ou
educador? Se de um lado, está colocada a problemática em termos da ética
dos profissionais, especialmente atualizada com a política de inclusão, de
outro, está a criança que sofre e é nome dela que se justifica tal discussão.
21
(...) tais impasses evidenciam um mal estar. E Freud no ensina que, diante
4
do mal estar, a psicanálise não deve recuar. (GAVIOLI, 2006)
A prática clínica renova a teoria e movimenta um repensar, além de
acrescentar novas descobertas.
Portanto a educação terapêutica pode atuar unida ao trabalho da criança
psicótica e do seu analista.
A participação da aluna pesquisadora na assistência à palestra
“Transtornos psiquiátricos na infância e na adolescência”, no dia 07/12/2012 no
Hospital das Clínicas HCFMUSP, também foi relevante para a presente
pesquisa.
O psiquiatra Miguel Ângelo Boarati informou que os transtornos mentais
atingem cerca de 20% das crianças e adolescentes e são mais comuns na
infância com relação à adolescência. Nesse período o córtex pré-frontal está
em desenvolvimento e as influências genéticas e ambientais são fatores de
pré-disposição.
O desenvolvimento da criança envolve os aspectos físicos, cognitivos,
emocionais e sociais. E os transtornos mentais podem implicar alterações no
pensamento, nas emoções, no comportamento, nos relacionamentos e no
desenvolvimento da criança ou adolescente.
Segundo o médico, os transtornos mentais podem resultar em retardo
mental, autismo, alterações da psicomotricidade, da linguagem e dificuldades
de aprendizagem, além de alterações no apego – capacidade de se vincular,
problemas de excreção e alimentação, hiperatividade, alterações na conduta,
ansiedade e depressão.
Quanto à avaliação e o tratamento, foi indicado que são necessários
profissionais especializados e que se deve considerar a criança e sua história,
ou seja, os pais que a criam, onde ela vive e a escola que estuda. O tratamento
pode ocorrer somente após avaliação completa e com o objetivo da remissão
dos sintomas e possibilidade do desenvolvimento potencial da criança.
Sob o título “Instituto de psicologia e neuropsicologia”, psicólogas
mencionaram a importância do tratamento interdisciplinar e destacaram que o
4
GAVIOLI, C. A. Reflexões acerca do tratamento e escolarização de crianças psicóticas. An 6 Col. LEPSI IP/FE-USP
2006.
22
objetivo da avaliação psicológica deve ser o auxílio diagnóstico, possibilidade
de encaminhamento e também descobrir habilidades e potencialidades do
paciente.
O tema “Terapia Ocupacional – Hdi”, destacou que a Terapia
Ocupacional pode melhorar os aspectos pessoais, funcionais e sociais, pois
possibilita a realização de atividades do cotidiano, como tarefas de cuidados
pessoais, alimentação e higiene, também se oferecem os Grupos de Jogos e
Brincadeiras (brinquedoteca). Esclareceu-se que o objetivo é favorecer a
autonomia do paciente.
O último tema considerado “Impacto dos transtornos mentais no
aprendizado”, a professora Vanessa R. S. Pereira mencionou que o
atendimento pedagógico da Classe Hospitalar, identifica as necessidades
educacionais, as estratégias de ensino e avaliação, mantém vínculo escolar,
currículo flexibilizado, assessoria às escolas quanto à inclusão e propicia o
retorno escolar se necessário.
A professora também apontou que muitos jovens adquirem rótulos de
preguiçoso, mal educado, etc. Destacou a importância do diálogo, do incentivo
à autonomia da criança ou do adolescente, da criação de horas de estudo, de
evitar críticas negativas, mas motivar com reforços positivos, não permitir
faltas, favorecer a utilização e orientação para uso da internet, bem como
incentivar atividades culturais.
Certamente, tais informações foram importantes para a compreensão do
laço social do paciente com a escola e a necessidade do fortalecimento desse
vínculo, bem como da elaboração da “educação terapêutica” como proposta de
intervenção.
Quanto às experiências clínicas relacionadas ao tema da pesquisa,
houve a possibilidade de realizar em maio e junho de 2012 o Estágio Básico da
grade curricular da PUCSP no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Tal estágio foi realizado na enfermaria de Ansiedade e Depressão em
que se atendem desde casos de neuroses graves a psicoses, às vezes, como
precaução para a troca de medicamentos. Os residentes médicos discutiam
seus casos clínicos com um médico supervisor que os orientava e em algumas
ocasiões os residentes levavam os pacientes para entrevista.
23
Observar como alguns médicos abordam e analisam o sofrimento dos
pacientes tem sido uma rica experiência que traz uma reflexão crítica. O
método “objetivo” de alguns médicos com o discurso, muitas vezes,
restritamente direcionado aos aspectos físicos e químicos como, por exemplo,
sintomas e medicações, enfatiza a necessidade de um pensar sobre o
sofrimento psíquico e a importância de um tratamento que leve em conta
também a subjetividade.
E uma experiência que concretizou tal necessidade, foi realizada pela
pesquisadora no atendimento voluntário a pacientes psicóticos em um Grupo
terapêutico na Casa de Saúde São João de Deus.
A Casa de Saúde São João de Deus5 pertence à Ordem Hospitaleira
que é uma Ordem Religiosa laical masculina da Igreja Católica, fundada por
São João de Deus na Espanha e aprovada canonicamente em 1572.
A Casa de Saúde São João de Deus foi fundada no Brasil devido à
necessidade, na década de 80, de um atendimento especializado em saúde
mental ao público masculino. Então, o Cardeal e Arcebispo de São Paulo Dom
Paulo Evaristo Arns convidou aos Irmãos da Ordem Hospitaleira para
viabilizarem o projeto.
O contato e conhecimento da Casa de Saúde São João de Deus foram
realizados através do psicólogo coordenador do setor de Psicologia José
Waldemar Thiesen Turna, que fez parte do Laboratório de Psicopatologia
Fundamental e publicou sua dissertação de mestrado Palavras em torno do
copo em www.psicopatologiafundamental.com.br, e havia convidado os
membros do Laboratório a participarem da apresentação de paciente na Casa
de Saúde para uma discussão de caso.
Posteriormente, a pesquisadora expressou seu desejo em estar
presente na próxima apresentação de paciente. Então, José Waldemar
mencionou a possibilidade de realização do trabalho voluntário de atendimento
na Casa de Saúde.
Após uma conversa de apresentação e contrato verbal e depois escrito,
a pesquisadora iniciou o atendimento voluntário sob a supervisão de Manoel
Tosta Berlinck e coordenação de José Waldemar Thiesen Turna.
5
http://www.casadesaudesaojoaodedeus.org.br
24
Essa experiência, que será relatada em um capítulo da atual pesquisa,
possibilitou viabilizar um tratamento que considera e valoriza a subjetividade,
as supervisões com o professor Manoel Tosta Berlinck e as conversas com
José Waldemar Thiesen Turna proporcionam um espaço para a reflexão da
atuação clínica e formação profissional da pesquisadora e contribui para
reflexões sobre a presente pesquisa.
A pesquisadora esteve presente na apresentação de um paciente
esquizofrênico no dia 20/04/2013, na Casa de Saúde São João de Deus. E
José Waldemar Thiesen Turna esclareceu que o público está no lugar de
Terceiro, não ocupa o lugar de troca nem de participação durante a
apresentação, mas fornece seu olhar como atmosfera ao sujeito. Mencionou
ainda que o lugar ocupado sem interlocução é o lugar do delírio e que a
apresentação de paciente não é demonstração.
O paciente apresentado foi R. de 25 anos que começou dizendo que
Deus é seu pai, acrescentou que Jesus falava em parábolas e que ele (o
paciente) fala em dialetos, e sua nacionalidade revelada por Jesus é brasileira
– portuguesa. E acrescentou: “Deus me disse que eu sou o que sou” (sic).
Após mencionar, entre outras coisas, que ele e sua mãe vivem em
comunhão perfeita no espírito santo, que seu corpo morre e que sente a morte
do corpo através de uma sensação horrível pior do que cãibra, o paciente
relatou que não consegue trabalhar e estudar e já teve cinco tentativas de
suicídio. Disse também que aquele momento em que conversava com José
Waldemar era dádiva do espírito santo, um momento de expiação, mas que ele
já estava muito cansado, pois pensou muito e se despediu.
Depois da despedida e saída do paciente, José Waldemar perguntou
qual a impressão dos analistas sobre a apresentação desse caso. As pessoas
disseram que o paciente apresenta um pensamento claro, mas que às vezes é
difícil entendê-lo devido à sua voz “pastosa”, provavelmente efeito da
medicação e que lhes chamou atenção que ele estava cansado porque pensou
muito, mas que percebeu que todos estavam cansados e esgotados.
José Waldemar mencionou que o esforço para simbolizar é o que cansa
e que na simbolização inclui-se o simbólico, o imaginário e a realidade.
Destacou, entre outras coisas, que o delírio místico do paciente é muito
complexo e relaciona-se ao Terceiro, o pai, e o espírito santo. Acrescentou que
25
a metáfora delirante o explica, ele já esteve na posição de Javé (eu sou o que
sou), posição do Nome-do-pai. Esclareceu que o suporte da linguagem do
paciente é o pensamento e que ele usa o significante diferentemente do uso na
neurose.
Ainda relacionado a esse tema, José Waldemar destacou que a fala, o
discurso expressa o modo como nos servimos da linguagem para sustentar o
mundo e, no caso apresentado, o paciente é servido por dialetos – línguas
mortas.
Por fim, quanto ao laço social no caso desse paciente, José Waldemar
esclarece que está rompido, pois não há vínculo com o trabalho e o estudo.
Estar na posição de Terceiro como expectadora e como testemunha do
discurso do paciente, permitiu à pesquisadora observar na prática a relação
peculiar do esquizofrênico com a linguagem e sua complexa relação materna, e
no segundo momento, na discussão, pode participar da troca de impressões e
reflexões que enriqueceram o encontro.
Outra atividade importante para essa pesquisa e iniciada em fevereiro de
2013, vigente durante esse semestre e que terá continuidade no seguinte
semestre letivo, é a participação na monitoria de Psicanálise em Freud com a
professora Paula Perón.
Nessa atividade, a pesquisadora participou com a leitura de textos de
Freud, a assistência de aulas lecionadas por diversos psicanalistas e também
em atendimentos a alunos da graduação para discussão e esclarecimentos de
dúvidas sobre os textos da grade curricular de Psicanálise em Freud I e III
(cronograma da monitoria em anexo).
Tais oportunidades permitiram um aprofundamento nas obras de Freud
que serviram de base para pesquisar outros textos como os metapsicológicos e
os relacionados às psicoses e, mais especificamente, à esquizofrenia.
Além disso, os textos de Freud selecionados para a monitoria suscitaram
na pesquisadora perguntas relacionadas ao tema da esquizofrenia, em que
algumas foram incorporadas a esse trabalho de pesquisa.
Ainda outra atividade importante, desta vez cultural, realizada no dia
26/06/2013 foi uma visita ao Museu Lasar Segall com os pacientes da Casa de
Saúde São João de Deus e com dois outros coordenadores, Ilíada e Raul e
duas enfermeiras.
26
As educadoras do museu Ana Luisa e Branca Helena realizaram uma
conversa inicial sobre o Museu e a trajetória de Lasar Segall. Os pacientes
participaram ativamente com perguntas e comentários. Um dos pacientes havia
feito uma excelente pesquisa em um livro de História da Arte que encontrou no
Hospital e fez ótimas contribuições.
Na sequência, após a visita à exposição Segall Brasil 1913-2013 - 50
obras do acervo, os visitantes apreciaram as obras livremente e foi proposta
uma atividade empregando disquetes como máquinas fotográficas cuja
memória fica armazenada na mente do visitante.
Terminada esta etapa, todos se dirigiram ao ateliê onde a proposta
poética foi que as “fotografias” fossem reveladas por meio de colagem e
pintura. Todos participaram e pediram para serem fotografados.
As atividades foram finalizadas com a Ana Luiza elogiando muito os
pacientes e convidando-os para outra visita, no próximo semestre quando o
museu organizará uma nova exposição. Também, o Museu presenteou o
Hospital com dois livros sobre o artista e um quebra-cabeça que reproduz a
pintura "Navio de Emigrantes", obra analisada no museu.
Os
pacientes
apreciaram
muito
e
se
expressaram
com
um
“OBAAA! Manifestação totalmente pacífica!” (sic).
Essa atividade foi relevante, pois dois dos pacientes que fazem parte do
grupo Terapêutico de Reflexão ao qual a pesquisadora participou como
coordenadora, estiveram presentes e expressaram seus vínculos com a
pesquisadora através de abraços, o que sem dúvida é para a pesquisadora
uma recompensa por todo o trabalho desenvolvido durante o período dessa
pesquisa.
Por fim, na mesma semana da atividade cultural de visita ao Museu
Lasar Segall, a pesquisadora esteve presente também na palestra: “Íntimas
utopias. Processos psicóticos, arte e clínica” com Jean-Claude Polack na PUCSP.
Jean-Claude Polack nasceu na França em 1936, é psiquiatra e
psicanalista. Trabalhou doze anos ao lado de Jean Oury e Félix Guattari na
Clínica de La Borde, na experiência criadora da psicoterapia institucional
francesa, tendo produzido obras de referência para a clínica da psicose. Foi
também apoiador de uma associação de usuários de serviços de saúde mental.
27
E editor-chefe da revista Chiméres, fundadas em 1987 por Félix Guattari e
Gilles Deleuze.
Jean-Claude Polack proferiu
no dia 24/06/2013,
a
conferência
introdutória “Íntimas utopias: processos psicóticos e a clínica” em que destacou
os âmbitos do poder, da economia e da política relacionados à loucura, aos
quais fez referência à Foucault e destacou o lucro com a doença no
capitalismo.
O conferencista mencionou a revolução com a reforma psiquiátrica, o
papel da mídia e o discurso passional reivindicativo, bem como a alienação
social e mental atuais.
Nesse dia, houve lançamento do livro de Jean-Claude Polack “A íntima
utopia: trabalho analítico e processos psicóticos” (n-1 Edições).
E a palestra de encerramento no dia 26/06/2013, “Entre psicanálise,
psicoterapia institucional e esquizoanálise” foi uma aula aberta de Jean-Claude
Polack, em que o palestrante destacou que no tratamento da esquizofrenia o
psicanalista precisa sair do ortodoxo da psicanálise – divã e uso da palavra
para interpretar o paciente, mas enfatizou a necessidade de valorizar os modos
de encontro, ou seja, as modalidades concretas da transferência. Acrescentou
que a esquizoanálise é pragmática e propôs o termo “Pragmanálise”, além de
informar que a esquizoanálise não é uma anti-psicanálise.
Essa palestra encerrou a sequência da série de atividades acadêmicoculturais nas quais a pesquisadora mergulhou e explorou com muito
entusiasmo.
Quanto aos objetivos alcançados, pode-se afirmar que a partir da
consulta aos livros e manuais psiquiátricos e a participação nas atividades
acadêmico-culturais,
foi
possível
reunir
conhecimentos
técnicos
que
possibilitam uma explicação do fenômeno da esquizofrenia.
Também foi possível assimilar conhecimentos subjetivos que auxiliaram
na compreensão da esquizofrenia por meio da revisão bibliográfica das obras
de Freud, da psicanálise e da Psicopatologia Fundamental, bem como por meio
das aulas do professor Manoel Tosta Berlinck e palestras de psicanalistas.
Não houve nenhuma dificuldade significativa quanto à realização da
pesquisa. E quanto às alterações sobre o trabalho original, na verdade, foram
acréscimos.
Adicionou-se
ao
projeto
a
contextualização
histórica
da
28
esquizofrenia e o diálogo entre a Psicopatologia Fenomenológica e a
Psicanálise Freudiana. E com relação às atividades práticas, soma-se a
experiência clínica de atendimento na Casa de Saúde São João de Deus que
tem possibilitado a observação e a vivência de estar em contato pessoalmente
com os pacientes e não apenas com a proximidade do referencial teórico. Além
disso, na conclusão da pesquisa é apresentada uma proposta de intervenção
clínica - o ensino de língua e cultura estrangeira como recurso terapêutico no
tratamento de pacientes esquizofrênicos, em resposta às demandas de alguns
pacientes e como uma possibilidade de estabelecimento de vínculo, laço social
com os pacientes esquizofrênicos.
29
Segunda Parte: Relatório Científico
Introdução
A Psicopatologia Fundamental foi criada há mais de trinta anos por
Pierre Fédida na Université de Paris 7 – Denis Diderot, e distingue-se da
Psicopatologia Geral fundada por Karl Jaspers.
Enquanto a Psicopatologia Geral empenha-se por ser objetiva na
descrição das doenças mentais, a Psicopatologia Fundamental resgata a
subjetividade, considera o inconsciente e a singularidade do sujeito. Além
disso, é um discurso (logos) que inclui e estabelece diálogo com a psiquiatria, a
psicanálise, a sociologia, a arte, a filosofia e a psicologia.
Em 1995, fundou-se o Laboratório de Psicopatologia Fundamental do
Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, em que os pesquisadores estudam o
tratamento e a prevenção do sofrimento psíquico.
Os
pesquisadores
que
compõem
o
Laboratório,
ou
seja,
os
pesquisadores de Iniciação científica, os mestrandos, doutorandos, pósdoutorandos e clínicos, ouvem comentários sobre seus textos entre si e
também do Diretor do Laboratório. Ainda que variem os temas pesquisados, há
o tema base: a Psicopatologia Fundamental.
Para relacionar a Psicopatologia Fundamental com a esquizofrenia,
convém observar que Minkowski (1972) propõe a noção de “perda de contato
vital com a realidade” relacionando-se com os fatores irracionais da vida, e
“visa a essência da personalidade viva, em suas relações com o ambiente”
(p.133).
Muñoz (2010, p. 88) menciona que o laço social na psicose possui
fragilidades e riscos e que o clínico deve “incentivar formas de estar no mundo que
não forcem o sujeito a uma ruptura ou a uma exclusão”.
A lógica da estrutura clínica psicanalítica com as psicoses nos faz notar
que, apesar de estranhas, as esquisitices são também eficazes estratégias de
sentido. Esse aprendizado, nas palavras de Guerra (2010, p. 11), “nos desloca
de uma posição histórica e culturalmente preconceituosa que construímos ao
longo de nossas vidas.” (o grifo é nosso).
30
A razão da escolha do tema Esquizofrenia e Laço Social sob a perspectiva
de Freud gira em torno da proposta de absorver e construir um trabalho teórico
que visa entender por que o diferente é muitas vezes rejeitado. Também, por que é
feita a relação entre saudável e “normal”, e doente e “anormal”?
A
subjetividade
e
a
objetividade
possibilitam,
respectivamente,
a
compreensão e a explicação do fenômeno, para os quais a Psicopatologia
Fundamental tem muito a contribuir, especialmente com relação ao pathos.
Segundo Berlinck (2008, p.18) “Além de sofrimento, de pathos deriva-se,
também, as palavras “paixão” e “passividade” (...) algo da ordem do excesso”. De
acordo com esse autor,
Aquilo que denominamos contemporaneamente de loucura pode,
perfeitamente, ser constituído por manifestações tradicionais do eu
que hoje são consideradas irracionais;
A concepção de que a loucura é um excesso, uma paixão que ocupa
o eu e que é uma desmedida, é uma importante invenção que coloca
o eu numa perspectiva histórico-cultural; (Ibid., 2008, p. 171).
Assim, aspectos sociais, históricos e culturais mostram influência na
interpretação das psicoses, e especialmente da esquizofrenia.
Quanto ao delírio psicótico, Freud (1911, p.95 e 102) afirma que é “uma
tentativa de reconstrução”, de ”restabelecimento”. Em outras palavras, para Freud
os delírios são uma tentativa de cura.
Portanto, levando em conta os aspectos influenciadores acima citados,
elabora-se o seguinte problema de pesquisa: qual a relação do sujeito
esquizofrênico com o laço social? Ou seja, como pensar a condição humana do
esquizofrênico frente aos outros humanos? Dessa questão principal decorre outra:
quais ligações possíveis na esquizofrenia?
