O exercício do controle social da política de

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ISBN 978-85-7590-139-7
O EXERCÍCIO DO CONTROLE SOCIAL DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA
SOCIAL PELA SOCIEDADE CIVIL: O DESAFIO DA PARTICIPAÇÃO
CIDADÃ
Loiva Mara de Oliveira Machado1
RESUMO
Através da Constituição Federal de 1988 os direitos
sociais são assegurados em lei tendo em vista o
enfrentamento da questão social. Nesse contexto, a
Assistência Social assume o status de política pública,
buscando superar a lógica do favor e da doação, o que
exige o controle social da sociedade civil sobre o Estado.
Trata-se de um tema relevante na medida em que, por
vezes, as concepções e práticas desenvolvidas, na
atualidade, ainda reproduzem o controle do Estado sobre
a sociedade civil e, até mesmo o controle da sociedade
civil sobre ela mesma, no processo de implementação de
políticas sociais.
Palavras-chaves: Controle Social; Política de Assistência
Social; Participação
ABSTRACT
Federal Constitution of 1988 guaranteed social rights
having turned them into law so as to face the social
situation out. In this context, social work became a public
policy, not in sense of donation, but in a way of social
control to the State action. It is about of an important
theme, as the progresses, many times, the conceptions
and practices, developed in nowdays, still produces the
control by the state over the civil society, and even the
civil society control over itself, in the introduction of the
social politics.
Keywords: Social Control; Social Work Policy;
Participation
1
Assistente Social, Mestre em Serviço Social (PUCRS). Doutoranda do Programa de Pós
Graduação em Serviço Social (PPGSS- PUCRS). Professora do Curso de Serviço Social da
Faculdade de Integração do Ensino Superior do Cone Sul (FISUL) – Garibaldi/RS. Membro do
Núcleo de Pesquisa em Saúde e Trabalho (NEST), no período de 2006 a 2008. Atualmente é
membro Núcleo de Pesquisas em Políticas e Demandas Sociais (NEDEPS), sob a orientação
da Profª Drª Ana Lúcia Suárez Maciel. Rua Primeiro de Setembro nº 503 apto. 309, Bairro São
José/Partenon,
CEP
91520-540
Porto
Alegre/RS,
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4108,
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INTRODUÇÃO
A sociedade em que vivemos tem sido marcada por um sistema capitalista que,
ao se apropriar da força do trabalho da classe trabalhadora se utiliza de uma relação
de exploração, através da concentração de renda, riqueza e poder de uma minoria, em
detrimento das condições de vida digna para a maioria da população. Esse processo
tem agravado as múltiplas expressões da questão social. Nesse contexto, cresce a
desigualdade social, o desemprego estrutural, a violência, a fome... e tantos outros
processos que põe em risco o desenvolvimento da vida, em todas as suas dimensões.
Neste contexto, o “controle social” se constitui como tema relevante para a viabilização
de políticas públicas, especialmente na área social.
Para que estas políticas superem a lógica da focalização e aplicação de
recursos ínfimos, é necessário que a sociedade civil exerça o controle social. Este
controle implica a participação efetiva da sociedade civil em espaços de proposição e
deliberação. A partir da Constituição Federal de 1988, no Brasil, esses espaços são
identificados principalmente através das Conferências, Conselhos e Fóruns.
O presente trabalho tem como objetivo socializar alguns resultados da
pesquisa realizada junto ao Programa de Pós-Gradução em Serviço Social – PUC/RS
- Mestrado em Serviço Social. A pesquisa teve como ponto de partida a seguinte
questão: Como a sociedade civil vem exercendo o controle social da Política de
Assistência Social, em âmbito estadual, no período de 1999-2007, no Rio Grande do
Sul? O objetivo geral buscou: Analisar como a sociedade civil vem exercendo o
controle social da Política de Assistência Social, em âmbito estadual, no período de
1999-2007, no Rio Grande do Sul.
O referencial teórico-epistemológico da pesquisa esteve voltado ao método do
Materialismo Dialético Histórico. Tratou-se de uma pesquisa centrada numa
perspectiva qualitativa, embora o seu desenvolvimento possibilitou a apreensão de
elementos quantitativos, em vista de sua qualificação. A escolha do período se deve à
importância de desvendar como aconteceu e acontece o exercício do controle social,
da Política de Assistência Social, pela sociedade civil, no Rio Grande do Sul,
considerando as artimanhas do contexto social e político. Esses oito anos
correspondem a dois mandatos de Governo Estadual e Federal, com alternância de
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poder entre partidos inscritos em tendências de direita e esquerda, portanto, que
apresentam características políticas diversas.
A pesquisa teve como foco prioritário a análise em torno da participação da
sociedade civil no controle social da Política de Assistência Social e como lócus o
Conselho Estadual de Assistência Social (CEAS) e Fórum Estadual de Assistência
Social Não-Governamental (FEAS), na medida em que esses dois espaços
constituem-se lugares privilegiados para o controle social da Política de Assistência
Social, em âmbito estadual, no Rio Grande do Sul. O Conselho, enquanto espaço
institucionalizado, de caráter deliberativo e com representação paritária entre
sociedade civil e governo; e o Fórum como espaço não institucionalizado, com
participação espontânea de segmentos da sociedade civil, mas, ambos com um
potencial específico para o exercício do controle social. As pessoas entrevistadas
representaram segmentos da sociedade civil que atuam nesses espaços: usuários,
entidades prestadoras de serviço e organizações de trabalhadores da assistência
social.
