1 Quem são os jovens torcedores organizados de São Paulo? Estudo de um grupo de torcedores1 Profa. Dra. Heloisa Helena Baldy dos Reis2 O objetivo geral dessa pesquisa é realizar um diagnóstico sobre os torcedores associados a uma das maiores torcidas organizadas de São Paulo3. A escolha da faixa etária de 15 a 25 anos, do sexo masculino, foi intencional pois outras pesquisas (ESPANHA, 1990 e MURAD, 2007) apontam esse grupo de jovens como sendo o que mais apresenta envolvimento com violência em dias de jogos de futebol. A pesquisa ora apresentada interessou-se em conhecer quem são esses jovens no Brasil, pois os acontecimentos recentes da sociedade brasileira requerem novas análises (REIS, 2004 e 2005) e as duas principais pesquisas sobre as torcidas organizadas datam da década de 1990 (TOLEDO, 1996 e PIMENTA, 1997) e não tiveram como objetivo central caracterizar o torcedor organizado. Os objetivos específicos foram: 1. caracterizar quem são os torcedores organizados do estado de São Paulo quanto a instrução, ocupação, estado civil, religião, organização familiar – com quem moram, qual a sua ocupação; 3. analisar qual é a capacidade de percepção desse torcedor da problemática da violência relacionada ao futebol; 4. analisar qual é a percepção deles sobre a relação entre violência no futebol e mídia esportiva; 5. Identificar se há uma subrepresentação de afrodescendentes entre o grupo de torcedores organizados pesquisado. Os dados foram coletados por meio de entrevistas estruturadas com perguntas fechadas e quatro abertas. As mesmas foram realizadas nos estádios paulistanos4 em jogos do Campeonato Brasileiro e da Copa do Brasil de 2008. A seleção dos jogos para a coleta dos dados teve como critério os jogos em que a torcida pesquisada era pertencente ao clube mandante . Os entrevistadores eram todos universitários (graduandos e pós-graduandos). O A pesquisa foi financiada pelo ministério do Esporte por meio de aprovação da pesquisa denominada”A caracterização do torcedor organizado e a mídia esportiva” contemplado no edital de 2008, processo n. 58701.000196/2007-8, este inseriu a Faculdade de Educação Física da Unicamp na Rede CEDES. 2 Professora livre docente do programa de pós graduação em educação física, Unicamp, área de concentração Educação Física e Sociedade. 3 Por questões éticas será denominada de Torcida A. 4 Os nomes dos estádios serão omitidos para evitar identificação das torcidas organizadas. 1 2 número de entrevistadores variou de nove a 14 em cada um dos jogos, a variação se deu pela disponibilidade da equipe. No total foram entrevistados 267 sujeitos. A abordagem dos sujeitos para a entrevista foi feita dentro do estádio nas imediações do portão de acesso ao setor de entrada dos torcedores organizados e em alguns casos na própria arquibancada. O local variou em função do número de torcedores já acomodados na arquibancada ou nas zonas de circulação. A participação foi por livre adesão, após a consulta por meio de pergunta do entrevistador se o sujeito aceitava ser entrevistado para fins acadêmicos5. A distribuição da faixa etária dos entrevistados da torcida A ficou distribuída conforme figura 1. Tendo sido apurado a média aproximada de 20 anos e 2 meses de idade. 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 Freqüência Porcentagem 10 22 30 39 28 22 19 20 13 24 40 3,74 8,24 11,23 14,60 10,48 8,24 7,11 7,49 4,86 8,98 14,98 Porcentagem acumulada 3,74 11,98 23,22 37,82 48,31 56,55 63,67 71,16 76,03 85,01 100,00 Total 267 100,000 Figura 1. Distribuição etária dos entrevistados da torcida A A distribuição da faixa etária da torcida A desmistifica o discurso dos seus dirigentes, os quais afirmavam antes da realização da pesquisa que o grupo etário que mais frequentava os estádios para assistir os jogos era os menores de idade. Ainda que a pesquisa tenha feito um recorte etário entre 15 e 25 anos, se assim fosse, apareceriam números superiores de sujeitos entre 15 e 18 anos. Observa-se que entre os entrevistados apenas 23,22% são menores de idade. 5 Todos os procedimentos éticos foram realizados. Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unicamp sob no. 322/2007. 3 Sobre o estado civil e a organização familiar dos entrevistados encontrou-se que a grande maioria dos entrevistados é de solteiros (93,63%) conforme pode ser visto no gráfico 1. Estado Civil 6.37% CASADO SOLTEIRO 93.63% Gráfico 1. Distribuição dos entrevistados por estado civil. Sendo que 84,64% do total de entrevistados declararam morarem com pai e mãe ou com um deles. Dado importante que revela que ao menos do ponto de vista da organização familiar, os torcedores organizados entrevistados vivem com sua família original. Para analisar a inserção ocupacional dos entrevistados utilizamos inicialmente as categorias de ocupação da Universidade Federal de Viçosa. http://www.copeve.ufv.br/antigo/docs/vest2008/manual_vest2008.pdf A distribuição de ocupações dos entrevistados por categoria ficou da seguinte maneira: nenhum entrevistado pertencia ao agrupamento um e seis. As outras categorias de ocupação ficaram distribuídos conforme gráfico 2: 4 Agrupamento de ocupações dos entrevistados 26.21% 7.77% 17.48% 2 3 4 10.68% 23.79% 14.08% 5 7 8 Gráfico 2. Distribuição de