A Trajetória das Políticas de Desenvolvimento no Brasil: do Estado

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XLV CONGRESSO DA SOBER
"Conhecimentos para Agricultura do Futuro"
A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO NO BRASIL: DO
ESTADO DESENVOLVIMENTISTA AO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
SUZIMARY SPECHT (1) ; ALDOMAR ARNALDO RÜCKERT (2) ; RONI BLUME
(3) .
1.PGDR/UFRGS, PORTO ALEGRE, RS, BRASIL; 2.PPGEO-PGDR/UFRGS,
PORTO ALEGRE, RS, BRASIL; 3.CEPAN/UFRGS, PORTO ALEGRE, RS,
BRASIL.
[email protected]
APRESENTAÇÃO ORAL
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL E RURALIDADE
A Trajetória das Políticas de Desenvolvimento no Brasil: do Estado
desenvolvimentista ao desenvolvimento territorial
Grupo de Pesquisa: 11- Desenvolvimento Territorial e Ruralidade
Resumo
O Estado brasileiro sob o prisma do desenvolvimento vem passando por uma série
de modificações. Do auge do Estado Desenvolvimentista até a sua crise, se observaram
diferentes tentativas de se promover ações que desencadeassem o desenvolvimento, mas
que na verdade não proporcionaram os efeitos desejados para a sociedade. Contudo, o
ideário do desenvolvimento que parecia ter sucumbido junto com a idéia do EstadoNação, a partir da década de noventa ressurge revigorado por novas terminologias. Entre
estas destaca-se neste artigo a abordagem do desenvolvimento territorial, sendo que
estabelece como objetivo averiguar como esta proposição pode fomentar políticas de
desenvolvimento. Para tal investigação se analisou o programa Mesorregional da Grande
Fronteira Mercosul, que abrange áreas de economias deprimidas na região sul do país. Na
observação desta política percebe-se que o fomento de ativos físicos, humanos e sociais do
território conjugados com princípios de governança tendem a gerar resultados positivos.
Palavras-chaves: Desenvolvimento, Território, Governança.
Abstract
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Londrina, 22 a 25 de julho de 2007,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
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"Conhecimentos para Agricultura do Futuro"
The Brazilian State under the prism of the development has been passing by a series of
modifications. Since the Development State until your crisis, different attempts were
observed of promoting actions to start the development, but that actually did not provide
the effects demanded for the society. However, the idea of the development that has
succumbed with the idea of the State-nation, starting from the decade of ninety has born
reinvigorated by new terminologies. This study has an approach of the territorial
development as well as aims to analyze as this proposition it can foment development
politics. The Mesoregional Program of the Large Border of Mercosul was analyzed. This
program includes areas of depressed savings in the south area of the country. The results
shows that the fomentation of physical assets, humans and social of the territory
conjugated with governança together tend to generate positive results.
Key Words: Development, Territory, Governance
1. INTRODUÇÃO
Na história brasileira, desde a década de 30, várias políticas de desenvolvimento
vem permeando os aspectos políticos, econômicos e sociais da nação. Mas, desde o final
do século XX estas formas de desenvolvimento estão se metamorfoseando, devido à
mudanças que ocorreram no cerne do Estado. A partir de então, este passa a ter um cunho
mais arraigado como instituição reguladora da economia, num sistema de poder que
evidencia a importância de todas as escalas, da mundial à local, ampliando desta forma, a
relação da sociedade civil com seu território respectivo.
O desenvolvimento, como meta de planejamento de Estado brasileiro, teve início na
no governo de Getúlio Vargas, na década de trinta década, estendendo-se até a década de
oitenta com o Regime Militar. O Estado desenvolvimentista, neste período, foi o
fomentador de várias políticas de desenvolvimento, onde se destacaram os PNDs1, que
buscavam promover o desenvolvimento nacional/regional e resolver as disparidades intraregionais.