31
Objetivos
O
objetivo
da
atual
pesquisa
é
analisar
e
refletir
sobre
a
(im)possibilidade de laço social na esquizofrenia. Haverá uma contextualização
histórica dessa psicopatologia. Será estabelecido um diálogo entre a
Psicopatologia Fenomenológica e a Psicanálise Freudiana e se relacionará o
laço social da perspectiva freudiana com uma breve experiência clínica vivida
pela pesquisadora com pacientes esquizofrênicos em um grupo de reflexão.
Por fim, se proporá o ensino de língua estrangeira como recurso terapêutico no
tratamento de pacientes esquizofrênicos.
Metodologia
O método adotado nessa pesquisa é uma revisão bibliográfica em textos
das obras de Freud, de alguns autores da Psicanálise, da Psicopatologia
Fundamental, da Psicopatologia Fenomenológica e da Psiquiatria. Acrescentase ao método uma experiência de atendimento clínico a pacientes psicóticos
num Grupo Terapêutico em uma Casa de Saúde, que proporcionou uma
observação prática e uma vivência do trabalho terapêutico, bem como a
elaboração de uma proposta de intervenção clínica.
32
A evolução histórica do conceito de esquizofrenia e demência precoce
Sigmund Freud afirma no texto “Um estudo autobiográfico” que nas
psicoses “os melhores temas para a demonstração de muitas asserções da
análise são proporcionadas pela clínica psiquiátrica”. (FREUD, 1925[1924],
p.63).
Nesse sentido, a consideração dos estudos e observações psiquiátricas
a respeito da Esquizofrenia, uma importante psicose, agrega e amplia o
entendimento
dos
caminhos
percorridos
por
Freud
acerca
dessa
psicopatologia.
O que se conhece atualmente como esquizofrenia foi descrita, de forma
parcial, séculos antes de Cristo em textos hindus e gregos. No entanto, as
descrições específicas como nosografia psiquiátrica, surgiram somente a partir
do século XIX, a princípio, com designações de “insanidade”. (Luozã, Elkis e
cols. 2007, p. 235).
Pinel descreveu casos que chamou de “idiotia adquirida”, em 1809. E
Esquirol, poucas décadas depois, denominou “quadros demenciais” pacientes
cuja enfermidade iniciara-se na juventude. (ibid.).
O termo démence precoce foi utilizado pela primeira vez em 1856 por
Morel com um exemplo clínico, em que um paciente jovem se tornou
gradativamente apático e retraído. (Luozã, Elkis e cols. 2007, p. 235). O nome
foi usado também por A. Pick (1851-1924). (BERRIOS & PORTER, 2012, p.
534).
O médico psiquiatra Emil Kraepelin (1856-1926) designou de dementia
praecox os quadros de catatonia e hebefrenia, descritos por outros autores, e a
dementia paranoides por ele descrita. O início, aproximadamente, aos vinte
anos de idade e a deteriorização da personalidade do paciente eram
características desses quadros. (Luozã, Elkis e cols. 2007, p. 235).
Como acrescenta Dalgalarrondo (2008, p. 330), Kraepelin incluia à
dementia praecox as alterações da vontade como negativismo, impulsividade,
etc., o embotamento afetivo, as alterações da atenção e da compreensão, as
alucinações auditivas, a sonorização do pensamento entre outras.
Em 1883, Kraepelin havia começado a publicar seu manual, mas a
demência precoce não foi mencionada nas primeiras três edições. A partir da
quarta edição, Kraepelin incluiu nos processos degenerativos três subtítulos:
33
Demência precoce, Catatonia e Demência paranoide, que segundo ele, têm em
comum o desenvolvimento rápido de um estado duradouro de fraqueza
psíquica, ou seja, a degeneração. Apesar disso, a aparência clínica destas três
condições é muito diferente. O índice da oitava edição menciona 10 tipos de
demência precoce. (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 533-4, 537).
O psiquiatra Augustin B. Morel introduziu também o termo Hebefrenia e
o conceito dégénérance, este último, tem suas raízes em ideias religiosas.
O homem perfeito, também perfeito na saúde, era o Adão, criado por Deus.
Após a queda e consequente expulsão do paraíso, sua condição tornou-se
imperfeita. Tornou-se inclinado ao pecado, e a condição humana e a
sociedade em suas formas caminharam de mal a pior. Com isso, sua saúde
degenerou. E não apenas isso, mas a doença foi passada para a geração
seguinte e ao fazê-lo tornou-se pior a cada geração sucessiva, levando
afinal à esterilidade e à extinção da linhagem. (BERRIOS & PORTER, 2012,
p. 534-5).
As ideias de Morel tiveram grande impacto no pensamento europeu e
foram divulgadas por Magnan (1835-1912) não mais no ímpeto do pecado e da
queda da graça, mas da corrupção da vida social. (BERRIOS & PORTER,
2012, p. 535).
Atualmente, ainda há ideias de que as condições do mundo “estão indo
de mal a pior e são causa da deterioração da saúde humana, e particularmente
da saúde mental”. (ibid.)
O conceito dégénérance, mesmo na forma secularizada de Magnan
sofreu modificações. Karl Jaspers (1883-1969) afirmou que Morel e Magnan
entenderam intuitivamente a importância da hereditariedade e da degeneração,
e a consequente diferenciação entre as psicoses endógenas e as exógenas.
(ibid.)
Sob a influência de Morel, Kraepelin incluiu a hebefrenia e a demência
precoce nos processos degenerativos. No entanto, Kraepelin criou seu próprio
conceito de demência precoce, também sob o estímulo de Kahlbaum (18281899) que destacava a importância da observação do paciente ao longo da
vida, o curso e resultados dos estados mórbidos. (BERRIOS & PORTER, 2012,
p. 535-6).
Kahlbaum (1874) publicou sua monografia sobre a catatonia, que ele
concebia como um transtorno neuropsiquiátrico com várias características com
anormalidades motoras e estupor. A anormalidade, no tônus muscular – tonia refere-se a um hipertônus. “A descrição desses movimentos anormais incluía o
34
maneirismo, inquietação e estereotipias, descritos como se fossem termos
neurológicos”. (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 536).
Além disso, Kahlbaum (1863) havia proposto uma “abordagem empíricoclínica” para a classificação, distinguiu os conceitos transversal (sincrônico) e
longitudinal (diacrônico) da doença e destacou que a “essência” da doença “se
encontrava em sua história natural e perfil temporal” (embora ele não
esclarecesse como era a importação “ontológica” de seu uso da palavra
essência). É interessante de se notar que até então “tempo” (a dimensão
temporal) “não fazia parte da definição da doença psiquiátrica”. Porém, em
1863, os pontos de vista de Kahlbaum, ainda eram abstratos e “pouco
continham de suporte empírico”. No entanto, Kraepelin se propôs a testá-los
em sua pesquisa. (BERRIOS & HAUSER, 2013, p. 131)
A pesquisa psiquiátrica de Kraepelin possui como conceito básico o
naturalismo em sua concepção de homem. “Para Kraepelin, o homem não é
nada além de uma parte da natureza, e nada que o homem faça é mais do que
o produto da existência natural”. Nesse sentido, Kraepelin pode ser
considerado um evolucionista, considera a moralidade como produto do
desenvolvimento cultural e histórico, mas vinculada à sociedade humana e que
desenvolve e funda as relações. (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 442)
A nosologia psiquiátrica de Kraepelin relaciona-se a pressuposições
filosóficas como as ideias relevantes de Kant para a psiquiatria e os
movimentos neokantianos, embora Kraepelin não explicitasse claramente essa
influência e discussão. (ibid. p. 435, 451)
Para Kant (1724-1804), influente na psiquiatria alemã, as desordens
mentais resultariam de danos do cérebro, porém a classificação teria de se
basear na faculdade da mente, a realidade-irrealidade, cuja perturbação da
experiência ele denominava confusão, a disfunção do julgamento que ele
chamava de ilusão e o prejuízo da razão que classificava como mania.
(BERRIOS & PORTER, 2012, p. 506).
Quanto à questão mente-corpo, Kraepelin adotou a posição do
paralelismo psicofísico. Segundo ele, há dois tipos de fenômenos: somáticos e
psicológicos, que são diferentes, mas conectados, ou seja, há um paralelismo
somático e psíquico. No entanto, o autor desaprovava o materialismo
reducionista, pois entendia que não se tratava de uma relação causal, nem que
35
os eventos mentais fossem idênticos aos processos neurofisiológicos.
(BERRIOS & PORTER, 2012, p. 439)
Kraepelin mostrou uma extraordinária amplitude na compreensão das
manifestações da loucura. Afirmou que além de uma possível alteração no
sistema nervoso e déficits herdados de gerações passadas, fatores como
condições antecedentes, história pessoal e as circunstâncias do indivíduo
devem ser consideradas no diagnóstico e tratamento do paciente. (ibid. p. 4589.)
(...) em que medida e por quais métodos clínicos podemos compreender
mais claramente as manifestações da loucura? Os sintomas e sinais que
correspondem aos da doença subjacente são extraordinariamente variados.
Isto implica que as condições antecedentes devem ter sido complexas.
Mesmo quando claros agentes externos estão envolvidos (por exemplo, um
ferimento na cabeça ou envenenamento) (...) há um jogo de forças em
ação: o sistema nervoso do indivíduo afetado, os déficits herdados de
gerações passadas e sua própria história pessoal (...) estas condições são
especialmente importantes quando se considera as formas da doença que
não surgem de lesões externas, mas das circunstâncias da pessoa em
causa (...) parece absurdo propor que seja a sífilis que faça com que os
pacientes acreditem que são possuidores orgulhosos de carros (...) ao invés
de que sejam os desejos usuais dessas pessoas refletidos nesses delírios
(...) Se essas observações se aproximam da verdade teremos que buscar a
chave para a compreensão do quadro clínico, principalmente nas
características do paciente individual (...) suas expectativas desempenham
um papel decisivo. (pp 2 – 3, tradução livre; grifos adicionais) (citação de
Kraepelin (1920) extraída de BERRIOS & HAUSER, 2013, p. 128).
Em seu período intermediário, quanto aos conceitos teóricos e as
consequências práticas para o diagnóstico e a nosologia de Emil Kraepelin, o
que mais se destaca é a separação da demência precoce (esquizofrenia) com
um pobre prognóstico e a doença maníaco-depressiva e a paranoia com bom
ou, pelo menos, um melhor prognóstico. (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 4489)
Visto que Kraepelin baseou seu conceito de demência precoce em um
quadro clínico, a isso talvez esteja relacionado o mal prognóstico por ele
associado a essa psicopatologia. Também a amostra de pacientes que possuía
estava voltada à severidade e cronicidade. Os pacientes de sua clínica só
podiam ser admitidos juridicamente e não se podiam recusar admissões. Além
disso, havia uma tendência para acumular pacientes em enfermarias, em
acomodações de longo prazo e sempre lotadas, ou seja, Kraepelin trabalhava
sob as contingências sociais e institucionais que modelavam profissionalmente
a direção, o método e o significado de sua pesquisa. (ibid. p. 464, 474)
36
Apesar dessa situação, a atitude de Kraepelin foi construtiva, ele
“explorou assuntos referentes à deterioração e prejuízos”. Porém, os dados aos
quais dispunha sugeriram à Kraepelin que as apresentações clínicas
terminavam em estado de demência. (ibid. 464)
Gradualmente me dei conta de que muitos pacientes, que inicialmente
apresentavam um quadro de mania, melancolia ou amência mostravam
demência progressiva. Apesar das diferenças individuais eles começavam a
se parecer uns com os outros. Era como se as diferenças clínicas anteriores
tivessem pouca influência sobre o decurso da doença. Esta evolução era
semelhante ao que já era conhecido no que diz respeito à paralisia. Assim,
não pude resistir a concluir que apenas um processo de doença poderia
estar afetando muitos dos doentes institucionalizados que desenvolveram
demência. O processo pode ser lento ou rápido e, por vezes acompanhado
por delírios, alucinações e excitação. Em algumas ocasiões, pode haver um
estado de humor triste (ou exaltado) – qualquer que seja sua apresentação,
sempre conduzindo à destruição da personalidade. (Kraepelin, 1983)
(citação extraída de BERRIOS & HAUSER, 2013, p. 134).
A característica comum dessas doenças que agrupei sob o nome de
processos de degeneração psicológica é o rápido desenvolvimento de um
estado duradouro de fraqueza psicológica... (p. 435). O que chamamos de
demência precoce é o desenvolvimento subagudo de uma condição peculiar
e simples de fraqueza mental que ocorre em uma idade juvenil. (Kraepelin,
1983, p. 435) (citação extraída de BERRIOS & HAUSER, 2013, p. 135).
Kraepelin usou a deteriorização “como um critério de pesquisa ou
metodológico para procurar um quadro de predição clínica, que, por sua vez,
tornar-se-ia um critério clínico”. (BERRIOS & HAUSEN, 2013, p. 135, grifos do
autor).
Então, Kraepelin com essa definição da demência precoce como o
“desenvolvimento subagudo de uma peculiar e simples condição de fraqueza
mental” que ocorre em idade jovem, considerava que “o único critério externo
para a classificação dos sintomas era o curso da doença.” (BERRIOS &
PORTER, 2012, p. 465).
Porém, essa expressão “demência precoce” de Kraepelin mostrou-se
inadequada, pois segundo alguns autores franceses, o termo “demência” nem
sempre se aplica, pois a demência precoce não conduz sempre a um déficit.
Tampouco o termo “precoce” mostrou-se adequado. (ibid. p. 467)
Então, E. Bleuler (1911) sugeriu o termo “esquizofrenia” (do grego,
squizo=cindido, phrén=mente), que explica melhor a função psíquica que para
ele é o sintoma fundamental da esquizofrenia, a Spaltung, ou seja, a
dissociação. Bleuler entende “dissociação” como um distúrbio das “associações
que regem o curso do pensamento”. (Laplanche e Pontalis, 2001, p.157-9).
37
A classificação da esquizofrenia para Eugen Bleuler dividia-se em
sintomas fundamentais e acessórios. Ao passo que os últimos poderiam
ocorrer em quaisquer outros transtornos mentais, os primeiros eram
característicos da esquizofrenia. Citava como sintomas acessórios as
alterações sensoperceptivas, os delírios, os sintomas catatônicos e as
alterações de memória e atenção. (Luozã, Elkis e cols. 2007, p.235.)
Bleuler definia a esquizofrenia (sintomas fundamentais) como alterações
formais do pensamento que possuía como característica a ambivalência
afetiva,
o
autismo
como
isolamento
psíquico,
ou
melhor,
um
“ensimesmamento” radical; uma profunda dissociação ideoafetiva como já
mencionada e uma evolução muito heterogênea que poderia apresentar
evolução benigna. (Dalgalarrondo, 2008, p. 330).
A versão de Bleuler, baseada nos quatro As (Ambivalência, Autismo,
Afetividade perturbada e Associações desagregadas) havia introduzido um
elemento recuperável, relacionado à etiologia psicológica e até
psicodinâmica, que se julgava faltar no termo pessimista “demência”.
(BERRIOS & PORTER, 2012, p. 551)
Além disso, Bleuler subdividia os sintomas em primários que se
relacionavam a um processo mórbido cerebral, e em secundários que se
originavam de um processo psíquico e estava associado ao anterior. (Luozã,
Elkis e cols. 2007, p.235).
A atribuição de Bleuler ao termo Spaltung, (dissociação) diferencia-se da
de Freud, aproximando-se apenas no sentido de ser próprio da descrição de
Freud do inconsciente. (Laplanche e Pontalis, 2001, p.158-9).
Se por um lado, Kraepelin é guiado pela observação empírica, Bleuler
por outro lado possui uma teoria em sua abordagem, “introduz uma estrutura
nos sintomas”, pois aplica as ideias psicanalíticas. Bleuler e Jung (1875-1961)
tentaram entender o conteúdo dos sintomas, cuja interpretação relacionava-se
aos complexos inconscientes. (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 543).
Freud não considerava a dissociação como característica essencial da
doença e devido a isso fez reservas ao próprio termo “esquizofrenia”. Apesar
de usar também a expressão “demência precoce”, propôs o termo “parafrenia”,
que de acordo com ele formava um par melhor ao termo paranoia e demarcava
unidade ao campo das psicoses. (Laplanche e Pontalis, 2001, p.158-9).
38
O termo “parafrenia” havia sido proposto anterior e originalmente por
Kraepelin como designação de certas psicoses crônicas, como a paranoia, e
que não são acompanhadas de diminuição intelectual, além de não evoluírem
para a demência, mas que por suas construções delirantes, alucinações e
fabulações, aproximam-se da esquizofrenia. Porém, o sentido com o qual
Freud utilizou o termo, como já visto, foi diferente. Em razão do sucesso do
termo bleuleriano esquizofrenia, Freud rapidamente renunciou à sua sugestão
terminológica parafrenia. (Laplanche e Pontalis, 2001, p. 333-4).
Com o conceito de “esquizofrenia latente” Bleuler (1911) entendia que
apesar de ainda não valer a pena descrever suas características, nuanças de
sintomas e combinações de sintomas como irritabilidade, estranheza,
destemperança, pessoas solitárias e excessivamente pontuais despertam
suspeita, entre outras coisas de serem esquizofrênicas e que, frequentemente
esconderiam algum “outro sintoma catatônico ou paranoide, e vários desses
hábitos tornam-se mais pronunciados mais tarde na vida e provam que todas
as formas de doença podem ter um curso latente”. (BERRIOS & PORTER,
2012, p. 544).
No entanto, o alargamento da abordagem de Bleuler (1911) com a
introdução da “esquizofrenia latente” teve consequências imprevistas, não
somente para a pesquisa em esquizofrenia, mas para a posição médico-legal
desses pacientes. “Em 1933, o governo alemão, para a purificação da raça,
introduziu leis de esterilização para pacientes com doenças hereditárias”, e ter
ou não o diagnóstico de esquizofrenia era de grande importância para o
indivíduo. Em resultado disso, os seguidores das ideias de Bleuler,
especialmente os psiquiatras suíços, revisaram esses conceitos. (ibid.).
Da Psicopatologia Descritiva, temos a contribuição de Karl Jaspers
(1883-1969) que definia a esquizofrenia com as seguintes características: as
ideias delirantes primárias, que segundo esse autor não são deriváveis ou
compreensíveis psicologicamente, o humor delirante que precede o delírio, as
vivências de influência como vivências do “feito”, a ocorrência ou intuição
delirante e ao analisar a vida total do paciente notava-se a ocorrência de
“quebra na curva existencial”, também que os surtos participavam de um
processo que transformava radicalmente a personalidade e a existência do
paciente. (Dalgalarrondo, 2008, p. 330).
39
Outro autor importante para a definição de esquizofrenia foi Kurt
Schneider (1887-1967) que influenciou particularmente a psiquiatria britânica
com sua nova abordagem numa tentativa de superar a dicotomia das “escolas”
“organicistas” e “psiquistas”. A abordagem de Kraepelin alinhava-se com os
organicistas e era predominante. (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 544-5).
Jaspers (1957) escreve que as abordagens psicológicas sob a influência
de Freud, na época de Schneider, eram vistas como subjetivas e não
científicas. Para Jaspers, a razão disso era a uma confusão na natureza do
próprio sujeito, para ele o tema da psiquiatria é o homem, não só o seu corpo,
“mas principalmente sua psique, sua personalidade, o próprio homem”. (ibid.).
Jaspers (1963) em Psicopatologia Geral definiu uma “metodologia que
permitisse o estudo do paciente como uma pessoa”, cujo estudo significativo da
vida do paciente e a empatia representam a base da abordagem. (ibid.)
Onde essa empatia falhasse, onde alcançasse seus limites, onde o
significado já não fosse discernível, a experiência interna do paciente, o
sintoma, poderia ser descrita e apontaria para um processo que irrompeu na
vida do paciente, perturbando a coesão significativa da personalidade. Esse
“novo” elemento não pode ser “entendido”, mas tem que ser “explicado”.