Para a coleta de dados foi utilizada a técnica de entrevista (coletiva e
individual) e grupo focal. Como instrumentos foram utilizados formulários de tipo semiestruturado para entrevista coletiva, entrevista individual e grupo focal. Ao todo foram
realizadas cinco entrevistas sendo três entrevistas coletivas, com entidades tiveram
uma participação contínua no CEAS e, duas entrevistas individuais, com entidades
fundadoras do Fórum Estadual de Assistência Social. O grupo focal foi constituído por
oito componentes: duas pessoas convidadas (uma na qualidade de observadora e
outra enquanto relatora) e, por seis pessoas que atuam na Política de Assistência
Social, no CEAS, no FEAS ou em ambos. A representação foi distribuída por
segmentos: dois representantes dos usuários, dois de entidades prestadoras de
serviço e dois de organizações de trabalhadores da assistência social.
A interpretação dos dados se desenvolveu a partir da articulação entre os
dados empíricos e os referenciais teórico-metodológicos utilizados no processo de
investigação. A análise dos dados pesquisados foi desenvolvida através da técnica de
análise de conteúdo, com referencial em Bardin (2004). O resultado desse processo
se traduziu em “descobertas, desafios e possibilidades”, os quais foram verificados em
cada uma das categorias analíticas da pesquisa.
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A concepção de Estado e Sociedade Civil desenvolvida no estudo assume a
perspectiva de Estado Ampliado, do legado gramsciano, formado por sociedade
política e sociedade civil. O estudo estevei centrado em quatro categorias analíticas:
concepção da Política de Assistência Social, publicização, formação e participação. Os
resultados evidenciam que o controle social é um processo em disputa, o qual poderá
ter maior ou menor impacto na mudança da realidade e na efetividade da Política
Pública de Assistência Social, de acordo com o grau de participação cidadã, o qual
requer qualificar a capacidade de incidência política da sociedade civil organizada,
junto aos espaços públicos e à esfera pública.
2 DESTAQUES CARCA DA RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL
A formação sócio-histórica do Brasil é marcada por diferentes períodos nos
quais o Estado (através dos diferentes âmbitos de governo) e sociedade civil pautam
interesses que evidenciam lutas, contradições e desafios. Este trabalho não objetiva
um aprofundamento acerca da constituição do Estado, no Brasil, mas, algumas
pontualizações, que se fazem necessárias para a adequada abordagem sobre o tema
controle social. Busca-se, assim, dar visibilidade a processos que influenciam de
maneira estruturante o exercício do controle social pela sociedade civil na Política de
Assistência Social.
O período entre 1930 a 1964, foi marcado por regimes democráticos e
ditatoriais, e pela garantia de direitos e políticas voltadas principalmente ao mundo do
trabalho. Destaca-se nesse período as políticas implementadas pelo governo de
Getúlio Vargas, em especial, a criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),
em 1943 e, com ela uma série de direitos como: férias remuneradas, jornada de
trabalho de 8 horas, entre outros, o que originou o reconhecimento de Vargas como o
“Pai dos Pobres”.
Com o golpe militar de 1964, o país ingressou em uma nova fase na
organização política, econômica e social, com a ditadura militar que vai até 1985, ou
seja, dura 21 anos. Se antes o controle do Estado sobre a sociedade era feito de
forma sutil, com a concessão de alguns direitos e de políticas compensatórias, nesse
período ele passou a ser feito com o uso da força militar e da violência. O controle
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social do Estado sobre a sociedade servia como mecanismo de manutenção do poder
das elites econômicas e militares; legitimação da ordem, estabelecida por um modelo
de Estado dominante; regulação tecnocrática das políticas sociais; cooptação dos
espaços organizativos da sociedade civil (associações, sindicatos, movimentos
populares); de restrição das liberdades civis e políticas, que levava à negação do
exercício da cidadania. No contexto da ditadura militar a noção de controle social
voltava-se ao controle dos cidadãos e cidadãs, pelo Estado, através de um estatuto
jurídico-legal, onde eram definidas normas necessárias à ordem social.
Com a efervescência dos movimentos populares, articulados com setores
progressistas da Igreja Católica, ligados a Teologia da Libertação e às Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs), há um intenso processo de mobilização popular pela
redemocratização do país, que teve como uma de suas expressões o Movimento
“Diretas Já” (1983), a Assembléia Nacional Constituinte (1985) e a conquista da
Constituição Federal de 1988. A partir dessa Constituição, direitos civis, políticos e
sociais são firmados de forma conjunta e articulada, enquanto partes constitutivas de
um mesmo estatuto legal, o que dá a essa Constituição o status de Constituição
Cidadã ou Magna Carta, a qual é imprescindível para a consolidação de um Estado
Democrático,
destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a
liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a
justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna
e internacional, com a solução pacífica das controvérsias (BRASIL, 2001).
Essa Constituição, embora não expresse totalmente os interesses dos
trabalhadores(as), devido à correlação de forças presente nas relações entre capital e
trabalho, representa um avanço no processo de redemocratização do país, na medida
em que firma direitos e deveres individuais e coletivos, estabelece uma forma de
organização político-administrativa do Estado e cria ou reafirma instrumentos de
participação popular como: exercício do voto, plebiscito, referendo e iniciativa popular
(BRASIL, 2001, art. 14, p. 18). Com esse respaldo legal o processo de
redemocratização vai se ampliando o que exige a participação ativa da sociedade civil,
como protagonista, ou seja, como sujeito principal, construtor desse novo momento da
história.
