Correlação Anatomoclínica 179 CORRELAÇÃO ANATOMOCLÍNICA Caso 3/96 (Departamento de Clínica Médica Faculdade de Ciências Médicas/UNICAMP - Campinas, SP) Homem de 19 anos, natural e procedente do estado de Alagoas, procurou atendimento médico por insuficiência cardíaca congestiva (ICC) grave. Os sintomas iniciaram-se há aproximadamente oito meses com dispnéia, que foi progressiva aos esforços habituais até no repouso. Sintoma acompanhado de edema dos membros inferiores, cianose e de turgência jugular. A epidemiologia para a doença de Chagas e esquistossomose era fortemente positiva, porém, não houve confirmação de nenhuma das duas doenças. O exame físico revelou pulso irregular (fibrilação atrial) com freqüência cardíaca (FC) média de 100bpm, pressão arterial de 90x70mmHg. O ictus cordis era globoso e palpável no 6º espaço intercostal esquerdo a 1cm à esquerda da linha hemiclavicular. Apresentava grande ascite, circulação colateral tipo porta-cava e hepatomegalia. O exame do fígado era compatível com congestão e fibrose hepática, confirmadas posteriormente por peritonioscopia. A pressão venosa, por cateter central, era 30cmH 2O. O eletrocardiograma (ECG) é apresentado na figura 1 e as radiografias do tórax na figura 2. O paciente foi acompanhado por cinco meses, apresentando piora da insuficiência cardíaca e caquexia. Houve aparecimento de derrame pleural bilateral e pericárdico, assim como agravamento da ascite. O exame bioquímico e citológico dos líquidos dos derrames revelavam sempre ser este exsudato, com predomínio de linfócitos. O paciente foi submetido a cateterismo cardíaco há quatro meses, revelando hipertensão capilar pulmonar e aumento da cavidade ventricular esquerda. Os demais dados são apresentados na tabela I. Após o cateterismo optouse pela realização de toracotomia exploratória, com a finalidade de realizar biopsias de pleura, pericárdio e miocárdio. A histologia revelou pericardite e pleurite crônica inespecífica. Em relação ao miocárdio, constatou-se hipertrofia de fibras e fibrose intersticial (fig. 3). A ICC tornou-se refratária ao tratamento e o paciente permaneceu hospitalizado por tempo prolongado (tab. II). O óbito se deu de modo súbito, enquanto o paciente fazia sua higiene matinal. Editor da Seção: Alfredo José Mansur Editores Associados: Desidério Favarato, Vera Demarchi Aiello Editor Convidado: Eros Antonio de Almeida Correspondência: Alfredo José Mansur - Incor Av. Dr. Enéas C. Aguiar, 44 - 05403-000 - São Paulo, SP Fig. 1 - A) ECG da 1ª internação: ritmo de fibrilação atrial, baixa freqüência cardíaca; B) ECG da última internação: ritmo juncional e presença de onda U. 180 Correlação Anatomoclínica Arq Bras Cardiol volume 67, (nº 3), 1996 Tabela I - Dados referentes ao cateterismo cardíaco Cavidade Átrio direito Ventrículo direito Artéria pulmonar Capilar pulmonar Aorta Ventrículo esquerdo Artéria pulmonar esquerda Veia cava superior Veia cava inferior Pressões (mmHg) Oximetria (%) Sistólica Diastólica inicial Diastólica final 30 30 0 15 15 62 60 36 20 21 Média 8 15 20 12 44 31 70 69 98 70 68 72 Discussão Eletrocardiograma - O ECG (01/07/74) (fig. 1A) revelou ritmo de fibrilação atrial com FC média de 58bpm, eixo de QRS à direita (>90o) com complexos QRS de baixa amplitude no plano frontal, presença de complexos RS de V2 a V4 com discretas alterações do segmento ST e presença de ondas T achatadas. A posição elétrica do coração é compatível com rotação vertical e horária. Quinze dias após, novo ECG mostra manutenção do ritmo de fibrilação atrial e da forma dos complexos QRS. A FC média diminuiu para 53bpm, houve aumento na amplitude dos complexos QRS no plano frontal e discreto aumento do intervalo QT. No período entre estes dois ECG, o paciente foi submetido a drenagem de 30mL do saco pericárdico e de 2000mL de líquido pleural, o que pode explicar o aumento da amplitude dos complexos QRS. O ECG (26/09/74) (fig. 1B) revelou ritmo de fibrilação atrial, FC média de 53bpm. Presença de extrasístoles ventriculares isoladas com morfologia de bloqueio de ramo direito do feixe de His. O padrão dos complexos QRS modificou-se (rsr’ passou a R puro em I, rs para rS em V1, o padrão RS de V2 a V4 para S profundo). Aparece intervalo QTu longo com onda U bem evidente. O padrão