08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 O EXERCÍCIO DO CONTROLE SOCIAL DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL PELA SOCIEDADE CIVIL: O DESAFIO DA PARTICIPAÇÃO CIDADÃ Loiva Mara de Oliveira Machado1 RESUMO Através da Constituição Federal de 1988 os direitos sociais são assegurados em lei tendo em vista o enfrentamento da questão social. Nesse contexto, a Assistência Social assume o status de política pública, buscando superar a lógica do favor e da doação, o que exige o controle social da sociedade civil sobre o Estado. Trata-se de um tema relevante na medida em que, por vezes, as concepções e práticas desenvolvidas, na atualidade, ainda reproduzem o controle do Estado sobre a sociedade civil e, até mesmo o controle da sociedade civil sobre ela mesma, no processo de implementação de políticas sociais. Palavras-chaves: Controle Social; Política de Assistência Social; Participação ABSTRACT Federal Constitution of 1988 guaranteed social rights having turned them into law so as to face the social situation out. In this context, social work became a public policy, not in sense of donation, but in a way of social control to the State action. It is about of an important theme, as the progresses, many times, the conceptions and practices, developed in nowdays, still produces the control by the state over the civil society, and even the civil society control over itself, in the introduction of the social politics. Keywords: Social Control; Social Work Policy; Participation 1 Assistente Social, Mestre em Serviço Social (PUCRS). Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Serviço Social (PPGSS- PUCRS). Professora do Curso de Serviço Social da Faculdade de Integração do Ensino Superior do Cone Sul (FISUL) – Garibaldi/RS. Membro do Núcleo de Pesquisa em Saúde e Trabalho (NEST), no período de 2006 a 2008. Atualmente é membro Núcleo de Pesquisas em Políticas e Demandas Sociais (NEDEPS), sob a orientação da Profª Drª Ana Lúcia Suárez Maciel. Rua Primeiro de Setembro nº 503 apto. 309, Bairro São José/Partenon, CEP 91520-540 Porto Alegre/RS, (51) 9627 4108, [email protected] 1 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 INTRODUÇÃO A sociedade em que vivemos tem sido marcada por um sistema capitalista que, ao se apropriar da força do trabalho da classe trabalhadora se utiliza de uma relação de exploração, através da concentração de renda, riqueza e poder de uma minoria, em detrimento das condições de vida digna para a maioria da população. Esse processo tem agravado as múltiplas expressões da questão social. Nesse contexto, cresce a desigualdade social, o desemprego estrutural, a violência, a fome... e tantos outros processos que põe em risco o desenvolvimento da vida, em todas as suas dimensões. Neste contexto, o “controle social” se constitui como tema relevante para a viabilização de políticas públicas, especialmente na área social. Para que estas políticas superem a lógica da focalização e aplicação de recursos ínfimos, é necessário que a sociedade civil exerça o controle social. Este controle implica a participação efetiva da sociedade civil em espaços de proposição e deliberação. A partir da Constituição Federal de 1988, no Brasil, esses espaços são identificados principalmente através das Conferências, Conselhos e Fóruns. O presente trabalho tem como objetivo socializar alguns resultados da pesquisa realizada junto ao Programa de Pós-Gradução em Serviço Social – PUC/RS - Mestrado em Serviço Social. A pesquisa teve como ponto de partida a seguinte questão: Como a sociedade civil vem exercendo o controle social da Política de Assistência Social, em âmbito estadual, no período de 1999-2007, no Rio Grande do Sul? O objetivo geral buscou: Analisar como a sociedade civil vem exercendo o controle social da Política de Assistência Social, em âmbito estadual, no período de 1999-2007, no Rio Grande do Sul. O referencial teórico-epistemológico da pesquisa esteve voltado ao método do Materialismo Dialético Histórico. Tratou-se de uma pesquisa centrada numa perspectiva qualitativa, embora o seu desenvolvimento possibilitou a apreensão de elementos quantitativos, em vista de sua qualificação. A escolha do período se deve à importância de desvendar como aconteceu e acontece o exercício do controle social, da Política de Assistência Social, pela sociedade civil, no Rio Grande do Sul, considerando as artimanhas do contexto social e político. Esses oito anos correspondem a dois mandatos de Governo Estadual e Federal, com alternância de 2 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 poder entre partidos inscritos em tendências de direita e esquerda, portanto, que apresentam características políticas diversas. A pesquisa teve como foco prioritário a análise em torno da participação da sociedade civil no controle social da Política de Assistência Social e como lócus o Conselho Estadual de Assistência Social (CEAS) e Fórum Estadual de Assistência Social Não-Governamental (FEAS), na medida em que esses dois espaços constituem-se lugares privilegiados para o controle social da Política de Assistência Social, em âmbito estadual, no Rio Grande do Sul. O Conselho, enquanto espaço institucionalizado, de caráter deliberativo e com representação paritária entre sociedade civil e governo; e o Fórum como espaço não institucionalizado, com participação espontânea de segmentos da sociedade civil, mas, ambos com um potencial específico para o exercício do controle social. As pessoas entrevistadas representaram segmentos da sociedade civil que atuam nesses espaços: usuários, entidades prestadoras de serviço e organizações de trabalhadores da assistência social. Para a coleta de dados foi utilizada a técnica de entrevista (coletiva e individual) e grupo focal. Como instrumentos foram utilizados