Artigo de atualização Febre Amarela Urbana como Virose

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Artigo de
atualização
Febre Amarela Urbana
como Virose Reemergente –
Abordagem Homeopática
Yellow Fever (urban type) – a Recurrent Infectious Disease:
Homeopathic Treatment
JORGE
R E G I N A RO D R I G U E S 1 ,
L U I Z A N T O L I N I 2 , L A U RO P I N H E I RO 3
m
Unitermos: Febre amarela, Homeopatia, Arbovirus, Saúde pública.
m
I NTRODUÇÃO
A febre amarela é uma doença infecciosa
aguda, que evolui com quadros clínicos de
diferentes graus de gravidade. A doença é
produzida por um arbovírus e transmitida por
meio da picada do mosquito Aedes aegypti, em
sua forma urbana. Este é o mesmo vetor do
dengue, cujos índices de infestação são
considerados relevantes no estado do Rio de
Janeiro. Além de sua forma urbana, há ainda a
forma silvestre cujo responsável pela transmissão
é o Haemagogus. Para se controlar a forma urbana
da febre amarela são necessárias a prevenção e
erradicação do mosquito Aedes aegypt.
Não há, até o momento, um tratamento
alopático específico antiviral para combater a
doença, embora a substância ribavirina esteja
sendo testada como possibilidade terapêutica1. As
medidas preventivas utilizadas pela Saúde Pública
para evitar a febre amarela são a vacinação a
partir dos seis meses de idade para situações
epidemiológicas específicas1,2 além da terapêutica
sintomática para os casos leves e os cuidados
intensivos, com especial atenção aos sistemas
cardiopulmonar e renal e às alterações da
coagulação sanguínea, para os casos mais graves.
A Homeopatia, por outro lado, apresenta
uma ampla experiência histórica na abordagem
da doença3 e um vasto arsenal terapêutico que
1. Médica Homeopata, Pediatra e Epidemiologista da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.
2. Médico Homeopata e Geriatra. Coordenador do Curso de Formação de
Especialista em Homeopatia para Médicos do Instituto Hahnemanniano do Brasil.
3. Médico Homeopata.
Trabalho apresentado no XXV Congresso Brasileiro de Homeopatia, realizado em 2000, no Rio de Janeiro (RJ).
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Homeopat. Bras., 8(1): 44-48, 2002
A r t i go de
atualização
cobre desde os sintomas gerais dos casos brandos
até o comprometimento de órgãos vitais,
característico nos casos mais severos.
No presente estudo, fez-se uma revisão
bibliográfica sobre o tema, incluindo-se a
literatura médico-homeopática, epidemiológica
e clínica, correlacionando-se os principais
sintomas nas formas leve, moderada e grave da
doença com as patogenesias dos medicamentos
homeopáticos apontados pelos repertórios. Além
desses medicamentos, ainda foram levados em
consideração aqueles citados por homeopatas
experientes no manejo da febre amarela em
epidemias passadas3,4 , demonstrando-se, assim, as
possibilidades terapêuticas existentes na
Homeopatia para o tratamento da enfermidade.
Aspectos Clínicos e
Epidemiológicos da Febre Amarela
Após a inoculação do vírus no organismo
ocorre viremia e, conseqüentemente, a sua
multiplicação nos gânglios linfáticos, fígado, rins,
coração, sistema nervoso central, baço e
pâncreas1,5,6.
O quadro clínico tem início de forma
abrupta, com febre alta, cefaléia, mialgias,
prostração, calafrios, náuseas, vômitos e, por
vezes, diarréia podendo levar à hipovolemia. Em
um período de 48 a 72 horas, pode haver
regressão total do quadro ou evolução
acarretando diversas complicações como, por
exemplo, hemorragias gastroentéricas,
hepatomegalia, icterícia ou a forma mais grave e
característica da doença: a íctero-hemorrágicarenal5,6. Nesta forma, além dos sintomas já
descritos, ocorre oligúria ou mesmo anúria,
com elevadas taxas de letalidade devido à
extensa destruição de células hepáticas e renais.
Os pulmões também podem se apresentar
congestos e com grandes áreas de hemorragia
intra-alveolar5,6.
Homeopat. Bras.
Felizmente, a grande maioria dos quadros de
febre amarela correspondem às formas leves,
estando as formas graves limitadas a cerca de
10% do total de casos5,6. Contudo, a letalidade
dos casos graves, que necessitam de
hospitalização, oscila entre 40 e 60% 10.
