Filosofando Dalva Aparecida Garcia Docente do Ensino Médio na Rede Pública Estadual. Coordenadora Pedagógica do Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças; Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual Paulista ­ Marília, UNESP; Mestra em Filosofia e Educação pela Faculdade de Educação da USP/SP, FEUSP; e­mail: [email protected] A Reflexão Filosófica O que é a Filosofia? Ao ouvirmos a palavra “filosofia” imaginamos, muitas vezes, estar diante de um conjunto de teorias sem sentido, sem relação com o cotidiano. Alguns dirão: “A filosofia é coisa de louco” ou “é coisa de gente que não tem mais nada o que fazer”. Estaria mesmo a filosofia distante do cotidiano? Seriam os filósofos seres lunáticos preocupados com coisas absurdas? O que teríamos a ver com a filosofia? Começaremos a examinar o cotidiano como nos propõe Marilena Chauí, em seu livro “Convite à Filosofia”: Em nossa vida cotidiana, afirmamos, negamos, aceitamos ou recusamos coisas, pessoas ou situações. Fazemos perguntas como” que horas são ou que dia é hoje?“. Esta pergunta sustenta uma crença: a crença que o tempo existe e pode ser medido.Assim como afirmações do tipo “A professora foi injusta” traz em si a crença em nossa idéia de justiça. No entanto, nunca paramos para indagar o que entendemos por “tempo” ou “justiça”. Acostumados com o cotidiano, deixamos nossas idéias e crenças sem fundamentação e vamos aceitando o mundo como se ele fosse óbvio em si mesmo. A Filosofia começa quando nos propomos a investigar o mundo, o homem e seus valores. Assim, afirma Marilena Chauí, a primeira resposta à pergunta “O que é Filosofia?”, poderia ser: A decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as idéias, os fatos, os valores de nossa existência cotidiana; jamais aceitá­las sem antes haver investigado. Para que Filosofia? Essa é uma pergunta bastante comum quando a Filosofia aparece na escola. Mas não vemos ninguém perguntar para que Matemática, Biologia ou Educação Física! A não ser quando não atingimos o conceito desejado nestas disciplinas. Mas todo mundo acha natural perguntar para que Filosofia! Talvez porque achamos o Filósofo um ser estranho, com a cabeça no mundo da lua, dizendo coisas que ninguém entende. “Papo cabeça” demais que não serve para nada. “Não servir para nada” é uma afirmação que merece ser analisada. O que serve em nossa sociedade é aquilo que tem uma utilidade imediata, visível e muito prática. Quando nos pedem para ler ou pesquisar, logo perguntamos: o que vamos ganhar com isso? Por isso ninguém duvida da utilidade das Ciências, pois aí estão os computadores, os medicamentos, etc. O que nós não sabemos é que as Ciências pretendem ser conhecimentos verdadeiros, baseados em procedimentos racionais e rigorosos. Verdade, pensamento, procedimentos especiais para conhecer os fatos, relação entre teoria e prática: tudo isso não é Ciência, são questões filosóficas. O trabalho das Ciências pressupõe, como condição, o trabalho com a Filosofia. Não é à toa que os grandes cientistas se debruçaram sobre as questões filosóficas. Por exemplo, se você já ouviu falar em produto cartesiano, conhece também a relação da Matemática Moderna com a Filosofia de Descartes? Se já ouviu falar em Teorema de Pitágoras, sabe que para o Filósofo grego o mundo é expressão dos números e que o triângulo representaria a harmonia de todas as coisas? Você estaria se perguntando: Que coisa doida é essa? Isso significa que a culpa de eu ter que estudar o Teorema de Pitágoras é da tal Filosofia? Calma aí... Você não é tão normal quanto parece... Que tal viajar na aula de Filosofia e se imaginar diante de uma bela cachoeira ou ainda estar sentado em seu sofá assistindo um desses programas de ecologia. De repente, você se pergunta: como pode tudo estar tão encaixado em seu devido lugar? Como tudo começou? O que mantém as coisas em ordem e ao mesmo tempo em mudança? Essa era a pergunta que Pitágoras e outros filósofos fizeram e obtiveram diferentes respostas. Algumas inusitadas, como a de Demócrito que supunha uma partícula indivisível como princípio de todas as coisas. A afirmação de Demócrito provocou a curiosidade de muitas pessoas e estimulou pesquisas. Embora saibamos, hoje, que o átomo é divisível, o que seria da energia atômica sem Demócrito? Algumas pessoas afirmam que a Filosofia é a Ciência com a qual e sem a qual o mundo permanece tal e qual. Bobagem! A Filosofia não é Ciência, pelo menos não como entendemos a Ciência hoje. Mas, por exemplo, a Química, essa coisa fabulosa que permitiu produzir sandalinhas de plástico e outras coisas mais, surge da tentativa dos Filósofos Renascentistas de relacionar as partes ao todo, utilizando­se da Astrologia e da Alquimia. E a Física, responsável pelos motores potentes e pela aerodinâmica dos carros, surge da busca de uma explicação para a phisis ­ palavra grega que compreende a natureza em movimento e permanência. As