OFERTA CONTRATUAL AO PÚBLICO E

Propaganda
ROBERTO BRAGA
DE
ANDRADE
OFERTA CONTRATUAL AO PÚBLICO
E
INTEGRAÇÃO PUBLICITÁRIA
DO
CONTRATO
Tese de doutorado apresentada ao
Departamento de Direito Civil da Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo,
sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Teresa
Ancona Lopez, como requisito parcial para
obtenção do título de Doutor
UNIVERSIDADE
DE
SÃO PAULO
FACULDADE
DE
DIREITO
SÃO PAULO
2006
II
3ª versão corrigida e ampliada – julho de 2007.
© Roberto Braga de Andrade – [email protected]
III
Em memória de
Rubens de Andrade e
Quirino Carlos Ruscigno Florio
À minha diletíssima trindade,
Ana Maria,
Ana Beatriz,
e João Pedro
IV
RESUMO
A oferta ao público, recentemente positivada pelo art. 429 do Código Civil brasileiro de
2002, e o princípio da integração publicitária do contrato, insculpido no art. 30 do
Código de Defesa do Consumidor (CDC), são os principais temas desta tese. O primeiro é
analisado nos planos estrutural e eficacial, não sem prévia recapitulação construtiva da
disciplina da proposta de contrato nestes mesmos planos: (1) estrutural: (a)
determinação do destinatário, (b) recepticiedade da proposta, (c) intenção do proponente de
vincular-se juridicamente, (d) conteúdo suficiente ou mínimo da proposta; (2) eficacial: (a)
vinculatividade mínima da proposta (= estado de sujeição [proponente] versus direito
potestativo [oblato]), (b) vinculatividade máxima (= vinculatividade mínima +
irrevogabilidade da proposta), (c) retirada versus revogação da proposta. Revisitados com
espírito positivamente crítico estes temas ligados à proposta de contrato, passa-se a
cotejá-los com a figura da oferta ao público, visando extrair desta as particularidades e,
em última instância, o regime jurídico. Quanto ao princípio da integração publicitária do
contrato, busca-se na experiência normativo-jurisprudencial-dogmática dos direitos (a)
espanhol (Ley General para la Defensa de los Consumidores y Usuários, art. 8.1), (b)
argentino (Ley de Protección y Defensa de los Consumidores, art. 8º), (c) bem como na
construção jurisprudencial francesa acerca do valor contratual dos documentos
publicitários, subsídios para iluminar e aprofundar na compreensão do sentido e alcance
desse revolucionário princípio contratual.
V
ABSTRACT
This paper examines the main aspects of the law in connection with commercial offers,
such as governed by Article 429 of the recently enacted brazilian Civil Code (2002) and
the principle of integration of advertisements with contracts, as stemming from article
30 of the Código de Defesa do Consumidor (CDC). We analyze commercial offers from
the standpoints of structure and efficacy, but not before having made a constructive
review of the doctrine of proposal also from the standpoints of (1) structure: (a)
establishing the proposal addressee, (b) receivability of the proposal, (c) proponent’s
legally binding intent, (d) sufficient contents; and of (2) efficacy: (a) minimum
bindingness of the proposal (state of subjection [proponent] x potestative right [addressee
of the offer]), (b) maximum bindingness of the proposal (= minimum bindingness +
irrevocability), (c) offer withdrawal x proposal revocation. Upon revisiting such
doctrines and legal concepts from an approach of positive criticism, we proceeded to
analyze them vis-à-vis commercial offers, with a view to establishing their peculiarities
and, ultimately, also the legal regimen applying to such offers. On analyzing the principle
of integration of advertisements with contracts, we sought the assistance of the spanish
law (Ley General para la Defensa de los Consumidores y Usuários, art. 8.1) and of the
Argentinean law (Ley de Protección y Defensa de los Consumidores, art. 8º), having found
support in the experience of these countries in matters involving the making, application
and interpretation of legal rules, as well as in the French experience on constructive case
law involving the contractual value of publicity documents, all in our pursuit of an
enlightened and deep understanding of the meaning and reach of this very relevant
contractual principle, first conveyed by CDC.
VI
ZUSAMMENFASSUNG
Das öffentliche Angebot – kürzlich positiviert durch Art. 429 des Brasilianischen
Bürgerlichen Gesetzbuches – und das Prinzip des Einschlusses der kommerziellen
Werbungsmitteilung in den Vertrag (Código de Defesa do Consumidor [CD], Art. 30)
sind die Hauptthemen dieser Dissertation. Ersteres wird auf struktureller und
wirksamkeitsbezogener
Ebene
analysiert,
nicht
ohne
vorherige
konstruktive
Rekapitulierung der Disziplin des Vertragsangebots auf den selben Ebenen: (1)
strukturell: (a) Bestimmung des Empfängers, (b) Empfang des Angebots, (c) Absicht des
Anbieters,
sich
rechtlich
zu
binden,
(d)
hinreichender
Angebotsinhalt;
(2)
wirksamkeitsbezogen: (a) minimale Verbindlichkeit des Angebots (Zustand der
Unterwerfung [Anbieter] x Ermessensrecht [Angebotsempfänger]), (b) maximale
Verbindlichkeit des Angebots (= minimale Verbindlichkeit + Unwiderruflichkeit), (c)
Rücknahme x Widerruf des Angebots. Nach Bearbeitung dieser Themata mit positiv
kritischem Geist werden sie mit der Figur des öffentlichen Angebots verglichen mit dem
Ziel, die Besonderheiten und nicht zuletzt die Einordnung in das Rechtssystem
herauszuarbeiten. Hinsichtlich des Prinzips des Einschlusses der kommerziellen
Werbungsmitteilung in den Vertrag, kommt der dogmatisch-juristisch-normative
Erfahrungsschatz des spanischen (Ley General para la Defensa de los Consumidores y
Usuários, art. 8.1) und argentinischen (Ley de Protección y Defensa de los Consumidores,
art. 8º) Rechts zuhilfe sowie die französiche Rechtskonstruktion hinsichtlich des
Vertragswertes von Werbedokumenten, um zur Verständnis des Sinns und der
Reichweite dieses durch den CDC positivierten äußerst relevanten Vertragsprinzips
verständlich zu machen beizutragen.
7
SUMÁRIO
PARTE I: INTRODUZINDO O TEMA ..........................................................................12
Capítulo 1: Esclarecimentos necessários ......................................................................................................13
1. Os dispositivos legais e suas fontes.........................................................................................................13
2. A oferta contratual nos planos da existência e da eficácia......................................................................17
3. Breve questão terminológica...................................................................................................................18
Capítulo 2: Os procedimentos de formação do contrato..............................................................................20
1. Formação instantânea x formação progressiva do contrato .................................................................20
2. Formação progressiva: as tratativas contratuais......................................................................................25
2.1. Gênese.............................................................................................................................................25
2.2. Limites ............................................................................................................................................27
3. Formação instantânea: o intercâmbio entre proposta e aceitação de contrato........................................32
Capítulo 3: Origens do princípio da irrevogabilidade da proposta ..............................................................37
1. A Alemanha na contramão do Direito Comum Europeu........................................................................37
2. A irrevogabilidade da proposta nos Motive do BGB ..............................................................................40
PARTE II: OFERTA CONTRATUAL NO PLANO DA EXISTÊNCIA .....................44
SEÇÃO A: ESTRUTURA DA PROPOSTA DE CONTRATO .................................................................45
Capítulo 4: Requisitos da proposta de contrato ..........................................................................................46
1. Requisitos extrínsecos.............................................................................................................................46
1.1. Determinação do destinatário..........................................................................................................46
1.2. Recepção da proposta .....................................................................................................................47
2. Requisitos intrínsecos .............................................................................................................................52
2.1. Intenção de vincular-se ...................................................................................................................52
2.2. Conteúdo mínimo ou suficiente ......................................................................................................56
Capítulo 5: Figuras afins à proposta de contrato ........................................................................................59
1. Promessa unilateral .................................................................................................................................59
2. Minuta de contrato ..................................................................................................................................63
3. Carta de intenções ...................................................................................................................................64
4. Contrato preliminar .................................................................................................................................65
5. Opção ......................................................................................................................................................68
6. Preferência, prelação e preempção..........................................................................................................70
8
SEÇÃO B: ESTRUTURA DA OFERTA AO PÚBLICO...............................................75
Capítulo 6: A expansão da oferta ao público ...............................................................................................76
Capítulo 7: Requisitos da oferta ao público .................................................................................................81
1. Requisitos extrínsecos.............................................................................................................................81
1.1. Indeterminação dos destinatários ....................................................................................................81
1.2. Não-recepticiedade .........................................................................................................................84
2. Requisitos intrínsecos .............................................................................................................................86
2.1. Intenção de vincular-se ...................................................................................................................86
2.2. Conteúdo mínimo ou suficiente ......................................................................................................86
Capítulo 8: Interfaces da oferta ao público..................................................................................................88
1. Invitatio ad offerendum...........................................................................................................................88
1.1. A amplitude do invitatio ad offerendum no direito alemão.............................................................88
1.2. A refutação de KÖNDGEN ................................................................................................................90
1.3. A retratação parcial da doutrina alemã ..........................................................................................92
1.3.1. A disponibilização de “Verkaufsautomaten” ao público........................................................92
1.3.2. A oferta de serviços públicos essenciais .................................................................................93
1.4. Catálogos virtuais: oferta ao público ou invitatio ad offerendum?.................................................93
1.4.1. Colocando o problema ............................................................................................................93
1.4.2. O risco da oferta ao público....................................................................................................97
1.4.3. A neutralidade da Diretiva 2000/31/CE (comércio eletrônico) ..............................................98
1.4.4. A previsível opção do direito alemão .....................................................................................99
1.4.5. A opção dos direitos latinos..................................................................................................101
1.4.6. A solução dos PDCE-LANDO ................................................................................................102
2. Promessa de recompensa ......................................................................................................................103
9
PARTE III: OFERTA CONTRATUAL NO PLANO DA EFICÁCIA.......................107
SEÇÃO A: EFEITOS DA PROPOSTA DE CONTRATO ..........................................108
Capítulo 9: Vinculação mínima e máxima da proposta.............................................................................109
1. Distinções preliminares.........................................................................................................................109
2. A vinculação mínima ............................................................................................................................112
2.1. Direito potestativo versus estado de sujeição................................................................................112
3. A vinculação máxima............................................................................................................................115
3.1. O significado da irrevogabilidade da proposta no direito alemão ................................................115
3.2. Efeito da irrevogabilidade: obrigação de fazer?............................................................................116
3.3. A ineficácia da revogação de proposta irrevogável ......................................................................121
3.4. O caso do direito português ..........................................................................................................123
SEÇÃO B: EFEITOS DA OFERTA AO PÚBLICO ....................................................126
Capítulo 10: Art. 30 do CDC – um novo conceito de oferta? ...................................................................127
Capítulo 11: Limites eficaciais da oferta ao público .................................................................................133
1. A revogabilidade natural da oferta ao público......................................................................................133
2. Limites implícitos à eficácia da oferta ao público.................................................................................135
2.1. Ofertas ao público de contratos intuitu personae..........................................................................136
2.2. Ofertas ao público singulares e múltiplas.....................................................................................137
PARTE IV: O PRINCÍPIO DA INTEGRAÇÃO PUBLICITÁRIA DO CONTRATO
............................................................................................................................................139
Capítulo 12: França – O valor contratual dos documentos publicitários .................................................140
1. Publicidade comercial e formação do contrato .....................................................................................140
2. A noção de documento contratual ........................................................................................................141
3. A noção de documento publicitário ......................................................................................................142
4. O valor contratual dos documentos publicitários..................................................................................143
5. A jurisprudência da Corte de Cassação.................................................................................................144
5.1. Incorporação imobiliária: promessa quanto a materiais empregados na construção.....................144
5.2. Incorporação imobiliária II: desatendimento à característica construtiva .....................................145
5.3. Incorporação imobiliária III: promessa de manter área verde.......................................................145
5.4. Compra-e-venda de máquina de preenchimento de cheques: promessa de resultado ...................147
5.5. Distribuição de software infectado por vírus, como brinde pela compra de revista......................147
10
Capítulo 13: Espanha – O art. 8.1 da LGDCU ..........................................................................................149
1. Prevenir e remediar ...............................................................................................................................149
2. Precedentes do Tribunal Supremo ........................................................................................................152
2.1. Compra-e-venda de máquina industrial: promessa de resultado...................................................152
2.2. Incorporação imobiliária: promessa de instalações nas unidades autônomas e áreas comuns ......155
2.3. Incorporação imobiliária II: promessa de instalação de piscinas e áreas verdes...........................157
2.4. Síntese evolutiva: a tutela da confiança ........................................................................................158
3. O sentido e alcance do art. 8.1 da LGDCU ...........................................................................................160
4. A jurisprudência em torno do art. 8.1 da LGDCU ................................................................................162
4.1. Sentenças do Tribunal Supremo ...................................................................................................162
4.1.1. Desconformidade entre publicidade e objeto contratado: indispensabilidade da prova........162
4.1.2. Incorporação imobiliária: promessa quanto a armários embutidos.......................................163
4.1.3. Incorporação imobiliária II: promessa quanto a área de lazer...............................................165
4.1.4. Incorporação imobiliária III: promessa de quadras de tênis .................................................166
4.2. Sentenças das Audiências Provinciais ..........................................................................................167
4.2.1. Compra-e-venda de veículo: promessa quanto a equipamentos acessórios ..........................168
4.2.2. Caderneta de poupança: promessa de seguro de vida vinculado...........................................169
4.2.3. Prestação de serviços: falso tratamento médico contra calvície ...........................................170
4.2.4. Contrato de prestação de serviços: promessa de “depilação definitiva” ..............................171
Capítulo 14: Brasil – O art. 30 do CDC.....................................................................................................174
1. Julgados de vanguarda ..........................................................................................................................174
1.1. Contrato de seguro de vida “sem exame médico prévio” ............................................................174
1.2. Contrato de hospedagem em camping: promessa de “seguro total”............................................177
2. A jurisprudência em torno do art. 30 do CDC ......................................................................................179
2.1. Decisões do Superior Tribunal de Justiça .....................................................................................179
2.1.1. Compra-e-venda de veículo em concessionária: garantia de entrega pela montadora ..........179
2.1.2. Incorporação imobiliária: promessa de financiamento .........................................................183
2.1.3. Serviço de entrega rápida: promessa de pontualidade ..........................................................187
2.2. Decisões dos Tribunais Estaduais .................................................................................................188
2.2.1. Oferta ao público de equipamentos de som: desatendimento ao preço anunciado ...............188
2.2.2. Oferta ao público de forno microondas: erro quanto à indicação do preço?.........................190
2.2.3. Incorporação imobiliária: promessa de financiamento .........................................................195
Capítulo 15: Argentina – O art. 8 da LPDC .............................................................................................202
Capítulo 17: União Européia – Os arts. 2º e 6º da Diretiva 1999/44/CE.................................................205
11
EPÍLOGO: SÍNTESE DAS TESES APRESENTADAS ..............................................208
Capítulo 16 – Conclusões sobre a Proposta de Contrato ..........................................................................209
1. Princípio da irrevogabilidade da proposta de contrato ..........................................................................209
2. Vinculação mínima e máxima da proposta de contrato .........................................................................210
3. A irrevogabilidade da proposta no Código Civil e no Código Comercial.............................................211
Capítulo 17: Conclusões sobre a Oferta ao Público ..................................................................................212
1. A oferta ao público é constituída de declaração de vontade não-receptícia .........................................212
2. A oferta ao público, em princípio, é revogável .....................................................................................212
3. Limites eficaciais implícitos à oferta ao público...................................................................................213
4. Ofertas ao público singulares e múltiplas .............................................................................................214
5. Oferta ao público e o art. 30 do CDC....................................................................................................214
6. Oferta ao público e o art. 35 do CDC....................................................................................................215
Capítulo 18: Conclusões sobre o Princípio da Integração Publicitária do Contrato..............................216
1. A fonte de inspiração do art. 30 do CDC..............................................................................................216
3. Função e fundamentos do princípio ......................................................................................................216
4. Publicidade comercial x oferta ao público x integração publicitária do contrato..................................217
ABREVIATURAS............................................................................................................218
BIBLIOGRAFIA..............................................................................................................221
JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................232
12
PARTE I: INTRODUZINDO O TEMA
13
CAPÍTULO 1: ESCLARECIMENTOS NECESSÁRIOS
1. Os dispositivos legais e suas fontes
O Código Civil de 2002 (CCbr-2002) cuida da “proposta de contrato” nos artigos
427 e 428, estabelecendo naquele primeiro que a proposta “obriga o proponente, se o
contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do
caso”.
Até aqui, nada de novo. Trata-se da reprodução exata e integral do art. 1080 do
Código Civil de 1916 (CCbr-1916), o qual, por sua vez, teve por fonte – conforme anotou
CLOVIS BEVILAQUA1 – o § 145 do Bürgeliches Gesetzbuch (BGB)2.
A novidade ficou por conta da norma do art. 429, que tratou expressamente da
“oferta ao público”, estabelecendo que esta “equivale a proposta quando encerra os
requisitos essenciais ao contrato, salvo se o contrário resultar das circunstâncias ou dos
3
usos” , dispondo, ainda, no parágrafo único, que “pode revogar-se a oferta pela mesma via
4
de sua divulgação, desde que ressalvada esta faculdade na oferta realizada” .
Novidade relativa. A uma porque, na vigência do Código Civil de 1916, a doutrina
dominante já entendia que o então art. 1080 não exigia, para a sua aplicabilidade, fosse o
destinatário da proposta pessoa determinada, bastando ser determinável para que a
vinculação própria do ato se propagasse. A duas porque o art. 429 é fiel tradução ao
1
BEVILAQUA, Clovis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado.[Comentário ao art. 1080]. Ed.
hist. , 3. tir. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1979. v. 4, p. 195.
2
BGB, § 145: “Quem propõe a outro a conclusão de um contrato fica vinculado à proposta, a não ser que
tenha excluído tal vinculação”.
3
CCbr-2002, art. 429 (destaquei).
4
Id., loc. cit.
14
português do art. 1336 do Código Civil italiano (CCit)5 – o que não significa, de nenhum
modo, que a positivação da oferta ao público pelo legislador de 2002 não deva ser
aplaudida, e muito.
Na verdade, a doutrina nacional está em débito com a oferta ao público, figura que
ocupa lugar proeminente na economia de massa e globalizada de nossos dias.
Com efeito, não se vêem estudos específicos e profundos sobre a matéria. Os
poucos comentários publicados até o momento limitam-se a discorrer sobre o art. 30 do
Código de Defesa do Consumidor (CDC) que, conforme procurarei demonstrar mais
adiante, não versa sobre a oferta ao público, tampouco sobre a proposta de contrato a
pessoa determinada, e sim sobre o revolucionário princípio da integração publicitária:
“Toda informação ou publicidade suficientemente precisa, veiculada por qualquer
forma ou meio de comunicação, com relação a produtos e serviços oferecidos ou
apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o
6
contrato que vier a ser celebrado” .
Segundo ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN, um dos redatores do
anteprojeto do CDC, o art. 30 ter-se-ia inspirado no art. 95 do “Projet de Code de la
Consommation” francês, redigido sob a presidência de JEAN CALAIS-AULOY7, de seguinte
teor: “Toda informação ou publicidade suficientemente precisa vincula o profissional que a
fornece ou que a utiliza” 8.
5
CCit, art. 1336: “A oferta ao público, quando contém os elementos essenciais do contrato à cuja conclusão
se dirige, vale como proposta, salvo se resultar diversamente das circunstâncias ou dos usos”.
6
CDC, art. 30 (destaquei).
7
O Projet Calais-Auloy, todavia, acabou não entrando em vigor na França, que optou por promover uma
compilação de textos legislativos e regulamentos administrativos dispersos, reunidos, respectivamente, pela
“Loi n. 93-949 du 26 Juillet 1993” (parte legislativa) e “Décret n. 97-298 du 27 mars 1997” (parte
administrativa), compilação essa que recebeu o nome oficial de “Code de la Consommation”.
8
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos e. [Comentários aos artigos 29 a 45 (Capítulo V – “Das
práticas comerciais”)]. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor
comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 256.
15
Ocorre que o elemento verdadeiramente inovador do art. 30 – qual seja a disposição
9
pela qual a publicidade comercial “integra o contrato que vier a ser celebrado” – não está
presente neste artigo do Projeto CALAIS-AULOY.
Onde, pois, teriam os redatores do CDC se inspirado para introduzir em nosso
ordenamento jurídico inovação de tamanha envergadura?
Penso que a inspiração veio da Espanha, concretamente da “Ley General para la
Defensa de los Consumidores y Usuários” – Ley 26/1984 (LGDCU), cujo art. 8.1
estabelece que “a oferta, promoção e publicidade dos produtos, atividades ou serviços,
ajustar-se-ão à sua natureza, característica, condições, utilidade ou finalidade [...]. Seu
conteúdo, as prestações próprias de cada produto ou serviço, e as condições e garantias
oferecidas, serão exigíveis pelos consumidores ou usuários, ainda quando não figurem
expressamente no contrato celebrado ou no documento ou comprovante recebido”
10
.
Com efeito, ADA PELLEGRINI GRINOVER, a quem coube coordenar os trabalhos de
elaboração do anteprojeto do CDC, esclareceu que os seus redatores buscaram inspiração
em modelos legislativos estrangeiros já vigentes, embora tenham tomado a precaução de
evitarem a todo custo a transcrição pura e simples de textos alienígenas. E após afirmar que
a principal fonte de inspiração fora o Projet CALAIS-AULOY, revelou que “também
importantes no processo de elaboração foram as leis gerais da Espanha (Ley General para
la Defensa de los Consumidores y Usuarios, Lei n. 26/1984)”11.
Portanto, razoável supor que a idéia de incluir no CDC o princípio da integração
publicitária do contrato – elemento inexistente no art. 95 do Projeto CALAIS-AULOY,
repita-se – tenha nascido de um contato direto dos redatores do anteprojeto com o art. 8.1
da LGDCU.
9
CDC, art. 30 in fine.
10
LGDCU, art. 8.1 (destaquei).
11
GRINOVER, Ada Pellegrini. Introdução. IN: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do
consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p.
10 (destaquei).
16
Na esteira das legislações consumeiristas espanhola e brasileira, e talvez em
decorrência do intercâmbio histórico-cultural, quanto à Espanha, e geográfico-econômico,
quanto ao Brasil, a Argentina promulgou a “Ley de Protección y Defensa de los
Consumidores” – Ley 24.240/1993 (LPDC), cujo art. 8º, intitulado “Efeitos da
publicidade” também dispôs que “as especificações formuladas na publicidade ou em
anúncios, prospectos, circulares ou outros meios de difusão obrigam ao ofertante e
12
consideram-se incluídas no contrato com o consumidor” .
Ora, se os artigos 427 (proposta de contrato) e 429 (oferta ao público) do nosso
Código Civil, bem assim o art. 30 do CDC (integração publicitária do contrato) são os
principais objetos de análise deste trabalho, e se tais dispositivos tiveram por fonte de
inspiração, respectivamente, o § 145 do BGB, o art. 1336 do Código Civil italiano e o art.
8.1 da LGDCU, é natural que procure buscar subsídios nos direitos alemão, italiano e
espanhol, respectivamente, para poder contribuir, ainda que modestamente, à compreensão
do atual regime jurídico da oferta ao público e da publicidade comercial no direito
brasileiro.
Por certo, tais direitos não serão os únicos a serem visitados neste trabalho. Além
da indispensável referência ao direito francês, compulsar-se-á a doutrina e a jurisprudência
relativa à aplicação do citado art. 8º da LPDC, que a exemplo do art. 8.1 da LGDCU
espanhola também instituiu no ordenamento jurídico argentino o princípio da integração
publicitária dos contratos para consumo.
Em matéria de formação do contrato, não se pode deixar de recorrer à riquíssima
experiência
normativo-doutrinal
daqueles
organismos
internacionais
voltados
à
uniformização do direito privado, seja porque a figura do contrato sempre despertou
especial atenção dessas instituições, seja porque os diplomas que vêm sendo apresentados
à comunidade internacional são a resultante de um formidável trabalho de direito
comparado, eis que visam servir de denominador comum capaz de disciplinar as relações
comerciais entre os países-membros, aplainando, assim, as diferenças e peculiaridades dos
respectivos direitos nacionais.
17
Assim, da United Nations Commission on International Trade Law (UNCITRAL),
será examinado o documento resultante da Convenção Internacional de Viena de 1980,
intitulado “United Nations Convention on Contracts for International Sale of Goods”
(CISG-UNCITRAL).
Do International Institute for the Unification of Private Law (UNIDROIT),
indispensável será o exame da “Uniform Law on the Formation of Contracts for the
International Sale of Goods” (FCISG- UNIDROIT), mas sobretudo a versão de 2004 dos
“Principles of International Commercial Contracts” (PICC- UNIDROIT).
Igualmente importante o exame do direito comunitário europeu tangente ao tema da
formação do contrato. Além das Diretivas da União Européia relacionadas direta ou
indiretamente ao tema desta tese, especial importância assumem os “Principes du Droit
Européen du Contrat” (PDEC-LANDO) elaborados pela Commission pour le Droit
Européen du Contrat presidida pelo jurista OLE LANDO.
2. A oferta contratual nos planos da existência e da eficácia
Parte do método adotado neste trabalho consiste em seccionar o tema da oferta
contratual nos planos da existência e da eficácia, tomadas essas expressões no sentido
preconizado por ANTONIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO13, que secundando a semente lançada
por FRANCISCO CAVALCANTI PONTES
DE
MIRANDA14, e trabalhando habilmente a densa
literatura jurídica sobre a matéria, soube estabelecer um método de análise consistente e
profícuo da figura do negócio jurídico.
12
LPDC, art. 8º (destaquei).
13
JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antonio. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2002. Vide especialmente cap. 2, p. 23-71.
14
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi,
1954. t. 3, § 254 e ss.
18
O plano da existência, segundo JUNQUEIRA
DE
AZEVEDO, corresponderia aos
elementos que compõem a descrição explícita ou implícita contida em determinada norma
jurídica, de um fato da vida social tido pelo legislador como relevante, motivo pelo qual
este preestabelece naquela norma, ou em outras a ela conexas, determinados efeitos
jurídicos.
O plano da eficácia, por sua vez, corresponderia exatamente a esses efeitos
preestabelecidos em normas jurídicas, que se deflagram quando o fato por estas
abstratamente descrito concretiza-se na realidade.
O Autor distingue ainda o plano da validade, que se interporia entre os planos da
existência e eficácia, e compreenderia um conjunto de pressupostos legais – tais como a
capacidade do agente, o objeto lícito, possível e determinado, a forma prescrita em lei,
15
etc. – para que o negócio jurídico seja apto a produzir os efeitos que lhe são próprios.
Todavia, decidi não examinar a oferta contratual no plano da validade, pois a
maioria de seus pressupostos são comuns à quase totalidade dos negócios jurídicos, de
modo que uma incursão nesta seara poderia, quando muito, contribuir à evolução da teoria
do negócio jurídico, mas não ao tema desta tese, de abrangência bem mais limitada.
3. Breve questão terminológica
No âmbito específico deste trabalho, visando apenas conciliar concisão, clareza e
precisão, utilizarei a locução “proposta de contrato” para designar somente a oferta de
contrato dirigida a uma ou mais pessoas determinadas; a expressão “oferta ao público”,
para me referir apenas à oferta de contrato dirigida a pessoas indeterminadas; por fim,
utilizarei a locução “oferta contratual” como gênero do qual a proposta de contrato e a
oferta ao público são espécies, de modo que utilizarei esta última locução sempre quando
quiser me referir indistinta e simultaneamente à proposta de contrato ou à oferta ao
público.
15
Cf. CCbr-2002, art. 104.
19
Esclareço, porém, que essa estipulação semântica não encontra guarida no direito
positivo brasileiro, tampouco na doutrina nacional ou estrangeira, que às mais das vezes se
servem do vocábulo “oferta” e “proposta” como se sinônimos fossem.
20
CAPÍTULO 2: OS PROCEDIMENTOS DE FORMAÇÃO DO CONTRATO
1. Formação instantânea x formação progressiva do contrato
A concepção clássica segundo a qual o contrato se aperfeiçoaria pelo encontro de
vontades, isto é, pela formação de uma vontade comum nascida da fusão das vontades
individuais de cada parte16, há muito foi objeto de crítica de alguns autores italianos17, que
viram no modelo da união de quereres uma explicação artificial do fenômeno contratual,
não admitindo plausível a imagem da fusão das vontades individuais numa única
vontade18.
Tais autores acabaram construindo um modelo de corte mais objetivo, segundo o
qual o acordo ou consenso contratual resultaria da manifestação ou declaração de
vontade de dois ou mais sujeitos de direito, as quais, sobre serem congruentes, convergem
para o mesmo fim, qual seja a realização conjunta de certa operação de natureza
patrimonial ou econômica.
16
Cf., por todos: CARRARA, Giovanni. La formazione dei contratti. Milano: Vallardi, 1915. p. 43 e ss.
17
SCHLESINGER, Piero. Complessità del procedimento di formazione del consenso ed unità del negozio
contrattuale. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, Milano, n. 3, p. 1345 e ss., sett. 1964;
GORLA, Gino. La ‘logica-illogica’ del consensualismo o dell’incontro dei consensi e il suo tramonto.
Rivista di Diritto Civile, Padova, p. 255 e ss., magg./giug. 1966.
21
Não obstante essa crítica, a voz autorizada de GIOVANNI B. FERRI defendeu a idéia
de que não se pode prescindir completamente do acordo de vontades, constituindo, este, o
fundamento necessário e lógico de toda operação contratual, o elemento através do qual o
regulamento contratual se torna vinculativo para os contraentes19.
Seguindo essa perspectiva, parte da doutrina salientou posteriormente que se é
verdade que o que importa é o significado objetivo e socialmente reconhecível dos atos
realizados pelas partes, não é menos verdade que os atos de formação do contrato têm o
significado objetivo de manifestação de vontade, sendo portanto com base neste
significado que se deve verificar se o acordo aperfeiçoou-se ou não20.
Assim, a pesquisa da intenção comum das partes pode revelar, em determinado
caso que o acordo efetivamente alcançado pelas partes difere do que parece expressar o
texto das respectivas declarações de vontade (proposta e aceitação), não se podendo
admitir, nesta hipótese, que o acordo tenha decorrido da congruência literal entre a
proposta e a aceitação.
Essa possibilidade sugere que não é suficiente a coincidência exterior das
declarações de vontade das partes, mas, como assinala MASSIMO BIANCA, “é necessário
também que o significado global do comportamento das partes, objetivamente
considerado, exprima a sua concordância em constituir, modificar ou extinguir uma relação
jurídica patrimonial” 21.
18
Cf. CAMERIERI, Fausto. La conclusione del contratto, pt. 1. In: ALPA, Guido; BESSONE, Mario (Dir.).
Giurisprudenza sistematica di diritto civile e commerciale. Torino: UTET, 1992. v. 3, cap. 3 - I contratti in
generale. p. 54 e ss.
19
Cf. FERRI, Giovanni B. Considerazioni sul problema della formazione del contratto. Rivista del Diritto
Commerciale e del Diritto Generale delle Obbligazioni, Milano, n. 5/6, pt. 2, p. 200 e ss., magg./giug.
1969.
20
BIANCA, C. Massimo. Diritto civile: il contratto. Ristampa. Milano: Giuffrè, 1987. t. 3, p. 209-211.
21
Id. Ibid., p. 211.
22
De toda forma, o contrato é uma composição voluntária de interesses diferentes
das partes contratantes22 – e sob este aspecto não haveria sentido falar-se em “vontade
comum” – as quais, do ponto-de-vista puramente fático, buscam através do contrato
realizarem fins particulares e distintos, as mais das vezes de conteúdo econômico, que não
podem ser por elas alcançados senão querendo o resultado global do contrato23.
Bem se expressou GINO GORLA quando afirmou que o instituto do contrato, mais
do que sobre a lógica do encontro das vontades, é “fundado sobre a tutela das expectativas
de boa-fé e sobre a composição dos interesses, que nascem em uma balança que o direito
pesa do modo mais conveniente ou menos imperfeito num dado ambiente historicamente
determinado” 24.
Ainda sobre a metodologia de análise das técnicas de formação do contrato,
FAUSTO CAMERIERI assinala a tendência atual, na doutrina italiana, de se abandonar a
perspectiva tradicional baseada sobre o conceito estático de “fattispecie” 25, em benefício
de um enfoque fundado sobre a noção de procedimento, considerada mais adequada a
abranger os aspectos dinâmicos do fenômeno da formação do contrato26.
22
Fala-se, com freqüência, de interesses “antagônicos”, “opostos” ou “contrapostos”. Todavia, não acredito
serem adequados, tais adjetivos, para qualificarem corretamente os interessses das partes contratantes, eis
que envolvem, pelo menos indiretamente, os significados de “contrariedade”, “contradição”,
“conflituosidade” etc., que não se coadunam com a realidade jurídico-contratual. Os interesses de cada
parte são, isto sim, diferentes, distintos, o que não quer dizer conflitantes, inconciliáveis.
23
Nesse sentido: OSTI, Giuseppe. Contratto. In: AZARA, Antonio; EULA, Ernesto (Coords.). Novissimo
digesto italiano. Torino: UTET, 1957. v. 4, p. 470 e ss.
24
GORLA, Gino. op. cit., p. 273 (destaquei).
25
Vale dizer, as fattispecies próprias da fase pré-contratual: proposta de contrato, minuta, cartas de intenção,
tratativas, contrato preliminar, opção, prelação etc.
26
Cf. CAMERIERI, Fausto. op. cit., p. 55.
23
Todavia, entre os juristas italianos há, de um lado, os que atribuem a tal
procedimento um valor autônomo e distinto, identificando no iter formativo do contrato
“uma seqüência de atos e situações jurídicas intrinsecamente correlatos” 27 e, de outro lado,
os que, reconhecendo à noção de procedimento um significado genérico e uma relevância
meramente empírica, preferem recorrer à noção de “formação sucessiva” da fattispecie
ligada ao dado estrutural do acordo, no sentido de que toda fase do ciclo formativo é o
mesmo contrato em determinado estágio de seu desenvolvimento, cujos efeitos adquirem
relevo em função do resultado final28.
De qualquer forma, em matéria de formação contratual – ainda que dizê-lo
represente hoje um lugar-comum – fenômenos como a revolução industrial (sécs. XIXXX), a expansão do comércio internacional (séc. XX), a evolução dos meios de
comunicação de massa (séc. XX) e a globalização da economia (sécs. XX-XI) induziram o
surgimento de dois “procedimentos” formativos distintos e rigorosamente opostos.
Refiro-me, em primeiro lugar, à formação instantânea daqueles contratos que dão
origem e ao mesmo tempo caracterizam as relações “business-to-consumer” (B2C), muito
embora também usuais nas relações “person-to-person” (P2P) e eventuais nas “businessto-business” (B2B)29.
27
BENEDETTI, Giuseppe. Dal contratto al negozio unilaterale. Milano: Giuffrè, 1969. p. 56; Vide também:
RAVAZZONI, Alberto. La formazione del contratto. 2. ed. Milano: Giuffrè, 1973. t. 1 – le fasi del
procedimento, p. 23 e ss.; bem assim VITUCCI, Paolo. I profili della conclusione del contratto. Milano:
Giuffrè, 1968, que observou que o fato de os dois aspectos do fenômeno coexistirem e se sobreporem
curso da mesma atividade, não impede um exame separado da perspectiva do procedimento e a da
fattispecie (cf. p. 22).
28
Cf. BIANCA, C. Massimo. op. cit., t. 3, p. 230, nota 214: “A utilização da noção de procedimento constituiu
sempre uma dificulade para a doutrina civilística, que se inspira nas definições publicísticas, mas tende a
elaborar uma noção excessivamente genérica, à qual é estranho o rigor e a problemática dos intitutos do
procedimento público”.
29
Utilizo tais siglas não apenas por razões de comodidade e concisão, mas também porque as considero
muito precisas em seus respectivos sinificados, que são, ao mesmo tempo, econômicos e jurídicos.
Segundo RICARDO FERREIRA, “usou-se o termo ‘business-to-business’ pela primeira vez por volta de 1985.
Referia-se ao marketing de empresas do setor industrial. Depois passou a designar genericamente
empresas que faziam negócios com empresas. O nome, então, assume uma forma mais simpática, ‘B-to-B’
[...]. Por volta de 1998, com o início da consolidação dos marketplaces na Internet, a sigla passou a ser
conhecida como ‘B2B’; nome mais ‘internético’ hão ha!” (FERREIRA, Ricardo. Comunicação Business-toBusiness: como empresas que servem empresas podem tornar seus cliclos de vendas mais eficientes.
Associação Brasileira de Marketing Direto [artigos on-line]. São Paulo, 28 de maio de 2002. Disponível
24
É sabido que o sistema de produção de bens e serviços em série auto-sustenta-se na
medida em que corresponda a uma distribuição ágil e capilar. Do ponto-de-vista
econômico, o escoamento de uma produção cada vez mais abundante e especializada
desenvolve-se mediante requintados métodos de comercialização, amparados por técnicas
não menos sofisticadas de marketing, cuja finalidade indisfarçável é incitar a massa
ingente de consumidores a adquirir cada dia mais utilidades, garantindo, assim, o
necessário dinamismo ao sistema.
Em termos jurídicos, esse processo de distribuição em larga escala desdobra-se na
celebração impessoal e massificada de inúmeros contratos padronizados, quer entre os
integrantes da cadeia de fornecimento, quer entre estes e o público consumidor. Nesse
contexto, não é difícil compreender que os contratos B2C reclamam uma formação
instantânea, por vezes automática, visto não haver tempo para se discutir as condições de
cada negócio em particular. Daí a proliferação dos contratos de adesão.
Em posição diametralmente oposta situa-se o segundo procedimento formativo.
Trata-se da formação progressiva daqueles contratos que se inserem no âmbito das
relações B2B, que envolvem elevados valores econômicos e uma complexidade de
conteúdo razoável, tais como a incorporação ou fusão de sociedades empresárias, a
emissão de cédulas de crédito bancário em favor de instituição financeira com lastro na
securitização dos recebíveis que serão gerados pelo próprio empreendimento no qual o
empresário deve investir o capital que lhe foi adiantado pelo Banco, o consócio entre
empreiteiras sob as mais variadas formatações contratuais para a construção de obras de
infra-estrutura, tais como barragens hidrelétricas, plataformas de petróleo, ferrovias, etc.
Enfim, todos os negócios que demandam demorada apuração de dados ou investigações
técnicas. A conclusão de contratos deste porte é precedida via de regra por negociações
complexas e onerosas, o que pode inclusive suscitar importantes questões jurídicas, como a
responsabilidade pelo rompimento injustificado das tratativas.
em: <http://www.abemd.com.br/materias_conteudo.asp?coddocumento=390>. Acesso em: 09 mar. 2006).
Bastou pouco para a inventividade humana criar as irmãs “Business-to-Consumer” e “Person-to-Person”,
com suas respectivas siglas “B2C” e “P2P”.
25
Pois bem. Visando delimitar o objeto de investigação desta tese, passo a fazer uma
breve análise comparativa desses dois procedimentos de formação do contrato.
2. Formação progressiva: as tratativas contratuais
2.1. Gênese
Um dos aspectos mais belos do fenômeno contratual reside na circunstância de que a
maioria de suas figuras não são concebidas a priori pelo legislador ou pela mente de algum
engenhoso jurista, e em seguida implantadas à força no seio de uma sociedade. Não. Ao
direito contratual, muito mais que a qualquer outro capítulo do direito privado, aplica-se a
assertiva de que a vida precede o direito, o fato precede a norma.
Num primeiro momento, as espécies contratuais surgem naturalmente, como
instrumentos práticos criados por pessoas comuns visando à satisfação de suas
necessidades morais ou econômicas30. A regulamentação jurídica é posterior, tanto mais
próxima à gênese desses instrumentos quanto maior o grau de relevância sócio-econômica
de que se revestem.
Admitida tal realidade, não é difícil compreender que as negociações que antecedem
a celebração de um contrato – prática que se convencionou denominar “tratativas” ou
“negociações preliminares” – participam também dessa peculiar característica. Nascem
espontaneamente na trama cotidiana do relacionamento social, representando antes de tudo
um fato: nem o legislador, nem a jurisprudência, tampouco a doutrina o idealizaram.
26
Na verdade, as tratativas decorrem da natureza racional do ser humano. A vontade do
homem, quando verdadeiramente livre, somente se inclina a determinado objeto após a
inteligência ponderar a sua razão de conveniência. Embora a literatura contratual seja rica
em descrições acerca das tratativas, parece-me que esse fundamento antropológico tem
sido pouco explorado pela doutrina, desperdiçando-se, desse modo, um importante
elemento de interpretação do fenômeno.
Ora, se o vínculo contratual nasce do encontro de pelo menos duas declarações de
vontade congruentes, que convergem para o mesmo objeto, as tratativas correspondem
justamente a essa ponderação racional sobre o objeto do contrato in fieri.
Durante a fase das negociações preliminares, os interessados se aproximam, sondamse reciprocamente, manifestam as suas intenções, estudam e discutem o conteúdo da
operação econômica que almejam estabelecer. Assim, as tratativas constituem um
procedimento informal de troca de propostas e contrapropostas entre os interessados acerca
dos elementos ou cláusulas do contrato que pretendem constituir, procedimento que pode
ou não desaguar no consenso, conforme as partes verifiquem, ao final, que o contrato
realmente lhes convém. Cumprem, desse modo, uma função preparatória do consentimento
das partes à conclusão de um contrato.
Sendo, as tratativas, uma instituição que brota naturalmente no seio da sociedade, um
fato social, a pergunta que se impõe, desde logo, é a seguinte: até que ponto o
ordenamento jurídico recepciona esse fato e o converte em jurídico, atribuindo-lhe
determinados efeitos? Seriam, as tratativas, simples relação de fato, irrelevante para o
direito, ou constituiriam verdadeira e própria relação jurídica, portadora de conseqüências
específicas para as partes?
30
Cf. MESSINEO, Francesco. Dottrina generale del contratto. 3. ed. Milano: Giuffrè, 1948. p. 19-20.
27
2.2. Limites
Costuma-se dizer que as tratativas se desenvolvem através de um iter tanto mais
longo e trabalhoso quanto maior a complexidade do conteúdo contratual31.
Essa fase preliminar inicia-se quando os interessados manifestam uma vontade firme
de tratar e põem-se em relação de negociação tendente a desenhar o conteúdo e as
condições do futuro contrato32. Embora não exista texto legal a estabelecer um critério
capaz de determinar com precisão o início das tratativas, o direito se interessa
indiretamente e a posteriori por esse momento, em função da necessidade de se apurar, em
certos casos, a responsabilidade por comportamentos lesivos de uma parte em relação à
outra verificados durante este período vestibular33.
Com relação ao termo final das tratativas, as legislações de alguns países se
esforçam por determinar o momento em que se verifica a passagem da fase pré para a
contratual propriamente dita.
Assim, o § 154 do BGB estabelece que “enquanto as partes não acordarem sobre
todos os pontos de um contrato sobre os quais, segundo a declaração ainda que de uma só
delas, deve haver acordo, o contrato, na dúvida, não se tem por concluído”.
No mesmo sentido se orienta o art. 232 do Código Civil português de 1966 (CCpt1966) segundo o qual “o contrato não fica concluído enquanto as partes não houverem
acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o
acordo”.
Caminho diverso foi seguido pelo Código das Obrigações suíço (CSO), art. 2º, que
assim estabeleceu: “Se as partes estão de acordo sobre todos os pontos essenciais, o
contrato é reputado concluído, mesmo que haja reserva sobre os pontos secundários. Na
31
Cf. FERRI, Giovanni B. op. cit., p. 188.
32
Cf. SERPA LOPES, Miguel Maria. Curso de direito civil: fontes das obrigações: contratos. 4. ed. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 1991. v. 4, p. 74.
33
Cf. MOUSSERON, Jean Marc. Technique contratuelle. Paris: Lefebvre, 1988. p. 28.
28
falta de acordo sobre os pontos secundários, o juiz os regulará, levando em conta a
natureza do negócio”.
Nos países em que não há texto de lei expresso sobre o assunto, como na Itália por
exemplo, doutrina e jurisprudência inclinaram-se num primeiro momento para a orientação
do art. 2º do CSO, de modo a entender que o contrato se aperfeiçoaria quando as partes
atingem o acordo sobre os elementos essenciais da espécie contratual, devendo-se
entender, como tais, não apenas os elementos abstratamente considerados pela doutrina
(isto é, os relativos à fattispecie contratual), mas também aqueles que, sendo abstratamente
acessórios” ou secundários, possuem no caso concreto, um valor e um alcance essenciais
para as partes.
Tal entendimento não passou incólume às criticas de alguns juristas, como GIUSEPPE
OSTI34 e GIOVANNI FERRI35, defendendo, este último, a tese de que “em sede de formação
do contrato, não se pode distinguir entre elementos essenciais, menos essenciais ou
marginais. O acordo que dá vida ao contrato deve abranger todos os pontos trazidos à
discussão entre as partes e deve ser necessariamente sustentado pela vontade de concluir
o contrato; deve ser manifestação do animus contrahendi da partes. O acordo sobre cada
ponto não é suficiente para realizar a formação do contrato, se não é expressão e
manifestação desse animus”36.
A partir dessas críticas, a jurisprudência da Corte di Cassazione, na Itália, passou a
firmar o entendimento segundo o qual “um contrato pode se considerar validamente
concluído somente quando as partes tenham atingido o acordo sobre todos os elementos
que concorrem a formá-lo, sejam eles essenciais ou acidentais, principais ou
34
Cf. OSTI, Giuseppe. Contratto. In: AZARA, Antonio; EULA, Ernesto (Coords.). Novissimo digesto italiano,
cit., 1959. v. 4, p. 513.
35
Cf. FERRI, Giovanni B. op. cit., p.188.
36
Id., Ibid., p. 203 (destaquei).
29
secundários, salvo o caso de as próprias partes terem inequivocamente negado valor a
outros elementos do regulamento de interesses” 37.
No Brasil, onde a lei também é omissa quanto ao critério de determinação do termo
final das tratativas e início do contrato, a doutrina dominante vem seguindo a orientação do
BGB, e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sufragou esse posicionamento, no
célebre acórdão prolatado em 1979 perante o emblemático caso entre DISTRIBUIDORA
DE
COMESTÍVEIS DISCO S.A. e SUPERMERCADOS PÃO DE AÇÚCAR S.A.
Com efeito, essas empresas travaram negociações preliminares com vistas à
realização de um contrato de compra-e-venda de ações para a transferência do controle
acionário da DISCO. As tratativas foram registradas por escrito num documento intitulado
“contrato preliminar para a compra-e-venda de ações”. Fixou-se ali o prazo de 30 dias para
a apuração da efetiva situação patrimonial líqüida da DISCO. No entanto, durante esse
período, as partes se desentenderam quanto à concretização de algumas cláusulas
constantes do referido documento, suscitando o debate em sede judicial sobre a natureza
jurídica do ato praticado: simples tratativas, contrato preliminar ou contrato definitivo? 38
O relator do referido acórdão, o então ministro JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES,
resumiu a questão fundamental que se discutia nos autos da seguinte forma: “Se no curso
das negociações as partes acordam sobre os elementos essenciais do contrato, deixando,
porém, para momento posterior (o da celebração do contrato definitivo), a solução de
questões relativas a elementos acidentais e reduzem tudo isso a escrito, esse documento
caracteriza um contrato preliminar (e, portanto, obrigatório para ambas), ou não passa,
mesmo no que diz respeito aos pontos principais já considerados irretratáveis, de mera
37
ITÁLIA. Corte di cassazione. Civ., sez. 3, 10 octt. 1975, n. 3252. In: DUBOLINO, Pietro; BARTOLINI,
Francesco (Coords.). Il Codice Civile commentato con la giurisprudenza. Piacenza: La Tribuna, 1992. p.
1.138 (destaquei).
38
Ver excelente comentário sobre este acórdão em: FERNANDES, Wanderley. Formação de contrato
preliminar suscetível de adjudicação compulsória. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro, São Paulo, v. 29, n. 80, p. 76-133, out./dez. 1990.
30
minuta
(ou
punctação),
sem
caráter
vinculativo
de
contrato
preliminar,
e,
conseqüentemente, insuscetível de adjudicação compulsória” 39.
Depois de acurado estudo de direito comparado, MOREIRA ALVES concluiu que no
direito brasileiro “só se forma o vínculo contratual (preliminar ou definitivo) quando as
partes chegam a acordo sobre todas as cláusulas que devem constar no contrato, sejam
elas relativas aos denominados elementos essenciais da espécie contratual a que se
referem, sejam elas referentes aos chamados elementos acidentais do contrato, ambos
objetivamente considerados. Se no curso das negociações as partes concordam quanto a
certos pontos, mas deixam em aberto outros, ainda que em documento escrito, e
estabelecem a irretratabilidade quanto aos pontos já acertados e declaram que os demais
serão objeto de acordo posterior, o contrato preliminar ou definitivo somente surgirá no
momento em que houver a concordância sobre estes [pontos], completando-se, assim, o
acordo sobre o conteúdo global do contrato. Enquanto esse acordo posterior não ocorrer,
continua-se no terreno das tratativas, não sendo permitido, porém, a qualquer das partes,
isoladamente, se quiser vir a celebrar o contrato, desrespeitar o acordo sobre os pontos já
acertados, sendo certo, por outro lado, que, no momento em que ocorrer a concordância
sobre as cláusulas em discussão, o contrato, independentemente de ratificação do acordo
parcial, se reputa aperfeiçoado, vinculando-se as partes ao seu adimplemento. Não se
admite, em nosso sistema jurídico, ao contrário do que ocorre no direito suíço e no direito
austríaco, por exemplo, que o juiz se substitua às partes para preencher os pontos em
branco sobre os quais elas, apesar das negociações posteriores à minuta, não chegaram a
acordo”40.
Todavia, se do ponto-de-vista teórico e abstrato esse critério de verificação da
existência de um acordo sobre todos os pontos trazidos à discussão pelas partes pode ser
válido, não elimina, esse critério, as dificuldades práticas de determinação precisa do final
das tratativas e início da fase contratual, em face de uma negociação concretamente
considerada.
39
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário n. 88.716-RJ. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 80, p. 96, out./dez. 1990.
31
Assiste razão a FRANCESCO MESSINEO quando escreveu que “estabelecer se os
interessados se encontram ainda na fase das tratativas, ou se já atingiram um acordo, como
evento conclusivo do procedimento de formação do contrato, é mera ‘questão de fato’;
não se podem dar, a respeito, critérios técnicos seguros, sendo necessário avaliar a vontade
das partes e interpretar caso por caso”41.