elétrico agora é compatível com rotação horizontal e anti-ho- Fig. 3 - Fotomicrografia do miocárdio: biopsia miocárdica apresentando fibrose densa e hipertrofia de miocardiócitos (40x). Tabela II - Principais exames realizados próximo à data do óbito Fig. 2 - Radiografias de tórax. A) cardiomegalia global moderada, provável derrame pericárdico e congestão pulmonar; B) aumento da cardiomegalia e derrame pleural à esquerda. Eletroforese de proteína: Albumina alfa1 alfa2 beta gama Tempo de protrombina Atividade de protrombina Fator anti-núcleo (FAN) Célula LE Creatinina Uréia Proteinúria de 24h Mantoux 3,05g/dL 0,20g/dL 0,55g/dL 0,40g/dL 0,80 g/dL 15s 68% negativo ausentes 2,2mg/dL 45,20mg/dL 0,08g/L negativo Arq Bras Cardiol volume 67, (nº 3), 1996 Correlação Anatomoclínica rária. Entre os dois últimos ECG surgiram fatos importantes: houve drenagem cirúrgica de 450mL do saco pericárdico e de 3000mL de líquido pleural, por quatro vezes. As alterações do QRS podem ter sido ocasionadas pela modificação da posição anatômica do coração, secundárias à retirada de volumosa quantidade de líquido das cavidades pericárdica e pleural, além da modificação da morfologia da caixa torácica pela caquexia. Como a evolução clínica faz referência a diarréia persistente, é possível que o paciente tenha desenvolvido hipocalcemia por má-absorção, explicando o QTu aumentado com onda T normal e onda U bem evidente e distinta de T. O último registro de ECG foi realizado em 30/10/74, 14 dias antes do óbito, revelando ritmo juncional com FC média de 83bpm e mesma morfologia de QRS do anterior. A onda T continua normal com onda U bem evidente e distinta de T. Este ritmo pode ter sido ocasionado por intoxicação digitálica, pois o mesmo vinha com fibrilação atrial com FC <60bpm, começando a apresentar extra-sistolia ventricular e após ritmo juncional com FC >80bpm. Lembremos que houve acentuada perda de peso e instabilidade hemodinâmica com anasarca e alterações hidroeletrolíticas que, possivelmente, poderiam predispor à intoxicação digitálica. A gravidade do quadro clínico pode ter dificultado o seu reconhecimento na ocasião, contribuindo para a morte. (Dr. Claudio Pinho) Aspectos clínicos - A insuficiência cardíaca exuberante e a progressiva deterioração circulatória do paciente foram as características dominantes na evolução clínica que culminou com o óbito, ocasionado, provavelmente, por distúrbios de ritmo cardíaco. O diagnóstico inicial foi miocardiopatia dilatada, que finalmente foi aceito por não se encontrar etiologia para a lesão cardíaca. Foi também pesquisada a possibilidade de se tratar de doença imunológica, já que eram evidentes as serosites concomitantes e o aspecto de exsudatos dos líquidos pleural, pericárdico e ascite. A eletroforese de proteínas com hipergamaglobulinemia não foi confirmada nas avaliações subseqüentes. O fator anti-nuclear negativo, as células LE ausentes, o complemento sérico e os hemogramas normais afastaram as causas mais comuns de serosites imunológicas. As serosites ficaram sem diagnóstico etiológico, já que até as culturas bacterianas foram negativas e a citologia não ajudou no esclarecimento da etiologia. A avaliação hemodinâmica confirmou que os fenômenos congestivos eram de grande monta. Tanto a pressão venosa central como a pressão de oclusão pulmonar estavam elevadas, justificando a intensidade da dispnéia e a rápida recorrência dos derrames pericárdico e pleural. Não podemos nos esquecer que as serosites eram fatores fundamentais no acúmulo de líquidos nas cavidades naturais, superajuntando-se à congestão venosa. A ascite, por hipertensão portal e a epidemiologia po- 181 sitiva para esquistosomose mansônica eram fatores para levar à cogitação deste diagnóstico. A peritonioscopia afastou a esquistosomose, pois o aspecto encontrado era compatível com congestão passiva crônica do fígado. Desta forma, a partir da imagem ventriculográfica de aumento da câmara ventricular esquerda e com a biopsia miocárdica que revelou fibrose intersticial e hipertrofia de fibras na ausência de inflamação miocárdica, foi feito o diagnóstico de miocardiopatia dilatada. A caquexia intensa foi explicada pela insuficiência cardíaca grave. Esta teria levado ao comprometimento da função hepática (icterícia; alteração