Aula 1 - Instituto de Física / UFRJ

Propaganda
Colisões – M.F.B, 2004
Física 1 – 2004/2 – turma IFA
AULA 1
Objetivo: discutir processos de colisão entre partículas.
Assuntos: movimento de um sistema de partículas e a conservação
do momento deste sistema.
O que você deve ser capaz ao final desta aula:
! escrever a equação de conservação do momento para um
sistema isolado;
! obter a velocidade comum às duas partículas numa colisão
totalmente inelástica.
1. Introdução: o problema do espalhamento
Uma das ferramentas mais utilizadas na Física para a investigação da estrutura da
matéria é constituída dos processos de espalhamento. Espalhamento é a palavra usada
para um processo em que um corpo se aproxima de outro, e ao se aproximar troca
momento linear e energia. Em geral este processo é representado como na Figura 1: no
início, os corpos (tratados como partículas) estão a uma distância muito grande de outro,
e não sentem a presença um do outro, depois se aproximam (sem que necessariamente
ocorra contato) e a seguir se afastam, podendo novamente ser tratados como partículas
livres.
Figura 1
antes
durante
depois
pense em
bolas de
bilhar numa
mesa de
sinuca.
Para conhecer a trajetória das partículas deve-se conhecer a força de interação
mútua entre elas. Ou, raciocinando ao contrário, a observação da trajetória permite obter
informações sobre a força de interação. Determinando experimentalmente a situação
antes e depois da interação de um sistema de partículas, podemos ter indicações do tipo
de força que atua entre elas (o que ocorre “durante” a colisão).
Para que este tipo de projeto seja viável – a partir de dados sobre o sistema antes e
depois da colisão obter informações sobre como se dá a interação das partículas
constituintes do sistema – é preciso saber o que independe do tipo de interação.
O que vamos fazer a partir de agora é discutir processos de colisão sem supor
nada sobre a interação entre as partículas componentes do sistema, e ver o que podemos
conhecer globalmente.
1
Colisões – M.F.B, 2004
2. Revisão: o movimento de um sistema de partículas
Já discutimos o que ocorre com o momento linear e a energia de um sistema de
partículas. A partir do nosso conhecimento das leis que regem o movimento de uma
única partícula,
# construimos um modelo: todo objeto extenso da natureza, todo corpo, pode ser
pensado como constituído de suas partes individuais, cada uma delas uma
partícula;
1 2
i
≡
N
# separamos as partículas constituintes do sistema do que não é constituinte do
sistema, o “resto do universo”: temos uma parte “interna” ao sistema e uma
parte “externa” ao sistema;
r
Fi ( k )
i
r
Fi ( EXT 2 )
EXT1
r
Fi ( EXT 1 )
r
Fi ( j )
j
k
EXT2
# aplicamos as leis de Newton a cada uma das partículas e obtivemos as relações
que descrevem como o momento linear total do sistema (= soma dos momentos
das partículas que constituem o sistema) e como a energia mecânica do sistema
(= soma das energias das partículas que constituem o sistema) mudam com o
tempo; e
# observamos que há um ponto – o centro de massa do sistema – cujo
movimento é descrito de uma maneira muito simples.
De forma resumida, definimos o momento linear de um sistema de N partículas
como
N r
r
r
r
r
r
r
r
P = ∑ p i = p1 + p 2 + L + p N = m1v 1 + m 2 v 2 + K + m N v N
i =1
e a energia cinética como
N
K = ∑ K1 = K1 + K 2 + L + K N =
i =1
1
1
1
m1v 12 + m 2v 22 + K + m N v N2
2
2
2
2
Colisões – M.F.B, 2004
A variação do momento linear com o tempo é dada por
r
N r
dP
= ∑ Fi EXT
dt
i =1
pois a resultante das forças internas sobre o sistema é nula; as forças internas não são
capazes de mudar o momento linear total.
No entanto, quando consideramos a energia, vemos que as forças internas podem
realizar trabalho, e que mesmo quando estas forças internas são conservativas (como por
exemplo no caso de dois carrinhos ligados por uma mola elástica que subitamente se
rompe) elas realizam trabalho. Se não conhecemos a forma da interação (a força interna)
não podemos saber que trabalho é este; isto é, não conhecemos necessariamente a energia
potencial interna. Para a energia cinética, escrevemos
N
N
i =1
i =1
∆K = ∑ W i EXT + ∑ W i INT
e portanto para saber quando há conservação de energia no sistema é necessário conhecer
as forças internas.