Nesse sentido, observa com propriedade JEAN MARC MOUSSERON que a expressão
“encerramento das negociações” sugere o traçado de uma linha nítida, a designação de um
momento preciso em que o tempo das negociações termina para dar lugar ou ao nada do
rompimento das tratativas, ou ao tudo do acordo contratual. Na realidade, muitas vezes as
coisas se passam de modo diferente. Encontramo-nos dentro de uma zona cinzenta, em que
não é possível distinguir com clareza se estamos ou não na presença de um contrato42.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, RENATO SPECIALE observa que, em função da
complexidade das novas técnicas de contratação, em matéria de formação progressiva do
contrato há uma tendência a se atenuar a cisão entre a fase das tratativas e a conclusão do
contrato em favor de uma espécie de continuum, que torna mais complexo o trabalho do
intérprete. Desse modo, vai-se delineando na doutrina e na jurisprudência o abandono da
colocação da temática relativa à formação do contrato excessivamente limitada às rígidas
alternativas contrato/não-contrato, cedendo lugar a uma visão mais articulada do
fenômeno43.
Mas como a casuística contratual é muito mais vasta e rica que os critérios de
classificação idealizados pela doutrina, não raro as partes – como há muito observou
GIOVANNI CARRARA – “depois de haverem formulado por escrito os acordos sobrevindos
no período das tratativas, sobre toda a matéria do contrato em formação, podem submeter
40
Cf. Id. Ibid., p. 103 (destaquei).
41
MESSINEO, Francesco. Contratto. Diritto privato. Teoria generale. In: Enciclopedia del diritto. Milano:
Giuffrè, v. 9, p. 785-978, 1961. p. 846-847.
42
Cf. MOUSSERON, Jean Marc. op. cit., p. 83.
43
Cf. SPECIALE, Renato. Contratti preliminari e intese precontrattuali. Milano: Giuffrè, 1990. p. 218-219 e
261.
32
as suas vontades ao projeto formulado. Sob a iniciativa de uma das partes, a qual tornará
próprio tal projeto e o proporá à aceitação da outra, constituir-se-á o consenso necessário
para dar vida ao contrato” 44.
Nesse sentido, escreveu ANTOINE VIALARD, muitos anos depois, que “ocorra, ou não,
as negociações preliminares, sempre é uma das partes que toma a iniciativa de formular a
outra, em determinado momento, a proposta de celebrar determinado contrato [...]. Se nem
sempre as negociações preliminares existem, a oferta de contrato, ao contrário, é uma
fase pré-contratual indispensável [...]. Na formação de todo contrato sempre um dos
contratantes assume o papel de policitante (às vezes, cada um deles, alternativamente)” 45.
Precisamente a oferta contratual – essa pequena e intrigante figura jurídica, que há
muito despertou em mim inquietações e perplexidades – é que escolhi para tratar neste
trabalho de doutoramento, sobretudo a oferta ao público e sua interface cada vez mais
estreita com o fenômeno da publicidade comercial.
Passo a tangenciá-la.
3. Formação instantânea: o intercâmbio entre proposta e aceitação de
contrato
A troca de propostas e aceitações entre pessoas predeterminadas é a mais
tradicional das técnicas de formação do contrato, e talvez por isso mesmo seja objeto do
direito positivo da quase totalidade dos países de direito codificado.
Aliás, o conceito “proposta de contrato” e a identificação de quais sejam os seus
elementos estruturais não é questão jurídica que ofereça hoje maiores dificuldades,
reinando neste particular verdadeira harmonia entre os direitos da Família de Direito
Romano-Germânica.
44
CARRARA, Giovanni. op. cit., p. 18-19.
33
Com efeito, na Itália, ainda permanece atual a sintética definição de MESSINEO
segundo a qual a proposta de contrato é “manifestação de vontade proveniente de um
sujeito (proponente ou ofertante) capaz de contratar, endereçada a um destinatário,
igualmente capaz (oblato)” 46, bem assim a irretocável e exaustiva definição de GIUSEPPE
TAMBURRINO, para quem a “proposta é a declaração de um contraente dirigida a outro,
convidando-o a com ele concluir determinado contrato, devendo emitir-se, tal declaração,
com a intenção de vincular-se pelo contrato proposto, e ser completa, no sentido de que
deve conter todas as cláusulas essenciais ou fundamentais (principais e acessórias) que a
parte quer inserida no futuro contrato, de tal modo que, se faltar qualquer cláusula, não se
está diante de uma proposta em sentido técnico, mas de mero ato preparatório de um
eventual contrato”47.
Substancialmente coincidentes são as formulações conceituais da doutrina alemã,
como a de WERNER FLUME por exemplo, para quem a proposta de contrato é “declaração
de vontade unilateral e receptícia [...] direcionada à conclusão do contrato e à definição do
regramento jurídico que regerá a atuação das partes” 48, o que por sua vez não destoa das
definições elaboradas por juristas mais antigos como ANDREAS
VON
THUR49 e LUDWIG
ENNECCERUS50.
45
VIALARD, Antoine. L’offre publique de contrat. Revue Trimestrielle de Droit Civil, Paris, n. 4, p. 750-791,
oct./déc., 1971, p. 752 (destaquei).
46
MESSINEO, Francesco. Contratto. Diritto privato. Teoria generale, cit., p. 850-851.
47
TAMBURRINO, Giuseppe. I vincoli unilaterali nella formazione progressiva del contratto. 2. ed. Milano:
Giuffrè, 1991. p. 15.
48
FLUME, Werner. Allgemeiner Teil des Bürgerlichen Rechts. 4. Aufl. Berlin: Springer, 1992. Bd. 2. Das
Rechtsgeschäft, § 35, I, 1, p. 635.
49
“A oferta é uma declaração de vontade pela qual uma pessoa propõe a outra a conclusão de um contrato, de
tal sorte que a perfeição deste depende unicamente do consentimento desta” (THUR, Andreas von. Derecho
civil. Teoria general del derecho civil aleman. [Trad. por Tito Ravà de “Allgemeine Teil des deutschen
Bürgerlichen Rechts”]. Buenos Aires: Depalma, 1947. v. 2, t. 2, § 62, II, p. 139).
50
“A oferta é uma proposição unilateral que uma das partes dirige à outra para celebrar com ela um contrato.
Não é um ato preparatório do contrato, mas uma das declarações contratuais. Assim, pois, só há oferta
quando o contrato pode constituir-se só com a aceitação da outra parte, sem necessidade de uma ulterior
declaração do que fez a oferta” (ENNECCERUS, Ludwig; NIPPERDEY, Hans Carl. Derecho civil: parte
general [Trad. da 30. ed. de Lehrbuch des Bürgerlichen Rechts, por Blas Pérez Gonzáles e José Alguer,
atualizada por Eduarto Valentí Fiol]. 3. ed. Barcelona: Bosch, 1981. § 161, I, p. 253: itálicos do original).
34
Com elegância, mas sem perder a precisão jurídica, JEAN-LUC AUBERT, na França,
escreveu que a proposta de contrato é “uma prefiguração da situação contratual vindoura
[...] feita pelo proponente, expondo tanto as obrigações que pretende assumir quanto as que
ficariam a cargo de seu parceiro, indicando, assim, o contexto dentro do qual tem a firme
vontade de se vincular”51, e JACQUES GHESTIN, mais objetivo, diz que a proposta é
“manifestação de vontade unilateral através da qual uma pessoa dá a conhecer sua intenção
de contratar e as condições essenciais do contrato” 52 .
Entre nós, PONTES DE MIRANDA, após definir a oferta como “manifestação unilateral
de vontade, destinada a composição de negócio jurídico bilateral” 53, acrescentou que sua
função “é a de ser anterior à aceitação, dá a conhecer o que seria o conteúdo do negócio
jurídico ou plurilateral [...]. A função da oferta é suscitar a composição do negócio jurídico
bilateral”
54
. ORLANDO GOMES, por sua vez, consignou definição mais completa ao
escrever que a “proposta é a firme declaração receptícia de vontade dirigida à pessoa com a
qual pretende alguém celebrar um contrato, ou ao público. Para valer, é preciso ser
formulada em termos que a aceitação do destinatário baste à conclusão do contrato. Não
deve ficar na dependência de nova manifestação da vontade, pois a oferta, condicionada a
ulterior declaração do proponente, proposta não é no sentido técnico da palavra. Exige-se
que seja inequívoca, precisa e completa, isto é, determinada de tal sorte que, em virtude da
aceitação, se possa obter o acordo sobre a totalidade do contrato. Deve conter, portanto,
todas as cláusulas essenciais, de modo que o consentimento do oblato implique a formação
do contrato” 55.
51
AUBERT, Jean-Luc. Notions et roles de l’offre e de l’acceptation dans la formation du contrat. Paris:
LGDJ, 1970, p. 14.
52
GHESTIN, Jacques. Traité de droit civil – la formation du contrat. 3. éd. Paris: LGDJ, 1993. § 292, p. 260.
53
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado, cit., 1954, t. 3, § 278, p. 138.
54
Id. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1962. t. 38, § 4189, p. 27.
35
Digno de menção privilegiada é o insight de RICARDO LUIS LORENZETTI, na
Argentina, ao propor uma reconstrução conceitual da oferta e da aceitação baseada nos
conceitos de aparência e confiança, respectivamente. Segundo o Autor – e reproduzindo
neste passo as suas palavras quase textualmente – o sistema informático, a rede global, a
economia da informação são “sistemas especializados”56, qualificáveis como sistemas de
execução técnica ou profissional que organizam grandes áreas do entorno material e social
em que vivemos. O sistema é inextrincável porque a complexidade técnica que apresenta é
esmagadora; é anônimo porque não se pode conhecer o dono nem o responsável. Diante
desse fenômeno, as condutas de empresários e consumidores mudam substancialmente,
afastando-se dos modelos tradicionais de eleição racional que inspiraram as legislações
codificadas. Assim, por exemplo, o consumidor ou usuário atual poderia ser considerado
negligente se lhe fosse aplicado o standard contratual clássico, porque os testes que realiza
para comprovar a veracidade dos dados fornecidos antes de contratar são insignificantes, se
é que chega a realizar efetivamente algum teste. O consumidor atua com base num
conhecimento indutivo e débil. Não se trata de negligência de sua parte, mas de uma
necessidade: se tivesse que analisar racionalmente cada ato, seria impossível viver e os
custos de transação seriam altíssimos. A conduta individual tende à simplificação,
reduzindo estes custos e o esgotamento psicológico que significaria pretender entender
cada um dos sistemas com os quais nos relacionamos diariamente. Uma pessoa
racionalmente orientada não poderia viver, porque deveria solicitar informações sobre
cada sistema, conhecê-lo, para somente depois atuar. Nesse contexto, os modelos de
comportamento racional e os standards de contratante médio obrigam a reformular
noções: a conduta do indivíduo baseia-se na confiança, que por sua vez se forma sobre a
aparência criada pelo sistema especializado. Nessas hipóteses, tanto o consentimento
quanto a adesão resultam conceitos insuficientes, porque “há imputações de efeitos
55
GOMES, Orlando. Contratos. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987. § 37, p. 65.
56
LORENZETTI, Ricardo Luis. Tratado de los contratos: parte general. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni, 2004, p.
278.
36
jurídicos que não estão conectados a uma declaração de vontade, senão a comportamentos
objetivos aos quais o ordenamento adjudica conseqüências”57.
Todavia, penso que este pensamento de LORENZETTI não constitui uma ruptura da
linha conceitual tradicional quanto à proposta de contrato, pelo menos no estágio em que
se encontra desenvolvido. Com efeito, lendo o seu “Tratado de los Contratos”, tenho a
impressão de que as idéias ali consignadas representam por enquanto apenas um ensaio,
que certamente merecerá do Autor um desenvolvimento posterior.
57
Id. Ibid., p. 278-280.
37
CAPÍTULO 3: ORIGENS DO PRINCÍPIO DA IRREVOGABILIDADE DA PROPOSTA
1. A Alemanha na contramão do Direito Comum Europeu
Contrariando a tradição do direito comum europeu, haurida ao longo de séculos de
estudo do direito romano estratificado no Corpus Iuris Civilis de Justiniano, a Alemanha
adotou o princípio da irrevogabilidade da proposta de contrato em 1896, ao estabelecer
no § 145 do BGB que “aquele que propõe a outro a conclusão de um contrato fica
58
vinculado à proposta, a não ser que tenha excluído a vinculação” .
Deveras, em ampla pesquisa histórica, GIOVANNI CARRARA demonstrou que,
segundo o direito romano e o direito comum europeu, até a perfeição do contrato, isto é,
até o momento em que a declaração de aceitação chega ao proponente, este poderia
revogar a proposta de contrato. A tradição européia era absolutamente contrária à
irrevogabilidade da proposta de contrato, e a questão nem poderia ter nascido antes de que
se reconhecesse força obrigatória aos simples pacta, destituídos das causae admitidas pelo
59
direito romano antigo . A vinculatividade dos nuda pacta
60
só veio a ser proclamada pela
61
Escola do Direito Natural e pela Escola Holandesa .
58
Destaquei.
59
Sobre o conceito jurídico de “causa” no direito romano, vide: D’ORS, J. A. Derecho privado romano. 8
ed. Pamplona: EUNSA, 1991, § 170, p. 222-225. Especificamente sobre a “causa do contrato”, escreveu o
romanista: “[...] convem ter presente que o contrato não tem ‘uma’ causa, senão duas, pois o contrato se
compõe de duas promessas interdependentes, cada uma das quais funciona como causa da outra. Quando
se quer identificar uma causa única no ocntrato, incide-se inevitavelmente numa ‘causa’ que não é
jurídica, senão social-econômica: o fim de cada contrato” (Id., ibid., § 460, nota 3, p. 516). Grosso modo,
no direito romano primivito, as causae que atribuiam “força obrigacional” aos pacta (i) a prática das
formalidades prescritas, nos “contrato formais” (“nexum” e “stipulatio”) e (ii) a entrega da res à
contraparte, nos “contratos reais” (mútuo, depósito, comodado e penhor).
60
“Nuda pactio”: assim denominava-se no direito romano o pacto destituído de causa.
61
Cf. CARRARA, Giovanni. op. cit., p. 146-147.
38
A idéia de que uma vez excluída a vinculatividade dos pactos não se poderia
admitir, por decorrência lógica, a vinculatividade da simples proposta de contrato foi bem
62
salientada por HUGO DONELLO .
Mesmo depois de reconhecida a força obrigatória dos nuda pacta, a vinculatividade
da proposta de contrato foi terminantemente negada no direito comum europeu. Pela
63
64
Escola Holandesa, CARRARA menciona VOET , e pela Escola do Direito Natural LESSIO ,
lembrando que os primeiros pandectistas alemães como PUCHTA, VANGEROW e
REGELSBERGER mantiveram-se fiéis a esta doutrina65.
O princípio da revogabilidade da proposta de contrato foi conservado pelos
ordenamentos jurídicos de países como a Inglaterra, França e Itália, permanecendo em
vigor até os dias de hoje.
62
“Nemo privatus pollicendo se quid privato praestiturum pollicitatione obligatur. Certi enim juris est ex
pacto actionem nasci. Quanto minus ex pollicitatione; quae hoc minus continet quam pactum, quod
pactum habet duorum consensum; pollicitatio unius tantum offerentis voluntatem?” [É coisa certa que dos
pactos não nasce qualquer ação. Por maioria de razão, também não poderia derivar ação da simples
proposta de contrato, que é menos que o pacto, pois enquanto este envolve o consenso das partes, aquela
contém somente a vontade do proponente]. HUGONIS DONELLI, Opera omnia. Commentariorum de iure
civili, tomus tertuis, Maceratae MDCCCXXIX, cap. V, n. III, p. 463. Apud CARRARA, Giovanni. op. cit.,
p. 147, nota 23.
63
“Pollicitatio est solius offerentis promissio; distans a pacto in eo, quod pactum sit duorum consensus
atque conventio, nec inter praesentes tantum, sed et inter absentes per epistolam interponi possit. Cum ex
adverso pollicitatio per espistolam facta, obligatoria non sit” [A proposta é somente uma promessa do
proponente. Difere do pacto porque, enquanto este envolve o consenso entre duas pessoas, aquela contém
apenas a vontade de uma pessoa] (VOET. Commentarius ad Pandectas, tomo II, lb. 50, ti. XII (De
pollicitationibus), n. 1, p. 1177. Apud CARRARA, Giovanni. op. cit., p. 147, nota 23 bis). Depois de haver
definido a “pollicitatio” como uma simples proposta – distinguindo-a do “pacto” –, VOET afirma que
também os efeitos são diversos, porque enquanto o pacto pode se concluir entre ausentes por meio de
correspondência – e uma vez assim concluído, constitui-se juridicamente, obrigando as partes – a simples
policitação feita por meio de correspondência não produz nenhum vínculo para o seu autor (cf. Id., loc.
cit.).
64
“Promissionem ante acceptationem ordinarie nullam parere obligationem naturalem aut civilem: es
comunis sententia doctorum texte Gomezio, to.2, c. 2, n. 1; et patet L, 1 ff., de pollicit. – Idem dicendum
est de donatione, ecc. unde sequitur ante nisi mutuo duorum consensu, quare priusquam alterius
consensus accedta, prior potest penitere et suam oblationem revocare” [A proposta, antes da aceitação,
não produz ordinariamente nenhuma obrigação natural, tampouco civil. O vínculo não surge senão por
efeito do consenso das partes, e antes que a segunda vontade se una à primeira e dê vida à convenção, o
autor da primeira tem a faculdade de se arrepender e retirar a sua proposta].
65
Cf. CARRARA, Giovanni. op. cit., p. 147-148.
39
No final do século XIX, porém, consoante anotou FLUME, a Alemanha decidiu
aderir às disposições dos parágrafos 90 e 103 do “Allgemeines Landrecht für die
Preussischen Staaten” (ALR – Código Civil prussiano de 1794), do art. 319 do
“Allgemeines Deutsches Handelsgesetzbuch” (ADHGB – Código de Comércio alemão de
1861), bem assim do § 862 do “Allgemeines Bürgerliches Gesetzbuch für Österreich”
66
(ABGB – Código Civil austríaco) .
Essa decisão, de certa forma inusitada para a época, explica-se parcialmente pelo
fato de que, a partir de meados do século XIX, a doutrina jurídica alemã começou a
questionar o direito do proponente à livre revogação da proposta de contrato, às custas
da frustração do legítimo “interesse de confiança” (Vertrauensinteresse) que esta
geralmente desperta na pessoa do oblato67.
A questão culminou por volta de 1888, quando a comissão dirigida por PAPE –
então Presidente do Tribunal Superior do Comércio alemão – e integrada por juristas de
calibre como BERNHARD WINDSCHEID e GOTTLIEB PLANCK, dentre outros, apresentou o
primeiro anteprojeto de Código Civil para vigorar em todos os territórios germânicos,
então recém-unificados pela constituição do Império alemão, anteprojeto que foi publicado
em 1888 sob a forma de “Motive” 68.
66
Cf. FLUME, Werner. op. cit., § 35, p. 640, nota 64.
67
Cf. FLUME, Werner. op. cit., § 35, p. 640.
68
Antes disso, assistia-se na Alemanha a uma verdadeira fragmentação legislativa. Apenas
o ADHGB de 1861 e uma lei sobre títulos de crédito eram comuns a todos os territórios.
O direito civil não. Na Prussia, vigorava um código civil geral do Estado. Nos territórios
à esquerda do rio Reno e em Baden tinha força de lei o Code Civil francês. Na Saxônia,
havia um “código civil” desde 1865; a Bavária também tinha a sua própria codificação.
Nos principados em que não havia um “código”, vigorava o chamado “direito comum”,
fundado sobre o direito romano justinianeu, que a partir do século XV começou a ser
“recepcionado” nestes territórios. Essa fragmentação legislativa, sobretudo após o
advento da revolução industrial, prejudicava sensivelmente o comércio praticado entre
as províncias alemãs por intermédio das ferrovias. Daí ganhar corpo, sobretudo após a
unificação política, a idéia de um código comum para todo o Império da Alemanha.
40
No que tange especificamente à proposta de contrato, os Motive adotaram
expressamente o princípio da irrevogabilidade, nos termos do citado § 145 do BGB, em
vigor até os dias de hoje.
2. A irrevogabilidade da proposta nos Motive do BGB
Constam expressamente dos Motive as razões que induziram a COMISSÃO PAPE a
pender para o princípio da irrevogabilidade da proposta de contrato.
Em primeiro lugar, ponderou-se que a vinculatividade da proposta de contrato
era uma exigência do comércio. Feita uma proposta a alguém, o oblato tem a necessidade
de confiar em que, com a aceitação tempestiva, ele poderá dar nascimento ao contrato
proposto. O oblato necessita de referências firmes e seguras para poder decidir.
Dependendo das circunstâncias negociais, inclusive, tem de tomar certas providências
rapidamente; com freqüência, o oblato deixa não apenas de aceitar outras propostas, como
também de fazer, ele mesmo, as suas. Em muitos casos, se fosse permitido ao proponente
revogar a sua proposta antes da aceitação, o oblato sofreria injustos prejuízos69.
No âmbito do direito comum europeu, imaginava-se compensar satisfatoriamente o
oblato do risco de ver revogada a proposta pelo proponente imputando-se a este o dever de
indenizar eventuais prejuízos daquele. Todavia – lê-se nos Motive – “o comércio exige
uma transação negocial rápida e eficiente; a experiência demonstra que a referência a uma
obrigação indenizatória tem o condão de gerar processos judiciais nefastos e de resultados
incertos, o que exerce um efeito paralisante sobre o comércio”70 .
O segundo motivo que norteou a COMISSÃO PAPE foi a consideração de que a
vinculatividade da proposta corresponde à intenção normal e presumível do proponente.
Isso se evidencia naqueles casos em que ele próprio estabelece um prazo para o oblato
69
Cf. DEUTSCHES REICH. Motive zu dem Entwurfe eines Bürgerlichen Gesetzbuches für das Deutsche Reich.
Amtliche Ausgabe. Berlin-Leipzig: J. Guttentag, 1888. Band I: Allgemeiner Teil, § 80, p. 165.
70
Id. Ibid., § 80, p. 166-167.
41
responder, o que tem não apenas o significado de uma limitação temporal, como também
de que o próprio policitante “amarra suas mãos durante este período”71, isto é, vincula-se.
Se isso é absolutamente claro nas hipóteses em que o proponente fixa
expressamente um prazo à aceitação, também não deixa de sê-lo nos casos em que ele não
o faz. É que a proposta, por definição, tem por escopo provocar a aceitação do oblato, de
modo que o proponente deve necessariamente querer que a contraparte disponha de um
tempo mínimo para refletir e eventualmente manifestar a aceitação72.
Seguindo essa mesma linha de raciocínio, argumenta-se, ainda, nos Motive, que as
mesmas legislações que adotaram o princípio da revogabilidade da proposta estabelecem
que, quando o proponente fixa um prazo para o oblato responder, a proposta não pode ser
revogada enquanto o prazo não expirar. Se assim é, então por que não reconhecer a
existência de um prazo implícito em qualquer proposta de contrato, de duração
proporcional às circunstâncias negociais concretas, durante o qual o proponente não pode
revogar a proposta? 73
Pondera-se, por fim, nos Motive, que certamente há razões que desaconselhariam a
adoção do princípio da irrevogabilidade da proposta. Há ocasiões, por exemplo, em que o
oblato, aproveitando-se de uma alteração das circunstâncias fáticas ocorrida no período que
medeia a emissão da proposta e a expedição da aceitação, poderia especular às custas do
proponente. Todavia, além de tal risco ser insignificante, o proponente poderia evitá-lo
excluindo expressamente qualquer vinculação à sua proposta74.
O fato é que até o momento da publicação dos Motive – e mesmo depois, quando
um segundo projeto foi publicado por MUGDAN em 1895 – teceram-se ásperas críticas ao
71
Id. Ibid., § 80, p. 165.
72
Id. Ibid., § 80, p. 166.
73
Cf. Id., loc. cit.
74
Id. Ibid., § 80, p. 167.
42
princípio da irrevogabilidade da proposta de contrato, tendo HOLDER se destacado
dentre os principais opositores75.
Malgrado a virulência das críticas, o princípio foi acolhido e definitivamente
consagrado no citado § 145 do BGB.
Pouco tempo depois, do outro lado do Oceano Atlântico, encontrava-se CLOVIS
BEVILAQUA a redigir o seu “Projeto de Código Civil”, quando certamente lhe chegou essa
importante notícia legislativa. Parece que a idéia o seduziu completamente, a ponto de
adotá-la em termos muito semelhantes aos preconizados pelo legislador alemão, tanto que
inseriu no seu Projeto a disposição que se veio a converter posteriormente no bemconhecido art. 1080 do Código Civil de 1916.
* * * * *
Com essa rápida incursão pelos direitos de alguns países de civil law, minha intenção
foi demonstrar que, atualmente, em matéria de proposta de contrato, e no âmbito
exclusivo do plano da existência, esta figura jurídica goza de certo consenso conceitual.
Todavia, quando se passa à análise da proposta de contrato no plano da eficácia –
haja vista a convivência, até os dias de hoje, de princípios diametralmente opostos, quais
sejam o da revogabilidade (Itália e França, por exemplo) e o da irrevogabilidade da
proposta de contrato (Alemanha, Brasil e Portugal) – e, mais ainda, quando se adentra a
seara da oferta ao público, não se observa, infelizmente, a mesma harmonia entre os
direitos desses mesmos países.
75
Cf. CARRARA, Giovanni. op. cit., p. 149.
43
Daí os desafios subjacentes a este trabalho: (i) no plano da existência, decompor a
estrutura da oferta ao público a partir dos elementos constitutivos da proposta de
contrato sedimentados pela doutrina; (ii) no plano da eficácia, e abrangendo ambas as
modalidades de oferta contratual, confrontar as diferenças normativas entre os direitos
dos países de civil law e, a partir desta comparação, identificar o seu regime jurídico no
direito brasileiro; (iii) diferençar a oferta ao público do princípio da integração
publicitária do contrato.
Isto posto, creio ter não apenas introduzido o tema desta tese como também
delimitado suficientemente o seu objeto.
44
PARTE II: OFERTA CONTRATUAL NO PLANO DA EXISTÊNCIA
45
SEÇÃO A: ESTRUTURA DA PROPOSTA DE CONTRATO
46
CAPÍTULO 4: REQUISITOS DA PROPOSTA DE CONTRATO
1. Requisitos extrínsecos
Se por um lado o legislador alemão de 1896 teve audácia suficiente para adotar o
princípio da irrevogabilidade da proposta – seguindo nesse passo, como visto, a
contramão do direito comum europeu –, a doutrina posterior ao BGB, por outro lado, não
faltou à responsabilidade de definir com precisão os requisitos que devem conter a
proposta de contrato para que esta possa deflagrar os seus efeitos vincuntes.
Aliás, ao se desincumbir desse mister com singular competência, a dogmática
germânica acabou influenciando e servindo de referência segura até para a doutrina
jurídica de países como a França e Itália por exemplo, que adotaram o princípio jurídico
inverso (revogabilidade).
Enumero a seguir, quase que esquematicamente, os requisitos extrínsecos e
intrínsecos à declaração de vontade que integra a proposta de contrato, considerados
indispensáveis até hoje, na Alemanha, para que esta surta os seus efeitos vinculantes.
1.1. Determinação do destinatário
A doutrina da irrevogabilidade subjacente ao § 145 do BGB pautou-se na hipótese
mais freqüente – à época da promulgação daquele Código, saliente-se –, em que a proposta
de contrato era endereçada a pessoas predeterminadas. A indagação sobre a existência
jurídica e a eficácia de propostas de contrato dirigidas ad incertam personam surgiu na
Alemanha somente após a promulgação do BGB, indagação que recebeu uma resposta
surpreendente da doutrina dominante naquele país – conforme se verá mais adiante.
47
Por ora, basta dizer que a indeterminação originária do destinatário de uma
proposta de contrato transmuda esta em oferta ao público, dotada de efeitos jurídicos
distintos,
sobretudo
quanto
à
sua
revogabilidade
intrínseca,
consoante
será
oportunamente demonstrado.
De qualquer forma, comparando-se os direitos dos países civilizados, incluídos os de
common law, percebe-se que inexiste ainda uma uniformidade mínima quanto à
admissibilidade da oferta ao público com caráter vinculante. Basta comparar alguns
documentos do direito do comércio internacional para comprová-lo.
Deveras, enquanto o art. 2:201, n. 2 dos PDEC-LANDO admite expressamente que “a
oferta pode dirigir-se a uma ou várias pessoas determinadas ou ao público”, o art. 14, n. 2
da CISG-UNCITRAL estabelece que “toda proposta não dirigida a uma ou várias pessoas
determinadas será considerada como um simples convite a fazer ofertas, a menos que a
pessoa que faça a proposta indique claramente o contrário”.
Já a FCISG-UNIDROIT e os PICC-UNIDROIT são omissos a respeito, o que não
deixou de suscitar certo movimento de proposição de emendas ao texto atual76.
1.2. Recepção da proposta
Há uma distinção fundamental no direito alemão, que afeta diretamente o regime
jurídico da oferta contratual, a saber:
(i) empfangsbedürftige Willenserklärungen – declarações de vontade que
devem ser emitidas em face de outrem (cf. BGB, §§ 130, 143, al. 3 e 123, al. 2); e
76
Nesse sentido: PERALES VISCASILLAS, Pilar. Formación. In: ALVARADO HERRERA, Lucía et al. Comentario
a los principios de UNIDROIT para los contratos del comercio internacional. 2. ed. Navarra: Aranzadi,
2003. p. 116: “Por razões expressas supra 1, quanto aos destinatários da oferta, deveria se incluir uma
regra que determinasse qual é o valor das ofertas dirigidas ao público em geral [...]”.
48
(ii) nicht empfangsbedürftige Willenserklärungen – declarações de vontade
que não precisam ser emitidas em face de outrem, o que equivale a dizer que são
declarações que não exigem um destinatário determinado.
Às primeiras, ZITELMANN chamou “declarações receptícias”77, porque o § 130 do
BGB, que versa sobre a declaração de vontade endereçada a pessoa ausente, estabeleceu
que os efeitos desta têm início com a sua “chegada” (Zugang) ao conhecimento
destinatário78. Em contraposição, as declarações de vontade que não exigem o
endereçamento
a
um
destinatário
determinado
chamou-as
“declarações
não-
79
receptícias” .
A crítica de VON THUR a essa terminologia de ZITELMANN, longe de representar uma
discussão acadêmica estéril, auxilia a compreensão da ratio desta distinção legal. Segundo
este Autor, o vocábulo “receptícia” adotado por ZITELMANN não é o mais adequado, pois
a ênfase da expressão legal – “declaração de vontade que deve ser emitida em face de
outrem” – está no ato de direcionamento da declaração, e não no recebimento desta.
Lembrando exemplo gráfico de OERTMANN, explica
VON
THUR que não existiria
declaração de vontade do autor se, contra a sua vontade – isto é, sem que ele a tenha
direcionado ao destinatário – a carta que escreveu é entregue no endereço nela indicado.
O termo “receptício” não expressa, pois, o elemento característico desta classe de
declarações de vontade, que reside justamente no direcionamento da declaração
promovido pelo declarante a um destinatário determinado. Mais apropriado seria dizer
77
Segundo VON THUR (op. cit., § 61, p. 104), a expressão teria sido cunhada por ZITELMANN.
78
BGB, § 130: “Se uma declaração de vontade que se deve dirigir a outrem for emitida na ausência deste, ela
se tornará eficaz no momento em que for recebida. Não será eficaz se antes ou simultaneamente chegar ao
destinatário a revogação”.
79
THUR, Andreas von. op. cit., § 61, p. 104-105.
49
“declarações que exigem ser direcionadas” 80, ou “declarações com destinatário” 81, ou
ainda “declarações que exigem direcionamento”82.
Observa, ainda, VON THUR, que em sua maioria, as declarações de vontade reclamam
esse direcionamento, e do ponto-de-vista da política legislativa adotada pelo BGB, esta
característica se justifica na medida em que, ordinariamente, as declarações de vontade
produzem efeitos na esfera jurídica alheia, de modo que é conveniente que a pessoa por
elas afetada as conheça, especialmente quando a declaração não produz apenas efeitos
benéficos a quem afeta83.
De qualquer forma, essa distinção legal foi logo acolhida na Itália, pelas mãos de
LODOVICO BARASSI – que inclusive optou pela terminologia de ZITELMANN84 –,
na
França85 e, naturalmente, no Brasil.
Na Alemanha, predomina o entendimento de que a proposta de contrato é
declaração de vontade receptícia, de modo que quando endereçada a pessoa ausente gera
efeitos somente após sua a “chegada” (Zugang) ao conhecimento do destinatário86.
80
Expressão de LEONHARD (cf. THUR, Andreas von. op. cit., § 61, p. 105, nota 155).
81
Expressão de BEKKER (cf. Id. Ibid., § 61, p. 105, nota 155).
82
Expressão de BREIT (cf. Id., loc. cit.).
83
Cf.f. THUR, Andreas von. op. cit., § 61, p. 105.
84
BARASSI, Lodovico. Notificazione necessaria nelle dichiarazioni stragiudiziali. Milano: Società Editrice
Libraria, 1906. p. 1: “Devemos partir de uma constação de fato. As manifestações de nosso estado
psíquico (vontade, intelecto), destinadas a produzir efeitos jurídicos e que constituem a alma do comércio
jurídico, são, na prática, as mais das vezes, dirigidas a uma ou mais pessoas, de modo que estas chegam a
conhecer aquelas manifestações. Mais raramente, são emitidas sem nenhuma comunicação exterior a uma
determinada direção [...] Dentre essas manifestações ora invocadas, notamos que algumas, para serem
eficazes, devem ser dirigidas, comunicadas a uma ou mais pessoas por ela mais diretamente interessadas
[...]. Chamemos, doravante, receptícias as primeiras, não receptícias as segundas”.
85
Cf. MARTIN DE LA MOUTTE, Jacques. L’acte juridique unilatéral: essai sur sa notion e sa technique en droit
civil. Paris: Bernard Frères – Sirey, 1951. n. 180 e ss.
86
Cf. THUR, Andreas von. op. cit., § 62, p. 140: entende-se por chegada ou recpeção da declaração de
vontade, quano esta ingressa na esfera de influência do destinatário, de modo que este possa, em
circunstâncias normais e segundo os usos e costumes do lugar, tomar conhecimento sem dificuldades do
conteúdo da declaração.
50
Grosso modo, tanto a doutrina nacional87 quanto a francesa88 e a italiana89 seguem
fundamentalmente a mesma trilha.
Após comparar o direito contratual de vários países europeus, HEIN KÖTZ concluiu
que, nesses países, a razão da receptividade da proposta reside na circunstância de que
somente após a sua chegada ao destinatário é que este se torna apto, por meio da
declaração de aceitação, a constituir o vínculo contratual90.
O caráter receptício da proposta de contrato adquire especial relevância naqueles
sistemas, como o alemão, o brasileiro e o português, em que vigora o princípio da
irrevogabilidade. Deveras, se a proposta surte efeitos depois de recebida pelo oblato, a
irrevogabilidade – efeito máximo da proposta – somente se deflagra neste momento.
Não é por outra razão – observou KARL LARENZ, em obra continuada e atualizada por
MANFRED WOLF – que “o § 130, alínea 1, parte 2, do BGB outorga ao proponente um
direito de retratação até o momento em que a declaração de vontade receptícia chega ao
oblato; isto se deve ao fato de que não houve até este momento a irradiação dos efeitos
87
Por todos: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado, cit., 1954, t. 3, § 225, p.
424: “A oferta é manifestação receptícia de vontade. Dirige-se à pessoa com a qual se quer concluir o
contrato, ou ao público, ou a algum círculo menor de pessoas [...]. A oferta começa de produzir efeitos ao
chegar ao destinatário. Antes de chegar ao destinatário pode ser revogada”.
88
CHABAS, Jean. De la déclaration de volonté en droit civil français. Paris: Sirey, 1931, preferindo a
nomenclatura “ativa” versus “passiva”, em vez de “receptícia” versus “não receptícia” (cf. p. 20): “A
proposta de contrato assume um caráter jurídico desde o instante em que o destinatário dela toma
conhecimento” (p. 207).
89
SACCO, Rodolfo. Il contratto. In: SACCO, Rodolfo (Dir.). Trattato di diritto civile. Torino: UTET, 1993. t.
1, p. 141: “No âmbito da declaração, costuma-se distinguir a classe das declarações receptícias [...]. As
declarações contratuais (deixando de lado a peculiaridade da proposta ao público) são um típico exemplo
de declarações receptícias”.
90
Cf. KÖTZ, Hein; FLESSNER, Axel. Europäisches Vertragsrecht. Tübingen: Mohr, 1996. Band 1: Abschluss,
Gültigkeit und Inhalt des Vertrages: die Beteiligung Dritter am Vertrag, § 2, p. 30. No mesmo sentido:
FLUME, Werner. op. cit., § 35, p. 635: “A proposta somente adquire eficácia jurídica a partir do momento
em que possibilita ao oblato constituir o contrato por meio da aceitação”.
51
jurídicos da proposta, e por conseguinte, a necessidade de se proteger a confiança
(Vertrauensschutz) do oblato” 91.
No Brasil, o art. 428, inciso IV do Código atual, repetindo, neste passo, o art. 1081,
inciso IV, do Código anterior, também estabelece que “deixa de ser obrigatória a proposta
[...] se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a
92
retratação do proponente” .
Em Portugal, onde desde o advento do Código Civil de 1966 também vigoram os
mesmos princípios93, INOCÊNCIO GALVÃO TELLES explicou de forma precisa a conexão
entre receptividade e irrevogabilidade da proposta de contrato, distinguindo duas fases:
“a que vai até ao recebimento ou conhecimento da proposta pelo destinatário; a que se
segue a esse recebimento ou conhecimento. Na primeira fase – prossegue o Autor – a
proposta é revogável (sem qualquer responsabilidade para o proponente); só na segunda se
torna irrevogável. Por conseguinte, se o proponente revogar a proposta e a revogação for
recebida ou conhecida pelo destinatário antes de este receber ou conhecer a própria
proposta, ou ao mesmo tempo, fica a proposta sem efeito. A revogação apenas será
inoperante, mantendo-se a proposta de pé, no caso oposto, quando a recepção ou o
conhecimento da proposta se der antes da recepção ou conhecimento da revogação” 94.
Essas fases da proposta vinculativa podem ser representadas por este singelo
esquema:
91
LARENZ, Karl; WOLF, Manfred. Allgemeiner Teil des Bürgerlichen Rechts. 9. Aufl. München: Beck, 2004.
§ 39, p. 714-715.
92
Destaquei
93
CCpt-1966, art. 230: “1. Salvo declaração em contrário, a proposta de contrato é irrevogável depois de ser
recebida pelo destina´tario ou de ser dele conhecida. 2. Se, porém, ao mesmo tempo que a proposta, ou
antes dela, o destinatário receber a retratação do proponente ou tiver por outro meio conhecimento dela,
fica a proposta sem efeito”.
94
GALVÃO TELLES, Inocêncio. Direito das obrigações. 4. ed. Coimbra: Ed. Coimbra, 1982. p. 51-52.
52
Emissão ..... (revogável) ...... Recepção ..... (irrevogável) ..... Aceitação
Contrato
Resta dizer que a conexão entre receptividade e irrevogabilidade da proposta de
contrato está bem presente nos seguintes diplomas do comércio internacional:
CISG-UNCITRAL, art. 15 – “(1) A oferta produzirá efeito quando chegar ao
destinatário. (2) A oferta, mesmo que seja irrevogável, poderá ser retirada se a
retratação chegar ao destinatário antes ou ao mesmo tempo que a oferta”.
FCISG-UNIDROIT, art. 5º – “(1) A oferta não vincula seu autor enquanto não
chegar ao destinatário; ela perde a validade se a retirada chegar antes ou ao mesmo
tempo que a oferta”.
PICC-UNIDROIT, art. 2.3 (Retirada da Oferta) – “(1) A oferta surtirá efeito
quando chegue ao destinatário. (2) A oferta, ainda quando seja irrevogável, poderá ser
retirada se a notificação de retirada chegar ao destinatário antes ou ao mesmo tempo que a
oferta”.
2. Requisitos intrínsecos
2.1. Intenção de vincular-se
Em respeitado trabalho de direito contratual europeu comparado, HEIN KÖTZ recorda
que “um contrato válido pressupõe que as partes tenham atuado, no momento de sua
conclusão, com ‘intention of creating legal relation’ ou ‘en vue de produire des effets
53
juridiques’; enfim, que na declaração do proponente tenha havido a real vontade de que
sua conduta adquirisse efeitos jurídicos e que o oblato a tenha acolhido como tal”95.
Essas idéias, tão fundamentais quanto elementares, vêm muito a propósito neste
passo, eis que ajudam a compreender e a sopesar o quão indispensável é para a eficácia da
proposta de contrato – quiçá para a sua própria existência jurídica – que ela revele a
inequívoca intenção de vincular-se do proponente.
Os Motive do BGB já salientavam que para se poder considerar vinculante uma
proposta de contrato ela deve expressar de tal modo esta intenção do proponente que a
simples e pura aceitação do oblato já baste para dar vida ao contrato96. Diziam, também, os
Motive, que inexiste intenção vinculativa quando, na proposta, seu autor se reserva a
liberdade de firmar ou não o negócio, mesmo depois de lhe ter chegado a declaração de
aceitação. Essa circunstância indica que, no fundo, a proposta não passa de um simples
convite ao oblato para que faça, ele mesmo, uma proposta97.
Desde então, esses critérios de aferição do que na Alemanha se chamou de
“Rechtsbindungswillen” – vontade de vincular-se juridicamente – veio sendo
invariavelmente reiterados pela doutrina ao longo dos anos98.
95
KÖTZ, Hein. Europäisches Vertragsrecht. op. cit., § 4, p. 108.
96
Cf. DEUTSCHES REICH. Motive BGB. op. cit., § 80, p. 167.
97
Cf. Id., loc. cit.
98
LARENZ, Karl; WOLF, Manfred. op. cit., § 29, p. 555: “somente existe proposta quando o proponente
declara seu firme propósito de manter suas disposições, e por conseguinte suas conseqüências jurídicas, no
caso de aceitação do oblato. Se o proponente se reserva o direito de aceitar a resposta do oblato ou não,
então não estaremos diante de uma proposta, mas de um convite a apresentar propostas”; KÖTZ, Hein.
Europäisches Vertragsrecht. op. cit., § 2, p. 34: “No entanto, o proponente pode se desobrigar dessa
vinculatividade da proposta, ao apor a ela a reserva de vinculatividade “freibleibend”. Por esta ou outra
expressão semelhante, o proponente se reserva o direito de revogar a proposta. Se a revogação deve ser
permitida mesmo no caso de já ter ocorrido a aceitação do oblato, e, por conseguinte a formação da
relação contratual, depende de uma interpretação da fórmula utilizada no aludido contrato. Nessa
interpretação pode se extrair, eventualmente, que a proposta com reserva de vinculatividade (freibleibend)
na verdade não se constitui proposta, mas sim um invitatio ad offerendum”.
54
Não obstante essa linearidade doutrinal, a jurisprudência do Bundesgerichtshof
(BGH) vem descobrindo novos matizes da questão, de modo que se no passado deu-se
ênfase à necessidade de se aferir, in concreto, se a declaração do proponente foi
considerada, por ele próprio, uma proposta vinculativa, mais recentemente vem-se
preconizando que não se deve analisar a vontade interna do proponente, e sim se o
oblato – do ponto-de-vista de sua própria percepção sobre a conduta do proponente e sob a
égide das circunstâncias do caso, da boa-fé e dos usos – deveria perceber a existência de
uma intenção vinculativa nos termos da proposta99.
Detendo-se sobre essa doutrina jurisprudencial, DIETER MEDICUS enfatizou que o
interesse do oblato é protegido através da análise de como ele próprio entenderia a
proposta. O conteúdo da declaração de vontade receptícia deveria ser interpretado
conforme a capacidade de compreensão do destinatário (Verständnismöglichkeit des
Empfängers) ou horizonte do destinatário (Empfängerhorizont)100. Todavia, o oblato
também deve ter uma diligência interpretativa (Auslegungssorgfalt) para compreender a
proposta de contrato em conformidade com o que o proponente realmente quis declarar.
Nas declarações receptícias de vontade – conclui MEDICUS – não se deve procurar haurir a
verdadeira vontade do declarante, mas a vontade normativa (normativertiver Willen),
interpretando com todo o rigor o que o destinatário entendeu ou poderia ter entendido
acerca dos termos da proposta, eis que se trata de traduzir em termos jurídicos o que foi
efetivamente querido pelas partes101.
LARENZ-WOLF, por sua vez, destacam o caráter bilateral ou recíproco deste modelo
interpretativo, dizendo que as declarações receptícias de vontade reclamam a
convergência de intelecções. Para se atingir o mútuo entendimento (gegenseitige
Verständigung), tanto o declarante quanto o destinatário precisam se esforçar (bemühen).
Em primeiro lugar, o declarante deve ter diligência de expressão (Ausdruckssorgfalt):
como é livre para escolher os meios de expressar a sua vontade, tem o dever de fazê-lo
99
Cf. KÖTZ, Hein. Europäisches Vertragsrecht. op. cit., § 4, E, p. 108-109.
100
Cf. BGH NJW 1988, 2878, citado por MEDICUS, Dieter. Allgemeiner Teil des BGB. 8. Aufl. Heidelberg:
Müller, 2002. § 25, p. 126.
101
Cf. Id. Ibid., § 25, p. 126.
55
com diligência. Por sua vez, o destinatário precisa se esforçar para compreender
corretamente o conteúdo da declaração; deve ajustar o seu horizonte perceptivo
(Empfängerhorizont) à diligência interpretativa (Auslegungssorgfalt): se se esforçou o
bastante, atuando nesse mister com diligência, não se lhe poderá imputar o ônus de
compreender, passando a merecer por isso mesmo a tutela da confiança
(Vertrauensschutz) que lhe foi despertada pela declaração de vontade do proponente.
Naturalmente, a aferição dessa diligência dependerá das circunstâncias do caso, tais como
a clareza objetiva da declaração, o nível sócio-cultural das partes, o tipo de negócio, etc.102
De resto, pode-se dizer que a intenção de vincular-se é pressuposto universal,
proclamado pela doutrina jurídica de países tanto de civil quanto de common law, o que se
reflete perfeitamente nas disposições dos principais diplomas de direito do comércio
internacional.
Assim, lê-se nos PDEC-LANDO que “uma proposta constitui oferta quando indica a
103
vontade de concluir um contrato em caso de aceitação”
; na CISG-UNCITRAL, que “a
proposta para celebrar um contrato dirigida a uma ou mais pessoas determinadas
constituirá uma oferta se for suficientemente precisa e indicar a intenção do ofertante de
ficar obrigado em caso de aceitação”
104
; por fim, nos PICC-UNIDROIT, lê-se que “uma
proposta para celebrar um contrato constitui uma oferta, se é suficientemente precisa e
indica a intenção do ofertante de ficar vinculado em caso de aceitação”
102
Cf. LARENZ, Karl; WOLF, Manfred. op. cit., § 28, p. 513.
103
PDEC-LANDO , art. 2:201, 1 (destaquei).
104
CISG-UNCITRAL, art. 14.1 (destaquei).
105
PICC-UNIDROIT, art. 2.2 (destaquei).
105
.
56
2.2. Conteúdo mínimo ou suficiente
A proposta de contrato, por definição, exige que o proposto seja, efetivamente, um
contrato – com o perdão do truísmo. A proposta de meio-contrato ou de contrato
indefinido não é fato da vida social tido como relevante, pelo legislador, a ponto de lhe
dispensar alguma conseqüência jurídica. Quando muito, é mero convite a fazer proposta.
Não mais.
Em relação a este requisito, também se observa certa uniformidade conceitual no
direito dos países pesquisados. As divergências, as mais das vezes, são aparentes,
traduzindo-se em diferenças meramente terminológicas.
A propósito, é curioso observar como os países têm as suas preferências
nomenclaturais. Na Itália, a proposta deve ser “completa” 106, embora se fale às vezes em
“conteúdo mínimo”
106
107
; na França, “precisa”
108
; na Alemanha, “determinada”
109
ou
Cf. CAMERIERI, Fausto. op. cit., p. 60: “A proposta deve ser completa. Tal requisito não deve ser
entendido no sentido de uma absoluta e necessária coincidência entre o conteúdo da proposta e o
conteúdo do contrato, e sim na adequação daquela à determinação, por si própria (e com a adesão do
oblato) o conteudo deste” (destaquei). BIANCA, C. Massimo. op. cit., t. 3, n. 100, p. 219: “A completude
da proposta indica a suficiência de seu conteúdo para fins de formação do contrato. Concretamente, a
proposta é completa quando contém a determinação dos elementos essenciais do contrato, ou quando os
remete tal determinação a critérios legais ou convencionais. É incompleta quando a sua determinação
requer um acordo ulterior das partes” (destaquei).
107
Cf. VITUCCI, Paolo. op. cit., p. 203 e ss.
108
Cf. SCHMIDT, Joanna. Négociation et conclusion de contras. Paris: Dalloz, 1982. § 61, p. 32: “A oferta
exprime uma vontade precisa de contratar. A oferta constitui o primeiro elemento do consentimento: dela
deve portanto comportar os elementos do contrato, de tal maneira que este possa ser formado pelo simples
‘sim’ pronunciado pelo aceitante, sem que seja necessário acrescentar outros precisões”; AUBERT, JeanLuc. op. cit. p. 77: “a oferta, ou policitação, aparece, portanto, como uma proposição precisa endereçada
que a uma pessoa determinada, quer ao público, de um contrato cujos contornos essenciais são
delineados. Esta precisão, necessária para que uma aceitação pura e simples possa formar imediatamente
o contrato, serve, além disso, como prova da firmeza da vontade unilateral que a anima. Ela expressa as
condições essenciais do contrato previsto”.
57
“determinável” 110.
De qualquer forma, a despeito dessa pluralidade terminológica, há uma constante nas
diversas abordagens, a qual me parece apta a servir de critério prático para a aferição, no
caso concreto, da “completude”, “precisão”, “determinação” ou “suficiência” do conteúdo
de uma proposta de contrato, em face da infinita casuística contratual: ela deve estar
formulada de tal forma que, por meio da aceitação pura e simples do oblato, sem
necessidade de qualquer declaração complementar das partes, o vínculo contratual
efetivamente se constitua.
Este requisito também é contemplado implícita ou expressamente nos principais
diplomas de direito do comércio internacional. Nos PDEC-LANDO, a menção é expressa.