nas provas de Kunkel, timol e cefalina; ginecomastia) pela congestão passiva crônica presente nos últimos meses. Além disso, por exsudação protéica para as cavidades, uma parcela das proteínas séricas era seqüestrada, agravando-se a caquexia. A debilidade evidente do paciente, as serosites persistentemente ativas e a piora progressiva, embora sem diagnóstico comprovado, contribuíram para a decisão de tratar o paciente com tuberculostáticos. O uso de digitálicos, com o objetivo de controlar a FC e melhorar o desempenho cardíaco, pode ter causado mais malefícios que benefícios na fase final da doença, aspectos que serão abordados com pormenores durante a discussão dos ECG. A silhueta cardíaca na radiografia do tórax era globosa, em formato de moringa, com aumento moderado das câmaras ventriculares e aumento acentuado do átrio direito (AD). Este último achado, comprovado com a angiografia, na verdade, confundiu ainda mais aqueles que cuidavam do paciente, já que não havia razões para o crescimento volumétrico desproporcionado da câmara atrial direita. O óbito ocorreu quando o paciente estava caquético e em condições hemodinâmicas pouco favoráveis, embora, em nenhum instante o paciente estivera bem. A morte súbita resultou de provável distúrbio de ritmo, mas não se pode descartar tromboembolismo pulmonar agudo. Diagnóstico - Cardiomiopatia dilatada. (Dr. Luís Antonio Kanembley Bittencourt) Trombose intracardíaca - O paciente apresentava miocardiopatia dilatada com quadro clínico de ICC e ritmo de fibrilação atrial. Independente da etiologia da miocardiopatia são necessários comentários quanto à investigação laboratorial da coagulação e da conduta terapêutica anticoagulante, diante de paciente com quadro clínico assim caracterizado. Mesmo sem a confirmação de trombose intracavitária, há necessidade do uso de anticoagulante oral cronicamente, uma vez que este é indicado em todo paciente com miocardiopatia dilatada. Indicação que se baseia no fato de que este tipo de cardiopatia propicia a formação de trombos 1. A experiência clínica mostra que o risco de tromboembolismo é maior que o risco de sangramento, principalmente na presença de fibrilação atrial 2. A dosagem de anticoagulante oral indicada teria o objetivo de atingir um 182 Correlação Anatomoclínica INR entre 2,0 e 3,0. O único exame de coagulação realizado no paciente foi o tempo de protrombina, com atividade de 68%, considerado normal. Portanto, apesar da hepatomegalia, a função de síntese protéica hepática parecia estar mantida, não havendo, assim, contra-indicação para a anticoagulação oral. O anticoagulante lúpico é um anticorpo antifosfolípide, que aumenta muito o risco de fenômenos tromboembólicos. Pode ocorrer em indivíduos com ou sem doença de base e deve ser pesquisado em todo paciente que apresente fenômenos tromboembólicos, principalmente em idade <45 anos. Quando presente está associado a ocorrências de tromboses e embolias. A presença de grandes trombos intracavitários, neste caso, não justificaria a pesquisa do anticoagulante lúpico, uma vez que a miocardiopatia dilatada e a fibrilação atrial, por si só, explicariam a formação dos trombos. Em presença de tais situações trombogênicas tão evidentes, mesmo na vigência de embolia sistêmica ou pulmonar, não vimos necessidade de pesquisa ampla envolvendo coagulopatia. Diagnóstico - trombose intracardíaca secundária à cardiomiopatia dilatada e fibrilação atrial. (Dr. Joyce M. Annichino-Bizzacchi) Arq Bras Cardiol volume 67, (nº 3), 1996 Necropsia A necropsia demonstrou coração pesando 400g, moderadamente aumentado de tamanho, notadamente do AD (fig. 4A). Observaram-se grandes trombos em ambos os átrios. O exame macro e microscópico evidenciou serem os trombos constituídos por tecido organizado, fibrose e fibrina (fig. 4B,C,D). O aumento global do coração deu-se às custas de dilatação, predominantemente atrial. Nos ventrículos, o aumento volumétrico ocorreu eqüitativamente às custas de dilatação e hipertrofia, as valvas cardíacas estavam normais (fig. 5A,B,C,D). Não foi observada nenhuma alteração nas artérias coronárias. O exame histopatológico do miocárdio demonstrou: degeneração miofibrilar caracterizado por hipotrofia das fibras, perda das estriações e vacuolização, tanto