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A sociedade civil, considerando o referencial de Estado Ampliado, criado por
Gramsci é representada pelo extenso e complexo espaço não-governamental,
constituído por entidades de natureza diferenciada, com interesses específicos e de
grande importância política onde, as classes subalternas são chamadas a desenvolver
suas convicções e a lutar por um novo projeto hegemônico que poderá contribuir para
a gestão democrática e popular do poder. O conceito de sociedade civil não é
homogêneo “[...] mas se apresenta como uma das principais arenas da luta de classes
e, portanto, como palco de intensas contradições” (COUTINHO, 2006, p. 41). É
momento da superestrutura onde se estabelecem as relações de poder. A sociedade
civil refere-se, portanto, a “hegemonia política e cultural de um grupo social sobre toda
a sociedade, como conteúdo ético do Estado” (GRAMSCI, CC3, § 24, 2007, p. 225).
A partir deste referencial é possível identificar três perspectivas de sociedade
civil e a sua relação com o Estado, enquanto sociedade política (NOGUEIRA, 2003, p.
215): A primeira delas se refere à sociedade civil democrático-radical, na qual a
política tem forte influência. Envolve diferentes atores sociais buscando a construção
de processos coletivos, a politização e fortalecimento do espaço público e
democrático. Essa concepção aborda o conceito de hegemonia, enquanto
possibilidade de convergência de interesses, o qual se desenvolve mediante a coerção
entre classes sociais, ou grupos específicos que se localizam no interior dessas
classes.
Hegemonia é uma categoria gramsciana o qual envolve duas perspectivas
principais. A primeira refere-se a um processo específico na sociedade civil. Ocorre
mediante o controle que uma parte da classe dominante exerce sobre seus aliados,
“através de sua liderança moral e intelectual” (CARNOY, 1994, p. 95). Nesse sentido,
um determinado grupo impõe suas opiniões e decisões sobre outro grupo, fazendo
com que estas decisões assumam uma característica de conjunto, quando, na
verdade, correspondem aos interesses de somente uma das partes.
A segunda, diz respeito à relação entre as classes dominantes e as
dominadas. Compreende o poder exercido pelas classes dominantes, através de sua
“liderança política, moral e intelectual” (CARNOY, 1994, p. 95), sobre as classes
dominadas, que assumem uma postura de subordinação, tendo seus interesses
pautados pelas classes dominantes. Portanto, hegemonia não significa unidade ou
coesão. “Ela é plena de contradições e sujeita ao conflito” (CARNOY, 1994, p. 95). A
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construção da hegemonia, no âmbito da sociedade civil, constitui-se como um
processo extremamente exigente na medida em que esta mesma sociedade é
formada por segmentos representantes da classe burguesa e da classe trabalhadora.
A sociedade civil democrático-radical corresponde a “um espaço onde são
construídos projetos globais de sociedade, articulam-se capacidades de direção éticopolítica, disputam-se o poder e a dominação” (NOGUEIRA, 2003, p. 224). Nesse
modelo de sociedade há perspectiva de construção de um “Estado Máximo”, que seja
democrático, que possibilite a gestão compartilhada da “coisa pública” e priorize a
implementação de políticas públicas.
A segunda perspectiva se refere à sociedade civil liberal. Caracteriza-se pelo
campo de “oposição e da concorrência” (NOGUEIRA, 2003, p. 229), no qual incide a
fragmentação, a despolitização, o corporativismo, a busca da vantagem individual,
entre outros. Nesse modelo, não há lugar para a construção da hegemonia. Aqui a
centralidade está na regulação da sociedade pelo mercado. Valoriza-se, dessa forma,
a iniciativa privada, minimizando a interferência pública ou estatal.
O modelo de Estado para esse tipo de sociedade corresponde a um Estado
Mínimo “mais liberal e representativo que democrático e participativo” (NOGUEIRA,
2003, p. 224). É um Estado que privilegia os interesses de uma classe social,
proprietária dos meios de produção em detrimento dos interesses da classe
trabalhadora.
Nesse sentido, justifica-se a implementação de políticas focalizadas e
fragmentadas, com investimento de recursos residuais, sem a preocupação com a
emancipação das pessoas envolvidas e, tampouco, da incidência em políticas
estruturais necessárias à construção de um novo projeto societário alicerçado no
desenvolvimento sustentável e na justiça social.
Outra perspectiva se refere à sociedade civil social marcada pela autonomia da
sociedade civil frente ao Estado e Mercado, pela organização de redes e fóruns
transnacionais, em vista da ampliação da cidadania, da realização da justiça social e
construção de políticas públicas.
Aqui o conceito de hegemonia encontra lugar,
porém, de maneira difusa na medida em que os interesses são fragmentados. A
principal virtude desse modelo de sociedade civil está centrada na questão da
autonomia. O modelo de Estado que correspondente a essa sociedade civil é de um
Estado cosmopolita, “territorialmente desenraizado e categoricamente voltado para a
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proteção dos direitos de cidadania” (NOGUEIRA, 2003, p. 225). Trata-se de uma
cidadania universal a ser assegurada a todos os povos e culturas, respeitando a
diversidade local, e tendo como eixo a construção de políticas que assegurem os
direitos humanos, a paz social e o desenvolvimento dos povos.
