O EURO - Bertrand

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O EURO
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JOSEPH E. STIGLITZ
O EURO
Como uma moeda única ameaça
o futuro da Europa
Tradução de
SARA M. FELÍCIO E PAULO TAVARES
Lisboa 2016
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1. A CRISE DO EURO
A Europa, berço do Iluminismo e da ciência moderna, está em
crise. De forma continuada, a crise financeira mundial de 2008 foi-se
convertendo na «crise do euro» de 2010. Esta parte do mundo, responsável pela Revolução Industrial, que suscitou mudanças sem precedentes nos níveis de vida nos últimos dois séculos, tem vindo a
conhecer um longo período de quase estagnação. Calcula-se que o
PIB per capita (ajustado em função da inflação) da Zona Euro1 – constituída pelos países da Europa que partilham o euro – foi pouco mais
elevado em 2015 do que tinha sido em 2007.2 Alguns desses países
estão em depressão económica há anos.3
Quando a taxa de desemprego dos Estados Unidos atingiu os
10 por cento, em outubro de 2009, a maior parte dos norte-americanos
pensou que isso era intolerável. Desde então, baixou para 5 por cento.
No entanto, na Zona Euro a taxa atingiu também os 10 por cento
em 2009, tendo permanecido acima dos dois dígitos a partir de
então.4 Em média, mais de um em cada cinco jovens no mercado de
trabalho estão desempregados, embora, nos países mais atingidos
pela crise, cerca de um em cada dois não consiga encontrar emprego.5
Os dados estatísticos sobre o desemprego jovem traduzem as aspirações e os sonhos frustrados de milhões de jovens europeus, muitos
dos quais já trabalharam e estudaram arduamente. Além disso, remetem para a existência de famílias separadas, na medida em que é
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necessário emigrar à procura de trabalho. E auguram um futuro europeu com índices de crescimento e níveis de vida mais baixos, talvez
durante décadas.
Estes factos económicos têm, por outro lado, profundas ramificações políticas. Os pilares da Europa pós-Guerra Fria estão a ser abalados. Os partidos de extrema-direita e de extrema-esquerda, assim
como outros que advogam a desintegração dos seus Estados-nação,
particularmente em Espanha, mas até na Itália, estão em fase ascendente. O que parecia inevitável no arco histórico – a formação dos
Estados-nação no século XIX – está agora a ser posto em causa. Têm
sido, igualmente, levantadas dúvidas sobre a maior conquista da Europa
após a Segunda Guerra Mundial: a criação da União Europeia.
Os acontecimentos que precipitaram a grave crise do euro eram
sintomas de problemas mais profundos na estrutura da Zona Euro, e
não as suas causas: as taxas de juro das obrigações emitidas pela Grécia e por outros países da Zona Euro dispararam, chegando, no caso
da Grécia, aos 22,5 por cento em 2012.6 Por vezes, alguns países não
conseguiram, de forma nenhuma, ter acesso a financiamento, ficando
incapacitados de obter o dinheiro necessário para pagar as suas dívidas. A Europa foi em seu auxílio, garantindo o financiamento a curto
prazo, com condições rigorosas.
Depois da eclosão da crise do euro, no início de 2010, os líderes
europeus levaram a cabo um conjunto de ações, cada uma das quais
parecia capaz de apaziguar os mercados durante algum tempo. À data
da finalização deste livro, até a crise grega passou para segundo plano,
em virtude de a Europa ter ficado à espera de que o seu último acordo,
estabelecido no verão de 2015, finalmente resultasse e em função de
outras crises que, entretanto, ganharam preponderância: a crise dos
refugiados irrompeu e centralizou as atenções, assim como a ameaça
da saída da Grã-Bretanha da UE e as ameaças de terroristas tornadas
evidentes pelos ataques de Paris e de Bruxelas. Supôs-se que o euro
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traria maior integração económica e política, ajudando a Europa a
resolver quaisquer desafios que se lhe apresentassem. Porém, como
salientaremos no próximo capítulo, a realidade tem sido diferente: o
fracasso do euro fez com que a Europa sentisse maiores dificuldades
em enfrentar estas outras crises. Por isso, embora este livro seja sobre
economia – a economia subjacente a este fracasso e ao que poderá ser
feito para o resolver –, ela está intimamente ligada à política. A política
tem dificultado a criação dos regimes económicos que permitiriam o
bom funcionamento do euro, seguindo-se a este fracasso várias consequências políticas graves.
Neste livro, esclareceremos porque as medidas tomadas até agora
para «resolver» a crise do euro não passaram de paliativos temporários,
porque é provável que o próximo episódio da crise do euro deflagre
num futuro não muito distante.
As ideias centrais
A par dos muitos fatores que contribuem para as dificuldades da
Europa, existe um erro de fundo: a criação de uma moeda única, o
euro. Ou, mais precisamente, a criação de uma moeda única sem a
criação de um conjunto de instituições que permitam a uma região
inserida na diversidade europeia funcionar eficazmente com uma
única moeda.
A Parte II deste livro (capítulos 4 a 6) debruça-se sobre os requisitos para uma união monetária bem sucedida, sobre o que a Europa
realmente fez e sobre o fosso entre o que era preciso ser feito e o que
de facto aconteceu, o qual levou ao fracasso do euro, à crise que se
seguiu logo após a sua criação e à divergência, com os ricos a ficarem
cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres – tornando
cada vez mais difícil o funcionamento do sistema de moeda única.
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A Parte III (capítulos 7 e 8) observa mais de perto a forma como a
Zona Euro reagiu às crises, que acabaram por desembocar em
«socorro», com programas que, na realidade, aprofundaram e prolongaram os períodos de abrandamento da economia. A Parte IV (capítulos 9 a 12) explica o que pode ser feito para que a Europa recupere
a sua prosperidade.
Uma nota sobre a história do euro,
e o âmbito deste livro
Neste livro, não apresento nem uma história detalhada do euro,
nem uma descrição pormenorizada das suas instituições. No entanto,
tendo em vista um sentido de orientação, é útil salientar alguns factos
sobre a cronologia e a implementação do euro. A moeda comum
resultou de esforços que tiveram início em meados do século XX, numa
altura em que a Europa recuperava da carnificina e da disrupção causadas por duas guerras mundiais que reclamaram mais de 100 milhões
de vidas. Os líderes europeus reconheceram então que um futuro mais
pacífico necessitaria de uma completa reorganização política, económica e, até, das identidades nacionais do continente. Em 1957, esta
perspetiva ficou perto de se tornar realidade com a assinatura do
Tratado de Roma, que criou a Comunidade Económica Europeia
(CEE), constituída por Bélgica, França, Itália, Luxemburgo, Holanda
e Alemanha Ocidental. Nas décadas seguintes, dominadas pela Guerra
Fria, foram vários os outros países da Europa Ocidental que se juntaram à CEE. Passo a passo, foram levantadas as restrições ao trabalho, às deslocações e ao comércio na lista em crescimento dos países
pertencentes à CEE.
Porém, foi só no final da Guerra Fria que a integração europeia
ganhou verdadeiro fulgor. A queda do Muro de Berlim, em 1989,
revelou que se aproximava um tempo de laços europeus muito mais
próximos e fortes. Entre os líderes e entre os cidadãos, a esperança
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de um futuro pacífico e próspero era maior do que nunca. Esta atmosfera levou à assinatura, em 1992, do Tratado de Maastricht, que estabelecia formalmente a criação da União Europeia, da sua configuração
económica e das suas instituições, dando também início ao processo
de adoção de uma moeda comum que viria a ser conhecida como euro.
Ainda assim, subsistiam perspetivas discordantes sobre como
deveria ser atingida essa maior união. Hoje em dia, a história oficial
da UE pode parecer uma lista de acontecimentos que levaram, inevitavelmente, à criação de um mercado e de um espaço monetário
comum sempre em expansão: a Zona Euro. No entanto, a formação
destas instituições foi, na realidade, o resultado de anos de negociações repletas de desentendimentos sobre a extensão e a forma que a
integração europeia deveria assumir. O resultado final só foi possível
mediante negociações e compromissos dos líderes europeus. No caso
do euro, o chanceler alemão Helmut Kohl terá, supostamente, concordado com a sua criação, em troca da aceitação, por parte do presidente francês François Mitterrand, da reunificação da Alemanha.