Mas, no final da década de setenta, o Estado centralizador começou a dar sinais de
visível esgotamento, e ao invés de ter havido uma continuidade de desenvolvimento, o
cenário nos anos 1980 foi o de um entrave econômico, sem significativa influência positiva
sobre os indicadores de crescimento, levando a uma diminuição das discussões acerca do
desenvolvimento. A promulgação da Constituição Federal de 1998, também corroborou
com a tendência de se promover a diminuição da influência do papel do Estado nos rumos
da economia de mercado do país.
Com efeito, a descentralização do Estado foi realmente sedimentada na década de
noventa, quando as políticas sócio-econômicas passaram a ter por base o modelo
neoliberal, causando impacto nas decisões do Estado de duas formas. Por um lado, este
teve o seu poder diminuído na gestão do seu território, mas por outro lado, endossou à
sociedade civil maior poder de participação nas decisões de suas ações. Desta forma, a
centralização foi desarticulada também, pelo incremento das ações coletivas e
democraticamente aceitas. Tal contexto foi propício para que as discussões sobre o
desenvolvimento reaparecerem sob nova “roupagem”, agregando diferentes adjetivos ao
desenvolvimento como, endógeno, exógeno, sustentável, local, territorial, entre outros.
1
PND: Política Nacional de Desenvolvimento.
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Entre as formas de desenvolvimento sumariamente relacionadas, o
desenvolvimento territorial tem uma peculiaridade interessante, pois este revigora o
conceito de terrritório que estava em desuso na geografia. Os novos usos do conceito
passam então a ser associados à análise de diferentes escalas de poder, onde a ação dos
vários atores da sociedade civil denotam em novos usos políticos do território.
Contudo, operacionalizar a abordagem territorial como uma forma de impulsionar
e organizar o desenvolvimento implica em verificar o envolvimento de todos os atores: o
Estado, a iniciativa privada e a sociedade civil, nas diferentes escalas de atuação: o global,
o nacional, o regional e o local, e as interrelações entre eles. Portanto, neste trabalho se
visa analisar se o programa Mesorregional da Grande Fronteira Mercosul, que abrange
áreas de economias deprimidas na região sul do país, faz uso do enfoque territorial como
proposição para fomentar as políticas que visam o desenvolvimento.
Para tal averiguação o artigo se encontra dividido em sete partes, a partir da
introdução, sendo que a segunda e a terceira tratam da crise, e a posterior descentralização
do Estado. A quarta parte traz a retomada do conceito de território, que juntamente com a
quinta parte que trata da governança, e a sexta parte que aborda a importância das
dinâmicas territoriais, serão o mote para a análise da política Mesorregional da Grande
Fronteira Mercosul. A partir desta última parte, se encaminham as considerações finais.
2. A CRISE DO ESTADO
O Estado Desenvolvimentista (de Vargas aos governos militares) deu lugar ao
Estado Regulador Brasileiro, a partir da eleição indireta de 1985 em que foi eleito José
Sarney, dando término ao período da ditadura militar. Sarney iniciou uma reforma entre
1985-19862, onde estabeleceu eleições diretas para a Presidência da República, o voto de
analfabetos, a legalização dos partidos políticos, a extinção da censura prévia e da
intervenção nos sindicatos. Em novembro de 1985 realizaram-se eleições diretas para 201
prefeituras, inclusive das capitais de Estados, num processo de descentralização, que
passou a delegar maior poder aos Estados e municípios. No ano seguinte, junto com os
governadores estaduais, foi eleito o Congresso Nacional encarregado de escrever a nova
Constituição Federal Brasileira, promulgada em 1988.
Num processo paradoxal, ao mesmo tempo em que se desenhava uma
descentralização política no país, a constituição levou a uma concentração no plano
administrativo, tipificando uma administração pública burocrática; sendo que as empresas
públicas, estatais, autarquias e fundações só poderiam mais ser criadas mediante lei, além
do estabelecimento do concurso público como meio de ingresso ao serviço público. Por
outro lado, a participação da sociedade na formulação e gestão das políticas públicas
passou a ser legitimada, com destaque para a criação dos conselhos municipais
(SACRAMENTO, 2004).