Estas três perspectivas não acontecem de forma isolada, mas, estão presentes
no dia-a-dia das diferentes sociedades. Assim, surge o desafio de lidar com a
fragmentação e, ao mesmo tempo, buscar a articulação de interesses diferenciados,
presentes na constituição da sociedade civil, em torno de propostas comuns.
Se por um lado a sociedade civil social, pela sua dinâmica de organização e
abrangência, pode apresentar maior possibilidade de hegemonia, especialmente em
ambientes democráticos e de esquerda, por outro lado, o fortalecimento da sociedade
civil democrático-radical poderá fortalecer o grau de incidência na construção de
mudanças sociais. Essa possibilidade não será resultado do acaso, mas, da
capacidade
de
diálogo
entre
os “diferentes”
e
da
construção de
“ações
democratizadoras combinadas, a pressões inteligentes, a alianças sustentáveis”
(NOGUEIRA, 2003, p. 233), necessárias a construção de um novo pacto civilizatório.
3 A SOCIEDADE CIVIL NA REALIDADE BRASILEIRA
Ao abordar o tema sociedade civil, é importante resgatar o seu processo de
organização, as lutas e os atores envolvidos. A sociedade civil, enquanto “espaço de
força política”, é formada, principalmente, por sujeitos coletivos e plurais, que possuem
concepções e interesses diferenciados e buscam formas de organização de acordo
com as necessidades que a realidade apresenta.
O termo foi introduzido na pauta da sociedade brasileira a partir dos anos de
1970 do século XX, em plena ditadura militar. Nesse período, havia centralidade em
torno das ações junto aos movimentos populares e, a sociedade civil expressava a
organização e participação da população civil contra a ditadura do regime militar. “Um
dos principais eixos articuladores da sociedade civil, naquela época, era dado pela
noção de autonomia. Tratava-se de organizar a população, independentemente do
Estado” (GOHN, 2002, p. 74).
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A partir da década de 1980, com o término do regime militar e início do
processo de redemocratização do país, a questão da “autonomia” dá lugar à
“parceria”, ou seja, a sociedade civil começa a participar da construção de políticas em
vista da redemocratização do Estado. A centralidade, que antes estava nos
movimentos populares, vai sendo substituída pela capacidade de articulação com
outros atores, em vista da construção de políticas públicas. Assim, “a sociedade civil
se amplia para se entrelaçar com a sociedade política, colaborando para o caráter
contraditório e fragmentado que o Estado passa a ter nos anos 90” (GOHN, 2005, p.
77). Esse processo se aprofunda ainda mais ao final da década de 1990 e 2000, onde
há uma pluralidade de sujeitos e o tema da cidadania passa a ser mais relevante.
Porém, a questão da cidadania não é focada somente nos direitos, mas, também, nos
deveres dos cidadãos diante da gestão da esfera pública.
Na perspectiva do protagonismo da sociedade civil, em especial das classes
subalternas, torna-se fundamental a incorporação de interesses e necessidades desse
segmento na definição de políticas sociais e o fortalecimento da esfera pública.
Raichelis (2005, p. 42-43), ao abordar o tema da esfera pública destaca alguns
elementos constitutivos que podem ser apreendidos de forma dinâmica e articulada:
visibilidade social, que corresponde a transparência de ações e discursos, publicidade
e fidedignidade de informações; representação de interesses coletivos, que se refere a
constituição de sujeitos sociais ativos, enquanto mediadores diante de demandas
coletivas; democratização, como respeito à ampliação de fóruns de decisão política,
que possibilite a interlocução pública sobre interesses e decisões coletivas; cultura
pública, que faça enfrentamento ao autoritarismo, à cultura privatista e assistencial e
favoreça a constituição de sujeitos de direitos e, controle social, enquanto instrumento
de participação da sociedade civil organizada, na formulação de questões de interesse
público e sua negociação junto à sociedade política.
A viabilização desses elementos está diretamente relacionada às condições
estabelecidas pelas transformações societárias pautadas por uma nova etapa do
processo de acumulação do capital e formas de organização e gestão do trabalho que
têm como decorrência o aumento das desigualdades sociais de toda a ordem, as
quais podem ser sistematizadas em três questões fundamentais (NETTO, 2006, p.
47): o crescente alargamento da distância entre o mundo rico e o pobre; a ascensão
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do racismo e da xenofobia e a crise ecológica, os quais apontam para o fortalecimento
da concentração da tríade: renda, riqueza e poder.
Nesta dinâmica é importante considerar o crescente cenário das desigualdades
sociais. Historicamente, o Brasil pode ser considerado como um “monumento de
injustiça social” onde “os 20% mais pobres da população dividiam entre si 2,5% da
renda total da nação, enquanto os 20% mais ricos ficavam com quase dois terços
dessa renda (HOBSBAWM, 2008, p. 397). Esse grau de desigualdade não decorre da
falta de recursos, mas, da concentração dos bens e serviços socialmente produzidos,
nas mãos de poucos. Assim, a pobreza e as diferentes situações de vulnerabilidade a
que são submetidas milhares de pessoas, não ocorre por acaso, mas, são resultados
da ação humana.