O diagnóstico laboratorial específico da
febre amarela é feito pelo isolamento do vírus
em cultura; por dosagem de anticorpos da classe
Ig-M, por meio de MacElisa; pela conversão
sorológica em testes de inibição da
Hemaglutinação, por detecção de antígenos
virais e do RNA viral pela técnica PCR1.
O aparecimento de casos importados, em
janeiro de 2000, com possibilidade de
surgimento de casos autóctones no estado do
Rio de Janeiro posteriormente, em função da
permanência do vetor, alerta para a necessidade
de uma maior atenção médica aos diagnósticos
clínico e laboratorial e ao tratamento precoce.
Além disso, é preciso que os responsáveis pela
Saúde Pública adotem condutas pertinentes, a
fim de manter as áreas urbanas devidamente
protegidas. A eficácia de cuidados dessa natureza
foi confirmada, no início do século XX, pelo
brilhantismo de Oswaldo Cruz.
Nas ultimas décadas, observou-se uma
mudança no comportamento das doenças
infecciosas em todo o mundo, particularmente,
no que diz respeito à febre amarela. Sabe-se que
o Brasil possui a maior área enzoótica de febre
amarela silvestre do mundo, compreendendo as
Zonas da Mata das Regiões Amazônica e
Centro-Oeste, que representam uma ameaça
potencial à urbanização7,8.
As cidades mais próximas das áreas
enzoóticas de febre amarela apresentam um
risco maior para as epidemias urbanas. No
entanto, devido à migração e ao turismo para os
grandes centros urbanos, além da ameaça da
infestação vetorial, o risco sempre presente da
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entrada do vírus amarílico já faz parte da pauta
de preocupações dos profissionais da área de
saúde. Neste caso, encontra-se o Rio de
Janeiro9.
Dados epidemiológicos relevantes
O último grande surto da febre amarela no
Brasil ocorreu em 1993, mas há possibilidade de
reintrodução da doença nos grandes centros
urbanos, devido à ocorrência de casos nas
regiões Norte e Centro-oeste do país,
principalmente. Além disso, a presença do vetor
nas cidades faz da febre amarela uma
preocupação para a Saúde Pública.
Em relação aos reservatórios, têm-se as
seguintes possibilidades:
— Na febre amarela urbana, o ser humano
infectado é o grande reservatório do vírus;
— Na febre amarela silvestre, os primatas nãohumanos são os principais hospedeiros.
A infecção “pessoa-a-pessoa” não ocorre2.
Em relação aos vetores, há a seguinte
situação epidemiológica em nosso meio:
— Na febre amarela urbana, o vetor é o
mosquito Aedes aegypti (mesmo vetor do
dengue, apresentando índices de infestação
no estado do Rio de Janeiro).
— Na febre amarela silvestre, os vetores mais
importantes, na região da América Latina, são
o Haemagogus e a Sabethes. Já o Aedes albopictus
tem capacidade de participar de maneira
combinada nos dois ciclos: urbano e silvestre.
Os principais vetores da febre amarela, assim
como do dengue, picam durante o dia.2
Resultados do Estudo Homeopático
As possibilidades terapêuticas apresentaram
eficácia relevante nos estudos descritos pelo
médico João dos Reis, em 1888.3 Estudando os
pacientes, prescreveu o medicamento Aconitum,
com êxito, para as formas fundamentalmente

Homeopat. Bras.
febris, com piora noturna. Ele indica Veratrum e
Belladonna para os casos mais intensos de febre,
cefaléia, dores lombares e calafrios.
O medicamento Nux vomica foi reservado
aos pacientes com grande abatimento, cefaléia
extensiva à região retro-ocular, náuseas, vômito
e epigastralgia. E, finalmente, para as
complicações hemorrágicas, o Lachesis foi o
medicamento escolhido.
Com base na filosofia homeopática10, sempre
que possível, o Simillimum deve ser o
medicamento indicado para o paciente.
Contudo, na impossibilidade de identificá-lo
como o medicamento ideal a ser administrado,
por questões de limitação nas informações do
enfermo, o uso da repertorização dos sintomas,
associado à experiência dos mestres deve
orientar a prescrição.
Na repertorização, observa-se que, quando
utilizamos a rubrica febre amarela como
sintoma diretor, surgem como medicamentos
relevantes o Nux vomica, o Carbo vegetabilis o
Lachesis Arsenicum album e o Crotalus horridus
(Quadros I e II).