Deveras, depois de dispor que “uma proposta constitui oferta quando [...] contém termos
suficientemente precisos para constituir um contrato”
111
, esclarece-se mais à frente que
“um acordo é suficiente se seus termos (a) foram definidos pelas partes de tal sorte que o
contrato pode ser executado, (b) ou podem ser determinados em virtude dos presentes
Princípios”
112
.
109
Cf. FLUME, Werner. op. cit., § 35, p. 635-636: “A proposta precisa estar, sob o ponto-de-vista do conteúdo,
de tal maneira constituída, que por meio de sua correspondente aceitação o contrato possa ser concluído.
Por esta razão, em relação aos essentialia negotii, a proposta precisa conter uma determinação
(Bestimmung) ou transferir ao oblato ou a terceiro, aludida determinação Em relação aos demais pontos
da proposta, ou seja, em relação aos acidentalia negotii, a proposta também precisa conter um regramento
completo, conclusivo, ou poder ser completada pelo oblato ou terceiro. Via de regra, nos negócios
comerciais, a proposta é de tal maneira disposta que sua aceitação pode ocorrer por mera declaração de
acordo (Zustimmungserklärung), um sim ou um ‘de acordo’. Todavia, a proposta pode ser de tal maneira
formulada que o oblato tenha a liberdade de escolha dentre várias possibilidade a ele oferecidas, ou que o
oblato precise completar as disposições” (destaquei); LARENZ, Karl; WOLF, Manfred. op. cit., § 29, p.
554: “Há proposta de contrato quando o seu conteúdo está de tal forma certo e determinado que o oblato
pode aceitá-lo sem qualquer reservas ou condicionamentos”.
110
Lembra, oportunamente, CLAUDE WITZ que “o conteúdo do contrato pode ser fixado com a ajuda das
disposições supletivas da lei, ou pela via da interpretação da vontade das partes” (Droit privé allemand: 1.
Actes juridiques, droits subjetifs: BGB, partie générale; Loi sur les conditions génerales d’affaires. Paris:
Litec, 1992. n. 143, p. 132).
111
PDEC-LANDO, art. 2:201, 1 (destaquei).
112
PDEC-LANDO, art. 2:103, 1 (destaquei).
58
A CISG-UNCITRAL também se serve da expressão “suficientemente precisa”,
esclarecendo que assim o é “se indica a mercadoria e, expressa ou tacitamente, fixa a
quantidade e o preço ou prevê um meio para determiná-los”
113
CISG-UNCITRAL, art. 14.1
113
.
59
CAPÍTULO 5: FIGURAS AFINS À PROPOSTA DE CONTRATO
1. Promessa unilateral
O senso comum entende por promessa uma declaração ou um ato pelo qual alguém
se obriga a dar, fazer ou não fazer alguma coisa num futuro próximo. Prometer, portanto,
significa vincular a própria conduta114.
Apesar de sua unidade, a promessa desdobra-se em dois aspectos: a previsão do ato
e a vinculação à sua prática. A previsão reside na descrição de um ato futuro e incerto. É
futuro, o ato, porque prometer o que já aconteceu ou o que está acontecendo não faz
qualquer sentido. É incerto porque, em função da liberdade do promitente e/ou de fatores a
ele externos e aleatórios, o ato pode não se cumprir.
A promessa implica também certa vinculação do promitente, isto é, a obrigação de
praticar o ato prometido e favorável ao promissário. Daí distinguir-se do conselho, que
consiste na recomendação de uma prática de um ato futuro pelo seu destinatário. Além
disso, só existe promessa se a ação do promitente, por ele prevista e à qual se vincula, tiver
efeito favorável para o promissário, caso contrário representaria uma ameaça115.
Pois bem. Todo o problema da promessa unilateral consiste em determinar a natureza
da vinculação por ela criada: se constitui obrigação de prestar em sentido técnicojurídico, ou mero dever moral de honrar a palavra dada.
114
Cf. DI MAJO, Adolfo. Promessa unilaterale. Diritto privato. In: Enciclopedia del diritto. Milano: Giuffrè,
v. 37, p. 33-70, 1988. p. 33.
60
Nos países da Família de Direito Romano-Germânica, a doutrina civilista permanece
ancorada em grande medida no princípio do consenso, de origem romana, pelo qual a
promessa unilateral, antes da aceitação do promissário, não gera obligatio, a não ser em
casos excepcionais (ex nuda pollicitatione nulla actio nascitur)116.
Na esteira da doutrina, a legislação moderna adotou o velho princípio. É assim, por
exemplo, que o art. 1370 do Código Civil francês (CCfr), ao enumerar as diferentes
fontes das obrigações, não faz menção à promessa unilateral, sendo que o art. 1108 do
mesmo Código exige para a validade da convenções “o consentimento da parte que se
obriga”.
De forma mais expressa, o § 305 do BGB dispõe que “para a constituição de uma
relação obrigacional por negócio jurídico, assim como para a modificação do conteúdo de
uma relação obrigacional, é necessário um contrato entre os interessados, a não ser que a
lei prescreva outra coisa”.
Mais claro ainda é o art. 1987 do Código Civil italiano: “A promessa unilateral de
uma prestação não produz efeitos obrigatórios fora dos casos admitidos pela lei”.
Os principais argumentos em favor do sistema da tipicidade das promessas
unilaterais são os seguintes: (i) a independência dos indivíduos, uns em relação aos
outros, justificaria que a lei não imponha a ninguém a aquisição de um crédito fundado
sobre uma promessa unilateral de outrem117; (ii) do ponto-de-vista prático, a adoção
generalizada da vinculação unilateral, além de trazer insegurança ao comércio jurídico,
seria inútil, pois as hipóteses em que se pretende aplicável já seriam satisfatoriamente
cobertas pela figura do contrato; sendo inútil, não se justificaria pagar o preço de seus
115
Cf. ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Texto e enunciado na teoria do negócio jurídico. Coimbra: Almedina,
1992. v. 1, p. 464-469.
116
Cf. STIZIA, Francesco. Promessa unilaterale: Storia. In: Enciclopedia del diritto. Milano: Giuffrè, v. 37,
1988. p. 31.
117
Cf. RIEG, Alfred. Le role de la volonté dans l'acte juridique en droit civil français et allemand. Paris:
LGDJ, 1961. p. 533.
61
riscos118; (iii) permitir à promessa unilateral operar ilimitadamente, acarretaria a
desarticulação do campo de aplicação do contrato e a atomização dos elementos
constitutivos deste119.
O Código Civil brasileiro de 1916 não continha uma disposição geral acerca da
eficácia vinculativa da promessa unilateral. No entanto, ao disciplinar as “obrigações por
declaração unilateral de vontade”, tratou da emissão dos “títulos ao portador” (arts. 1505 a
1511) e da “promessa de recompensa” (arts. 1512 a 1517), o que parece indicar tenha
aquele Código conferido eficácia obrigacional apenas a um numerus clausus de promessas
unilaterais, o que, aliás, foi substancialmente mantido pelo Código Civil em vigor.
Tal entendimento, no entanto, não é isento de contestações. Tendo sido o único autor
brasileiro que tratou extensa e profundamente do tema, PONTES
DE
MIRANDA parece ter
defendido tese oposta quando escreveu que “a promessa unilateral de prestação, de regra,
cria dever e obriga [...]. Auto-regramento da vontade, dito autonomia da vontade, tanto há
de haver para negócios jurídicos bilaterais quanto para negócios jurídicos unilaterais. É
inadmissível o argumento de que a eficácia dos negócios jurídicos unilaterais influi
normalmente no patrimônio de terceiro e a lei tem de cogitar de regramento estrito e
salvaguardar os interesses dos terceiros. Os negócios jurídicos unilaterais, em princípio, de
modo nenhum atingem a esfera jurídica de terceiro, salvo para lhes dar direito, pretensão,
ação ou exceção”120.
De qualquer forma, é muito oportuna a observação de ADOLFO DI MAJO segundo a
qual o problema da aceitação da promessa unilateral como fonte de obrigações ao
promitente é muito mais teórico do que prático. A teoria certamente complicou-o, enquanto
que a prática tende a simplificá-lo. Do ponto-de-vista prático, é natural afirmar que a
promessa, para ter efeitos práticos (induzir, por exemplo, o destinatário a pedir o
118
Cf. Id. Ibid., p. 454.
119
Cf. DI MAJO, Adolfo. op. cit., p. 38.
120
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1961, t.
31, p. 6-7 (destaquei).
62
adimplemento) deve ser conhecida e apropriada (aceitação) pelo destinatário. Se a
promessa não é conhecida pelo destinatário, tamquam non esset121.
A promessa unilateral, na verdade, é gênero muito amplo. Pode-se dizer, com DI
MAJO, que “todo o comércio jurídico se realiza através da promessa, recíproca ou não,
pouco importa. Promessas de prestação ou de manutenção da palavra dada movimentam o
comércio jurídico. Obrigações de execução concreta ou de abstenção de fazer o que de
outra forma se poderia fazer é expressão jurídica do seu ser vinculativo” 122.
CARLOS FERREIRA
DE
ALMEIDA, por sua vez, afirma que “os efeitos obrigacionais
dos negócios jurídicos derivam de promessas ou, dito de outro modo, a promessa é o
paradigma da função eficiente dos negócios jurídicos obrigacionais” 123.
Dentro desse amplo universo, insere-se a proposta ou oferta de contrato como
espécie do gênero promessa unilateral. A oferta é portadora de promessa; esta é continente,
aquela conteúdo. A oferta é a promessa de celebrar contrato nos moldes dos elementos
essenciais que ela veicula124.
Como ato unilateral que é, não cria ao emitente, por si mesma, qualquer obrigação
stricto sensu, e sim efeitos jurídicos de outra natureza, os quais procurarei abordar na Parte
III deste trabalho.
121
Cf. DI MAJO, Adolfo. op. cit., p. 36.
122
Id. Ibid., p. 34.
123
ALMEIDA, Carlos Ferreira de. op. cit., p. 457.
124
Cf. DI MAJO, Adolfo. op. cit., p. 39.
63
2. Minuta de contrato
Os atos que compõem o procedimento das tratativas podem se revestir da forma
verbal ou escrita. Quanto maior a complexidade do contrato, maior a conveniência de se
adotar esta última forma de negociação.
Ora, a minuta é uma das modalidades de forma escrita das tratativas. Por certo, a
mais tradicional delas.
Durante as negociações preliminares, à medida que se vão estabelecendo certas bases
do futuro contrato, fixando certos pontos, concretizando os acordos parciais, costuma-se
reduzir a escrito esses pontos – muitas vezes com a assinatura dos interessados – para não
se regressar mais à sua discussão. A minuta consiste, pois, num documento escrito que
registra o andamento das tratativas, fixando desde logo algumas cláusulas e condições
acertadas pelas partes, do contrato que estão inclinadas a concluir.
Uma vez ultimadas as negociações e registradas todas elas na minuta, esta ainda não
representa uma proposta de contrato, mesmo que incorpore um projeto completo e
acabado de contrato, mesmo que seja assinada pelas partes, como sói acontecer125. Pode se
converter, porém, em proposta, na medida em que uma das partes negociantes toma a
iniciativa e a leva à aceitação da contraparte126. Antes disso, porém, não possui nenhum
efeito vinculante, quer a vinculação específica e mais restrita da proposta de contrato, quer
a vinculação mais forte do acordo contratual. É o entendimento que prevalece na doutrina
nacional e estrangeira127.
125
Cf. SACCO, Rodolfo. op. cit., t. 2, p. 225.
126
Cf. CARRARA, Giovanni. op. cit., p. 18-19.
127
Cf., entre tantos: GOMES, Orlando. op. cit., p. 60. SERPA LOPES, Miguel Maria. op. cit., p. 75. CARRARA,
Giovanni. op. cit., p. 18. TAMBURRINO, Giuseppe. op. cit., p. 12. SACCO, Rodolfo. op. cit., t. 2, p. 225.
MESSINEO, Francesco. Contratto. Diritto privato. Teoria generale, cit., p. 847. RAVAZZONI, Alberto. op.
cit., p. 78. No direito alemão, há disposição expressa a respeito. É o § 154 do BGB: “Enquanto as partes
não acordarem sobre todos os pontos de um contrato, sobre os quais, segundo a declaração ainda que de
uma só delas, deve haver acordo, o contrato, na dúvida, não se tem por concluído. O acordo sobre
pontos particulares não é vinculativo, ainda quando tenha sido redigida uma minuta [...]”
(destaquei).
64
3. Carta de intenções
Além da minuta, a práxis negocial criou outra forma escrita de tratativas,
denominada pela expressão – ainda um tanto vaga – “carta de intenções”.
Essa forma de negociação é muito utilizada no campo definido por RENATO
SPECIALE como “setor de contratações avançadas”
128
, de elevado teor econômico, onde
transferências de riquezas ocorrem – tais como a troca de informações tecnológicas,
segredos industriais, know-how, além do custo por vezes elevado que as tratativas
acarretam às partes – sem a imediata formação de um consenso contratual definitivo.
A crescente complexidade das relações empresarias induz os agentes econômicos a
premunirem-se de documentos escritos antes de empreenderem negociações contratuais
particularmente prolongadas e onerosas, os quais visam estabelecer as regras ou
procedimento das próprias negociações.
Na verdade, a carta de intenções é utilizada para atingir objetivos muito variados.
Às vezes, cumpre a função de verdadeira minuta, registrando o estado das tratativas em
curso entre as partes, registro que serve de prova documental, por exemplo, para se obter a
devida autorização (para concluir o contrato) do órgão diretivo da sociedade empresária,
ou para eventualmente se pleitear ressarcimentos de danos decorrentes do rompimento
injustificado das tratativas.
Outras vezes, a carta de intenções satisfaz à necessidade de isolar certos pontos do
acordo in fieri, suscetíveis de execução autônoma e antecipada, tais como os critérios de
repartição de despesas durante as tratativas, deveres de segredo quanto à determinadas
informações, execução antecipada de certas prestações objeto do contrato em estipulação,
etc.129
128
Cf. SPECIALE, Renato. op. cit., p. 218.
129
Cf. Id. Ibid., p. 216-217.
65
A variedade de conteúdo que a carta de intenções pode assumir impede a formação de um
juízo generalizante sobre os seus efeitos vinculantes. De qualquer forma, confrontando a carta
de intenções com a oferta de contrato, convém lembrar, com MICHEL PÉDAMON, que “a
doutrina alemã recusa-se a considerar que uma carta dessa natureza represente uma oferta
– ainda que condicional – de concluir o contrato principal (Hauptvertrag), em razão de os
pontos essenciais estarem ainda em suspenso, não existindo uma ‘vontade de acordo’ sobre
certas prestações a serem realizadas [...]. A doutrina alemã a vê muito mais como ‘fonte’
de um acordo preliminar específico, que chama de Vorfeldvertrag, destinado a estabelecer
os direitos e obrigações de cada parceiro no curso das negociações” 130.
4. Contrato preliminar
Por contrato preliminar entende-se o ajuste pelo qual uma ou ambas as partes se
obrigam a celebrar outro contrato no futuro, dito, em contraposição, definitivo131.
O contrato preliminar pode ser unilateral ou bilateral. Se ambas as partes se obrigam
a prestar a declaração de vontade constitutiva do contrato definitivo, é bilateral132. Ao
contrário, se somente uma das partes se obriga a tanto, é unilateral133.
Todavia, distintas são as funções prático-econômicas de cada modalidade.
Pelo preliminar bilateral, além de travarem negociações preparatórias até
colmatarem por completo o conteúdo do contrato in fieri, as partes se obrigam a concluir
oportunamente o próprio contrato projetado, já em sua formatação definitiva. Sua
peculiaridade é esta: as partes já definiram de antemão os termos essenciais do contrato
130
PÉDAMON, Michael. Le contrat en droit allemand. Paris: L.G.D.J., 1993. p. 43.
131
Cf. SACCO, Rodolfo. op. cit., t. 2, p. 262; TAMBURRINO, Giuseppe. op. cit., p. 203; MESSINEO, Francesco.
Contratto preliminare, contratto preparatorio e contratto di coordinamento. In: Enciclopedia del diritto.
Milano: Giuffrè, v. 10, 1962. p. 199; PÉDAMON, Michael. op. cit., p. 44.
132
TAMBURRINO, Giuseppe. op. cit., p. 205.
133
Cf. SACCO, Rodolfo. op. cit., t. 2, p. 271.
66
que tencionam celebrar, todavia, por razões de ordem prática, não querem ou não podem
executar de imediato o contrato definitivo.
Tais razões são muito diversas. Às vezes, se por um lado as partes não querem
deixar escapar das mãos a oportunidade de um negócio que se lhes afigura vantajoso, por
outro lado querem refletir melhor sobre as condições da operação econômica subjacente ao
contrato, até alcançarem a fórmula definitiva. Nesse contexto, encontram no preliminar
bilateral a solução ideal, pois mantém-se vinculados provisoriamente, mas ao mesmo
tempo conservam certa margem de liberdade para modelar o conteúdo do contrato
definitivo.
Outras vezes, recorre-se ao preliminar bilateral porque uma das partes, ou ambas, não
dispõem, de pronto, dos recursos financeiros ou das condições jurídicas necessárias à
celebração válida do contrato definitivo. Essa é a razão, aliás, que geralmente norteia os
que celebram compromisso de compra-e-venda de imóvel em prestações, contrato
preliminar de notável relevância econômico-social no Brasil. Por ele, as partes diferem
para o futuro a celebração da escritura definitiva de compra-e-venda do imóvel, seja
porque o comprador ainda não dispõe de capital suficiente, seja porque falta ao imóvel
alienando ou a seu proprietário alguma condição jurídica indispensável à celebração válida
ou segura do contrato e à eficácia do translado dominial.
O preliminar unilateral, por sua vez, tem funções prático-econômicas análogas às da
proposta de contrato irrevogável e da opção, o que se afigura evidente sobretudo no
direito italiano, onde os artigos 1329134 e 1331135 do Código Civil tratam especifica e
respectivamente dessas últimas duas figuras.
134
CCit, art. 1329 (Proposta irrevogável): “Se o proponente se obrigou a manter firme a proposta por certo
tempo, eventual revogação não terá efeito (1328, 1331, 133) [...]”.
135
CCit, art. 1331 (Opção): “Quando as partes convierem que uma delas permaneça vinculada à própria
declaração e a outra tenha a faculdade de aceitá-la ou não, a declaração da primeira considerar-se-á com
proposta irrevogável quanto aos efeitos previstos no art. 1329 (1355)”.
67
Após lembrar que esses três negócios contratuais outorgam à parte não-vinculada o
poder de especular sobre as flutuações do mercado até o último dia do prazo avençado,
RODOLFO SACCO observa que nem sempre a parte vinculada é movida por espírito de mera
liberalidade. Na maioria dos casos, a pessoa que se submete livremente à vinculação (na
proposta irrevogável, o proponente; na opção, a parte que outorgou a opção; no preliminar
unilateral, a parte que se obrigou a celebrar o definitivo), tem um interesse econômico
subjacente: “o interesse publicitário ou promocional; o interesse de induzir a contraparte a
refletir com calma sobre a proposta que lhe foi feita” 136.
Mas embora análogas as funções, deve-se destacar as diferenças específicas entre o
preliminar unilateral e a oferta contratual irrevogável, posto que se não confundem.
Nesse sentido, MESSINEO parece ter diferençado bem as duas figuras quando escreveu que
“a oferta não é um contrato; é um ato unilateral que pode dar origem a um contrato (e
será, de regra, o contrato definitivo); mas pode ser também seguido de recusa ou ausência
de resposta à oferta” 137.
É nesse mesmo sentido que também entende GIUSEPPE MIRABELLI, para quem a
diferença entre o preliminar unilateral e a proposta irrevogável somente se torna clara
na medida em que se pense que, neste último, embora o sujeito se vincule a não revogar a
proposta, não constitui nenhum contrato: este virá à existência somente se e quando o
oblato manifestar a sua aceitação. Ademais, a diferença se torna mais patente quando se
pensa que é plenamente possível haver proposta irrevogável para a celebração de
contrato preliminar138.
136
SACCO, Rodolfo. op. cit., t. 2, p. 271.
137
MESSINEO, Francesco. Contratto preliminare, contratto preparatorio e contratto di coordinamento, cit., p.
193 (destaquei).
138
Cf. MIRABELLI, Giuseppe. Delle obbligazioni: dei contratti in generale. 3. ed. Torino: UTET, 1980. p.
209-210.
68
5. Opção
No direito italiano, afigura-se palpável a diferença entre proposta de contrato
irrevogável e opção, eis que o Código Civil italiano as contemplou pontual e
expressamente nos artigos 1329 e 1331, respectivamente.
Este último dispositivo, intitulado “opzione”, estabelece que “quando as partes
convierem que uma delas permaneça vinculada à própria declaração e a outra tenha a
faculdade de aceitá-la ou não, a declaração da primeira considera-se proposta irrevogável
para os efeitos previstos pelo art. 1329”
139
.
Que efeitos seriam esses? O art. 1329 esclarece: “se o proponente se obrigou a
manter firme a proposta por certo tempo, eventual revogação será ineficaz ”.
A opção, portanto, é o contrato pelo qual uma parte assume a obrigação de manter
firme, por certo tempo, a sua proposta de contrato, enquanto a contraparte permanece livre
para aceita-la ou não, só podendo ser revogada, pois, a proposta, após expirar o prazo
convencionado pelas partes ou fixado pela lei.
Assim, a opção confere a uma das partes, em face da proposta de contrato da outra, o
poder de determinar a conclusão do contrato principal mediante a própria aceitação, sem
necessidade de ulterior declaração do proponente. Conseqüentemente, a opção – assim
como a proposta de contrato, seja ela revogável ou irrevogável – deve necessariamente
conter um regulamento negocial completo, auto-suficiente, que não necessita ser integrado
por declarações posteriores de quaisquer dos interessados140, bastando a aceitação pura e
simples do optante.
139
Destaquei.
140
Nesse sentido, Cass. 28 aprile 1983, n. 2908, in Mass. Foro it., 1983, 607, que excluiu a natureza de pacto
de opção a uma proposta que continha somente alguns elementos do contrato e não o inteiro regulamento
negocial, porque em tal caso, o aperfeiçoar-se do contrato não pode ocorrer com a aceitação pura e
simples, mas requer a formação do consenso sobre os ulteriores elementos não contemplados pela
proposta mesma.
69
Salienta FRANCESCO GALGANO que o efeito da opção é substancialmente idêntico ao
da proposta irrevogável de contrato, qual seja a irrevogabilidade das respectivas
declarações de vontade no tempo aprazado141, efeito que, no dizer de TAMBURRINO,
consubstancia-se numa “renúncia convencional ao poder de revogar”
142
, observando, o
mesmo Autor, que se por um lado a lei permite à autonomia privada excepcionar o
princípio da revogabilidade da oferta contratual143, tornando irrevogável e firme uma
proposta de contrato por determinado período de tempo, por outro lado estabelece os
instrumentos aptos ao exercício dessa renúncia: a opção e a proposta de contrato
(temporariamente) irrevogável144.
Não obstante a identidade de efeitos, as duas figuras divergem profundamente quanto
à gênese e estrutura. Deveras, enquanto a proposta de contrato é ato unilateral, constituído
apenas pela declaração de vontade do proponente, a opção é contrato, o que significa dizer
que sua constituição demanda a congruência das declarações de vontade do optável
(proponente) e do optante (oblato)145.
Note-se, ainda, que a opção é contrato autônomo e instrumental, pois insere-se
justamente no procedimento de formação do contrato proposto pelo optável, dito
“principal”.
141
GALGANO, Francesco. Il negocio giuridico. In: CICU, Antonio; MESSINEO, Francesco; MENGONI, Luigi
(Dir.) Trattato di diritto civile e commerciale. Milano: Giuffrè, 1987. v. 3, t. 1, p. 81.
142
TAMBURRINO, Giuseppe. op. cit., p. 84.
143
Princípio esse que, no caso do direito italiano – ao contrário do direito brasileiro, alemão e português,
como visto – vigora por força de disposição expressa, qual seja a norma do art. 1328 do Código Civil, in
verbis: “[...] enquanto o contrato não se concluir, a proposta pode ser rovogada [...]”. Note-se que o
contrato “conclui-se” pela aceitação da proposta; portanto, após a aceitação, não há mais falar em
“proposta de contrato” (ou “aceitação”), tampouco em revogabilidade ou irrevogabilidade, mas em
“contrato”, que só pode ser desconstituído por ato igualmente bilateral denominado distrato, ou por uma
das vias litigiososas de dissolução do vínculo contratual (rescisão, resilição ou resolução).
144
TAMBURRINO, Giuseppe. op. cit., p. 84.
145
Cf. VIALE, Mirella. La conclusione del contratto, pt. 2. In: ALPA, Guido; BESSONE, Mario (Dir.). op. cit., v.
3, cap. 4 - I contratti in generale, p. 178-179.
70
Quanto à posição subjetiva do optável, pacífico que é de “sujeição”, que se
contrapõe à de “direito potestativo” do optante: concluído o contrato de opção, o optável
nada pode fazer senão sujeitar-se ao comportamento do optante, que poderá livremente
rejeitar ou aceitar o contrato proposto no prazo avençado, o que implicará a sua automática
conclusão, independentemente de nova declaração de vontade do optável146. Não que o
optável “não deva” revogar a proposta, e sim que “não pode” fazê-lo, de tal modo que
eventual revogação “é senza effetto”, na dicção do art. 1329 do Código Civil italiano147.
Na verdade, grande parte da doutrina italiana – consoante o registro de MIRELLA
VIALE – afirma que a ineficácia da revogação da proposta pelo optável decorre da natureza
contratual da opção, de modo que se a declaração de vontade permanece firme, não é em
razão de um particular compromisso do optável – como ocorre na proposta irrevogável de
contrato –, e sim pelo princípio geral da vinculação do contrato148.
6. Preferência, prelação e preempção
Na linguagem jurídica, os vocábulos “preferência”, “prelação” e “preempção”
guardam relação de sinonímia entre si, pois são utilizados pela lei ou pela práxis negocial
com o significado de posição jurídico-subjetiva de prioridade em relação a determinado
objeto.
146
Nesse sentido, há forte paralelismo entre a opção e o contrato preliminar, já que ambos têm por escopo a
conclusão de outro contrato: o contrato “principal”, em relação à opção, e o “definitivo”, em relação ao
preliminar. A diferença entre esses contratos “preparatórios”, porém, sobretudo entre a opção e o
preliminar unilateral, está em que a conclusão do contrato principal não requer uma segunda declaração
de vontade do optável, bastando, para tanto, a declaração de aceitação do optante; ao contrário, a
conclusão do contrato definitivo, demanda nova declaração das partes, estejam ambas ou apenas uma
delas (preliminar unilateral) vinculadas à concluir o contrato defintivo.
147
Cf. TAMBURRINO, Giuseppe. op. cit., p. 94.
148
Cf. VIALE, Mirella. op. cit., p. 180.
71
O nosso Código Civil cuida de pelo menos duas categorias de prioridade subjetiva. A
primeira delas tem a natureza de garantia creditícia, significando a prioridade que certo
credor tem, em relação aos demais, quanto à satisfação de seu crédito pelos bens do
devedor comum. Com efeito, depois de assentar o princípio de que “não havendo título
legal à preferência, terão os credores igual direito sobre os bens do devedor comum”
esclarecer que “os títulos legais de preferência são os privilégios e os direitos reais”
149
150
e
,o
Código Civil estabelece que “o crédito real prefere ao pessoal de qualquer espécie; o
crédito pessoal privilegiado, ao simples; e o privilégio especial, ao geral”
151
.
Nesse contexto, portanto, prelação, preempção ou preferência é a prioridade
atribuída a certo credor, relativamente aos demais, que também concorrem com este na
repartição do valor resultante da expropriação dos bens do devedor comum. Posição
subjetiva de prioridade, portanto.
A segunda categoria é a preferência na formação do contrato, quando então os
termos “preferência, “prelação” ou “preempção” têm a natureza de limitação à liberdade
de escolher a pessoa do outro contratante, o que ocorre quando alguém, decidindo
celebrar determinado contrato, vincula-se por disposição legal ou convencional a dirigir
sua proposta de contrato primeiramente a certa pessoa. Tem-se, pois, também nesse
contexto, uma posição subjetiva de prioridade em relação a outros sujeitos.
Assim, a preempção ou preferência é tratada pelo Código Civil como cláusula
especial do contrato de compra-e-venda, pois “impõe ao comprador a obrigação de
oferecer ao vendedor a coisa que aquele vai vender, ou dar em pagamento, para que este
use de seu direito de prelação na compra, tanto por tanto”
149
CCbr-2002, art. 957.
150
CCbr-2002, art. 958.
151
CCbr-2002, 961.
152
CCbr-2002, art. 513.
152
.
72
Vê-se, pois, que a preferência pode ser estabelecida tanto convencionalmente –
quando se fala, então, em preferência convencional ou pacto de preferência – como ser
fixada diretamente pela lei, caso em que se denomina preferência legal.
E essa duplicidade de fontes se verifica tanto na preferência-garantia quanto na
preferência-contrato.
Assim, a preempção prevista no citado art. 513 do Código Civil é hipótese típica de
preferência convencional, sendo certo que é pacto passível de integrar outros contratos,
além da compra-e-venda.
Já o chamado direito de preferência estabelecido no art. 27 de nossa Lei 8.245, de
18 de outubro de 1991, que versa sobre as locações de imóveis urbanos, é preferência
legal, eis que impõe ao locador que deseja alienar o imóvel locado dirigir a proposta de
venda primeiramente ao locatário153, que poderá exercer tal direito em 30 dias,
manifestando sua aceitação integral à proposta, sob pena de extinção154.
Ora, sendo, o objetivo deste capítulo, promover uma análise comparativa entre a
proposta de contrato e outras figuras semelhantes inseridas na fase pré-contratual, visando
com isso progredir no conhecimento vertical do tema-alvo desta tese, é evidente que
somente interessa abordar neste passo a preferência atinente à formação do contrato,
sobretudo na modalidade convencional.
153
Art. 27: “No caso de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em
pagamento, o locatário tem preferência para adquirir o imóvel locado, em igualdade de condições, com
terceiros, devendo o locador dar-lhe conhecimento do negócio mediante notificação judicial, extrajudicial
ou outro meio de ciência inequívoca”.
154
Art. 28: “O direito de preferência do locatário caducará se não manifestada, de maneira inequívoca, sua
aceitação integral à proposta, no prazo de trinta dias”. O descumprimento do dever de preferência pelo
locador acarreta-lhe as sações do art. 33, que dispõe: “O locatário preterido no seu direito de preferência
poderá reclamar do alienante as perdas e danos ou, depositando o preço e demais despesas do ato de
transferência, haver para si o imóvel locado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar do registro do
ato no Cartório de Imóveis, desde que o contrato de locação esteja averbado pelo menos trinta dias antes
da alienação junto à matrícula do imóvel”.
73
Isto posto, parece-me que TAMBURRINO155 soube identificar muito bem a natureza
jurídica do pacto de “prelazione” – chamado por nosso legislador civil de “preempção” –
distinguindo, quanto à sua estrutura, os seguintes elementos:
(a) obrigação do promitente de preferir o promissário ou um terceiro por este
indicado, se decidir celebrar determinado contrato;
(b) especificação das condições pelas quais a preferência deve ser atendida
pelo promitente, normalmente em paridade de condições da proposta de contrato do
promitente ou de terceiro alheio às partes, a qual o promitente pretende aceitar;
(c) liberdade, para o promitente, de concluir ou não o futuro contrato, no
sentido de que a obrigação de preferir o promissário somente nasce se o promitente decidir
concluir o contrato;
(d) conseqüente obrigação do promitente de comunicar o promissário de que
ele pretende concluir o contrato;
(e) necessidade de fixação de um prazo para a validade do pacto;
(f) liberdade do promissário de exercer ou não o direito de preferência.
À luz dessas distinções, TAMBURRINO vê no pacto de preempção ou preferência a
natureza de contrato preparatório de um futuro contrato, que se distingue dos demais
contratos e atos preparatórios (tratativas, minuta, carta de intenções, proposta de contrato,
opção e contrato preliminar) por suas características de (i) não contribuir com a
determinação do conteúdo (fixação de cláusulas) do contrato definitivo e (ii) não implicar
uma obrigação, para o promitente e/ou promissário, de concluir o contrato definitivo, tal
como ocorre com a opção, a proposta irrevogável e o contrato preliminar, seja este
unilateral ou bilateral.
74
Na verdade, a função do pacto de preempção é exclusivamente a de preferir certo
sujeito na conclusão de um provável e futuro contrato. É, em síntese, um vínculo inserido
na formação de um futuro contrato, auxiliando-o mediante (i) a preferência na escolha da
contraparte e (ii) a limitação da liberdade em referência a essa escolha156.
155
Cf. TAMBURRINO, Giuseppe. op. cit., p. 108-111.
156
Cf. Id., Ibid., p. 114-115.
75
SEÇÃO B: ESTRUTURA DA OFERTA AO PÚBLICO
76
CAPÍTULO 6: A EXPANSÃO DA OFERTA AO PÚBLICO
No Brasil, muito antes do advento do Código Civil de 2002, a doutrina já admitia a
existência jurídica da oferta contratual ao público em nosso ordenamento, valendo citar, a
título de exemplo, JOSÉ XAVIER CARVALHO DE MENDONÇA, que em 1934 já escrevera que
“oferecem-se propostas a pessoas indeterminadas se o proponente, fixando os elementos
objetivos do futuro contrato, se dirige a um círculo mais ou menos vasto de pessoas, com a
intenção de se obrigar para com aquela que, conhecendo esta oferta, declara aceitá-la.
Deste modo, a pessoa, na conclusão do contrato, vem a ser determinada” 157.
No mesmo sentido PONTES
DE
MIRANDA, para quem “a oferta pode ser a pessoa
determinada e conhecida do vendedor, ou a toda pessoa que venha a conhecê-la e queira
aceitá-la. Dos automáticos são o exemplo mais característicos. ‘Quando se observam as
realidades da vida moderna, logo se nos apresenta’ escrevíamos em 1927 (Da promessa de
recompensa, p. 20), ‘uma porção de fatos, cada um com precisos caracteres próprios, mas
pertencentes, por traços comuns, à mesma categoria: exposição de mercadorias em
mostruários, anúncios públicos, locação de aparelhos automáticos, que fornecem
mercadorias, ou prestam serviços, avisos públicos, promessas públicas de recompensa ou
de doação [...], subscrição para monumentos, festas, comemorações, exposições, garden
party, empréstimos públicos, e muitíssimos outros fatos de socialização da vontade
considerada geradora e constitutiva dos vínculos jurídicos” 158.
Surpreendentemente, a Argentina, até hoje, tanto no âmbito das relações P2P quanto
B2B não empresta existência jurídica à oferta ao público, por expressa disposição do art.
1148 de seu Código Civil (CCar), in verbis: “para que haja promessa, esta deve ser a
157
CARVALHO DE MENDONÇA, José Xavier. Tratado de direito comercial brasileiro: das obrigações, dos
contratos e da prescrição em matéria comercial. Parte 1 – das obrigações em matéria comercial. 2. ed.
Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1934. v. 6, Livro 4, p. 469 (destaquei).
158
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 4. ed. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 1977. t. 13, § 1432, p. 28 (destaquei).
77
pessoa ou pessoas determinadas sobre um contrato especial, com todos os pressupostos
constitutivos dos contratos”
159
.
É certo que um projeto de Código Civil datado de 1987 chegou a estabelecer a
hipótese de a oferta contratual poder se dirigir a “pessoa determinada ou indeterminada”
160
. Todavia, embora aprovado pelo Senado de la Nación, tal projeto foi integralmente
vetado pelo então Presidente CARLOS MENEM.
Novos movimentos de reforma do direito privado surgiram na Argentina, desta vez
trilhando caminhos paralelos. Assim, o Poder Executivo, mediante o Decreto n. 462 de
1992, apresentou ao Congreso de la Nación um projeto de unificação do direito privado,
que ao reproduzir o texto do art. 1148 do Código Civil até hoje em vigor, substituiu o
vocábulo “determinada” por “determinável”, o que abriria uma brecha para se reconhecer
efeitos vinculativos à oferta ao público.
No ano seguinte, a Comisión de Legislación General de la Cámara de Diputados de
la Nación também apresentou um novo projeto de unificação, que dando um passo atrás
em relação ao Projeto de 1992, voltou a impor à oferta contratual a exigência da
predeterminação da pessoa do destinatário.
Dois anos depois, o Poder Executivo, por meio do Decreto n. 685 de 1995, nomeou
uma “Comisión de Estudios de las Reformas al Código Civil”, integrada pelos juristas
HÉCTOR ALEGRÍA, ATILIO A. ALTERINI, JORGE H. ALTERINI, AUGUSTO CÉSAR BELLUSCIO,
ANTONIO BOGGIANO, AÍDA KEMELMAJER
DE
CARLUCCI, MARÍA JOSEFA MÉNDEZ COSTA,
JULIO CÉSAR RIVERA y HORACIO ROITMAN, e presidida por LUIS LEIVA FERNÁNDEZ.
Todavia, este projeto limitou sobremaneira a vinculatividade da oferta ao público, pois seu
art. 923 estabeleceu que “a oferta dirigida a pessoas indeterminadas é considerada como
convite para que façam ofertas, salvo se de seus termos ou das circunstâncias de sua
159
Destaquei.
160
Proyecto de la Cámara de la Nacion para la reforma e unificación de código civil y comercial, art. 1147
(destaquei).
78
emissão resulte a intenção de contratar do oferente. Em todo caso, considera-se que ela foi
emitida pelo tempo e segundo as condições dos usos” 161.
JORGE MOSSET ITURRASPE, dentre outros162, vem denunciando com veemência o
enorme descompasso entre este velho preceito do Código Civil argentino e a realidade
atual do mercado, onde a maioria das ofertas de contrato se dirigem ao público, e não a
pessoas determinadas163: “Parece-nos forçado sustentar – diz o ilustre jurista argentino –
que quem oferece um produto ou serviço, por qualquer meio que seja, não faz outra coisa
que ‘convidar a ofertar’. O destinatário da publicidade comercial tem a clara sensação de
receber uma oferta, verdadeira, simples, direta, e não outra situação. A qualificação de
‘oferta’ respeita a aparência, a confiança do destinatário; a qualificação que interpreta
existir só um convite, para que a partir dele se façam ofertas, cria insegurança e defrauda as
legítimas expectativas. O ‘convite a ofertar’ pode existir, mas com esse nome, claramente
identificado como tal; não encoberta como oferta a pessoa determinada ou ao grande
público. Não se pode aceitar que uma oferta se converta em convite a ofertar por mandado
legal, quando se pretende tutelar consumidores, destinatários de tais ofertas, e se prega que
o ofertante ‘está obrigado, conforme a regra da boa-fé e segundo as circunstâncias, a pôr ao
alcance do destinatário da oferta informação adequada sobre fatos relativos ao contrato que
possam ter amplitude para influir sobre sua decisão de aceitar’ (Projeto de Código Civil de
161
Destaquei. É bem verdade que no item 164 dos “Fundamentos del proyecto de código civil” (ALEGRÍA,
Hector et al. Proyecto de código civil unificado con el código de comercio. Buenos Aires: Ed. Estudio,
2001. p. 236), os Autores deste projeto afirmam que “quanto ao destinatário da oferta, admite-se que seja
dirigida a pessoa, não apenas determinada, como também determinável (oferta ao público), desde que
indique, de acordo com os usos e as circunstâncias do caso, a intenção de contratar do emissor, e contenha
as especificações necessárias para estabelecer os efeitos que produzirá o contrato, se chegar a ser aceita”.
Todavia, há muita diferença entre (i) estabelecer como princípio a vinculativiade da oferta ao público,
ainda que prevendo meia dúzia de exceções e (ii) estabelecer o contrário, que o “invitatio ad offerendum”
é o princípio, e a “oferta ao público” a exceção.
162
STIGLITZ, Gabriel A. Gestación del consentimiento. Oferta y aceptación. In: STIGLITZ, Rubén S. (Dir.).
Contratos: teoría general. Buenos Aires: Depalma, 1993. t. 2, p. 117: “As ofertas a pessoas
indeterminadas ou ao público em geral (emitidas por meio de circulares, prospectos, catálogos, listas de
preços, envios de tarifas ou avisos análogos, publicidade comercial ou outros meios), carecem, em nosso
direito (cf. CC, art. 1148 e CCo, art. 454) de validade como proposta de contrato. Todavia, as exigências
do tráfico moderno e de proteção da boa-fé e dos direitos dos consumidores, abrem uma tendência
para a consagração do caráter vinculante das ofertas ao público” (destaquei).
163
Cf. MOSSET ITURRASPE, Jorge. [Comentários a los artículos 1137 a 1204]. In: MOSSET ITURRASPE, Jorge;
PIEDECASAS, Miguel A. Código Civil comentado: doctrina, jurisprudencia, bibliografía: contratos: parte
general – artículos 1137 a 1216. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni, 2004. p. 104.
79
1998, art. 927). Só por exceção e diante de menção expressa poder-se-á interpretar a
‘oferta ao público’ como mero ‘convite a ofertar” 164.
Em 1993, porém, certamente pressionado pela realidade inelutável do mercado, o
legislador argentino retratou-se pelo menos parcialmente de seu conservantismo, e
introduziu a oferta ao público no âmbito das relações B2C, por intermédio do art. 7º da
LPDC, de seguinte teor: “A oferta dirigida a consumidores potenciais indeterminados
obriga a quem a emite durante o tempo em que se realize, devendo conter a data precisa de
começo e finalização, assim como também as modalidades, condições ou limitações. A
revogação da oferta feita pública é eficaz, uma vez que tenha sido difundida por meios
165
similares aos empregados para fazê-la conhecer”
.
Aliás, o legislador argentino foi mais além: a exemplo do art. 8.1 da LGDCU e do
art. 30 do CDC, também adotou o princípio da integração publicitária do contrato,
estabelecendo no art. 8º da mesma Lei, sob forma inclusive mais técnica, clara e precisa
que as normas espanhola e brasileira, que “as especificações formuladas na publicidade ou
nos anúncios, prospectos, circulares ou outros meios de difusão obrigam o ofertante e
consideram-se incluídas no contrato com o consumidor”, o que será analisado
oportunamente neste trabalho.
Mas voltando ao tema da oferta contratual, é notória a tendência atual à consagração
da vinculatividade oferta ao público. Como registrou oportunamente VINCENZO GIUFFRÈ,
“o mundo jurídico antigo ignorava as formas de contratação estranhas ao mecanismo da
proposta individualizada, em que havia sempre a possibilidade, pelo menos abstrata, de
166
se discutir o conteúdo do acordo”
.
Hoje, com o predomínio das relações econômicas de massa, a oferta ao público e a
celebração em série de contratos de adesão são técnicas de comercialização indispensáveis.
164
Id. Ibid., p. 106.
165
Destaquei.
166
GIUFFRÈ, Vincenzo. Offerta al pubblico: storia. In: Enciclopedia del diritto. Milano: Giuffrè, v. 23, p. 754761, 1961. p. 755.
80
Sinal dessa tendência é a evolução da disciplina da oferta ao público no âmbito do
direito do comércio internacional.
Deveras, enquanto a CISG-UNCITRAL, datada de 1980, adotou o que se poderia
chamar de “princípio do invitatio ad offerendum” – eis que seu art. 14.2 estabeleceu que “a
proposta não dirigida a uma ou várias pessoas determinadas será considerada como um
simples convite a fazer ofertas, a menos que a pessoa que faça a proposta indique
claramente o contrário” –, os PDEC-LANDO, mais jovens que aquele diploma, já
contemplam princípio inverso, qual seja a vinculatividade da oferta ao público. Confirase as seguintes alíneas do art. 2:201: “(2) A oferta pode dirigir-se a uma ou várias pessoas
determinadas ou ao público; (2) A proposta feita por um profissional, em anúncios, por
catálogo ou mediante a exposição de mercadorias, de fornecer bens ou serviços a um
preço determinado, é considerada como oferta de vender ou de fornecer, pelo preço
indicado, até que se esgotem as mercadorias estocadas ou a capacidade do profissional de
prestar o serviço”
167
.
81
CAPÍTULO 7: REQUISITOS DA OFERTA AO PÚBLICO
1. Requisitos extrínsecos
1.1. Indeterminação dos destinatários
Até hoje a doutrina jurídica alemã é renitente em reconhecer vinculatividade às
declarações de vontade dirigidas ad incertam personam, particularmente às ofertas ao
público. O princípio da especificação do destinatário da declaração de vontade reinou
inconteste no Direito Comum Europeu, tendo sido neste ambiente que, em 1861, o
ADHGB estabeleceu que “a oferta que se dirige manifestamente a várias pessoas, em
particular, mediante comunicação de listas de preços, catálogos, provas, amostras, não
168
constitui uma oferta de venda vinculante”
.
Embora o BGB, em 1896, não tenha reproduzido esta norma, tampouco o HGB
de 1897, não se pode dizer que o princípio da especificação do destinatário tenha sido
abolido do ordenamento jurídico alemão. Muito pelo contrário. Segundo FLUME, “o
legislador do BGB conscientemente não dispôs uma regra expressa sobre o convite a fazer
proposta (Aufforderung zur Offerte), pois julgou-o desnecessário” 169, o que parece indicar
que estaria tão arraigado na consciência jurídica da época que os anúncios em jornais, o
envio de catálogos com indicação de preço dos produtos, a exposição de produtos em
vitrinas também com indicação de preços, não eram reputadas vinculantes, a ponto de o
legislador julgar despiciendo introduzir no BGB disposição expressa a respeito.
167
PDEC-LANDO, art. 2:201, 2 e 3 (destaquei).
168
ADHGB, art. 337 (destaquei).
169
FLUME, Werner. op. cit., § 35, I, 1, p. 636 (destaquei).
82
Para JOHANNES KÖNDGEN170, esse medo às declarações ad incertam personam
deve-se em grande parte à autoridade e prestígio de FRIEDRICH KARL VON SAVIGNY.
Com efeito, após lembrar que o direito romano (i) vetava as disposições de
última vontade a pessoas indeterminadas171 e (ii) negava validade ao contrato em favor de
terceiro que não tivesse outorgado a algum dos contratantes mandato específico para tal
efeito, SAVIGNY sustentou em seu “Obligationenrecht” o entendimento de que as ofertas
de contrato dirigidas a pessoas indeterminadas eram, em princípio, “impossíveis”
172
no
direito alemão, porque “as obrigações, vistas como limitações à liberdade natural
(Beschränkungen der natürlichen Freiheit), não foram concebidas para essa finalidade, de
modo que admitir ofertas a pessoas indeterminadas equivaleria a deturpar a figura jurídica
da ‘obrigação’”173.
Seguindo essa linha de raciocínio, SAVIGNY chegou a sustentar – naturalmente,
antes do advento do BGB – , que pela promessa de recompensa anunciada publicamente,
o promitente não se obriga a pagar a quantia anunciada a quem logrou alcançar o resultado
almejado, não havendo ação, portanto, no Direito Comum, para se reclamar a soma
prometida. O que não significa – pondera SAVIGNY – que a promessa seja destituída de
conseqüências, já que quase sempre a soma prometida é paga espontaneamente, como
acontece na maioria dos débitos de jogo, que são ordinariamente saldados com mais
regularidade que muitos outros débitos”174.
Ainda sob essa mesma ótica, SAVIGNY não reconhecia na venda em hasta
pública ou leilão uma oferta de contrato ad incertam personam, pois independentemente da
discussão sobre qual o momento em que esse tipo de contrato se aperfeiçoa, o adquirente,
170
Cf. KÖNDGEN, Johannes. Selbstbindung ohne Vertrag. Tübingen: Mohr, 1981. p. 284.
171
Cf. SAVIGNY, Friedrich Karl von. Le obbligazioni. Milano: UTET, 1915. v. 2, § 61, p. 83, nota “(a), muito
embora esclareça na mesma nota que a proibição foi posteriormente abolida por Justiniano (J. de legatis:
2, 20).
172
Id. Ibid., § 61, p. 84.
173
Id., loc. cit.
174
Id. Ibid., § 61, p. 85.
83
tão logo se opera a conclusão do contrato, já é pessoa determinada e visível, de modo que
toda a indeterminação que se apresentava era relativa apenas ao tempo em que o contrato
ainda estava em formação, e não mas à fase posterior à sua constituição175.
Parece-me, no entanto, que, com este raciocínio, SAVIGNY confunde
indeterminação de parte contratual com indeterminação de destinatário de proposta
de contrato. São realidades complemente diferentes. Por definição, uma vez concluído um
contrato, não há como uma das partes permanecer indeterminada
176
, ainda que a proposta
para a celebração deste contrato se tenha direcionado originariamente ad incertam
personam. SAVIGNY transplanta à fase pré-contratual, uma exigência exclusiva relação
jurídica contratual, qual seja a determinação dos sujeitos. Na oferta contratual ao público, a
indeterminação subjetiva do oblato é apenas transitória, pois no exato momento em que
uno ex publico – para usar uma expressão cara a PONTES
DE
MIRANDA – vier a aceitar a
oferta, a pessoa do destinatário vem a se determinar, e a relação jurídica contratual exsurge
entre partes determinadas.
Bem escreveu GEORGES PIERI, ao discorrer sobre a evolução histórica do
conceito de obligatio, que “os pandectistas interpretaram os textos romanos a partir das
categorias do pensamento jurídico moderno, considerando o vínculo jurídico como relação
fundada sobre a vontade de dois sujeitos, na qual se baseia o direito do credor em face da
vinculação do devedor, tendo, no centro, a prestação como objeto da obrigação. A
definição moderna de obrigação, conservando inteiramente a linguagem do direito romano,
deturpou o seu espírito, sobretudo por introduzir os pressupostos subjetivistas e morais da
filosofia do direito natural, acarretando um conceito de relação fundada sobre o
encontro voluntário de dois sujeitos iguais em obrigação jurídica, desiguais em
175
176
Cf. Id., loc. cit.
Mesmo no caso do "contrato com pessoa a declarar" previsto nos artigos 467 e seguintes do nosso Código
Civil, a parte à qual se reserva o direito de nomear o terceiro ao qual cederá a sua posição contratal, já é
determinada, embora transitória, enquando parte.
84
obrigação moral ou política, mas em ambos os casos estabelecidos sobre a noção de
dever” 177.
O fato é que, graças à autoridade de SAVIGNY, essa postura individualista calou
fundo no pensamento dogmático alemão, de tal modo que até hoje, naquele país, vê-se com
reservas a existência jurídica de ofertas de contrato dirigidas ao público, conforme se verá
melhor adiante.