Estes dois líderes foram fundamentais no avanço da ideia de integração, assim como na conceção de muitas das políticas que aqui
analisaremos.
Toda esta história é relevante, mas grande parte dela situa-se fora
do âmbito deste livro. O ponto que gostaria de salientar – e ao qual
voltarei recorrentemente – é o de que o euro foi um projeto político
e, como em qualquer projeto político, deve ser dada a devida importância à sua vertente política.
As personalidades do universo político são também importantes
– basta lembrarmo-nos, por exemplo, de Jacques Delors, cuja comissão definiu o plano para a criação do euro, em 1989 –, embora,
mais uma vez, não seja esse o foco que aqui se pretende desenvolver.
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Ao descrever a criação do euro, não me é possível saber o que de
facto se passava na mente daqueles que estiveram na sua origem.
Certamente, pensavam que o sistema iria funcionar – caso contrário,
não teriam chegado a acordo. Teriam sido ingénuos se não considerassem que, algures pelo caminho, alguns problemas acabariam por
surgir; mas, presumivelmente, acreditaram que esses problemas
poderiam ser resolvidos. Acreditaram que a moeda única e as instituições que a suportavam, em particular o Banco Central Europeu
(BCE), seriam elementos permanentes da União Europeia. Contudo,
este livro não é sobre essa história ou sobre as perspetivas individuais que os fundadores deste novo sistema tinham em relação ao
seu funcionamento.
Em vez disso, interessam-me os resultados dessa história – aquilo
que neles se pode ler e o que se pode fazer relativamente a eles. Este
livro é tanto sobre economia e ideologias económicas como sobre as
suas interações com a política; é um estudo de caso sobre a forma
como, mesmo com as melhores intenções, quando se criam novas
instituições e políticas baseadas em perspetivas excessivamente simplificadas do funcionamento da economia, os resultados se podem
revelar não só dececionantes, mas mesmo desastrosos.
Um defeito de nascença
A Zona Euro apresenta um defeito de nascença. A estrutura da Zona
Euro – as regras, regulamentações e instituições que a regem – é a
responsável pelo fraco desempenho desta região, incluindo as suas
múltiplas crises. A diversidade da Europa foi a sua força. Porém, não
é fácil que uma única moeda funcione numa região com tão grande
diversidade económica e política. Uma moeda única implica uma taxa de
câmbio fixa entre os vários países e uma só taxa de juro. Mesmo que
estas reflitam as circunstâncias da maior parte dos países-membros,
dada a sua diversidade, é necessário que exista um conjunto de
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instituições que possa ajudar as nações para as quais essas políticas
não são adequadas. A Europa falhou na criação dessas instituições.
Além disso, terá de haver flexibilidade suficiente nas regras, de
modo a possibilitar a adaptação a diferentes circunstâncias, crenças e
valores. Globalmente, a Europa consagrou esta perspetiva no princípio da subsidiariedade, que pressupõe a delegação de responsabilidades
nas políticas públicas a nível nacional, ao invés de a nível europeu, para
o maior número possível de decisões.7 De facto, com o orçamento da
União Europeia a situar-se apenas em cerca de 1 por cento do seu
PIB8 (ao contrário dos Estados Unidos, onde as despesas federais são
superiores a 20 por cento do PIB9), poucas despesas ocorrem ao nível
da UE. Porém, num palco de relevância crucial para o bem-estar de
cada um dos cidadãos – políticas monetárias que são fatores determinantes para o desemprego e para os meios de subsistência –, o poder
foi concentrado no Banco Central Europeu, fundado em 1998. E, com
fortes restrições ao défice orçamental, foi dada pouca flexibilidade a
cada país para a condução das suas políticas fiscais (impostos e despesa), a qual permitiria, face a circunstâncias adversas, evitar uma
recessão maior.10
Pior ainda é o facto de a estrutura da própria Zona Euro se alicerçar em certas ideias relativas ao que é necessário para atingir o sucesso
económico – por exemplo, que o Banco Central se deve centrar na
inflação, ao contrário da Reserva Federal dos Estados Unidos, que se
ocupa também de questões relacionadas com o desemprego, o crescimento e a estabilidade.11 Não se trata simplesmente de a Zona Euro
não ter sido moldada para acomodar a diversidade económica europeia; mas sobretudo de a sua estrutura, as suas normas e regulamentações não terem sido desenhadas para promover o crescimento, o
emprego e a estabilidade.
Os problemas estruturais da Zona Euro têm sido agravados pelas
políticas que ela tem seguido, particularmente no rescaldo da crise e no
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seio dos países em crise. Mesmo admitindo uma estrutura com falhas,
havia que fazer escolhas. E a Europa fez as escolhas erradas. Impôs
austeridade, cortando excessivamente na despesa pública. Exigiu
determinadas «reformas estruturais», introduzindo mudanças na
forma como, por exemplo, os países afetados geriam o seu mercado
de trabalho e as suas pensões. Em grande medida, porém, falhou em
centrar-se nas reformas que mais facilmente acabariam com as recessões enfrentadas por esses países. Mesmo se tivessem sido implementadas de forma perfeita, essas políticas não teriam ajudado
nem à recuperação dos países afetados, nem à recuperação da Zona
Euro.
Deste modo, as reformas necessárias mais urgentes dizem respeito
à própria estrutura da Zona Euro – e não aos Estados-membros –,
tendo sido dados alguns passos hesitantes nessa direção. Todavia,
esses passos têm sido curtos e lentos. A Alemanha e alguns parceiros
procuraram culpar as vítimas: os países que sofreram em resultado
das políticas imperfeitas e da defeituosa estrutura da Zona Euro. Não
obstante, sem as necessárias reformas profundas na própria Zona
Euro, a Europa não conseguirá regressar ao crescimento.
Aprofundando o tema: o porquê da estrutura
e das políticas defeituosas
Como é que estadistas bem-intencionados, na tentativa de forjar
uma Europa mais forte e coesa, criaram algo que tem tido o efeito
contrário? Este livro não é apenas sobre esta ocorrência central – a
crise do euro –, que está a transformar a Europa e a economia que a ela
preside. É também sobre relação intrincada entre a política e a economia, assim como sobre o papel das ideias e das crenças.
Embora o euro fosse um projeto político, a coesão política – particularmente em torno da noção de delegação de poderes dos países
soberanos da UE – não foi suficientemente forte para criar as
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instituições económicas que poderiam ter dado ao euro uma oportunidade de sucesso.
Acresce a isto o facto de os fundadores da moeda terem sido
guiados por um conjunto de ideias e noções acerca do funcionamento
das economias que, pese embora o facto de estarem em voga na altura,
eram simplesmente erradas.12 Havia uma confiança nos mercados,
mas faltava o entendimento das suas limitações e dos requisitos para
que eles fossem eficazes. A confiança inabalável nos mercados é, em
alguns casos, referida como fundamentalismo de mercado e, noutros,
como neoliberalismo.13 Os fundamentalistas do mercado acreditavam,
por exemplo, que, se o Estado conseguisse assegurar uma inflação
baixa e estável, os mercados assegurariam crescimento e prosperidade
para todos. Embora, na maior parte do mundo, o fundamentalismo
de mercado tenha sido desacreditado, principalmente no rescaldo da
crise financeira mundial de 2008, as suas convicções sobreviveram e
floresceram na potência dominante da Zona Euro: a Alemanha. Estas
convicções são defendidas com tais empenho e certeza, imunes às
evidências em contrário, que são justamente descritas como uma ideologia. Como refiro no prefácio, algumas ideias semelhantes, impostas
pelo FMI e pelo Banco Mundial um pouco por todo o mundo, levaram a um quarto de século perdido em África, a uma década perdida
na América Latina e a uma transição do comunismo para a economia
de mercado na ex-União Soviética e na Europa de Leste que foi, no
mínimo, uma desilusão.
Os fracassos da Zona Euro, quer na sua estrutura, quer nas suas
políticas, podem assim, em grande medida, ser atribuídos à combinação de uma ideologia económica mal direcionada à data da sua fundação com a falta de uma efetiva solidariedade política. Esta
combinação conduziu a uma conceção do euro que lançou as sementes da sua própria destruição.
