Sociologia Jurídica Apresentação 3.3 A produção social do direito Pluralismo Jurídico • • • • • • • • • ARNAUD, André-Jean (direção). Dicionário enciclopédico de teoria e de sociologia do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. 1ª edição, 4ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2004, pp. 13-23. SABADELL, Ana Lúcia. Manual de Sociologia Jurídica. São Paulo: RT, 2002, lição 4. SANTOS, Boaventura de Sousa. Notas sobre a história jurídico-social de Pasárgada. In: SOUTO, Cláudio e Falcão, Joaquim (orgs.). Sociologia e Direito. São Paulo: Pioneira, 2005, pp. 87-95. __________. O discurso e o poder – ensaio sobre a sociologia da retórica jurídica. 2ª reimpressão. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988. O monismo Pasárgada – fase da anomia Pasárgada – fase do pluralismo Reflexões sobre o discurso jurídico O monismo • Durante os séculos XIX e XX consolida-se a concepção monista de direito e estado-nação – “até recentemente, o cenário social, político, econômico e cultural era identificado com os Estados-nação e com seu poder para realizar objetivos e implementar políticas públicas por meio de decisões e ações livres, autônomas e soberanas” (FARIA, p. 14) • Pressupõe o exercício legítimo da violência pelo Estado • Requer os princípios da legalidade, hierarquia das leis e segurança do direito O monismo • Identifica-se, a partir do XVIII, o Estado e a nação – Soberania deriva da nação e é exercida pelo seu Estado • Poder independente, supremo, inalienável, exclusivo – “ou seja, um poder sem igual ou concorrente, no âmbito do território, capaz de estabelecer normas e comportamentos para todos seus habitantes” (FARIA, p. 17) • Impõe a ordem no plano interno e faz a guerra no plano externo – “está relacionada com o convívio regulado entre os súditos no âmbito da nação, mediante o recurso a engrenagens jurídicoprocessuais como um sistema singular de administração dos conflitos internos e neutralização de seu potencial desagregador sobre as estruturas sociais; e com a delimitação e afirmação de um território frente ao inimigo estrangeiro ou ao próprio sistema de estados” (FARIA, pp. 19-20) O monismo • Monismo jurídico – Haveria, dentro de um território, apenas uma ordem jurídica regendo a vida da sociedade • Análise dogmática – Segundo Kelsen, fundamento último da validade é a norma fundamental, que pressupõe um grau de eficácia – Segundo Tércio, o positivismo considera jurídicas apenas as normas emanadas de uma autoridade com o maior grau de institucionalização no território O monismo • Será que o Estado-nação consegue eliminar todos os concorrentes internos, impondo um único direito dentro de seu território? – Questão do pluralismo jurídico interno • Será que o Estado-nação consegue delimitar soberanamente seu território em face da globalização? – Questão do pluralismo jurídico derivado da globalização Pluralismo Jurídico • • • • • • • • • ARNAUD, André-Jean (direção). Dicionário enciclopédico de teoria e de sociologia do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. 1ª edição, 4ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2004, pp. 13-23. SABADELL, Ana Lúcia. Manual de Sociologia Jurídica. São Paulo: RT, 2002, lição 4. SANTOS, Boaventura de Sousa. Notas sobre a história jurídico-social de Pasárgada. In: SOUTO, Cláudio e Falcão, Joaquim (orgs.). Sociologia e Direito. São Paulo: Pioneira, 2005, pp. 87-95. __________. O discurso e o poder – ensaio sobre a sociologia da retórica jurídica. 2ª reimpressão. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988. O monismo Pasárgada – fase da anomia Pasárgada – fase do pluralismo Reflexões sobre o discurso jurídico Pasárgada – fase da anomia • Boaventura de Sousa Santos realiza uma pesquisa em favela do Rio de Janeiro, no ínicio da década de 1970 – “Pasárgada” – Pesquisa de campo participativa • Objetivo: verificar o pluralismo jurídico para elaborar teoria sobre as relações entre Estado e direito na sociedade capitalista Pasárgada – fase da anomia • Percebe que a favela se consolida com relativa autonomia – Principal fator: ilegalidade coletiva da habitação à luz do direito oficial • Na década de 1930, os primeiros habitantes demarcam seu espaço no morro – Construção do barraco e delimitação de espaços para cultivo de verduras, plantio de árvores e criação de animais – Espaço abundante e desocupado, barracos precários e “desmontáveis”: poucos conflitos Pasárgada – fase da anomia • Década de 1940 • Cresce o povoado, construções “melhoram”: surgem conflitos – Resolvidos pela “violência, a lei do mais forte”, “na faca e no revólver” • Inacessibilidade à justiça formal e inexistência de mecanismo alternativos Pasárgada – fase da anomia • Mecanismos oficiais: – Polícia • Não havia delegacias no local • Vista como “inimiga”, poderia desapropriá-los • Fazia “batidas” nas quais deixavam soltos os bandidos e prendiam inocentes • Noção de que não se disporia a resolver um conflito entre “favelados” • Morador que chamasse a polícia seria visto como “traidor” Pasárgada – fase da anomia • Mecanismos oficiais: – Tribunais • • • • • Não procurados Muito “distantes” dos pobres Advogados caros e “fazedores de acordo” Problema da ilegalidade da ocupação Seria “inútil e perigoso” Pasárgada – fase da anomia • Ocorre a “privatização possessiva do direito” – Apropriação individual da criação e da aplicação das normas • Conforme os próprios interesses, sem critérios externos – Na medida em que a realização dos interesses individuais se processa harmoniosamente, sem conflitos, a relação entre eles é de extrema autonomia e tolerância – No momento em que há choque, este é de duas pretensões globais de juridicidade, de duas vocações contraditórias e exclusivas de universalização jurídica • Intensidade é extrema, generalizando-se a todas as relações sociais entre as partes conflitantes, tendendo à violência • Dialética entre a tolerância extrema e a violência próxima Pasárgada – fase da anomia • Podemos pensar que se trata de um caso de anomia – Ausência de normas – Não há normas que vinculem as pessoas num contexto social • A falta de normas sociais no ambiente de Pasárgada leva a uma situação comparável ao “estado de natureza” Pluralismo Jurídico • • • • • • • • • ARNAUD, André-Jean (direção). Dicionário enciclopédico de teoria e de sociologia do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. 1ª edição, 4ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2004, pp. 13-23. SABADELL, Ana Lúcia. Manual de Sociologia Jurídica. São Paulo: RT, 2002, lição 4. SANTOS, Boaventura de Sousa. Notas sobre a história jurídico-social de Pasárgada. In: SOUTO, Cláudio e Falcão, Joaquim (orgs.). Sociologia e Direito. São Paulo: Pioneira, 2005, pp. 87-95. __________. O discurso e o poder – ensaio sobre a sociologia da retórica jurídica. 2ª reimpressão. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988. O monismo Pasárgada – fase da anomia Pasárgada – fase do pluralismo Reflexões sobre o discurso jurídico Pasárgada – fase do pluralismo • Constantes ameaças externas, principalmente durante a década de 1960, leva os moradores da favela a se organizarem – “procuram sobretudo maximizar o desenvolvimento interno da comunidade e garantir a segurança e a ordem nas relações sociais entre os habitantes com o objetivo de, fortalecendo as estruturas coletivas, fazer subir os custos políticos e sociais para o aparelho de estado de uma eventual destruição ou remoção forçadas” (SANTOS, p. 11) • Associação de moradores passa a intervir no sentido da prevenção e da solução de conflitos entre vizinhos Pasárgada – fase do pluralismo • Surgiria um direito de Pasárgada, não oficial • Suas características: – Uso de topoi argumentativos ao invés do recurso à lei (equilíbrio e justeza, cooperação, boa vizinhança) – Delimitação do objeto da discussão não é inicial e nem irreversível – Formalismo popular – distingue o oral do escrito, há noções primárias de formalidades, mas nunca perdem o caráter instrumental – Recorre a um pensamento cotidiano e comum, não autônomo como o jurídico estatal – Distribuição da fala – presidente fica inicialmente em silêncio e as partes falam; depois, no momento da decisão, presidente fala e as partes ficam em silêncio – Mecanismos de coerção ligados à ameaça de recurso à polícia e à reprovação coletiva Pasárgada – fase do pluralismo • Pluralismo jurídico – “Em direito: a) existência simultânea, no seio de uma mesma ordem jurídica, de regras de direito diferentes aplicando-se a situações idênticas; b) coexistência de pluralidade de ordens jurídicas distintas estabelecendo ou não relações de direito entre si.” – “HISTÓRIA – como alternativa à concepção monista do direito (um única ordem jurídica para uma determinada sociedade), a noção de pluralismo é encontrada provavelmente em todas as épocas da evolução do pensamento jurídico. Recebeu atenção mais especial no ocidente pós-medieval favorecida por uma ampla corrente doutrinária contestando as prentensões do Estado à soberania jurídica, em nome da existência autônoma das ordens jurídicas da sociedade civil e da comunidade internacional (Gurvitch, 1932). No início do século XX, é encontrada no núcleo das preocupações dos juristas (Hauriou; Romano) e dos sociólogos do direito (Ehrlich; Gurvitch, 1940), que questionam o positivismo jurídico estatal em nome de uma teoria sociológica do direito.” (Alternativo) Justiça alternativa – “expressão que designa o conjunto de práticas ou procedimentos, na maioria das vezes informais, de resolução de conflitos, implicando, habitualmente, a intervenção de um terceiro, que, com o auxílio de técnicas não jurisdicionais, permite chegar à resolução de um conflito que opõe duas ou mais partes. Mais precisamente: 1º No âmbito de um direito estatal em vigor: forma de justiça proveniente de uma vontade de lutar contra um excesso de formalismo que paralisa a justiça, ou contra um direito em vigor considerado como injusto por aqueles mesmos que são encarregados de aplicá-lo. 2º fora do âmbito de um direito estatal: forma de justiça oriunda mais ou menos espontaneamente no seio das comunidades, segundo a necessidade de seus membros, para permitir a resolução pacífica de conflitos. 