1 VARIEDADE LINGÜÍSTICA: ABORDAGEM SOCIOINTERACIONISTA DO ENSINO DE LÍNGUA Cleber Cezar da Silva; Helena Gonçalves de Paula Santos; Leandra Aparecida Mendes dos Santos. Resumo Este trabalho teve como objetivo fazer o cotejo entre diversos autores que têm se ocupado das variedades lingüísticas, e do tratamento dado a elas em sala de aula. foram realizadas releituras das questões que envolvem os domínios sociais (de oralidade e letramento); as teorias de aquisição da linguagem. os aspectos sociointeracionistas da linguagem, como abordagem de diversidade lingüística brasileira e seu papel em salas de aula de língua materna. Palavras-Chaves: Variedade, domínio, ensino. Introdução Objetivou-se neste trabalho analisar, dentro do contexto escolar, as questões pedagógicas relativas às variações lingüísticas e o tratamento que se destina a elas nas salas de aula de língua materna (nesse caso língua portuguesa). Para tanto foi necessário investigar como a escola lida com as diferenças lingüísticas que são, antes de qualquer coisa, diferenças sociais, culturais e pessoais. A pesquisa fundamentou-se no levantamento e no cotejo entre autores pesquisados. Na transição do domínio do lar para o domínio da escola, além de todas as mudanças envolvidas tais como ambientes sociais diferentes, experiências familiares diversas, aquisição de língua falada de maneiras diferentes e aquisição de normas lingüísticas também diferentes, o aluno “enfrentará” uma mudança ainda maior, mergulhará no mundo da escrita, ou seja, a criança viverá a transição de uma cultura de oralidade para a imersão numa cultura de letramento. No entanto, ao ingressar na escola, a criança percebe que sua língua, a falada que ela trouxe de casa, de suas interações, não é valorizada na escola. A norma lingüística instituída pela escola como padrão a ser aprendido e, portanto seguido, é uma língua estranha, quase estrangeira sob a ótica de uma criança de cinco ou seis anos de idade. A escola valoriza a língua escrita e não reconhece qualquer língua falada que se afaste do 2 padrão instituído. As crianças das classes privilegiadas adaptam-se mais facilmente às expectativas da escola. Essa língua culta que a escola valoriza está distante do contexto social das crianças das classes populares. A criança quando chega à escola para ser alfabetizada, já domina uma norma lingüística. Ignorar esse conhecimento prévio é considerar a criança como um ser vazio que precisa aprender a “língua” portuguesa é, no mínimo um equívoco. Segundo SILVA (2004, p.75)... o falante nativo já é o senhor de sua fala quando entra na escola, defendendo que a oralidade seja o ponto de partida do ensino/aprendizagem para tornar o individuo seguro de que sabe a sua língua. O professor, que é fundamental no processo de aquisição da língua escrita, deve ser devidamente preparado tanto na formação lingüística, quanto na formação pedagógica, para entender a problemática que envolve a diversidade lingüística falada e a relativa homogeneidade que se apresenta na escrita. A valorização da diversidade de ser trabalhada, pois o objetivo é tornar o estudante pluridialetal, ou seja, ter o domínio de seu dialeto familiar, do dialeto de seu grupo social, sendo consciente da variação de outros grupos e senhor também das normas do dialeto socialmente privilegiado. Assim SILVA (2004, p. 77) afirma que: Consciente dessa diversidade “natural”, deverá ser o estudante capaz de discernir quando utilizará uma ou outra variedade, a depender das suas necessidades, das exigências sociais e das situações comunicativas que se encontre. O fato das crianças com idade de três anos, aproximadamente, serem capazes de utilizar suas línguas de maneira eficaz e produtiva, levanta a questão de como elas aprendem essa língua. É esse questionamento que é desenvolvido pelas teorias de aquisição da linguagem. O Empirismo, o homem não pode atingir a verdade definitiva, pois tem nos fatos, e não nele, a principal fonte para tal explicação, ou seja, está no exterior fora do organismo. Já enquanto o Behaviorismo considera somente os fatos observáveis da língua, sem preocupar-se com a existência de um componente estruturador que esteja articulando uma língua. Nessa teoria, seria como explicar a produção e entendimento de sentenças nunca ouvidas antes. Um fator relevante nessa teoria a respeito da rapidez no processo de aprendizagem. Uma criança, com quatro