formulários de tipo semiestruturado para entrevista coletiva, entrevista individual e grupo focal. Ao todo foram realizadas cinco entrevistas sendo três entrevistas coletivas, com entidades tiveram uma participação contínua no CEAS e, duas entrevistas individuais, com entidades fundadoras do Fórum Estadual de Assistência Social. O grupo focal foi constituído por oito componentes: duas pessoas convidadas (uma na qualidade de observadora e outra enquanto relatora) e, por seis pessoas que atuam na Política de Assistência Social, no CEAS, no FEAS ou em ambos. A representação foi distribuída por segmentos: dois representantes dos usuários, dois de entidades prestadoras de serviço e dois de organizações de trabalhadores da assistência social. A interpretação dos dados se desenvolveu a partir da articulação entre os dados empíricos e os referenciais teórico-metodológicos utilizados no processo de investigação. A análise dos dados pesquisados foi desenvolvida através da técnica de análise de conteúdo, com referencial em Bardin (2004). O resultado desse processo se traduziu em “descobertas, desafios e possibilidades”, os quais foram verificados em cada uma das categorias analíticas da pesquisa. 3 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 A concepção de Estado e Sociedade Civil desenvolvida no estudo assume a perspectiva de Estado Ampliado, do legado gramsciano, formado por sociedade política e sociedade civil. O estudo estevei centrado em quatro categorias analíticas: concepção da Política de Assistência Social, publicização, formação e participação. Os resultados evidenciam que o controle social é um processo em disputa, o qual poderá ter maior ou menor impacto na mudança da realidade e na efetividade da Política Pública de Assistência Social, de acordo com o grau de participação cidadã, o qual requer qualificar a capacidade de incidência política da sociedade civil organizada, junto aos espaços públicos e à esfera pública. 2 DESTAQUES CARCA DA RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL A formação sócio-histórica do Brasil é marcada por diferentes períodos nos quais o Estado (através dos diferentes âmbitos de governo) e sociedade civil pautam interesses que evidenciam lutas, contradições e desafios. Este trabalho não objetiva um aprofundamento acerca da constituição do Estado, no Brasil, mas, algumas pontualizações, que se fazem necessárias para a adequada abordagem sobre o tema controle social. Busca-se, assim, dar visibilidade a processos que influenciam de maneira estruturante o exercício do controle social pela sociedade civil na Política de Assistência Social. O período entre 1930 a 1964, foi marcado por regimes democráticos e ditatoriais, e pela garantia de direitos e políticas voltadas principalmente ao mundo do trabalho. Destaca-se nesse período as políticas implementadas pelo governo de Getúlio Vargas, em especial, a criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943 e, com ela uma série de direitos como: férias remuneradas, jornada de trabalho de 8 horas, entre outros, o que originou o reconhecimento de Vargas como o “Pai dos Pobres”. Com o golpe militar de 1964, o país ingressou em uma nova fase na organização política, econômica e social, com a ditadura militar que vai até 1985, ou seja, dura 21 anos. Se antes o controle do Estado sobre a sociedade era feito de forma sutil, com a concessão de alguns direitos e de políticas compensatórias, nesse período ele passou a ser feito com o uso da força militar e da violência. O controle 4 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 social do Estado sobre a sociedade servia como mecanismo de manutenção do poder das elites econômicas e militares; legitimação da ordem, estabelecida por um modelo de Estado dominante; regulação tecnocrática das políticas sociais; cooptação dos espaços organizativos da sociedade civil (associações, sindicatos, movimentos populares); de restrição das liberdades civis e políticas, que levava à negação do exercício da cidadania. No contexto da ditadura militar a noção de controle social voltava-se ao controle dos cidadãos e cidadãs, pelo Estado, através de um estatuto jurídico-legal, onde eram definidas normas necessárias à ordem social. Com a efervescência dos movimentos populares, articulados com setores progressistas da Igreja Católica, ligados a Teologia da Libertação e às Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), há um intenso processo de mobilização popular pela redemocratização do país, que teve como uma de suas expressões o Movimento “Diretas Já” (1983), a Assembléia Nacional Constituinte (1985) e a conquista da Constituição Federal de 1988. A partir dessa Constituição, direitos civis, políticos e sociais são firmados de forma conjunta e articulada, enquanto partes constitutivas de um mesmo estatuto legal, o que dá a essa Constituição o status de Constituição Cidadã ou Magna Carta, a qual é imprescindível para a consolidação de um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias (BRASIL, 2001). Essa Constituição, embora não expresse totalmente os interesses dos trabalhadores(as), devido à correlação de forças presente nas relações entre capital e trabalho, representa um avanço no processo de redemocratização do país, na medida em que firma direitos e deveres individuais e coletivos, estabelece uma forma de organização político-administrativa do Estado e cria ou reafirma instrumentos de participação popular como: exercício do voto, plebiscito, referendo e iniciativa popular (BRASIL, 2001, art. 14, p. 18). Com esse respaldo legal o processo de redemocratização vai se ampliando o que exige a participação ativa da sociedade civil, como protagonista, ou seja, como sujeito principal, construtor desse novo momento da história. 