Ciências estão, de alguma forma, relacionadas à Filosofia porque o objeto da Filosofia é a própria reflexão, o retorno do pensamento a si mesmo para indagar o que são as coisas. O que é a Ciência, a Arte, o mundo, o homem, enfim, o que somos nós, como pensamos? Mas... para quê isso? Observemos o que diz o Filósofo e Educador Matthew Lipman: Para mim, a coisa mais interessante do mundo é o pensamento. Eu sei que uma porção de coisas também são muito importantes e maravilhosas, como a eletricidade, o magnetismo e a força da gravidade. Mas, embora a gente compreenda essas coisas, elas não podem nos compreender. Portanto, o pensamento deve ser uma coisa muito especial. Se pensamos sobre a eletricidade, podemos compreendê­la melhor, mas quando pensamos sobre o pensar, parece que compreendemos melhor a nós mesmos. Ora, você pode agora estar em um dilema pensando se quer ficar na festa com o cara ou a garota mais bonita da escola ou com aquela que nem é tão bonita, mas é uma ótima companhia. Você terá que voltar o pensamento para si mesmo, perguntando o que significa mais para você: uma boa companhia ou a beleza? Não importa qual a sua resposta. O que importa é o processo de reflexão que o conduziu a esta pergunta. É provável que você nem chegue a uma resposta e fique na festa com quem aparecer primeiro. Existe também a possibilidade de você se lamentar por um bom tempinho pela sua atitude. O desfecho desses dilemas é variado, mas o processo de reflexão é bastante comum em várias situações. Mas, cuidado! Não se julgue um Filósofo porque alguma vez na vida, você já fez essas perguntas. A Reflexão Filosófica não é qualquer reflexão, ela tem suas exigências. Dermeval Saviani aponta três exigências para que possamos caracterizar uma reflexão como filosófica. A primeira é a radicalidade. Já ouvimos falar em esportes radicais ou atitudes radicais. Os esportes radicais são aqueles praticados por pessoas que gostam de superar os limites e vão além dos outros. Por exemplo, várias pessoas dirigem, algumas bem, outras nem tanto. Algumas correm com seus automóveis, mas o automobilismo busca superar os limites do piloto e do automóvel, desafiando a velocidade. O mesmo poderia ser dito sobre a radicalidade da reflexão filosófica. Voltemos ao exemplo anterior: Ao se perguntar se fica com a garota mais bonita ou com a que é boa companhia, você estende sua reflexão buscando seus fundamentos, buscando superar os limites, buscando as raízes de sua forma de pensar e se pergunta: O que é, afinal das contas, beleza? O que é uma boa companhia? O que é bom ou mal? A segunda exigência de uma reflexão filosófica é a sistematização. Se nos perguntarmos o que é sistema, veremos que se trata de um conjunto de dados coerentemente organizados e relacionados de tal forma, que tudo parece estar ligado a tudo. Isto pode ser mais facilmente compreendido se pensarmos, por exemplo, na computação. O mesmo se pode afirmar sobre a reflexão filosófica, é preciso que as idéias tenham relações umas com as outras, que não sejam contraditórias ou incoerentes, que se mostrem bem fundamentadas. Isso significa que “a filosofia trabalha com enunciados precisos e rigorosos, opera com idéias e conceitos obtidos por procedimentos de demonstração e prova, exige fundamentação racional do que é enunciado e pensado. Somente assim a reflexão filosófica pode fazer com que nossa experiência cotidiana, nossas crenças e opiniões alcancem uma visão crítica de si mesma. Não se trata de dizer “eu acho que”, mas de poder afirmar “eu penso que”. E a terceira exigência da reflexão filosófica é a abrangência. A reflexão filosófica, como dizia Hegel, é como a coruja de Minerva que alça seu vôo ao entardecer. Alçar vôo significa ver de uma forma mais ampla. Olhar aquilo que não foi olhado no todo, mas só nas partes. A Filosofia alça vôo ao entardecer, pois sendo um procedimento de investigação sistemático e crítico, só pode analisar os fatos quando estes já aconteceram. Isso significa que o trabalho do Filósofo é sempre atrasado? Não! Essa é a concepção de um Filósofo sobre a Filosofia. A busca da radicalidade, da sistematicidade e da abrangência nos coloca diante de uma multiplicidade de teorias e visões. Teorias que não são apenas opiniões que aparecem em programas de auditório no estilo “você decide”, mas que podem nos auxiliar a pensar na forma de como pensamos. Nos pergunta, finalmente, Marilena Chauí: A Filosofia é útil ou inútil? Sua resposta é bom início para uma reflexão filosófica: O primeiro passo para respondermos esta pergunta seria considerarmos o que é útil ou inútil. Se útil for obter fama ou dinheiro, a Filosofia reivindica o direito de ser inútil, mas se útil for descobrir o sentido de nossa existência, de nossos valores, de nossa cultura não há e nem pode haver saber mais útil que a Filosofia. Avaliação deste Artigo: Copyright © 2006 Planeta Educação Todos os direitos reservados