Se por um lado “o consumidor toma o lugar do cidadão, e todos nos tornamos
“cidadãos-clientes” (SIMIONATTO, 2006, p. 7), por outro, o exercício dos direitos
passa a ser privilégio de quem pode pagar, na medida em que o Estado reduz o seu
papel regulador e os investimentos na área social tornam-se fragmentados em nome
dos interesses do capital. As instituições de mercado, por sua vez, avançam
incessantemente respaldadas pela legislação, pelo financiamento público e pela
dinâmica da acumulação.
A sociedade civil é chamada a complementar a ação estatal através da
viabilização de políticas na área social. Cria-se um novo setor, a esfera pública nãoestatal, localizada entre Estado e mercado, “de caráter não-governamental, nãomercantil e não-partidário” (SIMIONATTO, 2006, p. 12), responsável pela promoção e
articulação entre público e privado. Trata-se de um “terceiro setor”, que emerge como
alternativa a crise da sociedade salarial, buscando se constituir frente à fragilidade do
Estado no que se refere à oferta de bens e serviços sociais. Diante desse contexto,
permanece, o desafio de superar a tendência de desresponsabilização do Estado no
trato do social e de sua inclinação à subordinação pelo econômico.
Torna-se necessário e urgente a vigilância em torno no tema sociedade civil, no
sentido de não elevá-lo a um grau de valorização maior do que ele realmente
representa. Por vezes a sociedade civil pode ser concebida como “Terra Prometida”
capaz de resolver todos os problemas e malefícios do mundo. Um espaço no qual
existem e se desenvolvem, de forma espontânea, apenas boas qualidades. “Sua
simples menção funciona como uma invocação mágica capaz de exorcizar as
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potências do Mal, dissipar as angústias e convocar todas as forças positivas contidas
no social” (ACANDA, p.16).
Sociedade civil e sociedade política caracterizam-se como espaços permeados
por contradições e disputas, portanto, nenhum deles tem poderes messiânicos,
tampouco um está relacionado ao bem e outro ao mal. Seus limites e potencialidades
são fundamentais à construção da esfera pública. Esta se materializa na interrelação
entre sociedade civil e sociedade política, exige o exercício da democracia, ou seja, a
participação dos cidadãos e cidadãs, no destino da nação, independente de gênero,
raça, etnia, geração, classe social, credo e orientação sexual.
Considerando as reflexões de Bidarra (2006), esfera pública e espaço público,
embora apresentem finalidades semelhantes, são espaços diferenciados no que se
refere a sua configuração e incidência na relação com o Estado. O espaço público
corresponde a organização específica de segmentos que integram a sociedade civil.
Trata-se de um espaço autônomo, de interação de atores da sociedade civil, o qual
está mais voltado à perspectiva da participação direta da sociedade civil. Portanto, o
espaço público é o lugar,
[…] onde interesses possam se fazer representar, ganhar visibilidade e
legitimidade nas razões e valores que lhes conferem validade, permitindo, no
cruzamento dos conflitos que expressam, a construção de parâmetros
públicos que reinventem a política no reconhecimento de direitos como
medida de negociação e deliberação de políticas que afetam a vida de todos
(TELLES, 2001, p. 93).
A
esfera
pública,
enquanto
elemento
constitutivo
do
processo
de
democratização do Estado é resultado de conflitos, disputas de interesses e
articulação de propostas, entre sociedade civil e sociedade política, no que se refere à
garantia de direitos, de políticas públicas e da gestão democrática do Estado.
A marca distintiva da esfera pública seria a sua condição de ser o lócus da
participação sociopolítica na formulação, na deliberação, na execução, no
controle e na gestão das políticas públicas (BIDARRA, 2006, p. 50).
Portanto, a esfera pública é espaço de interlocução e partilha de poder entre a
sociedade civil organizada e a sociedade política. O protagonismo da sociedade civil,
especialmente das classes subalternas, que a integram, exige a realização da catarze,
ou seja “a passagem do momento meramente econômico (ou egoístico-passional) ao
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momento ético-político” (COUTINHO, 2003, p. 70). Assim, “seria “catártico” o momento
no qual a classe, graças à elaboração de uma vontade coletiva, não é mais um
simples fenômeno econômico, mas se torna, ao contrário, um sujeito consciente da
história” (COUTINHO, 2003, p. 71). Para a realização da catarze a sociedade civil
precisa assumir sua identidade, como espaço político, o que constitui um processo em
construção na medida em que:
Nenhuma sociedade civil é imediatamente política. Sendo o mundo das
organizações, dos particularismos, da defesa muitas vezes egoísta e
encarnizada de interesses parciais, sua dimensão política precisa ser
construída (NOGUEIRA, 2005, p. 103).
Permanece o desafio, em meio à diversidade (dos sujeitos, organizações,
concepções...),
construir
processos articulados,
mediante a valorização das
potencialidades presentes na sociedade civil e na sociedade política na perspectiva do
fortalecimento da esfera pública, como expressão da luta pela garantia e ampliação de
direitos e efetivo controle social de políticas públicas, alicerçadas na justiça social.
4 CONTROLE SOCIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS, DO QUE SE TRATA AFINAL?
Na realidade brasileira, o trato da pobreza tem sido marcado por várias etapas.
