S?o Paulo, domingo, 04 de julho de 2010 Novas graduações vingam Cursos da USP Leste em áreas conhecidas empregam mais, dizem alunos Silvia Zamboni/Folhapress Alexis Lopes, que cursa gestão ambiental, em seu trabalho BRUNA BORGES DE SÃO PAULO Os cursos universitários multidisciplinares que surgiram nos últimos anos podem ser divididos em dois, quando analisados do ponto de vista da empregabilidade: os que focam áreas tradicionais e os essencialmente novos. No mercado de trabalho, os primeiros são de longe os que apresentam maior absorção de recém-formados. É o que indicam alunos e professores da USP Leste, campus da Universidade de São Paulo que observa atentamente sua segunda turma de graduados dar início à vida profissional neste ano. Marketing, gestão ambiental, lazer e turismo, sistemas da informação, têxtil e moda e ciências da atividade física saem na frente na EACH-USP Leste (Escola de Artes, Ciências e Humanidades) em termos de empregabilidade. Os recém-formados dos cursos restantes, como gerontologia e obstetrícia, do outro lado, ainda encontram dificuldades para entrar no mercado profissional por falta de reconhecimento. "Atuar em uma profissão que já é conhecida ajuda bastante meus alunos na entrada no mercado de trabalho", aponta Paulo Santos Almeida, coordenador do curso de gestão ambiental. O índice de alunos estagiando é alto, cerca de 90%, afirma Ricardo Uvinha, coordenador de lazer e turismo. Antes mesmo de se formar, o estudante de gestão ambiental Alexis Lopes, 22, foi contratado pela Saint-Gobain Abrasivos como analista de sistema de qualidade. "O profissional dessa área pode atuar em consultorias ambientais, em empresas e no setor público. São muitas oportunidades", destaca. Desconhecimento atinge recrutador Selecionadores ainda não identificam as competências de recém-formados nas graduações multidisciplinares DE SÃO PAULO Responsáveis por selecionar os jovens que trocam a carteira da sala de aula pela cadeira do trabalho, muitos selecionadores ainda desconhecem o que graduandos de cursos multidisciplinares como os da USP Leste podem oferecer como profissionais. Para saber como está a empregabilidade desses recémformados, a Folha procurou dez recrutadores e consultores de carreira. A maioria diz não saber argumentar sobre as chances desses jovens. "Não tenho como comentar sobre os cursos, pois são muito específicos e não são solicitados em nossas vagas para o mercado corporativo", indica Renata Schmidt, gerente da Foco Talentos. Paradoxalmente, "cursos como lazer e turismo, gerontologia e gestão ambiental atendem a uma demanda crescente do país", opina Neli Barboza, da Ricardo Xavier Recursos Humanos. São reflexo do momento que o Brasil vive, à espera de uma Copa do Mundo e uma Olimpíada, com a população cada vez mais idosa e de olho na exigência mundial de sustentabilidade nos negócios. Como são cursos novos, dizem os consultores, não houve contato com os graduados. Em alguns casos, como nos de gerontologia e ciências da natureza, até a atuação é desconhecida. "O mercado de trabalho está sempre em mudança, e os profissionais contratantes podem não acompanhar as novidades em relação aos cursos", assinala a consultora da Career Center Marisa da Silva. A falta de conhecimento, porém, não significa exclusão na hora de preencher as vagas. Nessa fase da carreira, salientam recrutadores, mais vale o desempenho comportamental nas seleções. "Nos destacamos na entrevista porque outras escolas são voltadas para comunicação, enquanto a nossa enfoca negócios", compara Bruno Monteiro, 22, que se forma em marketing em dezembro. Carreiras fogem à lógica comum de contratações DE SÃO PAULO Apesar de também formar pessoas aptas a trabalhar em empresas ávidas por profissionais qualificados pela USP, a EACH (Escola de Artes, Ciências e Humanidades) apresenta cursos que não seguem a lógica tradicional de contratação do mercado. O curso de licenciatura de ciências da natureza é exemplo disso. A intenção é formar professores para dar aulas de ciências para o ensino fundamental. Os graduados também trabalham em museus e institutos educacionais voltados para a área científica. Há uma parcela significativa que prefere seguir carreira acadêmica ou que pretende atuar na rede pública e depende de aprovação em concurso. O mesmo ocorre com os formados em gestão de políticas públicas, que, além de planejar a entrada no funcionalismo, podem atuar no terceiro setor. A iniciativa privada é uma opção, no caso em que a instituição negocia diretamente com o setor público, como bancos. Por meio de parcerias entre a universidade e órgãos públicos, Gregori Pizzanelli, 23, que se forma no curso em dezembro, já estreou na área. "A meta é me especializar em economia ou administração." OBSTETRÍCIA Currículo será mudado, diz coordenadora DE SÃO PAULO - Muitos formados em obstetrícia não conseguem emprego e alguns o perdem sempre que o Conselho de Enfermagem sinaliza que não reconhece a profissão, dizem obstetrizes e a coordenação do curso na USP Leste. "A grade curricular será modificada para adequar as necessidades da profissão de parteira aos requisitos exigidos pelo conselho. Assim, chegaremos a um acordo", afirma Mônica Yassuda, coordenadora de obstetrícia na USP Leste. A obstetriz Bruna Cumpri, 22, que se formou em 2009 e tem registro, conta que só