(BERRIOS & PORTER, 2012, p. 545).
Os métodos de compreender a condição do paciente, o entendimento de
significados e explicação causal são os princípios dessa nova psicopatologia
que introduz um método subjetivo de “entendimento”. (BERRIOS & PORTER,
2012, p. 545).
Kurt Schneider denominou “sintomas de primeira ordem” aos principais
sintomas da esquizofrenia, que se caracterizam pela presença de percepção
delirante, em que uma percepção normal recebe significação delirante e ocorre
de modo simultâneo ao ato perceptivo, geralmente de forma abrupta como uma
“revelação”. (Dalgalarrondo, 2008, p.328).
Outras características dos sintomas de primeira ordem são as
alucinações auditivas que são vozes que comentam e/ou comandam a ação, o
eco ou sonorização do pensamento em que o paciente escuta seus
pensamentos ao pensá-los e a difusão do pensamento em que o paciente tem
a sensação de que seus pensamentos são percebidos e ouvidos pelos outros
no momento em que os pensa. Há também o sintoma da experiência do roubo
do pensamento, em que o paciente tem a sensação de que o pensamento é
inexplicavelmente extraído de sua mente como se fosse roubado. (ibid.).
40
Ainda como sintoma de primeira ordem, o paciente experimenta a
vivência de influência no plano corporal, em que o sujeito sente que uma força
ou um ser externo age sobre seu corpo, seus órgãos, emitindo raios,
influenciando as funções corporais, etc. (Dalgalarrondo, 2008, p.328).
Outra vivência de influência é a ideativa, que se refere à “experiência de
que algo influencia seus pensamentos, o paciente recebe pensamentos
impostos de fora, pensamentos feitos, postos em seu cérebro, etc.” (ibid.).
Para Kurt Schneider, tais sintomas de primeira ordem indicam uma
extrema “alteração da relação Eu-mundo, o dano radical das “membranas” que
delimitam o Eu em relação ao mundo, uma perda marcante da intimidade”.
(ibid.).
Quanto à sensação de que algo é imposto de fora, feito à sua revelia, o
paciente “vivencia a perda do controle sobre si mesmo, a invasão do mundo
sobre seu ser íntimo”.
Esse tipo de experiência psicótica, dos pensamentos mais íntimos serem
imediatamente percebidos por outras pessoas, expressa a vivência de uma
considerável “fusão” com o mundo público sobre privado, assim como um
extravasamento involuntário da experiência pessoal e interior sobre o
mundo circundante. (Dalgalarrondo, 2008, p.328-9).
Já, os sintomas de segunda ordem de Schneider são considerados
menos importantes no diagnóstico da esquizofrenia. Eles são a perplexidade,
alterações da sensopercepção (diferentes daqueles de primeira ordem),
vivências de influência no campo dos sentimentos, impulsos ou vontade,
vivência de empobrecimento afetivo, intuição delirante e alterações do ânimo e
alterações do ânimo de colorido depressivo ou maniatiforme. (Dalgalarrondo,
2008, p.329).
Para um médico o sintoma somático, seja objetivo ou subjetivo, é sinal
de um processo patológico que está ligado por uma cadeia causal. No entanto,
em casos psiquiátricos, como na psicose esquizofrenia, Kurt Schneider
mencionava que há um “traço característico”, um “tipo” psicopatológico que é
mais do que um sintoma porque não ocorre de uma maneira causal, mas sim
como uma totalidade que integra o traço. (TATOSSIAN, 2006, p. 39).
Como solução para entender essa discordância é necessário diferenciar
os “sintomas”, ou seja, as manifestações de comportamento (motor, gestual,
mímico e verbal) das manifestações do vivido que é o especifica a
41
psicopatologia e o que se pode, por exemplo, denominar “estruturas”. (ibid. p.
41).
Nas últimas décadas, a esquizofrenia tem sido diferenciada em três
subtipos. O primeiro, como síndrome negativa ou deficitária que se refere aos
sintomas negativos, caracterizados pela perda de funções psíquicas como as
da esfera da vontade, pensamento, linguagem, etc., e “empobrecimento global
da vida afetiva, cognitiva e social do indivíduo”. (Dalgalarrondo, 2008, p.329).
Um dos principais sintomas negativos ou deficitários é o distanciamento
afetivo que pode evoluir até o embotamento afetivo e pode resultar na “perda
da capacidade de sintonizar afetivamente com as pessoas, de demonstrar
ressonância afetiva no contato interpessoal”. (ibid.)
Outro sintoma negativo, a retração social pode significar o isolamento
progressivo do convívio social. O empobrecimento da linguagem e do
pensamento, a diminuição da fluência verbal, a negligência quanto a si mesmo,
ou seja, o descuido de si próprio, pela falta de higiene e desinteresse em
relação
à
própria
aparência,
saúde
e
vestimenta,
a
lentificação
e
empobrecimento psicomotor com “restrição do repertório da esfera gestual e
motora” são também sintomas deficitários. (Dalgalarrondo, 2008, p. 331).
Há ainda a diminuição da vontade (avolição) e hipogramatismo que são
as dificuldades ou incapacidades de realizar ações, tarefas, trabalhos de
maneira organizada, que exija iniciativa e monitoração comportamental e
persistência. (ibid.).
O segundo subtipo é a síndrome positiva ou produtiva que se caracteriza
não por ausências ou déficits comportamentais como na síndrome negativa,
mas por sintomas positivos, manifestações novas, floridas, como as
alucinações que, frequentemente, são ilusões ou pseudoalucinações auditivas,
mas podem ser visuais ou de outro tipo. (Dalgalarrondo, 2008, p. 331).
Outros sintomas positivos são as ideias delirantes, geralmente de
conteúdo paranoide, autorreferente, de influência ou de outra natureza, o
comportamento
bizarro,
as
ideias
bizarras,
a
agitação
psicomotora,
neologismos e parafasias. (ibid.)
Quanto ao terceiro subtipo trata-se da síndrome desorganizada, na qual
predominam
as
desorganizações
mentais
e
comportamentais,
afeto
42
inadequado
ou
afeto
pueril.
Trata-se
da
classicamente
denominada
esquizofrenia hebefrênica. (ibid.)
Nesse subtipo, o pensamento progressivamente desorganizado varia de
um leve “afrouxamento das associações até a total desagregação e produção
de um pensamento totalmente incompreensível”. (Dalgalarrondo, 2008, p. 331).
Os
comportamentos
desorganizados
e
incompreensíveis
nessa
síndrome podem ser “comportamentos sociais e sexuais inadequados, agitação
psicomotora, vestimenta e aparência bizarras”. (ibid.).
Quanto ao afeto pode ser inadequado, ambivalente com descompasso
entre as esferas afetivas, ideativas e volitivas e/ou pueril, em que o paciente
reage de forma infantil. (ibid.).
Há autores que consideram que a esquizofrenia é uma doença que teve
origem exclusivamente a partir do século XX.
Qualquer tentativa de uma narrativa histórica da esquizofrenia, sua própria
história, deve reconhecer um início muito incerto. Há um debate insolúvel
sobre se a esquizofrenia existiu antes do século XVII. (BERRIOS &
PORTER, 2012, p. 551).
No entanto, consideramos o ser humano um ser psicopatológico,
consequentemente, pensamos ser possível haver existido tal psicopatologia em
civilizações passadas. Porém, não com as descrições nosográficas atuais.
Portanto, parece-nos plausível chamar, como alguns autores franceses,
de estrutura psicótica a organização psíquica dos esquizofrênicos. Não
obstante, preferimos denominá-la condição psicótica, mais especificamente,
condição esquizofrênica conforme definição do dicionário ao “modo de ser,
estado e situação” dos portadores dessa psicopatologia, bem como “modo de
viver resultante da situação” esquizofrênica; e por fim “obrigação que se impõe
e se aceita”, mas que muitas vezes se é obrigado a aceitar, pois a psicose não
é uma constituição de iniciativa voluntária. (FERREIRA, 2000, p. 172).
O diagnóstico da esquizofrenia segundo o CID10 e o DSM-IV
O Código Internacional de Doenças (CID-10) classifica a esquizofrenia
sob a rubrica F20 e a define como um distúrbio com características de
distorção do pensamento, da percepção e afetividade inapropriada ou
embotada. A esquizofrenia paranoide é um dos subtipos clínicos do CID-10,
sob o código F20.0, que caracteriza-se por delírios muitas vezes persecutórios,
43
acompanhados
de
alucinações
auditivas,
principalmente;
não
são
proeminentes distúrbios do afeto, do discurso e da volição. Na esquizofrenia
hebefrênica (F20.1), por outro lado, a principal alteração está na afetividade,
com alucinações e delírios fragmentados, comportamentos pueril ou bizarro e
maneirismos, com desorganização do pensamento e empobrecimento do
discurso. (Luozã, Elkis e cols. 2007, p.238-9).
Outro exemplo de classificação desse manual é a esquizofrenia
catatônica (F20.2), cuja proeminência característica são os transtornos da
psicomotricidade; em que períodos de “estupor, mutismo, negativismo,
obediência automática e flexibilidade cérea” podem ser alterados por períodos
de agitação e excitação. Além disso, negativismo, posturas bizarras ou outros
sintomas como perseveração de palavras ou frases estão na lista dos sintomas
que classificam tal diagnóstico. Há seis outros subtipos de classificação da
esquizofrenia no CID-10. (ibid. p.240).
O DSM-IV estipula que para a realização do diagnóstico de
esquizofrenia um ou mais dos sintomas principais como delírios, alucinações,
discurso e/ou comportamento desorganizados devem estar presentes pelo
período de, pelo menos, um mês. Já os sintomas negativos e disfunções
sociais, por, pelo menos, seis meses. (Dalgalarrondo, 2008, p.330).
O embotamento afetivo, o distanciamento e a retração social
aproximam-se do mencionado anteriormente autismo do esquizofrênico
considerado por Bleuler. Para esse autor, “a síndrome autística da
esquizofrenia inclui, além de dificuldade ou incapacidade de estabelecer
contato afetivo com outras pessoas e retração do convívio social”, a
“inacessibilidade do mundo interno do paciente”. (ibid. p. 331).
44
Tratamento da esquizofrenia – uma possibilidade de laço?
Como visto, Kraepelin incluiu um conceito prognóstico reservado à
esquizofrenia. Por outro lado, Bleuler “definiu a esquizofrenia a partir do corte
transversal, sem levar em conta o curso da doença; para ele a esquizofrenia
poderia ter uma evolução e desfecho benignos e até uma remissão completa”.
(Luozã, Elkis e cols. 2007, p. 247).
Então, pelo menos em parte, a evolução da esquizofrenia depende do
conceito que se utiliza para a doença. Os outros fatores a serem considerados
são “a própria definição da evolução (global ou restrita a certos aspectos da
doença), o tempo de acompanhamento do paciente e o desenho do estudo
(prospectivo ou retrospectivo)”. (ibid.)
Kraepelin referia-se à abordagem tradicional, anterior à sua, como
“sintomática” e em 1896, anunciou ter “encontrado uma nova maneira de olhar
para a doença mental” e usou o termo “clínica” para essa sua nova abordagem.
(BERRIOS & HAUSER, 2013, p. 132).
A perspectiva clínica de Kraepelin desenvolvida em Dorpat possuía além
de outros fatores uma variável cultural e linguística importante.
A clínica Dorpat (Tartu na atual Estônia) servia a uma comunidade de não
falantes da língua alemã, cujas principais línguas eram o Dorpat (ou WerroEstoniano) e o Reval-Estoniano. O primeiro, o mais comum dos dois, era
também o menos literário e inflexional (Anônimo, 1878). Apenas um treze
avos (1/13) da população falava alemão, mas este grupo pertencia às
classes superiores, que eram susceptíveis de procurar tratamento médico
na Alemanha. (ibid.).
Kraepelin utilizou como recurso um intérprete para examinar a maioria
dos seus pacientes (Kraepelin, 1983) e é provável que seu interesse de longa
duração nos sinais comportamentais (por exemplo, psicomotores) tenha tido
contribuição desta barreira linguística. (BERRIOS & HAUSER, 2013, p. 132).
Mas, e se a própria barreira linguística tivesse sido utilizada como
recurso terapêutico para intervenção no tratamento desses pacientes? O
próprio clínico seria o intérprete, ou melhor, o tradutor-intérprete que em troca
de entender o idioma psicótico traduzido à sua língua, forneceria o aprendizado
de um novo idioma diferente do idioma materno do paciente, e em
consequência talvez pudesse ser estabelecido um laço entre o paciente
esquizofrênico e o clínico e um vínculo entre o paciente o novo idioma. Essa
45
será a proposta clínica de intervenção terapêutica apresentada na conclusão
desse trabalho de pesquisa.
O tratamento clínico atual da esquizofrenia
O tratamento do esquizofrênico exige a participação de diversos
profissionais
que
atuem
em
equipe
para
combinar
as
abordagens
farmacológica e psicossocial. (Luozã, Elkis e cols. 2007, p. 249).
Quanto ao tratamento farmacológico, “uma vez que o paciente tenha
apresentado uma melhora significativa com um determinado antipsicótico, o
mesmo deverá ser mantido com o intuito de evitar uma recaída”. (Luozã, Elkis
e cols. 2007, p. 252).
Na fase de manutenção do paciente, é possível optar entre o uso de
medicação via oral ou intramuscular com liberação lenta (antipsicóticos de
longa ação ou depot). As medicações depot têm a vantagem de garantir a
manutenção do seu uso, minimizando o problema da adesão, bem como de
evitar problemas de biodisponibilidade devido à metabolização
gastrintestinal, absorção irregular e metabolização hepática (primeira
passagem); permitem ainda, a manutenção de níveis plasmáticos
relativamente estáveis, não apresentando risco de abuso ou ingestão
excessiva. (...)
Pelas características farmacocinéticas dos medicamentos depot, são
necessárias várias semanas ou meses para que se atinja a estabilização
(steady state) da medicação, podendo haver dificuldade de controle da
condição clínica do paciente no início do tratamento. Uma vez que a
eliminação é muito lenta, o aparecimento de algum efeito colateral é de
controle mais difícil. (ibid. p. 252-253).
Atualmente, existem diversos antipsicóticos de diferentes grupos
farmacológicos. Eles são divididos em “primeira geração (também chamados
de clássicos, típicos ou tradicionais) e de segunda geração (ou atípicos)”.
(Luozã, Elkis e cols. 2007, p. 250).
Quanto à abordagem psicossocial, abarcam a terapia ocupacional e
orientação sobre a doença e o tratamento, em que “os familiares podem
participar de grupos de orientação psicoeducacional sobre a doença e sobre o
seu cotidiano em casa”. Essas informações contribuem para auxiliar o paciente,
especialmente na fase aguda, e contribuem aos familiares que evitem atitudes
que possam piorar o quadro clínico do paciente. (Luozã, Elkis e cols. 2007, p.
250).
Na fase aguda, o tratamento pode ser feito em regime ambulatorial ou
de internação. Esta última torna-se necessária se o paciente em decorrência de
ansiedade intensa, agitação psicomotora, presença de delírios ou alucinações
46
apresentar risco de auto ou heteroagressividade. “A internação deve ter a
menor duração possível, tendo em vista minimizar o afastamento do paciente
de seu meio sociofamiliar.” (Luozã, Elkis e cols. 2007, p. 249).
A proteção ao paciente, propiciando-lhe um ambiente tranquilo e com
poucos estímulos sensoriais, muitas vezes, já seria o suficiente para promover
um alívio importante no quadro de agitação e ansiedade. (ibid.).
Tanto na fase aguda quanto na fase de manutenção ou recuperação o
Hospital Dia (HD) e o CAPs (Centro de Atenção Psicossocial) são referências
importantes no tratamento de pacientes esquizofrênicos.
No entanto, o tratamento farmacológico com antipsicóticos e o
tratamento psicossocial devem ser associados ao tratamento psicológico.
Tratamento da esquizofrenia e restabelecimento do laço social
O processo de reabilitação do paciente esquizofrênico compreende um
“conjunto de ações que sejam capazes de lhes trazer uma melhor integração
social, profissional, enfim, uma melhor qualidade de vida dentro dos limites que
a doença impõe”. (Luozã, Elkis e cols. 2007, p. 254).
A simples adesão ao tratamento medicamentoso não é capaz, por si só, de
propiciar a reabilitação. Embora os medicamentos sejam bastante eficazes
na redução de sintomas, eles não podem, sozinhos, promover a
reintegração do paciente na comunidade. É necessário considerar, ainda,
que muitos pacientes têm recidivas apesar de medicados, e que alguns
sintomas (particularmente os negativos) ainda são de difícil tratamento.
O tratamento psicossocial é importante durante a fase aguda da doença,
mas não é suficiente para melhorar a adequação social a longo prazo. (...)
(ibid. p. 255).
Então, visto que o tratamento farmacológico e o psicossocial, ainda que
unidos, são insuficientes na reintegração do paciente esquizofrênico ao meio
social, um tratamento a ser incluído pode ser o psicoterapêutico.
A psicoterapia de grupo teria um efeito mais favorável que a individual,
pela ênfase nos processos de interação social (Luozã, Elkis e cols. 2007, p.
256). Mas, isso não exclui a possibilidade de serem ambas utilizadas.
São sugeridas modificações na técnica para a abordagem psicodinâmica do
paciente. Uma vez que o foco principal é a construção de um
relacionamento, o terapeuta deve ser flexível em relação ao setting e criar
um ambiente acolhedor e de continência para o paciente. Muitas vezes, as
colocações objetivam uma confrontação com dados de realidade; as
interpretações são reservadas para um período em que o paciente esteja
mais engajado no processo. (Sadick; Sadock, 2000) (Luozã, Elkis e cols.
2007, p. 256).
47
Portanto, convém considerarmos a esquizofrenia e a demência precoce
em Freud para posteriormente compreendermos o tratamento psicanalítico da
esquizofrenia e também relacionarmos a esquizofrenia e o laço social em
Freud.
48
Esquizofrenia e demência precoce em Freud
Em “A interpretação dos sonhos” (p. 383), Freud destaca uma habilidade
presente em portadores de demência precoce (esquizofrenia) a “compreensão
direta do simbolismo onírico num grau surpreendente”
por algum tempo, houve uma tendência a suspeitar de que todo sonhador
dotado dessa apreensão dos símbolos fosse vítima daquela doença. Mas
não é esse o caso. Trata-se de um dom ou peculiaridade pessoal que não
possui nenhum significado patológico visível. (FREUD, 1900-1901, p. 383)
Características ou traços neuróticos são encontrados em sujeitos com
estrutura psíquica psicótica como a esquizofrenia, ou seja, nem todo
pensamento ou comportamento do esquizofrênico é patológico.
Como nos mostra Simanke (2009), de acordo com R. A. Hunter e Ida
Macalpine, em sua introdução à edição inglesa das memórias de Schreber, “o
termo psicose foi introduzido em 1845 por Feuchtersleben em seu Manual de
psicologia médica.” Para esse autor que introduziu o termo psicose, tal termo
significa doença mental, ao passo que “neurose designa as afecções do
sistema nervoso, das quais só algumas podem se traduzir em sintomas de uma
psicose”. (SIMANKE, 2009, p. 81n)
Simanke nos esclarece, citando Laplanche e Pontalis (1977, p. 505), que
“qualquer psicose é, ao mesmo tempo, uma neurose, porque sem a
intervenção da vida nervosa nenhuma modificação do psíquico se manifesta;
mas nem toda neurose é também uma psicose”. (SIMANKE, 2009, p. 81n)
De acordo com Freud, Bleuler na Escola de Zurique,
mostrou que se poderia esclarecer grande número de casos, puramente
psiquiátricos, reconhecendo neles os mesmos processos reconhecidos pela
psicanálise como presentes nos sonhos e nas neuroses (mecanismos
freudianos) (FREUD, 1914, p. 38)
Freud acrescenta que a escola suíça com a colaboração também de
Jung, elucidou duas facetas do quadro da demência precoce. A primeira, como
já mencionada, na esquizofrenia há presença de “complexos que conhecemos
tanto em indivíduos saudáveis como em neuróticos”. O segundo aspecto
descoberto é a similaridade do que ocorre na vida mental dos esquizofrênicos
com o que ocorrem com mitos populares. (FREUD, 1914, p. 87)
Quanto às psicoses, Freud aponta como tentativa de interpretação e
entendimento dos sintomas dois caminhos. O primeiro a partir das próprias
declarações delirantes do paciente, tal como fez Jung [1907] em seu método
49
de interpretação fornecido por um “brilhante exemplo” de um caso de demência
precoce grave que exibia sintomas muito “afastados do normal”. (FREUD,
1911, p. 45).