A repertorização dos sintomas da forma
íctero-hemorrágica-renal indica os
medicamentos com maior cobertura: Arsenicum
album, Nux vomica, Phosphorus, Belladonna, Carbo
vegetabilis, China officinalis e Lachesis
trigonocephalus, cujas patogenesias4,11,12,13,14
revelam-se relevantes para esses pacientes
(Quadros III e IV).
É muito interessante notar que os
medicamentos utilizados com êxito pelo Dr.
João dos Reis no tratamento da febre amarela,
anteriormente citados, figuram em nossos
repertórios mais modernos3,4,11 como
importantes medicamentos no tratamento dessa
patologia.
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Q UADRO I
Q UADRO III
REPERTORIZAÇÃO POR SINTOMA DIRETOR
DOS SINTOMAS CLÍNICOS DA FEBRE AMARELA
RUBRICAS DA FORMA
ÍCTERO-HEMORRÁGICA-RENAL DA FEBRE AMARELA
No Seção Rubricas
01 Face Coloração – amarela – intermitente, em
febre
02 Face Coloração - amarela – febril , calor,
durante
03 Febre Amarela, febre
04 Febre Amarela, febre – suor é contido por
exposição a uma corrente de ar, quando o
05 Febre Amarela, febre – terceiro estágio,
hemorragias, com grande palidez da face
cefaléia violenta, grande pesadez dos
membros e tremor do corpo
06 Febre Externo, calor – amarela, com pele
07 Pele
Coloração – amarela, icterícia, etc. febre intermitente, após
08 Pele
Coloração – amarela, icterícia, etc. –
febril, calor, durante
Q UADRO II
MEDICAMENTOS COM MAIOR PONTUAÇÃO E
MAIOR COBERTURA NOS SINTOMAS DA FEBRE AMARELA
Medicamentos
com maior
pontuação
Pontos
Nux vomica
10/5
Ferrum metallicum
6/4
Sepia
6/2
Carbo vegetabilis
6/2
Arsenicum album
5/2
Chininum sulphuricum 4/2
Conium maculatum
4/2
Tuberculinum
4/2
Cadmium sulphuratum 4/2
Lachesis trigonocephalus 3/3
Cantharis versicolor
3/1
Crotalus horridus
3/1
Ammonium carbonicum 2/2
Natrum carbonicum
2/2
Natrum muriaticum
2/2
Arsenicum
2/1
hidrogenisatum
Medicamentos
com maior
cobertura Cobertura
Nux vomica
5/10
Ferrum metallicum
4/6
Lachesis trigonocephalus 3/3
Sepia
2/6
Carbo vegetabilis
2/6
Arsenicum album
2/5
Chininum sulphuricum 2/4
Conium maculatum
2/4
Tuberculinum
2/4
Cadmium sulphuratum 2/4
Ammonium carbonicum 2/2
Natrum carbonicum
2/2
Natrum muriaticum
2/2
Cantharis versicolor
1/3
Crotalus horridus
1/3
Arsenicum
hidrogenisatum
1/2
Homeopat. Bras.
No Seção
01 Pele
02 Pele
03
04
05
06
07
08
09
10
11
12
13
14
15
16
Rubricas
Coloração – Amarela, Icterícia, etc
Coloração – Amarela, Icterícia, etc. –
Febril, Calor, Durante
Febre
Amarela, Febre
Febre
Calafrio, com
Calafrio
Agitação, arrepio, tremores – Febril,
calor, com
Cabeça
Dor, Cefaléia em geral
Generalidade
Dor – Músculos, dos
Estômago Náuseas – Febre, Durante
Mental
Prostação da mente – Exaustão
mental, Esgotamento cerebral
Mental
Prostação da mente –Exaustão mental,
esgotamento cerebral – Febre, na
Estômago Vômito – sangue
Mental
Delírio – Febre, durante
Mental
Inconciência, Febre, Estupor
Rins
Supressão da Urina
Rins
Supressão da Urina – Febre, com
Rins
Supressão da Urina – Violenta
Q UADRO IV
MEDICAMENTOS COM MAIOR PONTUAÇÃO
E COBERTURA NOS SINTOMAS DA FORMA
ÍCTERO-HEMORRÁGICA-RENAL DA FEBRE AMARELA
Medicamentos
com maior
pontuação
Pontos
Arsenicum album
28/13
Belladona
24/12
Nux vomica
24/10
Lachesis
trigonocephalus
23/10
Veratrum album
18/10
Aconitum napellus 21/10
Bryonia album
21/10
Carbo vegetabilis
20/9
Phosphorus
20/9
Arnica montana
19/9
China officinalis
19/9
Sulphur
19/9
Calcarea carbonica
18/9
Cantharis versicolor 18/9
Plumbum metallicum 18/9
Crotalus horridus
18/8
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Medicamentos
com maior
cobertura Cobertura
Arsenicum album 13/28
Belladona
12/24
Nux vomica
10/24
Lachesis
trigonocephalus
10/23
Aconitum napellus 10/21
Bryonia album
10/21
Veratrum album
10/18
Opium
10/15
Carbo vegetabilis
9/20
Phosphorus
9/20
Arnica montana
9/19
China officinalis
9/19
Sulphur
9/19
Calcarea carbonica
9/18
Cantharis versicolor 9/18
Plumbum metallicum 9/18

A r t i go de
atualização
7. WALDEMAN, E., COLS.Trajetória das doenças infecciosas
da eliminação da poliomielite à reintrodução da cólera.
