http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3316361/pdf/i1535-7511-12-2-51.pdf SUDEP: Morte Súbita Inesperada em Epilepsia com placebo? SUDEP: Sudden Unexpected Death in Epilepsy on Placebo? Comentário de David Spencer, in Epilepsy Curr. 2012 Mar;12(2):51-2, ao artigo: Risco de Morte Súbita Inesperada em Epilepsia em doentes sob tratamento suplementar para crises refratárias: uma meta-análise de ensaios aleatorizados controlados com placebo. Risk of Sudden Unexpected Death in Epilepsy in Patients Given Adjunctive Antiepileptic Treatment for Refractory Seizures: A Meta-Analysis of Placebo-Controlled Randomised Trials. Philippe Ryvlin, Michel Cucherat, Sylvain Rheims. Lancet Neurol 2011;10:961–968. ENQUADRAMENTO: A morte súbita inesperada em epilepsia (SUDEP) representa a principal causa de morte em doentes com epilepsia refratária. Não existe intervenção preventiva de SUDEP comprovadamente eficaz. Assumimos que a reunião de dados de ensaios aleatorizados controlados com placebo em doentes com epilepsia refratária poderia demonstrar uma incidência mais baixa de SUDEP em doentes recebendo fármacos antiepiléticos (FAE) em doses eficazes do que em doentes recebendo placebo. MÉTODOS: Procurámos na Medline e na Cochrane Library ensaios aleatorizados que investigassem quaisquer FAE usado em tratamento suplementar de epilepsia resistente de adultos. Recolhemos o número e causas de morte em doentes a tomar FAE em doses que fossem mais eficazes para crises do que o placebo, FAE em doses não eficazes e placebo. Na nossa análise principal, comparámos a ocorrência de SUDEP certa ou provável entre doentes sob medicação em doses eficazes e doentes sob placebo, usando o método Mantel-Haenszel e excluindo os ensaios sem SUDEP. ACHADOS: Os dados de 33 mortes, incluindo 20 supostas SUDEP, foram recolhidos de 112 ensaios aleatorizados elegíveis. 18 mortes foram classificadas como certas ou prováveis e duas como possíveis. SUDEP certa ou provável, todas as SUDEP e todas as causas de morte eram significativamente menos frequentes no grupo com FAE eficazes do que no grupo placebo, com razões de probabilidade (odds ratios) de 0,17 (95% IC 0,05-0,57, p=0,0046), 0,17 (0,05-0,57, p=0,0046) e 0,37 (0,17-0,81, p=0,0131), respetivamente. As taxas de SUDEP certa ou provável por 1.000 doentes-ano eram de 0,9 (95% IC 0,2-2,7) em doentes sob tratamento com FAE em doses eficazes e de 6,9 (3,8-11,6) nos doentes sob placebo. INTERPRETAÇÃO: O tratamento com FAE suplementar em doses eficazes pode reduzir a incidência de SUDEP certa ou provável em cerca de sete vezes, comparando com o tratamento de placebo, em doentes com crises previamente não controladas. Estes achados mostram-se favoráveis a uma revisão ativa dos tratamentos em doentes com epilepsia refratária. Comentário A morte súbita inesperada em epilepsia (SUDEP) tem sido, nos últimos anos, melhor caraterizada e crescentemente debatida. Define-se SUDEP como a “morte súbita, inesperada, testemunhada ou não, não traumática nem por afogamento, num doente com epilepsia, associada ou não a uma crise mas excluindo a ocorrência de estado de mal epilético documentado” (1). A SUDEP é seguramente estabelecida (“SUDEP certa”) por exames post mortem que excluam outras causas de morte. A SUDEP provável é estabelecida se se verificam todos os critérios de SUDEP mas não há possibilidade de exames post mortem, e o termo “SUDEP possível” aplica-se quando a SUDEP é fortemente suspeita mas faltam provas que convictamente excluam outras causas de morte. Não está estabelecido um mecanismo único mas têm sido consideradas causas pulmonares, cardíacas e autonómicas. Foram identificados vários fatores