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Ideias erradas sobre o processo de mudança económica
e política
As convicções erradas sobre o processo de reforma também
deram o seu contributo. Os líderes sabiam que o projeto da Zona
Euro estava incompleto – mas viam-no como parte de um processo
de longo prazo. As dinâmicas estimuladas pelo euro forçariam a criação de quaisquer instituições necessárias que não existissem. Esse
sucesso levaria, depois, a uma maior integração económica e
política.
Durante o período em que fui economista-chefe do Banco Mundial, aprendi que devemos ser muito cuidadosos quanto ao sentido de
oportunidade e ao ritmo das reformas.14 Um fracasso inicial aumenta
a resistência a reformas subsequentes. Esta é a história do euro.
O caminho a seguir
Os defensores da política atual no seio da Zona Euro, liderados
pela Alemanha, têm basicamente dito que «não há alternativa» à estrutura atual (excetuando pequenas modificações que se têm mostrado
dispostos a aceitar) e às políticas que têm imposto. Esta frase foi dita
tantas vezes que adquiriu a dúbia distinção de ter o seu próprio acrónimo: TINA (there is no alternative). Na Parte IV (capítulos 9 a 12),
veremos que existem alternativas à abordagem corrente: reformas que
podem fazer com que o euro funcione (capítulo 9), um divórcio amigável (capítulo 10) e uma casa de recuperação muito diferente da atual
(capítulo 11), uma casa de recuperação que se pode facilmente converter numa moeda única, caso haja resoluções suficientes para assegurar o bom funcionamento de um sistema desse tipo. Contudo, a
casa de recuperação atual – uma moeda única sem as mínimas instituições necessárias a uma região que partilha uma moeda comum –
não resultou até agora e não é provável que vá resultar. Terá de haver
ou «mais Europa» ou «menos Europa».
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Pior do que uma década perdida?
Por vezes, quando as crises emergem, as economias demoram
anos a regressar aos níveis de crescimento e desemprego registados
antes da crise. Aquilo que a Europa enfrenta é pior: na maior parte
dos países europeus é quase certo que os níveis de vida nunca venham
a alcançar o nível que poderiam ter atingido se não tivesse existido a
crise do euro – ou se esta crise tivesse sido bem gerida –, mas o fracasso do euro tem ramificações ainda mais profundas.
Os defensores do euro argumentam, com razão, que a moeda única
não era apenas um projeto económico que ambicionava melhorar os
níveis de vida através do aumento da eficiência na alocação de recursos,
da aplicação dos princípios da vantagem comparativa, do estímulo da
concorrência, de tirar partido das economias de escala e do fortalecimento da estabilidade económica. A moeda única era um projeto político que visava o reforço da integração política da Europa e a aproximação
dos seus povos e países, assegurando uma coexistência pacífica.
O euro não conseguiu cumprir nenhum dos seus dois principais
objetivos: o da prosperidade e o da integração política. Estes objetivos
estão agora mais distantes do que estavam antes da criação da Zona
Euro. Em vez de paz e harmonia, os países europeus encaram-se uns
aos outros com desconfiança e ressentimento. Têm vindo a ser recuperados antigos estereótipos, numa altura em que o Norte da Europa
acusa o Sul de ser preguiçoso e pouco fiável e são invocadas algumas
memórias do comportamento da Alemanha durante as guerras
mundiais.
Um desempenho económico desanimador
O desempenho económico dos países da Zona Euro tem sido
dececionante. No essencial, a Zona Euro estagnou e o seu desempenho tem sido particularmente desanimador desde a crise financeira
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mundial. Os críticos do euro sempre disseram que a prova de fogo
viria quando os países da Zona Euro enfrentassem um choque assimétrico, uma mudança que atingisse os vários países de forma diferente. O rescaldo da crise financeira mundial de 2008 mostrou que
esses receios se concretizaram e, depois, se ampliaram: as economias
da Zona Euro foram ainda mais afetadas do que os seus maiores
críticos tinham previsto. A crise começou nos Estados Unidos, mas os
Estados Unidos conseguiram recuperar – ainda que anemicamente –,
com um PIB real15 em 2015 cerca de 10 por cento mais elevado do
que em 2007; mas o PIB da Zona Euro16 raramente sofreu alterações
desde 2007 – na realidade, como já foi referido, o rendimento per capita
ajustado em função da inflação caiu. A Zona Euro deparou-se, inclusive, com uma dupla recessão. Alguns dos países fora da Zona Euro,
como a Suécia e a Noruega, têm tido um desempenho bastante positivo. Há apenas um fator dominante que tem contribuído para o fraco
desempenho da Zona Euro: o próprio euro.
Até a Alemanha fracassou
A Alemanha considera-se um caso de sucesso, apresentando-se
como exemplo para o que os outros países devem fazer. A economia
alemã cresceu 6,8 por cento desde 2007, o que implica uma média de
crescimento17 de apenas 0,8 por cento ao ano, um número que, em
circunstâncias normais, seria considerado próximo do limiar do fracasso.18 É também conveniente salientar que os desenvolvimentos na
Alemanha antes da crise, no início da década de 2000 – quando o país
adotou reformas que impuseram cortes severos na rede da segurança
social –, foram possíveis à custa dos trabalhadores comuns, em particular os detentores de rendimentos mais baixos. Enquanto os salários
reais estagnaram (ou, de acordo com alguns dados, diminuíram), o
fosso entre os trabalhadores da base e os do meio da pirâmide dos
rendimentos aumentou cerca de 9 por cento no curto período de
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menos de uma década. E, durante os primeiros anos deste século, a
pobreza e a desigualdade aumentaram também.19 A Alemanha só é
vista como um «caso de sucesso» quando é comparada com os outros
países da Zona Euro.
Como o euro gerou a crise do euro
Os apoiantes do euro contra-argumentam, dizendo que ele resultou de facto, ainda que apenas durante um breve período. Entre 1999
e 2007,20 reinou a convergência, com os países mais fracos a crescerem
rapidamente, à medida que as taxas de juro que os governos e as
empresas tinham de pagar pelos seus empréstimos foram baixando.
O euro foi bem sucedido na promoção da integração económica,
tendo o capital fluído na direção dos países mais pobres. Para esses
apoiantes, o euro foi vítima de uma infeliz tempestade vinda do outro
lado do Atlântico, um furacão que acontece uma vez num século.
O facto de o furacão ter resultado em devastação não deve ser atribuído ao euro: os sistemas económicos bem desenhados são construídos de modo a resistirem a tempestades normais; mas nem os
melhores conseguem aguentar-se contra tão raros acontecimentos.
Assim pensam os apoiantes do euro.
É verdade que a crise financeira mundial expôs o ponto mais fraco
da moeda única: a dificuldade em permitir ajustamentos aos choques
que afetaram de forma diferente as diferentes partes da Zona Euro.
No entanto, o euro não foi a vítima inocente de uma crise originada
noutro espaço. Os mercados, sempre propensos à exuberância e ao
pessimismo irracionais, confundiram e presumiram, também irracionalmente, que a eliminação do risco de câmbio (com a moeda única
deixava de haver qualquer risco associado a alterações do valor, por
exemplo, da lira, a moeda italiana, em relação à peseta, a moeda espanhola) significava a eliminação do risco soberano – o risco associado
à incapacidade de um Estado para pagar o que deve. Os mercados
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partilharam a euforia do surgimento do euro e, tal como os políticos
que o ajudaram a nascer, não refletiram aprofundadamente sobre a
vertente económica da recém-chegada moeda. Não se aperceberam
de que a forma como a moeda única fora concebida tinha, na realidade, aumentado o risco soberano (ver capítulo 4).
Com a criação desta moeda, em 1999, o dinheiro precipitou-se
para os países periféricos (os países mais pequenos, como Grécia,
Espanha, Portugal e Irlanda, vizinhos do «núcleo» europeu: França,
Alemanha e Reino Unido) e as taxas de juro começaram a descer.