Freud relatou que Jung [1907] na Escola de Zurique
aplicou com êxito o método analítico de interpretação às manifestações
mais estranhas e obscuras da demência precoce (esquizofrenia), de modo a
trazer à luz suas fontes presentes na história da vida e nos interesses do
paciente. (FREUD, 1914, p. 38)
A outra possibilidade de compreensão da história de um paciente é a
análise dos conhecimentos complexos, forças motivadoras da vida mental e
das causas ativadoras da psicopatologia. (FREUD, 1911, p. 45)
Para Freud, na esquizofrenia o “ponto importante fora não tanto a
possibilidade de interpretar os sintomas, mas o mecanismo psíquico da
doença”. (FREUD, 1914, p. 38)
Bleuler, o outro líder da Escola de Zurique, defendia “o ponto de vista de
que as várias formas de demência precoce têm uma causação orgânica”.
(FREUD, 1914, p. 38-9)
Ao formular o conceito de narcisismo primário, Freud justifica que essa
tentativa surgiu devido à necessidade de incluir a demência precoce
(Kraepelin) ou esquizofrenia (Bleuler) na hipótese da teoria da libido.
Esse tipo de pacientes, que eu propus fossem denominados de
parafrênicos, exibem duas características fundamentais: megalomania e
desvios de seu interesse do mundo externo - de pessoas e coisas. Em
consequência da segunda modificação, tornam-se inacessíveis à influência
da psicanálise e não podem ser curados por nossos esforços. (FREUD,
1914, p. 82)
Para Freud na psicose, o que inclui a esquizofrenia, a ausência de
transferência positiva inviabiliza o tratamento psicanalítico. Por essa razão, e
na esquizofrenia, pelo desinteresse do paciente pelo mundo externo, Freud
considera que tais indivíduos são incuráveis aos esforços analíticos. (FREUD,
1925[1924], p. 63).
No entanto, posteriormente, Freud reconhece que há transferência na
psicose
A transferência amiúde não se acha tão inteiramente ausente, mas pode ser
utilizada até certo ponto, havendo a análise alcançado inegáveis êxitos com
depressões cíclicas, ligeiras modificações paranoides e esquizofrenias
parciais. (FREUD, 1925[1924], p. 63).
50
Diferentemente de pacientes neuróticos, os esquizofrênicos não
substituem o mundo externo, sua relação com a realidade, por uma fantasia,
tampouco os objetos imaginários de sua memória por objetos reais. “Quando
realmente as substitui, o processo parece ser secundário e constituir parte de
uma tentativa de recuperação, destinada a conduzir a libido de volta a objetos”.
(FREUD, 1914, p. 82)
Na esquizofrenia, entre as tentativas de recuperação citadas por Freud
estão os delírios e as alucinações e a substituição da identificação narcisista
pelo amor objetal. (FREUD, 1924 [1923], p. 169). (FREUD, 1917 [1915], p.
255).
Então, o que acontece à libido que foi afastada dos objetos externos na
esquizofrenia? Freud responde que a megalomania que surge à expensas da
libido objetal aponta o caminho. Pois, a libido que foi afastada do mundo
externo
é dirigida para o ego e assim dá margem a uma atitude que pode ser
denominada de narcisismo. Mas a própria megalomania não constitui uma
criação nova; pelo contrário, é, como sabemos, ampliação e manifestação
mais clara de uma condição que já existia previamente. (FREUD, 1914, p.
82)
Portanto, para Freud, o narcisismo surge “através da indução de
catexias objetais como sendo secundário, superposto a um narcisismo primário
que é obscurecido por diversas influências diferentes”. (FREUD, 1914, p. 82)
Na demência precoce, Freud mostra-nos como Jung percebeu que os
“delírios (deliria) e estereótipos motores que ocorrem nessa perturbação são
resíduos de antigas catexias objetais, que se apegam com grande
persistência”. (FREUD, 1911, p. 84)
Freud também menciona que Abraham “muito convincentemente
demonstrou que o afastamento da libido do mundo externo é uma
característica particular e claramente marcada da demência precoce.” (FREUD,
1911, p. 84).
Desta característica inferimos que a repressão é efetuada por meio do
desligamento da libido. Aqui mais uma vez, podemos considerar a fase de
alucinações violentas como uma luta entre a repressão e uma tentativa de
restabelecimento, por devolver a libido novamente a seus objetos. (FREUD,
1911, p. 84)
As dificuldades na compreensão do “idioma” do psicótico são
esclarecidas por Freud. Segundo o autor, a “linguagem dos sonhos pode ser
51
encarada como o método pelo qual a atividade mental inconsciente se
expressa. Mas o inconsciente fala mais de um dialeto”. (FREUD, 1913, p. 180)
Outra das formas de expressão do inconsciente é a linguagem de
pensamento das chamadas por Freud parafrenias (demência precoce e
paranoia), que “apresentam peculiaridades idiomáticas especiais, que, num
certo número de casos, fomos capazes de compreender e inter-relacionar”.
(FREUD, 1913, p. 180)
De acordo com Freud, a diferença essencial entre a elaboração de
sonhos e a esquizofrenia se dá de forma que nessa última,
o que se torna objeto de modificação pelo processo primário são as próprias
palavras nas quais o pensamento pré-consciente foi expresso; nos sonhos,
o que está sujeito a essa modificação não são as palavras, mas a
apresentação da coisa à qual as palavras foram levadas de volta. (FREUD,
1917 [1915], p. 235).
Como esclarece Freud “muito do que é expresso na esquizofrenia como
sendo consciente”, nas neuroses só pode revelar sua presença no
inconsciente, por meio da análise. (FREUD, 1925, p. 202)
Quando um psicótico diz uma coisa, geralmente, o significado é literal. O
neurótico, por outro lado, quando diz algo, frequentemente é necessária uma
interpretação para entendê-lo de maneira efetiva.
Quando pensamos em abstrações, há o perigo de que possamos
negligenciar as relações de palavras com as apresentações inconscientes
da coisa, devendo-se externar que a expressão e o conteúdo do nosso
filosofar começam então a adquirir uma semelhança desagradável com a
modalidade de operação dos esquizofrênicos. Podemos, por outro lado,
tentar uma caracterização da modalidade de pensamento do esquizofrênico
dizendo que ele trata as coisas concretas como se fossem abstratas.
(FREUD, 1915, p. 208).
No funcionamento do pensamento do esquizofrênico, as coisas
concretas são tratadas como abstratas.
Como nos mostra Freud, outra peculiaridade na fala do esquizofrênico é
a fala hipocondríaca ou “fala do órgão”. (FREUD, 1915, p. 202)
Na esquizofrenia, as palavras estão sujeitas a um processo igual ao que
interpreta as imagens oníricas dos pensamentos oníricos latentes – que
chamamos de processo psíquico primário. Passam por uma condensação, e
por meio de deslocamento transferem integralmente suas catexias de umas
para as outras. O processo pode ir tão longe, que uma única palavra, se for
especialmente adequada devido a suas numerosas conexões, assume a
representação de todo um encadeamento de pensamento. (FREUD, 1915,
p. 202)
Nessas modificações na fala, segundo Freud,
52
o paciente devota especial cuidado a sua maneira de se expressar, que se
torna „afetada‟ e „preciosa‟. A construção de suas frases passa por uma
desorganização peculiar, que as torna incompreensíveis. (FREUD, 1915, p.
202)
As
expressões
dos
psicóticos
tornam-se
incompreensíveis
aos
neuróticos “a ponto de suas observações parecerem disparatadas”. No
conteúdo de suas expressões, os esquizofrênicos quase sempre fazem
referências a “órgãos corporais ou a inervações”. (FREUD, 1915, p. 202).
Um exemplo clínico da paciente de Tausk, apresentado por Freud sobre
a “fala do órgão” na esquizofrenia, é resumido por Simanke (2009, p. 165)
Freud parte da análise de dois enunciados da pacientes da Tausk, internada
após uma altercação com seu amante. O primeiro diz: “Os olhos não estão
direitos, estão torcidos (verdreht)” e é complementada por uma série de
recriminações ao amante – ele é um hipócrita, um simulador
(Augenverdreher, literalmente “um torcedor de olhos”), torceu-lhe os olhos
de tal forma que ela já não os reconhece como seus, são outros olhos com
os quais ela vê o mundo agora (FREUD, 1915a, p. 194-195; p. 156-157;
destaques do autor). O segundo: “Ela está na igreja, de repente dá-se-lhe
uma sacudida, tem que se pôr de outro modo, como se alguém a pusesse,
como se fosse posta (muss sich anders stellen, als stellte sie jemand, als
würde sie gestellt)” à qual vêm se acrescentar as explicações da paciente –
o amante é de origem inferior, mas fê-la crer que era superior a ela, ela fezse igual a ele, ele falseou sua própria posição e assim falseou (verstellt) a
dela (FREUD, 1915a, p. 195; p. 157).
A paciente “tem a sensação de alteração orgânica, sente a tendência a
realizar a ação e expressa ambas no discurso, juntamente com suas causas”.
(SIMANKE, 2009, p. 165)
Visto que para Freud, na esquizofrenia, a repressão consiste na “fuga do
ego”, ou seja, na “retirada da catexia instintual dos pontos que representam a
apresentação inconsciente do objeto”
a catexia da apresentação da palavra não faz parte do ato de repressão,
mas representa a primeira das tentativas da recuperação do objeto ou de
cura que tão manifestamente dominam o quadro clínico da esquizofrenia.
Essas tentativas são dirigidas para a recuperação do objeto perdido, e pode
ser que, para alcançar esse propósito, enveredem por um caminho que
conduz ao objeto através de sua parte verbal, vendo-se então obrigadas a
se contentar com palavras em vez de coisas. (FREUD, 1915, p. 208).
Pode-se destacar que na esquizofrenia, a palavra como coisa é uma
tentativa de recuperação do objeto perdido e uma tentativa de cura pelo meio
verbal.
Como esclarece Simanke (2009), Freud em 1891 havia formulado pela
primeira vez os conceitos de representação da palavra e representação de
objeto, mostrando como a “linguagem adquire significação pela associação
53
com a representação de objeto e, mais tarde, como esta última ganha acesso à
consciência pelo vínculo com a palavra”. (SIMANKE, 2009, p. 34n).
Assim consciência e significação surgem como resultado de duas
operações simétricas e inversas “que percorrem os mesmos elementos, do
objeto à palavra e da palavra ao objeto”. A repressão (na neurose) agiria sobre
esse vínculo, impedindo o acesso da representação à linguagem e à
consciência. (ibid.)
Por outro lado, como nos aponta Simanke (2009), na esquizofrenia
a representação de objeto encontra-se desinvestida, mas presente na fala
como a causa da sensação corporal que a palavra, literalmente, nomeia,
sem que se possa falar propriamente de repressão ou de formação de
substitutos como na neurose. (SIMANKE, 2009, p. 34n).
Freud afirma que na “demência precoce (parafrenia ou esquizofrenia),
condição na realidade incurável, o paciente fica, nos casos mais graves, num
estado evidente de completa apatia.” (FREUD, 1913, p. 176).
O autor acrescenta que, frequentemente, “as únicas ações que lhe
restam são certos movimentos e gestos monotonamente repetidos e que têm o
nome de „estereotipias‟”. (FREUD, 1913, p. 176).
Uma investigação analítica desse tipo de resíduos, feita por Jung,
demonstrou constituírem os remanescentes de ações miméticas
perfeitamente significativas, as quais, em certa época, expressaram os
desejos dominantes do indivíduo. Os discursos mais loucos e as mais
estranhas posturas e atitudes adotadas por esses pacientes tornam-se
inteligíveis e podem ser encaixadas na cadeia de seus processos mentais,
se forem abordados com base em hipóteses psicanalíticas. (FREUD, 1913,
p. 176, 177).
De acordo com Freud, na esquizofrenia a libido retirada do mundo
externo “não procura um novo objeto e refugia-se no ego; isto é, que aqui as
catexias objetais são abandonadas, restabelecendo-se uma primitiva condição
de narcisismo de ausência de objeto”. (FREUD, 1915, p. 201)
Para Freud na psicose e, portanto, na esquizofrenia, o conflito se dá
entre o ego com o mundo externo. Se por um lado, o prognóstico da
esquizofrenia para Freud é uma inclinação a uma “hebetude afetiva – isto é, em
uma perda de toda participação no mundo externo”. (FREUD, 1924 [1923], p.
169).
Por
outro
lado,
Freud
menciona
resultados
terapêuticos
em
esquizofrenias parciais. Além disso, Freud cita um caso de recuperação de
54
uma paciente que substituiu a identificação narcisista por amor objetal.
(FREUD, 1917 [1915], p. 255).
Outros psicanalistas posteriores a Freud, aprofundaram a prática clínica
com psicóticos. E com as ideias de Freud como fundamento desenvolveram
teorias que deram continuidade aos pensamentos psicanalíticos iniciados por
esse autor.
55
O diálogo entre as Psicopatologias sobre a esquizofrenia
Nesse subtema, o propósito da aproximação é dialogar com as
psicopatologias sobre a compreensão da esquizofrenia, considerando a clareza
das diferenças de pressupostos teóricos e terminológicos entre as abordagens
da Psicanálise Freudiana e a Psiquiatria Fenomenológica e respeitando as
críticas existentes entre estas. Nesse sentido, está-se de acordo com a
proposta da Psicopatologia Fundamental nessa interlocução, pois se destacam
as contribuições e acréscimos que tal comparação pode proporcionar ao
entendimento da esquizofrenia em Freud.
Convém mencionar que dentro da psiquiatria há diferentes “abordagens”
psicopatológicas. Por exemplo, como explica Tatossian, o médico psiquiatra
organicista possui o interesse técnico no que é observável, no comportamento
material do doente mental mediado pelo comportamento verbal. O psiquiatra
fenomenólogo, por outro lado, atenta para a experiência do doente mental, a
“visão”, “sem a interposição de um saber teórico pré-determinado”. Esse
profissional, segundo o autor, “não pretende explicar, mas clarificar a
experiência psiquiátrica, ou seja, torná-la transparente quanto à essência”.
(TATOSSIAN, 2006, p. 34, 35, 36 e 38).
Narcisismo, a alienação esquizofrênica e o diagnóstico do autismo como
sintoma e como fenômeno
Freud no texto “Sobre o Narcisismo: Uma Introdução” (1914) afirma que
a megalomania e os desvios do interesse do mundo externo, de pessoas e
coisas sem substituição por outro na fantasia por parte do sujeito são
características fundamentais da esquizofrenia. (FREUD, 1914, p. 82).
Narcisismo é um termo que remete ao mito de Narciso, em síntese, é o amor
por si mesmo. (Laplanche e Pontalis, 2001, p. 287).
Referente ao desinteresse do mundo externo, em “O Inconsciente”
(1915) Freud destaca que “a libido que foi retirada não procura um novo objeto
e refugia-se no ego”, ou seja, “as catexias objetais são abandonadas,
restabelecendo-se uma primitiva condição de narcisismo de ausência de
objeto” (FREUD, 1915, p. 201).
Quanto à megalomania, Freud a define como o mecanismo, o domínio
psíquico que permite uma elaboração da libido que retornou ao ego. Se a
56
megalomania falha, o represamento da libido no ego torna-se patogênico,
então se origina a hipocondria como processo de restauração. Caso o
desligamento dos objetos seja parcial segundo Freud três fenômenos podem
apresentam-se no quadro clínico do paciente. O primeiro corresponde aos
fenômenos residuais que são o que resta do estado normal do sujeito. O
segundo refere-se ao afastamento da libido dos seus objetos e à megalomania,
à hipocondria, às perturbações afetivas e todo tipo de regressão, que
representam o que resta de um estado mórbido. E o terceiro fenômeno que
está relacionado a um restabelecimento. (FREUD, 1914, p. 93).
No conceito de narcisismo na esquizofrenia introduzido por Freud, a
consequência do repúdio pelo mundo externo é uma completa apatia do
sujeito. De acordo com Freud, “a regressão estende-se não simplesmente ao
narcisismo (manifestando-se sob a forma de megalomania), mas a um
completo abandono do amor objetal e um retorno ao auto-erotismo infantil”.
(FREUD, 1911, p. 84).
Tal entendimento nos remete uma vez mais ao autismo definido por
Bleuler como “predominância da vida interior e desapego ativo do mundo
exterior” e também pelo denominado por Bleuler “pensamento des-real”.
(TATOSSIAN, 2006, p. 58).
O autoerotismo, o autoinvestimento de libido e de amor na esquizofrenia
pode ser compreendido como um autismo com Eros (auto(eros)tismo), da
mesma forma que o autismo é um autoerotismo sem Eros.
Nas palavras de Berlinck (2008, p. 102),
No autismo não se observa a presença de Eros, o poder próprio do humano
em estabelecer ligações. Nele, a função materna dá lugar à autoctonia, ao
filho natural, revelando a ausência do “objeto a”, causa do desejo. O autista
tem genitora, mas não tem função materna: é filho natural.
E ao citar Fédida, Berlinck (ibid.) destaca que “o déficit fundamental do
auto-erotismo refere-se ao fracasso do outro no autos do auto-erotismo”. O
autor (BERLINCK, 2008, p.102) acrescenta outra citação de Fédida
... o autismo seria subtração de Eros, mas, correlativamente, excesso de
autos funcionando de uma certa maneira, privado do movimento de Eros
(...) como o Eros está ausente (ou derivado), autos é incapaz de encontrar
forma através das formas que só poderão ser engendradas graças à
circulação de Eros. (grifo do autor).
57
De acordo com Berlinck, (2008, p. 104), “o autismo é autoerotismo sem
Eros”, o autor aponta também que Bleuler sugeriu o termo “autismo” por
subtração de eros da expressão aut(eros)tismo. (p. 103).
Quanto ao tratamento do autista, Berlinck menciona que
Na clínica do autismo é necessário, então, que o psicoterapeuta introduza o
Eros no corpo do paciente emprestando a ele seu próprio erotismo, ou seja,
é necessário que o psicoterapeuta realize, em ato, no tratamento, a função
materna que permite a passagem da libido para as pulsões de vida e de
morte, para Eros e Tânatos e, é bom que se diga, isso só ocorre pela
palavra psicoterapêutica do psicanalista. (BERLINCK, 2008, p.107).
Na esquizofrenia há um autismo, mas há também Eros, no entanto, o
Eros está voltado para si (autoerotismo).
Ao passo que no tratamento do
autismo busca-se introduzir Eros, na esquizofrenia, por outro lado, o trabalho
clínico consiste em introduzir o outro (altro) como objeto, e desviar parte do
Eros do autodirecionamento de libido e amor (autoerotismo) a esse outro, para
que Eros – as ligações - sejam possíveis, ou seja, haja a formação de laço, não
mais apenas laço consigo mesmo, mas o laço com o outro, laço social.
Para Freud, o autoerotismo caracteriza a prática sexual em que a pulsão
“não está dirigida para outra pessoa; satisfaz-se no próprio corpo, é autoerótica”, em que um exemplo é a masturbação. (FREUD, 1905, p. 170).