1.2. Não-recepticiedade
Em Capítulo anterior, ao discorrer sobre o caráter receptício da proposta de
contrato, procurei salientar duas idéias: (i) na sistemática do BGB, o momento da
chegada da declaração (Zugang der Erklärung) à esfera de conhecimento do destinatário
é pressuposto legal da geração dos efeitos jurídicos (Wirksamweden) que lhe são
178
próprios
; (ii) esse pressuposto (recepção pelo destinatário) não se aplica, por definição,
às declarações de vontade não-receptícias179.
Pois bem. À luz desses conceitos legais, KÖNDGEN observou com argúcia que a
oferta ao público, não sendo endereçada, por definição, a pessoas individuadas ou prédeterminadas – o que significa dizer que é constituída de declaração de vontade nãoreceptícia – surte seus efeitos jurídicos no momento da sua publicização ou divulgação
177
PIERI, Georges. Obligation. Archives de Philosophie du Droit, Paris, t. 35, p. 231, 1990. Vocabulaire
fondamental du droit.
178
Cf. BGB, § 130.
179
Cf. SALEILLES, Raymond. [Comentários ao § 130]. In: BUFNOIR, C. et. al. Code Civil Allemand: (§§ 1 a
432). Paris: Imprimerie Nationale, 1904. t. 1, p. 143: “Se a emissão confere à declaração um valor
jurídico, tendo desde já, pelo mesmo fato, uma existência independente, a recepção apenas lhe dá a
perfeição, tornando-a irrevogável: somente a recepção a torna um produto jurídico definitivo e doravante
acabado. Mas isso somente é verdade em relação às declarações à parte [receptícias]; aquelas que
não se endereçam a ninguém, não têm necessidade de recepção [...]. Elas são definitivas desde que
se encontre acabado o ato pelo qual elas devem se manifestar, salvo revogabilidade particular, como
no caso do § 658” (destaquei).
85
ao público, sendo de todo irrelevante o fato de o conteúdo da oferta ter efetivamente
chegado ou não ao conhecimento de alguém “do público”180.
A ilustração de KÖNDGEN a respeito não poderia ser mais esclarecedora: “a oferta
feita por meio de anúncio em jornal gera efeitos vinculativos no momento em que o jornal
é publicado, e não quando um exemplar do jornal chega à caixa de correio do
assinante”181.
Na Itália, embora parte da doutrina vislumbre um caráter receptício na oferta ao
público182, entendo que a razão esteja com MIRABELLI, para quem “a oferta ao público,
assim como a promessa de recompensa, não pode ser considerada declaração receptícia
em sentido próprio (cf. CC, art. 1334), pois não se dirige a pessoa determinada;
todavia, como declaração, adquire eficácia no momento em que se torna perceptível à
coletividade ou ao grupo ao qual se dirige” 183.
No mesmo sentido BIANCA: “Diferentemente dos atos receptícios, a eficácia jurídica
da oferta ao público não se subordina à recepção do ato por um determinado sujeito,
mas basta que o proponente a tenha emitido sua oferta de modo a torná-la cognoscível” 184.
Não deixa de ser interessante, também, a observação de RODOLFO SACCO, segundo a
qual “na oferta ao público há alguma coisa menos que a recepção (e, neste sentido, a
declaração pode se dizer não-receptícia); todavia há também algo mais que a simples
emissão, porque há a publicação; este requisito ulterior não é um fato que se agrega a
declaração, mas um requisito constitutivo da mesma” 185.
180
Cf. KÖNDGEN, Johannes. op. cit., p. 289-291.
181
Id. Ibid., p. 289-291.
182
Cf. CAMERIERI, Fausto. op. cit., p. 115: menciona FORCHIELLI, SCOGNAMIGLIO, DI MAJO e MESSINEO.
183
MIRABELLI, Giuseppe. op. cit., p. 110 (destaquei).
184
BIANCA, C. Massimo. op. cit., t. 3, n. 113, p. 251-252.
185
SACCO, Rodolfo. op. cit., p. 80. T. 2.
86
2. Requisitos intrínsecos
2.1. Intenção de vincular-se
Assim como a proposta de contrato, a oferta ao público tem como requisito sine qua
non a intenção, do ofertante, de vincular-se juridicamente.
O bom senso indica que o próprio ato de propor ao público a celebração de um
contrato determinado e completo já denota, por si só, uma clara intenção do proponente de
vincular-se perante os eventuais aceitantes. Pensar diferente significaria contrariar o
princípio lógico do non venire contra factum proprium.
Na verdade, as dificuldades quanto a este ponto não reside tanto em aceitar, em
abstrato, que o ato de propor ao público a celebração de certo contrato já pressuponha a
intenção vinculativa do anunciante, e sim em discernir quais práticas comerciais ou
sociais devem ser consideradas como oferecimento de contrato ao público.
Acredito que a revisitação da velha polêmica “oferta ao público x invitatio ad
offerendum” – a qual procuro promover no próximo Capítulo – poderá trazer luzes novas
a respeito.
2.2. Conteúdo mínimo ou suficiente
Para que uma declaração negocial dirigida ad incertam personam tenha a eficácia de
oferta ao público, ela deve descrever os elementos mínimos da modalidade contratual a
que se refere, de tal modo que a conclusão deste não demande outra declaração
complementar além da própria aceitação de um interessado186.
87
Com efeito, por mais precisas que possam ser as informações ou condições
negociais veiculadas por mensagens publicitárias, se elas não forem suficientes para
delinearem a figura de um contrato determinado – ainda que em sua estrutura mínima –,
tais mensagens não constituem ofertas ao público nos termos do art. 429 do Código Civil.
Portanto, na oferta ao público, assim como na proposta de contrato a pessoa
determinada, a auto-suficiência ou o conteúdo mínimo da declaração também é requisito
essencial.
Isso não obstante, desde o advento do art. 30 do CDC, um anúncio publicitário,
assim, incompleto ou insuficiente ao delineamento do conteúdo de um contrato, não é ato
destituído de eficácia jurídica, pois se dotado de elementos “suficientemente precisos”
187
,
tais elementos integrarão necessariamente e a posteriori o contrato que vier a ser
celebrado em função da publicidade em questão, como se cláusulas contratuais fossem.
Eis o tema que, ao lado da oferta ao público, ocupa lugar primordial neste trabalho,
ao qual reservei a Parte IV.
186
Cf. DÍEZ-PICAZO, Luis. Fundamentos del derecho civil patrimonial. 2. ed. Madrid: Tecnos, 1998. p. 208209.
187
CDC, art. 30.
88
CAPÍTULO 8: INTERFACES DA OFERTA AO PÚBLICO
1. Invitatio ad offerendum
1.1. A amplitude do invitatio ad offerendum no direito alemão
Até hoje predomina na doutrina alemã o entendimento de que os anúncios de
contratos, assim, completos, acabados, veiculados nos meios de comunicação de massa,
tais como a distribuição ampla e aleatória de folders, prospectos e catálogos de produtos ou
serviços com indicação de preços, a exposição de mercadorias em vitrinas, enfim, todas as
práticas comerciais a estas assemelhadas, não constituem ofertas vinculantes de contrato
nos termos preconizados pelo § 145 do BGB, mas somente estímulos, incentivos ou
convites a contratar com o anunciante.
A justificativa – segundo KÖNDGEN – residiria em não se aceitar que o
ofertante possa submeter-se a uma obrigação de contratar (Kontrahierungszwang)
contrária à sua legítima liberdade de decisão (Entscheidungsfreiheit). Por outro lado,
receia-se que a aceitação de um número ilimitado de pessoas possa gerar a conclusão de
um volume de contratos que supere os estoques do proponente, quanto aos bens, ou a sua
capacidade de prestar, quanto aos serviços188.
Assim, por exemplo, na opinião de KÖTZ, nos casos em que é perceptível ao
destinatário que não só a ele foi dirigida uma proposta, mas também a uma infinidade de
outras pessoas, a oferta não poderia ser interpretada, do ponto-de-vista jurídico, como
proposta
de contrato propriamente dita, pois a declaração de aceitação de todos os
destinatários teria o condão de criar tantas relações contratuais, que o proponente não teria
188
Cf. KÖNDGEN, Johannes. op. cit., p. 291.
89
como atender a todos em virtude da ausência de produtos ou da capacidade de executar os
contratos ao mesmo tempo, vindo a responder por perdas e danos189.
WERNER FLUME – depois de observar que (i) o critério que diferencia a
proposta de contrato do mero incentivo a fazer ofertas (Aufforderung zur Offerte)
residiria na íntima vontade contida na declaração, e que (ii) deveria ser analisado em cada
caso se o proponente, com a proposta, visava a celebração do contrato, ou somente tinha o
fito de mostrar-se disposto a celebrá-lo –, afirma categoricamente que “o convite à
apresentação de propostas está sempre presente quando a declaração é direcionada a
um número incerto de pessoas, restando claro, em virtude da limitação do produto
ofertado ou do serviço oferecido, não poder o proponente cumprir a oferta se todos os
destinatário incertos vierem aceitar a proposta” 190.
Para LARENZ-WOLF, práticas como o envio de catálogos de mercadorias, o
anúncio de produtos/serviços em jornal, a colocação do cardápio à porta do restaurante, a
exposição de artigos na vitrina da loja, enfim, todos os métodos de divulgação de
produtos/serviços ao público em geral, mesmo que acompanhados dos respectivos preços,
não constituem propostas de venda, mas incentivos ou convites à apresentação de
propostas de compra (Aufforderungen zur Abgabe von Kaufangeboten), pois (i) por um
lado, se o bem anunciado é infungível, sempre resta ao comprador o poder de escolhê-lo, e
se fungível, a quantidade a ser vendida permanece incerta até que este se manifeste a
respeito; (ii) por outro lado, o ofertante não quer deixar ao livre arbítrio do comprador o
direito de concluir o contrato, e sim reservar para si a possibilidade de, antes de dá-lo por
concluído, checar seu crédito na praça, ou seu poder de compra, etc. A proposta, portanto,
surgiria no momento em que o comprador declara sua vontade de adquirir o produto pelo
preço indicado. Somente quando o vendedor aceita a proposta de compra do interessado é
que se considera concluído o contrato 191.
189
KÖTZ, Hein. Europäisches Vertragsrecht. op. cit., § 2, p. 28.
190
FLUME, Werner. op. cit., § 35, p. 637.
90
1.2. A refutação de KÖNDGEN
Em crítica contundente à doutrina alemã do invitatio ad offerendum, KÖNDGEN
afirmou que ela “é tão divorciada da vida quanto insustentáveis são os seus argumentos.
Dizer que a prática de expor mercadorias em vitrinas de lojas com a indicação dos preços
representa mero convite aos transeuntes para fazerem ofertas ao comerciante equivaleria a
equipará-la às vendas de mão-em-mão do comércio oriental, quando ainda havia tempo e
disposição para se negociar, e onde a prefixação de preço nunca fez parte das ‘regras do
jogo’ negocial. O consumidor ocidental tem pressa. Suas necessidades diárias reclamam
rápida cobertura, e ele não tem disposição para travar onerosas negociações
contratuais”192.
Ainda segundo o Autor, o argumento de que o proponente, antes de se vincular,
gostaria de checar a solvabilidade do comprador perde todo o valor diante das compras à
vista em dinheiro. O mesmo vale para o argumento de que o proponente quereria se
proteger contra a eventualidade de ocorrerem mais aceitações do que sua capacidade de
fornecer: as ofertas especiais do comércio (Sonderangebot) são exemplos clássicos de
obrigação de vender condicionada ao estoque (Vorratsschuld)193, de modo que sem
precisar fazer uso de qualquer ficção jurídica, o vendedor não tem a obrigação de fornecer
bens (Beschaffungspflicht) se o estoque se esgotou194.
191
Cf. LARENZ, Karl; WOLF, Manfred. op. cit., § 29, p. 555.
192
KÖNDGEN, Johannes. op. cit., p. 292-293.
193
Prática que no Brasil, como sabido, recebe o sugestivo nome de liquidação: ninguém do público
consumidor duvida que a intenção do comerciante é efetivamente “liquidar” o seu estoque e que,
portanto, os produtos ofertados têm grande possibilidade de se esgotarem rapidamente.
194
Cf. KÖNDGEN, Johannes. op. cit., p. 292-293. Neste mesmo passo, afirma que o BGH
(BundesgerichtshofI) , tem adotado uma postura desconcertante, no sentido de não conferir
vinculatividade a propostas de contrato em jornal, mesmo quando a hipótese é tecnicamente subsumível
ao § 145 do BGB.
91
Reforçando ainda mais sua crítica, KÖNDGEN resgata um antigo estudo de
VICTOR EHRENBEG195, em que partindo da análise da publicidade dos registros do comércio
(Handelsregister), aponta os efeitos jurídicos das declarações de vontade dirigidas ao
público. Para KÖNDGEN, além de pioneiro, tal estudo se afigura extremamente atual nos
dias de hoje, em que a sociedade se depara com um sem-número de fenômenos contratuais
de massa196.
Deveras, compulsando sua obra, vê-se que EHRENBERG sustenta que uma
declaração de vontade endereçada a certa generalidade de pessoas (Allgemeinheit) tem
significação jurídica própria: quem o faz no contexto de uma atividade comercial habitual
deve presumir que os terceiros, do público, sempre a considerarão correta e veraz.
É por esta razão que se pode considerar certo um fato inscrito no órgão de
registro do comércio: os efeitos de uma declaração emitida nestes moldes consiste em
vincular o declarante em relação a seu conteúdo, esteja este certo ou errado. Os terceiros
consideram o conteúdo da declaração certo, verdadeiro. O declarante fica a ele de tal modo
vinculado que não pode opor validamente, contra terceiros, fatos contrários ao registrado,
ainda que alegue ter havido erro, dolo ou coação. Naturalmente,
judicialmente a declaração se as
poderá anular
causas anulatórias invocadas pelo autor se
comprovarem197.
Ora, se se admite vinculatividade às declarações que se tornam públicas pelo
ato de registro do comércio, porque não admiti-lo também às ofertas contratuais
publicitadas pelos modernos meios de comunicação de massa?
195
EHRENBEG, Victor. Personen des Handelsrechts. Im allgemeinen. In: EHRENBERG, Victor (Her.).
Handbuch des gesamten Handelsrechts. Leipzig: O. R. Reisland, 1913. Erster Band.
196
Cf. KÖNDGEN, Johannes. op. cit., p. 285.
197
Cf. EHRENBEG, Victor. op. cit., § 61, p. 645-650.
92
1.3. A retratação parcial da doutrina alemã
1.3.1. A disponibilização de “Verkaufsautomaten” ao público
Muitos anos depois daquelas velhas lições de SAVIGNY, a doutrina
jurídica alemã, em meados do século passado, retratou-se parcialmente dessa concepção
individualista das declarações de vontade ad incertam personam. Digo parcialmente
porque fez pequena concessão à vinculatividade das ofertas ao público, considerando como
tal a disponibilização de aparelhos automáticos que fornecem bens para consumo imediato.
Reportando-se a autores mais antigos como LUDWIG ENNECCERUS, HANS
NIPPERDEY, ANDREAS
VON
THUR, dentre outros, FLUME aceita que a disponibilização de
produtos ou serviços para imediata utilização (Inanspruchnahme) é oferta ao público
vinculante, em face da qual o contrato nasce com a imediata utilização do bem entregue
pela máquina. Seria oferta a qualquer pessoa, que por meio do correto procedimento e da
entrega da mercadoria (Übereignung) pela máquina adquire um produto ou serviço198.
LARENZ-WOLF são da mesma opinião: “É verdadeira proposta, e não
mero convite para a apresentação de propostas, a disposição e o funcionamento de uma
máquina automática (Verkaufsautomat). A oferta tem sua duração condicionada à exata
quantidade de produtos que se encontram dentro do aparelho. A aceitação ocorre nos
moldes do § 151 do BGB, por meio de determinada atuação da vontade
(Willensbetätigung), que se reflete no procedimento para extrair o produto da máquina”199.
198
Cf. FLUME, Werner. op. cit., § 35, p. 636.
199
LARENZ, Karl; WOLF, Manfred. op. cit., § 29, p. 556.
93
Para KÖNDGEN, porém, essa pequena concessão ao princípio da
vinculatividade da oferta ao público não tem muito valor, pois a disponibilização ao
público de uma fornecedora automática de bens e serviços por meio da inserção de moedas
em orifício apropriado não é oferta ad incertam personam, mas verdadeira compra-evenda real (schlichter Realkauf), no sentido em que tradicionalmente se atribui, tal
natureza, aos contratos de mútuo, depósito e comodato200.
1.3.2. A oferta de serviços públicos essenciais
Os mesmos autores também admitem como vinculantes as ofertas de
serviços públicos essenciais, como eletricidade, gás, água, telefonia, etc., as quais não
poderiam ser qualificadas de convite a apresentação de ofertas, e sim verdadeiras propostas
de contrato, visto que o oferecimento destes serviços para a população está sob a égide de
uma obrigatoriedade vinculativa (Kontrahierungszwang). Também em outros casos de
comércio em massa, em que o proponente renuncia à escolha de determinado cliente, a
oferta ao público deve ser considerada proposta e não invitatio ad offerendum
201
.
1.4. Catálogos virtuais: oferta ao público ou invitatio ad offerendum?
1.4.1. Colocando o problema
No âmbito da legislação comunitária européia, pode-se dizer que “mercado
eletrônico” é aquele em que os agentes econômicos – produtores, distribuidores e
consumidores – interagem por meios eletrônicos, e “comércio eletrônico” o que se baseia
no tratamento eletrônico de dados, inclusive textos, imagens e vídeos.
200
Cf. KÖNDGEN, Johannes. op. cit., p. 285.
201
Cf. Id., loc. cit.
94
O comércio eletrônico abarca um leque amplo de operações, não só de troca de
bens e serviços entre empresas e consumidores, como também de empresas entre si e entre
estas e a Administração Pública, tais como transferência eletrônica de fundos, pagamento
eletrônico de tributos, bens e tributos, remessa de documentos (orçamentos, fatura, ordens
de transporte, documentos aduaneiros, etc.).
Segundo observou MARIO CLEMENTE MEORO, na Espanha, o comércio
eletrônico oferece muitas vantagens em relação aos mercados tradicionais, pois ao
propiciar uma gestão mais racional das transações comerciais, (i) incrementa a eficiência
empresarial, (ii) melhora os procedimentos de prestação de contas, (iii) reduz custos, (iv)
diminui as barreiras de entrada, (v) amplia os mercados existentes, (vi) cria áreas de
atividade empresarial inteiramente novas e (vii) permite aos consumidores gozarem de
maior liberdade de eleição202.
Lembra também, o mesmo Autor, que o comércio eletrônico é fenômeno
anterior ao surgimento da “World Wide Web”, ou “Internet”, pois, antes dela, as empresas
já intercambiavam dados e transações mediante redes de comunicação mais restritas, como
a que se estabelece por exemplo entre a empresa administradora de cartões de crédito, o
consumidor titular do cartão, o estabelecimento comercial que o aceita como meio de
pagamento e as instituições bancárias do titular do cartão e do estabelecimento
comercial203.
Outro exemplo significativo registrado oportunamente por
ANA PAULA
CARVALHO GAMBOBI é o “Bildschirmtext (Btx), na Alemanha, semelhante, ao “Minitel”
da França, que são sistemas de comunicação de dados comerciais que possibilitam a
transmissão de mensagens individuais204.
202
Cf. MEORO, Mario E. Clemente. Algunas consideraciones sobre la contratación electrónica. Revista de
Derecho Patrimonial, Pamplona, n. 4, p. 59-86, 2000, p. 60.
203
Cf. Id., loc. cit.
204
Cf. CARVALHO, Ana Paula Gambogi. Contratos via Internet segundo os ordenamentos jurídicos alemão e
brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 37, nota 30.
95
Todavia, é cediço que a expansão vertiginosa do comércio eletrônico deu-se
nas teias da Internet.
Ainda na opinião de CLEMENTE MEORO, duas características explicam o
sucesso deste em relação aos demais meios de comércio eletrônico. A primeira delas reside
na circunstância de que a Internet propicia uma comunicação em mão dupla entre os
atores do mercado, ao contrário dos demais meios de comunicação de massa, como a
imprensa, a radiodifusão, a televisão tradicional, etc., que funcionam num único sentido,
não permitindo a interoperabilidade entre as partes: para manifestarem a aceitação à
determinada oferta veiculada ao público, os destinatários têm de recorrer a meios
complementares de comunicação, como o telefone, o correio, não raro até à presença física
no estabelecimento comercial do próprio ofertante. Ademais, além de propiciar ao
produtor/distribuidor a identificação dos receptores que se interessaram por sua oferta, a
Internet permite que estes travem por seu intermédio o indispensável diálogo que conduz à
celebração do negócio205.
Em segundo lugar, a Internet desenvolve-se a partir de estândares abertos, o
que proporciona aos agentes econômicos a possibilidade de participarem de mercados bem
mais amplos, as mais das vezes transnacionais206.
A “Iniciativa Européia de Comércio Eletrônico” – comunicação ao Parlamento
Europeu, Conselho, Comitê Econômico e Social e Comitê das Regiões, de 12 de abril de
1997 –, já resumia a relação entre comércio eletrônico tradicional e comércio eletrônico
via Internet no seguinte quadro207:
205
Cf. Id., loc. cit.
206
Cf. Id., loc. cit.
207
COM (97) 157, final, artigo 6: v. http://www.ispo.cec.be/Ecommerce/initiat.htm
96
COMÉRCIO ELETRÔNICO TRADICIONAL
COMÉRCIO ELETRÔNICO NA INTERNET
só entre empresas
empresas-consumidores
empresas-empresas
empresas-administrações públicas
cidadãos-cidadãos
círculos
fechados,
freqüentemente
específicos de um setor
número
limitado
de
participantes
empresariais
redes fechadas próprias
participantes conhecidos e dignos de
confiança
a segurança forma parte do desenho da
rede
O MERCADO É UM CÍRCULO
mercado mundial aberto
número ilimitado de participantes
redes abertas, não protegidas
participantes conhecidos e desconhecidos
são necessárias segurança e autenticação
A REDE É O MERCADO
Pois bem. Dentre as inúmeras práticas de comércio eletrônico na Internet, vem
ganhando importância crescente em nível nacional e mundial a compra-e-venda de
produtos/serviços por intermédio de websites que apresentam um catálogo de itens,
acompanhados da indicação dos respectivos preços, ao mesmo tempo que disponibilizam
recursos técnicos que propiciam aos internautas não apenas fazerem os seus pedidos, mas
também adquirirem direta e imediatamente – “on-line”, como se diz – os itens desejados.
São verdadeiras lojas virtuais, que não diferem essencialmente das lojas tradicionais.
No parágrafo anterior, utilizei intencionalmente os verbos “apresentar” e
“pedir”, em lugar de “ofertar” e “aceitar”, com o propósito de tentar introduzir, de forma a
mais imparcial possível, uma questão cujo debate vem ganhando corpo em diversos
direitos estrangeiros: a exposição de catálogos de produtos/serviços em websites,
acompanhados da indicação dos respectivos preços – as mais das vezes, inclusive, com
fotografias de qualidade digital e descrições técnicas completíssimas – teriam a natureza
jurídica de ofertas de venda ao público, ou seriam apenas invitatios ad offerendum? E os
pedidos dos internautas? Constituiriam, eles, aceitação de oferta de venda ao público, ou
seriam apenas propostas de compra endereçadas ao vendedor por intermédio do website ?
97
1.4.2. O risco da oferta ao público
A questão tem inegável relevância prática, pois a resposta num ou noutro
sentido revelará se o ordenamento jurídico sub examen
confere maior proteção ao
internauta-consumidor ou ao website-fornecedor.
Com efeito, na percepção do civilista espanhol SANTIAGO CAVANILLAS
MÚGICA, a posição do proponente, enquanto a proposta de contrato está de pé e não foi
ainda aceita, é pior, em termos jurídicos e econômicos, que a posição do oblato. Este
carece de qualquer limitação, e pode eleger livremente entre concluir o contrato ou não. O
proponente, ao contrário, além de sujeitar-se a certas limitações quanto à liberdade de
revogar a proposta (prazo mínimo de irrevogabilidade, boa-fé e confiança do destinatário,
etc.), responde, em princípio, por eventuais prejuízos sofridos pelo oblato em razão de uma
revogação rápida da proposta. Sob esse prisma, pode-se dizer, portanto, que há um “risco
de propor contrato”208.
Se tal é a condição do policitante a pessoa determinada, mais ainda seria a
posição de quem emite uma oferta de contrato ao público, sobretudo porque,
aparentemente, correria o risco de receber uma quantidade de aceitações superior às suas
previsões ou ao que efetivamente é capaz de fornecer e, por conseguinte, sofrer as
conseqüências jurídicas negativas eventualmente previstas para situações como esta209.
208
209
Cf. MÚGICA, Santiago Cavanillas. La conclusión del contrato en Internet. In: MÚGICA, Santiago
Cavanillas; MEORO, Mario E. Clemente. Responsabilidad civil y contratos en internet: su regulación en
la Ley de Servicios de la Sociedad de la Información y de Comercio Electrónico. Granada: Comares, p.
117-201, 2003, p. 181.
Cf. Id., loc. cit.
98
1.4.3. A neutralidade da Diretiva 2000/31/CE (comércio eletrônico)
Embora sem dizê-lo expressamente, a primeira versão da Diretiva 31 da
Comunidade Européia, de 8 de junho de 2000 (2000/31/CE), relativa a “certos aspectos
jurídicos dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio eletrônico”,
pressupunha que os catálogos de produtos ou serviços de lojas virtuais constituiriam
ofertas de venda ao público.
Segundo CAVANILLAS MÚGICA, teria sido pela influência anglo-germânica que
se modificou a primeira redação dessa Diretiva, para eliminar qualquer referência direta ou
indireta a uma aceitação do internauta, de uma oferta de produtos ou serviços pelo
website comercial210.
Com efeito, na “Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho
relativa a determinados aspectos jurídicos do comércio eletrônico e no mercado interno”,
apresentada em 23 de dezembro de 1998 pela Comissão encarregada, o art. 11, então
intitulado “Momento de celebração do contrato”, estabelecia que o contrato resultaria
concluído quando o destinatário do serviço “receber por via eletrônica uma notificação do
prestador de serviços acusando o recibo da aceitação do destinatário do serviço [...]” 211.
Todavia, na versão final da Diretiva, além de o título do art. 11 ter sido
alterado para a “Realização de um pedido”, substituiu-se o vocábulo ‘‘aceitação” por
“pedido”. Confira-se: “o prestador de serviços deve acusar o recibo do pedido do
destinatário sem demora indevida e por via eletrônica”212.
Como visto anteriormente, o direito alemão sempre foi avesso a considerar que
um catálogo de produtos ou a exposição de produtos numa prateleira constituam verdadeira
e própria oferta contratual. Tais práticas seriam meros convites a receber ofertas, e no
âmbito do comércio eletrônico, o internauta que faz um pedido de um item do catálogo é
considerado ofertante, enquanto que o dono da loja virtual oblato.
210
Cf. Id. Ibid., p. 183 e 186.
211
UNIÃO EUROPÉIA. Diário Oficial das Comunidades Européias, 5 fev. 1999, p. C 30/11 (destaquei).
212
UNIÃO EUROPÉIA. Diário Oficial das Comunidades Européias, 17 jul. 2000, p. L 178/12 (destaquei).
99
Tudo parece indicar que o que preocupa os empresários alemães não é a perda
da liberdade de negar-se a contratar com determinadas pessoas, mas o risco de terem que
fazer frente a uma demanda que supere suas expectativas, à qual não possam satisfazer ou
deixe de ser rentável fazê-lo” 213.
O resultado dessa política legislativa estampa-se no texto final da Diretiva,
onde se encontram apenas expressões neutras, como “pedido”, “ordem de encomenda”,
“comanda”, etc., dando liberdade, desse modo, a cada direito nacional, decidir se o pedido
do internauta à loja virtual deva ser considerado proposta de contrato ou aceitação de
oferta de venda ao público214.
1.4.4. A previsível opção do direito alemão
O vocábulo “Bestellung” (pedido, encomenda) utilizado no § 312e do BGB215,
ao transpor ao direito interno a Diretiva 2000/31/CE, não deixa dúvidas de que o legislador
alemão decidiu negar aos catálogos de lojas virtuais a condição de oferta ao público, e
tratar, por conseguinte, os pedidos dos internautas como propostas de contrato.
Com efeito, para NINA DETHLOFF – uma das maiores autoridades atuais, na
Alemanha, em matéria de direito do comércio eletrônico –, as ofertas feitas num website
equivalem à exposição de artigos numa vitrina ou a um catálogo de produtos, situações em
que o proponente quer reservar para si uma liberdade de disposição (Dispositionsfreiheit):
“antes de vincular-se, ele pretende testar tanto a sua capacidade de entrega quanto a
idoneidade do cliente. Por esta razão, na maioria dos casos, inexiste uma ‘vontade jurídica
213
Cf. Id. Ibid., p. 183 e 186.
214
Assim, por exemplo, o art. 11 da Diretiva 2000/31/CE , intitulado “ordem de encomenda”, na tradução
ao português de Portugal, reza que “os Estados-Membros assegurarão [...] que, nos casos em que o
destinatário de um serviço efetua a sua encomenda exclusivamente por meios electrónicos, se apliquem
os seguintes princípios: [...]”.
215
BGB, § 312e (Obrigações no comércio eletrônico): “(1) Se para concluir um contrato de fornecimento
de bens ou prestação de serviços, um empresário utilizar um teleserviço ou um serviço informático
(contrato no comércio eletrônico), ele deve: (a) pôr à disposição do cliente meios técnicos adequados,
eficientes e acessíveis, pelos quais o cliente possa reconhecer e corrigir, antes da transmissão do seu
pedido [ou encomenda] , erros refentes à inserção de seus dados [...]” (destaquei).
100
vinculativa’ (Rechtsbindungswillen); normalmente, uma apresentação on-line de produtos
e serviços não é oferta, mas invitatio ad offerendum” 216.
Em estudo comparativo entre os direitos brasileiro e alemão sobre os
“contratos via Internet”, ANA PAULA CARVALHO soube captar bem a ratio dessa postura
alemã conservadora: “Como uma homepage pode ser acessada por um número ilimitado de
pessoas, o fornecedor de produtos e serviços na Internet expõe-se ao risco de receber mais
pedidos do que pode atender. Partindo da premissa de que o risco de um número
excessivo de demandas não é controlável pelo fornecedor na Internet, o direito alemão
presume que este não tem a intenção de obrigar-se ao cumprimento da sua oferta,
pretendendo, na verdade, verificar primeiramente o seu estoque. Por essa razão, a doutrina
alemã dominante esposa o entendimento segundo o qual a apresentação de produtos e
serviços na Internet não deve ser tratada como oferta contratual, e sim como mera invitatio
ad offerendum [...]. Com isso, há uma inversão de papéis: a posição mais gravosa é
reservada ao usuário da Internet, que ao efetuar o pedido de um produto mediante a
introdução de seus dados pessoais em um formulário e/ou através de um ‘clique’ em um
determinado campo da homepage, atua como proponente, cuja oferta pode ser ou não
aceita pelo fornecedor” 217.
Todavia, mesmo entre os que são cautelosos quanto à vinculatividade das
ofertas contratuais ad incertam personam, há quem admita que, na hipótese de leilão via
Internet, haveria verdadeira oferta ao público. Assim LARENZ-WOLF: “se em uma oferta
publicada em página da Internet é declarado que o ofertante aceita, desde logo, o maior
preço oferecido pelo produto, então não estaremos diante de um convite à apresentação de
propostas, e sim da própria proposta ou de uma aceitação antecipada para conclusão
do contrato”218.
216
DETHLOFF, Nina. Vertragsschluss, Widerrufs – und Rückgaberecht im E-Commerce. Iura Heft, n. 11,
2003, p. 730
217
CARVALHO, Ana Paula Gambogi. Contratos via Internet, op. cit., p. 37-38 (destaquei).
218
LARENZ, Karl; WOLF, Manfred. op. cit., § 29, p. 555.
101
1.4.5. A opção dos direitos latinos
Já os direitos de corte latino assumem a posição diametralmente oposta. É o
caso da França. Ao transpor a Diretiva 2000/31/CE para o direito interno, o legislador
francês não poderia ter sido mais explícito em atribuir aos catálogos de lojas virtuais o
status de ofertas de venda ao público, e aos pedidos dos internautas a natureza de
aceitação.
Confira-se o teor do art. 1369-1 do Código Civil francês: “Quem propõe por
via eletrônica, a título profissional, fornecer bens ou prestar serviços, deve disponibilizar as
condições contratuais aplicáveis de maneira a permitir a sua conservação e reprodução.
Sem prejuízo das condições de validade mencionadas na oferta, seu autor fica vinculado
enquanto esta permanecer, de fato, acessível por via eletrônica”.
O art. 3369-2, caput do mesmo Código arremata essa evidência: “Para que o
contrato seja validamente concluído, o destinatário da oferta deve ter a possibilidade de
verificar os dados de sua comanda e o preço total, e de corrigir eventuais erros antes de
confirmá-la para exprimir sua aceitação”219.
A mesma trilha foi seguida pela Espanha. Segundo o testemunho de CLEMENTE
MEORO, “quando o empresário descreve em sua página web o produto ou serviço, fixa seu
preço e condições de pagamento e entrega, e dota a página dos requisitos técnicos para que
quem se conecte a ela possa ‘aceitar’ (v. gr., pulsando um ‘botão’ ou ‘ícone’ em que se
inclui a expressão ‘aceitar’ ou ‘OK’ ou outra similar’, previa determinação pelo visitante
da página do produto ou serviço que deseja), não estamos diante de uma simples
comunicação publicitária, senão em face de uma oferta ao público. A criação e
incorporação à Internet de página web em que se dêem as características assinaladas supõe
219
Destaquei.
102
sua vontade de ficar vinculado, e que o contrato resulte formado para ele, sem mais
requisitos que a aceitação emitida por via eletrônica”220.
Quanto ao direito brasileiro, tenho que à luz do novo art. 429 do Código Civil
não resta qualquer dúvida de que os catálogos de lojas virtuais constituem verdadeira e
própria oferta de venda ao público – mesmo que o website não disponha de meios técnicos
para a aquisição on-line pelo internauta-consumidor.
Naturalmente, inexistindo indicação de preços, o catálogo não representará
uma oferta ao público. Isso não obstante, se o catálogo ou o website que o divulga contiver
especificações “suficientemente precisas” sobre a qualidade e/ou quantidade dos
produtos/serviços, bem assim sobre certas condições de contratação, tais especificações ou
informações, a teor do art. 30 do CDC, integrarão o contrato que o internauta, instigado
pelo conteúdo publicitário do website, vier eventualmente a celebrar com o fornecedor,
como se cláusulas contratuais fossem, as quais inclusive prevalecem sobre cláusulas ou
condições escritas no instrumento contratual que lhe sejam contrárias ou inconciliáveis.
1.4.6. A solução dos PDCE-LANDO
É absolutamente infundado o temor da doutrina alemã à impossibilidade de o
ofertante controlar a intensidade da demanda ex populo, temor que a leva a ser
excessivamente cautelosa em reconhecer a natureza de oferta ao público a práticas
comerciais tão consagradas como as fartamente exemplificadas anteriormente.
É que a oferta ao público, por natureza, é dotada de certas reservas implícitas
quanto à quantidade (produtos), capacidade (serviços), duração, etc.
220
MEORO, Mario E. Clemente. Algunas consideraciones sobre la contratación electrónica, op. cit., p. 78
(destaquei).
103
Nesse sentido, aliás, os PDCE-LANDO deram um importante passo à frente em
relação à CISG-UNCITRAL de 1980, pois enquanto para esta “toda proposta não dirigida a
uma ou várias pessoas determinadas será considerada como um simples convite a fazer
ofertas”221, aquela, depois de estabelecer que “a oferta pode se dirigir a uma ou várias
pessoas determinadas ou ao público”222, e que “a proposta feita por um profissional em
anúncios, por catálogo ou mediante a exposição de mercadorias, de fornecer bens ou
serviços a um preço determinado, é considerada como oferta de vender ou de fornecer,
pelo preço indicado”223, encerra a disposição com a seguinte ressalva: “até que se esgotem
as mercadorias estocadas ou a capacidade do profissional de prestar o serviço”224.
Nada mais sensato e equilibrado!
A meu ver, a postura do direito alemão é anacrônica, contrastando
melancolicamente com aquela atitude ousada e pioneira de 1896, quando se introduziu na
Alemanha o princípio da irrevogabilidade da proposta de contrato, contra toda a
acomodada tradição do direito comum europeu.
2. Promessa de recompensa
O Código Civil distingue expressamente a “oferta ao público” da “promessa de
recompensa” ao dispor no art. 854 que “aquele que, por anúncios públicos, se
comprometer a recompensar ou a gratificar, a quem preencha certa condição ou
desempenhe certo serviço, contrai obrigação de cumprir o prometido” 225, esclarecendo,
no artigo seguinte, que “quem quer que, nos termos do artigo antecedente, fizer o serviço
ou satisfizer a condição, ainda que não pelo interesse da promessa, poderá exigir a
recompensa estipulada”.
221
CISG-UNCITRAL, art. 14, 2.
222
PDCE-LANDO, art. 2:201, 2
223
PDCE-LANDO, art. 2:201, 3 (destaquei).
224
PDCE-LANDO, art. 2:201, 3, in fine (destaquei).
225
Destaquei.
104
A primeira nota distintiva refere-se à natureza jurídica de cada figura, pois enquanto
o Código Civil incluiu a “oferta ao público” no título que trata “dos contratos em geral”,
atribuindo-lhe claramente a natureza de proposta de contrato, a “promessa de recompensa”
inseriu-a no título que cuida “dos atos unilaterais” geradores de obrigações.
Sob esse aspecto topológico, há grande semelhança entre os Códigos brasileiro e
italiano, divergindo este último apenas quanto à nomenclatura atribuída à promessa de
recompensa, eis que a chama de “promessa ao público” 226.
Muito embora as duas figuras tenham em comum serem declarações de vontade ad
incertam personam, a promessa de recompensa se diferencia nitidamente da oferta ao
público porque gera ao promitente a obrigação (stricto sensu) de prestar o prometido, tão
logo a promessa é divulgada ao público, e independentemente da aceitação de quisque de
populo227.
Portanto, a segunda nota distintiva refere-se ao momento em que nasce a obrigação
para o declarante. No dizer de MASSIMO BIANCA, “a promessa de recompensa é fonte de
obrigação, diretamente produtora do vínculo obrigacional a cargo do promitente, enquanto
que a oferta ao público é uma proposta de contrato que requer a aceitação para gerar o
consenso. É o contrato, portanto, que é propriamente fonte de obrigação”228.
MIRABELLI, porém, entende que essa distinção evidencia apenas uma diferença de
efeitos e não de estrutura. Partindo do pressuposto de que para todo ato unilateral o
comportamento de terceiros é irrelevante à geração da obrigação prevista em lei, sugere a
utilização da recusa dos destinatários da declaração de vontade como elemento idôneo a
distinguir as duas fattispecie. Desse modo, a declaração deve ser qualificada como oferta
ao público se a recusa do destinatário a faça caducar e, inversamente, como promessa de
226
CCit., art. 1989 (promessa ao público): “Aquele que, dirigindo-se ao público, promete uma prestação
em favor de quem se encontre em determinada situação ou realize determinada ação, fica vinculada à
promessa tão logo esta se torne pública”.
227
Cf. MESSINEO, Francesco. Contratto preliminare, contratto preparatorio e contratto di coordinamento.
Enciclopedia del diritto, v. 10. Milano: Giuffrè, 1962, p. 858.
228
Cf. BIANCA, C. Massimo. Diritto civile: il contratto. op. cit., p. 256.
105
recompensa se o destinatário, não obstante a recusa, possa mesmo assim, posteriormente,
exigir a prestação prometida229.
Igualmente peculiar é posição de RODOLFO SACCO, que compara a promessa ao
público à oferta ao público de contrato com prestação apenas do proponente,
chegando à conclusão de que a disciplina dos artigos 1987 e seguintes do Código Civil
italiano é supérflua, na medida em que a fattispecie estaria suficientemente disciplinada
pelos artigos 1333 e 1336. Tal entendimento, porém, conduz à lógica conseqüência de que,
em caso de recusa do destinatário, a promessa resulta privada de toda eficácia230.
A tese de SACCO, todavia, não resistiu ao exame crítico de ADOLFO DI MAJO, que
demonstrou subsistir uma diferença estrutural entre a oferta ao público e a promessa de
recompensa231, podendo-se dizer, com CAMERIERI, que esta é a posição que predomina na
doutrina italiana.232.
De qualquer forma, constitui questão de fato, embora muitas vezes sutil, discernir,
in concreto, se determinada declaração dirigida ad incertam personam é oferta ao público
ou promessa de recompensa.
Digno de nota, nesse sentido, é o entendimento da Primeira Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que nos autos da ação civil pública movida
pelo Ministério Público gaúcho contra a COMPANHIA REAL
DE
DISTRIBUIÇÃO –
SUPERMERCADO BIG SHOP, então em fase de apelação, considerou tratar-se de promessa de
recompensa, e não oferta ao público, uma peça publicitária veiculada por aquele
supermercado em jornais de grande circulação de Porto Alegre, a qual dizia: “você ganha
229
Cf. MIRABELLI, Giuseppe. Delle obbligazioni: dei contratti in generale. 3ª ed., Torino: UTET, 1980, p.
105-105.
230
Cf. SACCO, Rodolfo. Il contratto. IN: SACCO, Rodolfo (Dir.). Trattato di diritto civile. Torino: UTET,
1993, p. 37 e ss. e 185 e ss
231
Cf. DI MAJO, Adolfo. Promessa unilaterale. Diritto privato. Enciclopedia del diritto, v. 37. Milano: Giuffrè
(33:70), 1988, p. 765.
232
Cf. CAMERIERI, Fausto. op. cit., p. 117.
106
grátis o produto anunciado pelo concorrente se o preço praticado no Big não for o mais
baixo” 233.
Com efeito, segundo o desembargador IRINEU MARIANI, relator da apelação, “o
anunciante fez um desafio, uma porfia, uma provocação, elegendo como fiscais todas as
pessoas. Veja-se que não há necessidade de a pessoa comprar o produto. Basta demonstrar
que o concorrente tem o mesmo produto mais barato. Aliás, a rigor, não há gratuidade, pois
o desafiado tem uma tarefa a cumprir, um serviço a prestar ao anunciante, qual seja
encontrar o mesmo produto por preço mais baixo. O art. 30 do CDC é expresso. Toda
informação ou publicidade obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e
integra o contrato que vier a ser celebrado. No caso, para fazer jus [ao produto,
gratuitamente] nem era preciso invocar o CDC, pois tratava-se de promessa de
recompensa prevista no art. 1512 do Código Civil vigente à época [...]. Este preceito está
exatamente com a mesma redação no art. 854 do CC/2002” 234.
233
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça, 1ª Câmara Cível, Apelação n. 70003821626, Acórdão de 5 nov.
2003, Relator: Irineu Mariani, fls. 426.
234
Id., loc. cit.: destaques do original.
107
PARTE III: OFERTA CONTRATUAL NO PLANO DA EFICÁCIA
108
SEÇÃO A: EFEITOS DA PROPOSTA DE CONTRATO
109
CAPÍTULO 9: VINCULAÇÃO MÍNIMA E MÁXIMA DA PROPOSTA
1. Distinções preliminares
A proposta de contrato dirigida a pessoa presente não suscita maiores dificuldades
quanto à determinação de sua eficácia235, pois o direito da maioria dos países de civil law
adotou para tal hipótese o princípio aceitação imediata, sob pena de caducidade da
236
proposta
.
O mesmo não ocorre com a proposta endereçada a pessoa ausente, eis que entre a
sua emissão e a eventual aceitação do destinatário fatos podem ocorrer que acabam
interferindo decisivamente no procedimento formativo do contrato.
Todavia, antes de analisar esses fatos, convém recordar dois esclarecimentos
promovidos pela doutrina alemã.
O primeiro deles é de RAYMOND SALEILLES, um dos primígenos comentadores do
BGB, que em sua época já observara que o critério que determina a ausência ou a
presença do destinatário da declaração de vontade, para efeitos de incidência do § 130 do
BGB, não é tanto a distância física que separa as partes quanto o tempo que medeia entre
a emissão da declaração de vontade e a sua recepção pelo destinatário.
235
Nesse sentido: THUR, Andreas von. op. cit., § 62, p. 145: “A vinculação do proponente tem importância
prática unicamente quando a proposta de contrato se dirige a pessoa ausente, porque só em tal caso tem
certa duração (BGB, § 147, II)” (destaquei).
236
Assim o CCbr-2002, art. 428: “Deixa de ser obrigatória a proposta: I - se, feita sem prazo a pessoa
presente, não foi imediatamente aceita. Considera-se também presente a pessoa que contrata por
telefone ou por meio de comunicação semelhante”.
110
Assim, entre presentes, “não há nenhum intervalo de tempo apreciável, e as
palavras emitidas chegam àquele a quem se endereçam sem nenhum intermediário”237. Já
entre ausentes dá-se exatamente o contrário. Daí a razão de o § 147, in fine, do BGB, que
após estabelecer que “a proposta feita a pessoa presente somente pode ser aceita
imediatamente”, ressalvou que “isto vale também para a proposta feita por meio de
telefone”
238
: típica hipótese em que há distância física entre as partes, mas rapidez no
intercâmbio das respectivas declarações de vontade.
O segundo esclarecimento partiu de
VON
THUR, para quem a eficácia vinculnte da
proposta descansa na lei, não sendo necessário que o ofertante a queira ou conheça239.
Algo parecido escreveu PONTES
DE
MIRANDA: “as declarações de vontade, em si,
são revogáveis; só a regra jurídica, incidindo sobre elas, as pode tornar irrevogáveis”
240
.
Pois bem. Nos próximos dois capítulos, pretendo demonstrar que a vinculação da
proposta de contrato pode assumir as intensidades mínima e máxima. Aquela consiste na
particularidade de que toda proposta atribui ao oblato o poder de constituir o vínculo
contratual entre ele e o proponente por meio da aceitação pura e simples da proposta.
Trata-se de efeito jurídico necessário, existente em toda proposta de contrato,
independentemente de vigorar, no ordenamento jurídico considerado, o princípio da
revogabilidade ou irrevogabilidade: enquanto tiver vida, a proposta sempre surtirá este
efeito mínimo. No dizer de LARENZ-WOLF: “mesmo que a vinculatividade da proposta seja
ressalvada pelo proponente, ela é uma declaração passível de ser aceita (annahmefähiges
Vertragsangebot), muito embora possa ser revogada a qualquer momento”241.
237
SALEILLES, Raymond. op. cit., p. 146.
238
Seguindo, também neste ponto, o BGB, CCbr-2002, art. 428, I, in fine.
239
Cf. THUR, Andreas von. op. cit., § 62, p. 146-147.
240
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado, cit., 1954, t. 3, § 251, p. 26
(destaquei).
241
LARENZ, Karl; WOLF, Manfred. op. cit., § 29, p. 556-557 (destaquei).
111
Por outro lado, a proposta de contrato atinge a vinculação máxima quando ao
efeito mínimo a lei ou a vontade do proponente agregam a condição de irrevogabilidade
durante certo período de tempo.
No direito brasileiro, até a revogação da “Primeira Parte” do Código Comercial
brasileiro de 1850242, conviviam dois regimes diametralmente opostos quanto à
revogabilidade da oferta contratual: a proposta de contrato comercial era livremente
revogável se a declaração revocatória do proponente chegasse à esfera de conhecimento do
oblato antes de este expedir a sua eventual aceitação243; ao contrário, se civil o contrato, a
proposta, embora passível de ser retirada no período compreendido entre a sua emissão e a
recepção pelo oblato, não podia, após este momento, e até caducar pelo decurso do prazo
de eficácia implícito ou expresso, ser revogada de forma eficaz pelo proponente244.
Ora, mantendo, os artigos 427 e 428 do Código Civil a redação dos artigos 1080 e
1081 do Código de 1916, e não tendo ressalvado os contratos empresariais, não resta
dúvida de que, hoje, todos os contratos de direito privado sujeitam-se ao princípio da
irrevogabilidade da proposta.
Princípio controvertido, mesmo no direito brasileiro, conforme se verá em seguida.
242
243
244
Cf. CCbr-2002, art. 2045.
CCObr, art. 127: “Os contratos tratados por correspondência epistolar reputam-se concluídos e
obrigatórios desde que o que recebe a proposição expede carta de resposta, aceitando o contrato proposto
sem condição nem reserva; até este ponto é livre para retratar a proposta; salvo se o que a fez se
houver comprometido a esperar resposta, e a não dispor do objeto do contrato senão depois de rejeitada a
sua proposição, ou até que decorra o prazo determinado.Se a aceitação for condicional, tornar-se-á
obrigatória desde que o primeiro proponente avisar que se conforma com a condição” (destaquei).
Cf. CCbr-1916, art. 1081, IV.
112
2. A vinculação mínima
2.1. Direito potestativo versus estado de sujeição
Se no tocante à irrevogabilidade da proposta de contrato, efeito máximo desta, a
doutrina brasileira dominante distancia-se sobremaneira das raízes germânicas do instituto
– consoante se verá mais adiante –, na abordagem do efeito mínimo segue passo a passo a
dogmática alemã segundo a qual, na dicção de
VON
THUR, “à vinculação do proponente
corresponde um direito do destinatário; é um direito de conformação: o destinatário tem
a faculdade, que não se lhe pode tirar, de dar vida, mediante sua declaração, ao contrato,
cujo conteúdo resulta da proposta”245. Essa faculdade do oblato seria modalidade de
direito potestativo ou formativo, enquanto que a vinculação do proponente, estado de
sujeição.
Assim PONTES
DE
MIRANDA, ao sustentar que “a favor do destinatário da oferta
revogável ou irrevogável nasce direito formativo gerador: mediante o seu exercício,
compõe-se o negócio jurídico bilateral” 246.
Assim também JUNQUEIRA
DE
AZEVEDO, quando diz que “o ofertante, por ato
unilateral, cria, no patrimônio do oblato, um direito expectativo, ou potestativo, de concluir
o contrato” 247.
Discorrendo sobre o conceito de direito potestativo, com forte apoio na doutrina
germânica, MANUEL DOMINGUES
DE
ANDRADE parte da consideração de que, no direito
subjetivo, a posição do titular se traduz no poder de exigir ou pretender de outra pessoa
determinado comportamento positivo ou negativo, isto é, uma ação (facere) ou certa
245
THUR, Andreas von. op. cit., § 62, p. 147 (destaquei).
246
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado, cit., 1983, t. 5, § 566, p. 242
(destaquei).
247
JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antonio. A boa-fé na formação dos contratos, cit., p. 83.