Repetindo o padrão verificado um pouco por todo o mundo onde os
mercados haviam sido liberalizados, a rápida entrada de dinheiro nesses países foi seguida pela sua rápida saída, logo que os mercados
compreenderam que tinham sido excessivamente eufóricos. Neste
caso, a crise financeira mundial foi o acontecimento que precipitou os
acontecimentos: de repente, Grécia, Espanha, Portugal e Irlanda
viram-se sem acesso ao crédito e no meio de uma crise que os fundadores da Zona Euro não tinham planeado. Na crise do Leste Asiático,
uma década antes, quando o apetite dos investidores sofreu súbitas
alterações e reverteu os fluxos de capital, as taxas de câmbio baixaram
acentuadamente nos países afetados, permitindo-lhes ajustarem-se.
Nos países periféricos da Zona Euro, isso não era possível.21 Os seus
líderes não tinham previsto essa eventualidade e, nessa medida, não
dispunham de nenhum plano de ação.
Criar uma Zona Euro divergente
Existe uma vasta literatura que se debruça sobre o que será necessário para que um grupo de países possa partilhar uma moeda comum
e, igualmente, partilhar a prosperidade.22 Já houve um consenso entre
economistas relativamente ao pressuposto de que, para uma moeda
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única funcionar, a condição necessária é a existência de semelhanças
suficientes entre os países.
O tipo de semelhanças necessárias é passível de debate, mas «suficiente» quer aqui dizer que o que muitos europeus (particularmente
os alemães) julgavam ser necessário – um movimento em direção à
denominada prudência fiscal, com dívidas e défices baixos – não era
suficiente e, possivelmente, nem sequer necessário para assegurar que
o euro funcionasse.
Foi dada tanta importância a estas preocupações fiscais que elas
passaram a ser chamadas critérios de convergência. Porém, a forma como
o euro foi concebido levou à divergência: quando alguns países sofreram um «choque» adverso, os países mais fortes ficaram a ganhar à
custa dos mais fracos. Os próprios constrangimentos fiscais impostos
como constitutivos dos critérios de convergência – limites aos défices
e à dívida relacionados com o PIB – contribuíram para a divergência.
O capítulo 5 explicará, em particular, o modo como a estrutura da
Zona Euro levou o capital e as pessoas – especialmente as mais talentosas e qualificadas – a transitarem dos países mais pobres e com
desempenhos mais modestos para os países mais ricos e com melhores desempenhos. Estes últimos puderam investir em melhores escolas
e infraestruturas. Os seus bancos puderam aumentar a concessão de
empréstimos, facilitando aos empresários a criação de novos negócios.
Pior ainda, as restrições da UE proibiram os países mais atrasados de
implementarem determinadas políticas que lhes permitiriam acompanhar os mais avançados.
Retórica de solidariedade à parte, a realidade atual é uma Europa
mais dividida, com menos hipóteses de adotar políticas que a reconduziriam à prosperidade.
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Culpar a vítima
Os efeitos adversos de uma estrutura que, quase inevitavelmente,
conduz à divergência têm sido agravados pelas políticas que a Zona
Euro tem decidido seguir, em especial na resposta à crise do euro.
Ainda que inseridas nas restrições da Zona Euro, poderiam ter sido
adotadas políticas alternativas. O facto de o não terem sido é pouco
surpreendente: uma das questões centrais deste livro é a de que a
mesma lógica que originou uma estrutura imperfeita originou também
políticas imperfeitas.
É, talvez, natural que os líderes da Zona Euro queiram culpar as
vítimas, isto é, os países em recessão ou em depressão económica.
Não se querem culpar a si próprios, nem às instituições que ajudaram
a criar e que agora dirigem. Contudo, culpar a vítima não resolve o
problema do euro e é, em grande medida, injusto. Com esta mentalidade, não é de estranhar que a solidariedade tenha saído fragilizada.
Quando se viu a Grécia entrar em crise, foi fácil culpá-la: se ao
menos a Grécia adotasse reformas, se ao menos seguisse as regras,
reduzindo a dívida e reformulando os sistemas nacionais de segurança
social, pensões e saúde, poderia prosperar e os seus problemas seriam
facilmente resolvidos. Havia, sem dúvida, muitas razões de queixa
quanto às políticas e às instituições gregas. Em grande parte, a economia era dominada por oligarcas (um número de famílias relativamente pequeno com grandes fortunas que exerciam enorme influência
na economia, dominando alguns sectores críticos, incluindo a banca
e os meios de comunicação). Os sucessivos governos geriram défices
exorbitantes, agravados por uma tributação talvez ainda pior do que
as dos outros países em que o pequeno comércio desempenha um
papel importante. A questão não era a Grécia ser ou não perfeita.
Esses problemas tinham-na afetado mesmo quando ela estava a
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crescer mais do que o resto da Europa. E já existiam quando a Europa
decidiu admitir a entrada da Grécia na União Europeia e na Zona
Euro. A questão era saber que papel esses problemas desempenhavam
na crise. A ideia de que tinham sido as falhas gregas a causar a crise
do euro poderia ser convincente se a Grécia fosse o único país da Zona
Euro em apuros – mas não é. A Irlanda, a Espanha, Portugal, o Chipre, e agora até a Finlândia, a França e a Itália enfrentam sérias dificuldades. Com tantos países confrontados com situações adversas,
não podemos deixar de suspeitar de que o problema não é esse.
É uma infelicidade que o primeiro país a entrar em crise tenha sido
a Grécia, na medida em que os seus problemas possibilitaram à Alemanha e a outros países focarem-se nos alegados fracassos gregos, e
em particular no seu desregramento fiscal, ignorando os problemas
que afligiam outros países que não tinham dívidas e défices elevados
(pelo menos, até à crise). Antes da crise, a Espanha e a Irlanda geriam
excedentes (as suas receitas excediam as suas despesas) e ambos os
países tinham um baixo rácio dívida pública/PIB. Se estivesse correta
a teoria da Alemanha de que os défices e as dívidas eram as causas das
crises – sendo, assim, o reforço das restrições ao défice e à dívida a
melhor política de prevenir a crise –, então a Espanha e a Irlanda
nunca deveriam ter entrado em crise. No rescaldo da crise mundial de
2008, ambos os países registaram défices e dívidas elevados – mas foi
o aprofundamento da crise e a sua longa duração que conduziram a
esses défices e dívidas, e não o contrário.
Herbert Hoover volta a falhar
As críticas ao euro centraram-se nos «programas» impostos aos
países em crise que necessitaram de assistência – Portugal, Irlanda,
Grécia, Espanha e, mais tarde, Chipre. Concebidos pela Troika – o
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triunvirato constituído pelo Fundo Monetário Internacional, pelo
Banco Central Europeu e pela Comissão Europeia –, esses programas
requeriam que os países em crise delegassem efetivamente vários elementos da sua soberania económica aos seus «parceiros», em troca da
assistência. O dinheiro é emprestado ao país em crise (raramente é
dado), mediante condições rigorosas. O empréstimo, a par das suas
condições e da calendarização para as aplicar, é chamado programa.
Ao contrário dos empréstimos convencionais, em que os credores
acrescentam, por regra, condições que aumentam a probabilidade de
o empréstimo ser pago, os condicionalismos impostos pela Zona
Euro estendem-se a áreas que não estão diretamente ligadas ao reembolso do empréstimo. Há uma tentativa de assegurar que as práticas
económicas do país em questão se mantêm em conformidade com o
que os ministros das finanças da Zona Euro (dominados, em particular, pela Alemanha) pensam que ele deve fazer. Este tipo de coerção
teve o efeito contrário: as condições impostas levaram frequentemente
à contração económica, tornando menos provável o pagamento dos
montantes emprestados.
Estes programas salvaram, de facto, os bancos e os mercados
financeiros, mas falharam em tudo o resto: o que deveria ter descido
subiu; e vice-versa. A dívida subiu, quer em termos absolutos, quer
em relação ao PIB, sendo, por isso, menos sustentável. Em muitos
dos países em crise, a desigualdade aumentou, assim como o número
de suicídios23 e o sofrimento coletivo, e os rendimentos continuam
baixos. À data da elaboração deste livro, apenas um dos países em dificuldades (a Irlanda) regressou aos níveis do PIB pré-crise. As previsões da Troika ficaram consistentemente muito aquém do esperado.
Ela previra que estes países regressariam rapidamente ao crescimento,
embora se tenha verificado que a profundidade e a duração das recessões foram muito maiores do que tenha sido estimado pelos seus
modelos.