anos, já é competente em sua língua e domina a maior parte das regras dessa língua, então o aprendizado por imitação exigiria um tempo maior. O Conexionismo é uma linha de pesquisa que tem como objetivo investigar a 3 possibilidade de simulação de comportamentos inteligentes através de modelos baseados na estrutura e funcionamento do cérebro humano. As propostas conexionistas viabilizam a interação entre o organismo, ou seja, a rede neural e o ambiente para o aprendizado. Esse modelo de aprendizagem valoriza a quantidade de dados de entrada e a variabilidade dos dados de saída. O Racionalismo consiste em considerar a razão essência do real, tanto natural quanto histórico, a razão constitui o instrumento fundamental para a compreensão do mundo, cuja ordem interna, aliás, teria um caráter racional. A teoria racionalista sobre a aquisição da linguagem assume que juntamente com as experiências, as crianças fazem uso de alguma forma de capacidade inata. Sobre o inatismo vale ressaltar, segundo SANTOS (2004, p. 220): Pode-se dizer que são duas as correntes inatistas: uma assume que o aprendizado da linguagem é independente da cognição e de outras formas de aprendizado (conhecida como hipótese gerativista ou inatista); e a outra assume que a linguagem é parte da cognição, ou que o mecanismo responsável por outras formas de aprendizado (são conhecidas como cognitivistas construtivistas). Na corrente construtivista, as crianças constroem a linguagem. Há duas vertentes construtivistas: a cognitivista e a interacionista. Para PIAGET a criança constrói o conhecimento com base na experiência com o mundo físico. Seus estudos propõem que o desenvolvimento cognitivo passa por estágios: sensório motor (zero a dezoito meses), préoperatório (dois a sete anos), operações concretas (sete a doze anos) e operações formais. A corrente interacionista defendida por VYGOTSKY enfoca que o desenvolvimento da fala segue as mesmas leis do desenvolvimento de outras operações me ntais. Nessa perspectiva interacionista, o adulto tem papel relevante, pois a intenção comunicativa, ou seja, é o facilitador do processo de aquisição. O autor estabelece uma relação entre língua e pensamento, com os seguintes estágios: o primeiro é o natural ou primitivo que corresponde à fala pré- intelectual e ao pensamento pré-verbal; o segundo é a psicologia ingênua em que a criança experimenta as propriedades físicas, tanto de seu corpo, quanto dos objetos e aplica essas experiências ao uso de instrumentos, ou seja, uma inteligência prática; o terceiro são os signos exteriores, quando as operações externas são auxiliadoras das operações internas (nesse estágio ocorre à fala egocêntrica), o quarto estágio é o crescimento interior em que as operações externas se interiorizam. Ao observarmos o panorama da Educação Brasileira, notamos que o trabalho do docente costuma vir atrelado às linhas metodológicas dos processos de ensinoaprendizagem, norteadas por diversas teorias educativas. Na Pedagogia Tradiciona l, o 4 professor é o centro da atividade educativa (transmissor do saber). Na teoria Escola Nova (Escolanovismo) o eixo da educação desloca-se do professor para o aluno, do conteúdo para o método, do esforço para o interesse, da disciplina para a espontaneidade, tendo por objetivo “aprender a aprender”. A corrente pedagógica conhecida como Libertadora voltada para as classes populares, nesta pedagogia, educador e educando são sujeitos da ação educativa, a metodologia é caracterizada como ativa, dialógica e critica, em que a prioridade é o trabalho e a discussão em grupo. A teoria educacional Tecnicista inspira-se no espírito do trabalho fabril, enfatiza a racionalidade, eficiência e produtividade. È o processo que determina a ação educativa de professores e alunos, cuja tônica consiste em “aprender a fazer”. Segundo TARDELLI, as diversas teorias educacionais fracassaram na tentativa de resolver os problemas de natureza sócio- historico-culturais, pois eles extrapolam os limites da instituição, não preparada para abrigar uma clientela das classes populares. Para assumir uma nova postura pedagógica e reformular o ensino da língua materna são reivindicadas ao professor teorias de natureza psicopedagógicas, noções de Lingüística, Filosofia da Linguagem, Teoria da Comunicação, entres outras. Faz-se necessário uma formação continuada para que esteja reformulando seus conhecimentos e