No autoerotismo, o próprio corpo é centro da satisfação do
comportamento sexual infantil do sujeito através de uma ligação entre uma
pulsão parcial e o funcionamento de um órgão ou excitação de uma zona
erógena, ou seja, não há recorrência a um objeto exterior, nem a uma imagem
unificada do corpo, característica semelhante ao narcisismo. (Laplanche e
Pontalis, 2001, p. 47).
De acordo com Tatossian (2006) o autismo na esquizofrenia além de ser
um sintoma, é um fenômeno que manifesta a totalidade que é da “ordem do
individual: forma ou estrutura da vida transformada”,
“modificação profunda e característica da personalidade humana inteira”,
pessoa ou ser-no-mundo alterado, estilo particular de transcendência – ou,
antes, de ordem comunicativa: forma de encontro, “fato definido de
compreensão mútua” (...) fenômeno “atmosférico”, fenômeno “entre-dois”.
(ibid.)
Assim, essas diferentes visões convergem no ponto comum que é o
voltar-se para si e abandono parcial ou completo do externo na esquizofrenia.
58
Visto que diferentemente da psiquiatria orgânica que desconsidera a
experiência do psiquiatra, a psiquiatria fenomenológica propõe a consideração
das manifestações da psicopatologia a partir do psiquiatra e de sua
experiência, o que ajuda a compreensão do fenômeno “entre-dois” na
alienação esquizofrênica. (ibid. p. 42)
Nessa proposta não há apego ao modelo semiológico para diagnosticar
a esquizofrenia, tampouco seria um “diagnóstico pelo sentimento” ou
“diagnóstico pela intuição”, mas sim como menciona Minkowski trata-se do
“diagnóstico pela penetração”. (ibid. p. 58)
Freud afirma que na psicose, além da perda do contato com a realidade,
há a substituição por uma neorealidade através do delírio. (FREUD, 1924, p.
209).
Ao considerar o autismo como global, Minkowski aborda a alienação
esquizofrênica como um modo de vida em que houve uma “perda” ou “ruptura”
do contato vital com a realidade, não privilegiando a interioridade, como fez
Bleuler, mas dando ênfase às atividades autistas, que “pressupõem a
incapacidade ao contato vital com o ambiente, o dano da „categoria
fundamental do vivido, do sentir, do viver”. Do campo do sentir, Minkowski
diferencia a afetividade-conflito que está relacionada aos sentimentos e
paixões de afetividade-contato que resulta do encontro e das relações
humanas que são manifestações do contato humano e apego da ordem tátil e
da “capacidade vital” do auditivo. (TATOSSIAN, 2006, p. 59, 60).
Outra interessante distinção que o autor faz com relação ao autismo na
esquizofrenia é a do autismo rico e o autismo pobre. Esse último caracteriza-se
pelo empobrecimento da ação humana normal com distúrbios do pensamento e
da afetividade, ao contrário do autismo rico em que há um acréscimo
imaginativo a essas funções, ainda que em ambos se apresentem “reações de
recuo em relação ao ambiente”. Em que o delírio se estabelece como uma
“experiência radicalmente nova” que se “coloca com dificuldade entre os
simples prolongamentos da deterioração autista”. (ibid. p. 61).
A cura: o delírio, a alucinação e outras tentativas
A criação delirante pode ser vista como uma “atitude defensiva” e o
autismo esquizofrênico como
59
“uma impotência e uma necessidade, a necessidade de criar um
pseudomundo imaginário e a impotência decorrente da inversão de relações
do Sujeito com o Outro e de descobrir na esquizofrenia a dupla estrutura
negativa e positiva do órgão-dinamismo”. (TATOSSIAN, 2006, p. 62).
Para Freud os delírios psicóticos são uma tentativa de cura, “de
restabelecimento”, “de restauração”. (FREUD, 1911, p. 84).
Esse autor aponta também como tentativa de cura por parte do paciente
a já citada hipocondria, que pode apresentar-se na fala com “referências a
órgãos corporais ou a inervações quase sempre” com “proeminência no
conteúdo dessas observações”, em que “a manifestação oral esquizofrênica
exibe uma característica hipocondríaca: tornou-se „fala do órgão‟” ou “fala
hipocondríaca” (FREUD, 1915, p. 202-3).
Outra tentativa de cura, também já mencionada, mas que requer maior
aprofundamento, é a apresentação da palavra como coisa (FREUD, 1915, p.
208) cuja formação, característica da esquizofrenia, Freud diferencia do
processo de elaboração de sonhos. Na formação dos sonhos há contribuição
dos restos diurnos na medida em que
os pensamentos são transformados em imagens, principalmente de
natureza visual; isto é, as apresentações da palavra são levadas de volta às
apresentações da coisa que lhe correspondem, como se, em geral, o
processo fosse dominado por considerações de representabilidade
(FREUD, 1917[1915], p.235-6).
Quando a regressão dos resíduos pré-conscientes do dia é concluída,
“resta grande número de catexia no sistema Ics. – catexias de lembranças de
coisas” Então,
Leva-se o processo psíquico primário a relacionar-se com essas
lembranças, até que, pela condensação destas e pelo deslocamento entre
suas respectivas catexias, tenha plasmado o conteúdo onírico manifesto.
Somente quando as apresentações da palavra que ocorrem nos resíduos
do dia são resíduos recentes e costumeiros de percepções, e não a
expressão de pensamentos, é que são tratadas como apresentações da
coisa, e sujeitas à influência da condensação e do deslocamento (ibid.)
No entanto, as falas e as palavras do conteúdo do sonho não constituem
novas formações mas
seguem o modelo de falas do dia que precedeu o sonho (ou de outras
impressões recentes, tal como algo que se leu). É notável quão pouco a
elaboração do sonho obedece às apresentações da palavra; ela está
sempre pronta a trocar por outra até encontrar a expressão mais
conveniente para representação plástica (ibid.).
Por outro lado, na esquizofrenia “as palavras estão sujeitas a um
processo igual ao que interpreta as imagens oníricas dos pensamentos oníricos
60
latentes”, o processo psíquico primário (FREUD, 1915, p. 203-4). Porém, nessa
psicopatologia
o que se torna objeto de modificação pelo processo primário são as próprias
palavras nas quais o pensamento pré-consciente foi expresso; nos sonhos,
o que está sujeito a essa modificação não são as palavras, mas a
apresentação da coisa à qual as palavras foram levadas de volta. Nos
sonhos existe livre comunicação entre catexias da palavra (Pcs) e catexia
da coisa (Ics.), enquanto é uma característica da esquizofrenia que essa
comunicação seja interrompida (FREUD, 1917[1915], p.235-6).
Segundo Freud, o processo onírico termina quando o conteúdo do
pensamento que se transformou e foi elaborado como fantasia de desejo,
torna-se consciente como uma percepção sensorial. Nesse sentido, o desejo
onírico é alucinado, e como alucinação recebe crença de realidade.
A fase alucinatória da esquizofrenia (...) parece ser, em geral, de natureza
composta, mas em sua essência poderia corresponder a uma nova tentativa
de restituição, destinada a restaurar uma catexia libidinal às idéias de
objetos. (FREUD, 1917[1915], p.235-6).
Portanto, para Freud as alucinações também são tentativas de cura por
parte do sujeito esquizofrênico.
E como nos aponta Simanke (2009, p. 166), na formação dos sintomas
esquizofrênicos prevalece a referência à palavra sobre a referência à coisa.
Outra tentativa está presente na catatonia, por exemplo, os distúrbios
psicomotores dos esquizofrênicos “são tentativas de reconstrução: a tendência
à simetria das atitudes ensaiaria restabelecer uma aparência racional e
ordenada”. (TATOSSIAN, 2006, p.100).
O termo cura para a medicina consiste na eliminação dos sintomas e
inclusive dos delírios e alucinações. Implica restituir, consertar com o objetivo
de alcançar o funcionamento esperado, a normalidade.
Na língua portuguesa, a cura é definida como “ato ou efeito de curar-se”,
“restabelecimento da saúde”, “tratamento” e “vigário da aldeia”. Curar significa
“restabelecer a saúde de”, “debelar (doença)”, “fazer (alguém) perder defeito
moral ou hábito prejudicial”, “secar ao calor, ou ao fumeiro” “restabelecer-se,
sarar”. (Ferreira, 200, p. 198).
Freud advertiu aos psicanalistas a respeito do furor sanandi o desejo de
sarar a qualquer preço. No entanto, ele não se referia à cura no sentido mais
amplo, pois a palavra curar vem do latim e significa cuidado. (HERRNANN,
2000, p. 428). Mas se referia à loucura de sarar sem considerar as
61
consequências, por exemplo, ao retirar totalmente com medicações sintomas
como delírios e alucinações, retira-se também a possibilidade de compreensão,
elaboração e sentido, que poderiam ser trabalhados junto com o paciente a
partir dessas manifestações. Reconhece-se a necessidade e utilidade das
medicações antipsicóticas, a crítica aqui se refere aos excessos de medicações
nas prescrições médicas.
No tratamento de psicopatologias graves como a esquizofrenia, faz-se
necessário aprender com a redução fenomenológica a “suspender todas as
teses de valor”, portanto, toda normatividade ideal ou estatística. No entanto,
sem desconsiderar os muitos aspectos negativos da loucura como, em termos
fenomenológicos,
a
“restrição
existencial,
alteração
do
ser-no-mundo,
incapacidade de transcendência e perda da mundanização”. Pois, “o objeto da
psicopatologia não é o simples desvio de comportamento, quer dizer do
comportamento desviante”, o que caracteriza o ser sadio é “o que pode impedir
a autonomização, ou a persistência temporal do comportamento desviante e
não a ausência de sua potencialização ou realização” (TATOSSIAN, 2006,
p.46).
Agora em termos estatísticos: não é o desvio da curva normal que
definiria a doença do sujeito esquizofrênico, a doença deve ser considerada a
partir das implicações que traz à vida da pessoa, seus familiares e para a
sociedade como um todo. Não é a estrutura psíquica que determina a doença,
mas sim o estado de crise, um neurótico em crise está doente, um psicótico
fora da crise pode não estar em estado doentio. Pois há psicóticos que lidam
melhor com sua psicose do que neuróticos com sua neurose.
A cura: tratamento e transferência na esquizofrenia em Freud
Como mostra Joel Birman (1980) no livro de Antônio Quinet, Freud
reconhecia um saber do paciente no sintoma, no delírio, e em decorrência essa
“era a via possível para a terapêutica das psicoses”, o que certamente
escandalizava os psiquiatras da época (QUINET, p. 27).
Em 1909, Freud afirma que a demência precoce ou esquizofrenia é um
estado incurável por quaisquer esforços por parte dos psicanalistas (FREUD,
1909, p. 97). A razão de tal consigna ele esclarece, por exemplo, em 1914: a
incapacidade de transferência (FREUD, 1914, p. 201), e mais especificamente
62
em 1925, em que explica que “o estudo analítico das psicoses é impraticável
devido à sua falta de resultados terapêuticos”. Pois segundo o autor, esses
pacientes mentais, “em geral, não tem a capacidade de formar uma
transferência positiva, de modo que o principal instrumento da técnica analítica
é inaplicável aos mesmos” (FREUD, 1925[1924], p. 63).
No entanto, o amor objetal em substituição à identificação narcísica é
citado por Freud na recuperação de uma jovem esquizofrênica (FREUD,
1917[1915], p. 255).
Se a palavra cura for considerada como cuidado no significado do latim,
seu idioma original pode-se dizer que a psicanálise cuida, portanto que a
psicanálise cura.
63
Esquizofrenia e Laço social
O dicionário Aurélio (FERREIRA, 2000, p. 291) define a esquizofrenia
como o “grupo de distúrbios mentais que, basicamente, demonstrem
dissociação e discordância das funções psíquicas, perda da unidade da
personalidade, ruptura de contato com a realidade”.
A esquizofrenia pode ser, segundo essa definição, um desenlace entre
as funções psíquicas, um desenlace da personalidade, em fragmentos, e um
desenlace do sujeito com a realidade. É a esquizofrenia um desligamento do
sujeito com ele mesmo e com o mundo?
Por outro lado, o laço é definido pelo mesmo dicionário (FERREIRA,
2000, p. 415) como “nó que se desata sem esforço, e apresenta uma, duas ou
mais alças”; “aliança, vínculo”; “armadilha” e ainda “corda lançada para prender
o gado”.
O laço com o outro, laço social pode ser vivido como uma união
agradável, sentido como o calor de abraços ou pode ser experimentado como
uma frustração insuportável, uma realidade hostil, uma verdadeira armadilha
que prende o ser humano, da qual o indivíduo quer fugir a qualquer preço.
Então, na esquizofrenia, é o (des)ligamento sempre prejudicial? Como
se dá o (des)prender do laço social? Como entender esse (des)envolvimento?
Há um recombinar, reconciliar? Como compreender o (des)enlace social?
Laço Social: transferência e delírio psicótico em Freud
Segundo Sigmund Freud a dificuldade do sujeito esquizofrênico em
estabelecer laço transferencial impossibilita a viabilização do tratamento clínico
psicanalítico (FREUD, 1914, p. 201). Visto como uma possibilidade de laço
social com o analista, o laço transferencial para Freud não se forma. Portanto,
esse laço social não se estabelece, sendo o analista um representante do meio
social em que está integrado.
No entanto, o delírio como uma nova realidade (FREUD, 1911, p. 84),
em substituição a realidade hostil vivida pelo esquizofrênico é uma tentativa de
restauração e cura, que pode ser considerado também como uma tentativa de
reorganização para o restabelecimento do laço social.
Em “Neurose e Psicose” (1924[1923], FREUD p. 167-8), Freud explica
que a psicose (inclusive a esquizofrenia) é o resultado de um conflito entre o
64
ego e o mundo externo. Freud acrescenta que o ego de acordo com os
impulsos desejosos do id, cria um novo mundo tanto externo quanto interno,
em substituição à realidade apresentada como frustração intolerável.
Nesse texto, acima citado (ibid. p. 169), Freud afirma também que a
esquizofrenia inclina-se “a acabar em uma hebetude afetiva – isto é, em uma
perda de toda participação no mundo externo”.
À relação que se rompe do sujeito esquizofrênico com o mundo externo,
muitas vezes, inclui-se o relacionamento com a realidade e com o outro, ou
seja, há um rompimento completo ou parcialmente do laço social durante o
surto esquizofrênico. No entanto, o psicótico não está sempre em surto. Mas,
nesse período tal ligamento talvez esteja ausente.
Segundo Freud (ibid.) os delírios surgem como um “remendo no lugar
em que originalmente uma fenda apareceu na relação do ego com o mundo
externo” e se o conflito do ego com o mundo externo não se faz visível na
atualidade, isso ocorre devido a que as manifestações do processo patológico
são “recobertas por manifestações de uma tentativa de cura ou uma
reconstrução” – o delírio.
Em “A perda da realidade na neurose e na psicose” (FREUD, 1924, p.
205), Freud reafirma que na psicose o ego se afasta de um fragmento da
realidade, cujo fator decisivo de predominância é o id.
Freud distingue duas fases presentes na psicose. A primeira fase
“arrastaria o ego para longe” da realidade, a segunda tentaria reparar o dano
causado e restabelecer, com a criação de uma nova realidade, as relações do
indivíduo com a realidade às expensas do id. (ibid. p. 206).
A importante contribuição de Freud mostra que na psicose a fuga inicial
da realidade é sucedida por uma fase ativa de remodelamento, pois o psicótico
repudia a realidade e a tenta substituir. (ibid. p. 207)
Para Freud,
em uma psicose, a transformação da realidade é executada sobre os
precipitados psíquicos de antigas relações com ela – isto é, sobre os traços
de memória, as ideias e os julgamentos anteriormente derivados da
realidade e através dos quais a realidade foi apresentada na mente. Essa
relação, porém, jamais foi uma relação fechada; era continuamente
enriquecida e alterada por novas percepções. Assim, a psicose também
depara com a tarefa de conseguir para si própria percepções de um tipo que
corresponda à nova realidade, e isso muito mais radicalmente se efetua
mediante a alucinação. (ibid.)
65
Porém, para Freud, a representação da realidade não pode ser
remodelada em formas satisfatórias, pois a criação de uma nova realidade é
parcialmente mal sucedida. A ênfase que incide no primeiro passo (arrastar o
ego para longe da realidade), para o autor “é patológica em si própria e só
pode conduzir à enfermidade”. Nesse conflito inicial, o ego rendeu-se à sua
dependência do id. (FREUD, 1924, p. 208).
Como nos esclarece Simanke (2009, p. 183), de acordo com Freud a
psicose renega a realidade e a procura substituir. “A renegação da realidade
torna-se, assim, uma pré-condição da reconstrução do mundo efetuada pelo
delírio”. (SIMANKE, 2009, p.183). A renegação é nesse sentido um dos
mecanismos de defesa contra a castração. (SIMANKE, 2009, p. 211)
Nesse contexto, insere-se a alucinação, cuja função é fornecer percepções
tais que correspondem à realidade a ser reconstituída, na exata medida em
que o acervo de registros (memória) da informação perceptiva anterior,
incompatível com a fantasia de desejo, havia anulado pelo processo
defensivo. (SIMANKE, 2009, p. 183).
A nova realidade criada de acordo com os desejos do indivíduo substitui
a realidade desagradável. O mundo imaginário é o recurso pelo qual derivam
os materiais ou o padrão para tal construção. (FREUD, 1924, p. 209)
Ao passo que o novo e imaginário mundo externo de uma psicose tenta
colocar-se no lugar da realidade – um fragmento diferente contra o qual tem
que defender-se -, e emprestar a esse fragmento uma importância especial
e um significado secreto que nós (nem sempre de modo apropriado)
chamamos de simbólico. (ibid.)
Quanto à ruptura do “laço” objetal, Volich no livro de Berlinck
(BERLINCK, 1999, p. 54) afirma que a “perda do interesse pelos objetos e pelo
mundo objetal inviabiliza a vida psíquica, e esse desinvestimento representa
uma verdadeira ameaça vital”.
Ao citar A. Green, Volich menciona que a “função objetalizante e de
ligação das pulsões de vida, em oposição à função desobjetalizante e de
desligamento da pulsão de morte” possui grande importância. E as
“consequências da atividade de formas de destrutividade não ligadas” que se
podem manifestar nas psicoses é a desintegração do ego. (ibid.)
Às vezes, romper com a realidade, e consequentemente, com o laço
social é uma defesa. É o que permite a sobrevivência do sujeito esquizofrênico.
Manter o laço é insuportável, então, o indivíduo o rompe para preservar a
continuidade de sua existência como humano.
66
Romper laços pode proporcionar crescimento e amadurecimento, desde
que novos sejam atados (ainda que precariamente através de um delírio). O
desenlace social pode provocar o absoluto isolamento, destruição do convívio
social, e se não houvesse um movimento de recriar, poderia significar a
destruição do ego e morte do sujeito.
No entanto, há na esquizofrenia não apenas uma perda da realidade,
mas também uma substituição por uma nova realidade.
Nesse sentido a esquizofrenia não apresenta apenas perdas, como as já
consideradas, perda cognitiva, perda do convívio social e perda afetiva ao
paciente. Os sintomas negativos significam perdas.
Porém, toda perda implica um ganho. Não apenas os sintomas positivos,
delírios e alucinações são ganhos. O esquizofrênico vive experiências,
sentimentos, sensações, compreensão e atribuição de sentidos sob uma
perspectiva que somente a esquizofrenia pode proporcionar.
Além disso, um ganho adicional são os recursos que o sujeito precisa
criar e inventar para lidar e suportar o imensurável sofrimento que acompanha
essa psicopatologia. A esquizofrenia não é apenas uma grande doença mental
pode ser também, de certa forma, vantagem mental.
Laço social: psicose e laço familiar
Nesse item se considerará a contribuição de D. W. Winnicott, um
psicanalista posterior a Freud, que apresentou uma proposta de intervenção
para pacientes psicóticos e publicou alguns de seus casos clínicos no capítulo
“Os efeitos da psicose sobre a vida familiar” do livro A família e o
desenvolvimento individual.