Finalmente, definimos o centro de massa de um sistema de partículas como o
ponto cujas posição, velocidade e aceleração são dadas por
r
∑ mi ri
N
r
R=
i +1
r
∑ mi v i
N
r
,V =
i +1
r
N
r
, A=
∑m a
i
i
i +1
M
M
M
onde M = m1 + m 2 + K + mN é a massa total do sistema.
Imediatamente conclui-se (só olhando as equações anteriores) que
r
r
P = MV
ou seja, o momento linear do sistema de partículas é o mesmo momento linear de uma
partícula de massa M que se move com a velocidade do centro de massa do sistema.
r
pi
M
r
V
CM
r
P
r
r
P = ∑ pi
r
P
≡
r
r
P = MV
3
Colisões – M.F.B, 2004
3. Colisões entre duas partículas: a conservação do momento linear
Vamos supor um sistema de duas partículas: N = 2 . Isto é, um objeto de massa
m1 interage com um objeto de massa m 2 . Os dois objetos são tratados como partículas,
suas massas não se alteram – e, principalmente, consideramos que elas estão isoladas de
interações externas.
Isso é exemplificado na prática pela experiência feita no laboratório de Física
Experimental. No caso, os dois objetos são os dois carrinhos, e o sistema não está
realmente isolado de ações externas. No entanto, as ações externas (os pesos e as forças
de sustentação) se anulam.
Num sistema isolado,
N r
∑ Fi EXT = 0 .
i =1
Reflexõ es 1
você consegue imaginar um
“sistema isolado de interaç ões externas”?
(resposta)
Podemos refazer a figura 1 agora colocando os vetores velocidade das partículas
antes e depois da colisão. Antes, as partículas estão se movendo de forma tal que a
resultante das forças sobre cada uma delas é nula – e assim, cada uma delas está
descrevendo uma trajetória retilínea. Durante a colisão as velocidades se alteram (pois
há troca de momento entre as partículas) e depois da colisão as partículas voltam a se
mover em linha reta, quando elas estão fora da região de “alcance” da força.
r
A primeira partícula – de massa m 1 – tem velocidade inicial v 1 (antes da colisão)
r
e velocidade final u 1 (após a colisão); a segunda partícula, de massa m 2 , tem velocidade
r
r
inicial v 2 e velocidade final u 2 .
m1
r
v1
durante
depois
m1
antes
m2
r
v2
m2
r
u1
r
u2
4
Colisões – M.F.B, 2004
Os momentos lineares das partículas antes e depois da colisão podem ser escritos
como (usa-se o índice i para inicial e o índice f para final)
r
r
r
r
r
r
r
r
p 1 i = m 1 v 1 , p 2 i = m 2 v 2 , p 1 f = m 1u 1 , p 2 f = m 2 u 2
e o momento linear total do sistema constituído pelas partículas de massas m 1 e m 2
vale, antes e depois da colisão
r
r
r
r
r
r
r
r
r
r
Pantes = p 1 i + p 2 i = m 1 v 1 + m 2 v 2 , Pdepois = p 1 i + p 2 i = m 1u 1 + m 2 u 2
Se a resultante das forças externas sobre o sistema é nula (um caso particular é quando o
sistema está isolado de interações externas) o momento linear é constante – tem o mesmo
valor antes, durante e depois da colisão:
r
r
r
r
r
r
Pantes = p 1 i + p 2 i = p 1 f + p 2 f = Pdepois
Exemplo 1
Considere dois carrinhos apoiados sobre um trilho de ar. No instante inicial, os
dois carrinhos estão amarrados por um fio, com um elástico esticado entre eles, e
parados sobre o trilho. Quando o fio que prende os dois é arrebentado, os dois
carrinhos passam a mover-se sobre o trilho.
1 2
r
p1f
r
p 2f
As forças externas (o sistema é o conjunto carrinho 1 + carrinho 2) que agem sobre
cada um dos carrinhos são o peso e a força de sustentação do trilho. Se o trilho
estiver alinhado horizontalmente, essas duas forças (num carrinho) são iguais e
opostas. Portanto a resultante das forças externas sobre o sistema é nulo, e o
momento linear total é constante – zero:
r
r
r
r
r
r
r
r
Pantes = p 1 i + p 2 i = 0 = p 1 f + p 2 f = Pdepois ⇒ p 1f = − p 2f
Se as massas dos dois carrinhos forem iguais, suas velocidades serão iguais em
módulo e direção e opostas em sentido.