2
No decorrer do processo de retrocesso burocrático de 1988, houve também a extinção do DASP em 1986,
dando lugar à SEDAP – Secretaria de Administração Pública da Presidência da República, que em janeiro de
1989, foi extinto, sendo incorporado à Secretaria do Planejamento da Presidência da República. Em março de
1990 foi restabelecido o DASP com a criação da SAF – Secretaria da Administração Federal da Presidência
da República, que, entre abril e dezembro de 1992, foi incorporada ao ministério do Trabalho, voltando a ser
secretaria da presidência em 1993 (BRESSER PEREIRA, 2001).
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Com essa nova constituição que passou a dar maior legitimidade aos direitos de
cidadania e novas formas gestão nas áreas políticas, sociais e econômicas, as mudanças
foram visíveis, pois uma maior participação da sociedade civil é conseqüência da conquista
de uma maior mobilidade social. Esta realidade porém, não extinguiu da sociedade
brasileira todos os resquícios patrimonialistas e de “dominação tradicional” no qual a
burocracia geralmente está emaranhada com a política e o Estado, pois a burocracia
brasileira “sempre esteve vinculada aos interesses societais, sendo invariavelmente
capturada por eles ou por eles envolvida” (NOGUEIRA, 1998, p. 204).
Este emaranhado sempre teve reflexos em vários campos da sociedade, como o
econômico. Em 1986 foi lançado o Plano Cruzado, que mudou a moeda de cruzeiro para
cruzado, congelou preços e salários por um ano e acabou com a correção monetária,
alcançando bons resultados no início. Mas os ajustes considerados necessários foram
adiados para não prejudicar os candidatos do governo nas eleições de novembro do mesmo
ano. A estratégia eleitoral deu certo, mas a economia ficou desorganizada e a inflação
disparou. No decorrer dos anos seguintes foram lançados mais dois programas de
estabilização: os planos Bresser e Verão. No entanto, eles não obtiveram sucesso. Dentre
as medidas para o setor agrícola foi lançado o I PND-NR3 (1986-89), outro plano que foi
bem planejado, mas pouco executado (sic). As perspectivas quanto a uma possível
reestruturação agrária no País foi frustrada pela comissão parlamentar na Constituição
Federal de 1988, ficando a propriedade, frente a uma vaga definição em relação ao
cumprimento das suas funções sociais. Desta forma, os problemas sociais se agravaram, e
o desemprego e a inflação passaram a ser pouco controláveis pelo Estado. No último ano
do governo, a inflação mensal cresceu aceleradamente. Sarney foi sucedido por Fernando
Collor de Mello.
3. A DESCENTRALIZAÇÃO E A DESESTATIZAÇÃO
O impacto da descentralização do Estado, foi significativa em todos os países
capitalistas, tendo grande expressividade nos países subdesenvolvidos. No caso da
América Latina, este foi sacramentado com a Conferência do Institute for Internacional
Economics, em 1989, que cunhou o chamado Consenso de Washington, um pacote de
medidas “sugeridas” aos países latino-americanos com o aval do FMI e Banco Mundial,
que propôs: controle do déficit fiscal, priorização dos gastos públicos, reforma tributária,
taxa de juro, taxa de câmbio, política comercial, investimentos externos, privatização,
desregulação e direito de propriedade, a fim de alcançar a promoção da estabilização da
economia através do ajuste fiscal e da adoção de políticas ortodoxas, tendo o mercado
como eixo central, além da redução drástica do Estado.
Neste cenário é que assumiu o poder no Brasil, no início do ano de 1990, o presidente
eleito pelo voto direto, Fernando Collor de Melo, que lançou o plano “Brasil Novo”, um
ideário antiestatal e privatista, que priorizava a ação mínima do Estado, com a
flexibilização das leis e a descentralização do Estado, a partir da aplicação das “sugestões”
do Consenso de Washington.