de risco para a SUDEP que incluem crises frequentes – em especial crises tónico-clónicas generalizadas, níveis de fármacos antiepiléticos (FAE) subterapêuticos, mudanças frequentes de FAE, politerapia, epilepsia de longa duração, atraso de desenvolvimento. Os jovens adultos são frequentemente afetados. Apesar da melhor compreensão sobre fatores de risco e mecanismos subjacentes, tem havido relativamente poucos progressos no que se refere às intervenções que podem reduzir a SUDEP. Tem sido propostos várias formas de vigiar as crises, especialmente durante a noite (por ex. alarmes no leito, monitorização cardíaca ou respiratória). É recomendado o treino dos membros da família e cuidadores em ressuscitação cardiorrespiratória. Atendendo à associação de SUDEP com uma crise próxima, a redução do risco passa diretamente pela melhoria do controlo das crises mas os dados disponíveis são insuficientes para valorizar os benefícios de intervenções específicas. Foi registada uma redução da mortalidade, incluindo da SUDEP, associada a cirurgia da epilepsia bem-sucedida. Tem sido especialmente frustrante encontrar uma resposta para a gestão ótima da medicação antiepilética de doentes em risco de SUDEP. Melhorar o controlo das crises é, claramente, uma boa meta, contudo, a politerapia com FAE está associada a um risco acrescido de SUDEP. Será isto um mero indicador de epilepsia mais grave ou há riscos inerentes a terapêuticas múltiplas? O presente trabalho de Ryvlin, Cucherat e Rheims abre uma nova janela sobre algumas destas questões ao examinar o destino de uns 21.224 doentes envolvidos em 112 ensaios aleatorizados controlados de 27 FAE sobre 5.589 doentes-ano. Esta abordagem aproveita as possibilidades que nos oferece o grande número de doentes para estudar a incidência de acontecimentos de baixa frequência (SUDEP) num período de tempo relativamente curto (a duração de um ensaio clínico típico com FAE). Catorze destes ensaios continham 20 doentes com SUDEP (11 certas, 7 prováveis, 2 possíveis). O principal objetivo do estudo era comparar a incidência de SUDEP certa e provável em doentes sob tratamento com FAE em doses eficazes face aos aleatorizados no grupo placebo. Secundariamente, a análise incluía doentes com SUDEP possível e todas as mortes, assim como determinou a incidência de subgrupos específicos por síndromo epilético ou FAE. Os resultados foram impressionantes: a aleatorização no grupo com FAE em doses eficazes estava associada a probabilidade reduzida de SUDEP (odds ratio [OR] 0,17; intervalo de confiança [IC] 0,05-0,57; p = 0.0046). A incidência global de SUDEP certa ou provável em doentes com doses eficazes de FAE (0,9/1.000 doentes-ano) contrastava fortemente com a mais elevada incidência (6,9/1.000 doentes-ano) nos aleatorizados para o grupo placebo. Não foi encontrada redução similar do risco para outras mortes não-SUDEP. As análises dos subgrupos eram bastante irrelevantes, provavelmente por causa dos números relativamente pequenos, embora todas as SUDEP tenham ocorrido em doentes pertencentes a estudos de crises parciais. Os dados sobre a frequência das crises em doentes com SUDEP não foram apresentados. A redução da frequência de crises no grupo sob tratamento ativo é o mais provável mecanismo que explica as diferenças entre os grupos; é muito difícil explicar estas diferenças senão pela melhoria do controlo das crises. Os doentes são monitorizados mais intensamente durante um ensaio clínico mas isso deverá aplicarse igualmente ao grupo sob tratamento ativo e ao grupo sob placebo em ensaios duplamente cegos. Estes resultados são, até hoje, os mais convincentes sobre os efeitos das intervenções