5 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 A sociedade civil, considerando o referencial de Estado Ampliado, criado por Gramsci é representada pelo extenso e complexo espaço não-governamental, constituído por entidades de natureza diferenciada, com interesses específicos e de grande importância política onde, as classes subalternas são chamadas a desenvolver suas convicções e a lutar por um novo projeto hegemônico que poderá contribuir para a gestão democrática e popular do poder. O conceito de sociedade civil não é homogêneo “[...] mas se apresenta como uma das principais arenas da luta de classes e, portanto, como palco de intensas contradições” (COUTINHO, 2006, p. 41). É momento da superestrutura onde se estabelecem as relações de poder. A sociedade civil refere-se, portanto, a “hegemonia política e cultural de um grupo social sobre toda a sociedade, como conteúdo ético do Estado” (GRAMSCI, CC3, § 24, 2007, p. 225). A partir deste referencial é possível identificar três perspectivas de sociedade civil e a sua relação com o Estado, enquanto sociedade política (NOGUEIRA, 2003, p. 215): A primeira delas se refere à sociedade civil democrático-radical, na qual a política tem forte influência. Envolve diferentes atores sociais buscando a construção de processos coletivos, a politização e fortalecimento do espaço público e democrático. Essa concepção aborda o conceito de hegemonia, enquanto possibilidade de convergência de interesses, o qual se desenvolve mediante a coerção entre classes sociais, ou grupos específicos que se localizam no interior dessas classes. Hegemonia é uma categoria gramsciana o qual envolve duas perspectivas principais. A primeira refere-se a um processo específico na sociedade civil. Ocorre mediante o controle que uma parte da classe dominante exerce sobre seus aliados, “através de sua liderança moral e intelectual” (CARNOY, 1994, p. 95). Nesse sentido, um determinado grupo impõe suas opiniões e decisões sobre outro grupo, fazendo com que estas decisões assumam uma característica de conjunto, quando, na verdade, correspondem aos interesses de somente uma das partes. A segunda, diz respeito à relação entre as classes dominantes e as dominadas. Compreende o poder exercido pelas classes dominantes, através de sua “liderança política, moral e intelectual” (CARNOY, 1994, p. 95), sobre as classes dominadas, que assumem uma postura de subordinação, tendo seus interesses pautados pelas classes dominantes. Portanto, hegemonia não significa unidade ou coesão. “Ela é plena de contradições e sujeita ao conflito” (CARNOY, 1994, p. 95). A 6 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 construção da hegemonia, no âmbito da sociedade civil, constitui-se como um processo extremamente exigente na medida em que esta mesma sociedade é formada por segmentos representantes da classe burguesa e da classe trabalhadora. A sociedade civil democrático-radical corresponde a “um espaço onde são construídos projetos globais de sociedade, articulam-se capacidades de direção éticopolítica, disputam-se o poder e a dominação” (NOGUEIRA, 2003, p. 224). Nesse modelo de sociedade há perspectiva de construção de um “Estado Máximo”, que seja democrático, que possibilite a gestão compartilhada da “coisa pública” e priorize a implementação de políticas públicas. A segunda perspectiva se refere à sociedade civil liberal. Caracteriza-se pelo campo de “oposição e da concorrência” (NOGUEIRA, 2003, p. 229), no qual incide a fragmentação, a despolitização, o corporativismo, a busca da vantagem individual, entre outros. Nesse modelo, não há lugar para a construção da hegemonia. Aqui a centralidade está na regulação da sociedade pelo mercado. Valoriza-se, dessa forma, a iniciativa privada, minimizando a interferência pública ou estatal. O modelo de Estado para esse tipo de sociedade corresponde a um Estado Mínimo “mais liberal e representativo que democrático e participativo” (NOGUEIRA, 2003, p. 224). É um Estado que privilegia os interesses de uma classe social, proprietária dos meios de produção em detrimento dos interesses da classe trabalhadora. Nesse sentido, justifica-se a implementação de políticas focalizadas e fragmentadas, com investimento de recursos residuais, sem a preocupação com a emancipação das pessoas envolvidas e, tampouco, da incidência em políticas estruturais necessárias à construção de um novo projeto societário alicerçado no desenvolvimento sustentável e na justiça social. Outra perspectiva se refere à sociedade civil social marcada pela autonomia da sociedade civil frente ao Estado e Mercado, pela organização de redes e fóruns transnacionais, em vista da ampliação da cidadania, da realização da justiça social e construção de políticas públicas. Aqui o conceito de hegemonia encontra lugar, porém, de maneira difusa na medida em que os interesses são fragmentados. A principal virtude desse modelo de sociedade civil está centrada na questão da autonomia. O modelo de Estado que correspondente a essa sociedade civil é de um Estado cosmopolita, “territorialmente desenraizado e categoricamente voltado para a 7 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 proteção dos direitos de cidadania” (NOGUEIRA, 2003, p. 225). Trata-se de uma cidadania universal a ser assegurada a todos os povos e culturas, respeitando a diversidade local, e tendo como eixo a construção de políticas que assegurem os direitos humanos, a paz social e o desenvolvimento dos povos. Estas três perspectivas não acontecem de forma isolada, mas, estão presentes no dia-a-dia das diferentes sociedades. Assim, surge o desafio de lidar com a fragmentação e, ao mesmo tempo, buscar a articulação de interesses diferenciados, presentes na constituição da sociedade civil, em torno de propostas comuns. Se por um lado a sociedade civil social, pela sua dinâmica de organização e abrangência, pode apresentar maior possibilidade de hegemonia, especialmente em ambientes democráticos e de esquerda, por outro lado, o fortalecimento da sociedade civil democrático-radical poderá fortalecer o grau de incidência na construção de mudanças sociais. Essa possibilidade não será resultado do acaso, mas, da capacidade de diálogo entre os “diferentes” e da construção de “ações democratizadoras combinadas, a pressões inteligentes, a alianças sustentáveis” (NOGUEIRA, 2003, p. 233), necessárias a construção de um novo pacto civilizatório. 