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A austeridade
Cada um dos programas era composto por duas vertentes fundamentais: a macroeconomia, centrada em cortes nas despesas, e as
reformas estruturais.
Os poderes dominantes da Zona Euro não só acreditavam (erradamente) que os baixos défices e dívidas evitariam as crises, como
julgavam que o melhor caminho para a recuperação da saúde de um
país em recessão era uma grande dose de austeridade – os cortes nas
despesas pretendiam reduzir o défice.
Herbert Hoover era o presidente dos Estados Unidos da América
à data do colapso da bolsa de valores em 1929; as suas políticas de
austeridade converteram esse colapso na Grande Depressão. Desde
Hoover, essas políticas têm sido aplicadas vezes sem conta, falhando
sempre: mais recentemente, o FMI tentou aplicá-las na Argentina e
no Leste Asiático. O capítulo 7 explicará em maior detalhe porque
elas falharam aí e também na Europa. Em suma, foram incapazes de
restituir a prosperidade; pior: agravaram a recessão. A austeridade teve
sempre, em todo o lado, os efeitos de contração observados na
Europa: quanto maior for o nível de austeridade, maior será a contração económica. A razão para a Troika ter considerado que desta vez
seria diferente é incompreensível.
Reformas estruturais
O segundo aspecto de cada programa era uma miscelânea de alterações das «regras do jogo» económico e político apelidadas de reformas estruturais. Pese embora a Troika julgar que era a despesa excessiva
que estava na base da crise, não deixou de reconhecer o problema
levantado pela inflexibilidade do euro.
Os países em crise não conseguiam baixar a sua taxa de câmbio,
para poderem impulsionar o seu comércio ao tornar as exportações
menos dispendiosas. Assim, no entender da Troika, para recuperar a
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«competitividade» dever-se-ia reduzir os ordenados e os preços e reestruturar a economia em termos de eficiência, acabando, por exemplo,
com os monopólios. Infelizmente, a Troika fez um mau trabalho ao
identificar as reformas estruturais críticas. Algumas focaram-se em
trivialidades; outras poderiam ser importantes para os níveis de vida
a longo prazo, mas tinham poucos efeitos no défice da balança corrente.24 O capítulo 8 mostrará que algumas reformas eram mesmo
contraproducentes, pelo menos a curto prazo, no que diz respeito à
recuperação da saúde económica.
É evidente que algumas das reformas da Troika conduziram à
redução dos ordenados, quer diretamente (ao enfraquecerem o poder
de compra dos trabalhadores), quer indiretamente (ao aumentarem o
desemprego). A Troika esperou que a redução dos ordenados resultasse na redução dos preços da exportação e, consequentemente, no
aumento das exportações. Na maior parte dos casos, porém, o
aumento das exportações foi dececionante.
Havia, sem dúvida, caminhos alternativos que a Zona Euro poderia ter tomado para chegar ao ajustamento. Se os ordenados e os
preços tivessem aumentado na Alemanha, o valor do euro teria caído
e, deste modo, os países em crise teriam ficado globalmente mais
competitivos. Esta teria sido uma forma de ajustamento muito mais
eficaz – os custos exigidos à Alemanha teriam sido pequenos, quando
comparados com aqueles que estão a ser agora impostos aos países
em crise. Este cenário, porém, faria recair uma parte mais significativa
do fardo do ajustamento sobre a Alemanha, que não estava disposta
a isso. A Alemanha tornou-se a potência dominante da Zona Euro e,
como tal, pode assegurar-se de que todo o esforço de ajustamento
recai sobre os seus «parceiros» mais pobres, os países em crise.
Por isso, quer a austeridade quer as reformas estruturais falharam
na recuperação da prosperidade para esses países. Ao culpá-los e ao
focar-se nos défices fiscais, a Alemanha, a par de outros intervenientes
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na Zona Euro, diagnosticou erradamente a fonte do problema. O que
é necessário não passa tanto pela reforma estrutural de países isolados
– principalmente quando ela é tão mal concebida, inoportuna e, até,
contraproducente – quanto, e muito mais, pela reforma estrutural da
Zona Euro. É óbvio que qualquer país necessita de reformas estruturais. Nos Estados Unidos, por exemplo, o sistema de saúde, a educação, a energia, a propriedade intelectual e os transportes deveriam ser
objeto de reformas. Os países que não as fazem a tempo acabarão por
ver os seus níveis de vida afetados; para os países mais pobres – como
a Grécia –, elas são particularmente relevantes. Há, sem dúvida, algo
que os está a limitar. A conveniência dessas reformas não é a questão.
No entanto, as reformas bem sucedidas necessitam de um planeamento e um ritmo criteriosos e da participação dos cidadãos, isto é,
da sua capacidade para se darem conta dos benefícios das políticas
adotadas. De pouco importa dizer que, algures no futuro, essas políticas trarão melhores condições de vida.25
A Troika tem feito um péssimo trabalho no que diz respeito a
convencer os cidadãos dos países onde tem tentado impor reformas
estruturais da importância que estas têm, por um lado porque a calendarização e o planeamento estão errados e, por outro, porque muitas
destas reformas são, no mínimo, questionáveis. Nenhum vendedor,
por melhor que fosse, conseguiria «vendê-las». Apresentaremos várias
provas desta constatação nos capítulos que se seguem.
O quebra-cabeças das políticas contraproducentes
Em relação aos programas adotados nos países em crise, não
poderemos deixar de nos perguntar porque é que os credores (a
Troika) imporiam condições contraproducentes e passíveis de reduzirem a probabilidade de pagamento. Terão mesmo pensado que os
seus programas restaurariam rapidamente a prosperidade? O facto de
as suas previsões estarem erradas, de forma repetida e em grande
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escala, é consistente com esta hipótese. Todavia, dada a história de
fracasso dos programas de austeridade, temos de questionar a razão
pela qual se julgou que eles iriam resultar na Europa, quando tinham
falhado no resto do mundo.
Sugeri anteriormente parte da resposta: a ideologia, permeada de
convicções profundas sobre o modo como a economia funciona, que
pouco ou nada muda quando surgem provas em contrário. Mesmo os
«modeladores» mais técnicos que fornecem previsões numéricas para a
economia são influenciados, de alguma forma, por essas convicções.26
Contudo, não reside apenas aqui a explicação completa. Alternativamente, poderá ter havido uma agenda política: o afastamento de
governos de esquerda, transmitindo aos eleitores noutros países as
consequências de os elegerem e tornando assim mais provável que
uma agenda conservadora do ponto de vista económico e social possa
prevalecer mais amplamente na Europa. Algumas conversas com líderes europeus envolvidos na crise do euro levaram-me a fortalecer a
ideia de que esta agenda teve a sua importância.27
Além disso, os governos são instituições complexas. As disposições subjacentes ao modelo social europeu – o sistema económico da
Europa, que combina uma economia de mercado com fortes sistemas
de proteção social e que apresenta, em regra, um envolvimento mais
ativo dos trabalhadores na tomada de decisões económicas do que o
que caracteriza o «capitalismo acionista» norte-americano28 – têm frequentemente pouco apoio por parte dos ministros das Finanças, os
verdadeiros arquitetos dos programas impostos aos países em crise.
É possível que os ministros das Finanças vejam aqui uma possibilidade
de fazer fora de portas o que não conseguem fazer nos seus países.
Por fim, houve muito quem defendesse a existência de um elemento de revanchismo, quase de raiva – pelo menos nas condições
impostas à Grécia – contra o aparente desafio aos líderes, tal como
quando decidiram organizar um referendo para avaliar o apoio
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popular aos programas impostos (ver o capítulo 10). É difícil acreditar
que, na Zona Euro, dirigentes responsáveis fizessem uma nação inteira
sofrer apenas por discordarem da escolha que ela fez relativamente
aos seus líderes, ou que, por rancor, impusessem condições que considerassem não servir os melhores interesses do país. Ainda assim, o
tom de algumas discussões deixou a impressão de que este pode muito
bem ter sido o caso.