ocupações dos entrevistados da torcida A. A categoria com maior número de sujeitos é a de estudantes, – agrupamento 8 – (26,21%) o que pode demonstrar uma condição familiar que permite ao jovem apenas estudar, assim como uma melhoria das condições de acessoa a educação se comparada aos jovens dos anos de 1980, época em que a defasagem entre idade e ano de escolaridade era superior aos dias atuais, assim como a taxa de analfabetismo. Observa-se ainda no gráfico 2 que o setor de serviços o qual se situa o agrupamento 4 (23,79%) é o que mais possue os torcedores (da torcida A), sendo superado apenas pelos estudantes. A terceira categoria de ocupações que possui maior número de torcedores (da torcida A) é pertencente ao agrupamento 3, com 17,48% dos sujeitos pesquisados, estas poderiam ser enquadradas no setor administrativo e da educação básica, áreas que até pouco tempo exigiam apenas escolaridade básica (ensino fundamental) para serem ocupadas. O número de desempregados nessa torcida – agrupamento 7 (10,68%) – está acima dos 8,1% da taxa nacional a época da pesquisa. Sobre o nível de escolaridade constata-se o predomínio de bom nível entre os jovens pesquisados, além do que os demais torcedores se encontravam em processo de escolarização compatível com a idade, final do ensino fundamental e início do ensino médio. Mais detalhes pode ser observado no gráfico 3. 5 Escolaridade dos entrevistados 0.38% ANALFABETO 3.45% EF COM 20.31% EM COM 32.95% SUP COM 29.12% 1º CICLO EF INC 6.13% EF INC 6.90% 0.77% EM INC SUP INC Gráfico 3. Distribuição da escolaridade dos entrevistados da torcida A. A figura 3 apresenta a distribuição dos sujeitos entre as religiões: católica, evangélica, os que não possuem religião e religiões pouco citadas foram agrupadas na categoria outras, estão entre estas as religiões espiritas e budista. Freqüência Porcentagem NÃO TEM 56 20,974 CATÓLICO 170 63,670 EVANGÉLICO 14 5,243 OUTRAS 27 10,112 Total 267 100,000 Figura 3. Religião dos entrevistados. Verificou-se pelas entrevistas, principalmente nas respostas às questões abertas, que esses torcedores organizados têm uma boa capacidade de compreensão dos motivos da violência relacionada ao futebol. Conforme pode ser visto no gráfico 4, esses torcedores apresentam os motivos da violência que convergem com as pesquisas européias sobre o tema (ver Reis, 2006) assim como com as conclusões de Reis (2004 e 2006). Ou seja, para os entrevistados, os motivos da violência em dias de jogos são: 6 Quais os motivos da violência? 4.87% 7.87% 31.46% 13.86% FATORES EXTERNOS 35.21% 6.74% RIVALIDADES ENTRE TIMES E TORCIDAS FALTA DE EDUCAÇÃO DOS TORCEDORES PROBLEMAS SOCIAIS BEBIDA E DROGAS NÃO SABE Gráfico 4. Distribuição dos motivos da violência mencionados pelos entrevistados. Outro objetivo dessa pesquisa foi saber se os torcedores organizados da torcida A consideravam que a mídia contribui para a violência nos dias de jogos de futebol. Sobre isto 50,18% deles disseram que sim porque manipulam as informações. Uma parcela inferior mais considerável, 21,72% afirmou que não, que a mídia incentiva a paz. Outros 14,23% consideraram que a mídia contribui para a violência porque fazem críticas à torcida. Em proporções bem menores estão os 3,75% que consideraram que a mídia estimula a violência sem exemplificar de que maneira e 0,38% acham que sim, que a mídia contribui para a violência em dias de jogos, mas também não explicaram o porquê. A seguir pode ser visualizada a representação gráfica destes dados. A mídia contribui para a violência? 3.75% 0.37% SIM, ESTIMULANDO A VIOLÊNCIA SIM, PELAS CRÍTICAS À TORCIDA 21.72% 50.19% 9.74% 14.23% SIM, MANIPULANDO INFORMAÇÕES NÃO, ELA INCENTIVA A PAZ NÃO SABE ACHA QUE SIM 7 Gráfico 5. Distribuição da opinião dos entrevistados sobre a relação entre mídia e violência no futebol. Ainda que os torcedores organizados possam ser leigos nos estudos sociológicos, as respostas às duas últimas questões apresentadas demonstram convergência com os dados de pesquisas internacionais como as Murphy et al. (1994) e as nacionais de Reis. A composição do grupo entrevistado foi de apenas 21,72% de afrodescendentes. O que demonstra uma sub-representação destes entre os torcedores organizados de futebol entrevistados. Conclusões Os dados coletados nessa pesquisa contradizem a generalização que é feita das torcidas organizadas de São Paulo como grupos de marginais, vagabundos ou desocupados atributos comumente atribuídos pela mídia quando veicula noticias de violência ou mortes em dias de jogos de futebol. Os resultados da pesquisa demonstram uma grande percepção deles em relação aos reais responsáveis pela violência relacionada ao futebol. Referências bibliográficas ESPANHA. Dictamen de la Comisión Especial de Investigación de la Violencia en los Espectáculos Deportivos con Especial Referencia al Fútbol. Madrid: Senado, 1990. MURAD, M. A violência e o futebol. Rio de Janeiro: FGV, 2007. MURPHY, P., et al. O futebol no banco dos réus. Oeiras: Celta, 1994. PIMENTA, C.A.M. Torcidas organizadas de futebol: violência e autoafirmação – aspectos da construção das novas relações sociais. São Paulo: Vogal Editora, 1997. TOLEDO, L.H. Torcidas organizadas de futebol. Campinas: Autores Associados/ANPOCS, 1996.