3 A SOCIEDADE CIVIL NA REALIDADE BRASILEIRA Ao abordar o tema sociedade civil, é importante resgatar o seu processo de organização, as lutas e os atores envolvidos. A sociedade civil, enquanto “espaço de força política”, é formada, principalmente, por sujeitos coletivos e plurais, que possuem concepções e interesses diferenciados e buscam formas de organização de acordo com as necessidades que a realidade apresenta. O termo foi introduzido na pauta da sociedade brasileira a partir dos anos de 1970 do século XX, em plena ditadura militar. Nesse período, havia centralidade em torno das ações junto aos movimentos populares e, a sociedade civil expressava a organização e participação da população civil contra a ditadura do regime militar. “Um dos principais eixos articuladores da sociedade civil, naquela época, era dado pela noção de autonomia. Tratava-se de organizar a população, independentemente do Estado” (GOHN, 2002, p. 74). 8 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 A partir da década de 1980, com o término do regime militar e início do processo de redemocratização do país, a questão da “autonomia” dá lugar à “parceria”, ou seja, a sociedade civil começa a participar da construção de políticas em vista da redemocratização do Estado. A centralidade, que antes estava nos movimentos populares, vai sendo substituída pela capacidade de articulação com outros atores, em vista da construção de políticas públicas. Assim, “a sociedade civil se amplia para se entrelaçar com a sociedade política, colaborando para o caráter contraditório e fragmentado que o Estado passa a ter nos anos 90” (GOHN, 2005, p. 77). Esse processo se aprofunda ainda mais ao final da década de 1990 e 2000, onde há uma pluralidade de sujeitos e o tema da cidadania passa a ser mais relevante. Porém, a questão da cidadania não é focada somente nos direitos, mas, também, nos deveres dos cidadãos diante da gestão da esfera pública. Na perspectiva do protagonismo da sociedade civil, em especial das classes subalternas, torna-se fundamental a incorporação de interesses e necessidades desse segmento na definição de políticas sociais e o fortalecimento da esfera pública. Raichelis (2005, p. 42-43), ao abordar o tema da esfera pública destaca alguns elementos constitutivos que podem ser apreendidos de forma dinâmica e articulada: visibilidade social, que corresponde a transparência de ações e discursos, publicidade e fidedignidade de informações; representação de interesses coletivos, que se refere a constituição de sujeitos sociais ativos, enquanto mediadores diante de demandas coletivas; democratização, como respeito à ampliação de fóruns de decisão política, que possibilite a interlocução pública sobre interesses e decisões coletivas; cultura pública, que faça enfrentamento ao autoritarismo, à cultura privatista e assistencial e favoreça a constituição de sujeitos de direitos e, controle social, enquanto instrumento de participação da sociedade civil organizada, na formulação de questões de interesse público e sua negociação junto à sociedade política. A viabilização desses elementos está diretamente relacionada às condições estabelecidas pelas transformações societárias pautadas por uma nova etapa do processo de acumulação do capital e formas de organização e gestão do trabalho que têm como decorrência o aumento das desigualdades sociais de toda a ordem, as quais podem ser sistematizadas em três questões fundamentais (NETTO, 2006, p. 47): o crescente alargamento da distância entre o mundo rico e o pobre; a ascensão 9 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 do racismo e da xenofobia e a crise ecológica, os quais apontam para o fortalecimento da concentração da tríade: renda, riqueza e poder. Nesta dinâmica é importante considerar o crescente cenário das desigualdades sociais. Historicamente, o Brasil pode ser considerado como um “monumento de injustiça social” onde “os 20% mais pobres da população dividiam entre si 2,5% da renda total da nação, enquanto os 20% mais ricos ficavam com quase dois terços dessa renda (HOBSBAWM, 2008, p. 397). Esse grau de desigualdade não decorre da falta de recursos, mas, da concentração dos bens e serviços socialmente produzidos, nas mãos de poucos. Assim, a pobreza e as diferentes situações de vulnerabilidade a que são submetidas milhares de pessoas, não ocorre por acaso, mas, são resultados da ação humana. Se por um lado “o consumidor toma o lugar do cidadão, e todos nos tornamos “cidadãos-clientes” (SIMIONATTO, 2006, p. 7), por outro, o exercício dos direitos passa a ser privilégio de quem pode pagar, na medida em que o Estado reduz o seu papel regulador e os investimentos na área social tornam-se fragmentados em nome dos interesses do capital. As instituições de mercado, por sua vez, avançam incessantemente respaldadas pela legislação, pelo financiamento público e pela dinâmica da acumulação. A sociedade civil é chamada a complementar a ação estatal através da viabilização de políticas na área social. Cria-se um novo setor, a esfera pública nãoestatal, localizada entre Estado e mercado, “de caráter não-governamental, nãomercantil e não-partidário” (SIMIONATTO, 2006, p. 12), responsável pela promoção e articulação entre público e