Winnicott (WINNICCOTT, 1909, p. 47-8) definia a demência precoce
como uma defesa em que, se há um vislumbre da manifestação do interesse
pelo mundo externo, “constata-se que o mecanismo lógico está intacto”. E que
“tais manifestações intermitentes da inteligência tão bruscas e totais quanto as
que observamos na demência precoce seriam inimagináveis numa demência
orgânica”.
Segundo o autor, essa psicopatologia
canaliza para o eu todo o interesse e toda energia afetiva retirada do mundo
externo; é o que explica as ideias de grandeza, os hábitos infantis, a
revivescência dos modos de satisfação auto-eróticos, a irresponsabilidade
67
em face de exigência culturais, a anulação, a rejeição quase total do mundo
externo. (ibid.)
Para
Freud,
o
funcionamento
pulsional
é
responsável
pelo
desenvolvimento psíquico. Para Winnicott, os processos de constituição do ego
e do self para participar do funcionamento pulsional necessitam de um espaço
intra-psíquico já delimitado e o meio é fundamental na construção desse
espaço. (SOUZA, 1996, p. 11)
Quanto às psicoses, para Winnicott, se referem “a um momento de nãointegração, anterior à reunião de um self, a uma fase de dependência absoluta
onde ocorreram falhas de adaptação no âmago da unidade mãe-bebê”. (DIAS,
1994, p.73)
A proposta terapêutica de Winnicott para as psicoses consiste no
oferecimento de um setting flexível que possa reproduzir as mais antigas
técnicas de maternagem possibilitando uma regressão, um retorno organizado
à dependência inicial, que resulta para o paciente em uma sensação de um
novo sentido do self que se submete ao ego total. Há o descongelamento de
uma situação de fracasso ambiental e a raiva sentida naquela ocasião passa a
ser presente e expressa. Logo, há um retorno da regressão à dependência, em
um processo em direção à independência. Por fim, as necessidades e desejos
pulsionais
tornam-se
realizáveis
com
vitalidade
e
vigor
genuínos.
(WINNICCOTT, 1978, p. 464)
Segundo Winnicott “muitas famílias se desfazem devido à carga da
psicose sobre um de seus membros, e que a maior parte dessas famílias
provavelmente permaneceria unida se pudesse ser aliviada” de uma carga de
tão alto e insuportável grau de sofrimento. (WINNICCOTT, 1960, p. 90)
Em um primeiro caso clínico apresentado por Winnicott, ele cita que “o
menino desde muito cedo deu mostras de ser muito inteligente e psicótico.” O
menino era a caricatura do pai e invertia as relações. Porém, nesse caso a
psicose do filho “amarrou” os pais a uma não separação, o que, segundo o
autor, impossibilitou a continuidade do crescimento de todos como indivíduos e
aos pais que decidiram ficar juntos para cuidar do menino a um círculo vicioso.
(ibid.)
Winnicott descreve vários interessantes casos, dentre esses o de uma
menina de treze anos, com delírios paranoides e pai político, em que romper o
68
laço familiar resultou no bem da paciente. Foi cuidada por enfermeiras, jamais
pode voltar para casa, pois em um momento que retornou, as perturbações
voltaram. Distante da casa tornou-se enfermeira. (ibid. p.96)
Winnicott afirma que o analista que trata o paciente esquizofrênico,
encontra-se envolvido “na elucidação de uma cisão na pessoa do paciente, o
extremo de uma dissociação”. (WINNICCOTT, 1968, p. 152)
Para a psicoterapia da esquizofrenia, Winnicott acrescenta que se deve
ajudar a “proporcionar a confiabilidade que o paciente pode usar, no sentido de
que pode anular as defesas que foram erguidas contra a impredizibilidade e as
calamitosas consequências em termos de horror a ser experienciado”. Pois se
se alcança êxito, capacita-se o paciente a abandonar a invulnerabilidade e a
tornar-se um sofredor. (ibid. p. 155)
Nesse primeiro momento, pode-se concluir que o laço social na
esquizofrenia às vezes pode ser reconstruído, durante o surto através do
delírio, após o surto talvez através da análise.
Também, o rompimento do laço social nem sempre é totalmente
prejudicial, pois às vezes, como no exemplo clínico, serve para o benefício e
sobrevivência do paciente.
69
Esquizofrenia e laço social em Freud
Em “Psicologia de grupo e a análise do ego” (FREUD, 1921, p. 81),
Freud afirma que a psicologia individual é ao mesmo tempo psicologia social, o
autor amplia os fenômenos sociais às relações do indivíduo com os pais,
irmãos, objeto de amor e com seu médico ou analista, em contraste com os
processos narcisistas, em que a satisfação dos instintos é parcial ou totalmente
retirada da influência de outras pessoas.
Nesse segundo caso, os atos narcisistas, Freud (ibid.) menciona que
Bleuler [1912] “talvez os chamasse de „autísticos‟”. E como já considerado
nesse trabalho, na esquizofrenia o funcionamento predominante é narcísico, e
há autismo com Eros, mas voltado para si, ou seja, autoerotismo. Também, na
esquizofrenia parece ausentar-se a relação do sujeito esquizofrênico com o
objeto. No entanto, vejamos como o esquizofrênico, muitas vezes, livre da
influência grupal, influência de outras pessoas, possui aumento do seu grau de
liberdade.
Ao mencionar a descrição de Le Bon da mente grupal, Freud (ibid.)
explica que se os indivíduos de um grupo se combinam em uma unidade, deve
haver algo que os une e esse elo poderia ser a coisa que caracteriza o grupo.
Para Le Bon, no grupo a distintividade se desvanece, o que é heterogêneo
passa a ser homogêneo, e como característica do grupo, o contágio se
apresenta em sentimento e ato e, às vezes, contrário às apresentações do
indivíduo isolado. (FREUD, 1921, p. 84, 85). Freud menciona a falta de
liberdade do indivíduo no grupo, em que cada um está preso em duas direções
por um “laço emocional tão intenso que não encontraremos dificuldade em
atribuir a essa circunstância a alteração e a limitação que foram observadas em
sua personalidade” (FREUD, 1921, p. 107). Nesse sentido, a excentricidade do
esquizofrênico se destaca como a liberdade de ser diferente e não influenciado
pelas pessoas do grupo que não o pertencem.
Mas, e se fosse formado um grupo de pacientes esquizofrênicos com o
tratamento como elo e objetivo? Essa experiência foi vivida pela pesquisadora
como coordenadora em um grupo terapêutico de reflexão com pacientes
esquizofrênicos na Casa de Saúde São João de Deus, sob a supervisão clínica
de Manoel Tosta Berlinck e a coordenação de José Waldemar Thiesen Turna,
vivência que possibilitou associar essa prática clínica à elaboração teórica de
70
Freud sobre a psicologia de grupos ou psicologia de massa, antes, porém,
convém relatar brevemente uma das sessões de tal experiência.
Grupo terapêutico de reflexão
Freud menciona que um grupo está sujeito ao poder “mágico” das
palavras que podem suscitar “as mais formidáveis tempestades na mente
grupal, sendo também capazes de apaziguá-las”. (FREUD, 1921, p. 90).
“Apaziguar as tempestades da mente por meio das palavras” é a frase
que melhor traduz a experiência clínica vivenciada com os pacientes
esquizofrênicos e a pesquisadora como uma dos coordenadores do grupo de
reflexão.
Para compartilhar essa vivência, escolheu-se como relato o primeiro dia
em que a pesquisadora participou como coordenadora do grupo terapêutico de
reflexão.
O encontro
No dia 14/01/2013, após a pesquisadora e José Waldemar passarem
pelas alas do hospital e cumprimentarem os pacientes e a pesquisadora
conhecer o lugar e as pessoas, ambos foram buscar os pacientes nas alas.
A juventude, a força física e psíquica desses pacientes lembram-nos os
deuses da mitologia grega, bem como já considerada, a similaridade do que
ocorre na vida mental dos esquizofrênicos coincide com mitos populares.
(FREUD, 1914, p. 87)
Nesse momento de encontro, tornou-se relevante a formação de um
laço: um paciente, Hermes – mensageiro dos deuses (nome fictício para
preservar a identidade do paciente e manter sigilo), convidou outro paciente
Alfeu (nome fictício) para participar do grupo terapêutico. Alfeu havia chegado
há pouco tempo na Casa da Saúde e aceitou o convite, esteve presente no
grupo.
Após reunirmos os pacientes, descemos todos juntos ao espaço
terapêutico. José Waldemar trouxe água, café, açúcar e adoçante.
No início da conversa do grupo, José Waldemar noticiou que havia duas
pessoas novas no grupo, Alfeu - o novo paciente, e então, eles se
questionaram quem era a outra nova pessoa. Um dos pacientes referiu à nova
71
“psicóloga”, que começou a apresentar-se e disse ser da Psicologia e estar no
início do trabalho voluntário, mas destacou sua disposição em ouvi-los e
contribuir de alguma forma no que for possível.
Alfeu contou sobre sua história. Começou a ouvir vozes paralelamente a
frequentar igrejas evangélicas. Ouvia as interpretações, a palavra de Deus e as
vozes, e falava línguas estranhas. Disse também não possuir o próprio corpo,
os próprios movimentos, e interpretou as reações de um policial como ameaça
a um movimento descontrolado do corpo do paciente.
Morfeu – deus dos sonhos (nome fictício) foi o próximo a se apresentar.
Morfeu estava internado há quase um ano e tinha violentas crises diárias. O
mais marcante nesse paciente é a imagem de tigre pisando em seu peito e
gerando angústia, imagem que ele descobriu em uma sessão de hipnose que
havia se submetido no hospital.
Outro paciente a se apresentar foi Dioniso (nome fictício) que disse que
antes estava tagarela e agitado, mas que agora estava tranquilo. Citou que
pediu um diagnóstico ao médico que disse que Dioniso estava internado devido
ao seu uso de drogas. Dioniso mencionou sentir-se aprisionado. A
pesquisadora então lhe perguntou o quanto mais aprisionado ele se sentiria se
encontrasse um diagnóstico, não é o diagnóstico mais uma visão do outro
sobre ele? E como podemos ver a nós mesmos, ter nossa própria visão?
Depois, Hermes apresentou-se. O surpreendente nesse paciente é que
ele disse ter conseguido “espantar” as vozes, e descreveu uma “técnica” um
“meio” (sic) para tal “fim” (sic) – uma técnica com palitos de fósforo. Ele
mencionou também sua necessidade de tentar “traduzir o que pensa, o que
sente e o que vive em palavras” (sic). Mencionou que seu apelido era “I am”
(sic) e com certo humor disse que: “se sou „I am‟ os outros pacientes eram „I
will‟” (sic). Excelente tradução e elaboração. Ele é. Os outros que o apelidam,
segundo ele, ainda serão.
Ares – deus da guerra (nome fictício) foi o próximo a apresentar-se
contando sua história sobre o surto em que vozes diziam que ele não é filho do
pai e que o pai o abusava sexualmente. Relatou que, de fato, descobriu depois
que não é filho do pai (é filho adotivo), mas que o abuso foi uma alucinação.
Relatou que às vezes as pessoas falam mal dele e riem. O quanto somos
72
afetados com as reações dos outros? Como reagimos? Como nos sentimos?
Foram questões pensadas e verbalizadas.
Reflexões pós-clínicas
O conteúdo religioso, o corpo em fragmentos, a necessidade de traduzir,
interpretar um código – temas presentes, alguns nas vozes que os pacientes
relatam ouvir, mas acima de tudo presentes nas falas desses pacientes, fazemnos pensar em especial em um personagem bíblico: Moisés.
No paciente Alfeu, há a característica de Moisés de “profeta” – Alfeu
tinha visões de anjos, falava em línguas diferentes, ouvia as interpretações da
Palavra de Deus, mas também ouvia vozes - de demônios? – questionou outro
paciente – Não, pois Alfeu diz ser da “doença” (sic). Ele reconhece-se como
doente e relata a experiência do corpo em fragmentos, corpo em pedaços que
ele não controla, não domina, corpo mosaico que é formado por inúmeros
pedacinhos, mas que, no entanto, se nos distanciarmos veremos que compõe
um todo.
Morfeu também tem seu aspecto Moisés, porém diferentemente do
Moisés de Michelangelo citado por Freud que se contém em quebrar as tábuas
da Lei dos dez mandamentos, esse paciente tem crises em que não só quebra
as leis como quebra, agride e arrebenta o companheiro de quarto e os objetos
e precisa ser contido fisicamente.
Quanto ao mensageiro dos deuses – Hermes e sua relação com a
tradução, há sua necessidade de interpretar o código para os demais, para os
“israelitas”, uma tradução verbal e então o coordenador sugeriu uma expressão
escrita – uma possível tradução do “código” de sua vivência por escrito.
Essa foi a primeira de várias sessões que a coordenadora-pesquisadora
participou, algumas vezes conduzindo sozinha o grupo, e que resultou em uma
excelente experiência clínica que trouxe reflexões para a presente pesquisa e
possibilitou relações com a teoria freudiana que serão consideradas a seguir.
O grupo terapêutico de reflexão e a “Psicologia de grupo e a análise do
ego”
Citando McDougall (1920), Freud destaca que os indivíduos de um
grupo devem ter algo em comum uns com os outros, seja o interesse comum
73
em um objeto, seja uma inclinação emocional semelhante em uma situação e
„certo grau de influência recíproca‟, ou ainda, „homogeneidade mental‟ para que
os indivíduos constituam um grupo psicológico. (FREUD, 1921, p. 94, 95).
Todos os pacientes do grupo terapêutico eram do sexo masculino, e a maioria
possuía em comum o funcionamento esquizofrênico, o que permitiu notáveis
manifestações na mente grupal.
Outro aspecto da vivência clínica no grupo de reflexão que converge à
teorização grupal de Freud foi a exaltação ou intensificação de emoção
produzida em cada membro do grupo, em que houve contágio emocional,
aumento da excitação e da carga emocional dos pacientes, especialmente
quando estavam presentes apenas as coordenadoras mulheres.
McDougall (FREUD, 1921, p. 96) destaca ainda cinco aspectos
necessários para a elevação da vida mental coletiva a um nível mais alto, que
foram observados também no decorrer do grupo terapêutico de reflexão.
O primeiro aspecto refere-se a certo grau de continuidade de existência
no grupo, quer seja material – quando os mesmos indivíduos persistem no
grupo por certo tempo, quer seja formal, “se se desenvolveu dentro do grupo
um sistema de posição fixa que são ocupadas por uma sucessão de
indivíduos” (ibid.). A continuidade da presença dos pacientes no grupo
terapêutico findava apenas com a alta médica, ou com breves interrupções
voluntárias e momentâneas dos pacientes, ou quando um dos membros do
grupo estava de alguma forma, impossibilitado de estar presente devido a uma
crise ou mal estar.
A segunda condição é que entre cada membro do grupo se forme
alguma “ideia definida da natureza, composição, função e capacidades do
grupo, de maneira que, a partir disso, possa desenvolver uma relação
emocional com o grupo como um todo”. (ibid.). No grupo terapêutico de
reflexão, a relação emocional desenvolvida com o tempo foi o afeto, em que os
membros do grupo algumas vezes se abraçavam ou consolavam e acalmavam
um dos componentes que se exaltava.
O terceiro aspecto para a elevação da vida mental coletiva, mencionada
por McDougall (FREUD, 1921, p. 97), é que o grupo deva ser colocado em
interação com outros grupos semelhantes, mas que dele difiram em muitos
aspectos. Quanto a esse ponto, as questões trabalhadas no grupo terapêutico
74
de reflexão, às vezes repercutiam em outros grupos, como o grupo de
recepção de novos pacientes em que participavam, além dos novos, também
alguns dos mesmos pacientes do grupo terapêutico de reflexão, e como
exemplo, a compreensão compartilhada por um dos membros e elaborada no
grupo de reflexão - que a internação não era uma prisão ou um castigo, mas
sim uma forma de tratamento.
O quarto aspecto é que “o grupo possua tradições, costumes e hábitos,
que determinem a relação de seus membros uns com os outros” (ibid.). Um dos
hábitos do grupo era tomar café em cada sessão, disponibilizado pelos
coordenadores, outro hábito mais esporádico era aos que fumavam, no término
da sessão, disponibilizavam-se cigarros para fumarem na área externa, algo
interessante de se notar era que mesmo os não fumantes gostavam de
acompanhar o grupo estando presentes sem fumar, ou seja, para fazerem
companhia aos fumantes e aos coordenadores. (Seria essa uma indicação de
possível formação de laço?).
Por fim, o quinto aspecto que fortalece a vida mental coletiva e afastam
as desvantagens das funções de seus constituintes é que “o grupo tenha
estrutura definida, expressa na especialização e diferenciação” de seus
membros. Apesar da quase unanimidade do diagnóstico de esquizofrenia, cada
participante do grupo terapêutico é valorizado como indivíduo singular, único,
diferenciado e digno de escuta. De forma que foi superado um dos desafios
apontados por Freud que seria conseguir agregar ao grupo aqueles aspectos
que eram característicos do indivíduo, mas que no grupo se extinguiriam, pois
fora
do
grupo,
“o
indivíduo
possuía
sua
própria
continuidade,
sua
autoconsciência, suas tradições, e seus costumes, suas próprias e particulares
funções e posição” e inclusive suas crenças e motivações religiosas. (FREUD,
1921, p. 97).
Esquizofrenia e laço religioso
Ainda sobre psicologia de grupo ou psicologia de massa, Freud ressalta
que há dois grupos artificiais: a igreja e o exército, e aqui se faz relevante
acrescentar que alguns pacientes esquizofrênicos do grupo terapêutico de
reflexão parecem estabelecer (mesmo que delirante) o que Freud chama de
“laço com Cristo” como líder da igreja cristã, que tem como consequência o
75
“laço que une uns aos outros” na irmandade e comunidade religiosa. Talvez,
tratando-se então do que o autor denomina um “laço grupal, e não mais laço
simples”. (FREUD, 1921, p. 105).
Freud menciona, em outras palavras, que nesses dois grupos artificiais
(a igreja e o exército), “cada indivíduo está ligado por laços libidinais” por um
lado ao líder – Cristo, o comandante – chefe, e por outro, aos demais membros
do grupo religioso. Freud destaca então, a importância do líder na psicologia de
grupo. (FREUD, 1921, p. 107). Além disso, Freud menciona que no laço
religioso, o enfraquecimento dos laços libidinais que dele dependem perde as
forças se outro laço grupal tomar o lugar de religioso. (ibid. p. 110). Haveria
possibilidade de substituir o laço delirante por outro laço grupal?
Esquizofrenia e laço com o outro
Freud esclarece que a “simples reunião de pessoas não constitui um
grupo” enquanto esses laços – laço com o líder e entre os membros do grupo não se estiverem estabelecido nele, por outro lado, Freud reconhece que “em
qualquer reunião de pessoas a tendência a formar um grupo psicológico pode
muito facilmente vir à tona”. (FREUD, 1921, p. 111).
Nas relações com o outro, convém aprendermos com o símile
schopenhaueriano citado por Freud, em que os porcos-espinhos para não se
congelarem, teriam que tolerar uma aproximação íntima com o próximo.
Um grupo de porcos-espinhos apinhou-se apertadamente em certo dia frio
de inverno, de maneira a aproveitarem o calor uns dos outros e assim
salvarem-se da morte por congelamento. Logo, porém, sentiram os
espinhos uns dos outros, coisa que os levou a se separarem novamente. E
depois, quando a necessidade de aquecimento os aproximou mais uma vez,
o segundo mal surgiu novamente. Dessa maneira foram impulsionados,
para trás e para frente, de um problema para o outro, até descobrirem uma
distância intermediária, na qual podiam mais toleravelmente coexistir.
(Parerga und Paralipomena, Parte ll, 31, „Gleichnisse und Paraben‟.).
(FREUD, 1921, p. 112n).