Em seu primeiro ano de governo, Collor promoveu a abertura de mercado. Logo
após surgiu a primeira tensão em seu governo, a ameaça de desabastecimento devido ao
pouco caixa do governo para manter os estoques reguladores. Somaram-se a esta, outras
ingerências, que empurraram o País para uma estagnação com graves seqüelas sociais.
3
I PND-NR – Primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República.
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O Estado se retirou quase que por completo do cenário como promotor de planos de
desenvolvimento, batido pelas práticas neoliberalizantes de um mercado regido pela
acumulação flexível. Com o impeachment deste presidente em 1992, assumiu Itamar
Franco, que timidamente continuou este processo.
Mas foi a partir de 1994, nos governos de Fernando Henrique Cardoso, que a
descentralização e a desestatização começaram a ser realmente definidas, através de
importantes reformas legislativas que potencializaram a diminuição do “tamanho do
Estado”, onde se destacaram os programas de privatizações de estatais e os empréstimos do
FMI. Mas houveram contudo, alguns programas de fomento econômico protagonizados
pelo Estado, como o “Estudo dos Eixos”4 e o Pronaf5, entre outros; e na área social se
exponenciaram programas como o Bolsa- Família6 e o Bolsa-Escola7.
No governo de José Inácio Lula da Silva, iniciado em 2002, o cenário brasileiro é
de um Estado descentralizado, onde a tentativa é alavancar um crescimento econômico do
país, através do crescimento industrial, principalmente a partir do fomento às exportações;
e do incremento produtivo das commodities agrícolas para a exportação, além de planos de
cunho sócio-econômico dirigidos principalmente para as parcelas menos favorecidas da
população, como o Programa Fome Zero8, o PNDR9 e os PTDRS10.
4. A REDESCOBERTA DO CONCEITO DE TERRITÓRIO
Esta realidade, do Estado descentralizado, que vem se desenhando desde o final dos
anos 80, vem trazendo à tona a necessidade de novas leituras analíticas do Estado-nação,
como no caso dos países da América do Sul, onde segundo Rückert (2004, p. 6-7), “a crise
do Estado Desenvolvimentista latino e, especialmente, sul-americano em particular, tem
levado analistas a aproximarem-se de um objeto mais amplo e mais flexível (...) a
4
O Estudo dos Eixos, foi desenvolvido ao longo dos anos de 1998/1999, sendo uma política de cunho
regional, que nasceu da experiência da Companhia Vale do Rio Doce que como grande ofertante de matériaprima para mercados nacionais e internacinais, buscou uma diminuição dos custos de transportes, através da
utilização de tecnologias que reduziram a distância física entre a fonte de extração de minérios e os mercados
a uma distância econômica desejável (http:// www.eixos.gov.br).
5
Pronaf: programa de apoio ao desenvolvimento rural criado em 1998, que objetiva construir um padrão de
desenvolvimento sustentável para os agricultores familiares e suas famílias, visando o aumento e a
diversificação da produção, com o conseqüente crescimento dos níveis de emprego e renda, proporcionando
bem-estar social e qualidade de vida (http://www.pronaf.gov.br).
6
O Bolsa Família é um programa de transferência de renda destinado às famílias em situação de pobreza,
com renda per capita de até R$ 100 mensais, que associa à transferência do benefício financeiro o acesso aos
direitos
sociais
básicos
–
saúde,
alimentação,
educação
e
assistência
social.
(http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/bolsafamilia01.asp).
7
Bolsa Escola: foi criado através da Medida Provisória 2.140, de 13 de fevereiro de 2001, sendo integrante
do Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à educação (http://www.brasil.gov.br/pl_escola.htm).
8
Projeto Fome Zero: este programa é uma proposta de Política de Segurança Alimentar para o Brasil
(http://www.fomezero.gov.br).