113
abstenção (non facere). O direito subjetivo, portanto, consistiria apenas no poder de exigir
de outrem determinado comportamento248.
No direito potestativo, todavia, o poder conferido ao titular tende à produção de um
efeito jurídico, as mais das vezes mediante declaração de vontade do titular. No caso
específico da proposta de contrato, a declaração de aceitação produz a constituição do
vínculo contratual, de modo que o direito potestativo do oblato seria um “direito à criação,
modificação ou extinção de uma relação jurídica” 249.
No que se refere ao proponente, ele se submete inexoravelmente ao exercício do
direito potestativo do oblato, com todas as conseqüências jurídicas que isso implica. Daí
designar-se, sua posição jurídica, de estado de sujeição, pois sujeita-se à condição de
suportar as conseqüências do eventual exercício do direito potestativo pelo oblato,
mediante a aceitação formadora do contrato. Condição “fatal” – no dizer de MANUEL
DOMINGUES DE ANDRADE – “pois a produção destes efeitos verifica-se de modo inelutável.
O sujeito nada pode fazer contra isso. Poderá infringir depois os efeitos produzidos, mas
então estaremos já no domínio dos direitos subjetivos stricto sensu” 250.
Aplicando o conceito de direito potestativo à proposta de contrato, PONTES
DE
MIRANDA o vê como “mais um efeito do negócio jurídico da oferta; efeito mínimo é o de
poder ser aceita, antes de revogada, se revogável”251. Com isso deixa claro que toda
proposta de contrato sempre surte esse efeito mínimo, independentemente de o
ordenamento jurídico no qual se insere ter esposado ou não o princípio da irrevogabilidade
da proposta de contrato.
248
Cf. ANDRADE, Manuel A. Domingues de. Teoria da relação jurídica: sujeitos e objeto. Coimbra:
Almedina, 1983. v. 1, p. 10-11.
249
Id. Ibid., p. 12.
250
Id. Ibid. (destaquei).
251
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado, cit., 1954. t. 2, § 223, p.413-414.
114
Ainda nas palavras de PONTES
DE
MIRADA, o direito potestativo decorrente da
proposta de contrato seria a vinculação mínima252 que toda oferta contratual enseja:
“Muito se perdeu – aduz o mesmo Autor – em não se ver cedo que a revogabilidade podia
coexistir com a vinculação, pois enquanto não se revoga, a oferta permanece de pé e
pode ser aceita”253. E em outra passagem de seu “Tratado”, observa que “demasiado
atentos às categorias de obrigação, de posição passiva na ação e de posição passiva na
exceção, os juristas descuraram o estudo do efeito mínimo, isto é, o efeito que seria o
único. Se algum ato jurídico tem um efeito, já não é ele totalmente ineficaz. A vinculação
aparece, como o efeito mínimo, tratando-se de ato humano que entra no mundo jurídico e é
eficaz, mas a oferta revogável é eficaz enquanto não se revoga e se teria de dilatar o
conceito de vinculação”254.
252
Cf. Id. Tratado de direito privado, cit., 1954, t. 3, § 278, p. 145 (destaquei).
253
Id., loc. cit. (destaquei).
254
Id. Tratado de direito privado, cit., 1983, t. 5, § 507, p. 7-8 (destaquei).
115
3. A vinculação máxima
3.1. O significado da irrevogabilidade da proposta no direito alemão
Que no direito alemão, por força do § 145 do BGB, vigora o princípio da
irrevogabilidade da proposta não paira qualquer dúvida: “Fundamentalmente – afirmam
LARENZ-WOLF – o proponente vincula-se à proposta feita, que passa a ser irrevogável,
salvo se houver declaração expressa de exclusão dessa vinculação, nos moldes do § 145 do
BGB”255.
Em seu trabalho de direito contratual comparado, HEIN KÖTZ pôde afirmar que “a
mais forte eficácia jurídica da proposta se encontra nos direitos alemão, suíço e austríaco.
Tão logo a proposta tenha chegado a seu destinatário, o proponente resta vinculado. Isso
significa que, no caso de ter sido estabelecido prazo para resposta, ou no caso de ausência
de prazo, durante período de tempo razoável, não pode haver revogação da proposta”256.
Também não paira dúvidas de que, no direito alemão, sendo irrevogável a proposta,
qualquer ato em sentido contrário, isto é, qualquer declaração do proponente com intuito
revocatório é absolutamente ineficaz, conforme a opinião da esmagadora maioria dos
juristas, dentre eles VON THUR257 e FLUME258.
255
LARENZ, Karl; WOLF, Manfred. op. cit., § 29, p. 556. No mesmo sentido: ENNECCERUS, Ludwig;
NIPPERDEY, Hans Carl. op. cit., p. 259: “O Código Civil declarou que a oferta é vinculativa, isto é,
irrevogável, a menos que o ofertante tenha excluído essa força vinculativa” (destaquei).
256
KÖTZ, Hein. Europäisches Vertragsrecht. op. cit., § 2, p. 34 (destaquei).
257
THUR, Andreas von. op. cit., § 61, p. 126: “A possibilidade de revogação extingue-se no momento de
chegar a declaração [ao oblato], ainda que esta ocorra antes do que se supunha. Para a eficácia da
revogação, é decisiva a cronologia de chegada de ambas as declarações, e não o seu conhecimento pelo
destinatário. Se a revogação chegar depois da declaração a que se refere, carece de eficácia, ainda que o
destinatário tome conhecimento dela antes que da declaração, ou simultaneamente” (destaquei).
258
FLUME, Werner. op. cit., § 35, p. 642: “O efeito vinculativo da oferta significa, nos termos do § 147, que o
proponente não pode revogar a oferta, ou seja, não pode obstar o oblato a concluir o contrato e
considerá-lo celebrado por meio de simples aceitação” (destaquei).
116
Surpreendentemente, no Brasil, não obstante o art. 1080 do Código Civil de 1916,
como visto, tenha deitado raízes nos §§ 130 e 145 do BGB, e a doutrina reconhecia que em
princípio a proposta era irrevogável, nasceu e se desenvolveu, logo nos albores da vigência
daquele Código, uma interpretação que, se não se pode qualificar “contra legem”, é no
mínimo deturpadora do sentido objetivo do art. 1080.
Senão veja-se.
3.2. Efeito da irrevogabilidade: obrigação de fazer?
As primeiras exegeses do art. 1080 do Código Civil de 1916 – a começar nada menos
pela do eminente autor de seu anteprojeto –, são um exemplo de como uma interpretação
equivocada, difundida logo nos primórdios da vigência de uma lei, pode relegar uma
norma jurídica à completa inutilidade.
Deveras, muito embora tenha anotado em seu “Comentário” que o art. 1080 teve por
fonte o § 145 do BGB259, CLOVIS BEVILAQUA, ao opinar sobre o sentido e alcance da
locução “a proposta de contrato obriga o proponente” entendeu que “o Código Civil
declara que o proponente fica, em regra, obrigado a mantê-la”260.
Ora, o cerne do equívoco interpretativo reside exatamente neste entendimento –
talvez psicológica e quase-inconscientemente sugestionado pela carga técnico-jurídica
sedimentada no termo “obrigar” – de que o efeito típico da proposta de contrato seria a
imputação legal, ao proponente, de uma obrigação de fazer, tomada a locução, agora sim,
em sentido o mais juridicamente estrito e técnico, qual seja uma obrigação de manter ou
sustentar261 a declaração da proposta, até a eventual aceitação do oblato, ou até seu
vencimento implícito ou expresso.
259
Cf. BEVILAQUA, Clovis. op. cit., p. 195.
260
Cf. Id., loc. cit. (destaquei).
261
Às vezes, a mesma idéia é expressada de modo negativo; fala-se, então, em “obrigação de não revogar a
proposta”.
117
Adotada essa falsa premissa, bastou pouco a BEVILAQUA para concluir – certamente
influenciado pela mentalidade jurídica predominante à época, segundo a qual o princípio
nemo praecise cogi potest ad factum262 gozava de prestígio quase-absoluto – que “as
conseqüências desta doutrina é que o proponente que retira a sua oferta, nos casos em que
não pode fazer, responde por perdas e danos”263.
Essa construção interpretativa de BEVILAQUA certamente era a mais condizente com
os valores individualistas da época264. Todavia, não pode mais prevalecer nos dias de hoje,
em que predominam valores como a boa-fé objetiva, a função social do contrato, o sentido
de cooperação entre os contratantes, e não de oposição de interesses, etc.
Tudo começou quando o legislador de 1916, inspirado pelo § 145 do BGB, decidiu
introduzir em nosso ordenamento o princípio da irrevogabilidade da proposta de
contrato, mas ao fazê-lo, ao invés de utilizar o verbo “vincular”265 – tal qual o fez, o
legislador alemão, no referido parágrafo –, serviu-se do vocábulo “obrigar”, de
significado técnico-jurídico muito preciso, mas completamente inadequado para expressar
o efeito jurídico realmente idealizado pelo legislador do BGB, qual seja a
irrevogabilidade da proposta de contrato.
262
Princípio segundo o qual, em tradução bem flexível, o devedor de prestação de fato não pode ser
compelido a cumprir especificamente o prometido, de modo que sua recusa converte a obrigação de
fazer originária em obrigação de indenizar.
263
BEVILAQUA, Clovis. op. cit., p. 195 (destaquei). No mesmo sentido: Id. Direito das obrigações. 5. ed. Rio
de Janeiro: Freitas Bastos, 1940: “[...] deve o proponente manter firme a sua oferta, sob pena de responder
por perdas e danos” (§ 60, p. 168).
264
Em interessante estudo histórico-comparativo entre o BGB e o CCbr-1916, CLÁUDIA LIMA MARQUES
pôde concluir: “ambos os Códigos, alemão e brasileiro, apesar da diferença de 20 anos da data de suas
aprovações, possuem características comuns e podem ser considerados como ‘produtos’ ou criações
típicas do século XIX. O momento histórico do liberalismo, o momento político semelhante de
reafirmação da unidade nacional e o momento científico de desenvolvimento do Direito marcaram ambas
as codificações e determinaram sua proximidade até hoje. O Código Civil brasileiro sofreu múltiplas
influências de direitos estrangeiros e, especialmente, da Pandectística alemã, mas manteve importante
dose de originalidade criativa, graças ao genial Teixeira de Freitas, ao espírito crítico de Coelho
Rodrigues e à sabedoria de Clovis Bevilaqua. A influência germânica nos principais juristas brasileiros do
século XIX foi grande, a obra da Escola de Recife e de Tobias Barreto, e continua no século XX, com um
novo germanismo” (MARQUES, Cláudia Lima. Cem anos de Código Civil alemão: o BGB e o Código
Civil brasileiro de 1916. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 741, p. 36, jul. 1997).
265
No § 145 do BGB, o verbo “binden” (= vincular) está no particípio passado “gebunden” (= vinculado).
118
Consoante o registro de PONTES
DE
MIRANDA, “a oferta vincula o oferente.
Desgraçadamente, nas leis e nos livros de doutrina, por vezes se emprega ‘obrigar’ em vez
de ‘vincular’, ou de ‘tornar devedor’, como de obrigar stricto sensu. A vinculação, a
dívida e a obrigação se confundem. O oferente ainda não deve, a fortiori ainda não é
obrigado, mas vinculado fica, exceto se na oferta estabeleceu restrições, ou se a
invinculabilidade resulta do tipo mesmo do negócio jurídico, ou de circunstâncias do caso
concreto”266 .
E deixando absolutamente claro o seu entendimento sobre o sentido e alcance do
verbo obrigar contido no art. 1080, conclui o mesmo Autor: “Ora, vincular-se à oferta é
não poder revogá-la, a despeito da defeituosa terminologia de algumas regras jurídicas
(v.g. artigos. 1080, verbo ‘obriga’, e 1081, verbo ‘obrigatória’, que empregam
obrigatoriedade no sentido de vinculação)”267.
Essa infelicidade terminológica, se por si só não é capaz de explicar inteiramente a
distorção interpretativa do art. 1080 do Código Civil de 1916, certamente contribui muito
para a sua compreensão.
O certo é que essa interpretação inicial e profundamente equivocada passou a ser
rotineiramente repetida por não poucos e eminentes civilistas, contemporâneos ou não a
BEVILAQUA, até se converter na proverbial doutrina dominante.
Assim CARVALHO DE MENDONÇA, para quem “a lei obriga o proponente a mantê-la
[a proposta], salvo os casos que estabelece [...]. Retirando a proposta nos casos em que não
o pode fazer, o proponente responde por perdas e danos” 268.
No mesmo sentido, MIGUEL MARIA
DE
SERPA LOPES, que afirmou ser “fora de
qualquer dúvida que a oferta ou a proposta de contrato, obrigando o proponente, torna-o
responsável pela sua manutenção [...]. Na proposta feita com os requisitos legais há uma
266
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1962. t.
38, § 4194, p. 48-49 (destaquei).
267
Id. Tratado de direito privado. 4. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1983. t. 5, p. 7 (destaquei).
268
CARVALHO DE MENDONÇA, José Xavier. op. cit., p. 465-466 (destaquei).
119
obrigação [...]. Entendemos, pois, a oferta, como uma relação obrigatória decorrente da
lei [...].Quanto à responsabilidade, ela não é contratual. Todavia, ela se traduz na
composição pelas perdas e danos sofridos com a denegação da oferta” 269.
WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, por sua vez, ensinava que “a obrigatoriedade
da proposta constitui postulado universalmente proclamado por todas as legislações.
Violada, sujeita o policitante ao pagamento das perdas e danos”270, e
SILVIO
RODRIGUES que “a lei impõe ao policitante o dever de manter sua proposta, sujeitando-o
às perdas e danos em caso de inadimplemento”
MÁRIO
DA
271
. Diferente não é a posição de CAIO
SILVA PEREIRA, para quem, “uma vez feita a proposta que constitui em si
mesma um negócio jurídico, a ela está o policitante vinculado [...] sujeitando-se à
reparação de perdas e danos se injustificadamente a retira” 272.
Em argumentação confusa, e pautando-se no direito francês, cujo sistema, como
visto, é o da revogabilidade da proposta, DARCY BESSONE parece entender que a
obrigatoriedade pressuposta pelo art. 1080 não teria o significado de irrevogabilidade,
pois “o proponente poderá revogar a proposta, ainda que respondendo pelo prejuízo
decorrente da revogação, e, revogando-a, impedirá a formação do contrato, porque o
acordo de vontades deve ser atual e não se poderá realizar quando, ao ser manifestada a
aceitação, a proposta já houver sido destruída pela revogação” 273.
Seguindo essa mesma linha de entendimento, JUNQUEIRA DE AZEVEDO sustenta que
“quanto ao descumprimento da oferta, deve-se entender, no sistema do CC, que há uma
diferença entre obrigatoriedade e revogabilidade, isto é, a oferta, ressalvadas as
269
SERPA LOPES, Miguel Maria. op. cit., p. 84-85 (destaquei).
270
BARROS MONTEIRO, Washington. Curso de direito civil: direito das obrigações. 12. ed. São Paulo:
Saraiva, 1977. 2. pt. - contratos, declarações unilaterais da vontade, obrigações por atos ilícitos, p. 15
(destaquei).
271
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos e das declarações da vontade. 30. ed. São Paulo: Saraiva,
2004. v. 3, p. 71: destaquei.
272
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: contratos. Declaração unilateral de vontade.
RESPONSABILIDADE civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 3, p. 39 (destaquei).
273
BESSONE, Darcy. Do contrato: teoria geral. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 128-129 (destaquei).
120
exceções, obriga (art. 1080), mas, antes da aceitação, pode ser revogada – quando,
então, o contrato não se fará e o inadimplemento da oferta se converterá em perdas e
danos”
274
. E mais. Cotejando os regimes do Código Civil de 2002 e do CDC, afirma que
“a obrigação que surge da oferta não tem o efeito próprio de vincular o ofertante ao futuro
contrato, se a retirada da oferta se dá antes da aceitação. A obrigação se converte em
perdas e danos. Já o Código de Proteção do Consumidor, diferentemente, dá eficácia
plena à oferta. Segundo o art. 35, e se assim quiser o consumidor, o fornecedor ficará
sujeito ao cumprimento forçado nos termos da oferta”275.
Encerrando essa relação meramente exemplificativa, pode-se citar, ainda, SÍLVIO DE
SALVO VENOSA, que chega inclusive a equivocar-se quanto ao regime da proposta de
contrato no BGB, dizendo que “no sistema do código alemão, a proposta é vinculativa e
deve ser mantida sob certo prazo e sob certas condições. Não se confunde a vinculação da
proposta com a sua revogabilidade. O ofertante pode deixar de realizar o negócio,
submetendo-se a perdas e danos. Não poderá fazê-lo, porém, se da proposta constar a
cláusula de irrevogabilidade” 276.
A jurisprudência de nossos tribunais acabou seguindo essa pista falta da doutrina.
Ilustrativa, a respeito, é a seguinte passagem do voto do desembargador ILTON CARLOS
DELLANDRÉA, proferido no julgamento de apelação perante o Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul: “[...] a proposta expressa não obriga ao cumprimento. SILVIO RODRIGUES,
comentando o artigo 1080 do Código Civil, que trata do assunto, é claro: ‘Tal regra se
firma na necessidade de assegurar a estabilidade das relações sociais [...] Por isso, a lei
impõe ao policitante o dever de manter sua proposta, sujeitando-o às perdas e danos em
caso de inadimplemento’. A obrigação de manter a proposta, pois, não necessariamente
274
JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antonio. Responsabilidade pré-contratual no Código de Defesa do Consumidor:
estudo COMPARATIVO com a responsabilidade pré-contratual no direito comum. In: Estudos e pareceres
de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 182-183 (destaquei).
275
Id. A boa-fé na formação dos contratos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 3, p. 83, 1992.
276
VENOSA, Sílvio de Salvo. A força vinculante da oferta no código civil e no código de defesa do
consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 8, p. 82, out./dez. 1993 (destaquei).
121
imporá a obrigação de cumpri-la. Então, mesmo que considere a propaganda veiculada
uma verdadeira proposta, ainda assim a resolução se dará no plano indenizatório”
277
.
Nesse mesmo sentido, assim, equivocado, também é o voto vencedor do
desembargador EDUARDO PEDRO
DA
LUZ, nos autos de apelação perante o Tribunal de
Justiça de Santa Catarina: “A obrigatoriedade da proposta indica que o proponente não
poderá retirá-la, revogá-la ou modificá-la arbitrariamente, e se o fizer ficará sujeito ao
pagamento das perdas e danos (Washington de Barros Monteiro. Curso de Direito Civil,
5º vol., p. 15; Serpa Lopes. Curso de Direito Civil, 3º volume, p. 93; Silvio Rodrigues,
Direito Civil, vol. 3º p. 76)”
278
.
Assim também o voto do relator e desembargador CUNHA CINTRA, ao julgar apelação
interposta perante o Tribunal de Justiça de São Paulo: “O direito do autor está
consubstanciado no artigo 1080 do Código Civil, pelo qual ‘a proposta de contrato obriga o
proponente’, de maneira que o rompimento implica na responsabilidade daquele que o
279
causou, em relação aos prejuízos sofridos pela outra parte”
.
3.3. A ineficácia da revogação de proposta irrevogável
Antes mesmo de entrar em vigor o Código Civil de 1916, EDUARDO ESPINOLA,
analisando o “Projeto Bevilaqua”, já comentava que “conforme a moderna orientação
jurídica, a retirada da proposta dentro do prazo estabelecido não gera simplesmente uma
indenização por perdas e interesses, se a aceitação é fornecida em tempo: considera-se o
277
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça, 10º Grupo Cível, Embargos infringentes n. 599.212.396,
Acórdão de 28 maio 1999, Relator: Ilton Carlos Dellandréa, p. 2-3 (destaquei).
278
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça, 1ª Câmara Cível, Apelação n. 6.331, Acórdão de 3 jul. 1969,
Relator: Alves Pedrosa. IN: Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 413, p. 332-33, mar. 1970, p.333
279
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça, 4ª Câmara de Direito Privado, Apelação n. 82.941-4/9, Acórdão de 23
abr. 1998, Relator: Cunha Cintra.
122
contrato
realmente
formado
e,
assim,
plenamente
eficazes
as
obrigações
decorrentes”280.
Dizia ainda, o mesmo Autor, em nota de rodapé referente à mesma passagem, que
“no caso em que o proponente se retrate, a tradição francesa limita sua responsabilidade à
satisfação das perdas e interesses [...]. Sobre o moderno conceito escreve PLANIOL:
‘Propõe-se atualmente ir mais longe: o ofertante seria obrigado a manter sua oferta
durante todo o prazo, de sorte que sua retratação sobrevinda antes do termo fixado é
inoperante; a primeira vontade é considerada subsistente ainda, e a aceitação feita no
prazo operaria a conclusão do contrato. Nesse sistema, a parte que recebeu a oferta tem
direito de exigir a execução integral do contrato, notadamente a entrega das mercadorias.
Se ela não o obtém, a situação é de contrato plenamente formado não executado’. É este
o princípio expressamente estabelecido pelo art. 145 do Cód. Civ. alemão, como também
o é pelo [então] art. 1082 do Projeto Bevilaqua” 281.
Anos mais tarde, PONTES DE MIRANDA, familiarizado que era com o direito alemão,
uniu-se a este entendimento de ESPINOLA, reiterando-o em diversas passagens de seu
“Tratado”, como esta por exemplo: “A regra é que a oferta, ao chegar ao aceitante, seja
eficaz e não possa ser revogada, salvo se subordinada a prazo [...]. Se o ofertante a retira,
antes da chegada da aceitação, nem por isso deixa essa de ser eficaz” 282.
Em outro passo, asseverou o mesmo Autor: “A revogabilidade retira a vox, de modo
que se volta ao status quo. Não há indenizabilidade, porque quem revoga só o faz porque
pode revogar. A revogação do irrevogável é sem qualquer eficácia. Não se confunde
com a resolução, que re-solve, desfaz a eficácia como se desfizesse o próprio negócio
280
ESPINOLA, Eduardo. Systema do direito civil brasileiro: theoria geral das relações jurídicas de obrigação.
Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1912. v. 2, t. 1, pt. 1, p. 629-630.
281
Id. Ibid., p. 630, nota 240 (destaquei).
282
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado, cit., 1977, t. 13,§ 1454, p. 93
(destaquei).
123
jurídico, sem ser pela retirada da vox, que parte do mundo fático. Nem com a denúncia.
Nem com a resilição” 283.
Diz mais: “Para se explicar a irrevogabilidade de certas ofertas pensou-se em haver,
nelas, promessa de obrigação de não fazer. Verdade é que, revogada [uma oferta
irrevogável], a aceitação a teria tornado parte do contrato, em vez de ter o oferente de
prestar perdas e danos”284.
E numa das passagem mais brilhantes sobre o tema, escreveu também PONTES
DE
MIRANDA: “No mundo de hoje, tem-se de proteger, em mais larga extensão, a boa-fé,
porque a intensidade da vida, a circulação incessante, a deslocação das pessoas e das
coisas não permitem que se conheçam, sempre, todos os dados de que se precisa para
se saber exatamente qual a situação jurídica. A ciência jurídica e a técnica jurídica
legislativa foram descobrindo casos em que seria proveitoso amparar o que confiou,
dando-se eficácia a negócios jurídicos, que não na teriam, sem novas regras jurídicas sobre
a boa fé, ou tornando-se fatos jurídicos fatos que, antes, a despeito da boa fé dos figurantes,
não no seriam (= não entrariam no mundo jurídico): então, e só então e nessas espécies,
Bona fides tantumdem praestat quantum veritas (L. 136, D., de diversis regulis iuris
antiqui, 50,17)” 285.
3.4. O caso do direito português
Digno de nota é a gênese do princípio da irrevogabilidade da proposta de contrato no
direito português.
283
Id. Tratado de direito privado. 4. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1977. v. 25, § 3075, p. 270
(destaquei).
284
Id. Tratado de direito privado. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954. t. 2, § 223, p. 413-414 (destaquei).
285
Id. Tratado de direito privado. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954. t. 1, § 44, p. 138-139 (destaquei).
124
Com efeito, o Código Civil português de 1867 dispunha que “o proponente é
obrigado a manter a sua proposta, enquanto não receber resposta da outra parte, nos
termos declarados no artigo precedente. É responsável pelas perdas e danos, que possam
resultar da sua retratação”
286
.
Todavia, o Código Civil de 1966, a exemplo do BGB e do Código Civil brasileiro de
1916, adotou princípio diametralmente oposto ao Diploma anterior, qual seja a
287
irrevogabilidade da proposta de contrato
.
O comentário de INOCÊNCIO GALVÃO TELLES sobre o sentido e alcance deste
princípio no direito português atual é impecável: “A lei diz que a proposta de contrato
obriga o proponente (art. 228). Mas, verdadeiramente, dela não emerge um vínculo
creditório. O proponente não tem de realizar qualquer prestação, positiva ou negativa,
pelo simples fato de haver feito a proposta. Esta não constitui, por si, uma fonte de
obrigação. O que a lei pretende significar é que a proposta é irrevogável. O seu autor
não pode retirá-la, sendo irrelevante a declaração que faça neste sentido. Diverso era o
sistema do Código anterior, que considerava possível revogar a proposta até à ultimação do
contrato, embora estabelecendo para o proponente a obrigação de não proceder assim e
constituindo-o pois em responsabilidade pelos prejuízos a que a revogação desse origem
quando ele a praticasse (art. 653)” 288.
E concluindo o seu pensamento, acrescenta o mesmo Autor: “Há aliás que distinguir
duas fases: a que vai até ao recebimento ou conhecimento da proposta pelo destinatário; a
que se segue a esse recebimento ou conhecimento. Na primeira fase a proposta é
revogável (sem qualquer responsabilidade para o proponente); só na segunda se torna
irrevogável. Por conseguinte, se o proponente revogar a proposta e a revogação for
recebida ou conhecida pelo destinatário antes de esse receber ou conhecer a própria
proposta, ou ao mesmo tempo, fica a proposta sem efeito. A revogação apenas será
286
CCpt-1867, art. 653 (destaquei).
287
CCpt-1966, art. 230, n. 1: “Salvo declaração em contrário, a proposta de contrato é irrevogável depois de
ser recebida pelo destinatário ou de ser dele conhecida”.
288
GALVÃO TELLES, Inocêncio. op. cit., p. 51-52 (destaquei).
125
inoperante, mantendo-se a proposta de pé, no caso oposto de a recepção ou o
conhecimento da proposta se dar antes da recepção ou conhecimento da revogação289.
Penso que as cristalinas ponderações de EDUARDO ESPINOLA, PONTES DE MIRANDA e,
no direito português atual, GALVÃO TELLES, não deixam dúvidas quanto à verdadeira mens
legis do art. 1080 do Código Civil de 1916, atual art. 427 do Código Civil de 2002, que ao
dispor que a “proposta de contrato obriga o proponente” introduziu no direito brasileiro,
em termos idênticos ao direito alemão, o princípio da irrevogabilidade da proposta de
contrato, de tal modo que a (tentativa de) revogação de proposta irrevogável é ato
completamente ineficaz, como se inexistisse para o direito.
Não deixa de ser interessante o fato de que, muito embora o Código Civil italiano,
por seu artigo 1328290, tenha adotado expressamente o princípio da revogabilidade da
proposta, no artigo seguinte, ao prever a hipótese de proposta irrevogável por vontade
291
do proponente, foi taxativo ao dizer que “a revogação é sem efeito”
.
Pelo princípio da irrevogabilidade, a declaração originária da proposta mantém-se de
pé, conservando todo o seu viço e eficácia, até o advento de alguma condição que enseje a
sua caducidade (decurso de prazo expresso ou implícito, recusa pelo oblato, etc.) ou o
resultado a que naturalmente se destina a proposta: a aceitação do oblato.
Mesmo tendo declarado, o proponente, a intenção de revogar a sua proposta,
sobrevindo tempestivamente a aceitação do oblato, o contrato se forma. A partir deste
momento, já se está no campo contratual, de modo que eventual recusa do proponente a
cumprir as obrigações que lhe tocam no contrato recém-formado, receberá as respostas que
o direito têm reservadas ao inadimplemento contratual; não mais o “descumprimento” da
proposta, como impropriamente se diz (proposta não se “cumpre” nem se “descumpre”;
proposta se “faz”).
289
Id. Ibid., p. 52 (destaquei).
290
CCit, art. 1328: “A proposta pode ser revogada enquanto o contrato não se concluir”.
291
CCit, art. 1329: “Se o proponente se obrigou a manter firme a proposta durante certo tempo, a
revogação é ineficaz” (destaquei).
126
SEÇÃO B: EFEITOS DA OFERTA AO PÚBLICO
127
CAPÍTULO 10: ART. 30 DO CDC – UM NOVO CONCEITO DE OFERTA?
Muito embora os artigos 30 e 35 do CDC estejam inseridos em seção intitulada “Da
oferta”, tenho que as hipóteses-de-fato de ambas as normas não se referem, de nenhum
modo, à figura da oferta contratual, quer na modalidade proposta de contrato, quer na
de oferta ao público – ao contrário do que pensa a maioria, para não dizer totalidade, dos
292
juristas que vêm comentando esses dispositivos
.
Deveras, ao dizer que “toda informação ou publicidade, suficientemente precisa,
veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços
oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e
integra o contrato que vier a celebrado”, o art. 30 não tratou da oferta ao público, mas do
revolucionário princípio da integração publicitária do contrato, que embora de certa
forma relacionado com a figura da oferta ao público, com ela não se confunde.
Suponha-se que no Código Civil vigente inexistissem os artigos 427 a 435, e que o
Código Civil de 1916 também não tivesse abrigado as normas dos artigos 1081 a 1087.
Suponha-se, além disso, que nem a doutrina brasileira, tampouco a jurisprudência tivessem
haurido dos direitos estrangeiros as figuras da proposta de contrato e da oferta ao público, e
que portanto não houvesse em nosso direito qualquer tradição a respeito. Será que nestas
hipotéticas circunstâncias, de inexistência absoluta de qualquer referência a essas figuras
jurídicas, poder-se-ia afirmar, com honestidade, que os artigos 30 e 35 do CDC teriam
disciplinado a proposta de contrato ou a oferta ao público? Conteriam, estas normas,
realmente, uma descrição ainda que tênue, mínima ou indireta do fato “propor um contrato
a pessoa determinada” ou “propor um contrato ao público”?
292
Por todos: ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. A oferta no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo:
Lemos Editora, 1997, p. 15 e ss.
128
Parece-me que tais perguntas merecem uma resposta rotundamente negativa.
Nesse sentido, a evolução do direito positivo argentino quanto à admissão da oferta
ao público é muito eloqüente. Vimos que o art. 1148 do Código Civil daquele país
estabeleceu expressamente que a oferta contratual “deve ser a pessoa ou pessoas
determinadas”, excluindo, portanto, a possibilidade jurídica da oferta ao público.
Ora, quando em 1993 o legislador argentino decidiu introduzir nas relações B2C as
figuras da oferta ao público e da integração publicitária do contrato, não o fez por
intermédio de um único dispositivo apenas, e sim dedicando um artigo distinto para cada
293
uma delas
, eis que distintas são essas figuras.
A verdade é que o art. 30 do CDC, definitivamente, não disciplina a oferta ao
público, tampouco a proposta de contrato, mas tão-somente a integração publicitária dos
contratos para consumo.
O mesmo se deve dizer do art. 35: trata-se de norma jurídica que se refere
exclusivamente à fase contratual, pois partindo da pressuposição de que a simples
aceitação da oferta do fornecedor pelo consumidor já enseja a constituição plena do
contrato, dispõe sobre os meios de execução específica das obrigações contratuais, na
hipótese de inadimplemento do fornecedor.
Aqui também, mais uma vez, a infelicidade terminológica do legislador tem sido
fonte de equívocos interpretativos. A lei fala em “recusar cumprimento à oferta”
294
,
quando na realidade, o que efetivamente quis dizer, foi recusar cumprimento ao
contrato, formado pela aceitação da oferta do fornecedor pelo consumidor.
293
Confira-se o teor e sobretudo os titulos de cada um desses arigos da LPDC: “Art. 7º - Oferta. A oferta
dirigida a consumidores potenciais indeterminados, obriga a quem a emite durante o tempo em que se
realize, devendo conter a data precisa de começo e de finalização, bem assim suas modalidades,
condições ou limitações” (negritei e sublinhei). “Art. 8º - Efeitos da Publicidade. As especificações
formuladas na publicidade ou em anúncios prospectos, circulares ou outros meios de difusão obrigam ao
oferene e se têm por incluídas no contrato com o consumidor” (negritei e sublinhei).
294
CDC, art. 35, caput (destaquei).
129
Como procurei salientar anteriormente, a oferta de contrato não é algo passível de ser
cumprido ou descumprido, pelo simples e evidente motivo de que é tão-somente isso,
uma oferta, e não um contrato.
Oferta é algo que se faz, e uma vez feita e aceita pelo oblato, transmuda-se,
juntamente com a aceitação, em contrato, de modo que eventual descumprimento do
ofertante em relação ao conteúdo de sua oferta não mais constitui descumprimento desta, e
sim do próprio contrato já plenamente formado pela aceitação correspondente.
Daí discordar da opinião de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, segundo a qual o art. 35
do CDC teria “disciplinado a oferta ao público”
295
, ou de JUNQUEIRA DE AZEVEDO, para
quem “o CDC equiparou, à oferta, a informação ou a publicidade ‘suficientemente
precisa’ (art. 30)” 296.
Aliás, neste particular, penso que por mais precisas que possam ser as informações
veiculadas em determinada mensagem publicitária, se juntas elas não delineiam um
contrato definido, ainda que em seus elementos mínimos, tais informações não constituem
oferta ao público, muito embora tenham aptidão para integrar o conteúdo dos contratos
que eventualmente vierem a ser celebrados pelos consumidores instigados pela publicidade
comercial, consoante prevê explicitamente o art. 30.
O contrário equivaleria a atribuir arbitrariamente ao vocábulo “oferta” um
significado jurídico completamente distinto de “proposta”, como o fez, por exemplo,
FERNANDO GHERARDINI SANTOS, ao sustentar que “a oferta, diferentemente da proposta,
não precisa conter todos os elementos do contrato para ser obrigatória, bastando, para
tanto, que contenha informações ‘suficientemente precisas’, ou seja, que contenha um
mínimo de concisão capaz de esclarecer, ao consumidor comum, sobre uma ou mais
295
PEREIRA, Caio Mário da Silva. op. cit., p. 39.
296
JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antonio. Responsabilidade pré-contratual no Código de Defesa do Consumidor,
cit., p. 182 (destaquei).
130
características do produto”297. Todavia, essa distinção semântica não encontra aparo legal,
tampouco paralelo em nenhum direito estrangeiro.
O certo é que desde o início da vigência do CDC até os dias de hoje, a maioria dos
juristas que vem comentando os artigos 30 e 35 vê neles, invariavelmente, uma “nova
298
noção de oferta”
, um “novo paradigma”
299
, que “a definição clássica de oferta
contratual foi consideravelmente modificada e ampliada pelo diploma consumeirista”
300
,
que “a oferta moderna, disciplinada pelo CDC, não corresponde, in totum, a vetusta
figura jurídica da proposta [...], não mais condizente com a situação sócio-econômica
301
hodierna”
, e assim por diante.
Ocorre que nesse afã de vislumbrar novas facetas da oferta contratual, acabou-se
302
descuidando – salvo algumas pinceladas muito tênues da doutrina
– do verdadeiro
substrato do art. 30 do CDC, o seu elemento verdadeiramente revolucionário, qual seja o
princípio da integração publicitária dos contratos para consumo.
297
SANTOS, Fernando Gherardini. Direito do marketing: uma abordagem jurídica do marketing empresarial.
São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2000. p. 150-151 (destaquei).
298
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. São Paulo: Ed. Revista
dos Tribunais, 2002. p. 599 e ss.
299
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos. op. cit., p. 267 e ss.
300
CARVALHO, Ana Paula Gambogi. Contratos via internet segundo os ordenamentos jurídicos alemão e
brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 66 e ss.
301
SANTOS, Fernando Gherardini. Direito do marketing. op. cit., p. 142.
302
Assim ALBERTO AMARAL JÚNIOR, quando em 1995 escreveu: “Qualquer declaração de vontade do
fornecedor, desde que revele a precisão suficiente, terá caráter vinculante, o que significa que o seu
cumprimento poderá ser exigido judicialmente [...]. A publicidade passará a integrar o contrato
concluído com o consumidor como verdadeira cláusula extra, não escrita, mas que produzirá todos os
efeitos legais (O princípio da vinculação da mensagem publicitária. Revista de Direito do Consumidor,
São Paulo, n. 14, p. 48-49, abr./jun. 1995)”. No mesmo sentido, mas sem se aprofundar no tema,
CLAUDIA LIMA MARQUES: “Aceita a proposta feita através de publicidade, o conteúdo da publicidade
passará a integrar o contrato firmado com o consumidor, como se fosse uma cláusula extra, não escrita,
mas cujo cumprimento poderá ser exigido, mesmo de maneira litigiosa perante o judiciário” (Contratos
no código de defesa do consumidor. op. cit., p. 625).
131
Na impossibilidade de analisar neste passo todas as abordagens doutrinais pautadas
neste prisma – a meu ver, profundamente equivocado –, limito-me à mais significativa
delas.
Refiro-me à exegese de ALCIDES TOMASETTI JR., que a menos de dois anos da
promulgação do CDC escreveu: “Na lógica do Código Civil, em matéria de formação do
contrato, um dever de prestar nasce para o proponente apenas depois da conclusão do
contrato – negócio jurídico de formação no mínimo bilateral – pelo intermédio da
soldagem (no plano da eficácia) das conseqüências respectivamente típicas aos negócios
jurídicos unilaterais contrapostos que se chamam oferta e aceitação [...]. Muito
diversamente do modelo do Código Civil, no art. 35, caput e inciso I, do CDC, vem para
logo atribuídos ao consumidor – com independência de que este previamente declare a
respectiva aceitação – o direito, a pretensão e a ação tendentes a obter do fornecedor, não
a execução específica de prestação prometida em contrato já concluído, mas sim o
cumprimento forçado de uma obrigação, unilateralmente contraída pelo fornecedor,
desde o momento em que foi veiculada a oferta [...]” 303.
Não obstante esta exegese, num primeiro momento, tenha me seduzido, após as
pesquisas e estudos que propiciaram a elaboração desta tese cheguei à conclusão de que
ela, na verdade, não encontra amparo no CDC, nem no Código Civil, tampouco no direito
contratual de nenhum dos países pesquisados.
Com efeito, não há como uma oferta ao público, ipso facto, possa gerar uma
obrigação stricto sensu de efetuar a prestação de produtos ou serviços a que se refere, sem
a aceitação de um consumidor determinado. Em algum momento é necessário ocorrer a
determinação subjetiva de um dos destinatários da oferta ao público, mediante a
indispensável aceitação formadora do vínculo contratual, a qual, como sabido, as mais das
vezes, manifesta-se tacitamente, por facta concludentia.
303
TOMASETTI JR., Alcides. O objetivo de transparência e o regime jurídico dos deveres e riscos de
informação nas declarações negociais para consumo. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 4,
p. 63-65, 1992.
132
No dizer de PONTES DE MIRANDA, “a vincularidade e a obrigação de prestar são
conceitos distintos, o segundo deles posterius, eventual, lógico, do primeiro. O oferente
não é obrigado a contratar; ofereceu contrato, deu o primeiro passo para a conclusão dele,
com a sua declaração de vontade. A outra declaração de vontade, concordante, faria o
contrato” 304.
A verdade é que em matéria de oferta contratual – exceção feita ao princípio da
integração publicitária do contrato, instituto que, embora conexo, com esta não se
confunde – o CDC não aportou nenhum elemento novo ao regramento já perfilhado
pelo Código Civil de 1916, hoje aperfeiçoado pelo Código de 2002, com a positivação da
oferta ao público e dos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato,
regramento que, corretamente interpretado e aplicado, sobretudo no que diz respeito ao
maltratado princípio da irrevogabilidade da proposta de contrato, fornece os subsídios
necessários ao enfrentamento dos incessantes desafios da economia de mercado
globalizada de nossos dias.
304
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado, cit. 1977, t. 13, § 1511, p. 221
(destaquei).
133
CAPÍTULO 11: LIMITES EFICACIAIS DA OFERTA AO PÚBLICO
1. A revogabilidade natural da oferta ao público
Na Alemanha, como visto, afora raríssimas hipóteses como a disponibilização de
Verkaufsautomaten ao público, hesita-se abandonar totalmente aquela concepção
individualista da declaração de vontade ad incertam personam preconizada por SAVIGNI,
de modo que ofertas de contrato veiculadas nos meios de comunicação de massa são
consideradas apenas invitatio ad offerendum.
Em seu clássico “La formazione dei conttrati”, GIOVANNI CARRARA, após rigorosa
comparação entre os direitos contratuais italiano, francês e alemão, propôs uma explicação
para essa postura aparentemente paradoxal da doutrina germânica dizendo que “o sistema
sobre o qual geralmente se constrói a proposta a pessoa indeterminada é o da livre
revogabilidade da proposta. Nos países, portanto, que acolhem o princípio da
revogabilidade, a proposta a pessoa indeterminada é admitida. Ao invés, naqueles em que
a proposta tem caráter de irrevogabilidade, a proposta a pessoa indeterminada é rejeitada”
305
.
Sob essa ótica, até que se poderia compreender a excessiva prudência dos alemães
em admitir que uma proposta de contrato ad incertam personam seja vinculativa, eis que
no direito alemão o princípio da irrevogabilidade é levado a sério pelos operadores do
direito.
134
306
Ocorre que a oferta ao público, em princípio
, é revogável, até mesmo no direito
dos países que adotaram o princípio da irrevogabilidade da proposta de contrato, de modo
que aquela cautela dos alemães não se justifica.
Sim. A oferta ao público é revogável por natureza!
Creio ter já demonstrado satisfatoriamente que esta modalidade de oferta contratual é
constituída de declaração de vontade não-receptícia, pois não se endereçando, a oferta ao
público, a pessoas predeterminadas, o seu recebimento é fato irrelevante para o
nascimento dos efeitos jurídicos que lhe são próprios.
Dessa característica decorre importante conseqüência lógica: se o BGB – assim como
o Código Civil de outros países que adotaram o mesmo princípio, como Brasil e Portugal –
subordina a irrevogabilidade da proposta de contrato à recepção desta pelo oblato, e se a
oferta ao público, ao contrário da proposta de contrato, é constituída de declaração de
vontade não-receptícia, é forçoso concluir que ela pode ser revogada a todo momento pelo
ofertante, em relação a todas as pessoas do público que ainda não tenham manifestado a
correspondente aceitação307.
Essa revogabilidade natural da oferta ao público, repita-se, dá-se inclusive naqueles
308
ordenamentos jurídicos – como o alemão, o brasileiro
309
e o português
– em que vigora
o princípio da irrevogabilidade da proposta de contrato.
305
CARRARA, Giovanni. op. cit., p. 192 (destaquei).
306
Digo “em princípio”, porque nada impede ao ofertante, sponte sua,torná-la irrevogável por certo tempo,
declarando-o nos próprios termos da oferta ao público.
307
Nas palavras de KÖNDGEN: “A peculiaridade de a oferta ao público ser constituída de declaração de
vontade não-receptícia tem como contraponto o fato de que, em face de todos aqueles que ainda não
tenham aceitado a oferta, ser esta revogável. A revogação precisa ser dirigida ao público da mesma
forma que o foi a oferta a revogada” (KÖNDGEN, Johannes. op. cit., p. 290).
308
CCbr-2002, art. 429, parágrafo único: “Pode revogar-se a oferta pela mesma via de sua divulgação,
desde que ressalvada esta faculdade na oferta realizada”.
135
Daí não haver qualquer incompatibilidade ou incoerência entre os artigos 427
(irrevogabilidade da proposta) e 429, parágrafo único (revogabilidade da oferta ao público)
310
do nosso Código Civil
, tampouco entre as alíneas 1 e 3 do art. 230 do Código Civil
311
português
.
Daí também ser de todo desarrazoado o temor dos alemães a admitir vinculatividade
a propostas de contrato ad incertam personam.
Lembre-se, apenas, que a revogação da oferta ao público deve se operar pelos
mesmos meios de publicidade pelos foi divulgada. Essa exigência, aliás, está presente na
maioria dos dispositivos que versam sobre a oferta ao público. Além dos já citados artigos
429, parágrafo único do nosso Código Civil, e 230, alínea 3 do Código Civil português,
cabe lembrar também o 1336, alínea 2 do Código Civil italiano.
2. Limites implícitos à eficácia da oferta ao público
Além da revogabilidade que lhe é conatural, existem outros limites implícitos à
oferta ao público.
No dizer de CAMERIERI “a oferta ao público tem implicitamente limites objetivos
(concernentes à própria capacidade do ofertante de satisfazer a demanda do público),
temporais (que se dessumem da natureza do contrato a cuja conclusão a oferta se destina,
da peculiaridade de seu conteúdo e dos usos) e subjetivos. Quanto a estes últimos –
continua o Autor – o caráter indeterminado da oferta ao público exclui sua vinculatividade
em relação àqueles contratos intuitu personae (mandato, sociedade, trabalho, etc.), sendo
309
CCpt-1966, art. 230, n. 3: “A revogação da proposta, quando dirigida ao público, é eficaz, desde que seja
feita na forma da oferta ou em forma equivalente”.
310
CCbr-2002, art. 427: “A proposta de contrato obriga [= é irrevogável] o proponente [...]”. CCbr-2002,
art. 429, parágrafo único: “Pode revogar-se a oferta [ao público] pela mesma via de sua divulgação,
desde que ressalvada esta faculdade na oferta realizada”.
311
CCpt-1966, art. 230, 1: “Salvo declaração em contrário, a proposta de contrato é irrevogável”. CCpt1966, art. 230, 3: “A revogação da proposta, quando dirigida ao público, é eficaz, desde que seja feita na
forma da oferta ou em forma equivalente”.
136
difícil, in concreto, imaginar que o ofertante assuma, a priori, o risco de ver aceita sua
oferta por pessoa a ele desconhecida” 312.
Aqui, sim, é honesto sustentar que ofertas desta natureza têm, efetivamente, a
natureza de invitatio ad offerendum.
2.1. Ofertas ao público de contratos intuitu personae
O art. 429 do nosso Código Civil estabelece que a oferta ao público equivale a
313
proposta de contrato, “salvo se o contrário resultar das circunstâncias e dos usos”
.
Ora, uma das “circunstâncias” que retira vinculatividade às ofertas ao público, a qual
é geralmente apontada pela doutrina dos países pesquisados, é o fato de terem por objeto
contratos intuito personae, em que as características ou qualidades pessoais do oblato são
determinantes e condicionantes da intenção de vincular-se do ofertante.
Vale dizer que, não sendo vinculantes na hipótese de versarem contrato intuitu
personae – tais como o contrato de trabalho, a sociedade de pessoas, a locação, o seguro,
etc. –, as ofertas ao público não conferem aos eventuais interessados o direito potestativo
de constituir o vínculo contratual com a sua aceitação (vinculação mínima).
No dizer de VIALARD, “na oferta ao público de contratos intuitu personae pode-se
dizer que o ofertante, muito embora dirija sua oferta a muitas pessoas, reserva-se a
faculdade, quer tacitamente, quer expressamente, de escolher, dentre os eventuais
interessados que manifestem aceitar a oferta, aquele ou aqueles com os quais deseja
contratar”
314
.
312
CAMERIERI, Fausto. op. cit., p. 116 (destaquei).
313
Destaquei.
314
VIALARD, Antoine. L’offre publique de contrat. op. cit., p. 784.
137
No Brasil, embora a doutrina não se tenha debruçado sobre esta particularidade, há
dois julgados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que parecem admitir a
existência de uma reserva implícita à oferta ao público de contratos intuitu personae.
O primeiro deles é da Primeira Câmara Cível e vem assim ementado: “Contrato.
Formação. Proposta. Em regra, a proposta de contrato tem a natureza de vinculante,
apresentando-se como unilateralmente irrevogável. Entretanto, se a proposta já nasce
precária, por ocorrer um dos motivos ressalvados no artigo 1080 do Código Civil, ela deixa
de ser vinculativa, não obrigando o proponente. A proposta de oferta ao público [sic] por
agente financeiro de imóvel a ser objeto de financiamento imobiliário pelo SFH, embora já
contenha os elementos essenciais à formação do contrato, sempre dependerá, por sua
natureza, do exame das condições da aceitação do terceiro, não significando, por isso
proposta vinculante [...]”
315
.
O segundo provém da Quarta Câmara Cível do mesmo Tribunal e sua ementa assim
reza: “Ação indenizatória. Oferta ao público de imóvel para locação não ilmporta proposta,
como definida no art. 1080 do Código Civil, sujeito que era o pretendente à aprovação de
seus dados cadastrais [...]”
316
.
2.2. Ofertas ao público singulares e múltiplas
Outro limite implícito à oferta ao público diz respeito ao número de potenciais
aceitantes que ela pode admitir.
Há ofertas ao público que são passíveis de serem aceitas por apenas uma
pessoa, gerando, por conseguinte, só um contrato. É o que ocorre, via de regra, quando o
objeto do contrato proposto é único, seja por envolver bem indivisível, seja infungível,
315
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça, 1ª Câmara Cível, Apelação n. 589.077.106, Acórdão de 6 mar.
1990, Relator: Tupinambá Miguel Castro do Nascimento.
316
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça, 4ª Câmara Cível, Apelação n. 589.047.240, Acórdão de 13 set.
1989. Relator: Aristides Pedroso de Albuquerque Neto.
138
seja, ainda, porque, mesmo sendo fungível o bem, o ofertante limita expressamente a oferta
a apenas uma unidade.
Oferta ao público desse gênero CAMERIERI a chama de “única”317, sendo
preferível, a meu ver, designá-la “singular”, como o faz MIRABELLI318.
Em contraposição, há ofertas ao público passíveis de serem aceitas por mais de
uma pessoa, o que ocorre, por exemplo, quando o objeto do contrato proposto é múltiplo
ou, sendo único, é divisível. Neste caso, embora tanto CAMERIERI319 quanto MIRABELLI320
as denominem de ofertas ao público plúrimas, prefiro chamá-las de múltiplas, vez que
aquele vocábulo não integra o nosso vernáculo, pelo menos até o momento.
Em geral, as ofertas ao público do comércio varejista são múltiplas, muito
embora, quanto ao número possível de aceitações, sejam limitadas, também
implicitamente, ao estoque de mercadorias de cada fornecedor, como visto.
Curioso notar, a propósito, que, em princípio, a venda on-line de softwares em
websites sequer sujeita-se a esta limitação numérica, haja vista a capacidade de reprodução
ilimitada deste tipo de mercadoria.