Primeiramente, estava a cargo das ações de caridade desenvolvidas pela Igreja,
fundamentada na Doutrina Católica e desenvolvimento de ações marcadas pela
doação e assistência. Em seguida, como objeto de intervenção de governos populistas
e ditatoriais, que desenvolviam políticas sociais, como estratégias de manutenção da
ordem e harmonia social. Essas políticas assumiam características compensatórias e
de controle que levavam a uma cultura de subalternidade, ou seja, de submissão de
quem as recebia em relação a quem as promovia. Considerando a formação sóciohistórica do Brasil é possível analisar que até 1988, as políticas sociais não eram
viabilizadas como direito e, tampouco, assumiam caráter público e universal.
Portanto, na realidade brasileira, o tema das políticas sociais, como direito de
cidadania, tem sido recorrente a partir da promulgação da Constituição Federal de
1988, a qual aponta para a perspectiva de construção de um Estado Democrático de
direito. Para que as garantias firmadas nesse estatuto legal sejam concretizadas é
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fundamental a viabilização de políticas de interesse “público”, orientadas à
materialização de direitos firmados em Lei, os quais decorrem de necessidades
concretas da população.
A
política
pública
caracteriza-se
pela
abrangência
universal,
não
discriminatória. Não é política de um governo específico e, tampouco, de uma matriz
partidária. Trata-se de uma ação continuada destinada ao atendimento do público,
com sentido de universalidade e totalidade.
Por meio das políticas públicas que são formulados, desenvolvidos e postos
em prática programas de redistribuição de bens e serviços, regulados e
providos pelo Estado, com a participação e o controle da sociedade.
(PEREIRA, 2002, p. 223)
Para que o caráter “público” se efetive é fundamental o exercício do controle
social, da sociedade civil organizada sobre as ações do Estado. Mas, quanto se fala
em controle social, qual o sentido atribuído a essa expressão? Quais os espaços e
instrumentos utilizados pela sociedade civil para o exercício desse controle na área
das políticas públicas?
O termo “controle social” tem origem na sociologia norte-americana, no século
XX, enquanto mecanismo de cooperação e de coesão voluntária. Tratava-se da
capacidade da sociedade em se auto-regular, sem a influência do Estado ou do uso da
força, buscando a “onipresença de uma integração social” (ALVAREZ, 2004, p. 169).
Na realidade brasileira o controle social foi tomando dimensões diferenciadas,
considerando as diferentes formas de governo e exercício do poder. Assim, pode ser
concebido de duas formas principais: controle do Estado sobre a sociedade civil, com
o objetivo de conservação de privilégios e manutenção da ordem social, ou controle da
sociedade civil sobre as ações do Estado, na perspectiva da garantida de direitos e de
políticas públicas. Em ambos os casos, o controle social se constitui como base e
instrumento de construção de um projeto societário, que poderá fortalecer os
interesses das classes dominantes ou das classes subalternas2.
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Classes subalternas é um conceito do legado gramsciano, descrito pelo autor a partir do histórico dos
grupos sociais subalternos da Idade Média, em Roma, os quais representam um conjunto contraditório e
diversificado de situações de exploração, seja ela econômica, social e política, que leva à subalternidade
uma parcela da população. “Com freqüência, os grupos subalternos são originalmente de outra raça
(outra cultura e outra religião) em relação aos dominantes e, muitas vezes, são uma mistura de raças
diversas, como no caso dos escravos” (GRAMSCI, CC5, 2002, p. 138).
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Considerando a perspectiva gramsciana de Estado Ampliado formado por
“sociedade política + sociedade civil, isto é, hegemonia couraçada de coerção”
(GRAMSCI, CC3, 2007, p. 244), é importante analisar que a sociedade política ou
Estado, em sentido restrito, se traduz como espaço contraditório, na medida em que
por um lado está comprometido com a viabilização de interesses das classes
dominantes e, por outro, busca a incorporação de interesses das classes subalternas.
A sociedade civil se caracteriza por uma composição não homogênea, ou seja, uma
sociedade civil plural, formada por entidades, organizações, movimentos sociais,
associações, ONGs, entre outros, que apresenta interesses antagônicos no seu
interior.
Nesse contexto é fundamental que o controle social, da sociedade civil sobre
as ações do Estado, possibilite a viabilização de políticas públicas, necessárias à
garantia de direitos. Esse tipo de controle pode ser concebido como uma “forma de
ação reguladora, resultante da participação popular nas instâncias estatais e/ou ações
governamentais” (SILVA, 2007, p. 183). Poderá contribuir para que as políticas
públicas se desenvolvam de modo a responder às necessidades sociais da população.
Sob esse enfoque, ele não se resume ao controle orçamentário ou fiscalizatório, mas
assume uma perspectiva transversal com vistas ao alcance das diretrizes e
prioridades pactuadas numa política pública.
A novidade está na capacidade de intervenção da sociedade civil, em especial,
das classes subalternas em pautar seus interesses junto à sociedade política. Trata-se
de um tipo de controle concebido como “atuação da sociedade civil organizada na
gestão das políticas públicas no sentido de controlá-las para que estas atendam, cada
vez mais, às demandas sociais e aos interesses das classes subalternas” (CORREIA,
2002, p. 121).
O controle social se materializa através de esferas públicas, que se constituem
como espaços híbridos em que ocorre a participação da sociedade civil e do Estado.
Nesta perspectiva o controle social:
Significa acesso aos processos que informam as decisões da sociedade
política. Permite participação da sociedade civil organizada na formulação e
na revisão das regras que conduzem as negociações e a arbitragem sobre os
interesses em jogo, além da fiscalização daquelas decisões, segundo
critérios pactuados (RAICHELIS, 2005, p. 43).