Solidariedade e entendimentos económicos comuns
Quando um grupo de países partilha uma moeda comum, o
sucesso requer mais do que apenas boas instituições. (O tipo de instituições em causa será abordado mais detalhadamente nos últimos
capítulos.) Para que as reformas sejam bem sucedidas, têm de ser
tomadas decisões, as quais virão a refletir o entendimento e os valores
de quem as tomou; têm de existir entendimentos comuns sobre o que
confere êxito a uma economia e sobre um nível mínimo de «solidariedade», ou coesão social, em que os países em posições mais favoráveis ajudam os que mais necessitam de apoio.
Hoje em dia, não há este tipo de entendimento, nem nenhum
sentido real de solidariedade. A Alemanha tem dito vezes sem conta
que a Zona Euro não é uma «união de transferências», ou seja, um
grupo económico em que um país transfere recursos para outro, ainda
que apenas temporariamente e num período de necessidade. De facto,
da mesma forma que desde o deflagramento da crise levou a uma
divergência económica entre os Estados-membros, o passar dos anos
levou também a uma divergência de convicções.
Os líderes da Zona Euro, é claro, apontam para os seus repetidos
«sucessos» na celebração de acordos difíceis. O compromisso é a
essência da democracia, defendem eles com razão, e o processo é
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lento. Contudo, por vezes, os compromissos podem ser prejudiciais,
faltando-lhes o nível mínimo de coerência necessário para atingir o
sucesso económico. Aquilo de que os líderes da Zona Euro se vangloriam é mais frequentemente descrito como um «deixar andar».
É possível que este caminho possa continuar, pelo menos durante
mais alguns anos. A cada momento, o país afetado pode dizer: «Tendo
investido tanto para permanecer no euro, compensará, por certo,
fazermos o pequeno esforço adicional que nos é pedido – mesmo que
isso prolongue e aprofunde a depressão económica». Ao pensar assim,
este país desafia o princípio económico básico de deixar no passado
o que é do passado, juntando ainda mais erros aos erros anteriores.29
Cada uma das partes vai-se agarrando às palavras, procurando a confirmação do sucesso do programa.30
Os governos dos países afetados não querem dizer aos seus cidadãos que se sacrificaram em vão. Os dirigentes à data de uma decisão
de abandonar a moeda sabem que haverá agitação e uma grande probabilidade de, no rescaldo, serem afastados dos seus cargos. Sabem
que, independentemente dos verdadeiros culpados, recairá sobre eles
o grosso das críticas, caso o processo não corra bem. Por isso, um
pouco por todo o lado, há fortes incentivos não apenas para deixar
correr as coisas, mas também para reclamar vitória perante a mais
fraca das evidências: uma ligeira descida do desemprego, um ligeiro
aumento das exportações – qualquer sinal de vida da economia é agora
fundamento para reivindicar o êxito dos programas de austeridade.
E as recessões acabarão por chegar ao fim. Acabam sempre. Porém,
o sucesso de uma política económica deve ser avaliado com base na
profundidade e na duração da queda antes da recuperação, no nível de
sacrifício e em quão adversos serão os impactos no desempenho económico futuro. Neste sentido, por mais que os líderes políticos europeus pintem um cenário cor-de-rosa para os programas que impuseram
aos países em crise, os programas não deixam de ser um fracasso.
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O EURO
Houve algumas reformas na Zona Euro que merecem ser celebradas. O Mecanismo Europeu de Estabilidade, uma nova instituição
da UE financiada pelas vendas de obrigações31 e capitais oriundos dos
países da Zona Euro, cede empréstimos aos países em dificuldade e
tem ajudado a recapitalizar os bancos espanhóis. No entanto, parte
do que foi acordado até ao momento é uma outra via, que pode acabar
por se revelar pior do que se não existisse. No capítulo 8, veremos
como as reformas atuais do sistema bancário podem, na realidade,
agravar o problema da divergência económica referido anteriormente.
O problema de fundo: o fundamentalismo
de mercado – a ideologia prevalece
O problema não é apenas a falta de consensos alargados sobre as
medidas necessárias para o funcionamento saudável de uma economia
e da Zona Euro, mas sobretudo o facto de a Alemanha ter usado o
seu domínio económico para impor as suas perspetivas, embora estas
sejam rejeitadas por uma parte considerável da Zona Euro e pela
maioria dos economistas. É verdade que, em algumas áreas – como
na previsão da crise de 2008 –, a maioria dos economistas não se saiu
bem. Mais adiante, contudo, explicarei em que é que eles tinham especialmente razão sobre os efeitos da austeridade.32
O fundamentalismo de mercado referido antes assume que os
mercados são, em si mesmos, eficientes e estáveis. Adam Smith, muitas vezes visto como o padrinho desta perspetiva, argumentou, na
realidade, o contrário, dizendo que havia uma função importante a
desempenhar pelo Estado. Algumas das investigações económicas
realizadas no último meio século revelaram o pressuposto de que os
mercados não são eficientes e estáveis, avançando com explicações e
esclarecendo o que os governos podem fazer para melhorar o bem-estar social.33
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Hoje em dia, até os fundamentalistas do mercado (por vezes também referidos como «neoliberais») admitem que é necessária a intervenção do Estado para manter a macroestabilidade – apesar de, por
norma, defenderem que esta intervenção se deve limitar a políticas
monetárias baseadas em regras focadas na estabilidade dos preços – e
para assegurar os direitos de propriedade e o cumprimento de contratos. De outro modo, as regulamentações e as restrições devem ser
eliminadas. Não há nenhuma lógica económica nesta conclusão – ela
desafia um significativo conjunto de investigações que confirmam a
necessidade de o Estado desempenhar um papel mais abrangente.
O mundo pagou um preço elevado por esta devoção à religião do
fundamentalismo de mercado/neoliberalismo, e agora é a vez da
Europa. Nos capítulos finais deste livro, abordaremos o papel que
estas ideias equivocadas tiveram na arquitetura da Zona Euro e na
conceção de respostas políticas à crise, à medida que esta foi evoluindo, e aos desequilíbrios e distorções que surgiram antes de 2008.
A Zona Euro incorporou muitos desses princípios neoliberais na
«constituição» da moeda, sem assegurar a flexibilidade necessária para
responder à alteração das circunstâncias ou um entendimento revisto
sobre o modo como as economias funcionam. Em virtude disso, o
Banco Central Europeu tem-se centrado apenas na inflação – mesmo
em períodos de elevado desemprego.
A crença de que os mercados são eficientes e estáveis significou
também que o BCE e os bancos centrais de cada Estado-membro
evitaram fazer fosse o que fosse em relação à bolha do sector imobiliário, que foi crescendo em muitos deles até meados da década de
2000. De facto, um dos princípios básicos da Zona Euro era o de que
o capital poderia transitar livremente através das fronteiras – mesmo
quando servia para criar bolhas imobiliárias – mas, é claro, segundo a
ideologia do fundamentalismo de mercado os mercados não criam
bolhas.
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O EURO
Recordo-me de, em plena bolha do sector imobiliário espanhol
– que deveria ter sido evidente para todos –, eu ter sugerido a um
administrador do banco central espanhol que fossem tomadas medidas para a travar. Como é agora evidente, os riscos para a economia
eram enormes caso a bolha rebentasse. A resposta roçou a perplexidade: estava eu a sugerir que o Estado era mais inteligente do que o
mercado?
Os banqueiros centrais com fortes crenças no mercado livre têm
um mantra comum, partindo da eficiência e da estabilidade dos mercados: não se consegue dizer com certeza se existe ou não uma bolha.
Mesmo que exista, os únicos mecanismos políticos disponíveis pouco
podem fazer a esse respeito e/ou acabam por distorcer a economia.
E é muito melhor simplesmente tratar dos problemas depois de a
bolha rebentar, do que distorcer a economia com base na preocupação
de que poderá existir uma bolha.
Estas convicções prevaleceram, apesar de a crise do Leste Asiático,
na década de 1990, ter demonstrado que a má conduta do sector privado – e não a do Estado – poderia gerar uma crise económica.