Informe Epidemiológico do SUS, Brasília, jul./set. 1999.
C ONCLUSÃO
Toda doença nos traz um ensinamento, se
estivermos abertos à percepção. No passado, a
genialidade científica de Oswaldo Cruz e
Emílio Ribas associada à sabedoria e à
sensibilidade de artistas populares apontavam
para a gravidade da febre amarela. Há pouco
tempo, vivemos a ameaça de sua reurbanização
num momento epidemiológico em que várias
doenças infecciosas voltam a emergir. Que
possamos aprender com o passado.
8. BARRADAS, R. C. B. O desafio das doenças emergentes e
a revalorização da epidemiologia descritiva. Informe
Epidemiológico do SUS,v. 8, Brasília, jan./mar. 1999.
9. COORDENAÇÃO DE PROGRAMA DE
EPIDEMIOLOGIA. Febre amarela. In: Informe Técnico da
SMSRJ. Rio de Janeiro, jul. 1999.
10. KENT, J.T. Filosofia homeopática. Albatros: Buenos Aires,
1978.
11. LINCE for Windows: Programa de Repertório.
12. ALLEN,T. The guiding syptoms of our materia medica. New
Delhi: B. Jain Publishers, 1980.
13. HAHNEMANN, S. Matéria médica pura. New Delhi: B. Jain
Puplisher, 1980.
14. HERING, C. The guiding symptoms of our materia medica.
New Delhi: B. Jain Publishes, 1980.
A BSTRACT
Yellow fever is an infectious disease of worldwide
incidence.The flavivirus is maintained in a cycle
involving monkeys and humans.There are two forms
of the disease: the jungle type and the urban type.
The Aedes aegypti mosquito is the chief vector of
the urban type. It brings about epidemics whose
clinical picture that can be very serious: fever,
headache, myalgia and also haemorrhagic fever and
kidney damage.
Homeopathic remedies can be very useful:
Aconitum,Veratrum viridis, Belladonna, Nux
vomica and Lachesis are the most important
homeopathic medicines for the treatment of this
disease.
Key words: yellow fever, homeopathy, arbovirus,
endemic disease, Public Health Department.
Endereço para correspondência:
IHB – Rua Frei Caneca, 94/2o andar
Centro - Rio de Janeiro - RJ
e-mail: [email protected]
R EFERÊNCIAS B IBLIOGRÁFICAS
1. VASCONCELOS, P. F. C. Febre amarela. In: PRONAP:
Módulos de reciclagem. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira
de Pediatria, fev. 2000.
2. PETER, G., COLS. Red book: report of the commitee on
infectious disease. USA: American Academy of Pediatrics,
1997.
3. REIS, J. F. Febre amarela. Annaes M. Homeopatia, Rio de
Janeiro, 1885.
4. RIBEIRO FILHO, A. Repertório de sintomas homeopáticos. São
Paulo: Robe, 1995.
5. MANDELL, DOUGLAS, BENNET’S. Principles and practice
of infections disease. 4. ed. New York: Churchill Livingstone.
6. VERONESI, R. Doenças infeccciosas e parasitárias. 10. ed. Rio
de Janeiro: Guanabara Koogan.

Homeopat. Bras.
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