privado. Trata-se de um “terceiro setor”, que emerge como alternativa a crise da sociedade salarial, buscando se constituir frente à fragilidade do Estado no que se refere à oferta de bens e serviços sociais. Diante desse contexto, permanece, o desafio de superar a tendência de desresponsabilização do Estado no trato do social e de sua inclinação à subordinação pelo econômico. Torna-se necessário e urgente a vigilância em torno no tema sociedade civil, no sentido de não elevá-lo a um grau de valorização maior do que ele realmente representa. Por vezes a sociedade civil pode ser concebida como “Terra Prometida” capaz de resolver todos os problemas e malefícios do mundo. Um espaço no qual existem e se desenvolvem, de forma espontânea, apenas boas qualidades. “Sua simples menção funciona como uma invocação mágica capaz de exorcizar as 10 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 potências do Mal, dissipar as angústias e convocar todas as forças positivas contidas no social” (ACANDA, p.16). Sociedade civil e sociedade política caracterizam-se como espaços permeados por contradições e disputas, portanto, nenhum deles tem poderes messiânicos, tampouco um está relacionado ao bem e outro ao mal. Seus limites e potencialidades são fundamentais à construção da esfera pública. Esta se materializa na interrelação entre sociedade civil e sociedade política, exige o exercício da democracia, ou seja, a participação dos cidadãos e cidadãs, no destino da nação, independente de gênero, raça, etnia, geração, classe social, credo e orientação sexual. Considerando as reflexões de Bidarra (2006), esfera pública e espaço público, embora apresentem finalidades semelhantes, são espaços diferenciados no que se refere a sua configuração e incidência na relação com o Estado. O espaço público corresponde a organização específica de segmentos que integram a sociedade civil. Trata-se de um espaço autônomo, de interação de atores da sociedade civil, o qual está mais voltado à perspectiva da participação direta da sociedade civil. Portanto, o espaço público é o lugar, […] onde interesses possam se fazer representar, ganhar visibilidade e legitimidade nas razões e valores que lhes conferem validade, permitindo, no cruzamento dos conflitos que expressam, a construção de parâmetros públicos que reinventem a política no reconhecimento de direitos como medida de negociação e deliberação de políticas que afetam a vida de todos (TELLES, 2001, p. 93). A esfera pública, enquanto elemento constitutivo do processo de democratização do Estado é resultado de conflitos, disputas de interesses e articulação de propostas, entre sociedade civil e sociedade política, no que se refere à garantia de direitos, de políticas públicas e da gestão democrática do Estado. A marca distintiva da esfera pública seria a sua condição de ser o lócus da participação sociopolítica na formulação, na deliberação, na execução, no controle e na gestão das políticas públicas (BIDARRA, 2006, p. 50). Portanto, a esfera pública é espaço de interlocução e partilha de poder entre a sociedade civil organizada e a sociedade política. O protagonismo da sociedade civil, especialmente das classes subalternas, que a integram, exige a realização da catarze, ou seja “a passagem do momento meramente econômico (ou egoístico-passional) ao 11 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 momento ético-político” (COUTINHO, 2003, p. 70). Assim, “seria “catártico” o momento no qual a classe, graças à elaboração de uma vontade coletiva, não é mais um simples fenômeno econômico, mas se torna, ao contrário, um sujeito consciente da história” (COUTINHO, 2003, p. 71). Para a realização da catarze a sociedade civil precisa assumir sua identidade, como espaço político, o que constitui um processo em construção na medida em que: Nenhuma sociedade civil é imediatamente política. Sendo o mundo das organizações, dos particularismos, da defesa muitas vezes egoísta e encarnizada de interesses parciais, sua dimensão política precisa ser construída (NOGUEIRA, 2005, p. 103). Permanece o desafio, em meio à diversidade (dos sujeitos, organizações, concepções...), construir processos articulados, mediante a valorização das potencialidades presentes na sociedade civil e na sociedade política na perspectiva do fortalecimento da esfera pública, como expressão da luta pela garantia e ampliação de direitos e efetivo controle social de políticas públicas, alicerçadas na justiça social. 4 CONTROLE SOCIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS, DO QUE SE TRATA AFINAL? Na realidade brasileira, o trato da pobreza tem sido marcado por várias etapas. Primeiramente, estava a cargo das ações de caridade desenvolvidas pela Igreja, fundamentada na Doutrina Católica e desenvolvimento de ações marcadas pela doação e assistência. Em seguida, como objeto de intervenção de governos populistas e ditatoriais, que desenvolviam políticas sociais, como estratégias de manutenção da ordem e harmonia social. Essas políticas assumiam características compensatórias e de controle que levavam a uma cultura de subalternidade, ou seja, de submissão de quem as recebia em relação a quem as promovia. Considerando a formação sóciohistórica do Brasil é possível analisar que até 1988, as políticas sociais não eram viabilizadas como direito e, tampouco, assumiam caráter público e universal. Portanto, na realidade brasileira, o tema das políticas sociais, como direito de cidadania, tem sido recorrente a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, a qual aponta para a perspectiva de construção de um Estado Democrático de direito. Para que as garantias firmadas nesse estatuto legal sejam concretizadas é 12 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 fundamental a viabilização de políticas de interesse “público”, orientadas à materialização de direitos firmados em Lei, os quais decorrem de necessidades concretas da população. A política pública caracteriza-se pela abrangência universal, não discriminatória. Não é política de um governo específico e, tampouco, de uma matriz partidária. Trata-se de uma ação continuada destinada ao atendimento do público, com sentido de universalidade e totalidade. Por meio das políticas públicas que são formulados, desenvolvidos e postos em prática programas de redistribuição de bens e serviços, regulados e providos pelo Estado, com a participação e o controle da sociedade. (PEREIRA, 2002, p. 223) Para que o caráter “público” se efetive é fundamental o exercício do controle social, da sociedade civil organizada sobre as ações do Estado. Mas, quanto se fala em controle social, qual o sentido atribuído a essa expressão? Quais os espaços e instrumentos utilizados pela sociedade civil para o exercício desse controle na área das políticas públicas? O termo “controle social” tem origem na sociologia norte-americana, no século XX, enquanto mecanismo de cooperação e de coesão voluntária. Tratava-se da capacidade da sociedade em se auto-regular, sem a influência do Estado ou do uso da força, buscando a “onipresença de uma integração social” (ALVAREZ, 2004, p. 169). Na realidade brasileira o controle social foi tomando dimensões diferenciadas, considerando as diferentes formas de governo e exercício do poder. Assim, pode ser concebido de duas formas principais: controle do Estado sobre a sociedade civil, com o objetivo de conservação de privilégios e manutenção da ordem social, ou controle da sociedade civil sobre as ações do Estado, na perspectiva da garantida de direitos e de políticas públicas. Em ambos os casos, o controle social se constitui como base e instrumento de construção de um projeto societário, que poderá fortalecer os interesses das classes dominantes ou das classes subalternas2. 2 Classes subalternas é um conceito do legado gramsciano, descrito pelo autor a partir do histórico dos grupos sociais subalternos da Idade Média, em Roma, os quais representam um conjunto contraditório e diversificado de situações de exploração, seja ela econômica, social e política, que leva à subalternidade uma parcela da população. “Com freqüência, os grupos subalternos são originalmente de outra raça (outra cultura e outra religião) em relação aos dominantes e, muitas vezes, são uma mistura de raças diversas, como no caso dos escravos” (GRAMSCI, CC5, 2002, p. 138). 13 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 Considerando a perspectiva gramsciana de Estado Ampliado formado por “sociedade política + sociedade civil, isto é, hegemonia couraçada de coerção” (GRAMSCI, CC3, 2007, p. 244), é importante analisar que a sociedade política ou Estado, em sentido restrito, se traduz como espaço contraditório, na medida em que por um lado está comprometido com a viabilização de interesses das classes dominantes e, por outro, busca a incorporação de interesses das classes subalternas. A sociedade civil se caracteriza por uma composição não homogênea, ou seja, uma sociedade civil plural, formada por entidades, organizações, movimentos sociais, associações, ONGs, entre outros, que apresenta interesses antagônicos no seu interior. Nesse contexto é fundamental que o controle social, da sociedade civil sobre as ações do Estado, possibilite a viabilização de políticas públicas, necessárias à garantia de direitos. Esse tipo de controle pode ser concebido como uma “forma de ação reguladora, resultante da participação popular nas instâncias estatais e/ou ações governamentais” (SILVA, 2007, p. 183). Poderá contribuir para que as políticas públicas se desenvolvam de modo a responder às necessidades sociais da população. Sob esse enfoque, ele não se resume ao controle orçamentário ou fiscalizatório, mas assume uma perspectiva transversal com vistas ao alcance das diretrizes e prioridades pactuadas numa política pública. A novidade está na capacidade de intervenção da sociedade civil, em especial, das classes subalternas em pautar seus interesses junto à sociedade política. Trata-se de um tipo de controle concebido como “atuação da sociedade civil organizada na gestão das políticas públicas no sentido de controlá-las para que estas atendam, cada vez mais, às demandas sociais e aos interesses das classes subalternas” (CORREIA, 2002, p. 121). O controle social se materializa através de esferas públicas, que se constituem como espaços híbridos em que ocorre a participação da sociedade civil e do Estado. Nesta perspectiva o controle social: Significa acesso aos processos que informam as decisões da sociedade política. Permite participação da sociedade civil organizada na formulação e na revisão das regras que conduzem as negociações e a arbitragem sobre os interesses em jogo, além da fiscalização daquelas decisões, segundo critérios pactuados (RAICHELIS, 2005, p. 43). 