As convicções sobre o funcionamento da economia são muito
importantes, não surpreendendo que o resultado de um projeto económico tão influenciado por conceitos imperfeitos tenha ficado
aquém das expectativas. No entanto, por mais imperfeita que fosse a
sua origem, o euro poderia ter resultado, se certos pormenores tivessem sido corrigidos. Até esta falha de atenção aos pormenores pode,
em parte, ser explicada pela ideologia segundo a qual as forças de
mercado dominam e prevalecem, independentemente dos enquadramentos institucionais, desde que seja dado aos mercados espaço suficiente para fazerem operar a sua magia. A ideologia originou a crença
de que, com a livre mobilidade do trabalho e do capital, a eficiência
económica estaria garantida. Veremos mais tarde porque é que, sem
um seguro de garantia de depósitos comum no sistema bancário (em
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que uma única entidade garante os depósitos em toda a Zona Euro)
e sem um sistema de dívida partilhada, a livre mobilidade da mão-de-obra e do capital garantem que a eficiência económica não é
alcançada.
Sugestões de um défice democrático
Embora, como já vimos, fossem dominantes em muitos ministérios das Finanças e bancos centrais, as perspetivas neoliberais estavam
longe de ser universalmente partilhadas, mesmo no seio dos próprios
países onde detinham influência sobre o ministério das Finanças. Em
todos os países existem diferenças de perspetiva sobre a economia,
sendo o neoliberalismo mais forte nos ministérios das Finanças e
tesourarias e mais fraco nos ministérios do Trabalho e da Educação.
Em boa verdade, o modelo social europeu, com os seus fortes sistemas de proteção social, é bem acolhido em todo o continente.
Em qualquer democracia, as perspetivas específicas dos ministérios das Finanças e dos bancos centrais devem ser – e normalmente são – escrutinadas e ajustadas; mas, dada a estrutura decisória
dos organismos supranacionais, como a UE e a Zona Euro, esse
ajuste é muito menos aparente. Nas atuais estruturas da Zona Euro
e da UE, e especialmente à medida que o poder sobre as decisões
económicas dos países em crise vai sendo reduzido e delegado na
Troika, as perspetivas dos ministérios das Finanças e do BCE
tornam-se dominantes.
Quer as reformas estruturais, quer os ajustes macroeconómicos
foram vistos como programas económicos, devendo assim ser concebidos por especialistas oriundos dos ministérios das Finanças e do BCE.
Porém, esses programas afetaram quase todas as dimensões sociais de
modo indelével. Por exemplo, quando os programas estavam a ser
desenhados para a Grécia e para outros países em crise, era frequente
que os ministérios do Trabalho não fossem envolvidos de maneira
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significativa no processo de formulação das disposições relativas aos
mercados de trabalho e aos sindicatos. A Europa pode fingir que, no
fim, todos foram consultados; afinal de contas, o programa apenas
seria posto em prática depois de aprovado pelo parlamento do país.
No entanto, essa aprovação era dada como se uma arma lhes tivesse
sido apontada à cabeça: era sim ou não, normalmente num prazo
reduzido, pairando no ar o cenário em que um «não» lançaria o país
numa crise profunda.
Teorias de reforma
Um dos fracassos decorrentes do neoliberalismo foi partir do pressuposto de que, em função de o modelo dos mercados perfeitos ser o
ideal a que deveríamos aspirar, quaisquer «reformas» que nos levassem
na direção desse modelo eram desejáveis. Contudo, mais de meio
século antes, essa ideia fora descredibilizada por aquela que viria a ser
chamada «teoria do segundo melhor», iniciada pelo economista galardoado com o Prémio Nobel James Meade, pelo meu colega da Universidade de Columbia Kelvin Lancaster e por Richard Lipsey.34 Eles
mostraram que eliminar uma distorção na presença de outras distorções poderia piorar ainda mais a economia. Por exemplo, na ausência
de bons mercados de risco (nos quais se pode comprar seguros contra
todos os riscos a um preço razoável), reduzir as barreiras comerciais
conduz, frequentemente, a um risco acrescido; este, por sua vez, leva
as empresas a mudarem a sua produção para atividades que geram
retornos menores, mas que são mais seguras; e o efeito é que, na prática, todos ficam pior, em claro contraste com as situações em que os
mercados de risco são perfeitos.35
Outros exemplos de economias baseadas na teoria do segundo
melhor têm desempenhado um papel significativo no insucesso europeu: a livre circulação de capital poderia fazer sentido se houvesse
informação perfeita. O dinheiro poderia assim fluir de utilizações de
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baixo retorno para as de retorno elevado. Quando um país entrasse
em recessão, o dinheiro seria direcionado para esse país, de modo a
ajudá-lo. Os fluxos de capital seriam contracíclicos – aumentando em
períodos de vulnerabilidade, diminuindo em períodos favoráveis,
compensando o ciclo económico e ajudando a estabilizar a economia.
Na realidade, as evidências provam o contrário. E a razão para isso é
que os mercados de capitais estão repletos de imperfeições. Qualquer
banqueiro sabe que não se deve emprestar dinheiro a quem realmente
precisa dele. É por isso que a integração do mercado de capitais foi
várias vezes associada ao aumento da volatilidade económica – os
fluxos são pró-cíclicos e amplificam as flutuações económicas. Em
termos mais abrangentes, um pouco por todo o mundo, o capital tem
fluído dos países pobres, onde é escasso, para os países ricos – ocorrendo exatamente o oposto do previsto pelas teorias neoliberais. No
capítulo 5, serão examinadas outras razões que fizeram com que o
livre fluxo do capital – na nossa realidade do segundo melhor – tenha
contribuído para a divergência, com os países ricos da Europa a ficarem mais ricos ainda, à custa dos países mais pobres.
Um mundo alternativo é possível
A Europa tem de escolher. Existem alternativas às atuais estruturas e políticas. Uma delas passa por apostar nas reformas estruturais
e políticas da Zona Euro sugeridas neste capítulo (e aprofundadas no
capítulo 9), dando ao euro uma hipótese para realmente funcionar.
Essas reformas partem da premissa de que o euro é um projeto
que abarca toda a Europa e que requer reformas fundamentais na
estrutura e nas políticas da Zona Euro. Os problemas foram criados
coletivamente e, por isso, a única solução passa por uma resposta
conjunta.
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O EURO
As reformas baseiam-se em perspetivas económicas diferentes
daquelas que, atualmente, subjazem à estrutura da Zona Euro. São
desenhadas para promover a convergência e incluir um sistema de
garantia de depósitos bancários comum a toda a Zona Euro e alguma
forma de financiamento comum, como o eurobond.
Essas reformas reconhecem que a austeridade, por si só, não traz
crescimento e que existem políticas capazes de o recuperar mais rapidamente, assim como restaurar, com menos sacrifícios, a prosperidade
nos países afetados. A adoção dessas políticas requer alguma solidariedade dentro da Zona Euro.
Outra alternativa é a cuidadosa preparação do fim do euro, tal
como existe hoje, talvez com a saída de alguns países ou com a divisão
da Zona Euro em duas ou mais áreas monetárias. A desintegração vai
ser dispendiosa – mas também o é continuarem juntos sem fazerem
as reformas necessárias. A atual estratégia de «deixar andar» é bastante
onerosa. Nenhuma destas alternativas é agradável.
O euro é frequentemente descrito como um mau casamento e, em
várias passagens deste livro, farei uso desta metáfora. Um mau casamento envolve duas pessoas que nunca se deveriam ter juntado e que
fazem votos supostamente indissolúveis. No caso do euro, a questão
é mais complicada: é uma união de 19 países muito diferentes. Quando
um casal que passa por problemas recorre a aconselhamento matrimonial, os conselheiros da velha guarda tentam encontrar uma solução que faça o casamento funcionar, ao passo que os conselheiros
«modernos» começam por perguntar: este casamento deve ser salvo?
Os custos da dissolução – quer financeiros, quer emocionais –
podem ser muito elevados. Contudo, os custos de permanecerem
juntos podem ser ainda maiores. Uma das primeiras lições da economia é a de que o que aconteceu no passado deve ficar no passado.
Dever-nos-emos perguntar: dado o ponto em que estamos, o que
deveremos fazer? Ao fazer esta pergunta relativamente à Europa, de
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pouco vale dizer: «Eles nunca deveriam ter casado». É também errado
ignorar os laços emocionais criados durante os anos de matrimónio.
Ainda assim, há circunstâncias em que, tendo em consideração a história, é melhor cada um seguir o seu caminho.