Observe o que acontece com a energia cinética deste sistema. No início,
1
1
K antes = m 1 v 12i + m 2 v 22i = 0
2
2
Depois que os carrinhos se separam,
1
1
1
K depois = m 1 v 12f + m 2 v 22f = (m 1 + m 2 ) v 12f > 0 = K antes
2
2
2
ou seja, a energia cinética do sistema não se conserva – mesmo sem nenhuma força
externa agindo sobre ele.
5
Colisões – M.F.B, 2004
Exercício 1
Uma nave espacial está no espaço livre de interações externas. Num momento dado,
um estágio da nave se desprende de seu corpo principal. Do ponto de vista de um
observador que via a nave inicialmente em repouso, qual a velocidade final do corpo
principal da nave? Quanta energia cinética o corpo da nave ganhou neste processo?
Considere a massa total da nave sendo 2000 kg, a massa da parte que se desprende
como 200 kg, e a velocidade da parte que se desprende, vista pelo observador
externo, como tendo módulo igual a 50 m/s.
4. Colisões totalmente inelásticas: a velocidade final das duas partículas
Vamos supor um exemplo. Dois objetos estão movendo-se sobre uma mesa de ar,
horizontal. Eles colidem e ficam grudados. Qual a velocidade final do conjunto?
m1
r
v1
m2
r
v2
situação
inicial
situação
final
m1 m 2
m1 + m 2
r r r
u 2 =u1 =V
Se a mesa de ar está alinhada (horizontalmente), sobre cada um dos carrinhos
atuam as forças peso, normal de contato com a superfície (o atrito é desprezível) e a força
de interação mútua quando eles se tocam. A resultante das forças externas (peso e
normal) portanto é nula – e o momento linear se conserva.
Podemos então escrever a conservação do momento linear como
r
r
r
r
r
r
r
r
r
Pinicial = p 1 i + p 2 i = m 1 v 1 + m 2 v 2 = Pfinal = m 1u 1 + m 2 u 2 = (m 1 + m 2 ) V
A velocidade final do sistema é a velocidade do centro de massa do sistema – já que os
dois objetos andam juntos, só há uma opção: eles andarem com a velocidade do centro de
massa (se o observador andar junto com o centro de massa do sistema, vai ver as duas
partículas paradas). Portanto
r m 1 vr 1 + m 2 vr 2
r
r
u1 = u 2 = V =
m1 + m 2
6
Colisões – M.F.B, 2004
E o que ocorre com a energia cinética do sistema? Antes da colisão,
K antes =
1
1
m 1 v 12 + m 2 v 22
2
2
e depois,
r
r 2
(
m1 v 1 + m 2 v 2 )
1
1
2
=
K depois = (m 1 + m 2 ) u 1 = (m 1 + m 2 )
2
2
2
(
m1 + m 2 )
r
r r
r
1 m 12 v 12 + 2m 1m 2 v 1 • v 2 + m 22 v 22
=
2
m1 + m 2
Há então uma diferença de energias antes e depois da colisão:
r
r r
r
1 m 12 v 12 + 2m 1m 2 v 1 • v 2 + m 22 v 22 1
∆K = K depois − K antes =
− m 1 v 12 + m 2 v 22 =
2
2
m1 + m 2
r
r
r
r
1
1
m 12 v 12 + 2m 1m 2 v 1 • v 2 + m 22 v 22 − (m 1 + m 2 ) m 1 v 12 + m 2 v 22 =
=
2 (m 1 + m 2 )
1
1
1 m 1m 2 r
r r
(v 2 − vr 1 )2
2m 1m 2 v 1 • v 2 − m 1m 2 v 22 − m 1m 2 v 22 = −
=
2 (m 1 + m 2 )
2 m1 + m 2
(
[
[
(
)
)]
]
ou seja
∆K = −
1 m 1m 2 r
(v 2 − vr 1 )2 < 0
2 m1 + m 2
e no processo o sistema perdeu energia. Você consegue imaginar por quê?
Observe da expressão acima que a variação da energia cinética ∆K depende da
velocidade relativa doas partículas antes da colisão. E a velocidade relativa das duas
partículas, depois da colisão, é nula...