14 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 Este controle demanda a participação da sociedade organizada. Trata-se de uma participação cidadã que combina o “uso de mecanismos institucionais com sociais, inventados no cotidiano das lutas, e superando a já clássica dicotomia entre representação e participação” (TEIXEIRA, 2002, p. 32-33). É importante ter presente que a participação não é algo linear, previamente definido. Ela é pautada pela correlação de forças presente nos diferentes âmbitos de organização da sociedade. Dependendo do projeto político dos governos e da capacidade de pressão e mobilização da sociedade civil organizada, a participação cidadã pode ter maior ou menor eficácia na definição dos rumos do país. Portanto, o que está em jogo é o sentido político da participação, que se manifesta através do exercício do poder. Não há uma receita pronta. Ela é exercício prático, que se transforma em práxis transformadora na medida em que é pensada, planejada, exercida. O exercício do controle social exige atuação da sociedade civil em processos de formulação e deliberação de políticas públicas. Para que esses processos se efetivem é fundamental o acesso a informação e o desenvolvimento de processos formativos na área das políticas públicas, incluindo temas como gestão, controle social e financiamento. Em geral, o controle social de políticas públicas é atribuído, quase que exclusivamente, aos conselhos de políticas e de direitos. É fundamental destacar que existem outros espaços em que este controle pode ser exercido: através do Ministério Público; de Comissões Permanentes (Poder Legislativo); de Comissões Bipartites e Tripartites de Gestão, Conferências e Conselhos (Poder Executivo). A sociedade civil organizada também pode exercer o controle social através do Orçamento Participativo, de Movimentos Sociais e Fóruns próprios de articulação. Esses espaços não são excludentes entre si. Na medida em que houver articulação entre ambos maior será a capacidade de exercício do controle social pela sociedade civil. 5 A EMERGÊNCIA DA PARTICIPAÇÃO CIDADÃ O tema da participação é assunto na pauta do dia em diferentes segmentos da sociedade civil e de governos, tanto de tendências de direita, quanto de centro ou esquerda. Com a emergência da organização da sociedade civil, no Brasil, a partir da 15 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 década de 1970 do século passado e em decorrência das novas configurações presentes na relação entre sociedade civil e Estado, vem ocorrendo um alargamento no entendimento e práticas acerca da participação política. Considerando que política refere-se a “arte de bem governar os povos” (FERREIRA, 2004, p. 1592), a participação política diz respeito à possibilidade da população em contribuir na tomada de decisões sobre o que é de interesse do coletivo, da sociedade. Esse tipo de participação ocorre em diferentes espaços da vida social, através de grupos de discussão nas comunidades, dos grêmios estudantis, associações, sindicatos, movimentos sociais, reuniões, audiências públicas, marchas, protestos, mobilizações sociais, partidos políticos, entre outros. Pode ser uma participação orientada para a “decisão” ou orientada para a “expressão” (TEIXEIRA, 2002, p. 27). A participação orientada para a “expressão”, se manifesta através da simbólica presença na cena política. Assim, corre-se o risco desta presença ser legitimadora do processo decisório já definido por outros atores, o que pode levar a uma cultura participacionista, onde as pessoas envolvidas são meros expectadores. Já a participação orientada para a “decisão” ocorre através da participação de diferentes atores que compõe a sociedade civil organizada no processo decisório, enquanto protagonistas, contribuindo dessa forma, para o debate e incorporação de questões referentes aos interesses da população. Na perspectiva da participação orientada para a decisão pretende-se a superação de práticas individuais, de acordos e políticas de gabinete. Busca-se o fortalecimento de processos coletivos, que combine a participação entre espaços e mecanismos institucionalizados e não-institucionalizados, que articule democracia representativa e participativa. Tal prática leva à participação cidadã que, conforme refere Teixeira (2002, p. 32-33), pode ser concebida como: processo social em construção hoje, com demandas específicas de grupos sociais, expressas e debatidas nos espaços públicos e não reivindicadas nos gabinetes do poder, articulando-se com reivindicações coletivas e gerais, combinando o uso de mecanismos institucionais com sociais, inventados no cotidiano das lutas, e superando a já clássica dicotomia entre representação e participação. A questão chave da participação refere-se a sua capacidade de incidir concretamente em determinada realidade, contribuindo para a realização de mudanças. Possibilita também a organização e fortalecimento das ações num 16 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 determinado território, articulado a questões mais amplas, que são influenciadas pela co-relação de forças entre os diferentes sujeitos sociais. A participação da sociedade civil no exercício do controle social da Política de Assistência Social tem como espaços privilegiados os Conselhos e Fóruns, embora esses não sejam os únicos. Considerando o caráter paritário dos conselhos sinaliza-se para a possibilidade de que a tomada de decisões seja resultado do debate democrático e proporcione deliberações coletivas. Mas, isso nem sempre se efetiva, pois o caráter paritário não assegura suficientemente o compartilhamento de poder entre representantes dos governos e da sociedade civil. Vive-se uma relação contraditória na medida em que “os encontros entre Estado/sociedade nos conselhos têm sido afetados negativamente por uma grande recusa do Estado em partilhar o poder de decisão” (TATAGIBA, 2002, p. 79). A paridade, portanto, parece intrinsecamente relacionada não apenas ao reconhecimento da legitimidade da representação do “outro”, mas também à capacidade de estabelecer com ele acordos contingentes em torno de demandas específicas. Nos dois primeiros mandatos, o CEAS/RS, embora com representação paritária, tinha caráter consultivo, ou seja, não tinha poder de decisão, mas de reflexão e proposição, que se materializava através de recomendações e moções, em relação a um tema pertinente à Política de Assistência Social. Cabia ao Conselho subsidiar o governo na tomada de decisão. A conquista do caráter deliberativo do CEAS, em 1999, foi um avanço no processo de construção da Política de Assistência Social no Rio Grande do Sul. Os fóruns constituem-se