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Este controle demanda a participação da sociedade organizada. Trata-se de
uma participação cidadã que combina o “uso de mecanismos institucionais com
sociais, inventados no cotidiano das lutas, e superando a já clássica dicotomia entre
representação e participação” (TEIXEIRA, 2002, p. 32-33). É importante ter presente
que a participação não é algo linear, previamente definido. Ela é pautada pela
correlação de forças presente nos diferentes âmbitos de organização da sociedade.
Dependendo do projeto político dos governos e da capacidade de pressão e
mobilização da sociedade civil organizada, a participação cidadã pode ter maior ou
menor eficácia na definição dos rumos do país. Portanto, o que está em jogo é o
sentido político da participação, que se manifesta através do exercício do poder. Não
há uma receita pronta. Ela é exercício prático, que se transforma em práxis
transformadora na medida em que é pensada, planejada, exercida.
O exercício do controle social exige atuação da sociedade civil em processos
de formulação e deliberação de políticas públicas. Para que esses processos se
efetivem é fundamental o acesso a informação e o desenvolvimento de processos
formativos na área das políticas públicas, incluindo temas como gestão, controle social
e financiamento.
Em geral, o controle social de políticas públicas é atribuído, quase que
exclusivamente, aos conselhos de políticas e de direitos. É fundamental destacar que
existem outros espaços em que este controle pode ser exercido: através do Ministério
Público; de Comissões Permanentes (Poder Legislativo); de Comissões Bipartites e
Tripartites de Gestão, Conferências e Conselhos (Poder Executivo). A sociedade civil
organizada também pode exercer o controle social através do Orçamento Participativo,
de Movimentos Sociais e Fóruns próprios de articulação. Esses espaços não são
excludentes entre si. Na medida em que houver articulação entre ambos maior será a
capacidade de exercício do controle social pela sociedade civil.
5 A EMERGÊNCIA DA PARTICIPAÇÃO CIDADÃ
O tema da participação é assunto na pauta do dia em diferentes segmentos da
sociedade civil e de governos, tanto de tendências de direita, quanto de centro ou
esquerda. Com a emergência da organização da sociedade civil, no Brasil, a partir da
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década de 1970 do século passado e em decorrência das novas configurações
presentes na relação entre sociedade civil e Estado, vem ocorrendo um alargamento
no entendimento e práticas acerca da participação política. Considerando que política
refere-se a “arte de bem governar os povos” (FERREIRA, 2004, p. 1592), a
participação política diz respeito à possibilidade da população em contribuir na tomada
de decisões sobre o que é de interesse do coletivo, da sociedade. Esse tipo de
participação ocorre em diferentes espaços da vida social, através de grupos de
discussão nas comunidades, dos grêmios estudantis, associações, sindicatos,
movimentos sociais, reuniões, audiências públicas, marchas, protestos, mobilizações
sociais, partidos políticos, entre outros. Pode ser uma participação orientada para a
“decisão” ou orientada para a “expressão” (TEIXEIRA, 2002, p. 27).
A participação orientada para a “expressão”, se manifesta através da simbólica
presença na cena política. Assim, corre-se o risco desta presença ser legitimadora do
processo decisório já definido por outros atores, o que pode levar a uma cultura
participacionista, onde as pessoas envolvidas são meros expectadores. Já a
participação orientada para a “decisão” ocorre através da participação de diferentes
atores que compõe a sociedade civil organizada no processo decisório, enquanto
protagonistas, contribuindo dessa forma, para o debate e incorporação de questões
referentes aos interesses da população. Na perspectiva da participação orientada
para a decisão pretende-se a superação de práticas individuais, de acordos e políticas
de gabinete.
Busca-se o fortalecimento de processos coletivos, que combine a
participação entre espaços e mecanismos institucionalizados e não-institucionalizados,
que articule democracia representativa e participativa. Tal prática leva à participação
cidadã que, conforme refere Teixeira (2002, p. 32-33), pode ser concebida como:
processo social em construção hoje, com demandas específicas de grupos
sociais, expressas e debatidas nos espaços públicos e não reivindicadas nos
gabinetes do poder, articulando-se com reivindicações coletivas e gerais,
combinando o uso de mecanismos institucionais com sociais, inventados no
cotidiano das lutas, e superando a já clássica dicotomia entre representação
e participação.
A questão chave da participação refere-se a sua capacidade de incidir
concretamente em determinada realidade, contribuindo para a realização de
mudanças. Possibilita também a organização e fortalecimento das ações num
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determinado território, articulado a questões mais amplas, que são influenciadas pela
co-relação de forças entre os diferentes sujeitos sociais. A participação da sociedade
civil no exercício do controle social da Política de Assistência Social tem como
espaços privilegiados os Conselhos e Fóruns, embora esses não sejam os únicos.
Considerando o caráter paritário dos conselhos sinaliza-se para a possibilidade
de que a tomada de decisões seja resultado do debate democrático e proporcione
deliberações coletivas. Mas, isso nem sempre se efetiva, pois o caráter paritário não
assegura suficientemente o compartilhamento de poder entre representantes dos
governos e da sociedade civil. Vive-se uma relação contraditória na medida em que
“os encontros entre Estado/sociedade nos conselhos têm sido afetados negativamente
por uma grande recusa do Estado em partilhar o poder de decisão” (TATAGIBA, 2002,
p. 79).