9
Política Nacional de Desenvolvimento Regional, de 2003, do Ministério da Integração Nacional,que
objetiva sustentar uma trajetória de reversão das desigualdades regionais, e explorar os potenciais endógenos
da diversa base regional de desenvolvimento, em conformidade com os fundamentos sociais atuais de uma
produção mais diversificada e sofisticada, mas portadora de valores sociais regionalmente constituídos
(adaptado do texto original – PNDR- site http://www.min.gov.br).
10
Os Planos Territoriais de Desenvolvimento Rural Sustentável são um conjunto de ações imediatas, com
visão estratégica, nos territórios rurais selecionados pelos conselhos estaduais de desenvolvimento rural
sustentável, sendo formulados e aplicados pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial do Ministério do
Desenvolvimento Agrário (http://www.mda.gov.br).
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multidimensionalidade do poder (Becker, 1983; 1988: Raffestin, 1993), no sentido de que
diferentes atores produzem o espaço, (re)estruturam o território através da prática de
poderes/políticas/programas estratégicos, e da gestão do território. A gestão de
ações/programas que contêm um caráter (re)estruturante e/ou com capacidade de
alavancagem de desenvolvimento endógeno imprime assim, novos usos do território”;
onde a participação do cidadão, do indivíduo, imprime um novo limiar político,
exponenciando uma identidade territorial. O cenário descrito, potencializou a retomada de
um conceito, latente desde o pós Segunda Guerra Mundial: o território.
A “redescoberta” deste conceito tem como expoentes autores como Bertha Becker, Claude
Raffestin e Robert Sack, nos anos oitenta; e Milton Santos, Rogério Haesbaert, Marcelo
Souza e Paul Claval, na década de noventa.
O “retorno” do território deu-se como afirma Santos (1994, p.15), pelo “uso do
território, e não o território em si mesmo”, isto é, foram superados os fundamentos do
território exclusivo do Estado-Nação. A idéia de uma forma geométrica espacial evoluiu
para uma forma flexível multiescalar, determinada pelas manifestações das relações do
cotidiano, do vivido, e pela multidimensionalidade do poder em sua constante oscilação
entre simetrias e assimetrias presentes na prática social, ou seja, o território tornou-se um
híbrido11.
De modo abrangente, este retorno do território como conceito analítico
proporcionou uma resposta alternativa aos novos fatos que despontaram com a conjuntura
mundial do final do século XX e modificaram as relações espaço-poder; onde os ideários
neoliberais pregam a integração pacífica dos mercados e a sua flexibilização, a
descentralização econômica e a política; intensificando o processo de globalização.
A partir das discussões analíticas em torno deste conceito, Haesbaert (2004, p. 91),
apresenta uma síntese das várias noções de território, agrupadas em três vertentes básicas,
a política (referida às relações espaço-poder em geral) ou jurídico-política (relativa às
relações espaço-poder institucionalizadas), onde o território é visto como um espaço
delimitado e controlado, através do qual se exerce determinado poder; a cultural ou
simbólico-cultural que prioriza a dimensão simbólica e mais subjetiva; e a econômica que
enfatiza a dimensão espacial das relações econômicas, o território como fonte de recursos
e/ou incorporado no embate entre as classes sociais e na relação capital-trabalho (grifo
nosso).
O autor, nesta síntese, não apresenta a pretensão de classificar a análise conceitual
de território como algo finito, mas ao contrário, busca facilitar a compreensão das óticas
analíticas dos diversos autores que estudam o conceito; o que instiga também a novas
leituras das territorialidades e dos diferentes usos do território.
Deste modo, o estudo do território, a gama de abordagens que se estendem às
territorialidades, o poder, a gestão ou uso do território e a ação de múltiplos atores;
compõem um amálgama teórico de grande importância para analisarmos, esta nova fase
político-econômica.