assumindo uma nova postura. Segundo os PCN’s (Parâmetros Curriculares Nacionais – 1997, p. 41) o ensino da língua materna exige uma concepção que veja o individuo como um ser único o qual necessita de noções de leitura, escrita, produção de textos, gramática, sob um novo enfoque, e acima de tudo ser reconhecido em sua variedade lingüística e contexto social, para que se possa, alcançar o verdadeiro objetivo do ensino de português: expandir o uso da linguagem em instâncias privadas e utilizá-las com eficácia em instâncias públicas. Uma observação um pouco mais criteriosa sobre o ensino de língua portuguesa que vem sendo ministrado nas escolas públicas de Ensino Fundamental. Reconhecendo a diversidade da língua, torna-se imperativo rever os objetivos do ensino de língua e considerar como se dá a aquisição de uma língua, seja falada ou escrita e as concepções de linguagem que orientaram as práticas pedagógicas tentativas ao processo de ensino e aprendizagem de uma língua. Essas concepções devem fundamentar esses processos, tendo o contexto sócio-interacional como ponto de partida para o ensino de outras modalidades de língua. 5 Em vez da escola ampliar as possibilidades de uso lingüístico do aluno em relação à linguagem padrão, a escola ignora a competência lingüística do aluno impondo a ele a modalidade lingüística empacotada nos métodos já preestabelecidos. Logo são poucos os alunos que saem da escola com um domínio funcional da língua escrita. Geralmente, aos alunos economicamente menos favorecidos, resta o fracasso, a reprovação, a evasão. Assim, num contexto que não lhes possibilita a adquirir a linguagem escrita e tendo contra si, na maioria das vezes, experiências, cultura e valores divergentes dos da instituição escolar, são submetidos a práticas pedagógicas, que não lhes possibilitam a aquisição da linguagem escrita e impedem suas capacidades de agir e reagir, recebendo o rótulo de deficientes. Ainda segundo BARROS (1995, p. 76): Discriminador é a falta de apoio por parte do sistema educacional e também, a situação financeira e profissional limitada do professor que anulam as possibilidades de aperfeiçoamento. Em qualquer espaço social da sala de aula, devem ser valorizadas as experiências, os conteúdos, os valores e crenças dos alunos, para que, desde os primeiros anos escolares, eles possam reconhecer o maior número de diferenças lingüísticas e culturais. Os educadores terão como missão assegurar à criança a possibilidade de aquisição da variedade padrão, trabalhando progressivamente, a fim de que o aluno produza a partir do que já compreende para estudos mais complexos. É papel da escola é, mostrar aos alunos a existência de inúmeras variações lingüísticas, proporcionar- lhes caminhos para o desenvolvimento da produção oral e escrita, ajudar o indivíduo a construir o conhecimento dentro da Língua Portuguesa num processo gradativo. O personagem Chico Bento teve sustentado nossa reflexão nesse estudo, pois nos permitiu atentar para as diferenças culturais e conhecer expressões de uma cultura rica e uma diversidade lingüística que colore o país de norte a sul. Chico Bento pode representar, em nossas salas de aula, um símbolo do multiculturalismo brasileiro e suas histórias podem nos ajudar no despertar de nossos alunos, desde os primeiros anos escolares, para a consciência da diversidade sociolingüística. A escola precisa ser um espaço que favoreça a aprendizagem e, principalmente, esteja atenta à identificação e conscientização das variedades lingüísticas para um aprendizado satisfatório. Portanto muitos estudos educacionais precisam ser feitos para que possa compreender melhor os fenômenos lingüísticos e desenvolver-se uma pedagogia educacional que favoreça a formação de um cidadão crítico e consciente. 6 Referências Bibliográficas BAGNO, M. 2002. Língua materna; letramento, variação e ensino. São Paulo: Parábola. BARROS, R.C.R. 1995. Alfabetização e contexto.In: BRAGGIO, S.L.B. Contribuições da lingüística para a alfabetização. Goiânia: UFG. BORTONI – RICARDO, S.M. 2005. Educação em língua materna: a sociolingüística na sala de aula. São Paulo: Parábola. SILVA, R.V.M. 2004. O português são dois...novas fronteiras, velhos problemas. São Paulo: Parábola. SOARES, M.B. 2003. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto. TARDELLI, M.C.O. 2002. O ensino da língua materna: interação em sala de aula. São Paulo: Cortez.