A paridade, portanto, parece intrinsecamente relacionada não apenas ao
reconhecimento da legitimidade da representação do “outro”, mas também à
capacidade de estabelecer com ele acordos contingentes em torno de
demandas específicas.
Nos dois primeiros mandatos, o CEAS/RS, embora com representação
paritária, tinha caráter consultivo, ou seja, não tinha poder de decisão, mas de reflexão
e proposição, que se materializava através de recomendações e moções, em relação
a um tema pertinente à Política de Assistência Social. Cabia ao Conselho subsidiar o
governo na tomada de decisão. A conquista do caráter deliberativo do CEAS, em
1999, foi um avanço no processo de construção da Política de Assistência Social no
Rio Grande do Sul.
Os fóruns constituem-se como espaços abertos de participação, de formação e
de fortalecimento dos conselheiros(as) da sociedade civil eleitos(as) para o espaço do
Conselho. Contribuem para que a sociedade civil tenha consciência de suas
atribuições, mais legitimidade e representatividade e, possa melhor contribuir para o
fortalecimento da Política de Assistência Social como política pública. Constituem-se,
portanto, em espaços de controle social, na medida em que, conforme destaca Streck
e Adams (2006, p. 109), os Fóruns são:
[…] instâncias de interesse público que partem do princípio de que as
necessidades não são carências, mas a relação com um bem, com um
serviço ou recurso existente. Os fóruns têm um formato e nível de
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institucionalização diversificado, podendo ou não ter uma estrutura jurídica.
Propõem-se a questionar, formular políticas e realizar ações concretas.
Exercem a mediação junto a interesses públicos, através do controle social
sobre as instituições públicas ou privadas a eles relacionados.
Assim, entende-se que independente dos espaços serem institucionalizados ou
não, o que está em jogo é a incidência da participação da sociedade civil, através do
compartilhamento de poder, nos processos decisórios e no controle social que levem à
garantia e ampliação de direitos e políticas públicas.
Entre os desafios identificados pela pesquisa no que se refere à participação
cidadã no exercício do controle social da Política de Assistência Social no Rio Grande
do Sul apresenta-se: a capacidade de representação da sociedade civil no CEAS; a
participação direta dos usuários em conselhos e fóruns; falta de clareza de papéis da
sociedade civil no Conselho; personalização das relações, na medida em que a
capacidade técnica ou política de algumas pessoas se sobrepõe à capacidade de
articulação e incidência política das instituições; a influência da participação, através
da disponibilidade de tempo, pessoas e recursos, de entidades mais estruturadas em
relação a entidades menos estruturadas; a centralização
das decisões e
comportamento autoritário de lideranças no Fórum e condições de acessibilidade
dos(as) participantes em conselhos e fóruns.
A análise em torno da participação da sociedade civil em espaços da Política
de Assistência Social indica que o controle social, para ser efetivo, precisa ir além dos
espaços institucionalizados. É fundamental qualificar a articulação entre conselhos e
fóruns e, também assegurar a participação de conselheiros(as) representantes da
sociedade civil nos fóruns específicos da sociedade civil, tanto da política específica,
como, também, em articulação com outras políticas. Torna-se cada vez mais urgente a
articulação entre espaços institucionalizados e não-institucionalizados; a participação
de conselheiros(as) nos fóruns da sociedade civil; a construção de pautas oriundas
das necessidades e demandas da população a serem levadas aos conselhos pelos
diferentes segmentos da sociedade civil. Esse processo objetiva a consolidação de
lutas mais coletivas e articuladas, tendo em vista o fortalecimento da sociedade civil e
a democratização do Estado, conforme destaca Silva (2001, p. 200-201):
A participação do Conselho no Fórum tem-se constituído, particularmente,
num reforço à luta pela democratização, pois o Fórum serve para coletivizar
desejos e concretizar lutas, reforçando a identidade dos conselheiros como
agentes democratizadores que, por intermédio de seu exercício de cidadania
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ativa, procuram defender e favorecer o acesso universal aos direitos de
cidadania social [...].
A participação cidadã, numa perspectiva emancipatória, não é um meio para
atingir determinado fim, também não é algo estático, definido, tampouco é deliberado
para que seja exercido “em nome de”, mas constitui uma mediação necessária para o
empoderamento individual e coletivo dos sujeitos. Como consequência, cria-se um
ambiente favorável para o acesso à informação e a processos formativos que
despertem os cidadãos e cidadãs para a participação direta na tomada de decisões.
Nessa perspectiva, a participação assume um caráter democrático e emancipatório,
possibilitando a autonomia da sociedade civil frente ao controle do Estado e do
mercado.
Finalmente, evidencia-se que a participação da sociedade civil no controle
social da política de assistência social, através de espaços públicos e de esferas
públicas, vem contribuindo para a construção de uma cultura democrática de
participação que supere concepções elitistas, tecnocráticas e autoritárias de exercício
do poder. Busca-se, através da participação em Conselhos e Fóruns, o diálogo com a
pluralidade e a aceitação do conflito enquanto etapa de um processo de construção
coletiva. Assim, a participação pontual e corporativa dá lugar aos interesses e
processos coletivos, enquanto mediação necessária à vivência concreta da cidadania,
da democracia e construção da justiça social.
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