médicas na SUDEP. Eles demonstram consistentemente que, pelo menos a curto prazo, a intervenção medicamentosa pode reduzir o risco de SUDEP. Os dados sugerem fortemente que os esforços para melhorar o controlo de crises devem ser os mais elevados e que a politerapia só por si não aumenta o risco de SUDEP. Qual o significado disto para o desenho de futuros ensaios clínicos? Tem sido alvo de preocupação o uso de placebo em ensaios sobre epilepsia que admitem placebo ou “controlos ativos” – doses presumidamente subterapêuticas de FAE – em ensaios de monoterapia. A FDA aceitou uma proposta de se usarem dados históricos controlados em vez de grupos placebo nestes estudos e o primeiro estudo deste modelo acaba de ser publicado (4, 5). Os ensais com terapêutica suplementar (add-on therapy) em epilepsia têm gerado menos preocupação pois tem sido adotado algo próximo de uma contrapartida clínica – os doentes podem ficar em placebo mas por pouco tempo. Eles permanecem naquilo que é presumivelmente a terapêutica médica disponível mais eficaz no momento, os riscos do fármaco ativo ainda não totalmente conhecidos e, em princípio, terão acesso ao novo fármaco ao fim de um curto período. Talvez alguns destes pressupostos devam ser reavaliados. Certamente que um objetivo mínimo deve ser encurtar, o mais possível, a fase de placebo dos ensaios. A prática de reduzir a politerapia de modo a que o doente fique qualificado para o ensaio clínico – incluindo possível aleatorização para o ramo placebo do estudo – pode não ser a mais correta. Talvez uma reflexão sobre a SUDEP deva fazer parte do processo de recrutamento para os ensaios clínicos. Devemos ser cautelosos em retirar lições apenas deste estudo retrospetivo. Há questões estatísticas potenciais nas meta-análises relacionadas com acontecimentos de baixa frequência e há muitos estudos com “zero-eventos” nos quais a SUDEP não acontece. É possível que os benefícios da medicação suplementar possam diminuir de intensidade com o tempo (o fim da “lua de mel”). Os doentes podem ter dificuldade em tolerar politerapia intensiva para além dos estudos controlados. Apesar de tudo, estes achados confirmam os benefícios da melhoria do controlo das crises sobre o risco de SUDEP e restauram a confiança na politerapia. A dimensão desse benefício neste estudo é difícil de ignorar. Alguns profissionais de saúde adotaram uma espécie de niilismo terapêutico no que respeita a ensaios com politerapia, baseando-se em dados existentes que sugerem que poucos doentes com epilepsia refratária conseguem ficar livres de crises com tais esforços. Contudo, cada alteração que reduza efeitos secundários da medicação e reduza a frequência das crises é uma vantagem adicional e, talvez, considerando o presente estudo, possa ter efeito no risco de SUDEP. São necessários mais estudos para compreender melhor como reduzir o risco de SUDEP. por David C. Spencer, MD Epilepsy Currents, Vol. 12, No. 2 (March/April) 2012 pp. 51–52 © American Epilepsy Society References 1. Nashef L, Brown S. Epilepsy and sudden death. Lancet 1996;348:1324–1325. 2. Sperling MR, Harris A, Nei M, Liporace JD, O’Connor MJ. Mortality after epilepsy surgery. Epilepsia 2005;46:49–53. 3. Seymour N, Granbichler CA, Polkey CE, Nashef L. Mortality after temporal lobe epilepsy surgery. Epilepsia. 2012;53:267-271. 4. French JA, Temkin NR, Shneker BF, Hammer AE, Caldwell PT, Messenheimer JA. Lamotrigine XR conversion to monotherapy: First study using a historical control group. Neurotherapeutics. 2012;9:176– 184. 5. French JA, Wang S, Warnock B, Temkin N. Historical control monotherapy design in the treatment of epilepsy. Epilepsia 2010;51:1936– 1943.