3º movimento de pensamento surgido em meados da década de 1970, que põe novamente em questão a centralidade dos modos jurisdicionais em matéria de regulação social, preconizando modos informais, descentralizados, desprofissionalizados, e valendo-se da participação ativa das partes para a resolução de seu próprio conflito. Direito alternativo – forma de regulação jurídica destinada a preencher as lacunas de um direito em vigor, seja marginalmente, seja nos interstícios desse último, e frequentemente oriundo da jurisprudência de uma justiça alternativa.” Pluralismo Jurídico • • • • • • • • • ARNAUD, André-Jean (direção). Dicionário enciclopédico de teoria e de sociologia do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. 1ª edição, 4ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2004, pp. 13-23. SABADELL, Ana Lúcia. Manual de Sociologia Jurídica. São Paulo: RT, 2002, lição 4. SANTOS, Boaventura de Sousa. Notas sobre a história jurídico-social de Pasárgada. In: SOUTO, Cláudio e Falcão, Joaquim (orgs.). Sociologia e Direito. São Paulo: Pioneira, 2005, pp. 87-95. __________. O discurso e o poder – ensaio sobre a sociologia da retórica jurídica. 2ª reimpressão. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988. O monismo Pasárgada – fase da anomia Pasárgada – fase do pluralismo Reflexões sobre o discurso jurídico Reflexões sobre o discurso jurídico • Boaventura conclui que o espaço retórico no direito de Pasárgada é bastante amplo – Formula uma tese: “a amplitude do espaço retórico do discurso jurídico varia na razão inversa do nível de institucionalização da função jurídica e do poder dos instrumentos de coerção ao serviço da produção jurídica” • Isso alteraria a essência do direito de Pasárgada em relação ao direito estatal? Há um outro direito, em um sentido radical? Reflexões sobre o discurso jurídico • Homegeneidade da sociedade capitalista seria sempre precária – É o produto concreto da luta de classes e das contradições intraclassistas – Tais lutas e contradições podem assumir diferentes expressões jurídicas, como o pluralismo • Ele surge quando as contradições se condensam na criação de espaços sociais, mais ou menos segregados, no seio dos quais se geram litígios ou disputas resolvidos conforme critérios internos • Tais espaços variam conforme o fator dominante de sua constituição (sócio-econômico, político ou cultural) e segundo a composição da classe Reflexões sobre o discurso jurídico • Discursos do direito: Discursos do direito Discurso burocrático Discurso tópico-retórico Discurso do aparelho coercitivo comunicador instituição decisão Terceiro competência demonstração argumentação ameaça Participante processamento prescrição persuação coerção Sociedade programação racionalização consenso repressão Reflexões sobre o discurso jurídico • Boaventura constata que o aumento das dimensões burocrática e coercitiva do Estado levam a uma retração do discurso retórico, durante o século XX • A retração do Estado, que começa no final desse século, leva ao aumento do discurso retórico Reflexões sobre o discurso jurídico • Nos conflitos judicializados pelo estado, o cidadão isolado é o único reconhecido como sujeito – Sua situação social classista torna-se pouco relevante • Será que, comparando-se o discurso retórico com o discurso burocrático e o discurso coercitivo, ele é menos violento e abstrato? – Violência do formalismo burocrático e violência física coercitiva Reflexões sobre o discurso jurídico • Discurso retórico trabalha com o princípio da igualdade perante a argumentação – Semelhante à igualdade formal do Estado liberal – “à medida que se avoluma e consolida a desigualdade dos habitantes do espaço retórico, faz sentido reconstituir criticamente a retórica como uma nova forma de violência” (SANTOS, p. 96) Reflexões sobre o discurso jurídico • Mas a solução anterior pode soar “abstrata” demais • A legalidade alternativa de Pasárgada não é revolucionária, mas tenta neutralizar os efeitos da aplicação do direito capitalista da propriedade privada, que dificultaria a reprodução social na favela • Sua dimensão retórica consolida as relações sociais do local, intensificando o desenvolvimento comunitário e minorando os riscos de extinção ou expulsão Reflexões sobre o discurso jurídico • Direito de Pasárgada marcado pela oralidade – Lógica da cultura oral é marcada pela necessidade de armazenagem e conservação do conhecimento, recorrendo a fórmula como os lugares comuns – Lógica da cultura escrita é marcada pela aquisição de novos conhecimentos e pela possibilidade de apropriação privada – “concentração da escrita jurídica (e das dimensões burocrática e coercitiva com as quais goza de forte homologia estrutural) nas áreas de controle social mais importantes para a dominação de classe, deixando para a oralidade jurídica as áreas consideradas marginais e, por isso, negligenciáveis, onde, por acréscimo, a oralidade pode desempenhar uma prestimosa função de integração social e de legitimação do poder político” (SANTOS, P. 111)