É preciso, de fato, encontrar uma relação com o outro que seja
suportável, não tão perto que possa ferir-nos e não tão longe que nos congele
– encontrar certa distância, mas que permita que o relacionamento ocorra e se
sustente. Estabelecer uma transferência que não seja nem „colada‟ no outro,
como alguns autores pensam ser a transferência na psicose, nem inexistente
76
como pensava Freud; é necessária a busca por uma relação que não se
localize nos extremos nem nos excessos.
Segundo Freud, as provas da psicanálise
demonstram que quase toda relação emocional íntima entre duas pessoas
que perdura por certo tempo – casamento, amizades, as relações entre pais
e filhos – contém um sedimento de sentimentos de aversão e hostilidade, o
qual só escapa à percepção em consequência da repressão. (FREUD,
1921, p. 112).
Se imaginarmos que no funcionamento do esquizofrênico não opera o
mecanismo da repressão do mesmo modo que no funcionamento neurótico,
entenderemos o porquê a relação com o outro para o esquizofrênico é tão
aversiva e hostil. Compreenderemos também, de acordo com Freud, que o
amor a si mesmo do narcisismo trabalha para a proteção e preservação do
indivíduo. (FREUD, 1921, p. 113).
No entanto, Freud afirma que
quando um grupo se forma, a totalidade dessa intolerância se desvanece,
temporária ou permanentemente, dentro do grupo. (...). Os indivíduos do
grupo comportam-se como se fossem uniformes, toleram as peculiaridades
de seus outros membros, igualam-se a eles e não sentem aversão por eles.
(FREUD, 1921, p. 113).
Um evento que ocorreu no grupo terapêutico de reflexão exemplifica
como os pacientes passaram a tolerar as peculiaridades de seus outros
membros. Em certa ocasião, um paciente constantemente batia a porta do
banheiro sempre que o utilizava fazendo grande barulho que incomodava o
andamento do grupo. Além disso, ele gritava, conversava com a janela e com o
quadro, durante os atendimentos, e uma vez encheu a colher do açúcar usado
para adoçar o café de todos, colocou-a na boca e a retornou novamente ao
pote.
Um dos coordenadores sugeriu que esse paciente fosse transferido de
grupo, mas antes consultou as opiniões de cada membro do grupo terapêutico.
Todos os pacientes disseram que ele devia continuar no grupo, expuseram
como argumentos que o paciente estava em momento de grande sofrimento e
que os demais poderiam comparar seus estados com o dele, de forma que
esse paciente tinha a função no grupo de “termômetro” que media não a
temperatura, mas o grau de estado mental de cada componente do grupo.
Além disso, os pacientes não demonstravam aversão por ele, mas pelo
77
contrário, achavam que ele era muito divertido ao expressarem a importância
da continuidade desse paciente no grupo terapêutico de reflexão.
O funcionamento inicial do grupo terapêutico de reflexão era como grupo
narcísico, e segundo Freud uma “limitação do narcisismo”, “só pode ser
produzida por um determinado fator, um laço libidinal com outras pessoas”. A
barreira que o amor por si mesmo conhece é o “amor pelos outros, o amor
pelos objetos”. (ibid.).
Freud continua da seguinte maneira:
A experiência demonstrou que, nos casos de colaboração, se formam
regularmente laços libidinais entre os companheiros de trabalho, laços que
prolongam e solidificam a relação entre eles até um ponto além do que é
simplesmente lucrativo. (FREUD, 1921, p. 113).
Dessa forma, o laço laboral entre trabalhadores pode ultrapassar o
objetivo do lucro financeiro e atingir e fortalecer vínculos libidinais entre os
sujeitos. Semelhantemente, tais vínculos parecem ter ocorrido no grupo
terapêutico de reflexão com os pacientes esquizofrênicos, em que o trabalho e
o consequente lucro eram psíquicos.
Como nos mostra Freud “a mesma coisa ocorre nas relações sociais dos
homens como se tornou familiar à pesquisa psicanalítica no decurso do
desenvolvimento da libido individual”. (FREUD, 1921, p. 113).
A libido se liga à satisfação das grandes necessidades vitais e escolhe
como seus primeiros objetos as pessoas que têm uma parte nesse
processo. E, no desenvolvimento da humanidade como um todo, do mesmo
modo que nos indivíduos, só o amor atua como fator civilizador, no sentido
de ocasionar a modificação do egoísmo em altruísmo. (FREUD, 1921, p.
113, 114).
Talvez um tratamento possível para a esquizofrenia seja introduzir o
outro (altro), que possa captar pelo menos parte do Eros do autoerotismo, o
amor que o esquizofrênico tem por si mesmo - para esse outro, novo alvo de
seu amor. Mas, como fazer isso?
Esquizofrenia, identificação e laço emocional
Para a psicanálise, a expressão mais remota, mais primitiva de um laço
emocional com outra pessoa é a identificação. (FREUD, 1921, p.115, 116).
Podemos exemplificar com a citação de Freud sobre o medo da criança
pequena na aproximação de um „estranho‟, mas que ao crescer a criança
geralmente desenvolve o instinto gregário ou sentimento de grupo ao
78
identificar-se com outras crianças, sentimento comunal (ou de grupo) que é
ainda mais desenvolvido na escola. (FREUD, 1921, p. 129, 130).
Freud esclarece que a criança no grupo de crianças reivindica justiça por
um tratamento igual para todos, apresenta ciúme como sentimento grupal no
quarto em que talvez haja muitas crianças ou na sala de aula, o que podemos
acrescentar que podem ser indícios do que talvez se apresente posteriormente
como sendo a justiça social, a consciência social e o senso de dever. Freud
destaca também que a identificação entre as crianças se dá por meio de um
amor semelhante pelo mesmo objeto. (ibid. p, 130).
Dessa forma para Freud, o sentimento social “se baseia na inversão
daquilo que a princípio constituiu um sentimento hostil em uma ligação da
tonalidade positiva, de natureza de uma identificação”, como no exemplo acima
citado, e essa “inversão parece ocorrer sob a influência de um vínculo afetuoso
comum com uma pessoa fora do grupo”. (FREUD, 1921, p. 131.).
Encontramos na esquizofrenia um funcionamento similar ao de crianças
pequenas quanto à tendência ao narcisismo, o autoerotismo, bem como ao
pensamento concreto e literal em contraste com a expressão simbólica.
Além disso, de acordo com Simanke (2009, p. 131) com relação à
esquizofrenia,
um
argumento
suplementar
de
Freud
de
que
nessa
psicopatologia a fixação estaria no narcisismo primário seria o de que na
esquizofrenia semelhantemente às características da vida anímica das crianças
e dos povos primitivos, se destacam pela chamada “onipotência dos
pensamentos”, ou seja, uma superestimação do poder dos atos psíquicos e
dos desejos. Isso devido a que na esquizofrenia, a fixação narcísica implica à
um retorno até o autoerotismo infantil. (SIMANKE, 2009, p. 163).
Será que a relação com o outro, sentida como hostil para o
esquizofrênico, poderia através de um vínculo afetuoso com outros com o
funcionamento psíquico semelhante, atuando assim como identificação no
grupo de pacientes, poderia movê-los ao amor por um mesmo objeto comum?
Para Freud, a identificação constitui também a forma original de laço
emocional com um objeto, e de maneira regressiva, ela se torna sucedâneo
para uma vinculação de objeto libidinal, por meio da introdução do objeto no
ego. (FREUD, 1921, p. 117).
Segundo Freud, a identificação
79
Pode surgir com qualquer nova percepção de uma qualidade comum
compartilhada com alguma outra pessoa que não é objeto de instinto
sexual. Quanto mais importante essa qualidade comum é, mais bemsucedida pode tornar-se essa identificação parcial, podendo representar
assim o início de um novo laço. (FREUD, 1921, p. 117).
Se como nos aponta Freud “o laço mútuo existente entre os membros de
um grupo é de natureza de uma identificação”, “baseada numa importante
qualidade emocional comum”; tanto entre os membros do grupo terapêutico de
reflexão quanto com os coordenadores, a “empatia” é o que desempenha o
maior papel do que “é inerentemente estranho ao nosso ego nas outras
pessoas”. (FREUD, 1921, p. 118).
Porém, Freud considera que
A pesquisa psicanalítica, que já atacou ocasionalmente os mais difíceis
problemas das psicoses, também pôde mostrar-nos a identificação em
alguns outros casos que não são imediatamente compreensíveis. (FREUD,
1921, p. 118).
Freud orienta o caminho pelo qual uma identificação percorre e resulta
em sentimento social: a “influência de um vínculo afetuoso”, o laço emocional.
(FREUD, 1921, p. 131).
A despedida, a saudade e os planos para o retorno
A identificação e o vínculo afetivo desenvolvidos no grupo terapêutico de
reflexão permitiu que alguns pacientes, em momentos distintos, verbalizassem
o desejo de voltar a estudar. O contato da pesquisadora com essa vivência
clínica na Casa de Saúde São João de Deus, a experiência como analizanda,
as pesquisas teóricas desenvolvidas por ela no Laboratório de Psicopatologia
Fundamental, o ambiente universitário, a aproximação com a Instituição Lugar
de Vida e a experiência como professora de língua espanhola, fizeram a
pesquisadora propor uma “educação terapêutica” (termo “emprestado” do
Lugar de Vida) para atender a demanda desses pacientes.
Após conversar com seu supervisor clínico e com o coordenador do
setor de psicologia da Casa de Saúde São João de Deus e receber deles
aprovação de seu projeto de “educação terapêutica”, a pesquisadora anunciou
aos pacientes do grupo terapêutico de reflexão que precisaria ausentar-se para
formalizar a escrita desse projeto de intervenção clínica – planejar o retorno.
Nessa sessão, a despedida foi muito emocionante para todos, depois de
mencionar e explicar repetidas vezes sobre como seria o projeto, os pacientes
80
aplaudiram a ideia. Um deles pediu que a pesquisadora não deixasse o grupo,
mas ela explicou que retornaria e eles estavam convidados a compartilharem
essa experiência prática. A pesquisadora foi então presenteada com um beijo
em sua mão dado por cada um dos pacientes. Nos meses seguintes, a
saudade foi uma das principais forças motivadoras que impulsionaram a
transformar tal proposta de intervenção em seu Trabalho de Conclusão do
Curso de Psicologia.
81
Tratamento da esquizofrenia - uma proposta de intervenção clínica com
pressupostos freudianos
A proposta de “educação terapêutica” como intervenção clínica no
tratamento de pacientes esquizofrênicos alude-nos ao texto de Freud
“Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental”, em que, em
um primeiro momento, o autor considera que certas psicoses, o que incluímos
a esquizofrenia, são os casos mais extremos de um afastamento da realidade,
por achá-la insuportável. (FREUD, 1911, p. 237).
Mais adiante, Freud esclarece que no processo primário encontra-se o
princípio de prazer e esses se esforçam para “alcançar prazer; a atividade
psíquica afasta-se de qualquer evento que possa causar desprazer”. Por outro
lado, o princípio de realidade é destacado pelo autor como o “princípio
econômico de poupar consumo [de energia]”. (FREUD, 1911, p. 238, 240).
Consideramos que o esquizofrênico está mergulhado no princípio de
prazer devido a que seus “instintos sexuais comportam-se autoeroticamente”,
ou seja, como nos mostra Freud, que o indivíduo obtém sua satisfação a partir
de seu próprio corpo e, portanto, “não se encontram na situação de frustração
que forçou a instituição do princípio de realidade”. (FREUD, 1911, p. 241).
No entanto, Freud considera que a educação é auxiliar na substituição
do princípio de prazer pelo princípio de realidade, cujo processo, afeta o
desenvolvimento do ego e tem como recompensa o amor dos educadores.
(FREUD, 1911, p. 242). Mas, como intervir, o que introduzir?
82
Conclusão
O ensino de língua e cultura estrangeira como recurso terapêutico no
tratamento de pacientes esquizofrênicos
Escutar a demanda de alguns pacientes sobre seus desejos de voltarem
a estudar é dar-lhes voz e a oportunidade de escutarem suas próprias vozes. O
esquizofrênico possui o seu próprio “idioma”, fala sua própria “língua”, possui
sua relação peculiar com a linguagem, seja através da „fala do órgão‟ ou fala
hipocondríaca, seja através de sua linguagem de pensamento ou das coisas
concretas que ele considera como abstratas ou ainda da „palavra como coisa‟,
ensinar outro idioma é introduzir um terceiro nessa relação sujeito-língua
materna.
No caso de Wolfson, o esquizofrênico estudante de línguas, Maud
Mannoni (1995, p. 41) explica-nos que “em sua fúria de destruir a língua
materna” a consequência foi que ele “deu-nos também um livro maravilhoso” –
Le Schizo et les langues, em que como menciona Gilles Deleuze “sentimos
germinar a saúde particularíssima do fundo da doença”.
O autor não suporta ouvir sua mãe falar e, por isso, passa a verter as
palavras de sua língua natal em palavras estrangeiras. No fim do livro,
consegue livrar-se da angústia de destruição e morte, a ponto de dizer: “E
há até uma esperança de que, afinal (...), o rapaz mentalmente enfermo
seja capaz, um dia, de empregar normalmente essa língua, o famoso idioma
inglês”. (ibid.).
Seria a aprendizagem de uma língua estrangeira um recurso para formar
laços?
A aprendizagem de línguas estrangeiras, de acordo com Mannoni (ibid.),
permitiu Wolfson aproximar-se dos seus, protegido de suas pulsões destrutivas
pelo amparo de uma língua diferente da língua materna.
Ao introduzir um terceiro, o outro idioma, abre-se a possibilidade do
esquizofrênico transferir parte de seu autoerotismo ao idioma, a esse outro, ou
seja, erotizar a língua - um dos possíveis efeitos terapêuticos propiciados pela
aprendizagem de outra língua e cultura.
Nessa “educação terapêutica” - o ensino de língua e cultura estrangeira
como recurso terapêutico no tratamento de pacientes esquizofrênicos, talvez
haja o amor de transferência com a educadora-terapeuta (analista) como
83
falante e porta-voz do idioma estrangeiro. Freud menciona que na relação de
aprendizagem podem surgir laços emocionais, (FREUD, 1921, p. 149), laços
de Eros.
É bem conhecido com que facilidade se desenvolvem desejos eróticos a
partir de relações emocionais de caráter amistoso, baseadas na apreciação
e na administração (...) entre professor e aluno (...). (ibid.)
Na condição erótica (de Eros), ou seja, de estar amando, como nos
aponta Freud “o objeto arrasta para si uma parte da libido do ego narcisista do
sujeito para si próprio”. “Trata-se de uma condição apenas para o ego e o
objeto”. (FREUD, 1911, p. 153).
Então o trabalho analítico será “dissolver” a transferência e possibilitar,
desta vez, que o amor se desloque para outros objetos, que o paciente
esquizofrênico não mais se apaixone apenas por si, pelo idioma estrangeiro e
talvez pela analista, mas que Eros – a capacidade de ligação do esquizofrênico
talvez se amplie para outras pessoas e objetos do mundo.
O esquizofrênico como estrangeiro em seu próprio país
O dicionário Aurélio, na língua portuguesa, (FERREIRA 1910-1989, p.
297) define estrangeiro como “de nação diferente daquela a que se pertence,
ou próprio dela”, “diz-se de país que não é o nosso”, “terra(s) estrangeira(s); o
exterior”,
“indivíduo
estrangeiro;
forasteiro,
gringo”,
“exótico”.
Os
esquizofrênicos são muitas vezes descritos socialmente e popularmente como
excêntricos, exóticos, ele são considerados os forasteiros, não pertencentes à
realidade comumente compartilhada pela maioria dos sujeitos neuróticos. Os
esquizofrênicos são estrangeiros no seu próprio país, estranhos.
Novamente na língua portuguesa, o dicionário Aurélio (ibid.) define
estranho como “fora do comum, desusado, anormal”, “que é de fora;
estrangeiro; alheio”; “singular, extravagante”, “misterioso”. E estranhar como
“achar estranho”, “esquivar-se de (pessoa desconhecida)”. Os comportamentos
dos esquizofrênicos muitas vezes são percebidos pelo outro como fora do
comum, anormais, para os quais as pessoas se esquivam, como se os sujeitos
esquizofrênicos
fossem
seres
desconhecidos,
de
fora,
alheios.
O
funcionamento dos esquizofrênicos é estranho, mas também é familiar, contém
84
elementos que são comuns a todo ser humano. É misterioso, singular e
extravagante.
A língua espanhola como estranha e familiar
A língua estrangeira escolhida como objeto de ensino terapêutico no
tratamento de pacientes esquizofrênicos será a língua espanhola que por ser
estrangeira é estranha, e ao mesmo tempo familiar por sua similaridade com a
língua portuguesa e a origem comum do latim.
Na língua espanhola o verbo extrañar significa em português “deportar,
exilar”, “estranhar, admirar-se”, “sentir falta ou saudade de alguém ou de algo”,
“negar-se a fazer alguma coisa” (PEREIRA, 2002, p. 169). Certamente os
esquizofrênicos causam estranheza à sociedade e historicamente, muitas
vezes, foram retirados dela e exilados em manicômios ou abandonados em
hospícios, porém não queremos negar-nos a fazê-los cidadãos dignos de
subjetividade e direitos como qualquer outro indivíduo. Em espanhol, extrañeza
significa além de estranheza, “espanto, admiração, surpresa”, “saudade, falta
de alguém ou de alguma coisa”. E para valorizar todos esses sentidos,
precisamos transformar-nos ampliando nosso espanto à admiração e surpresa.
Devemos admirar-nos com o diferente e respeitá-lo, sentir falta ou saudade de
alguém implica querê-lo perto, junto. E sentir saudades é também ter
“lembrança nostálgica e, ao mesmo tempo, suave, de pessoa ou coisa distante
ou extinta”, “pesar pela ausência de alguém que nos é querido”. (FERREIRA
1910- 1989, p. 624). O esquizofrênico também nos é semelhante e devemos
considerá-lo querido não apenas quando ausente, mas em presença e
liberdade.
Como estranho o esquizofrênico possui um “núcleo especial de
sensibilidade”, paralelamente, como menciona Freud, o estranho, aos outros é
“assustador, provoca medo e horror” (FREUD, 1919, p. 237). De acordo com o
autor, “o estranho é aquela categoria do assustador que remete ao que é
conhecido, de velho, e há muito familiar”. Freud afirma também que o familiar
pode tornar-se estranho e assustador. (p. 238).
Nesse texto “O estranho” (FREUD, 1919, p. 238), acima citado, Freud
nos informa que sua investigação “começou realmente ao coligir uma série de
85
casos individuais, e só foi confirmada mais tarde por um exame do uso
linguístico”.
A palavra alemã „unheimlich‟ é obviamente o oposto de „heimlich‟
[doméstica], „heimisch‟ [nativo] – o oposto do que é familiar; e somos
tentados a concluir que aquilo que é „estranho‟ é assustador precisamente
porque não é conhecido e familiar. Naturalmente, contudo, nem tudo o que
é novo e não familiar é assustador; a relação não pode ser invertida. Só
podemos dizer que aquilo que é novo pode tornar-se facilmente assustador
e estranho; algumas novidades são assustadoras, mas de modo algum
todas elas. Algo tem de ser acrescentado ao que é novo e não familiar, para
torná-lo estranho. (FREUD, 1919, p. 239)
Freud opera além da equação „estranho‟ = „não familiar‟ e para alcançar
tal objetivo volta-se para outras línguas para definir „estranho‟
LATIM: (K. E. Georges, Deutschlateinisches Worterbuch, 1898). Um lugar
estranho: locus suspectus; numa estranha hora da noite: intempesta nocte.
6
GREGO: (Léxicos de Rost e de Schenkl)* (isto é, estranho, estrangeiro).
INGLÊS: (dos dicionários de Lucas, Bellows, Flügel e Muret-Sanders).
Uncomfortable, uneasy, gloomy, dismal, uncanny, ghastly: (of a house)
haunted; (of a man) a repulsive fellow.
FRANCÊS: (Sachs-Villatte). Inquiétant, sinistre, lúgubre, mal à son aise.
ESPANHOL: (Toullausen, 1889). Sospechoso, de mal agüero, lúgubre,
siniestro.