A importância prática desta distinção reside na circunstância de que a oferta ao
público singular se extingue ou caduca com a aceitação do primeiro interessado, enquanto
que em relação à oferta ao público múltipla – cujo objeto é certa pluralidade de bens ou de
serviços repetíveis – terão eficácia todas as aceitações que se enquadrarem nos limites de
estoque do ofertante, ou de sua capacidade de prestar os serviços ofertados – se outras
limitações não vierem especificadas expressamente nos termos da própria oferta.
317
Cf. Id. Ibid., p. 119.
318
Cf. MIRABELLI, Giuseppe. op. cit., p. 110.
319
Cf. CAMERIERI, Fausto. op. cit., p. 119.
320
Cf. MIRABELLI, Giuseppe. op. cit., p. 110.
139
PARTE IV: O PRINCÍPIO DA INTEGRAÇÃO PUBLICITÁRIA
DO CONTRATO
140
CAPÍTULO 12: FRANÇA – O VALOR CONTRATUAL DOS DOCUMENTOS
PUBLICITÁRIOS
1. Publicidade comercial e formação do contrato
Quase desnecessário dizer que a publicidade comercial exerce um papel decisivo na
formação da vontade de consumir bens e serviços disponíveis no mercado, de tal modo
que o Direito não poderia deixar de intervir também nesta seara, visando equilibrar não
apenas as relações B2C, como também as B2B, eis que os distúrbios da publicidade
também afetam gravemente a livre-concorrência entre empresários-fornecedores. Afinal de
contas, livre-concorrência e defesa do consumidor são faces da mesma moeda da economia
de mercado, consagrada no art. 170 da nossa Constituição.
Desincumbindo-se desse desiderato constitucional, o legislador ordinário, por
intermédio do CDC, e no que tange especificamente à publicidade comercial, positivou os
princípios da “identificação da publicidade”321, “veracidade”322, “não-abusividade”323,
“correção do desvio publicitário”324 e, por fim, “o princípio da integração publicitária dos
contratos para consumo”
325
ora sob comento, que me parece ter vocação para exercer o
321
CDC, art. 36: “A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a
identifique como tal”.
322
CDC, art. 37: “É proibida toda publicidade enganosa [...]: §1º É enganosa qualquer modalidade de
informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro
modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características,
qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços”
323
Idem.
324
CDC, art. 56, XII: “As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às
seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas
específicas: XII - imposição de contrapropaganda”.
325
CDC, art. 30, in fine.
141
papel de mais eficiente dos meios de controle da publicidade comercial enganosa ou
abusiva.
Ao introduzir este estudo, adiantei que o art. 30 do CDC inspirou-se
indubitavelmente no art. 8.1 da LGDCU espanhola. Ocorre que a partir de meados do
século passado, antes, portanto, do advento desse diploma legal espanhol de 1984, a
jurisprudência da Corte de Cassação francesa passou a destilar gradual e lentamente a
chamada “doutrina sobre o valor contratual dos documentos publicitários”, a qual parece
guardar intenso paralelismo com a figura da integração publicitária do contrato, nascida
posteriormente na Espanha. Senão veja-se.
2. A noção de documento contratual
Em monografia intitulada “A noção de documento contratual”,
FRANÇOISE
LABARTHE parte da acepção jurídica do vocábulo documento definindo-o como “todo
elemento gráfico ou dado informatizado que serve de prova ou de informação”326, para em
seguida passar à noção de documento contratual, dizendo que “são aqueles enviados ou
invocados por ocasião da celebração de um contrato, suscetíveis de vincular a título de
elemento contratual [...], que contribuem à formação ou à realização do contrato”327.
Segundo o Autor, os documentos contratuais são uma das vias pelas quais a vontade
das partes se exprime, de modo que para se captar adequadamente o verdadeiro conteúdo
do contrato, tais documentos devem ser sopesados e interpretados cuidadosamente, sob a
convicção de que o acordo contratual não se limita ao que foi estabelecido
verbalmente ou por escrito no instrumento principal: outros documentos periféricos há
que o complementam, aportando elementos às mais das vezes acessórios, mas nem por isso
desimportantes328.
326
LABARTHE, Françoise. La notion de document contractuel. Paris: LGDJ, 1994. p. 2 (destaquei).
327
Id. Ibid., p. 6.
328
Cf. Id. Ibid., p. 9.
142
3. A noção de documento publicitário
Para LABARTHE, o período contratual seria passível de ser dividido de acordo com a
função que desempenham os documentos característicos de cada fase. Há documentos que
são entregues à contraparte para (i) incitá-la a contratar, outros para (ii) facilitar as
negociações preliminares, outros, por fim, para (iii) descrever o objeto do contrato.
Naturalmente, os documentos que interessam ao tema desta tese pertencem ao
primeiro grupo, os quais, na França, convencionou-se denominar documentos
publicitários.
A publicidade comercial é multifacetada. Ela pode ser oral, quando se difunde por
rádio, televisão, cinema, etc; pode ser gráfica, como a exposição de produtos nas vitrinas
de lojas por exemplo, ou tomar a forma de plantas ou maquetes, o que é particularmente
freqüente no âmbito imobiliário; pode, ainda, ser escrita, servindo-se de inúmeros
suportes, como cartazes, folhetos, prospectos, jornais, etc. Essa lista, evidentemente, não é
exaustiva, e a cada dia, sob o influxo do incessante renovar-se da tecnologia, surgem novos
suportes publicitários.
A partir do momento em que determinado conteúdo publicitário adere a um suporte,
tem-se o que a jurisprudência francesa chama de “documento publicitário”, tomando o
vocábulo “documento” não apenas no sentido vulgar de texto ou escrito, mas em sentido
amplo, como tudo que pode servir de prova, de testemunho de algum fato.
JACQUES GHESTIN considera que os documentos publicitários são aqueles entregues
antes da conclusão do contrato, com o objetivo de incentivar a sua formação329.
MOUSSEROM, embora não os defina, assimila-os aos fatores de condicionamento, às
notícias, prospectos, catálogos e convites para ofertar330. A doutrina francesa, portanto,
parece levar em consideração apenas as formas escritas de documentação publicitária.
329
Cf. GHESTIN, Jacques. Traité de droit civil – la formation du contrat. 3. éd. Paris: LGDJ, 1993, p. 369.
330
MOUSSERON, Jean Marc. Technique contratuelle. Paris: Lefebvre, 1988, p. 113.
143
Segundo LABARTHE, na França, sempre que se perquire em juízo o valor contratual
da publicidade, pressupõe-se esta sob a forma exclusivamente escrita. Todavia, isso não
passa de mera constatação fática. Em tese, nada impediria considerar os documentos
orais, sonoros, digitais, gráficos e fotográficos como aptos a vincular contratualmente o
seu autor, quando certas palavras ou imagens determinaram a vontade da contraparte331.
Ocorre que tais formas de publicidade são geralmente vagas e subjetivas, sendo por
isso mesmo mais difícil encontrar decisões judiciais que tenham por objeto julgar se
determinada mensagem publicitária oral ou visual teve ou não valor contratual.
4. O valor contratual dos documentos publicitários
Durante muito tempo, a jurisprudência francesa não viu a publicidade comercial
senão sob a perspectiva do dolus bonus, recusando-se, pois, a considerá-la integrada ao
conteúdo do contrato.
A partir de meados do século passado, porém, passou-se a atribuir certo valor
contratual aos documentos publicitários, muito embora, na opinião de LABARTHE, ainda
não exista homogeneidade nos julgados, podendo-se dizer, no entanto, que a tendência é
reconhecer valor contratual a documentos que traduzem informações precisas e
detalhadas332.
Ainda que o documento publicitário não contenha todos os elementos essenciais do
contrato, ele pode ser extremamente preciso quanto ao detalhamento da coisa ou do
serviço publicitado. Ele pode, ao menos em parte, influenciar o consentimento da
contraparte, que vai esperar do produto ou serviço contratado as qualidades prometidas no
material publicitário. Se o instrumento contratual principal não registra todas essas
331
Cf. LABHARTE, op. Cit., p. 99-100.
332
Cf. Id., Ibid., p. 106.
144
características, é natural que as partes se fiem, para prestar seu assentimento ao negócio, no
conteúdo dos documentos publicitários333.
Em síntese, para a jurisprudência francesa, os documentos publicitários não têm, em
princípio, valor contratual. Todavia, eles assumem tal eficácia quando, nas circunstâncias
concretas do caso, estão presentes, basicamente, duas condições: (i) descrevem as
características precisas do produto ou serviço a que se referem e (ii) influenciam ou
determinam, pelo menos em parte, o consentimento da contraparte.
Veja-se, a seguir, uma seleção de julgados da Corte de Cassação francesa nesse
sentido.
5. A jurisprudência da Corte de Cassação
5.1. Incorporação imobiliária: promessa quanto a materiais empregados
na construção
Em sentença de 2 de abril de 1979, a Terceira Câmara Civil da Corte de
Cassação, a despeito da imprecisão do memorial descritivo da construção, justificou a
condenação de certa construtora a indenizar o proprietário de um imóvel, em razão das
infiltrações de água verificadas na garagem, no fato de que, à época da aquisição, o
proprietário confiou nas descrições detalhadas de um prospecto publicitário difundido pela
construtora, o qual mencionava que o solo da garagem seria revestido de placas de cimento
impermeável334.
333
Cf. Id. Ibid., p. 111.
334
Cf. GHESTIN, Jacques. op. cit., p. 370.
145
5.2. Incorporação imobiliária II: desatendimento à característica
construtiva
Em sentença de 23 de janeiro de 1979, ao improver um recurso interposto
contra a sentença que condenou o incorporador a responder pelos defeitos de construção de
certo empreendimento imobiliário, a Terceira Câmara da Corte de Cassação considerou
que, embora o instrumento contratual mencionasse que o centro comercial abrigaria um
hotel, certo documento publicitário remetido aos adquirentes à época do lançamento
descrevia em detalhes que a arquitetura utilizada para a construção dos pavilhões
respeitaria de modo especial os interesses dos adquirentes em ver resguardada a sua
intimidade. Por isso, por ter sido entregue o edifício com pavilhões dotados de amplas
vistas, incompatível com a anunciada privacidade, o incorporador, contrariando os seus
compromissos, foi condenado a indenizar os adquirentes335.
5.3. Incorporação imobiliária III: promessa de manter área verde
Segundo JACQUES MESTRE, a jurisprudência da Corte de Cassação, num
primeiro momento, considerava que os documentos publicitários confeccionados por uma
das partes no período pré-contratual não poderiam adquirir dimensão contratual e serem
como tal invocados em juízo pela outra parte, sem uma prova palpável da decisiva
influência desses documentos sobre o seu consentimento336.
Paulatinamente, porém, a Corte passou a dispensar essa prova, sob a
consideração de que os esforços de sedução despendidos na fase pré-contratual são muitas
vezes a fonte de compromissos firmes e precisos para quem os emite ou deles se utiliza.
335
Id., loc. cit.
336
MESTRE, Jacques. La force contractuelle de certains documents publicitaires. Revue Trimestrielle de
DroitCorte de Cassaçãoivil, Paris, n. 2, p. 363-364, avr./juin 1998.
146
Assim, em sentença de 17 de julho de 1997, a Terceira Câmara Civil
contempla o caso de incorporadora que, à época do lançamento de um loteamento em
condomínio, vende a certo casal a unidade identificada como “Lote 4”. Mais tarde, um
terreno lindeiro ao lote adquirido pelo casal, não pertencente ao condomínio, mas de
propriedade da incorporadora, é por esta desmembrado e agregado aos lotes 1 e 3.
O casal, sustentando que um dos fatores que o levou a adquirir o Lote 4 era a
circunstância de ladear e dar vistas a uma área verde, que não mais existia em razão de
edificação promovida pela mesma incorporadora nos lotes unificados, ajuíza demanda
indenizatória contra esta, que foi julgada procedente pela Corte de Apelação competente.
Ao recorrer da sentença perante a Corte de Cassação, a incorporadora sustentou
que (i) o vendedor é obrigado a entregar ao comprador apenas a coisa vendida e (ii)
somente as estipulações contratuais vinculam as partes, de modo que o casal não poderia,
posteriormente, prevalecer-se de documentos extracontratuais para alegar que o contrato
não teria sido inteiramente cumprido.
Todavia, a Terceira Câmara Civil rejeitou o recurso da incorporadora sob o
fundamento de que (i) o memorial descritivo e a planta do loteamento recebidos pelo casal
indicavam que o terreno lindeiro era uma área verde; (ii) o casal levou em consideração os
arredores para se decidir sobre a compra do lote; (iii) ao incluir no memorial descritivo e
na planta do loteamento a menção a uma área verde localizada no terreno lindeiro ao lote
adquirido pelo casal, a incorporadora havia assumido, perante este, a obrigação de manter a
área verde, não edificando nada sobre ela337 .
337
Cf. Id., loc. cit.
147
5.4. Compra-e-venda de máquina de preenchimento de cheques:
promessa de resultado
Afim de evitar a falsificação de cheques de sua conta bancária, uma empresa
compra certa máquina de preenchimento automático de cheques.
Pouco tempo depois, acaba sendo vítima da falsificação de dois cheques, o que
a leva a demandar o fabricante em juízo buscando a reparação de um prejuízo da ordem de
140.000 francos. Para tanto, apóia-se no argumento de que, no anúncio publicitário do
equipamento, o fabricante declara que a máquina proporcionava uma “segurança absoluta”,
e que os cheques eram “infalsificáveis”.
Ao contestar a demanda, o fabricante sustenta que o exagero é natural à toda
publicidade comercial, e que o comprador não pode ignorar que toda tecnologia tem os
seus limites.
Essa defesa, porém, não evitou que a Corte de Apelação competente declarasse
a procedência da pretensão indenizatória da compradora, sentença essa posteriormente
confirmada pela de 9 de setembro de 1997 da Câmara Comercial da Corte de Cassação,
sob o fundamento de que “os documentos publicitários obrigam plenamente seu autor, e de
modo particularmente intenso se implicam uma obrigação de resultado”338.
5.5. Distribuição de software infectado por vírus, como brinde pela
compra de revista
A editora de certa revista coloca à venda determinada edição, encartando no
interior do periódico, pelo preço habitual, e a título de brinde, um disquete contendo
software de gerenciamento de pequenos negócios.
338
Id., loc. cit.
148
Ocorreu que o software estava infectado por vírus, e certo assinante da revista
teve o seu computador seriamente danificado por isso.
Em face da demanda indenizatória movida pelo assinante, a editora, após
afirmar que (i) o software não fora confeccionado por ela e (ii) o disquete fora distribuído
gratuitamente aos assinantes, sustenta que ela não poderia ser considerada vendedora do
disquete, não devendo, por conseguinte, responder pelos danos por este causados.
A sentença da Corte de Apelação afastou tais argumentos, e na sentença de 25
de novembro de 1997, a Corte de Cassação a confirmou, ponderando que (i) a sentença
recorrida admitiu que o disquete fixado no interior da revista não podia separar-se
fisicamente dela antes da compra; (ii) a revista ostentava na capa um anúncio mencionando
a presença do disquete gratuito, visando com isso aumentar as vendas; (iii) sobre o
disquete figurava a logomarca “Soft et Micro”, acompanhada da indicação do nome da
editora como responsável por sua distribuição; (iv) a partir dessas comprovações, o tribunal
a quo concluiu que o disquete constituía um dos elementos integrantes do contrato de
venda da revista, de modo que a editora, como vendedora, devia responder pelas
obrigações decorrentes do contrato339.
339
Id., loc. cit.
149
CAPÍTULO 13: ESPANHA – O ART. 8.1 DA LGDCU
1. Prevenir e remediar
Bem observou JOSÉ MARIA CABALLERO LOZANO340 que o art. 8.1 da LGDCU
poder-se-ia desmembrar em duas partes autônomas.
A primeira delas cuida da vedação à publicidade enganosa, ao dizer que “a oferta,
promoção e publicidade dos produtos, atividades ou serviços, ajustar-se-ão à sua natureza,
condições, utilidade ou finalidade, sem prejuízo do estabelecido nas disposições sobre
publicidade”.
Já a segunda parte visa tutelar o chamado interesse contratual positivo do
consumidor, estabelecendo que “seu conteúdo [o da publicidade], as prestações próprias
de cada produto ou serviço, e as condições e garantias oferecidas, serão exigíveis pelos
consumidores ou usuários, ainda quando não figurem expressamente no contrato celebrado
ou no documente ou comprovante recebido”.
Ao fazer menção ao “estabelecido nas disposições sobre publicidade”, a primeira
parte do art. 8.1 referia-se, à época de sua promulgação (1984), ao “Estatuto de la
Publicidad” de 1964341.
340
341
Cf. CABALLERO LOZANO, José Maria. Eficacia contractual de la publicidad comercial en la jurisprudencia.
Actualidad Civil, Madrid, n. 13/25, p. 298, nota 13, mar. 1996.
Cujo art. 8 estabelecera o princípio da veracidade na atividade publicitária, nos seguintes termos: “Em
toda atividade publicitária, dever-se-á respeitar a verdade, evitando que se deformem os fatos ou que se
induza a erro. As afirmações relativas à natureza, composição, origem, qualidades substanciais ou
propriedades dos produtos ou prestação dos serviços objeto da publicidade serão sempre exatas e
suscetíveis de prova em qualquer momento”.
150
Todavia, pouco depois de promulgada a LGDCU, tiveram início na Espanha os
trabalhos preparatórios para a elaboração de uma nova lei de publicidade, em atendimento
à Diretiva 1984/450/CE, que visou harmonizar as disposições legislativas e administrativas
dos países-membros no tocante à publicidade enganosa342.
Fruto desses trabalhos foi a Lei 34, de 11 de novembro de 1988, dita “Ley General
de Publicidad” – doravante “LGP” – derrogatória do Estatuto da Publicidade de 1964,
motivo pelo qual, atualmente, é a esta última lei a que se deve entender a remissão do art.
8.1 da LGDCU às “disposições sobre publicidade”.
Ora, os instrumentos de combate à publicidade enganosa previstos na LGP
restringem-se às ações de retificação e cessão da publicidade, de caráter apenas
preventivo, portanto. Todavia, embora capazes de impedir o consumidor de tomar uma
decisão equivocada na hora de escolher uma das opções existentes no mercado, tais
medidas não resolvem uma faceta relevante do problema: a dos efeitos danosos da
publicidade enganosa já produzidos, ou no dizer de EDUARDO CORRAL GARCÍA, a
frustração de se comprovar que, depois de escolhido e contratado o produto anunciado, sua
qualidade não corresponde ao que se poderia legitimamente esperar em função do
conteúdo da mensagem publicitária que influiu na decisão de contratar esse e não outro
bem ou serviço343.
342
Essa Diretiva, após considerar que “a publicidade enganosa pode ocasionar uma distorção da
concorrência no seio do mercado comum” e que “a publicidade, leve ou não à celebração de um
contrato, afeta a situação econômica dos consumidores”, declara em seu primeiro artigo que “terá por
objeto proteger aos consumidores e as pessoas que exercem uma atividade comercial, industrial,
artesanal ou liberal, assim como os interesses do público em geral contra a publicidade enganosa e suas
consequências desleais".
151
O art. 8.1 da LGDCU cumpre exatamente essa função corretiva, eis que possibilita
ao consumidor, em última análise, exigir do fornecedor, seja qual for o veículo utilizado, o
cumprimento das condições negociais anunciadas na apresentação publicitária do produto
ou serviço contratado, mesmo que o teor do anúncio não figure expressamente no
instrumento contratual firmado pelas partes344.
Na feliz expressão de MIGUEL PASQUAU LIAÑO, a publicidade “heterointegra o
conteúdo da regulamentação contratual, passando a ser exigível não por derivação da
intenção presumida ou tácita das partes, mas por exigências objetivas do ordenamento
jurídico. Os contratos para consumo, portanto, obrigam não só ao expressamente pactuado,
senão a todas as condições e as respectivas conseqüências veiculadas pela publicidade
correspondente”345.
Na verdade, o princípio da integração publicitária do contrato insculpido no art. 8.1
da LGDCU tem origem numa construção pretoriana, erigida sobre a conjugação de outros
princípios maiores. O primeiro deles é o “princípio da boa-fé contratual” positivado no
1258 do Código Civil espanhol, de seguinte teor: “Os contratos se aperfeiçoam pelo mero
consentimento, e desde então obrigam não só ao cumprimento do expressamente
pactuado, como também a todas as conseqüências que, segundo sua natureza, sejam
conformes à boa-fé, ao uso e à lei” (destaquei).
O segundo princípio, de natureza eminentemente hermenêutica, foi positivado no
art. 1282 do mesmo Código, e estabelece que “para se interpretar a intenção dos
contratantes, dever-se-á observar principalmente os atos destes, coetâneos e posteriores
ao contrato” (destaquei).
343
Cf. CORRAL GARCÍA, Eduardo. La protección de los consumidores a través de la eficacia contractual de la
publicidad. Actualidad Civil, Madrid, n. 38, p. 1401, 2000.
344
FONT GALÁN, Juan Ignacio. El tratamiento jurídico de la publicidad en la Ley General para la defensa de
los consumidores y usuarios. In: FONT GALÁN, Juan Ignacio; LÓPEZ MENUDO (Coord.). Curso sobre el
nuevo derecho del consumidor. Madrid: Instituto Nacional del Consumo, 1990. p. 60: “O preceito do art.
8.1 da LGDCU aporta uma inovação jurídica que supera a velha dogmática da formação e integração do
contrato".
152
Vale a pena examinar os precedentes jurisprudenciais mais importantes, que
aplicando às respectivas causas sub judice esses dois princípios insculpidos no Código
Civil espanhol, deram ensejo à consolidação da doutrina e, posteriormente, à norma do art.
8.1, consagradora do princípio da integração publicitária dos contratos para consumo.
2. Precedentes do Tribunal Supremo
2.1. Compra-e-venda de máquina industrial: promessa de resultado
Um empresário de Madri, dono de uma fábrica de “salazones y harinas de
346
pescados”
, compra de certa empresa uma máquina separadora-centrífuga. Insatisfeito
com o desempenho do equipamento, interrompe o pagamento das parcelas estipuladas no
contrato e notifica a vendedora para que substitua a máquina por outra que se ajuste ao
rendimento anunciado em sua publicidade comercial, ou que a retire de sua fábrica,
devolvendo-lhe a parte do preço já efetuado, e indenizando-lhe certos prejuízos que alega
ter sofrido347.
345
PASQUAU LIAÑO, Miguel. [Comentários ao art. 8.1-2 LGDCU]. In: BERCOVITZ RODRÍGUEZ–CANO,
Rodrigo; SALAS HERNÁNDEZ, Javier. Comentarios a la ley general para la defensa de los consumidores y
usuarios. Madrid: Civitas, 1992. p. 161.
346
O que se poderia traduzir por “pescados em conserva” ou “pescados em salmoura”.
347
Cf. ESPAÑA. Tribunal Supremo, Sala Primera, de lo Civil, Recurso de casación, Sentencia 14 jun. 1976,
Ponente: Antonio Cantos Guerrero. Repertorio de jurisprudencia, Pamplona, v. 1, verb. 2753, p. 2752,
1976.
153
A vendedora reage à notificação propondo perante o Juizado de Primeira Instância
de Madri uma ação de cobrança das parcelas inadimplidas, diante do que o comprador
contrapõe reconvenção pleiteando a substituição da máquina ou a devolução das parcelas
do preço até então adimplidas348.
O Juizado de Primeira Instância madrileno julga improcedente a reconvenção do
comprador e procedente a demanda da vendedora, condenando aquele a pagar a esta a
quantia de 185.000 pesetas, além de juros legais contados da propositura da demanda.
Interposto recurso de apelação pelo comprador, a Audiência Provincial de Madri mantém a
sentença recorrida quanto à condenação do comprador a pagar à vendedora a referida
quantia, mas reforma-a no tocante à improcedência da reconvenção, condenando a
vendedora: “(1) a retirar da fábrica [...] a máquina [...] por não corresponder, quanto às
características e rendimento, àquela que foi objeto do contrato; (2) a enviar à fábrica [...]
uma máquina [...] da mesma marca, mas que proporcione a facilidade de limpar automática
e perfeitamente as peças, evitando o trabalho de retirada de resíduos, e apresente um
rendimento, em azeite de pescado, de 2.000 a 2.3000 litros por hora, correndo por conta e
risco da vendedora os gastos de transporte e instalação da máquina nas devidas condições
de funcionamento, subordinando-se, todavia, tais obrigações, ao pagamento, pelo
comprador, das parcelas remanescentes do preço ajustado”
349
.
A vendedora, a seu turno, interpõe recurso de cassação da sentença perante o
Tribunal Supremo da Espanha, que resultou integralmente improvido pela sentença de 14
de junho de 1976, sob o principal fundamento de que “ainda que o modelo SC-350/AOI
seja efetivamente o contratado e entregue pela vendedora, o descumprimento do contrato
por parte desta não reside no fato de ter entregue um modelo distinto ao comprador, e sim
em não atingir, o modelo entregue, o rendimento anunciado na propaganda
fotográfica e gráfica acostada aos autos, que cumpre a função de uma oferta,
vinculante para a vendedora, na qual se indicava o rendimento horário de 2.000 a 2.300
348
Cf. Id., loc. cit.
349
Id., loc. cit.
154
litros, oferta pela qual se orientou o comprador. Irrelevante, no caso, a existência de uma
placa fixada à máquina indicando um rendimento inferior ao anunciado, a qual, aliás, era
desconhecida por completo do adquirente até o equipamento chegar à sua fábrica, pois
como sempre ocorre nestes casos, o comprador se ateve aos dados consignados na
publicidade comercial, que idubitavelmente tem o escopo de captação através da
350
propaganda”
.
Pois bem. A “informação” de que a máquina renderia “de 2.000 a 2.300 litros por
hora em azeite de pescado” não poderia ser mais objetiva e precisa. Certamente, ela não
deve ter figurado expressamente em nenhum dos instrumentos que documentaram o
contrato de compra-e-venda, constando apenas da “propaganda fotográfica e gráfica”
351
que instigou o empresário a adquiri-la e empregá-la em sua atividade industrial.
Isso não obstante, a sentença do Tribunal Supremo considerou que aquela
informação “cumpre a função de uma oferta, vinculativa para o vendedor [...], pela
352
qual se orientou o comprador”
– o que, de modo mais técnico, significa dizer que aquela
informação integrou o acordo de compra-e-venda da máquina, como se cláusula contratual
escrita fosse.
Pela primeira vez na Espanha reconheceu-se que as declarações publicitárias acerca
do objeto do contrato devem integrar o seu conteúdo. Digno de nota é a circunstância de
que esse reconhecimento se deu no âmbito de uma relação jurídica B2B.
350
Id., loc. cit.
351
Id., loc. cit.
352
Id., loc. cit. (destaquei).
155
2.2. Incorporação imobiliária: promessa de instalações nas unidades
autônomas e áreas comuns
Em 18 de abril de 1968, um particular e certa construtora firmam contrato
preliminar objetivando a compra-e-venda de determinada unidade autônoma de um
loteamento em condomínio localizado na cidade de Sevilha, na Espanha, então em fase de
construção.
O instrumento contratual, previamente redigido pela construtora, limita-se a
especificar o preço, as condições de pagamento e certas garantias da construtora relativas
ao adimplemento das parcelas a cargo promitente-comprador.
Quanto às características das unidades autônomas e das áreas comuns, o contrato
apenas o descreve genérica e superficialmente.
O que efetivamente incita o interesse do adquirente são os prospectos do
empreendimento distribuídos pela construtora, bem como algumas plantas confeccionadas
pelos arquitetos da construção, onde se especificam certos detalhes de conforto das
unidades, alguns elementos das áreas comuns e determinados serviços que seriam
disponibilizados aos condôminos353.
Todavia, ao receber a sua unidade, o adquirente constata uma série de deficiências
em relação aos itens anunciados no material publicitário, o que o leva a propor perante o
Juizado de Primeira Instância de Madri uma demanda de natureza cautelar, visando a
produção antecipada de provas, pela qual restam efetivamente comprovadas diversas
deficiências na obra.
Na seqüência, o promitente-comprador propõe ação de execução específica de
obrigação de fazer cumulada com pedido indenizatório, pela qual a construtora foi
condenada pelo Juizado de Madri a (i) realizar as obras necessárias para o isolamento
acústico da unidade do autor, (ii) instalar um sistema de ar-condicionado que atenda
353
Cf. ESPAÑA. Tribunal Supremo, Sala Primera, de lo Civil, Recurso de casación, Sentencia 27 enero 1977,
Ponente: Antonio Cantos Guerrero. Repertorio de jurisprudencia, Pamplona, v. 1, verb. 121, p. 120-122,
1977.
156
adequadamente toda a unidade e (iii) indenizar o autor pela ausência dos prometidos
serviços de cafeteria, salão de festas, berçário, restaurante, lavanderia, acessos adequados à
garagem, abatendo-se do preço da unidade estipulado no contrato os valores de tais
serviços, a serem apurados em liqüidação de sentença por intermédio de perícia
arquitetônica354.
A construtora interpõe apelação perante a Audiência Provincial de Madri, alegando,
em síntese, que (i) as instalações e serviços comuns pleiteados pelo adquirente não estão
contemplados no contrato, e que (ii) a construtora não está vinculada aos termos da
propaganda do empreendimento, que teria caráter meramente ilustrativo, de modo
que não deve responder pelas deficiências do imóvel em relação à publicidade apontadas
no laudo pericial da demanda cautelar movida pela autora.
Tais alegações sensibilizam a Audiência Provincial, levando-a a prover o recurso
da construtora e a cassar a condenação às obrigações-de-fazer e indenizar estabelecidas
pelo juízo de primeiro grau355.
No entanto, em recurso a seu turno interposto pelo adquirente, a sentença da
Audiência Provincial de Madri é cassada pelo Tribunal Supremo em sentença de 27 de
janeiro de 1977, restabelecendo-se in toctum a decisão do Juizado de Primeira Instância,
ao fundamento de que “sendo muito parco, o contrato subscrito pelas partes, em elementos
descritivos, é lógico – como salientou o juiz de primeira instância – que o adquirente do
imóvel se atenha ao prometido nos folhetos de propaganda, de acordo com o princípio da
boa fé proclamado no art. 1258 do Código Civil, ao considerá-los – com toda razão –
vinculantes para a construtora. Isso não bastasse, as plantas arquitetônicas, seguindo uma
linha de honradez profissional, correspondem, salvo pequenos detalhes, àquela linha de
promessas ao público constantes da publicidade comercial, e o laudo pericial acostado aos
autos – não impugnado pela construtora –, ao qual se ateve o juízo de primeiro grau,
aponta discrepâncias não somente em relação à propaganda vinculativa, mas também em
354
Cf. Id., loc. cit.
355
Cf. Id., loc. cit.
157
comparação às plantas oficialmente apresentadas pela construtora para fins de
cumprimento das exigências urbanísticas” 356.
2.3. Incorporação imobiliária II: promessa de instalação de piscinas e
áreas verdes
Ao lançar o loteamento denominado “Residencial San José”, certa construtora
promove
campanha
publicitária
anunciando,
dentre
outros
benefícios,
que
o
empreendimento contaria com “piscina para adultos, piscina infantil, água e áreas verdes”
357
.
Posteriormente, a construtora lança um loteamento lindeiro ao San José, e acena
com a pretensão de incorporar àquele a parte deste que seria destinada às piscinas e áreas
verdes anunciadas na publicidade.
Os condôminos do San José demandam a construtora em juízo, a qual sai vencida
nas duas instâncias, a despeito de ter alegado que as piscinas e áreas verdes não estavam
previstas nos respectivos contratos de venda das unidades autônomas.
Inconformada, interpõe recurso de cassação, que também resulta improvido por
sentença de 9 de fevereiro de 1981, que obriga a empresa construtora a transferir aos
condôminos do San José a titularidade do referido terreno
358
.
356
Id., loc. cit. (destaquei).
357
ESPAÑA. Tribunal Supremo, Sala Primera, de lo Civil, Recurso de casación, Sentencia de 9 feb 1981,
Ponente: Antonio Fernández Rodríguez.
358
Cf. Id., loc. cit.
158
Neste julgado, o Tribunal Supremo da Espanha fundamenta a relevância jurídica e
a vinculação obrigacional da publicidade na regra do art. 1282 do Código Civil espanhol,
segundo a qual “para se interpretar a intenção dos contratantes, dever-se-á atentar
359
principalmente ao atos destes, coetâneos e posteriores ao contrato”
.
Deveras, a ratio decidendi da sentença reside no entendimento de que a
obscuridade dos contratos de compra-e-venda obriga ao intérprete a considerar os atos
360
anteriores, coetâneos e posteriores das partes para captar-lhes a verdadeira intenção
.
Nesse mister, o Tribunal Supremo transporta ao conteúdo do contrato a
publicidade utilizada pela construtora na venda das unidades autônomas, ao pálio de que “o
que indubitavelmente serviu de público e geral oferecimento, e desde que não se tenha
361
excluído expressamente, está compreendido no contratado”
.
2.4. Síntese evolutiva: a tutela da confiança
O que há de comum nesses julgados é o fato de terem integrado ao regramento dos
contratos sub judice o conteúdo da publicidade acerca do objeto contratado, a qual, sobre
ser promovida por uma das partes, instigou a outra a celebrar o contrato.
Nota-se, todavia, que a fundamentação do que a doutrina espanhola passou a
362
chamar integração publicitária do contrato
não somente é diferente em cada sentença,
como evoluiu num sentido positivo de aperfeiçoamento.
359
Destaquei.
360
Cf. CABALLERO LOZANO, José Maria. Eficacia contractual de la publicidad comercial. op. cit., p. 297..
361
Cf. ESPAÑA. Tribunal Supremo, Sentencia de 9 febr. 1981, op. cit.
362
Por todos: FONT GALÁN, Juan Ignacio. La integracion publicitaria del contrato: un instrumento de derecho
privado contra la publicidad enganosa. Cuadernos de Derecho y Comercio, Madrid, n. 4, p. 7-47, dic.
1988.
159
Com efeito, na sentença de 14 de junho de 1976, para justificar a integração da
“propaganda fotográfica e gráfica” da máquina separadora-centrífuga ao contrato de
compra-e-venda em apreço, o Tribunal Supremo pautou-se na consideração de que a
publicidade “cumpre a função de uma oferta, vinculante para o vendedor”
363
.
Já na sentença de 27 de janeiro de 1977, o fundamento legal da integração
publicitária do compromisso de compra-e-venda de imóvel celebrado entre o adquirente e a
construtora foi o princípio da boa-fé contratual positivado no art. 1258 do Código Civil
espanhol.
Por fim, na sentença de 9 de fevereiro de 1981, o fundamento da integração
publicitária do contrato é a chamada “doutrina dos atos próprios” recolhida no art. 1282
do mesmo Código.
JUAN IGNACIO FONT GALÁN traduziu a relevância desses três precedentes para o
direito espanhol dizendo que “pouco a pouco, aquela boa ‘semeadura’ jurisprudencial vai
grassando, até que esta doutrina, por efeito de um fenômeno de fértil sinergia, contribui ao
progressivo reconhecimento e desenvolvimento da doutrina protetora da confiança
(vertrauenschutz), a qual, por sua vez, constitui um dos mais sólidos bastiões que
sustentam a doutrina da relevância e vinculatividade obrigacional das declarações
publicitárias”
364
.
Efetivamente, esses julgados do Tribunal Supremo da Espanha serviram de
referência a outros tantos, até que em 1984, o art. 8.1, segunda parte, da LGDCU veio a
positivar o princípio da integração publicitária do contrato, de modo a não mais pairar
dúvidas de que, no direito espanhol, as características dos produtos e serviços, bem como
as condições negociais divulgadas pela publicidade comercial “serão exigíveis pelos
363
Id., loc. cit.
364
FONT GALÁN, Juan Ignacio. La integracion publicitaria del contrato. op. cit., p. 21: destaques do original.
160
consumidores ou usuários, ainda quando não figurem expressamente no contrato
365
celebrado ou no instrumento ou comprovante recebido”
.
3. O sentido e alcance do art. 8.1 da LGDCU
Pelo princípio da integração publicitária do contrato positivado no art. 8.1 da
LGDCU, os conteúdos publicitários relativos a bens e serviços de consumo fazem parte do
concerto contratual havido entre fornecedores e consumidores, independentemente de o
instrumento subscrito fazer ou não menção expressa a eles.
Para
FONT GALÁN,
o
fundamento
lógico-jurídico
da
exigibilidade
ou
vinculatividade dos conteúdos publicitados não reside no contrato celebrado entre
fornecedor e consumidor, mas na confiança negocial e econômica criada por aquele no
ânimo deste mediante as suas declarações publicitárias366.
Os contratos obrigam não só ao expressamente pactuado, senão a mais coisas: a
todas as conseqüências, queridas ou não pelas partes, que decorrem da lei imperativa, dos
usos e sobretudo da boa-fé em seu sentido objetivo, que aplicada concretamente à
publicidade comercial, implica na vinculatividade de seu conteúdo, nos termos do art. 8.1
da LGDCU367.
O contrato, portanto, não é somente um ato de autonomia privada ou, dito de
outra forma, a autonomia privada não é a única fonte normativa do contrato: lei, usos e
boa-fé também integram o regramento contratual, de modo heterônomo, o que significa
dizer que atuam independentemente da vontade das partes que conceberam o contrato.
365
LGDCU, art. 8.1 (destaquei).
366
Cf. FONT GALÁN, Juan Ignacio. El tratamiento jurídico de la publicidad en la Ley General para la defensa
de los consumidores y usuarios, cit., p. 76.
367
Cf. PASQUAU LIAÑO, Miguel. op. cit., p. 161.
161
Segundo CABALLERO LOZANO, para o consumidor obter a proteção do preceito do
art. 8.1 da LGDCU não é preciso que demonstre a relação de causa e efeito entre a
publicidade e o contrato celebrado; basta que a publicidade seja coetânea ao contrato,
mesmo que o consumidor concretamente considerado tenha formado sua vontade com
independência da publicidade desenvolvida pelo fornecedor. E como exemplo, cita, o
Autor, a aquisição em supermercado de produtos vendidos momentaneamente com
desconto: mesmo ignorando tal desconto ao pegar o produto na gôndola, o consumidor tem
direito a levá-lo pelo preço anunciado nos autofalantes da loja368.
Como não poderia deixar de ser, a aplicação do dispositivo sob comento não deixou
de suscitar algumas divergências na doutrina espanhola. Assim, CORRAL GARCÍA sustenta
que nos casos em que existiu certa negociação entre fornecedor e consumidor, e o
conteúdo final do contrato resultou menos favorável a este do que o anunciado na
publicidade, esta exerce a função de estabelecer um “mínimo inegociável”, que sempre
poderá ser exigida pelo consumidor, pois o preceito, em sua globalidade, instaurou um
contrapeso à liberdade de negociar, em benefício dos próprios consumidores369.
MABEL
LÓPEZ
GARCÍA, porém, entende que o art. 8.1 deve ser aplicado em
conformidade com o ordenamento jurídico como um todo, devendo-se ter em conta que o
princípio da boa-fé e a liberdade contratual são fundamentais ao direito contratual
espanhol, de modo que o consumidor somente poderá exigir o cumprimento da publicidade
quando não tenha voluntariamente negociado outras condições com o fornecedor, salvo se
se tratar de contrato por adesão, hipótese em que se deve presumir, de forma absoluta,
que as condições distintas das anunciadas não foram pactuadas livremente pelo
consumidor370.
368
Cf. CABALLERO LOZANO, José Maria. op. cit., p. 299, nota 15.
369
Cf. CORRAL GARCÍA, Eduardo. La protección de los consumidores. op. cit. p. 7.
370
Cf. LÓPEZ GARCÍA, Mabel. La publicidad y el derecho a la información en el comercio electrónico.
Madrid: eumed. net, 2004: html: //www. eumed.net/cursecon/libreria/, consultado por exemplo em
18.10.2005, p. 77.
162
4. A jurisprudência em torno do art. 8.1 da LGDCU
Com o advento da LGDCU, a jurisprudência do Tribunal Supremo e das audiências
provinciais da Espanha, contando, então, com uma previsão legal expressa, pôde
consolidar a doutrina da integração publicitária do contrato. Eis os precedentes mais
significativos.
4.1. Sentenças do Tribunal Supremo
4.1.1. Desconformidade entre publicidade e objeto contratado:
indispensabilidade da prova
A sentença de 7 de novembro de 1988 versa sobre ação de resolução de
contrato de construção e venda de unidade autônoma com vaga de garagem, ajuizada pela
construtora contra o comprador, por inadimplemento deste quanto às parcelas estipuladas
no contrato. Em sua defesa, o demandado alega que a unidade que lhe foi entregue não se
ajusta às condições da oferta anunciada na publicidade comercial que precedeu a assinatura
do instrumento contratual.
Tanto o Julgado de Primeira Instância quanto a Audiência Provincial de Madri
entendem que o comprador não logrou provar a desconformidade entre o imóvel
entregue e a propaganda da construtora, de modo que em face da falta de pagamento
das prestações, reconheceu-se a procedência da pretensão resolutória da construtora.
Em sede de recurso de cassação, o comprador insiste nessa linha de defesa,
mas o Tribunal Supremo confirma a sentença da Audiência Provincial de Madrid, por
163
reconhecer ausente nos autos a prova da alegada disparidade entre o imóvel e sua
371
divulgação publicitária
.
O valor deste precedente, porém, está em que pela primeira vez se ouviram as
expressões “efeitos contratuais da publicidade” e “integração da publicidade ao conteúdo
contratual”. Deveras, embora sem uma relação direta com a ratio decidendi do caso, a Sala
Civil do Tribunal Supremo deixou expressamente registrado no corpo da sentença a
seguinte afirmação: “a publicidade sobre um objeto, sobretudo um objeto ainda não
existente, forma parte essencial da oferta, como reconhecido pela doutrina, e proclamado
pelo art. 8 da Lei 26/1984, e origina responsabilidade do ofertante”372.
4.1.2. Incorporação imobiliária: promessa quanto a armários
embutidos
A sentença de 21 de julho de 1993 trata de ação de rescisão de contrato de
compra-e-venda de imóvel ajuizada pelo adquirente contra certa incorporadora, sob a
alegação de que o apartamento adquirido foi-lhe foi entregue sem os armários embutidos
anunciados na campanha publicitária do empreendimento. A sentença de primeira instância
– posteriormente confirmada pela Audiência Provincial – reconhece, com fundamento nos
artigos 1258 do Código Civil e 8.1 da LGDCU, que a obrigação a cargo da incorporadora
compreende entregar o imóvel com os armários embutidos anunciados na publicidade
comercial, muito embora o instrumento contratual silencie a respeito deste item específico.
371
Cf. ESPAÑA. Tribunal Supremo, Sala Primera, de lo Civil, Recurso de casación, Sentencia de 7 nov. 1988,
Ponente: Antonio Carretero Pérez.
372
ESPAÑA. Tribunal Supremo, Sala Primera, de lo Civil, Recurso de casación, Sentencia de 7 nov. 1988,
Ponente: Antonio Carretero Pérez. Apud: GARCÍA DE LEONARDO, Angel Cuesta. El art. 8 LCU en la
jurisprudencia. Aranzadi Civil, Pamplona, t. 1, v. 2 , p. 129-148, 1999. p.131
164
Isso não obstante, a sentença declara que esse defeito construtivo representa
um inadimplemento apenas parcial da obrigação da incorporadora, o que não dá ao
adquirente o direito a rescindir por completo o contrato, mas apenas exigir dela a
instalação dos armários embutidos373.
A incorporadora interpõe recurso de cassação perante o Tribunal Supremo,
sustentando que a sentença teria cometido “infração por interpretação errônea”374 dos
artigos 1258 e 1591
375
do Código Civil, pois no seu entender “por não estarem previstas
no projeto as características construtivas e definidoras dos armários embutidos e demais
instalações, falta o pressuposto de fato para aplicar o direito, devendo-se salientar que as
obrigações que envolvem as partes são as contraídas mediante a assinatura do contrato,
sendo suas estipulações lei para as partes”376.
A alegação, todavia, foi rejeitada pelo Tribunal Supremo e, conseqüentemente,
improvido o recurso, ao fundamento de que “é obrigação exclusiva da incorporadora
finalizar a obra de modo que reúna as características construtivas ofertadas publicamente
377
ao futuros compradores, conforme o estabelecido nos artigos 1091
, 1096
378
, 1101
379
e
373
Cf. ESPAÑA. Tribunal Supremo, Sala Primera, de lo Civil, Recurso de casación n. 126/1991, Sentencia n.
824/1993 de 21 jul., Ponente: Teófilo Ortega Torres.
374
Cf. Id., loc. cit.
375
CCes, art. 1591: “O empreiteiro de um edifício que se arruinar por vícios de construção, responde pelos
danos e prejuízos se a ruina ocorrer dentro de dez anos, contados da conclusão da obra; igual
responsabilidade, e pelo mesmo tempo, terá o engenheiro responsável pela obra, se a ruina se deve a
defeitos do solo ou de direção da obra”. Se a causa for a falta do emprenteiro quanto às condições do
contrato, a ação de indenização durará quinze anos”.
376
Cf. Id., loc. cit.
377
CCes, art. 1091: “As obrigações que nascem dos contratos têm força de lei entre as partes contratantes, e
devem ser cumpridas de acordo com os mesmos”.
378
CCes, 1096: “Quando o que se deve entregar é uma coisa determinada, o credor, independentemente do
direito que lhe outorga o artigo 1101, pode compelir o devedor a realizar a entrega”.
379
CCes, art. 1101: “Ficam sujeitos à indenização dos danos e prejuízos causados, os que, no cumprimento
de suas obrigações, incorrerem em dolo, negligência ou mora, o os que de algum modo infringirem o
conteúdo daquela”.
165
380
1258
do Código Civil, e art. 8 da Lei Geral para a Defesa dos Consumidores e
381
Usuários”
.
4.1.3. Incorporação imobiliária II: promessa quanto a área de lazer
A sentença de 8 de novembro de 1996 do Tribunal Supremo cuida de ação
ajuizada em face de certa incorporadora, pelo “Presidente de la Comunidad de
Proprietarios de la Primera Fase del Complejo Residencial ‘Don Alfonso’”, em
litisconsórcio ativo com o adquirente de uma das unidades autônomas, visando compelir a
incorporadora a construir em determinado lote do condomínio a “piscina e quadra de tênis,
tal como figura na publicidade gráfica entregue ao compradores” 382.
A demanda foi integralmente acolhida pelo Juizado de Primeira Instância de
Ceuta, e conquanto a apelação da incorporadora tenha sido provida pela Audiência
Provincial de Sevilha, o Tribunal Supremo restaura a sentença de primeira instância com
fundamento nos artigos 1258 do Código Civil e 8.1 da LGDU, esclarecendo que “a
publicidade de um empreendimento tem o condão de atrair compradores do produto
oferecido. Desta forma, seu conteúdo vincula e obriga o seu autor. No caso em análise, os
folhetos promocionais continham ilustrações nas quais constavam as áreas ausentes na
construção e reclamadas na ação judicial. Além do mais, o próprio contrato escrito fez
referência à área a ser construída”383.
380
V. citação supra.
381
ESPAÑA. Tribunal Supremo, Sentencia de 21 jul 1993. op. cit.
382
ESPAÑA. Tribunal Supremo, Sala Primera, de lo Civil, Recurso de casación n. 126/1993, Sentencia n.
894/1996, de 8 nov., Ponente: Eduardo Fernández-Cid de Temes.
383
Id., loc. cit.
166
4.1.4. Incorporação imobiliária III: promessa de quadras de tênis
Na sentença de 23 de maio de 2003, tem-se mais um caso de integração
publicitária de contrato de incorporação imobiliária, apreciado pelo Tribunal Supremo à
luz do art. 8.1 da LGDCU.
Aqui, as origens do recurso de cassação remontam à ação movida pela
comunidade de proprietários de um loteamento em condomínio, localizado na cidade de
Valência, na Espanha, intitulado “Coblanca”, em face da incorporadora responsável pelo
empreendimento.
A ementa do julgado, recolhida em coletânea coordenada por EUGENIO
LLAMAS POMBO, é precisa e completa: “CONSUMIDORES E USUÁRIOS. Conteúdo da oferta,
promoção e publicidade dos produtos. Integração dos contratos: princípios da veracidade e
da boa-fé. Compra-e-venda. Loteamento em condomínio, em cujo folheto publicitário se
anuncia a construção de três quadras de tênis, as quais, além disso, incluem-se no
memorial descritivo do projeto elaborado por arquiteto, ao qual se remetem todos os
contratos de compra-e-venda. Integração destes executada pela transferência da
propriedade da terceira quadra como área comum do condomínio, a qual fora excluída da
‘escritura de declaração de obra nova e divisão em propriedade horizontal’, e vendida a
terceiro. Retificação das inscrições registrais competentes. ATOS
jurisprudencial. RECURSO
cassacional”
384
DE CASSAÇÃO.
PRÓPRIOS.
Doutrina
Hipótese da questão. Não cabe em sede
.
ROSARIO FERNANDO MAGARZO,
Comentando
este julgado particularmente
representativo da jurisprudência espanhola escreveu que “o Tribunal Supremo põe de
manifesto o caráter moderno do art. 8 da Lei Geral para a Defesa dos Consumidores e
Usuários, salientando que a norma responde a princípios clássicos do direito que são, em
primeiro lugar, o princípio da veracidade, mas não no sentido de que a oferta, promoção e
384
ESPAÑA. Tribunal Supremo, Sala Primera, de lo Civil, Recurso de casación n. 3167/1997, Sentencia
514/2003 de 23 mayo, Ponente: Xavier O’Callaghan Muñoz. IN: LLAMAS POMBO, Eugenio (coord.). Ley
general para la defensa de los consumidores y usuarios: Comentarios y jurisprudencia de la Ley veinte
años después. Madrid: La Ley, 2005, CD-ROM, artículo 8, ref. 45, p. 1 (destaquei).
167
publicidade devem ser objetivos e imparciais, como se obedecessem a uma política de
informação e educação do público, senão que não podem ser enganosos e induzir a erro o
particular. Em segundo lugar, o princípio da boa-fé proclamado pelo art. 1258 Código
Civil, que impõe a cada contratante o cumprimento do pactuado, o que decorre de um
critério lógico, da boa-fé.
A este respeito, indica que o citado preceito da LGDCU
estabelece a integração do contrato baseado em ambos os aludidos princípios [...]. Em
conformidade com esta doutrina, o Tribunal Supremo conclui declarando que a terceira
quadra de tênis mencionada na publicidade, no projeto e nos contratos particulares de
compra-e-venda, forma parte da compra-e-venda e tem o caráter de área comum. Por
conseguinte, declara a nulidade da parte da escritura de obra nova e divisão horizontal que
se opõe a isso”
385
.