Já do ponto de vista operacional, a análise territorial passou a ser abarcada pelos
teóricos e gestores, de duas formas: por um lado tendem a estabelecer uma homogeneidade
territorial induzida pela “transnacionalização”, onde Estados se apresentam como
colaboradores à ciranda econômica que prega a igualdade competitiva, tendendo a uma
11
O conceito de território híbrido está explicitado no artigo: Des-caminhos e perspectivas do território de
Rogério Haesbaert. In: RIBAS, A, D. et. al. Território e desenvolvimento: diferentes abordagens. Unioeste.
Francisco Beltrão, 2004.
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homogeneidade padronizada (Pereira, 1996); que dispensaria uma análise das relações
espaciais, onde o território seria concebido como único. Por outro, esta homogeneidade é
contestada (Fiori, 1994b), pois os mercados são diferenciados pela intensa desigualdade
tecnológica, forçando ao surgimento das especificidades dos movimentos sociais em
diferentes escalas territoriais, na composição de arranjos territoriais distintos para enfrentar
o jogo da segregação e da imposição globalizante, tendo como estratégias a diversidade
espacial, sendo o território visto neste caso, de forma fragmentada.
Este contexto difuso é que confere relevância ao conceito de território, nesta era da
tecnologia e da informação, sendo que a partir desta realidade se desdobram várias
alternativas analíticas; novas formas de usos para a gestão e o entendimento da formação
do espaço social, bem como um “olhar” diferenciado para quem o produz, pois a atuação
dos diversos atores é intrínseca a escala global, devido à economia dita globalizada, mas
perpassa por todas as escalas, até chegar ao local. A macro escala nunca esteve tão
próxima da micro escala, e as características e particularidades do local nunca foram tão
relevantes para as escalas maiores, sendo que problemas referentes a gestão do espaço
geralmente resultam da falta de articulação entre os diferente recortes espaciais.
Neste sentido, a análise territorial torna-se uma escala muito interessante, pois
possibilita que sejam ressaltadas as iniciativas locais sem depender de uma escala fixa,
proporcionando uma interação econômica e social pelos laços promovidos pela identidade
territorial, onde se valorizam os atores locais e se tornam possíveis a articulação dos fluxos
de capitais locais e não-locais.
5. A GOVERNANÇA E O PAPEL DAS INSTITUIÇÕES PARA O
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
As “novas” articulações da reforma do Estado ressaltam novas dinâmicas, onde
atenua-se o papel centralizador do governo em prol de uma governança. A governança
segundo Bandeira, possibilitaria abranger “as estruturas institucionais, as políticas, os
processos decisórios e as regras formais e informais, relacionadas com temas de interesse
público, que determinam como o poder é exercido, como as decisões são tomadas e como
os cidadãos participam do processo decisório” (2000, p. 40).
Assim, sob esta ótica, a conotação da reforma estrutural do Estado e suas práticas,
com sinais de um modo de atuação direcionado a uma governança, levariam a uma análise
das novas formas de organização que se construíram e da atuação das instituições tanto
públicas quanto privadas, como uma certa forma de hibridização, no sentido em que,
segundo Benko (2002), se combinam o novo e o velho, o local e o global, o social e o
econômico.
Para tal, o papel das instituições que “são um conjunto de regras que articulam e
organizam as interações econômicas, sociais e políticas entre os indivíduos e os grupos
sociais” (ESPINO, 1999), são de fundamental importância na análise dos novos arranjos
territoriais, diante a necessidade de se ampliar as parcerias do Estado com a iniciativa
privada, as esferas de poder local e os atores das comunidades locais. As práticas sócioeconômicas num estado-nação democrático, necessitam de um trânsito amplo entre as
diferentes escalas de poder decisório. Assim, “os empreendedorismos de caráter
associativo tenderão a implementar, com apoio de políticas públicas, possíveis novos
núcleos de geração de projetos, de geração de emprego e renda. De uma forma ou de outra,
tratar-se-ão de novas faces do tecido social e político, novos campos de força sobre as
quais o Estado não terá, necessariamente o poder de ingerência ou de investidor principal,
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senão o de coordenador das macro-estratégias que busquem, por exemplo, inserir regiões
desiguais em processos de desconcentração da riqueza e nos novos vetores informacionais
e de reestruturação do território” (RÜCKERT, 2004, p. 4-5).