As línguas italiana e portuguesa parecem contentar-se com palavras que
descreveríamos como circunlocuções. Em árabe e hebreu „estranho‟
significa o mesmo que „demoníaco‟, „horrível‟. (ibid.)
Então, Freud retorna aos termos alemães e após extensa consideração
conclui
O que mais nos interessa nesse longo excerto é descobrir que entre os
seus diferentes matizes de significado a palavra „heimlich‟ exibe um que é
idêntico ao seu oposto, „unheimlich‟. Assim o que é heimlich vem a ser
unheimlich. (FREUD, 1919, p. 242).
Isso significa que “o que é familiar e agradável” é também estranho - “o
que está oculto e se mantém fora da vista”. (p. 243).
Dessa forma, heimlich é uma palavra cujo significado se desenvolve na
direção da ambivalência, até que finalmente coincide com o seu oposto,
unheimlich. Unheimlich é, de um modo ou de outro, uma subespécie de
heimlich. (...) se continuarmos a examinar exemplos individuais de
estranheza, essas sugestões tornar-se-ão inteligíveis a nós. (FREUD, 1919,
p. 244).
6
Omitimos a palavra original do alfabeto grego
86
Com essa análise, Freud nos esclarece que o que é estranho é também
familiar. Assim, as manifestações esquizofrênicas fazem parte dessa lógica.
não devemos estar observando o produto da imaginação de um louco, por
trás da qual nós, com a superioridade das mentes racionais, estamos aptos
a detectar a sensata verdade; e ainda assim, esse conhecimento não
diminui em nada a impressão de estranheza. (FREUD, 1919, p. 248).
Reconhecer a verdade por trás da expressão esquizofrênica, e nos
reconhecermos no esquizofrênico, apesar de não diminuir a estranheza diante
de nós, faz que esses sujeitos não sejam inferiores das “mentes racionais”, e
transforma o que em nós parece-nos algo familiar em algo que na realidade é
estranho.
A proposta de prática clínica do ensino de língua e cultura estrangeira
como recurso terapêutico no tratamento de pacientes esquizofrênicos, inclui a
possibilidade de que os pacientes envolvidos na oficina, mesmo que tenham
alta médica, possam dar continuidade ao trabalho terapêutico. Dessa forma,
poderá ser formado e mantido um vínculo, um estabelecimento do laço social,
pois os pacientes com alta médica manterão o acesso ao hospital e ao Grupo
da “Educação Terapêutica”, ou seja, com a educadora-terapeuta e com os
pacientes do grupo, paralelamente ao contato social (exterior) e poderão trazer
experiências que talvez beneficiem o grupo e contribuam para o tratamento.
No Trabalho de Conclusão do Curso de Psicologia a pesquisadora
proporá a “Oficina de Educação Terapêutica” na Casa da Saúde São João de
Deus, em que serão ministradas aulas terapêuticas de língua e cultura
hispânicas com a participação ativa dos pacientes nos temas geradores em
espanhol apresentados a seguir traduzidos e em forma esquemática.
1) Fazendo amizades. Funções comunicativas e objetivo: Iniciar uma
conversação
perguntar
e
sobre
apresentar-se,
dados
cumprimentar
pessoais
e
informalmente,
responde-los,
expressar
admiração e surpresa, despedir-se e manifestar-se como está.
Aspecto terapêutico: Aproximar-se do outro e aproximar-se de si
através do outro.
2) Aproximando-se de outros países, culturas e nacionalidades.
Funções comunicativas e
objetivo:
Aproximar-se
dos países
87
hispânicos, outras culturas e nacionalidades. Aspecto terapêutico:
Reconhecimento, aceitação e respeito ao mundo do outro.
3) Informação e relação social. Funções comunicativas e objetivo:
pedir licença, cumprimentar formalmente, agradecer e devolver a
cortesia. Conteúdo gramatical: Composição do nome e sobrenome e
formas de tratamento (tú, vos, vosotros (as), usted). Aspecto
terapêutico: estabelecimento, formação e valorização do laço social.
4) Localização espacial e temporal. Funções comunicativas e
objetivo: Dizer a data, nomear os dias da semana e os meses do ano
e localizar-se geograficamente. Aspecto terapêutico: orientação
espacial e temporal.
5) Os números. Funções comunicativas e objetivo: Perguntar a idade,
a altura, o peso, a massa corpórea, o número de telefone e expressar
quantidades em geral. Conteúdo gramatical: Numerais (cardinais e
ordinais), substantivos coletivos, apócopes, verbos em Presente do
Indicativo. Aspecto terapêutico: Trabalhar as abstrações numéricas e
representações da coisa.
6) Álbum de família. Funções comunicativas e objetivo: Parentesco e
descrever
pessoas.
Conteúdos
gramaticais:
Pronomes
demonstrativos e possessivos. Aspecto terapêutico: descrever a si e
aos outros, falar sobre si mesmo, sobre os familiares e sua relação
com eles.
7) Cuide-se. Funções comunicativas e objetivo: Conhecer as partes do
corpo em espanhol. Conteúdos gramaticais: revisar pronomes
demonstrativos
e
possessivos.
Aspecto
terapêutico:
Tentar
estabelecer uma integração do corpo em fragmentos da vivência
psicótica. Enfatizar o autocuidado, a aderência ao tratamento e a
importância da psicoterapia e da medicação.
8) Hábitos do cotidiano. Funções comunicativas e objetivo: Conversar
no telefone, fazer convites, expressar ações habituais. Conteúdo
gramatical: As horas. Construções pronominais. Aspecto terapêutico:
Destacar
a
importância
dos
hábitos
do
dia-a-dia
buscando
estabelecer a regularidade e autonomia dos pacientes em suas
atividades diárias.
88
9) Carta. Funções comunicativas e objetivo: Correspondências e
expressões usadas em cartas (cumprimentos, despedidas, etc.).
Conteúdos gramaticais: Pretérito Indefinido, verbos regulares (visitar,
comer, sair) e irregulares (pedir, dormir, andar, estar, ter, fazer,
trazer, poder, querer, saber, dizer, vir). Aspecto terapêutico:
Expressar sentimentos e ações por meio da escrita. Estabelecer
relação a distancia. (Fim da Primeira Unidade).
10) (Segunda Unidade). Email. Funções comunicativas e objetivo:
Comunicação virtual. Conteúdo gramatical: Expressões usadas em emails (formais e informais). Aspecto terapêutico: Estabelecer e
manter contato social virtual fortalecendo as relações.
11) Personalidades. Funções comunicativas e objetivo: Trabalhar
brevemente a história e sociedade. Pessoas famosas e comuns.
Relatar fatos. Perguntar e responder a alguém se sabe sobre algo.
Manifestar curiosidade. Conteúdo gramatical: Verbos usados para
expressar fatos passados. Pretérito Indefinido. Acentuação gráfica
(3ª pessoa do plural). Aspecto terapêutico: Falar sobre si, sobre os
seus conhecimentos e compartilhá-los com os outros pacientes e
escutá-los ao se expressarem.
12) Pedir em um restaurante. Funções comunicativas e objetivo:
nomear alimentos e ingredientes culinários. Tocar, ver, falar sobre e
comer alimentos, ou seja, despertar os sentidos da visão, tato,
audição, paladar e olfato para aprendizagem. Conteúdo gramatical: O
Imperativo (Trabalhar com receitas culinárias). Aspecto terapêutico:
Por meio do Imperativo, introduzir a ordem das coisas. Desenvolver
autonomia preparando a própria comida.
13) Planos para o futuro. Funções comunicativas e objetivo: Expressar
planos para o futuro, argumentar, indicar impossibilidade, dificuldade
e inutilidade. Convidar a alguém, aceitar e recusar um convite. Dar a
opinião. Conteúdos gramaticais: Formas do futuro (Futuro Simples e
ir+a+infinitivo). Aspecto terapêutico: Autoexpressão respeito às
expressões do outro, construção de planos e projetos futuros,
liberdade para convidar, aceitar e negar convites. (Fim do Primeiro
Estágio do Curso) AVALIAÇÃO DO TRABALHO REALIZADO.
89
Nos procedimentos serão desenvolvidos jogos lúdicos e dinâmicas de
grupos para trabalhar os conteúdos com os pacientes. Serão utilizadas também
músicas, poesias, textos literários e notícias de jornais como atividades extras.
Além disso, para a elaboração de cada tema gerador pretende-se fundamentar
teoricamente a prática adotada.
90
Referências bibliográficas
BERLINCK, M. T. (org.) Dor. – São Paulo : Escuta, 1999, 54p.
BERLINCK, M. T.- Psicopatologia fundamental - São Paulo: Escuta, 2.
Reimpressão 2008.
BERRIOS, G. E. & HAUSER, R. O desenvolvimento inicial das ideias de
Kraepelin
sobre
classificação:
uma
história
conceitual.
In:
Revista
Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, órgão oficial da Associação
Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental, São Paulo, v. 16
(1), março, 2013, p. 128, 131.
BERRIOS, G. E. & PORTER, R. (ed.). Uma história da psiquiatria clínica:
a origem e a história dos transtornos psiquiátricos. In: As Psicoses Funcionais.
Tradução de Lazlo Antonio Ávila. - São Paulo: Escuta, 2012, p. 439, 442, 445,
448-9, 458-9, 464-5, 467, 474, 501n, 506, 533-5, 537, 543.
DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos
mentais – 2. ed.- Porto Alegre: Artmed, 2008. 330p.
DIAS, E. O. A regressão à dependência e o uso terapêutico da falha do
analista. Revista Percurso, nº 13 – 2/1994, p. 73.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, 1910 – 1989. Miniaurélio
Século XXI Escolar: O minidicionário da língua portuguesa / Aurélio Buarque de
Holanda Ferreira; lexicografia, Margarida dos Anjos... [et al.]. 4. Ed. Ver.
Ampliada. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000, p. 172,198, 291, 415.
FREUD, S. A História do Movimento Psicanalítico (1914). In: Edição
standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio
de Janeiro: Imago, 2006. v. 14, p. 38-9
FREUD, S. A Interpretação dos sonhos (1900-1901). In: Edição standard
Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de
Janeiro: Imago, 2006. p. 383.
FREUD, S. A perda da realidade na neurose e na psicose. (1924 [1923]).
In: Edição standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund
Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. 19, p. 205-209.
91
FREUD, S. Análise de uma fobia em um menino de cinco anos (1909).
In: Edição standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund
Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. 10, p. 97
FREUD, S. Formulações sobre os dois princípios do funcionamento
mental. (1911). In: Edição standard Brasileira das Obras Completas de
Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. 12.
FREUD, S. Conferências introdutórias sobre psicanálise (Parte III)
(1915[1916]). In: Edição standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas
de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. 16, p. 427, 440)
FREUD, S. Luto e melancolia (1917 [1915]). In: Edição standard
Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de
Janeiro: Imago, 2006. v. 14, p. 255
FREUD, S. Neurose e psicose (1924 [1923]). In: Edição standard
Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de
Janeiro: Imago, 2006. v. 19, p. 168-170.
FREUD, S. Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um
caso de paranoia (dementia paranoides) (1911). In: Edição standard Brasileira
das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago,
2006. v. 12, p. 84.
FREUD, S. O estranho. (1919). In: Edição standard Brasileira das Obras
Completas de Sigmund Freud - Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. 17.
FREUD, S. O Inconsciente (1915). In: Edição standard Brasileira das
Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago,
2006. v. 14, p. 201, 208
FREUD, S. O interesse científico da psicanálise (1913). In: Edição
standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio
de Janeiro: Imago, 2006, v.13, p. 176, 180.
FREUD, S. Psicologia de grupo e a análise do ego (1921). In: Edição
standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio
de Janeiro: Imago, 2006, v. 18, p. 81-154.
FREUD, S. Sobre o Narcisismo: Uma Introdução (1914). In: Edição
standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio
de Janeiro: Imago, 2006. v. 14, p. 82, 93
92
FREUD, S. Suplemento metapsicológico à teoria dos sonhos (1917
[1915]). In: Edição standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de
Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. 14, p. 235-6
FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). In:
Edição standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund
Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. 7, p.170
FREUD, S. Um estudo autobiográfico (1925 [1924]). In: Edição standard
Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de
Janeiro: Imago, 2006. v. 20, p. 63
GUERRA, A. M. C.- A Psicose – Rio de Janeiro: Zahar, 2010, 11 p.
HERRNANN, F. A cura – Jornal de psicanálise. São Paulo. 33 (60/61):
425- 442, dez. 2000.
LAPLANCHE, J. PONTALIS, I. Vocabulário de psicanálise – 4. ed – São
Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 47, 157-9, 287.
LOUZÃ, M. R., ELKIS, H. e cols. Psiquiatria Básica – 2. ed. – Porto
Alegre: Artmed, 2007. 235p.
MANNONI, M. Amor, ódio, separação: o reencontro com a linguagem
esquecida da infância. Tradução, Vera Ribeiro – Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 1995 (Coleção Transmissão da Psicanálise).
MINKOMISKI, E. – A noção de perda de contato vital com a realidade e
suas
aplicações
em
psicopatologia
–
Revista
Latino-americana
de
Psicopatologia Fundamental, v.7, n. 2, 133 p.
MUÑOZ, M. N. – Do amor á amizade na psicose: contribuições da
psicanálise ao campo da saúde mental – Revista Latino-americana de
Psicopatologia Fundamental, São Paulo, v. 13, n. 1, 2010, 88p.
PEREIRA, H. B. C. Michaelis: dicionário escolar espanhol: espanholportuguês, português-espanhol – São Paulo: Editora Melhoramentos, 2002.
QUINET, A. Psicanálise e psiquiatria: controvérsias e convergências, p.
27.
SIMANKE, R. T. A formação da teoria freudiana das psicoses. – São
Paulo, Edições Loyola, 2009, p. 34n, 81n, 131, 163, 165, 183, 211.
TATOSSIAN, A. A fenomenologia das psicoses. Tradução de Célio
Freire; revisão técnica de Virgínia Moreira. – São Paulo: Escuta, 2006. 34, 35,
36 e 38p.
93
WINNICCOTT, D. W. A família e o desenvolvimento individual. São
Paulo, 1960. p. 90, 96
WINNICCOTT, D. W. A respeito das psiconeuroses (1909) In: Obras
Completas. p. 47, 48
WINNICCOTT, D. W. Da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro, 1978, p.
464.
WINNICCOTT, D. W. O conceito de regressão clínica comparado com o
de organização defensiva. In: Explorações Psicanalíticas, 1968. p. 155.
94
ANEXOS
Relatório do Estágio em Psicopatologia Fundamental
Estágio pela Associação de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental AUPPF
Aluna estagiária: Aline Silva da Costa do Curso de Psicologia da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo
Supervisores: Manoel Tosta Berlinck e Ana Cecília Magtaz
São Paulo, 31 de dezembro de 2012.
O estágio remunerado em Psicopatologia Fundamental foi realizado no
período de fevereiro de 2012 a agosto de 2012 sob a supervisão de Manoel
Tosta Berlinck e Ana Cecília Magtaz.
O estágio consistiu em atividades, como assistente, na organização do V
Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental e XI Congresso
Brasileiro de Psicopatologia Fundamental - 2012 e as atualizações dos sites
www.psicopatologiafundamental.org e www.fundamentalpsycophatology.org.
Quanto à organização como assistente dos Congressos, as atividades
desenvolvidas foram referentes às Conferências, Simpósios, Mesas Redondas
Seminários Clínicos e Pôsteres em que os resumos e artigos conforme
recebidos dos autores foram acrescentados e organizados nos sites. Também
auxiliei na organização do programa e da grade horária dos Congressos com
ajuda prática e sugestões. Além disso, entre outras coisas, realizei uma
tradução de um texto da língua portuguesa para a língua espanhola.
As atualizações dos sites do Laboratório de Pesquisa em Psicopatologia
Fundamental (www.psicopatologiafundamental.org) e da Associação de
Pesquisa
em
Psicopatologia
Fundamental
(www.fundamentalpsychopathology.org) basearam-se na transferência de
todos os conteúdos dos sites antigos para as matrizes dos novos e atuais sites.
O V Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental e XI
Congresso Brasileiro de Psicopatologia Fundamental – 2012 foi realizado
95
em Fortaleza de 6 a 9 de setembro de 2012 e pude, apesar dos imprevistos,
presenciar e participar com êxito apresentando meu Pôster sob o título
Esquizofrenia como pathos e tratamento clínico em Freud.
O estágio contribuiu para minha aprendizagem e familiaridade com as
produções e literaturas da Psicopatologia Fundamental, da Psicopatologia
Geral, da Psicopatologia Fenomenológica, da Psiquiatria, da Psicologia, da
Psicanálise e das tecnologias e habilidades informáticas, apenas para citar
algumas.
A experiência do estágio acrescentou ao meu projeto de Iniciação
Científica “Esquizofrenia e laço Social em Freud” bases teóricas, questões
pertinentes a serem pensadas e pesquisadas, além de amplitude, desejo e
posterior aprofundamento em diversos outros temas.
No entanto, o maior benefício foi não apenas o crescimento acadêmico,
mas também o grande crescimento pessoal, ao qual tenho muito a agradecer
aos supervisores Manoel Tosta Berlinck e Ana Cecília Magtaz, aos presidentes
do Congresso e suas esposas, aos autores dos trabalhos e participantes, bem
como às outras duas assistentes da organização e aos membros do
Laboratório e da Associação pelo sucesso do evento e pelo resultado final de
todo o trabalho conjunto.
96
CRONOGRAMA MONITORIA – 1º Semestre 2013
Freud I
Aulas com professores convidados às terças-feiras das 11h até 12:30h
05/03 – Conferência I (Introdução) - das Conferências Introdutórias à
Psicanálise - Vol. XV Obras Completas de Sigmund Freud
Palestrante: Daniel Lirio
12/03 – Uma breve descrição da Psicanálise Vol.XIX
Palestrante: Patricia Bader
19/03 – As resistências à psicanálise (1925) Vol. XIX
Palestrante: Paulo Leonardo Vila Buosi
26/03 – Um estudo autobiográfico Vol. XX - cap I
Palestrante: Davi Berciano Flores
02/04 – 1ª e 2ª Lições de Psicanálise (1909) Vol XI
Palestrante: Fabiana Takiuti
09/04 – 3ª Lição de Psicanálise (1909) Vol XI
Palestrante: Marina Singer
Semana de Integração
16/04 – 4ª e 5ª Lições de Psicanálise (1909) Vol XI
Palestrante: Ricardo Radin Bueno
23/04 – Texto Apoio: Conferências Introdutórias à Psicanálise - Parapraxias,
Conferências II, III e IV (1916, Sigmund Freud) Vol. XV
Palestrante: Renato Nadal
07/05 – Uma nota sobre o Inconsciente em Psicanálise - 1912, Sigmund Freud,
Vol. XII.
Palestrante: Claudia Gallo
14/05 – Cap. I de Sobre os sonhos (1901) Vol V.
Palestrante: Gustavo Battagliese
21/05 – Texto de Apoio: Verbete: O Inconsciente (Laplanche,1973)
Palestrante: Joao Haddad
28/05 – Conferências Introdutórias à Psicanálise - Os sonhos. 1916, Vol. XV
Palestrante: Gustavo Veiga
04/06 – Cap VII (O conteúdo manifesto dos sonhos e os pensamentos oníricos
latentes)
Palestrante: Ricardo Paiva
97
11/06 – Cap XI ( A Elaboração Onírica)
Palestrante: Silvia Cavalcanti Pereira Lima
18/06 – Texto de Apoio: " O sonho da bela açougueira" (pgs.157/160 de A
interpretação dos Sonhos). (1900) Vol IV
Palestrante: Pedro Sang
Reuniões com a coordenação:
18/02 – reunião de trabalho – ouvintes e monitores – horário comum 17:15h.
29/04 – reunião de trabalho – ouvintes e monitores – horário comum 17:15h.
24/06 – reunião de encerramento – entrega de relatórios – horário comum
17:15h
98
Download