4.2. Sentenças das Audiências Provinciais
Seja por mera coincidência, seja por fatores ainda desconhecidos, que talvez
mereçam uma investigação específica – o que certamente escapa aos objetivos desta tese –,
a maioria das sentenças do Tribunal Supremo que me foram possível recolher versa sobre a
integração publicitária de contratos de incorporação imobiliária referentes a
condomínios por unidades autônomas, tanto vertical quanto horizontal, as mais das vezes
celebrados na fase de lançamento do empreendimento.
Essa circunstância poderia levar à conclusão de que, na Espanha, o princípio da
integração publicitária do contrato só teria encontrado relevância prática no âmbito dessa
modalidade contratual, e não em tantas outras espécies que compõem a trama das relações
de consumo.
385
FERNANDO MAGARZO, Rosario. [Comentário à LGDCU, art. 8º]. IN: LLAMAS POMBO, Eugenio (coord.).
Ley general para la defensa de los consumidores y usuarios: Comentarios y jurisprudencia de la Ley
veinte años después. Madrid: La Ley, 2005, p. 199.
168
Visando prevenir o leitor contra uma conclusão, assim, açodada, resenho a seguir
algumas sentenças interessantes, proferidas em segundo grau de jurisdição, que versam
sobre outras fattispecie contratuais.
4.2.1. Compra-e-venda de veículo: promessa quanto a equipamentos
acessórios
Na sentença de 11 de fevereiro de 1998, a Audiência Provincial de Córdoba
aprecia o caso de um adquirente de veículo de certa marca, modelo intitulado “Passion”,
de série limitada, que propõe contra a concessionária-vendedora uma ação de rescisão do
contrato de compra-e-venda, aduzindo que após lhe ter sido entregue o automóvel
percebeu que este não dispunha de alguns equipamentos que o modelo devia oferecer, nos
termos da campanha publicitária amplamente promovida pelo fabricante, e que outros
equipamentos se encontravam instalados de maneira errônea.
A concessionária defendeu-se alegando, em síntese, que o contrato tinha por
objeto a aquisição de um veículo da marca com cilindrada de 1.400 centímetros cúbicos.
O Juizado de Primeira Instância de Montilha julga improcedente a demanda,
mas o adquirente apela da sentença perante a Audiência Provincial de Córdoba, que provê
integralmente o recurso e decreta, por conseguinte, a rescisão do contrato. A uma porque,
na interpretação de um contrato, “nunca se pode ficar restrito à literalidade do
pactuado”386. A duas porque “é evidente que os consumidores devem estar protegidos
frente à promoção, pelos empresários, de seus bens e serviços, proteção que vem regulada
especificamente no art. 8 da LGDCU, que prevê a possibilidade de que o consumidor
‘exija as prestações próprias de cada produto ou serviço’, o que poderá fazer, a despeito de
não se ter feito constar no contrato de aquisição do produto”387. A três, finalmente, porque
386
CÓRDOBA. Audiencia Provincial, Sección 1ª, Rollo de apelación n. 268/1998, Sentencia n. 42/1998 de 11
feb., Ponente: José María Magaña Calle, p. 2.
387
Id., loc. cit.
169
“o Juiz de primeira instância não valorou corretamente a prova dos autos”388, da qual se
depreende com meridiana claridade que (i) ao recorrente foi entregue um veículo com o
emblema de uma série limitada (‘Passion’), caracterizado por oferecer determinados
equipamentos indicados na publicidade promovida pela marca; (ii) o citado veículo,
todavia, como demonstrou a prova pericial e documental, à vista do número do chassi, não
pertencia a tal modelo, senão ao denominado ‘Collage’, tendo sido substituídas, pelo
concessionário oficial e vendedor, as letras do nome ‘collage’ fixadas em fábrica, pelas do
nome ‘passion’; (iii) isso não bastasse, a concessionária instalou em sua oficina somente
parte dos equipamentos mencionados na publicidade, e além disso, de modo errado; (iv)
em que pese o afirmado pelo recorrido, não se provou nos autos, com toda claridade e
precisão, que tais alterações eram do conhecimento do recorrente-comprador, restando
evidente, portanto, o pleno e total descumprimento do contrato, atentando, o vendedor,
contra as mais elementares exigências da boa-fé contratual, e portanto, aos interesses do
389
consumidor
.
4.2.2. Caderneta de poupança: promessa de seguro de vida vinculado
Na sentença de 11 de janeiro de 1994, a Audiência Provincial de Tarragona
contempla o caso de uma entidade bancária, que por meio de panfleto publicitário oferece
aos titulares de determinada modalidade de caderneta de poupança, dentre outros
benefícios, desfrutar de um seguro de acidentes gratuito em caso de morte ou invalidez
total e permanente.
Certo cliente sofre acidente que lhe acarreta invalidez permanente. Diante da
negativa de informações, pelo Banco, sobre o procedimento de resgate do capital segurado
– baldadas as inúmeras tentativas realizadas nesse sentido – o cliente move-lhe demanda
objetivando receber a indenização anunciada no panfleto publicitário do Banco.
388
Id., loc. cit.
389
Cf. Id. Ibid., p. 2-3
170
Na espécie, a Apelação Provincial de Tarragona reconhece que o caso é de
oferta de um tipo de seguro destituído do caráter intuitu personae, o qual se converte em
contrato com a aceitação do cliente manifestada pela abertura da caderneta de poupança.
Com fundamento no art. 8.1 da LGDCU, condena a entidade bancária a pagar ao cliente a
indenização contratada por ela própria com a companhia de seguros, como se a entidade
bancária avalizasse o seguro oferecido, pelo qual responde por não ter colaborado com o
depositante, facilitando-lhe os dados do seguro contratado390.
4.2.3. Prestação de serviços: falso tratamento médico contra calvície
A sentença de 24 de junho de 1996 proferida pela Apelação Provincial de
Alava cuida de apelação interposta por instituto de beleza contra sentença do Juizado
Provincial da mesma cidade, que reputando enganosa a propaganda por esta promovida, e
reconhecendo o inadimplemento desta quanto às obrigações estabelecidas no contrato de
tratamento capilar que firmou com certo cliente, julgou procedente a pretensão
indenizatória deste, deduzida em demanda ajuizada contra aquele391.
Em suas razões recursais, o instituto de beleza sustentou que a sentença
recorrida teria incidido em erro de valoração das provas produzidas no processo, as quais
teriam evidenciado que (i) o contrato contemplara expressamente a possibilidade de o
tratamento não alcançar o êxito desejado, e (ii) o tratamento já estava começando a surtir
efeitos, já que as calvas provocadas pela alopecia estavam se cobrindo de ligeira
pelugem
392
.
Ponderando as razões recursais das partes e as provas constantes dos autos, a
Audiência Provincial de Alava assentou as seguintes premissas: “(1) o autor padecia de
‘alopecia areata’; (2) os responsáveis do N. H. C. o sabiam; (3) a alopecia areata só
390
Cf. CABALLERO LOZANO, José Maria. op. cit., p. 304.
391
Cf. ALAVA. Audiencia Provincial, Rollo de apelación n. 290/1996, Sentencia n. 350/1996 de 24 jun.,
Ponente: Julen Guimón Ugartechea.
392
Cf. Id., loc. cit.
171
encontra possibilidades de cura num tratamento médico específico, e o tratamento
meramente cosmético não passa de ‘maquiagem decorativa’; (4) tendo, o autor, se
submetido a um tratamento médico pela equipe especializada da clínica O., à base de
corticóides orais, minoxidil e complexo vitamínico, o autor recuperou o cabelo, viu
cobertas as calvas e desapareceu a enfermidade, ou pelo menos seus sintomas visíveis”
393
.
A partir dessas premissas, a sentença da Audiência Provincial assim concluiu:
“O autor foi induzido por uma publicidade ambígua. O bem elaborado informe do
Presidente da Comissão sobre Publicidade Enganosa do Departamento de Comercio,
Consumo y Turismo do Governo Vasco conclui que a publicidade analisada sugere e induz
os consumidores a crerem que o serviço ofertado garante um resultado positivo, e que a
natureza deste é médica, motivo pelo qual é suscetível de induzir a erro os consumidores.
Examinando o informe, de acordo com a sã crítica ex art. 632 da Lei Processual Civil, esta
Sala concorda com ditas conclusões, em que pese a letra pequena do ‘orçamento’ ofertado
pelo demandado e firmado pelo autor. Tendo em vista que o autor guiou-se por publicidade
deliberadamente enganosa, com as conseqüências previstas no art. 8 da LGDCU, e que se
aplicou ao autor um tratamento não médico, senão cosmetológico, e que a alopecia areata
não tem tratamento cosmético além da maquiagem decorativa, senão especificamente
médico, a Sala deve confirmar a sentença recorrida”
394
.
4.2.4. Contrato de prestação de serviços: promessa de “depilação
definitiva”
Na sentença de 25 de novembro de 1997, a Audiência Provincial de Navarra
aprecia o caso de um consumidor que, decepcionado com os resultados do tratamento de
“depilação definitiva” em determinado salão beleza, move demanda contra este visando a
declaração do inadimplemento integral do contrato e a conseqüente condenação do
393
Id., loc. cit.
394
Id., loc. cit.
172
demandado a reembolsar-lhe o preço do tratamento, além de certos prejuízos que alega ter
sofrido.
O Julgado de Primeira Instância de Navarra decide pela procedência integral da
ação movida pelo consumidor, mas o salão de beleza, inconformado, interpõe recurso de
apelação pleiteando “em primeiro lugar, a revogação da condenação, tendo em conta que,
no seu entender, não houve o inadimplemento contratual alegado pelo autor como
fundamento de sua pretensão. E, subsidiariamente, no caso de se considerar ter havido
apenas um inadimplemento parcial, que seja reduzida pela metade o quantum indenizatório
fixado na sentença recorrida”
395
.
A Audiência Provincial, todavia, considera ter restado incontroverso nos autos
que as partes “celebrara um contrato verbal, tendo, o autor, acudido ao salão de beleza em
virtude do anúncio insertado em certo jornal de Navarra (doc. 1), concordando em
submeter-se ao tratamento depilatório que oferecia o demandado, à vista do prospecto e
plano de tratamento refletido no doc. 2. Ademais, as partes reconhecem que o autor
apresentava um problema de pilosidade abundante nas costas, embora a divergência surja à
hora de avaliarem os resultados das sessões de tratamento a que se submeteu, pois
enquanto o autor considera que o tratamento fracassou estrepitosamente, o demandado
afirma que o seu problema piloso atenuou-se sobremaneira, pois houve importante redução
e debilitamento da pelugem das constas”
396
.
Postas assim, as coisas, a sentença segue afirmando que “o contrato verbal
subscrito entre as partes tem, de alguma maneira, sua conformação nos documentos 1 e 2
acostados aos autos, pois o primeiro deles, ou melhor, a oferta nele plasmada, foi o que
moveu o autor a acudir ao salão de beleza, e o segundo documento concretiza o tratamento.
Pois bem. Em ambos os documentos se oferta de forma destacada uma ‘depilação suave,
indolora e definitiva’, e ‘depilação definitiva... uma solução: Epilaterm’. Vemos, pois, que
se fala de depilação definitiva, o que não significa outra coisa que a completa desaparição
395
NAVARRA. Audiencia Provincial, Sección 2ª, Rollo de apelación n. 12/1997, Sentencia n. 274/1997 de 25
nov., Ponente: Francisco José Goyena Salgado, p. 1.
396
Id., loc. cit.
173
dos pelos, na zona onde se aplique o tratamento que, no caso, são as costas, e isso é o que
oferece, e não menos, o tratamento ‘Epilaterm’, tal como reza o prospecto (doc. 2), em seu
anverso, na parte de baixo: ‘a depilação definitiva’. E também se diz ao explicar a forma
em que atua o gel: ‘atua suavemente sobre as células-gérmen do pelo; este se debilita
progressivamente, converte-se em pelugem, até chegar a desaparecer por completo, se se
quiser’. À vista disto, e reconhecendo, a juízo desta Sala, que o que queria o autor era
solucionar seu problema piloso nas costas, de forma que desaparecesse por completo, tudo
o que não seja dar o resultado depilatório definitivo, que de outra parte, como assinalado, é
o que se oferecia, não cabe qualificá-lo senão de inadimplemento contratual, pelo que,
aliás, de modo algum caberia aceitar o pedido subsidiário formulado pelo recorrente”
397
.
Ao final, a sentença esclarece que “não compromete as conclusões anteriores a
alegação de que o número de sessões anunciadas tem caráter apenas exemplificativo, e que
dependendo do caso concreto, em vez de quinze sessões, sejam necessárias dezesseis,
dezoito ou até vinte. E não o compromete porque não se admite transformar o que se
afirma em caráter exemplificativo num tratamento contínuo e sine die, em que
transcorridos os primeiros quinze dias, não se aprecie ou veja o resultado definitivo.
Certamente, se para lograr o resultado definitivo, em vez das quinze sessões se necessitasse
razoavelmente algumas mais, nada haveria a objetar; mas se para tanto requer-se um
número muito superior de sessões, racionalmente desproporcionado à oferta inicial de
obtenção do resultado em quinze dias, há evidente inadimplemento contratual, pois não
conduz a outra coisa a aplicação do princípio da boa-fé, que deve presidir todo o contrato
[...]. Em suma, confirmado que o tratamento oferecido, ao qual se submeteu o autor, sem
que se tenha provado uma incorreta atuação da parte deste, não atingiu o resultado de uma
depilação definitiva, é claro que o demandado não cumpriu sua obrigação contratual,
motivo pelo qual afigura-se ajustada e conforme ao direito a sentença de instância, que
deve, portanto, ser confirmada, improvendo-se este recurso”
397
Id., loc. cit.
398
Id., loc. cit.
398
.
174
CAPÍTULO 14: BRASIL – O ART. 30 DO CDC
1. Julgados de vanguarda
No Brasil, diferentemente do ocorrido na Espanha, não se pode dizer que haveria
um nexo de causalidade entre a jurisprudência de nossos tribunais, anterior à promulgação
do CDC, e o advento do art. 30 deste Diploma que, como visto, introduziu em nosso
ordenamento o principio da integração publicitária dos contratos para consumo.
A bem da verdade – e sem qualquer conotação depreciativa –, este princípio foi
importado da Espanha pelos autores do anteprojeto do CDC, que segundo o testemunho de
ADA PELLEGRINI GRINOVER, ao qual me reportei na introdução desta tese, tomaram como
fonte de inspiração, dentre outros diplomas estrangeiros, a LGDCU
399
.
A despeito de o preceito não ser um fruto maduro da jurisprudência nacional,
tampouco da produção doutrinal consumeirista que antecedeu o CDC, há dois precedentes
jurisprudenciais da década de 80, que chamam a atenção pelo vanguardismo de terem
integrado o contrato então sub judice pelo conteúdo da publicidade comercial promovida
por uma das partes. Senão veja-se.
1.1. Contrato de seguro de vida “sem exame médico prévio”
O primeiro precedente é do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e versa sobre
contrato de seguro de vida firmado entre um particular e certa companhia seguradora, o
qual, embora tenha subido ao Supremo Tribunal Federal pela via do agravo de instrumento
contra a inadmissão dos recursos especial e extraordinário, não teve o seu mérito
399
Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado.op. cit. p. 10.
175
apreciado, eis que tal implicaria reexame de provas, o que já era vedado pela antiga
400
Súmula 279 daquele Tribunal, hoje Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça
Isso não obstante, o então relator e Ministro NÉRI
DA
.
SILVERIA consignou no
despacho de improvimento do agravo de instrumento, dentre outras passagens importantes,
a ementa do acórdão recorrido, de seguinte teor: “Contratos de adesão. Seguro de vida
sem exame médico. Propaganda. Nos contratos de seguro de vida, como em todos os
contratos de adesão, em que a parte não pode discutir nem modificar cláusulas do
instrumento, e em que a atração do cliente se faz pela propaganda, os compromissos dos
anúncios incorporam-se à convenção e prevalecem sobre a parte impressa que for
conflitante e, nesta, a interpretação, na dúvida, se faz a favor do segurado”
401
.
No recurso especial, a seguradora sustentara que o acórdão do Tribunal de Justiça
do Rio de Janeiro teria negado vigência ao então art. 1443 do Código Civil de 1916,
segundo o qual “o segurado e o segurador são obrigados a guardar no contrato a mais
estrita boa-fé e veracidade, assim a respeito do objeto, como das circunstâncias e
declarações a ele concernentes”.
Sustentara, ainda, a seguradora, a negativa de vigência ao art. 1444 do mesmo
Código, que estabelecia que “se o segurado não fizer declarações verdadeiras e completas,
omitindo circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio,
perderá o direito ao valor do seguro, e pagará o prêmio vencido”.
É que no entender da seguradora, o acórdão recorrido não teria indagado “se o
segurado tinha ou não ciência da doença que o vitimou, mas sim o fato, admitido pelas rés
e reconhecido pelas decisões das instâncias ordinárias, de que o segurado, no momento da
402
realização do seguro, prestou falsas declarações”
.
400
STJ, Súmula 7: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”
401
BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 1ª Turma, Agravo regimental no agravo de instrumento n. 88.416-RJ,
Relator: Néri da Silveira, Acórdão de 3 maio 1983, fls. 996 (destaquei).
402
Id. Ibid., fls. 998.
176
O Ministro NÉRI
DA
SILVERIA, porém, afastou essa argumentação da seguradora,
nos seguintes termos: “O acórdão recorrido, com base na prova dos autos, afirmou (fls.
54): ‘[...] observa-se que a hipótese versa sobre contrato de seguro de vida com cláusula de
isenção de exame médico. Como se vê na apólice a fls. 9, nas perguntas que antecedem à
assinatura do segurado, não há nenhuma sobre o estado de saúde presente e anterior. As
cláusulas especiais (fls. 11v.) estão até impressas de pernas para o ar, para dar ao cliente de
boa-fé e pouco ilustrado a convicção da desimportância do texto. A propaganda impressa
em volantes apontou em linguagem calorosa e otimista as vantagens do ‘Seguro Jovem’, ‘o
mais bem bolado que você já viu’. ‘Não precisa fazer exame médico. Preenchendo o
modelo de Declaração pessoal de Saúde, você evita todas as formalidades, andanças e
burocracias que os exames médicos exigem’ (fls. 46). Em seguida, outro prospecto com as
vantagens do ‘Seguro Total 85’ e para o qual, tendo 40 anos, ‘é só pagar 4 cruzeiros por
dia para cada Cr$ 100.000,00 de investimento, com correção monetária’ ’ ”
403
.
E para sepultar de vez a tese de que teria havido negativa de vigência daqueles
citados artigos do Código Civil de 1916, o relator transcreve mais esta bem lançada
passagem do acórdão recorrido: “Ora, se nos prospectos de propaganda é esclarecido que
‘Não precisa o segurado fazer exame médico’, ao homem comum, iletrado, de boa-fé,
apenas poderá ocorrer que ‘o seguro jovem é o mais bem bolado que você já viu’. A
seguradora não se importa com o estado de saúde do segurado, e isto representa um
atrativo irresistível. A contradição dessas afirmações com o dever de informar
minuciosamente se esteve doente, dever que se encontra em parte impressa posterior à
página da assinatura e sob pena de aplicar-se o art. 1444 do Código Civil, é forma
astuciosa de ludibriar o segurado desprevenido e iludido com as vantagens excepcionais do
‘Seguro Jovem’. Junte-se a isto os processos de corretagem de seguro nos balcões de
bancos, onde empregados de baixos salários necessitam angustiadamente complementar a
receita erodida pela inflação. Todos esses fatores devem ser equacionados quando a
seguradora, depois de receber os prêmios e sem depositar os valores recebidos, recusa-se a
honrar os compromissos ostensivos e refugia-se nas meias palavras em que ocultou as
armas de sua prosperidade. Cumpre neste caso ao juiz não estimular comportamentos anti-
403
Id. Ibid., fls. 999.
177
sociais empregados na coleta da economia popular pelas grandes empresas, nestes tempos
de força arrebatadora da publicidade. É preciso amparar os incautos”.
E numa síntese perfeita da ratio decidendi, o texto do acórdão encerra-se com
aquele trecho supramencionado, que acabou servindo de ementa de todo o julgado.
1.2. Contrato de hospedagem em camping: promessa de “seguro total”
Outro julgado que se poderia qualificar vanguardista provém do Tribunal de Justiça
de São Paulo.
O titular de um camping localizado em Itu, São Paulo, faz inserir publicidade em
revista especializada com menção a inúmeros atrativos, dentre os quais, a existência de um
“seguro total” aos hóspedes.
Atraído por tal publicidade, certo turista hospeda-se com seu trailer no camping, o
qual acaba sendo inteiramente destruído juntamente com seus pertences em virtude de forte
tempestade que se abatera sobre o local.
Após contabilizar seus prejuízos e dirigir ao titular do camping o seu pleito
indenizatório, vem a descobrir que inexistia o propalado “seguro total”, motivo pelo qual
vai a juízo propor contra o camping uma demanda indenizatória, tendo-se-lhe reconhecido,
por maioria de votos, em sede de recurso de apelação perante o Tribunal de Justiça de São
Paulo, o direito à indenização pleiteada. Inconformado, o camping interpõe embargos
infringentes, que são rejeitados, também por maioria de votos.
Em voto vencedor, o então relator e desembargador CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO
ponderou que “uma das posturas mais realistas, nas modernas tendências do direito das
obrigações, é o repúdio ao voluntarismo jurídico, tal qual resulta do artigo 85 do Código
Civil, em sua interpretação tradicional. Na verdade, toda declaração de vontade entra no
mundo jurídico, não rigorosamente pelo teor da intenção de quem a emite, mas pelas
impressões e expectativas que, segundo o senso comum, ela seja capaz de provocar nos
destinatários. Toda linguagem é um conjunto de símbolos, que despertam reações no
178
espírito de quem os recebe; inclusive a linguagem do silêncio, das meias-palavras ou das
imagens. Essa sensível alteração no moderno direito obrigacional é atestada por ORLANDO
GOMES (cf. Transformações Gerais do Direito das Obrigações), que enfatiza o valor da
boa-fé nos contratos e a relevância da aparência formada segundo os ditames da boa-fé.
Daí a entender que as ofertas ao público, quando claras e não revogadas em tempo,
constituam verdadeiras cláusulas contratuais a partir do momento em que aceitas,
não existe salto algum. Daí, também, resulta que fica inteiramente desabrigada a alegação
do embargante (carregada, até, de certa dose de ingenuidade) de que a propaganda do
camping não saíra segundo as instruções dadas. A situação seria outra, talvez, se no
momento da recepção do réu no Camping, lhe fosse esclarecido que inexistia o seguro e
tudo não passara de um engano. Ou se a cláusula de seguro fosse opcional e a
administração do empreendimento intermediasse a sua contratação a quem se interessasse,
ainda que mediante pagamento suplementar, a título de prêmio securitário. Mas nada disso
aconteceu e os usuários do ‘Camping do A. ’ (ou pelo menos esse que veio demandar) tudo
tinham para crer que estavam sob seguro [...]. Segurar ou não os usuários é ato que
dependia da vontade do empresário, o qual nem fez seguro algum, nem advertiu o autor
da inexistência de seguro, nem lhe deu a faculdade de optar pela cobertura securitária ou
dispensá-la”404.
404
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça, 1ª Câmara de Direito Privado, Embargos infringentes n. 52.771-1.
Relator: Cândido Rangel Dinamarco, Acórdão de 30 jun. 1986 (destaquei).
179
2. A jurisprudência em torno do art. 30 do CDC
2.1. Decisões do Superior Tribunal de Justiça
2.1.1. Compra-e-venda de veículo em concessionária: garantia de
entrega pela montadora
Nos idos de 1997, importante montadora de automóveis brasileira lançou
programa de marketing de âmbito nacional denominado “Palio on line”, visando
incrementar a venda de automóveis modelo “Palio” em todas as suas versões zeroquilômetro, nos termos das condições gerais de contratação intituladas “Regulamento do
programa Palio on line”, e do contrato-padrão qualificado como “Contrato de reserva de
veículo”.
Tal contrato era firmado entre o interessado e uma das concessionárias da
marca, de sua livre escolha, que se ocupava de todas as etapas da comercialização do
veículo. Todavia, na campanha publicitária de amplo espectro, a montadora anunciava que
o automóvel “tem entrega garantida pela fábrica”.
Certo consumidor firmou o “contrato de reserva de veículo” com uma
concessionária da montadora instalada na cidade de Bom Despacho, MG, pagando-lhe na
oportunidade, a título de reserva, 20% do preço estipulado, obrigando-se, em contrapartida,
a concessionária, a entregar o veículo em dois meses da data da assinatura do contrato,
ocasião em que os 80% restantes do preço deveriam ser pagos pelo consumidor.
Pois bem. Sob a alegação de que (i) teria quitado integralmente perante a
concessionária o saldo devedor estipulado no contrato, (ii) o veículo não lhe fora entregue
na data aprazada e (iii) decretara-se a falência da concessionária, o consumidor ajuíza ação
de conhecimento em face da montadora, pleiteando a condenação desta ao “pagamento dos
180
valores pagos, ou compensar o autor pela perda do veículo mediante cumprimento forçado
da obrigação, efetuando a entrega de um veículo Palio zero-quilometro”
405
.
O juízo da 24ª Vara Cível de Belo Horizonte julga o pedido procedente,
condenando a montadora “ao cumprimento da obrigação concretizada no contrato de
reserva de veículo de fls. 10/14, determinando seja entregue ao Autor, um veículo Pálio
zero quilômetro [...], devendo, contudo, arcar, o autor, com o pagamento dos valores
previstos em aludido contrato, e ainda não desembolsados, a título de quitação integral do
objeto contratado”
406
.
Inconformadas, ambas as partes apelam da sentença perante o então Tribunal de
Alçada de Minas Gerais.
O relator e juiz QUINTINO
DO
PRADO reconhece a legitimidade passiva da
montadora, sob o fundamento de que “não há, porém, como excluir a responsabilidade
solidária da ré. Alguns fatos são incontroversos e não comportam prova em contrário,
quais sejam: a existência e a validade do contrato de f. 10/14 e o pagamento de 20% do
valor do veículo transacionado, eis que atestado no mesmo instrumento apontado. Para
bem se entender a questão dos autos é muito importante a análise do Contrato e do
Regulamento de Reserva de Veículo Palio On-Line firmado entre o autor e a
concessionária, cuja falência fora decretada em 1997, conforme noticiam os autos. Esse
contrato e seu respectivo regulamento prevêem obrigações recíprocas e sucessivas [...].
Contida, porém, não explícita nesta cadeia de obrigações sucessivas está a obrigação
assumida pela montadora, de garantir a entrega do veículo encomendado. De fato,
incontroverso é o fato de que a propaganda veiculada pela ré afirmava que a entrega
do veículo era garantida pela fábrica, sob pena de multa moratória, o que, aliás, é
previsto pela cláusula sétima do Regulamento do Programa Palio On-Line, pela qual a
405
BELO ORIZONTE. 24ª Vara Cível, Processo n. 98.014.164-2, Ação de rito ordinário, Sentença de 17 set.
1999, Juiz: Geraldo Senra Delgado, fls. 70.
406
Id. Ibid., fls. 72.
181
montadora ‘declara que o veículo será entregue pelo concessionário contra o pagamento do
saldo do preço’ ”
407
.
Com base nessa fundamentação, o voto do relator foi no sentido de dar
provimento parcial a ambas as apelações “para julgar parcialmente procedente o pedido
exordial, condenando a montadora ao cumprimento das cláusulas IV.2 e V.1.1., mediante a
disponibilização do veículo reservado e respectiva comunicação ao autor, para que, assim
feito, possa ele, querendo, cumprir a sua obrigação de pagar, dentro do prazo
convencionado, o saldo devedor previsto na mesma cláusula IV.2, somente após o que a
montadora deverá lhe entregar efetivamente o veículo”
408
.
O Primeiro Vogal e juiz FERNANDO BRÁULIO, porém, divergiu do relator, nos
seguintes termos: “[...] há dois contratos a analisar nesta causa: o contrato de reserva de
veículo Palio on line, firmado entre a concessionária e o autor, ora primeiro apelante, e o
contrato de concessão entre a montadora-ré, e a concessionária. As cláusulas invocadas
pelo autor dizem respeito ao contrato firmado entre ele a concessionária. Cabia ao primeiro
apelante fazer prova de que, pelo contrato de concessão, estava a montadora, ora segunda
apelante, obrigada a cumprir as cláusulas em que se baseia. Não o fez. Ora, ‘a
solidariedade não se presume; resulta de lei ou da vontade das partes’ (art. 896 do Código
Civil). Nem se argumente com o artigo 34 da Lei 8.078/90, segundo o qual ‘o fornecedor
do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou
representantes autônomos’. A concessionária, pelo que resultou demonstrado, não é
preposta nem representante da segunda apelante. Isto posto, DOU PROVIMENTO ao segundo
apelo, com inversão dos ônus de sucumbência e julgo prejudicado o primeiro”
409
.
Tendo, o Terceiro Vogal, acompanhado o voto do Segundo, proferiu-se, pois,
acórdão neste último sentido, por maioria de votos, confirmando-se, o decisum, em sede de
embargos infringentes.
407
MINAS GERAIS. Tribunal de Alçada, 7ª Câmara Cível, Apelação n. 302.147-2, Acórdão de 4 maio 2000,
Relator (vencido): Quintino do Prado, fls. 121-122 (destaquei).
408
Id. Ibid., fls. 125 (destaquei).
182
Irresignado, o consumidor interpôs recurso especial alegando ofensa ao art. 30
do CDC, dentre outros dispositivos do mesmo Código, sustentando, para tanto, que
independentemente do relacionamento comercial entre a concessionária e a fábrica, esta se
obrigou à entrega do veículo objeto do contrato, por meio da publicidade que o divulgara.
Sob a relatoria da Ministra NANCY ANDRIGHI, a Terceira Turma do Superior
Tribunal de Justiça deu provimento parcial ao recurso, julgando “procedente o pedido de
cumprimento forçado da obrigação [de entregar o veículo contratado] formulado pelo
recorrente, devendo ele, contudo, cumprir a sua obrigação de pagar, dentro do prazo
convencionado, o saldo devedor previsto na cláusula IV.2 do contrato, a título de quitação
integral, condicionando-se a entrega do veículo ao pagamento do preço na forma
410
avençada”
.
Após assentar que “a questão posta a desate pelo recorrente consiste em aferir a
responsabilidade [da montadora] pelo inadimplemento do contrato de compra-e-venda de
veículo firmado entre o recorrente e uma de suas concessionárias”, e invocado o art. 30 do
CDC, o voto da relatora, que foi acompanhado pela unanimidade da Turma, pautou-se,
fundamentalmente, no seguinte argumento, recolhido na ementa oficial do julgado:
“Constatado pelo eg. Tribunal a quo, que o fornecedor, através de publicidade
amplamente divulgada, garantiu a entrega de veículo objeto de contrato de compra-evenda firmado entre o consumidor e uma de suas concessionárias, submete-se ao
cumprimento da obrigação nos exatos termos da oferta apresentada”
411
.
409
Id. Ibid., fls. 126-127: destaques do original.
410
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 3ª Turma, Recurso especial n. 363.939, Acórdão de 4 jun. 2002,
Relatora: Nancy Andrighi, p. 6.
411
Id. Ibid, p. 1 (destaquei).
183
2.1.2. Incorporação imobiliária: promessa de financiamento
Dois consumidores residentes em Brasília, DF, interpõem recurso especial
contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, oriundo
de ação por eles ajuizada em face de certa incorporadora, objetivando ver declarada a
nulidade do “Termo aditivo de re-ratificação de contrato de venda e confissão de dívida”
referente a duas unidades residenciais do empreendimento denominado “Edifício
Casablanca I”, destinado à população de baixa renda.
Pelo referido contrato, pactuou-se que os adquirentes pagariam parte do preço
do imóvel em trinta parcelas a título de poupança, e a incorporadora entregaria as chaves
contra a efetivação de um financiamento do saldo devedor por eles contratado com
terceiro.
Através de publicidade amplamente divulgada pela incorporadora, e no
momento da assinatura do contrato, esta assegurou-lhes que o saldo devedor seria
financiado pela Caixa Econômica Federal, consoante o sistema de equivalência salarial,
motivo preponderante para que aderissem ao contrato.
Após a quitação das trinta parcelas tidas como poupança, a incorporadora
obteve o habite-se – quase um ano após o prazo fixado para a entrega das unidades
residenciais –, e condicionou a entrega das chaves à efetivação do financiamento do saldo
devedor.
Ocorreu que a Caixa Econômica Federal não financiou a totalidade do saldo,
de modo que os adquirentes viram-se obrigados a assinarem o referido “Termo aditivo de
re-ratificação de contrato de venda e confissão de dívida”, sob pena de não lhes ser
concedida pela incorporadora a posse dos imóveis, e rescindidos os respectivos contratos, o
que lhes ocasionaria a perda dos valores já adimplidos.
Daí o ajuizamento da demanda contra a incorporadora, em que defendem a
nulidade do termo aditivo em função de sua abusividade e da coação de que foram vítimas,
bem como do seu descompasso com a publicidade veiculada e com a proposta inicial que
previa o financiamento total do saldo devedor pela Caixa Econômica Federal.
184
Sustentaram, ainda, que o contrato firmado com tal instituição levou em
consideração o plano de equivalência salarial e prazo de pagamento em vinte anos, ao
passo que o termo aditivo previu reajustes mensais pela variação da taxa referencial, juros
capitalizados de 1% ao mês e prazo de pagamento em quatro anos. Ao final, formulam
pedidos de (i) declaração de nulidade do termo aditivo e (ii) condenação da incorporadora
ao financiamento do saldo devedor remanescente nas mesmas condições e prazos de
financiamento concedidos pela Caixa Econômica Federal, com esteio no plano de
equivalência salarial, tudo em razão da mensagem publicitária veiculada e da declaração
constante do recibo de sinal acostado aos autos. Requerem, ainda, o abatimento, no saldo
devedor, das quantias já pagas, a partir de seu desembolso e acrescidas de juros de mora de
1% ao mês.
Em contestação, a incorporadora sustenta, dentre outros pontos, que não
poderia e nem jamais se comprometera a garantir o financiamento do saldo devedor pela
Caixa Econômica Federal.
Em primeiro grau, julga-se procedente o pedido dos adquirentes, declarando-se
a nulidade dos respectivos “Termos aditivos” no tocante à forma de resgate do saldo
devedor, o qual deveria ser financiado nas mesmas condições e prazos fixados à parte
financiada pela Caixa, inclusive no que diz respeito à regra de equivalência salarial. No
que se refere às parcelas já pagas, deveriam ser abatidas do saldo devedor a ser
refinanciado pela incorporadora, devendo a sua atualização acompanhar a mesma regra de
atualização do saldo devedor remanescente.
Inconformada, a incorporadora apela da sentença perante o Tribunal de Justiça
do Distrito Federal e Territórios, que provendo o recurso, profere acórdão assim ementado:
“Processual civil e civil. Despersonificação de pessoa jurídica para atingir outra do mesmo
grupo econômico. Ofensa aos artigos 20 do CC e 472 do CPC. Código de Defesa do
Consumidor. Compromisso de compra-e-venda de imóvel. Referência a financiamento por
agente financeiro em folheto de publicidade. Falta de especificidade. (1) Não vinga a
despersonificação de pessoa jurídica para abranger outra do mesmo grupo econômicofinanceiro que não foi parte no processo. Inteligência dos artigos 20 do CC e 472 do CPC.
(2) Mera referência, em folheto de publicidade, à possibilidade de financiamento de
185
parte do preço de bem imóvel por determinado agente financeiro não se configura em
obrigatoriedade para o promitente vendedor. Falta de especificidade e alcance da
412
pessoa estranha ao negócio jurídico celebrado”
.
Inconformados, os adquirente interpõem recurso especial alegando ofensa ao
art. 30 do CDC, dentre outros dispositivos do mesmo Código.
Para tanto, sustentam que a mensagem publicitária veiculada pela
incorporadora contendo a expressão “Financiamento Caixa Econômica Federal” é
suficientemente precisa e tem o condão de obrigá-la a firmar o contrato nos moldes
anunciados. Além disso, a condição publicitada foi decisiva para a assinatura do contrato, o
que não teria ocorrido caso tivessem conhecimento de que o saldo devedor não seria
inteiramente financiado pela Caixa.
Segundo a relatora e Ministra NANCY ANDRIGHI, “a questão posta a desate
pelos recorrentes consiste em aferir se a oferta publicitária veiculada pelo recorrido
reveste-se de força vinculativa, nos termos preconizados pelo Código de Defesa do
Consumidor”
413
.
Após discorrer longamente sobre a função da publicidade e do marketing nas
relações de consumo, ponderou, a relatora, que “no caso sub examen, consta do recibo de
sinal firmado pela recorrente [...] que o financiamento do valor restante a ser pago pelo
imóvel será financiado pela CEF, nos seguintes termos: ‘Declara ainda concordar que o
saldo restante seja financiado pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - Filial de Brasília, cujo
valor será utilizado para amortização do seu saldo devedor junto à CEF, bem como os
recursos utilizados do FGTS, quando da apresentação do traslado da escritura,
devidamente registrada no RGI competente [...]’. Consta também do panfleto veiculado
pelo recorrido a mesma afirmação, o que vem a corroborar o fato de que efetivamente
houve publicidade no sentido do financiamento exclusivo pela CEF. Confira-se à fl. 244
412
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 3ª Turma, Recurso especian n. 341.505, Acórdão de 3 set. 2002,
Relatora: Nancy Andrighi, p. 1 (destaquei).
413
Id. Ibid., p. 5.
186
dos autos da ação cautelar que, além da destacada expressão ‘FINANCIAMENTO CAIXA
ECONÔMICA FEDERAL’, utilizando-se, inclusive, da logomarca da aludida empresa pública,
ainda ressalvou-se: ‘financiamento garantido’. Verifica-se, pois, que a oferta foi
suficientemente precisa, sem qualquer exagero ou absurdidade, e chegou ao
conhecimento dos recorrentes que, seguros da possibilidade de adquirirem um imóvel nos
moldes preconizados pelo recorrido, firmaram contrato de compra-e-venda das unidades
residenciais. Isso certamente não teria ocorrido se tivessem conhecimento de que apenas
parte do financiamento seria concedido pela CEF. Outrossim, é de se ressaltar que o
fornecedor, quando da divulgação de publicidade atinente aos produtos e/ou serviços que
comercializa, deve agir com o mínimo de prudência, de modo a clarificar para o
consumidor em que condições reais o negócio se realizará”
414
.
E finalizando a fundamentação de seu voto, acompanhado pela unanimidade da
Terceira Turma, arrematou: “Não prospera a afirmação do recorrido de que não dependeria
desse a aprovação do financiamento junto à CEF, porquanto a veiculação do panfleto
acerca do produto oferecido criou legítima e inquestionável expectativa para os
recorrentes. Ciente do fato de que não teria possibilidade de conceder os financiamentos
da forma que anunciara, deveria o recorrido ter agido com cautela na divulgação da
publicidade, apondo na peça informativa a ressalva de que a obtenção do financiamento
estaria condicionada à aprovação do agente financeiro. Dada a força vinculativa da oferta
divulgada pelo recorrido, aplica-se ao caso em análise o art. 35, I, do CDC, nos termos do
pedido formulado pelos recorrentes na petição inicial [...]. Forte em tais razões,
CONHEÇO dos presentes recursos especiais pelas alíneas “a” e “c” do permissivo
constitucional, e DOU-LHES PROVIMENTO para julgar procedentes os pedidos
formulados pelos recorrentes, restabelecendo-se a r. sentença. Deverá o recorrido
financiar o restante do saldo devedor dos imóveis adquiridos nas mesmas condições e
prazos de financiamento concedidos pela CEF, inclusive no que diz respeito ao plano
de equivalência salarial, desde que os mutuários preencham os requisitos
estabelecidos pela CEF, entre esses o de possuir renda compatível com o
financiamento. As parcelas já pagas devem ser abatidas do saldo devedor a ser financiado
414
Id. Ibid., p. 6.
187
pelo recorrido, devendo a sua atualização acompanhar a mesma regra de atualização do
saldo devedor remanescente”
415
.
2.1.3. Serviço de entrega rápida: promessa de pontualidade
Certo consumidor ajuizou ação de indenização em face de uma companhia
aérea, visando obter ressarcimento pelo fato de ter contratado com esta o serviço de
entrega rápida denominado “Vaspex” que, não prestado tempestivamente, ocasionou sua
exclusão de licitação promovida pela Câmara dos Deputados. Sua proposta para o certame
foi enviada de Belo Horizonte para seu representante comercial em Brasília, mas chegou
ao destino fora do prazo contratado e além daquele estabelecido no edital para a
apresentação de proposta.
Em primeira instância, a companhia aérea foi condenada ao pagamento de
indenização por danos materiais equivalentes a R$35.160,00, correspondente ao ganho que
teria o consumidor em um ano de contrato com a Câmara dos Deputados, confirmando-se,
neste sentido, a sentença, em sede de apelação.
No recurso especial interposto pela companhia aérea, que à unanimidade
resultou improvido, embora o art. 30 do CDC não tenha sido objeto de questionamento, o
relator e ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO aplicou implicitamente à espécie o princípio
da integração publicitária do contrato, ao ponderar que “o Vaspex é um serviço de
entregas. É de companhia aérea e, no caso, ‘da companhia aérea mais pontual do Brasil’
(fls. 45). Mas poderia ser de qualquer tipo de empresa e, de qualquer forma, nada tem a ver
com os chamados riscos de vôo. Deveria, pois, o recorrente cumprir o que fez constar
em propaganda e, entre capitais, fazer a ajustada entrega no dia seguinte ao da coleta,
porquanto ‘nunca assume compromissos que não possam ser cumpridos’ (fls. 45). Cabe
ressaltar, ainda, que muitas vezes é possível dizer que aquele que procura um serviço aéreo
o faz porque tem pressa e sabe que o transportes por avião é rápido. Mas no presente caso,
a própria recorrente prometeu celeridade da entrega, a qual seria exatamente no
188
horário combinado. Logo, ainda que presentes os riscos de vôo, quem os assumiu foi a
recorrente, fornecedora”
416
.
2.2. Decisões dos Tribunais Estaduais
2.2.1. Oferta ao público de equipamentos de som: desatendimento ao
preço anunciado
Uma rede de lojas especializada em equipamentos fotográficos e eletrônicos
insere anúncio em jornais de grande circulação, pelo qual apresenta ao público aparelhos
de som, dando destaque aos preços de mercado em contraste com os seus, com alternativa
para o pagamento à vista ou parcelado.
Certo consumidor, tangido pelo anúncio publicitário, dirige-se à loja da rede
mais próxima com o propósito de adquirir, pelo preço e condições anunciadas, o conjunto
de som “Esothec com PII, HAII, TII”, da marca “Gradiente”. Entretanto, frustra-se o seu
intento, já que é informado pelo balconista que o preço do equipamento é superior àquele
indicado no anúncio.
Na seqüência, o consumidor demanda a loja em juízo, e a sentença acolhe o seu
pedido alternativo, condenando a loja a concluir o negócio com a entrega do equipamento
pelo preço ofertado, ou pagar a indenização correspondente ao preço, corrigido desde abril
de 1987.
415
Id. Ibid., p. 6-7.
416
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 3ª Turma, Recurso especial n. 196.301, Acórdão de 24 abr. 2001,
Relator: Antônio de Pádua Ribeiro, p. 3-4 (destaquei).
189
Interposto recurso de apelação pela loja, a Quarta Câmara Civil do Tribunal de
Justiça de São Paulo nega-lhe provimento, nos seguintes termos do voto proferido pelo
relator e desembargador ALVES BRAGA: “A oferta reproduzida no jornal junto à fl. 5 não
deixa dúvida, diante da recusa da ré em concluir o negócio, que se cuida de propaganda
enganosa. É que reproduz as fotografias das peças que compõem o conjunto com a
seguinte chamada ao pé das fotografias: ‘conj. ESOTECH c/ PII, HAII, TII, por
Cz$39.620, à vista ou 5 x Cz10.997’. No rodapé do anúncio está a observação que a oferta
é ‘válida até 11/04 ou até o fim do estoque’. Vale dizer que tudo leva a crer, até para as
pessoas que conhecem o equipamento, que a oferta com os preços e condições se refere ao
conjunto, e a validade da proposta tem data indefinida [sic], já que válida enquanto houver
mercadoria em estoque. Os argumentos da apelante não afastam sua responsabilidade. A
propaganda, com força de policitação, dirige-se ao comprador típico, ou seja, a pessoa que
provavelmente vai querer aquela mercadoria. Portanto, dizer que o autor não é pessoa
ignorante e que, por isso mesmo, tinha condições de saber que a oferta não se referia ao
conjunto, em nada beneficia a ré. Ele, no caso, é o comprador típico. É a pessoa que, com
certeza, diante do anúncio ofertando o produto, será motivado a adquiri-lo pelo preço e
condições da proposta. A pessoa ignorante poderia até não ter interesse, pois não sabendo o
significado de tantas siglas e das características do aparelho, poderia não se motivar a
adquiri-lo. Por que a oferta chamou a atenção do autor? Exatamente porque, afeito a
adquirir aparelhos eletrônicos, achou vantajosa a oferta. Ora, ninguém faz propaganda
senão para promover vendas. Ninguém anuncia apenas para enfeitar as páginas dos jornais.
Em contrapartida, os compradores estão sempre a procura de ofertas atrativas, senão
deixariam de ler a propaganda e suas ilustrações. Não há confundir, portanto, habilidade
para vender (salesmanchip) com a propaganda enganosa, com o artifício ilusório. Com a
armadilha para atrair o incauto. Sempre que a propaganda, o pregão, a oferta, incide nesse
erro, caracteriza-se como dolus malus, o embuste. Não se cuida da simples gabança, mas
da má-fé do vendedor. Ora, o homem médio, lendo o anúncio e a oferta divulgada pela ré e
que atraiu o autor, não terá dúvida que ali se oferece um conjunto de som, com os
190
acessórios enumerados, pelo preço e condições ofertado. Caracterizada, portanto, a
417
intenção enganosa da oferta. A sentença decidiu com acerto e merece mantida”
.
Embora este acórdão tenha sido proferido nos idos de 1991, quando já vigorava
o CDC, chama a atenção o fato de que, em nenhum momento, o relator invoca o art. 30.
Nem por isso deixou-se de dar ao caso, de forma irretocável, a solução preconizada por
este dispositivo. Quanto às partes, nenhuma delas invocou o preceito, e nem poderiam
fazê-lo, eis que a demanda fora ajuizada pelo consumidor em 1987.
2.2.2. Oferta ao público de forno microondas: erro quanto à
indicação do preço?
Este é um precedente rico em reflexões acerca do sentido, alcance e
aplicabilidade do art. 30 do CDC, sobretudo no que tange à articulação entre o princípio da
integração publicitária do contrato e a ocorrência de eventual erro na declaração de
vontade dirigida ad incertam personam, quer a título de oferta ao público completa, quer
como elemento contratual isolado e suficientemente preciso capaz de integrar o
conteúdo de um contrato futuro.
Em meados de 1992, a filial de uma famosa loja de departamentos situada em
Goiânia, GO, faz publicar no jornal de circulação local denominado “O Popular”, edição
de 23 de agosto, um anúncio de “ofertas promocionais”, no qual constava, dentre vários
artigos, a fotografia e a especificação de um modelo de forno microondas digital da marca
SHARP, com as seguintes condições de pagamento, na moeda da época: 21.450,00 à vista;
ou 2 x 14.211,00 sem entrada (= 28.422,00); ou 5 x 8.141,00 (= 40.705,00)
418
.
417
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça, 4ª Câmara Civil, Apelação n. 142.976.1/3, Acórdão de 17 out. 1991,
Relator: Alves Braga, fls. 555-556.
418
GOIÂNIA. 6ª Vara Cível, Processo n. 91034897, Ação de rito ordinário, Sentença de 23 set. 1992, Juiz:
Gonçalo Teixeira e Silva, p. 1.
191
No dia seguinte à publicação, à primeira hora, dezenas de consumidores
comparecem quase que ao mesmo tempo à loja, visando adquirir o forno nas condições
anunciadas e reputadas extremamente vantajosas.
Orientados pelo gerente da loja, os funcionários se negam a vender o produto, o
que provoca nos clientes reações diversas: alguns insistem com os vendedores que lhes
venda o produto, enquanto outros ameaçam procurar órgãos de proteção ao consumidor.
Nesse entretempo, representantes do PROCON e da Polícia Militar chegam à loja
e tentam acalmar os ânimos, incentivando a todos que procurassem encontrar solução
pacífica para o problema. Neste clima, acabou-se costurando um acordo no sentido de que
os clientes pagariam à loja o preço à vista, e receberiam em troca uma espécie de vale
intitulado “Credi-nota”, que deveria ser apresentado por cada cliente quando do
recebimento do produto.
Assim as coisas, e decorridos alguns dias, a loja decide ajuizar contra um dos
consumidores que participou da negociação e recebeu o “Credi-nota” uma “ação ordinária
anulatória de ato jurídico”, sob a alegação de que a declaração publicitária estaria eivada
de erro, eis que o preço de aquisição do forno pela loja, segundo nota fiscal emitida pelo
fabricante e exibida nos autos, era de 201.582,93, enquanto que o preço anunciado
erroneamente representava pouco mais de 10% desse valor.
Alegou, ainda, que diante do clima de negociação extremamente tenso, das
ameaças quase que físicas dos consumidores, da presença da Polícia Militar e de membros
do Ministério Público estadual, e de outras circunstâncias que relata na exordial, o gerente
da loja teria aderido sob coação ao acordo proposto pelos representantes do PROCON.
Portanto, seja por erro, seja por coação, pleiteou, a loja de departamentos, em
sua peça exordial, a anulação do referido acordo.
192
O Ministério Público goiano, por sua vez, decidiu ajuizar uma “ação civil
pública coletiva com preceito cominatório para obrigação de fazer, cumulada com perdas e
419
danos”
contra a loja, visando o “cumprimento da obrigação derivada dos contratos
celebrados [...], dando início, de imediato, à entrega dos ‘fornos de microondas digitais
MW 520 Sharp’ aos consumidores portadores do documento denominado ‘Documento de
420
Caixa e Recibo’ (ou ‘Credi-nota’)”
.
Em virtude da conexão entre causas e da prevenção do juízo da 6ª Vara Cível
de Goiânia, para o qual primeiramente se distribuiu a demanda anulatória da loja de
departamentos, determinou-se a reunião dos processos no juízo prevento para julgamento
conjunto, nos termos do art. 105 do Código de Processo Civil.