no material da biopsia como no da necropsia, assim como fibrose intersticial (fig. 6A,B,C). Havia hipertrofia de pequena intensidade, não ocorrendo nenhuma desorganização na orientação das fibras miocárdicas. Foram encontrados derrame pericárdico, pleural e ascite, sendo que a cápsula de Glisson e a esplênica encontravam-se espessadas às custas de fibrose densa. Havia congestão passiva crônica de todos os órgãos. Não houve tromboembolismo para nenhum órgão. Fig. 4 - A) Macroscopia do coração in loco demonstrando grande cardiomegalia, global, com predomínio do átrio direito; B) visão superior dos átrios evidenciando grandes trombos. No átrio esquerdo o trombo oblitera parcialmente o orifício valvar mitral; C) fotomicrografia (10x) do trombo organizado. D: fotomicrografia (10x) do trombo com calcificação. Arq Bras Cardiol volume 67, (nº 3), 1996 Correlação Anatomoclínica 183 ecocardiograma transesofágico 3,4. No que o diagnóstico dos trombos, pelo ecocardiograma, mudaria em relação à conduta tomada na ocasião é que é passível de discussão. Como salientado na discussão clínica, a anticoagulação estaria indicada mesmo na ausência de trombose, uma vez que as condições do miocárdio e a fibrilação atrial, por si só, já seriam responsáveis por esta indicação. Dos demais exames subsidiários, atualmente disponíveis para o diagnóstico das miocardiopatias, talvez, a cintilografia do miocárdio com gallium-67 poderia acrescentaralgo, antes da biopsia miocárdica, uma vez que este exame é capaz de diagnosticar miocardite em um grupo de pacientes 5. Fig. 5 - Macroscopia do coração. A) grande aumento do átrio (AD) e ventrículo direitos (VD); valva tricúspide normal; grande trombo no AD; B) via de saída do VD evidenciando valva pulmonar normal; C) grande aumento do átrio e ventrículo esquerdos (VE), às custas de dilatação; valva mitral normal, proeminência do trombo para orifício valvar mitral; D) via de saída do VE demonstrando valva aórtica normal. Diagnósticos - cardiomiopatia dilatada; congestão passiva crônica de múltiplos órgãos e trombose atrial. (Dr. Eros Antonio de Almeida) Comentários Um caso nosso antigo se presta à discussão das miocardiopatias, à luz dos conhecimentos daquela época e atual, no que se refere ao seu diagnóstico, patogenia e terapêutica. O diagnóstico de ICC de grave intensidade e de difícil controle foi realizado com base nos achados clínicos e confirmados pelo estudo hemodinâmico. O cateterismo cardíaco excluiu valvopatias no coração esquerdo, assim como coronariopatia, caracterizando a insuficiência cardíaca como sistólica, de origem miocárdica. O ecocardiograma, exame que representou enorme avanço tecnológico no estudo das cardiopatias, a nosso ver, pouco acrescentaria ao diagnóstico. Sem dúvida, os trombos atriais teriam sido documentados, mesmo ao modo M do ecocardiógrafo, em decorrência das dimensões apresentadas. É de conhecimento geral, expresso na literatura médica, a grande acuidade deste método para a detecção de trombos intracavitários, principalmente o Fig. 6 - Fotomicrografias do miocárdio. A) necropsia - fibrose intersticial difusa no miocárdio (10x); ausência de inflamação; B) fibrose densa do miocárdio com interrupção de fibras (20x); D) afilamento de miocardiócitos, miocitólise e edema (40x). 184 Correlação Anatomoclínica Arq Bras Cardiol volume 67, (nº 3), 1996 Este exame, entretanto, não detectando a miocardite, nada acrescenta em relação ao diagnóstico das demais etiologias. A biopsia endomiocárdica, que parecia ser a solução para a elucidação diagnóstica e deveria fornecer material para estudo patogenético nas cardiomiopatias, não foi capaz de resolver o problema no passado e nem atualmente. Em se detectando miocardite, assim como o método cintilográfico, entende-se um mecanismo responsável pela miocardiopatia. Todavia, ao se detectar apenas a degeneração, as possibilidades etiopatogênicas continuam como possibilidades: tóxica, metabólica, familiar e genética 6. Não podemos negar que, do ponto de vista de exeqüibilidade, a biópsia endomiocárdica foi um grande avanço tecnológico, uma vez que não requer toracotomia. Outrossim, uma vez retirado o material, este se prestou aos estudos de modo semelhante, como mostrou a análise histopatológica do nosso caso, obtido