como espaços abertos de participação, de formação e de fortalecimento dos conselheiros(as) da sociedade civil eleitos(as) para o espaço do Conselho. Contribuem para que a sociedade civil tenha consciência de suas atribuições, mais legitimidade e representatividade e, possa melhor contribuir para o fortalecimento da Política de Assistência Social como política pública. Constituem-se, portanto, em espaços de controle social, na medida em que, conforme destaca Streck e Adams (2006, p. 109), os Fóruns são: […] instâncias de interesse público que partem do princípio de que as necessidades não são carências, mas a relação com um bem, com um serviço ou recurso existente. Os fóruns têm um formato e nível de 17 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 institucionalização diversificado, podendo ou não ter uma estrutura jurídica. Propõem-se a questionar, formular políticas e realizar ações concretas. Exercem a mediação junto a interesses públicos, através do controle social sobre as instituições públicas ou privadas a eles relacionados. Assim, entende-se que independente dos espaços serem institucionalizados ou não, o que está em jogo é a incidência da participação da sociedade civil, através do compartilhamento de poder, nos processos decisórios e no controle social que levem à garantia e ampliação de direitos e políticas públicas. Entre os desafios identificados pela pesquisa no que se refere à participação cidadã no exercício do controle social da Política de Assistência Social no Rio Grande do Sul apresenta-se: a capacidade de representação da sociedade civil no CEAS; a participação direta dos usuários em conselhos e fóruns; falta de clareza de papéis da sociedade civil no Conselho; personalização das relações, na medida em que a capacidade técnica ou política de algumas pessoas se sobrepõe à capacidade de articulação e incidência política das instituições; a influência da participação, através da disponibilidade de tempo, pessoas e recursos, de entidades mais estruturadas em relação a entidades menos estruturadas; a centralização das decisões e comportamento autoritário de lideranças no Fórum e condições de acessibilidade dos(as) participantes em conselhos e fóruns. A análise em torno da participação da sociedade civil em espaços da Política de Assistência Social indica que o controle social, para ser efetivo, precisa ir além dos espaços institucionalizados. É fundamental qualificar a articulação entre conselhos e fóruns e, também assegurar a participação de conselheiros(as) representantes da sociedade civil nos fóruns específicos da sociedade civil, tanto da política específica, como, também, em articulação com outras políticas. Torna-se cada vez mais urgente a articulação entre espaços institucionalizados e não-institucionalizados; a participação de conselheiros(as) nos fóruns da sociedade civil; a construção de pautas oriundas das necessidades e demandas da população a serem levadas aos conselhos pelos diferentes segmentos da sociedade civil. Esse processo objetiva a consolidação de lutas mais coletivas e articuladas, tendo em vista o fortalecimento da sociedade civil e a democratização do Estado, conforme destaca Silva (2001, p. 200-201): A participação do Conselho no Fórum tem-se constituído, particularmente, num reforço à luta pela democratização, pois o Fórum serve para coletivizar desejos e concretizar lutas, reforçando a identidade dos conselheiros como agentes democratizadores que, por intermédio de seu exercício de cidadania 18 08, 09 E 10 DE AGOSTO DE 2011 PELOTAS - RS – BRASIL ISBN 978-85-7590-139-7 ativa, procuram defender e favorecer o acesso universal aos direitos de cidadania social [...]. A participação cidadã, numa perspectiva emancipatória, não é um meio para atingir determinado fim, também não é algo estático, definido, tampouco é deliberado para que seja exercido “em nome de”, mas constitui uma mediação necessária para o empoderamento individual e coletivo dos sujeitos. Como consequência, cria-se um ambiente favorável para o acesso à informação e a processos formativos que despertem os cidadãos e cidadãs para a participação direta na tomada de decisões. Nessa perspectiva, a participação assume um caráter democrático e emancipatório, possibilitando a autonomia da sociedade civil frente ao controle do Estado e do mercado. Finalmente, evidencia-se que a participação da sociedade civil no controle social da política de assistência social, através de espaços públicos e de esferas públicas, vem contribuindo para a construção de uma cultura democrática de participação que supere concepções elitistas, tecnocráticas e autoritárias de exercício do poder. Busca-se, através da participação em Conselhos e Fóruns, o diálogo com a pluralidade e a aceitação do conflito enquanto etapa de um processo de construção coletiva. Assim, a participação pontual e corporativa dá lugar aos interesses e processos coletivos, enquanto mediação necessária à vivência concreta da cidadania, da democracia e construção da justiça social. REFERÊNCIAS ACANDA, Jorge Luis. Sociedade civil e hegemonia. Trad. Lisa Stuart. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006. ALVAREZ, Marcos César. Controle social: notas em torno de uma noção polêmica. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v.18, n.1, p. 168-176, jan./mar. 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010288392004000100020. Acesso em: 01 set. 2007. BARDIN, Laurece. Análise de Conteúdo. Tradução: Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro. 3.ed. Lisboa/Portugal: Edições 70, 2004. BIDARRA, Zelimar Soares. Conselhos gestores de políticas públicas: uma reflexão sobre os desafios para a construção dos espaços públicos. In: Revista Serviço Social e Sociedade, nº 88. 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