Designada audiência de instrução e julgamento, na qual foram ouvidos os
depoimentos de inúmeras testemunhas, o juiz da 6ª Vara Cível de Goiânia houve por bem
“acolher o pedido da autora [loja de departamentos], para declarar sem validade jurídica o
compromisso que fez com os requeridos, de entregar-lhes o forno de microondas Sharp,
digital, pelo preço contido na oferta anunciada na imprensa local, por considerar que não
houve propaganda enganosa e que esse compromisso foi feito sob coação, portanto, com
mácula que invalida o ato jurídico, por viciar a vontade de uma das partes”
421
.
No que tange exclusiva e especificamente à mensagem publicitária promovida
pela loja – único aspecto da sentença que se conecta ao tema deste trabalho – entendeu, o
magistrado, que “não se pode admitir como propaganda enganosa, mas apenas erro
material contido no anúncio, pois mesmo pessoas de mediana inteligência jamais
admitiriam como correta tal publicação, em face do disparate entre a oferta e o preço real
da mercadoria. Será que alguém em sã consciência aceitou o anúncio da venda do forno
419
GOIÁS. Ministério Público, Núcleo de Proteção ao Consumidor, Ação civil pública coletiva com preceito
cominatório para obrigação de fazer cumulada com perdas e danos, Petição inicial de 5 maio 1992,
Representante: Eliseu José Taveira Vieira, p. 1.
420
Id. Ibid., p. 17: destaques do original.
421
GOIÂNIA. 6ª Vara Cível, Processo n. 91034897, Ação de rito ordinário, Sentença de 23 set. 1992, Juiz:
Gonçalo Teixeira e Silva, p. 17.
193
microondas Sharp, digital, pelo preço nele contido como correto? Tenho para mim que
não, pois a distância entre o valor errado consignado e o efetivo valor do bem foi
exatamente de 10% do preço real [sic; leia-se 90%]. Sem dúvida alguma que o erro
material do anúncio está caracterizado. Qual seria o sentido dessa empresa fazer o anúncio
do produto já referido, por preço tão irrisório? Sinceramente, não encontro resposta
satisfatória, pois o equívoco apresenta-se com meridiana clareza. Se amanhã uma
concessionária de veículos anunciar um carro novo que custa 95.000,00 por apenas
9.500,00, essa empresa não está obrigada a vender esse veículo por valor correspondente a
10% do seu custo real, pois o que se pode sentir, à primeira vista, é que algo está errado no
anúncio. Querer, o consumidor, prevalecer-se de uma situação desta natureza, no meu
sentir, é um procedimento incorreto, na tentativa de obter uma vantagem indevida, mercê
de um erro que se mostra claro e convincente. Ora, dentre as pessoas que pretendem obter
o forno [...] pelo preço contido no anúncio, há muitas de nível superior e com suficiente
capacidade de entender que algo estava errado na publicação como foi feita. Inobstante,
insistem em seu intuito de adquirir um produto por preço irrisoriamente impossível. Tal
comportamento, entendo, não se coaduna com os bons princípios éticos a que todos
devemos obediência”
422
.
Inconformados, o Ministério Público e a consumidora que figurou no pólo
passivo da demanda anulatória da loja de departamentos interpuseram recurso de apelação
perante o Tribunal de Justiça de Goiás, que restou improvido, por unanimidade de votos,
consoante os seguintes fundamentos do relator e desembargador NOÉ GONÇALVES
FERREIRA: “Tudo o que foi dito pelo Assistente, pelos Contestantes, pelos Reconvintes,
pela douta Procuradoria Geral de Justiça, não consegue enfraquecer uma realidade
inafastável: os fatos evidenciam a pretensão de um grupo de consumidores em adquirir
fornos microondas por preço vil (assim é aquele que, como no caso, pouco ultrapassa em
10% o preço de custo) aproveitando-se de erro na veiculação publicitária do produto. Não
há dúvida em que o Código de Defesa do Consumidor obriga ao fornecedor no momento
mesmo da oferta, da apresentação ou da publicidade, e é certo que o artigo 35, caput e
inciso I, confere ao consumidor o poder de exigir o cumprimento forçado da obrigação
422
Id. Ibid, p. 9-10.
194
[...]. Isto é salutar e há muito tempo reclamado. As várias argumentações sobre as relações
obrigacionais são válidas, mas não têm cabida no caso dos autos, em que, pelas suas
próprias características, evidenciou tratar-se de erro na publicação e não de publicação
enganosa. O princípio da ‘vinculação da oferta’, no CPDC, não pode ser absoluto.
Acho mesmo uma temeridade o acolhimento cego do entendimento de que o artigo 30 do
Código de Defesa do Consumidor tem efeito vinculativo absoluto. Sirvo-me do exemplo
suscitado pela apelada para mostrar esse risco: se, a despeito da boa-fé, um anúncio
veicula, erradamente, a venda de um automóvel por preço ínfimo, o comerciante estará
obrigado, automaticamente, a entregá-lo por tal preço? O próprio enunciado já mostra o
equívoco em que se poderia incidir. Não se trata, em verdade, de contraposição a esta ou
àquela teoria que possa orientar as relações de comércio, mas sim de manter íntegra uma
realidade insofismável: se o consumidor não pode, e não deve, ficar à mercê do fornecedor,
este, por sua vez, não pode se transmudar em presa do consumidor. Acho que a Lei quer o
equilíbrio nessas relações e não a superposição de uma das partes. Não sendo assim, o
problema continuaria o mesmo, só que com posições invertidas. É mister ressaltar que
a tese contida no ensaio de fls. 248 e segs. leva à inaceitável conclusão de que basta haver
erro no anúncio que, automaticamente, acarretará a responsabilidade de cumprimento da
obrigação. Não estamos tratando, aqui, meramente, de uma situação em que frente a uma
publicidade enganosa, o fornecedor se recusa a manter o preço anunciado. Trata-se, o
presente caso, de erro evidente, evidentíssimo, no preço anunciado [...]. A verdade é que o
preço anunciado, comparado com os do pequeno secador de cabelos, cafeteira, batedeira de
bolos, calculadoras, etc. (fls. 85 do vol. 1/3), veiculados no mesmo anúncio, já
evidenciava, à farta, o erro havido”423.
195
2.2.3. Incorporação imobiliária: promessa de financiamento
Uma consumidora ajuíza ação de rito ordinário contra certa incorporadora
alegando que, atraída por propaganda, adquiriu desta um apartamento localizado em Porto
Alegre, RS. Diz também que o motivo principal de sua opção foi a garantia do
financiamento em quinze anos, e pelo plano de equivalência salarial. Salientou que pagou
todas as notas promissórias correspondentes à poupança na forma pactuada. Assevera que,
após encaminhar todos os documentos e preencher as formalidades exigidas pelo Banco,
teve negado o financiamento em razão da intervenção do Banco Central do Brasil sofrida
por esta mesma instituição bancária. Requereu a condenação da incorporadora a cumprir
sua promessa de financiamento do saldo devedor, sob pena de multa.
Em contestação, a incorporadora argumenta que era obrigação contratual da
adquirente preencher os requisitos de renda e cadastro capazes de lhe garantir a obtenção
do financiamento. Alega que o Banco negou o financiamento porque não comprovadas as
rendas indicadas pela autora e que houve uma primeira aprovação do pedido, o que
exoneraria a ré de culpa. Invoca o parágrafo único da Cláusula Quarta do contrato,
acrescentando que o pedido é juridicamente impossível, porque só agentes financeiros
autorizados pelo Governo Federal podem dar financiamentos pelo Sistema Financeiro da
Habitação (SFH), mediante o plano de equivalência salarial.
Na sentença, o juiz decidiu pela improcedência da ação, pelos seguintes
fundamentos: (i) a veiculação do anúncio em objeto não configura publicidade enganosa
referida no art. 37 do CDC; (ii) o anúncio publicitário não é falso e não induz em erro o
consumidor; (iii) o financiamento seria concedido desde que o candidato preenchesse os
requisitos exigidos pelo agente financeiro; (iv) “Financiamento garantido” significa que a
instituição bancária financiadora concederia financiamentos, desde que preenchessem os
requisitos exigidos; (v) na Cláusula Quarta do instrumento de compromisso de compra-evenda, a promitente-compradora declara-se ciente de todas as regras e exigências para a
concessão de financiamento no âmbito do SFH, constando, ainda, na mesma cláusula, que
423
GOIÁS. Tribunal de Justiça, 2ª Câmara Cível, Apelação n. 30594-0/188, Acórdão de 10 fev. 1994,Relator:
Noé Gonçalves Ferreira. fls. 165-167.
196
a promitente-compradora ficaria desde então obrigada ao pagamento integral da quantia,
caso não fosse aprovado o financiamento pelo SFH
424
.
Ao apelar da sentença perante o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a
consumidora insiste em que à luz do CDC o anúncio da incorporadora caracterizou-se
como propaganda enganosa, pois a garantia do financiamento era fundamental para a
concretização do negócio, já que sem isso não teria condições financeiras para adquirir o
imóvel. Salienta, ainda, que o Banco já lhe havia aprovado o financiamento, recuando,
425
porém, após ter sofrido a intervenção do Banco Central
.
Apresentadas as contra-razões, e vindo, os autos, à conclusão do relator e
desembargador GUINTHER SPODE, proferiu, este, o seu voto, cujas principais passagens –
extremamente relevantes ao tema do princípio da integração publicitária do contrato – são
as seguintes: “Narra a apelante ter sido atraída por propaganda veiculada pela apelada. As
reproduções do folder anunciativo encontram-se às folhas 13 e 157 dos autos. Neles
constam a inscrição ‘financiamento garantido’. Nenhuma ressalva é feita acerca das
condições de concessão do financiamento. A afirmação de que, seguido à risca o anúncio
veiculado, exigir-se-ia o mesmo financiamento a um assalariado de baixa renda é falaciosa
e não merece prosperar. Somente por amor ao argumento, se este assalariado viesse a
postular a compra e o financiamento do imóvel, certamente não passaria da mera
cogitação, eis que, de plano, a incorporadora não daria seguimento à pretensão daquele
infeliz excluído. Tal não é o caso dos autos. A apelante, à época, funcionária pública
estável da União, postulou a compra e financiamento do imóvel. A apelada fez a análise da
situação financeira, bem como da documentação da apelante, admitindo-a como cliente.
Contratada a compra do imóvel, passou a apelante a efetuar pagamentos da parcela não
financiada, diretamente à incorporadora, que os aceitou. Mister que se diga que os
pagamentos efetivados giram na ordem de 48% do valor do imóvel, o que não é pouco [...].
Nada há na propaganda, veiculada inclusive em jornal de grande circulação, acerca dos
requisitos a serem implementados. Não há ressalvas. A frase é absoluta: ‘Financiamento
424
Cf. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça, 19ª Câmara Cível, Apelação n. 598.435.063, Acórdão de 22
dez. 1998, Relator: Guinther Spode, p. 2-3.
197
garantido’. Do anúncio exsurge com cristalina clareza o entendimento de que, caso
houvesse financiamento, este era garantido. Nada mais há a dizer sobre o assunto, nada
mais há a interpretar. Tudo que se disser sobre requisitos a serem implementados, não está
na propaganda a que se obrigou a apelada. E não se diga que o fato de constar o nome do
Banco Banespa na propaganda como ‘Obra financiada pelo Banespa’ coloque a garantia
dada sob condição de resolutividade do contrato. Os contratos não podem ser interpretados
de maneira a onerar ou restringir direitos do consumidor. O financiamento da obra diz com
a construção do prédio, com a incorporação, jamais com a venda a terceiros [...]. De
entendimento mediano, acessível aos contratantes, que a propaganda que anuncia o
produto vincula a contratação, baliza-a. Qualquer modificação contratual não anuída,
posterior ao anúncio, é passível do conhecimento por parte do Poder Judiciário, na defesa
dos direitos e deveres individuais e coletivos inscritos na Constituição Federal [...]. Vicioso
é o contrato que estabelece obrigação em desacordo com a propaganda que o
originou. Nenhuma dúvida resta de que o contrato, acostado às folhas 14 a 18, é adesivo
[...]. Improcede, ainda, a alegação de que a apelada não pode financiar o imóvel. Certo está
que não pode atuar como agente financeiro, eis que tal não é. Entretanto, deve cumprir a
avença a que se obrigou em propaganda e efetivar o financiamento às próprias expensas,
nos mesmos moldes do anunciado, inclusive pela equivalência salarial. Colegas, com a
inversão do ônus sucumbencial, voto pelo provimento do apelo”
426
.
Note-se que o relator invocou como fundamento legal de seu voto apenas o art.
37 do CDC, que veda “a propaganda enganosa ou abusiva”, não tendo mencionado
sequer en passant o art. 30 do mesmo Código. Isso não obstante, é patente que toda a ratio
decidendi do voto apóia-se no princípio da integração publicitária do contrato insculpido
neste último artigo, o que fica claríssimo, aliás, quando o relator, a certa altura, assevera
que “vicioso é o contrato que estabelece obrigação em desacordo com a propaganda que o
originou”
427
.
425
Cf. Id. Ibid., p. 4.
426
Id. Ibid., p. 5-11.
427
Id. Ibid., p. 8.
198
De qualquer forma, o revisor e desembargador CARLOS RAFAEL
DOS
SANTOS
JÚNIOR divergiu do relator, por razões que merecem transcritas neste passo, eis que
revelam frontal contrariedade ao comando do art. 30 do CDC. Senão veja-se: “Revisei os
autos e tive oportunidade de constatar a presença de prova inequívoca, substancial e
torrencial no sentido de que a apelada lançou propaganda no mercado para compra-e-venda
de imóvel em que constava que o financiamento para essa aquisição era absolutamente
garantido. Neste ponto, não tenho dúvida alguma [...] Todavia, nos termos do art. 1080 do
Código Civil, o que obriga o contratante é a efetiva proposta, e eu não consigo ver na
publicidade, ainda que enganosa, efetiva proposta de negócio formulada à parte. Nessas
condições, eu não emprestaria ao fato da propaganda enganosa – e o é induvidosamente – a
conseqüência de compelir a construtora a outorgar, per se, financiamento nos moldes
previstos na propaganda. Parece-me que, diante dessa constatação, a solução estaria no
plano indenizatório, e não na obrigação, à construtora, de cumprir a propaganda. Note-se
que se estaria dizendo cumprir a propaganda, e não a proposta, porque a proposta que está
nas fls. 14 a 18 destes autos contém
inarredavelmente a exceção, ou seja, que o
financiamento está adstrito ao atendimento das normas do agente financeiro [...]. Nessas
condições, pedindo a máxima vênia, ouso divergir e votar no sentido de improver a
apelação, entendendo que a solução está no plano indenizatório, o que não se pode
alcançar, já que não há pedido nesse sentido, senão o de que seja compelida a apelada ao
cumprimento da promessa de financiamento do saldo devedor, sob pena de multa”
428
.
Vê-se, pois, que ao não reconhecer qualquer vinculatividade à promessa de
“financiamento garantido” contida no anúncio publicitário da incorporadora, o revisor não
teve em mente, nem de longe, a norma do art. 30 do CDC.
Pois bem. Tendo o Segundo Vogal seguido integralmente o voto do relator,
resultou provida, a apelação da adquirente, por maioria de votos.
Inconformada, a incorporadora interpôs embargos infringentes perante o
Décimo Grupo Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, argumentando, em
síntese, “não haver vinculação entre a propaganda enganosa e a obrigação de fazer a que
428
Id. Ibid., p. 11-12.
199
foi condenada, pois naquela não há uma real proposta de contrato e, neste caso, como
429
dispõe o art. 12 do CDC, cabe apenas o dever de indenizar”
, alegando, ainda, que o voto
vencedor fere o art. 1080 do Código Civil.
O relator e desembargador ILTON CARLOS DELLANDRÉA votou pelo provimento
dos embargos, nos seguintes termos: “Definida unanimemente a emergência de
propaganda enganosa, nada resta a analisar no aspecto. Cinge-se a discussão aos termos do
ilustrado voto vencido. Também não vejo, neste, o poder de a propaganda obrigar, aquele
que a veicula, a acatar manifestação de possível aderente como uma proposta de contrato,
estabelecendo a priori obrigações mútuas. A propaganda não tem efeito policitante,
mesmo enganosa, e sujeita o fornecedor a perdas e danos [...]. A propaganda, em geral,
exterioriza qualidades genéricas de determinado produto, ofertando bases também
genéricas de negociação mútua, atraindo potenciais interessados, considerando-se com a
aproximação particularidades e compondo-se interesses para o fechamento do negócio.
Somente então, definidos os contornos, pactuadas as cláusulas e condições do contrato, e
celebrado este, emerge a força obrigatória deste. Mesmo a proposta expressa não obriga ao
cumprimento [...]. A obrigação de manter a proposta, pois, não necessariamente imporá a
obrigação de cumpri-la. Então, mesmo que considere a propaganda veiculada uma
verdadeira proposta, ainda assim a resolução se dará no plano indenizatório, como defende
o voto vencido. Dou provimento aos embargos
430
.
Todavia, o desembargador JOSÉ AQUINO FLORES
DE
CAMARGO, remetendo-se
incondicionalmente ao supracitado voto do desembargador GUINTER SPODE proferido no
juízo de apelação, a este agregou expressamente o fundamento legal que lhe estava
faltando para evidenciar de vez que, na hipótese sub judice, a promessa publicitária de
“financiamento garantido” integrou-se ao compromisso de compra-e-venda como
obrigação da incorporadora, por força do art. 30 do CDC.
429
430
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça, 10º Grupo Cível, Embargos infringentes n. 599.212.396,
Acórdão de 28 maio 1999, Relator: Ilton Carlos Dellandréa, p. 2-3.
Id. Ibid., p. 3-5 (destaquei).
200
Confira-se o teor deste voto, que acabou sendo acompanhado pela maioria do
Grupo, e levando, por conseguinte, à rejeição dos embargos infringentes da incorporadora:
“[...] o voto vencido, da lavra do também eminente Des. Carlos Rafael dos Santos Júnior,
foi incisivo ao reconhecer que a apelada lançou propaganda no mercado para compra-evenda de imóvel em que constava que o financiamento para aquisição era absolutamente
garantido. Porém, nos termos do art. 1080 do Código Civil, entendeu que o que vincula o
contratante é a efetiva proposta, não vendo na publicidade, ainda que enganosa, este efeito.
E por aí concluiu que a solução estaria no plano indenizatório. Todavia, ouso divergir para
acompanhar a douta maioria. O CDC, no particular, trouxe importante evolução no tocante
ao instituto da oferta e da vinculação das informações publicitárias emitidas pelo ofertante
perante a massa de consumidores. Ainda que o art. 1080 do CCB estabeleça que ‘a
promessa de contrato obriga o proponente’, na verdade, até o advento da lei consumeirista,
vigia um sistema em que a oferta contida na publicidade era mero convite a fazer a oferta.
Isto é, após veiculado anúncio publicitário, mesmo que nele estivessem as informações
essenciais para o negócio (coisa, preço, identificação do oferente...), considerava-se que
havia mero convite. Pelo sistema do CCB, ocorria a inversão das posições: o consumidor,
ao procurar o ofertante, é que apresentaria uma proposta, que seria ou não aceita por este,
segundo sua livre vontade. Na lição do eminente Des. Wilson Carlos Rodycz, em artigo
publicado pelo Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor, o colega advoga:
‘A evolução do CDC consiste em dispor, de modo expresso, no art. 30 que toda
informação ou publicidade [... omissis]. Esse dispositivo veio sanar esse segmento do
mercado, afastando de vez a tese de que os exageros da publicidade constituem-se em
aceitável dolus bonus do comércio. Não por acaso, vige o brocardo caveat emptor, ou por
outra, o comprador que se acautele... No novo quadro jurídico, a publicidade, bem como
quaisquer outras informações veiculadas, obrigam o ofertante e integram o contrato. Numa
palavra, o ofertante não está obrigado a ofertar, a fazer publicidade, mas se o fizer
terá que fazê-lo corretamente e terá que responder por ela como verdadeira e acabada
oferta’. Não há dúvida, destarte, que se impõe a incidência do CDC para equacionar a
201
relação das partes, apontando-se como anacrônica a interpretação baseada na aplicação
pura da regra do art. 1080 do C. Civil”
431
Id. Ibid., p. 6-7 (destaquei).
431
.
202
CAPÍTULO 15: ARGENTINA – O ART. 8 DA LPDC
Na argentina, a doutrina revela que o sentido e alcance do art. 8 da LPDC não
diverge substancialmente do art. 30 do CDC. Nesse sentido é a posição de MOSSET
ITURRASPE, que não vacila em afirmar que “a publicidade integra o contrato, forma parte
de seu conteúdo, cria deveres e direitos, tenha sido mencionada, reiterada ou aludida no
contrato, ou tenha sido deixada de lado, ignorada. Ocorre que a ‘confiança’ suscitada por
uma parte, e a ‘aparência’, em relação àquilo que se mostra como verdade, são hoje
paradigmas fundamentais, filhos da boa-fé contratual”432.
E com particular acuidade continua o mesmo Autor dizendo que “a publicidade
integra o contrato. Esta afirmação teria parecido herética há poucos anos atrás. Hoje tem
acolhida nos direitos mais avançados que enfrentaram o problema do marketing, da
promoção publicitária, do avanço do mercado sobre ‘a decisão do consumidor’. A doutrina
tradicional só outorgava força normativa, poder genético, ou de criar direitos e deveres, à
recolhida no conteúdo negocial, total ou parcialmente; a que ficava fora, os anúncios,
propaganda, prospectos, consideravam-se aspectos ou questões alheias ao negócio. Em
caso de oposição ou contradição devia-se ater ao pactuado, ainda que não houvesse
explicação suficiente e razoável para esse afastamento dos ‘antecedentes’ ou declarações
pré-negociais emanadas de uma das partes celebrantes. Esse divórcio entre o publicitado e
o pactuado, baseado em um contrato com cláusulas predispostas, dava pé a enganos, dolos,
verdadeiras fraudes à boa-fé. A norma do art. 8 tende a pôr fim a esse lamentável estado de
coisas. A publicidade apresenta-se como um aspecto básico das ‘tratativas pré-contratuais’,
dirigida aos consumidores potenciais, cerceando, limitando o conteúdo negocial. É uma
antecipação negocial da qual não se deve afastar, ao menos sem uma explicação coerente.
E esta solução nova, revolucionária se sequer, tem fundamentos suficientes: a publicidade
é o que atrai o usuário ou consumidor potencial; entra, penetra, é internalizada, posto que
432
MOSSET ITURRASPE, Jorge. op. cit., p. 78-79.
203
usa-se uma técnica de captação, de sugestionamento e convencimento; quer-se o bem ou
serviço com base no apresentado, ouvido, percebido pelos sentidos”433.
RICARDO LORENZETTI, todavia, parece incidir em ligeiro equívoco quando afirma
que a lei prevê que a publicidade integra a oferta, o que requer que exista uma oferta
(LPDC, art. 8)”434. É que a publicidade, na verdade, não integra a oferta, mas o contrato.
Com efeito, as mais das vezes, a publicidade veicula apenas certos elementos ou
condições negociais de fornecimento do bem ou serviço publicitado, e não um contrato
acabado, com todos os elementos essenciais. Nessas hipóteses, embora a publicidade não
represente uma oferta ao público, os seus elementos “suficientemente precisos”
integrarão os contratos que os consumidores, instigados pela publicidade, vierem a celebrar
com o fornecedor.
Portanto, as declarações publicitárias, ainda que representem mero invitatio ad
offerendum por não reunirem elementos mínimos ou suficientes à formação de uma espécie
contratual consistente e acabada, integrarão os contratos celebrados durante o período de
eficácia da publicidade em questão, mesmo que nessa hipótese os consumidores devam ser
considerados os verdadeiros proponentes, por se terem dirigido, eles mesmos, ao
fornecedor, e tomado a iniciativa de contratarem o produto ou serviço publicitado.
Talvez, esse ligeiro equivoco interpretativo de LORENZETTI possa se explicar pelo
fato de que, na Argentina, como visto, até o advento da LPDC, o ordenamento jurídico não
abrigava a oferta ao público, e quando o art. 7 desta Lei a introduziu naquele país, o fez
impondo-lhe requisitos mais rigorosos que os vigentes nos demais países, pois além da
completude e da intenção de vincular-se, estabeleceu a obrigatoriedade de se definir
433
Id. Ibid., p. 95-96.
434
LORENZETTI, Ricardo Luis. Consumidores, cit., p. 194 (destaquei).
204
expressamente (i) o prazo de sua vigência e (ii) certos elementos acidentais ao contrato
referidos pela locução “modalidades, condições ou limitações”
435
.
Questão interessante é saber se no direito argentino, quando a oferta ao público for
completa e revelar intenção de vinculação do ofertante, mas não especificar prazo ou
aqueles elementos não-essenciais previstos no art. 7, in fine da LPDC, ensejará a
integração do contrato.
Parece-me que o entendimento de LORENZETTI seria no sentido negativo. Confirase a seguinte passagem: “Efeitos da falta de elementos na oferta. A regra geral é que, se
a oferta não reúne os elementos substanciais, sobretudo a completude, não há oferta, e
portanto não haverá contrato, por mais que seja aceita. Se faltam esses elementos e houve
uma expectativa razoável para confiar, poderá haver uma responsabilidade de outro tipo,
mas não contrato. Se o que faltam são elementos relativos às limitações, condições, etc.,
que não formam a ‘existência jurídica’ de um contrato, senão a compreensão do
consumidor, haverá oferta e contrato, com inadimplemento do dever de informar”436.
De qualquer forma, a pesquisa que promovi acerca da aplicação do art. 8 da LPDC
pelos tribunais argentinos, a qual contou inclusive com a colaboração de advogados locais,
não logrou identificar nenhum julgado específico sobre a matéria, o que parece indicar que
o preceito ainda não encontrou ressonância e sobretudo efetividade entre os consumidores
argentinos, tampouco entre os operadores do direito desse país.
435
436
LPDC, art. 7º: “A oferta dirigida a consumidores potenciais indeterminados, obriga a quem a emite
durante o tempo em que se realize, devendo conter a data precisa de começo e término, bem como
suas modalidades, condiciones o limitaciones” (destaquei).
LORENZETTI, Ricardo Luis. Consumidores, cit., p. 197.
205
CAPÍTULO 17: UNIÃO EUROPÉIA – OS ARTS. 2º E 6º DA DIRETIVA 1999/44/CE
A Diretiva 44 de 25 de maio de 1999 (1999/44/CE) relativa a “certos aspectos da
venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas” também reconheceu à
publicidade comercial uma relevância contratual, muito embora restringindo, tal
reconhecimento, ao âmbito específico do contrato de compra-e-venda de bens de consumo,
e servindo-se de técnica legislativa distinta daquela adotada pela Espanha em 1984, qual
seja a positivação do “princípio da integração publicitária do contrato”.
Com efeito, a Diretiva introduziu no direito comunitário europeu o princípio da
conformidade do bem vendido ao contrato de compra-e-venda, ao estabelecer no art.
2º, item 1, que “o vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam
conformes com o contrato de compra-e-venda”437, presumindo conformes os bens que –
dentre outras condições enumeradas no item 2 do mesmo artigo – atendem “às
declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo
produtor ou pelo seu representante, particularmente na publicidade ou na rotulagem”
(alínea “d”).
Ademais, particularizando tal princípio às promessas de garantia dos bens
vendidos – das quais frequentemente se servem, os vendedores, em suas campanhas
promocionais –, o art. 6º, item 1 da Diretiva estabelece que “as garantias vinculam
juridicamente as pessoas que as oferecem, nas condições constantes da declaração de
438
garantia e da publicidade correspondentes”
437
Destaquei.
438
Destaquei.
.
206
439
Segundo a doutrina européia em torno da Diretiva
, a norma do art. 2º teria se
inspirado no art. 35 da CISG-UNCITRAL (Convenção da Viena de 1980, sobre a venda
440
internacional de bens móveis)
.
Todavia, a utilização da publicidade comercial do bem vendido como critério de
aferição de sua conformidade com o contrato não encontra correspondência com
nenhuma das regras de conformidade especificadas naquele artigo da CISG-UNCITRAL
441
.
Se antes a publicidade comercial exercia um papel de mero veículo de informações
pré-contratuais, destituídas de caráter vinculante, hoje, no direito dos países da União
Européia que já transpuseram as disposições dessa Diretiva a seus respectivos
ordenamentos jurídicos nacionais, não subsiste qualquer dúvida de que as informações
publicitárias – no dizer de ELENA BELLISARIO – “penetram no interior do contrato de
compra-e-venda, especificando o conteúdo da obrigação do vendedor, adquirindo,
442
portanto, um caráter vinculante”
, ou, na precisa expressão de LAURA MASCALI, “as
443
declarações públicas tornam-se parte integrante do contrato”
.
439
Por todos: PATTI, Salvatore. [Commentario - CC, art. 1519-ter, comma 1º e 2º]. IN: PATTI, Salvatore
(coord.). Commentario sulla vendita dei beni di consumo. Milano: Giuffrè, 2004, p. 73.
440
CSIG-UNCITRAL, art. 35, 1: "O vendedor deverá entregar mercadorias cuja quantidade, qualidade e tipo
correspondam ao estipuladosno contrato, e que estejam envasados ou embalados na forma fixada pelo
contrato. [...]".
441
CSIG-UNCITRAL, art. 35, 2: "Salvo se as partes pactuaram de modo diverso, as mercadorias são
conformes ao contrato se: (a) são aptas para os usos a que ordinariamente se destinem mercadorias do
mesmo tipo; (b) são aptas para qualquer uso especial que expressa ou tacitamente o comprador tenha
declarado ao vendedor no momento da celebração do contrato, salvo se das circunstâncias resulte que o
comprador não confiou, ou não era razoável que confiasse na habilidade ou no juízo do vendedor; (c)
possuam as qualidades da amostra ou modelo que o vendedor apresentou ao comprador; (d) estejam
envasadas ou embaladas na forma habitual para tais mercadorias ou, em não existindo uma forma
habitual, de modo adequado para conservá-las e protegê-las".
442
BELLISARIO, Elena. [Commentario – CC, art. 1519-ter, 2º comma, lett. "c"]. IN: PATTI, Salvatore (coord.).
Commentario sulla vendita dei beni di consumo. Milano: Giuffrè, 2004, p. 120.
443
MASCALI, Laura. La conformità al contratto com riferimento alle 'dichiarazioni pubbliche sulle
caratteristiche specifiche dei bene": art. 1519-Ter CC. IN: UNIVERSITÀ DI CATANIA. Annali del Seminario
Giuridico – Vol. V (2003-2004). Milano: Giuffrè, 2005, p. 561.
207
Tal reconhecimento se deu em consideração ao fato de que, em regra, é sobre a
base das informações divulgadas antes da conclusão do contrato – em particular, aquelas
veiculadas na publicidade comercial – que o consumidor se determina a adquirir o bem,
fundando nessas informações as suas próprias expectativas de qualidade e utilidade do
produto.
A ratio da disposição centra-se na consciência atual da enorme relevância que as
mensagens publicitárias têm assumido na dinâmica da moderna economia de mercado, e da
potente influência que exercem sobre os comportamentos e sobre as escolhas dos
consumidores. Se, de fato, às duas funções – informativa e persuasiva – tradicionalmente
atribuídas às comunicações publicitárias se tende geralmente a dar uma particular
relevância, em muitos casos constata-se que a persuasão acaba assumindo um papel
nitidamente predominante
444
.
Ainda na observação de BELLISARIO, a norma da alínea “d” do art. 2º da Diretiva
1999/44/CE veio de encontro a uma tendência que já vinha se esboçando no direito
comunitário europeu, no sentido de se superar a rígida distinção entre informações précontratuais e declarações negociais. Em diversos capítulos das relações de consumo –
sobretudo no referente à obrigação de informação do fornecedor, considerada como um
dos pilares sobre os quais, desde a sua origem, construiu-se a disciplina comunitária da
tutela do consumidor –, assiste-se ao fenômeno da progressiva absorção da fase pré pela
fase contratual propriamente dita, podendo-se falar de uma contratualização das
informações
445
.
444
Cf. BELLISARIO, op. cit., p. 127.
445
Cf. id. Ibid., p. 121.
208
EPÍLOGO: SÍNTESE DAS TESES APRESENTADAS
209
CAPÍTULO 16 – CONCLUSÕES SOBRE A PROPOSTA DE CONTRATO
1. Princípio da irrevogabilidade da proposta de contrato
No direito contratual brasileiro, por força do art. 427 do Código Civil de 2002, que
reproduz integralmente o art. 1080 do Código de 1916, que por sua vez teve como fonte de
inspiração o § 145 do BGB, vigora o princípio da irrevogabilidade da proposta de
contrato.
A interpretação tradicional deste artigo, que remonta à formulada por CLOVIS
BEVILAQUA, e que se pode considerar ainda dominante, é equivocada e reduziu o
dispositivo legal à completa inutilidade. Por ela, o efeito jurídico da proposta de contrato
seria a obrigação stricto sensu e ex lege do proponente de manter (ou “sustentar”, ou
“não revogar”) a proposta no prazo implícita ou expressamente estabelecido.
A partir desta falsa premissa, e sob o influxo do prestígio do princípio anacrônico e
individualista segundo o qual nemo praecise cogi potest ad factum, sustenta-se que se o
proponente retirar (ou “revogar”) a proposta nos casos em que não pode fazê-lo, a
obrigação de fazer originária converte-se em obrigação de indenizar eventuais perdas e
danos.
Todavia, o verdadeiro sentido do dispositivo, consoante o entendimento pacífico da
doutrina e jurisprudência alemãs (BGB, § 145), e as vozes abalizadas de EDUARDO
ESPINOLA e PONTES
DE
MIRANDA, é o de que, da proposta de contrato, não emerge
qualquer vínculo obrigacional. Pelo simples fato de haver feito a proposta, o proponente
não tem de realizar qualquer prestação, quer positiva, quer negativa. A proposta de
contrato, por si só, não constitui fonte de obrigação. O que o art. 427 do nosso Código
estabelece, em essência, é que a proposta é irrevogável.
210
Pelo princípio da irrevogabilidade, a declaração originária da proposta mantém-se
de pé, conservando todo o seu viço e eficácia, até o advento de alguma condição que enseje
a sua caducidade, tal como o decurso do prazo expresso ou implícito à proposta, a recusa
pelo oblato, ou o resultado a que naturalmente está vocacionado a proposta: a aceitação.
Mesmo tendo declarado, o proponente, a intenção de revogar a sua proposta,
sobrevindo tempestivamente a aceitação do oblato, o contrato se forma. A partir deste
momento, já se está no campo puramente contratual, de modo que eventual recusa do
proponente a cumprir as obrigações que lhe tocam no contrato recém-formado, receberá as
respostas que o direito têm reservadas ao inadimplemento contratual.
2. Vinculação mínima e máxima da proposta de contrato
A vinculação jurídica que decorre da realização de uma proposta de contrato a
alguém apresenta dois graus de intensidade:
(a) vinculação mínima: é o efeito jurídico necessário de toda proposta de
contrato – independentemente de ser ou não irrevogável –, segundo o qual a proposta
proporciona ao oblato um direito potestativo ou formativo de constituir o vínculo
contratual com sua aceitação pura e simples, direito a que se contrapõe o que se chama de
estado de sujeição a que se submete, no caso, o proponente;
(b) vinculação máxima: dá-se quando à vinculação mínima agrega-se a
irrevogabilidade da proposta, que é efeito eventual, pois depende de disposição legal
expressa, ou da vontade do proponente. Portanto: Vinculação máxima = estado de sujeição
+ irrevogabilidade da proposta.
211
3. A irrevogabilidade da proposta no Código Civil e no Código Comercial
Até a revogação da Primeira Parte do Código Comercial pelo Código Civil de
2002, conviviam no Brasil dois regimes diametralmente opostos quanto à eficácia da
proposta de contrato.
Deveras, pelo Código Comercial, a proposta era livremente revogável pelo
proponente, desde que a declaração revocatória chegasse à esfera de conhecimento do
oblato antes de este ter expedido sua declaração de aceitação (cf. art. 127).
Ao contrário, pelo Código Civil, a proposta, embora passível de ser retirada pelo
proponente no período compreendido entre a sua emissão e a recepção pelo oblato, não
podia, após este momento, e até caducar por decurso do prazo de eficácia implícito ou
expresso, ser revogada de forma eficaz pelo proponente (CCbr-1916, art. 1081, IV).
Mantendo, os artigos 427 e 428 do Código Civil de 2002, a redação de seus
correspondentes artigos 1080 e 1081 do Código Civil de 1916, e não tendo ressalvado os
contratos empresariais, hoje, no Brasil, todos os contratos de direito privado, quer civis,
quer comerciais, sujeitam-se ao princípio da irrevogabilidade da proposta.
212
CAPÍTULO 17: CONCLUSÕES SOBRE A OFERTA AO PÚBLICO
1. A oferta ao público é constituída de declaração de vontade não-receptícia
Na sistemática do § 130 do BGB – o qual serve de referência para toda a Teoria
Geral do Direito – a chegada da declaração (Zugang der Erklärung) de vontade ao
destinatário é pressuposto legal da geração dos efeitos jurídicos (Wirksamweden) próprios
à declaração.
Todavia, esse pressuposto não se aplica, por definição, às declarações de vontade
dirigidas ad incertam personam, como a oferta ao público, pois não se endereçando esta a
pessoas predeterminadas, o fato de seu conteúdo ter ou não ter chegado efetivamente ao
conhecimento de alguém é de todo irrelevante.
Exemplo eloqüente de KÖNDGEN: a oferta de contrato feita por meio de anúncio em
jornal gera efeitos vinculantes no momento em que o jornal é publicado, e não quando um
exemplar do jornal chega à caixa de correio do assinante.
2. A oferta ao público, em princípio, é revogável
A peculiaridade de a oferta ao público ser constituída de declaração de vontade
não-receptícia tem como corolário o fato de, em face de todos aqueles, do público, que
ainda não tenham aceitado a oferta, ser esta revogável.
Deveras, a oferta ao público, em princípio, é revogável até mesmo no direito dos
países, como Alemanha, Brasil e Portugal que adotaram o princípio da irrevogabilidade
da proposta de contrato.
213
Digo “em princípio”, porque nada impede ao ofertante, sponte sua, torná-la
irrevogável por determinado tempo estabelecido nos termos da própria oferta ao público.
Daí não haver qualquer incompatibilidade ou incoerência entre os artigos 427
(irrevogabilidade da proposta de contrato) e 429, parágrafo único (revogabilidade da
oferta ao público) do Código Civil. A única exigência legal para a revogação eficaz da
oferta ao público é que ela se dê “pela mesma via de sua divulgação, desde que ressalvada
446
essa faculdade na oferta realizada”
.
3. Limites eficaciais implícitos à oferta ao público
O art. 429 do Código Civil estabelece que a oferta ao público equivale a proposta
de contrato “salvo se o contrário resultar das circunstâncias e dos usos”.
Uma das “circunstâncias” que retira vinculatividade às ofertas ao público é o fato
de terem por objeto contratos intuito personae, em que as características ou qualidades
pessoais do oblato são determinantes ou condicionantes da intenção de vincular-se do
ofertante.
Vale dizer que, não sendo vinculantes na hipótese de versarem contrato intuitu
personae – tais como o contrato de trabalho, a sociedade de pessoas, a locação, o seguro,
etc. –, as ofertas ao público não conferem aos eventuais interessados o direito potestativo
de constituir o vínculo contratual com a sua pura e simples aceitação (vinculação mínima).
446
CCbr-2002, art. 429, parágrafo único, in fine.
214
4. Ofertas ao público singulares e múltiplas
Outro limite implícito à oferta ao público diz respeito ao número de potenciais
aceitantes que ela pode admitir.
As ofertas ao público singulares são aquelas passíveis de serem aceitas por apenas
uma pessoa, gerando, por conseguinte, um único contrato.
É o que ocorre, via de regra, quando o objeto do contrato proposto é único – quer
por envolver bem indivisível, quer infungível, quer, ainda, porque, mesmo sendo fungível
o bem, o ofertante limita expressamente a oferta a apenas uma unidade.
As ofertas ao público múltiplas são aquelas passíveis de serem aceitas por mais de
uma pessoa, o que ocorre, por exemplo, quando o objeto do contrato proposto é múltiplo,
ou, sendo único, é divisível.
A importância prática desta distinção reside na circunstância de que a oferta ao
público singular se extingue ou caduca com a aceitação do primeiro interessado, enquanto
que em relação à oferta ao público múltipla – cujo objeto é certa pluralidade de bens ou de
serviços repetíveis – terão eficácia todas as aceitações que se enquadrarem nos limites de
estoque do ofertante (ou de sua capacidade de prestar, quanto a serviços), se outras
limitações não vierem especificadas expressamente nos termos da própria oferta ao
público.
5. Oferta ao público e o art. 30 do CDC
Ao contrário do que sustenta a esmagadora maioria dos autores que vêm
comentando o CDC, o art. 30 deste Diploma legal não disciplina a oferta ao público, e
sim o revolucionário princípio da integração publicitária do contrato.
215
6. Oferta ao público e o art. 35 do CDC
Quando fala em “recusar cumprimento à oferta”, este dispositivo se serve de
expressão de todo inadequada, o que tem propiciado interpretações equivocadas acerca do
sentido e alcance do CDC, art. 30, inclusive levando muitos a vislumbrarem neste um
“novo regime da oferta contratual”.
Ocorre que a oferta contratual não é algo passível de ser cumprido ou
descumprido, pelo simples e óbvio motivo de que é tão-somente oferta, e não contrato.
A “oferta” é algo que se faz, e uma vez feita e aceita pelo oblato, transmuda-se em
contrato, de modo que eventual descumprimento do ofertante quanto ao conteúdo da sua
própria oferta, não representa um descumprimento desta, e sim do próprio contrato já
plenamente formado pela aceitação da oferta.
O art. 35 do CDC refere-se exclusivamente à fase contratual, e não à oferta, que é
fenômeno pertencente à fase pré-contratual. Partindo do pressuposto de que a aceitação
pura e simples da oferta, manifestada expressa ou tacitamente (facta concludentia), já
enseja a constituição do vínculo contratual, este artigo estabelece alternativas, ao
consumidor, de execução das obrigações contratuais do fornecedor, em caso de
inadimplemento.
216
CAPÍTULO 18: CONCLUSÕES SOBRE O PRINCÍPIO DA INTEGRAÇÃO
PUBLICITÁRIA DO CONTRATO
1. A fonte de inspiração do art. 30 do CDC
O art. 30 do CDC tem como fonte direta o art. 8.1 da LGDCU espanhola de 1984,
que introduziu no ordenamento jurídico o que a jurisprudência chamou de princípio da
integração publicitária do contrato.
Tal princípio tem origem nitidamente pretoriana, tendo decorrido da aplicação
conjugada de dois emblemáticos dispositivos do Código Civil espanhol, a saber:
Art. 1258: “Os contratos se aperfeiçoam pelo mero consentimento, e desde
então obrigam não somente ao cumprimento do expressamente pactuado, senão também a
todas as conseqüências que, segundo sua natureza, sejam conformes à boa-fé, ao uso e à
lei”.
Art. 1282: “Para se interpretar a intenção dos contratantes, dever-se-á atentar
principalmente ao atos destes, coetâneos e posteriores ao contrato”.
3. Função e fundamentos do princípio
O princípio da integração publicitária do contrato visa tutelar as legítimas
expectativas criadas no ânimo dos consumidores pela atuação comercial dos fornecedores
(tutela da confiança), e deita suas raízes no princípio maior da boa-fé objetiva e da
veracidade, tomado este, sobretudo, no sentido de que as declarações publicitárias não
podem enganar ou induzir os consumidores a erro.
217
4. Publicidade comercial x oferta ao público x integração publicitária do
contrato
Toda oferta ao público é publicidade que descreve pelo menos os elementos
essenciais do contrato ofertado (CCbr-2002, art. 428), de tal modo que a conclusão deste
não requer outra declaração de vontade além da aceitação de eventual interessado em
contratar. Logo, nem toda publicidade é oferta ao público.
Isso não obstante, se a publicidade é incompleta do ponto-de-vista contratual, mas
pelo menos veicular informações suficientemente precisas, estas integrarão a posterior
os contratos que vierem a ser celebrados com os consumidores que se sentiram tocados
pela publicidade, prevalecendo inclusive, tais informações, sobre cláusulas escritas que
eventualmente lhes forem conflitantes.
* * * * *
218
ABREVIATURAS
1999/44/CE ................... Diretiva 44 da Comunidade Européia, de 25 de maio de 1999,
relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das
garantias a ela relativas
2000/31/CE ................... Diretiva 31 da Comunidade Européia, de 8 de junho de 2000,
relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade de
informação, em especial do comércio eletrônico, no mercado
interno
ABGB ........................
Allgemeines Bürgerliches Gesetzbuch für Österreich
ADHGB .....................
Allgemeines Deutsches Handelsgesetzbuch
ALR ............................
Allgemeines Landrecht für die Preussischen Staaten
AP .................................. Audiencia Provincial (Espanha)
B2B ............................
relação business-to-business
B2C ............................
relação business-to-consumer
BC ................................. Banco Central do Brasil
BGB ...........................
Bürgeliches Gesetzbuch
BGH ...........................
Bundesgerichtshof
CA ................................. Cour d’appellation
CC ................................. Cour de cassation
CCar ...........................
Código civil argentino
CCbr-1916 ..................
Código civil brasileiro de 1916
CCbr-2002 ..................
Código civil brasileiro de 2002
CCes ...........................
Código civil espanhol
CCfr ............................
Código civil francês
CCit ............................
Código civil italiano
CCObr ........................... Código comercial brasileiro
CCpt-1867 ..................... Código civil português de 1867
219
CCpt-1966 ..................... Código civil português de 1966
CDC .............................. Código brasileiro de defesa do consumidor
CISG- UNCITRAL ........... United Nations convention on contracts for international sale of
goods da UNCITRAL
CPC ............................... Código de Processo Civil brasileiro
CSO ............................... Código suíço das obrigações
FCISG-UNIDROIT .......... Uniform law on the formation of contracts for the international
sale of goods do UNIDROIT
JPI .................................. Juzgado de Primera Instancia(Espanha)
LGDCU ......................... Ley 26/1984, de 19 de julio, general para la defensa de los
consumidores y usuários (Espanha)
LGP ............................... Ley 34/1988, de 11 de novembro, general de publicidad
(Espanha)
LPDC ............................ Ley 24.240/1993, de 13 de outubro, de protección y defensa de
los consumidores (Argentina)
P2P ................................ relação person-to-person
PDEC-LANDO ................ Principes du droit européen du contrat (Commision OLE LANDO)
PICC-UNIDROIT ............. Principles of international commercial contracts do UNIDROIT
SFH ............................... Sistema Financeiro da Habitação
STF ................................ Supremo Tribunal Federal
STJ ................................ Superior Tribunal de Justiça
TAMG ........................... Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais
TJ-DF ............................ Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios
TJ-GO ............................ Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
TJ-MG ........................... Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais
TJ-RJ
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
TJ-RS ............................ Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
TJ-SC ............................ Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina
220
TJ-SP ............................. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
TS .................................. Tribunal Supremo (Espanha)
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______. Tribunal de Justiça, 4ª Câmara Civil, Apelação n. 142.976.1/3, Acórdão de 17 out.
1991, Relator: Alves Braga.
______. Tribunal de Justiça, 4ª Câmara de Direito Privado, Apelação n. 82.941-4/9,
Acórdão de 23 abr. 1998, Relator: Cunha Cintra.
______. Tribunal de Justiça, 8ª Câmara de Direito Privado, Apelação cível n. 9.270-4/1,
Relator: Debatin Cardoso, Acórdão de 26 ago. 1998.
234
ESPANHA
ALAVA. Audiencia Provincial, Rollo de apelación n. 290/1996, Sentencia n. 350/1996 de
24 jun., Ponente: Julen Guimón Ugartechea.
CÓRDOBA. Audiencia Provincial, Sección 1ª, Rollo de apelación n. 268/1998, Sentencia n.
42/1998 de 11 feb., Ponente: José María Magaña Calle.
ESPAÑA. Tribunal Supremo, Sala Primera, de lo Civil, Recurso de casación, Sentencia 14
jun. 1976, Ponente: Antonio Cantos Guerrero. Repertorio de jurisprudencia, Pamplona,
v. 1, verb. 2753, p. 2752, 1976.
______. Tribunal Supremo, Sala Primera, de lo Civil, Recurso de casación, Sentencia 27
enero 1977, Ponente: Antonio Cantos Guerrero. Repertorio de jurisprudencia,
Pamplona, v. 1, verb. 121, p. 120-122, 1977.
______. Tribunal Supremo, Sala Primera, de lo Civil, Recurso de casación, Sentencia de 9
feb. 1981, Ponente: Antonio Fernández Rodrígues.
______. Tribunal Supremo, Sala Primera, de lo Civil, Recurso de casación, Sentencia 8
nov. 1996, Ponente: Eduardo Fernández-Cid de Temes.
______. Tribunal Supremo, Sala Primera, de lo Civil, Recurso de casación, Sentencia de 7
nov. 1988, Ponente: Antonio Carretero Pérez.
______. Tribunal Supremo, Sala Primera, de lo Civil, Recurso de casación, Sentencia de 7
nov. 1988, Ponente: Antonio Carretero Pérez. Apud: GARCÍA
DE
LEONARDO, Angel
Cuesta. El art. 8 LCU en la jurisprudencia. Aranzadi Civil, Pamplona, t. 1, v. 2 , p. 129148, 1999.
235
ESPAÑA. Tribunal Supremo, Primera Sala de lo Civil, Recurso de casación n. 126/1991,
Sentencia n. 824/1993 de 21 jul., Ponente: Teófilo Ortega Torres.
______. Tribunal Supremo, Sala Primera, de lo Civil, Recurso de casación n. 126/1993,
Sentencia n. 894/1996, de 8 nov., Ponente: Eduardo Fernández-Cid de Temes.
ESPAÑA. Tribunal Supremo, Sala Primera, de lo Civil, Recurso de casación n. 3167/1997,
Sentencia 514/2003 de 23 mayo, Ponente: Xavier O’Callaghan Muñoz. IN: LLAMAS
POMBO, Eugenio (coord.). Ley general para la defensa de los consumidores y usuarios:
Comentarios y jurisprudencia de la Ley veinte años después. Madrid: La Ley, 2005.
______. Tribunal Supremo. Sala Primera, de lo Civil, Recurso de casación, Sentencia de
21 jul. 1993, Ponente D. Teófilo Ortega Torres.
NAVARRA. Audiencia Provincial, Sección 2ª, Rollo de apelación n. 12/1997, Sentencia n.
274/1997 de 25 nov., Ponente: Francisco José Goyena Salgado.
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