Exercício 2
Sobre o trilho de ar estão dois carrinhos. O primeiro tem massa 250 g e o segundo,
400 g. O segundo carrinho está inicialmente em repouso. O primeiro é lançado
sobre ele com uma velocidade de 10 cm/s, e os dois carrinhos ficam grudados. Qual
a velocidade final dos dois? Qual a variação na energia cinética do sistema?
7
alguma conexão com
“coeficientes de
restituição”
?
Colisões – M.F.B, 2004
5. Tópico complementar: a energia numa colisão totalmente inelástica
Uma última reflexão. Você lembra da expressão discutida em sala de aula, que
relacionava a energia cinética medida num sistema de laboratório com a energia medida
no referencial do centro de massa?
Observe as contas desenvolvidas no exemplo acima. Se você lembrar que
K=
1
MV 2 + K *
2
onde K é a energia cinética do sistema medida no referencial do laboratório, K * é a
energia cinética medida no referencial do centro de massa do sistema, M é a massa total
r
do sistema e V a velocidade de seu centro de massa, então depois da colisão
K* = 0
pois os dois objetos andam junto – e junto com o centro de massa do sistema.
r
r
Se temos duas partículas com velocidades v 1 e v 2 , podemos escrever para a
energia cinética do sistema no referencial do centro de massa (uma chance para você
praticar a mudança de sistema de referências!)
r 2 1
r 2
r
r
1
1
1
K* = m 1 v *12 + m 2 v * 22 = m 1 v 1 − V + m 1 v 1 − V
2
2
2
2
(
)
(
)
onde tudo que “tem estrela” é medido no referencial do centro de massa:
r r m 1 vr 1 + m 2 vr 2
r
r r
1
r
r
r* = r − Rr
r
r
v *1 = v 1 − V = v 1 −
=
v
*
=
v−V
r
r
r*
m1 + m 2
r
r
r
r
r
1
O * (cm)
(m 1 v1 + m 2 v 1 − m 1 v 1 − m 2 v 2 ) =
=
r
R
m1 + m 2
O
m2
r r
(v 1 − v 2 )
=
m1 + m 2
r
e para v * 2 :
r
r
r
v *2 = v 2 − V = −
m1
(vr 1 − vr 2 )
m1 + m 2
A energia cinética no referencial do centro de massa antes da colisão é
2
2
2
 m2

1
1
1
(vr 1 − vr 2 ) + 1 m 2
K* = m 1 v 1* + m 2 v *2 = m 1 
2
2
2
2
 m1 + m 2

 − m1 r r 
(v1 − v 2 )

 m1 + m 2

2
ou
K* =
1 m 1m 2
r r 2 1 m 1m 2
(
)(
(vr 1 − vr 2 )2
m
+
m
v
2
1
1 − v2 ) =
2
2 (m 1 + m 2 )
2 (m 1 + m 2 )
8
Colisões – M.F.B, 2004
(Este resultado é a solução do exercício 45-a da lista 13.)
Assim, no caso da colisão discutida na seção 4, em que os dois corpos saem
grudados após a colisão, podemos escrever que
K * antes =
1 m 1m 2
(vr 1 − vr 2 )2
2 (m 1 + m 2 )
e depois da colisão
K * depois =
1 m 1m 2
(ur 1 − ur 2 )2 = 0
2 (m 1 + m 2 )
A variação na energia cinética é
∆K = K * depois −K * antes = 0 −
1 m 1m 2
(vr 1 − vr 2 )2
2 (m 1 + m 2 )
que é exatamente o valor encontrado. Ou seja, a energia perdida é a “energia cinética
interna” – a energia que é vista por um observador no centro de massa do sistema...
Conclusões desta aula:
numa colisão (quando se supõe o sistema isolado) o momento linear é
conservado
numa colisão nem sempre a energia cinética é conservada
Você deve entregar até quarta feira, dia 26 de maio, às 12 horas (por e-mail, colocando
no escaninho da professora, ou entregando para a monitora Juliana):
- a solução dos exercícios 1 e 2 sugeridos no texto
Exercícios complementares:
EC 1 – Exercício 13.29
EC 2 – Exercício 13.30
da lista de exercícios 13 do Guia 5
Leitura complementar:
Capítulo 9 do livro de H.M. Nussenzveig
9
Download