conseguiu um emprego na área porque foi indicada para a vaga onde trabalha. Não quis, porém, identificar a empresa. A despeito das dificuldades de inserção no mercado de trabalho, os profissionais apostam que, com a consolidação da carreira, a situação se estabilizará e melhorará. Procurado pela Folha, o conselho não se pronunciou até o fechamento da edição. Resistência é maior na área de saúde Cursos como gerontologia enfrentam a não aceitação dos colegas de trabalho, afirmam alunos e professores DE SÃO PAULO Nos cursos multidisciplinares relacionados à área de saúde, as dificuldades de conseguir emprego ao se formar são maiores, segundo alunos e professores da USP Leste ouvidos pela Folha. A justificativa é que esses profissionais são vistos como concorrentes pelos colegas em funções tradicionais. Os professores, contudo, ressaltam que a intenção da universidade é formar pessoas que trabalhem com equipes multidisciplinares. Os graduados em gerontologia, que acompanham o processo de envelhecimento e são capazes de gerir políticas públicas para idosos, conhecem bem essa situação. Recém-formados e professores da área avaliam que a aceitação da carreira é baixa. Uma razão é a resistência de enfermeiros e médicos que desconhecem a profissão. "A sociedade é preconceituosa e ainda não proporciona oportunidades", reclama Adriana Ruiz, 23, que se formou no ano passado e ainda está à procura de emprego. Profissionais de ciências da atividade física que buscam emprego em áreas da saúde também se queixam de que sua atuação é confundida com a de médicos e a de fisioterapeutas. "Não temos o mesmo treinamento que eles têm. A intenção é compor uma equipe", afirma Felipe Vieira, 23, que se formou em 2009 e não trabalha na área atualmente. BAIXA REMUNERAÇÃO Entre formados em lazer e turismo, a reclamação não é de falta de vagas, mas, sim, de ofertas com salário e qualificação inferiores -como cargos de atendentes de hotéis e agências de turismo ou funções operacionais em companhias aéreas. Para contornar a situação, Bruna Cirelli, 24, formada em 2009, trabalha em uma empresa de eventos. "Estou investindo em pós-graduação em gestão e marketing." ESPECIALISTAS RESPONDEM... ...ÀS DÚVIDAS DOS ESTUDANTES CIÊNCIAS DA ATIVIDADE FÍSICA Frequentemente os graduados atuam em academias. Qual o local de atuação mais promissor? Empresas estão investindo na prevenção de doenças por meio da atividade física. Um caminho é atuar como professor de ginástica laboral. GESTÃO AMBIENTAL Em relação ao perfil misto de gestor e técnico, o que o mercado espera? Há espaço tanto para o técnico quanto para o planejador. O profissional mais gestor provavelmente terá mais oportunidade de planejar em grandes empresas a partir de uma estrutura já consolidada. Já o técnico é necessário em organizações que ainda não aplicam ações de gestão ambiental. LAZER E TURISMO Com a realização de grandes eventos no país, como a Copa, quais são as perspectivas para esses profissionais? O Brasil tem grande potencial por seus recursos naturais, mas ainda não decolou como deveria por falta de infraestrutura. Há mais espaço aos gestores que pensam o setor nessa etapa de implementação. GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS Quais são seus principais campos de atuação? A universidade dá suporte para estágios. Os formados podem prestar concursos ou são indicados a cargos. Também atuam em instituições da iniciativa privada que dialogam com a administração pública, em consultorias de políticas públicas e no terceiro setor. OBSTETRÍCIA Com os problemas com o Conselho de Enfermagem, alguns profissionais perderam o emprego. A coordenação do curso afirma que espera aprovação da universidade para reformular a grade curricular, que será compatível com as exigências do órgão regulador. MARKETING O curso é focado em gestão de negócios. Em quais nichos há mais chances? O profissional pode assumir muitas funções e ser mais valorizado em pequenas empresas. Organizações do varejo também têm esse foco. GERONTOLOGIA A profissão ainda é pouco conhecida. Onde pode atuar o profissional? O gerontólogo gerencia serviços, programas e atividades direcionados ao envelhecimento. É um profissional capacitado a criar, desenvolver e avaliar formas de apoio ao idoso, considerando questões biológicas, psicológicas e sociais. Atua em consultorias e instituições especializadas. SISTEMAS DA INFORMAÇÃO Ainda são bastante visados esses profissionais? O mercado de trabalho nessa área é amplo. Há valorização dos profissionais que atuam em consultorias de informática e que gerenciam bem projetos que envolvem recursos técnicos e humanos. Apresentam boas oportunidades as áreas de suporte, programas de segurança da informação e gerenciamento de banco de dados. CIÊNCIAS DA NATUREZA Onde estão trabalhando os formados na área? Em escolas, museus e instituições. Muitos profissionais preferem seguir estudando e investem em um mestrado. TÊXTIL E MODA Alunos afirmam que há poucos cursos de especialização. É um complicador para o mercado de trabalho? Isso se dá por ser um curso novo. Há opções de especialização para mercado de moda nas áreas de produção, compras, marketing, venda e pesquisa. Outras áreas podem surgir com o tempo e a consolidação da carreira. Fontes: recrutadores, professores e Associação Brasileira de Gerontologia