Muitos manifestaram já a sua preocupação com a possibilidade de
o fim do euro se traduzir numa grande agitação na Europa e nos
mercados financeiros mundiais, exacerbando os problemas por que a
Europa já passa atualmente. Isso pode, de facto, acontecer, mas não
é uma condição necessária: existem vários caminhos para terminar
este casamento com calma, sem traumas. Apresentarei um desses
caminhos no capítulo 10.
Se a Zona Euro escolher esse caminho ou para ele for impelida, a
dissolução não requererá uma Europa em que cada país tenha a sua
própria moeda. Muitos países podem partilhar a mesma moeda –
eventualmente os países do Norte da Europa ou os do Sul. Porém,
uma Zona Euro de 19 países, programada para um alargamento ainda
maior, talvez deva ser encarada como uma experiência interessante
– como tantos outros acordos monetários, de que é exemplo o Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio (MTC) que a precedeu, entre
1979 e 1999, e que tentou manter as taxas de câmbio dos membros
do MTC num registo de pequenas flutuações.36
Existe uma outra alternativa, cujo esboço é apresentado no capítulo 11: o euro flexível – uma disposição monetária pela qual um país
continua a negociar em euros, mas em que um euro grego pode não
equivaler a um euro cipriota ou a um euro alemão. Para os que pretendem manter acesa a chama da união monetária, o euro flexível
aponta um caminho em frente, reconhecendo que, hoje em dia, não
existe nem a solidariedade política suficiente, nem os consensos alargados sobre os fundamentos económicos que permitam levar a cabo
as reformas necessárias para o bom funcionamento da moeda única;
mas reconhecendo também que existem entendimentos comuns e
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O EURO
solidariedade política suficientes para que não se deixe simplesmente
cair a ideia da moeda comum. Um euro flexível assenta nas metas
alcançadas e nos sucessos da Zona Euro, mas baseia-se na realidade.
Sem utilizar estes termos, e sem uma total consciência das implicações das suas ações, a Europa criou já, parcialmente, um sistema
deste tipo (com carácter temporário) no Chipre e na Grécia.
A ambição a longo prazo do euro flexível (ou do sistema de múltiplas taxas de câmbio europeias descritas antes) poderá levar a uma
moeda única, a uma união monetária plena – mas a definição de etapas
e o ritmo são cruciais. Nos primórdios da integração, a Europa pareceu reconhecer isto: a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço
(fundada em 1952) foi evoluindo gradualmente para a União
Europeia.
A Europa caminhou depressa demais para a união monetária
plena, sem se assegurar de que as mudanças necessárias ao seu sucesso
seriam cumpridas. Se a Europa estiver, de facto, empenhada na integração monetária, essas mudanças poderão ocorrer, embora seja previsível que passem anos ou até décadas antes de isso se verificar.
O euro flexível preserva o conceito de uma moeda única, mas cria um
enquadramento suficientemente flexível para que realmente funcione
– ou seja, em vez de conduzir ao declínio associado ao regime atual,
poderia restaurar o pleno emprego37 e um crescimento elevado.
Quando a solidariedade entre os parceiros europeus aumentar e as
demais instituições e condições essenciais ao funcionamento de uma
moeda única forem implementadas, o intervalo dentro do qual os
diferentes euros variam poderá ser gradualmente reduzido, até ao
ponto de existir apenas uma única moeda.
A urgência
De nada servirá dizer: «Sim, sabemos que precisamos de uma
união bancária [reforma discutida mais adiante neste livro], mas temos
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de a construir com cuidado, e isso demorará anos». Esses anos serão
anos de crescente sofrimento, de danos irreversíveis, em que as promessas do projeto europeu sairão ainda mais goradas. No meu entender, as consequências de tal percurso são quase indistinguíveis das do
«deixar andar», mantendo em aberto a esperança de futuras reformas
que asseguram que o euro não se dissolve, mas prejudicando inaceitavelmente os cidadãos dos países em dificuldades.
Em síntese, a Europa deve caminhar no sentido de uma de duas
direções: «mais Europa» ou «menos Europa». Significa isto fazer uma
escolha: a) implementar as reformas que possam fazer o euro funcionar
para toda a Europa. Optar por fazê-lo requereria mudanças não apenas
no modo como a Zona Euro funciona, mas também no fomento à
maior integração económica – por exemplo, um sistema de seguro de
garantia de depósitos comum a toda a Europa. Estas mudanças estão
longe de ser revolucionárias – têm resultado um pouco por todo o
lado fora da Europa – e o papel da autoridade «central» poderia, ainda
assim, ser muito menor do que é do outro lado do Atlântico, nos
Estados Unidos, mas muito maior do que é atualmente na Zona Euro.
Ou b) reduzir a escala do projeto monetário, que poderá assumir uma
variedade de formas (descritas em capítulos posteriores). Poderia ser
feito, por exemplo, com a saída de apenas alguns países – explicarei
mais adiante porque é que a forma mais fácil e menos dispendiosa é
a saída da Alemanha. Em alternativa, e à custa de maiores sacrifícios,
poderia ser feito com a saída de alguns dos países da «periferia». Uma
terceira alternativa seria a formação de dois blocos, existindo um euro
do Norte e um euro do Sul. Uma quarta abordagem é a do euro flexível sugerida no capítulo 11. No entanto, o atual cenário de casa de
recuperação é insustentável, e tentar mantê-lo apenas conduzirá a
custos económicos, sociais e políticos inauditos.
Pode ser tentador pensar, de um ponto de vista meramente económico/
tecnocrático, que a primeira hipótese é a melhor. Contudo, como analista
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político, não apostaria num caminho de «ir-se desenvencilhando»,
implementando um número mínimo de reformas que impedem o
colapso do euro, mas não permitem uma verdadeira recuperação, pelo
menos num futuro próximo. Poderemos chamar a este caminho o
caminho da diplomacia arriscada, que dá aos países a assistência necessária para manterem a sua esperança, mas não a suficiente para promoverem uma recuperação robusta. Contudo, o perigo da diplomacia
arriscada é que, por vezes, se vai além do limite.
Se a análise efetuada neste livro estiver correta, a crise do euro está
longe de acabar. A Grécia continuará em dificuldades. Não conseguirá
pagar a sua dívida. A Alemanha poderá fingir o contrário, dizendo que
as dívidas apenas têm de ser «reestruturadas» – isto é, estender os
pagamentos por décadas. Todavia, estes jogos não são mais recomendáveis do que qualquer outra hipocrisia. A Zona Euro será atingida
por outros choques e os países mais debilitados serão, de novo, atirados para a crise – tal como existe hoje, a Zona Euro pura e simplesmente não tem a flexibilidade necessária para que os mais frágeis
saiam beneficiados e, na melhor das hipóteses, prevê-se que o seu
crescimento seja muito lento.
O euro foi sempre um meio para atingir um fim e não um fim em
si mesmo. Os sistemas monetários podem aparecer e desaparecer.
O maior feito da era pós-Segunda Guerra Mundial – o sistema monetário de Bretton Woods – durou menos de três décadas. Antes de mais,
devemos lembrar-nos dos seus principais objetivos: prosperidade partilhada dentro da Europa e maior integração económica e política.
Cada vez mais, a união monetária parece um desvio bem-intencionado
na tentativa de atingir essas metas mais elevadas.
Há, em alternativa, melhores formas de acolher a integração política europeia do que a união monetária, que, na realidade, tem minado
todo o projeto europeu. O melhor caminho em frente necessita que
se crie um entendimento partilhado sobre os princípios económicos
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fundamentais, indo além do fundamentalismo de mercado que ainda
prevalece na Zona Euro. É fundamental, também, que a maior solidariedade seja diferente do típico compromisso de seguir cegamente
regras mal concebidas que, à partida, conduzem à depressão económica e à divergência.
O atual caminho deve ser considerado inaceitável. A Europa não
precisa de abandonar o euro para salvar o seu projeto de integração,
cuja importância é inegável não só para ela, mas para todo o mundo.
Não obstante, há, no mínimo, a necessidade de operar as mudanças
de fundo que estão neste momento a ser discutidas. Se, ainda assim,
não se conseguir levar a cabo essas reformas – se elas se afigurarem
politicamente inviáveis, em função de uma falta de solidariedade
e/ou de um entendimento partilhado do que é necessário para o bom
funcionamento de uma moeda comum –, então a própria questão da
existência do euro terá de ser reequacionada.
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