por via epicárdica. Os achados macro e microscópicos apresentavam as características anátomo-histopatológicas encontradas nas miocardiopatias não inflamatórias e se descartando as possibilidades etiológicas conhecidas como: álcool, drogas, distúrbios nutricionais, eletrolíticos, endócrinos e neurometabólicos, enquadramos o caso na entidade conhecida desde 1980, como cardiomiopatia dilatada 7. Embora não possamos negar progressos em relação à patogênese da cardiomiopatia dilatada, apenas em uma pequena parte dos pacientes consegue se evidenciar, com exatidão, a origem da doença, quer seja a predisposição genética, seqüela de miocardite viral ou outra agressão citotóxica, alterações imunes ou metabólicas 8. O real avanço do estudo da cardiomiopatia dilatada, a nosso ver, se deu em dois campos. O 1º ocorreu no entendimento da fisiopatologia da ICC. A descoberta dos mecanismos compensatórios neuro-hormonais, ativados na evolução da cardiomiopatia e miocardiopatias dilatadas, nos dão hoje uma completa noção do início e evolução da síndrome, antes encarada apenas como um processo unicamente hemodinâmico 9. O 2º, tal conhecimento da fisiopatologia, abriu campo para novas medidas terapêuticas, as quais estavam limitadas aos diuréticos e cardiotônicos digitálicos, por ocasião do tratamento do nosso paciente. Tal limitação das medidas terapêuticas até que justificam, em parte, o uso exagerado da digital em outras épocas, o que culminou, neste caso, com a morte do paciente. A aquisição dos inibidores da enzima de conversão da angiotensina foi, sem dúvida, o grande avanço na terapêutica clínica da ICC, como têm demonstrado os grandes estudos clínicos de acompanhamento a longo prazo, prolongando e melhorando a condição de vida dos pacientes 10,11. Em relação à parte cirúrgica para tratamento da insuficiência cardíaca, o transplante cardíaco e a cardiomioplastia têm demonstrado ser uma opção e, certamente, constituíram um grande progresso na abordagem terapêutica da cardiomiopatia dilatada, observando-se sempre as limitações na indicação de seus procedimentos 12,13. No futuro, a terapia gênica para a insuficiência cardíaca, talvez seja o próximo passo a ser acrescentado à bagagem terapêutica para as cardiomiopatias dilatadas 14. Em relação às serosites diagnosticadas clinicamente, a necropsia revelou espessamento da pleura, pericárdio e peritônio, principalmente das cápsulas do fígado e baço, às custas de intenso tecido fibroso. A inflamação encontrada nas serosas espessadas foi inespecífica e, portanto, restanos aceitar que o quadro tenha sido reacional à insuficiência cardíaca prolongada, a qual gerou os derrames e, conseqüentemente, a resposta das serosas. Concluindo, apesar da evolução no entendimento das doenças próprias do miocárdio, da data em que este paciente foi atendido até hoje, continuamos dependentes dos critérios da OMS, pois nos deparamos com muitos casos em que a designação de cardiomiopatia dilatada ainda tem que ser empregada. (Dr. Eros Antonio de Almeida) Agradecimentos À Dra. Maria de Lourdes Higuchi e ao Dr. Luiz Alberto Benvenuti, do INCOR da FMUSP, pela análise da documentação fotográfica da ultra-estrutura do material de biópsia epimiocárdica. A autólise registrada pela microscopia eletrônica impossibilitou a sua utilização na interpretação e discussão do caso. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. Falk RH, Foster E, Coats MH - Ventricular thrombi and thromboembolism in dilated cardiomyopathy: a prospective follow-up study. Am Heart J 1992; 123: 136-42. Dunkman WB, Johnson GR, Carson PE et al - Incidence of thromboembolic events in congestive heart failure. Circulation 1993; 87(suppl VI): VI-94-VI-101. Matsumoto AY, Ortiz J, Moises VA et al - Ecocardiografia transesofágica biplanar: aplicações clínicas e desvantagens. Rev Soc Cardiol Estado São Paulo 1992; 6: 38-43. Cordeiro JR, Franken RA, Ferlante LE et al - Ecocardiografia transesofágica na fibrilação atrial como diagnóstico de fonte embolígena e sua relação com acidentes embólicos. Arq Bras Cardiol 1995; 64: 11-4. O’Connell JB, Robinson JA, Henkin RE et al - Immunosupressive therapy in patients with congestive cardiomyopathy and myocardial uptake of Gallium-67. 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