Deste modo é que torna-se plausível, segundo Boisier (1996 a), a articulação de seis
elementos básicos: atores, instituições, cultura, procedimentos, recursos e entorno,
fomentando assim, práticas que levam ao desenvolvimento territorial. Este
desenvolvimento territorial “é parte integrante de um novo e necessário paradigma (...) é
em verdade um objetivo a se alcançar estrategicamente para permitir, precisamente, uma
adequada articulação entre o sistema local, o regional e o meio externo contemporâneo”
(Ibid, 2002, p.166).
6. IMPORTÂNCIA DA LÓGICA TERRITORIAL
Na busca de uma (re)organização do espaço, determinadas políticas de
desenvolvimento passaram a ser formuladas e gestadas a partir da escala territorial,
buscando articular o desenvolvimento de uma maneira mais integrada. Desta forma, o que
vem ocorrendo é uma mudança nos padrões de referências espaciais, dada a intensificação
dos fluxos das relações capitalistas e a crescente internacionalização do espaço (SANTOS,
1996).
Paralelamente, a partir dos anos 80, a dimensão territorial têm se evidenciado nas
reflexões analíticas como subsídio às análises econômicas. Percebe-se que os
encadeamentos territoriais proporcionaram um novo “olhar” analítico às materialidades
econômicas. Segundo Mendez (2002), o desenvolvimento econômico para ser gestionado
em escala territorial deve incluir as instituições públicas, as instituições privadas, as
organizações econômicas, os centros de inovação tecnológica e os representantes da
sociedade civil, de modo que a articulação destes diferentes atores propicie inovações
territoriais. Segundo Boisier (1996a), a importância de se organizar os territórios através de
ações descentralizadas é dinamizar as sociedades locais e potencializar iniciativas de
caráter fomentador, como forma de promover a competitividade e a competência do
sistema produtivo local, bem como oportunizar as decisões coletivas, em contraponto às
pressões exercidas pela economia global. Para Bandeira (2000), as proposições que tem
como iniciativa a participação e a articulação de diferentes atores sociais, econômicos e
políticos em âmbito territorial, devem extrapolar o campo estritamente governamental,
através de mecanismos que enfatizam a natureza democrática da governança, em prol da
sociedade civil, articulando assim, iniciativas que levem a um processo de
desenvolvimento continuado.
7. PROGRAMA MESORREGIONAL DA GRANDE FRONTEIRA MERCOSUL
A dimensão territorial que ressurgiu nas análises dos cientistas sociais, o que fez
com que na década de 90, os debates em torno do “desenvolvimento”, voltassem a aparecer
com mais intensidade, com outros focos de análise, como o territorial, que transita entre as
escalas globais à locais, com um conjunto de novos processos sociais e econômicos.
No caso do Brasil, a busca do desenvolvimento de caráter territorial vem
potencializando a atuação de variados atores institucionais, em escalas variadas, através do
fomento de diferentes propostas, de diferentes ministérios, e de execução em todo o país.
Desta forma, a região Sul do país vem sendo “palco” da atuação de diversas destas
políticas, dentre os quais podemos destacar o Programa de Desenvolvimento Integrado e
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Sustentável na Mesorregião da Grande Fronteira do Mercosul, ligado a Secretaria de
Programas Regionais (SPR), do Ministério da Integração Nacional.
A Mesorregião Grande Fronteira do Mercosul abrange o sudoeste do Paraná, o
oeste de Santa Catarina e o norte do Rio Grande do Sul, compreendendo 415 municípios.
No norte gaúcho aparecem 238 municípios que pertencem a sete Conselhos Regionais de
Desenvolvimento - Coredes (Alto Jacuí, Produção, Missões, Fronteira Noroeste, Médio
Alto Uruguai, Norte e Nordeste) e parte de outros quatro (Hortências, Serra, Vale do
Taquarí e Vale do Rio Pardo).
Apesar desta mesorregião ser de ocupação antiga, o grau de urbanização é
relativamente baixo, com cerca de 65%, concentrando uma parcela significativa da
população na zona rural. Apesar da existência de alguns centros industriais na mesorregião,
com relativa diversificação, porém fora do eixo de dinamismo da economia
macrorregional, a agropecuária e a agroindústria constituem a base da sua estrutura
produtiva. Ressalta-se também, a grande concentração de propriedades rurais até 100
hectares na área de abrangência da mesorregião.
Ao mesmo tempo, deve-se considerar que, apesar do segmento das pequenas
propriedades possuir relevante importância na base produtiva local, é também, o mais
vulnerável. Porém, a tradição do associativismo existente nesta mesorregião, através da
densa rede de associações e de conselhos municipais, resultantes da dinâmica de união de
diferentes atores sociais, determinam um consistente aprendizado para a participação
política e social.
Os problemas desta mesorregião, segundo a SPR são a crescente perda de
dinamismo da economia regional, frente ao contexto de globalização e competitividade; a
dificuldade de inserção da pequena propriedade rural no mercado e as precárias condições
de moradia de parcela significativa da população; com deficiências de saneamento básico,
acesso à saúde e educação. Como conseqüência dos fatores elencados, advém a baixa
capacidade de absorção de mão-de-obra e retenção da população, o que vem gerando
êxodo rural e emigração regional.
Dessa forma, fazem-se necessárias ações que reforcem o processo de cooperação,
materializando esses esforços em uma ação de desenvolvimento integrado e sustentável,
pela mobilização do potencial de desenvolvimento territorial, objetivando a redução das
desigualdades econômicas, sociais e regionais20.
Neste sentido, a política mesorregional da Grande Fronteira Mercosul, parece se
direcionar às proposições acima, pois esta política é fomentada pelo governo federal, mas
busca conjugar a ação dos atores sociais (mercado, Estado e sociedade civil) locais e nãolocais, em várias escalas, a fim de possibilitar o uso dos recursos físicos, econômicos e
sociais disponíveis no território, resultando num tipo de desenvolvimento sedimentado,
onde vários princípios de governança são percebidos, num processo em construção. As
políticas de desenvolvimento territorial não são milagrosas, mas ao contrário das políticas
da era desenvolvimentista, se mostram mais passíveis de gerar resultados positivos,
exatamente por refletir e ser reflexo da sociedade em que esta política pública de fomento é
aplicada.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Caracterização apresentada no Portal da Mesorregião da Grande Fronteira Mercosul
(http://www.mesorregiao-gfm.org.br/).
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Neste artigo salientamos o Programa de Desenvolvimento Integrado e Sustentável
na Mesorregião da Grande Fronteira do Mercosul, que apresenta um enfoque territorial,
abrangendo áreas de economias deprimidas nos Estados da região sul do país, e que
congrega a atuação das instituições públicas, das instituições privadas e a sociedade civil,
em variadas escalas; estimulando a intensificação da participação social, o que vem
levando a uma (re)estruturação econômica e a novas formas da gestão no território.
Porém, há a necessidade de se ampliar o debate e avaliar as potencialidades desta
proposta, visto que trabalhar com diferentes pressupostos em distintos níveis de
intervenção escalar, por diferentes agentes, com poderes distintos, exige uma coordenação
efetiva para as tomadas de decisões. Em tal contexto, composto por diversas instituições,
com tempos de respostas políticas e econômicas territorialmente diferenciadas (Ruckert,
2004), torna-se pertinente uma leitura curada destes processos, a fim de que a proposição
do território como foco para o desenvolvimento, não seja apenas parte de um rol de boas
intenções, sem efetividade prática para as demandas sociais, mas sim, se apresente como
uma proposta sustentável.
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