Passo1 - Arley Costa

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1 TSP III ­ Behaviorismo Passo 1 Considerações Sobre uma Abordagem Comportamental para a Psicologia
Objetivos: 1) Definir, identificar e distinguir explicações mentalistas e internalistas de
explicações funcionais externalistas do comportamento; 2) Discorrer sobe as críticas ao
mentalismo.
Atualmente uma das definições mais conhecidas de Psicologia é a de que ela é o "estudo
do comportamento". Essa não seria uma definição adequada, entretanto, para a Psicologia que
se fazia quando Wundt fundou essa disciplina como uma ciência independente, e mesmo para
toda a Psicologia científica de hoje. A “Psicologia”, que etimologicamente significa “estudo da
psique ou da mente”, passou a se interessar cada vez mais pelo comportamento, porque o
“processamento mental”, o funcionamento da “mente”, só pode ser inferido1, não pode ser
diretamente observado2 nem manipulado, criando dificuldades metodológicas, conceituais e
filosóficas.
Por algum tempo, estudar o comportamento era apenas uma alternativa para a
obtenção de dados que permitiam inferir sobre o então objeto de estudo da Psicologia (a
chamada mente). Em outras palavras, observava-se o comportamento para inferir sobre as
possíveis estruturas e funções dos processos mentais e, a partir de então, explicar o
comportamento. A esse tipo de abordagens ou concepções sobre a Psicologia nós nos
referiremos aqui genericamente como abordagens mentalistas.
Contraditoriamente, a única fonte de informação sobre a dimensão mental residia
exatamente nas ações dos organismos, os comportamentos, e nas interações entre as ações e os
eventos precedendo-as ou sucedendo-as. Por isso, progressivamente o comportamento
assumiu um valor intrínseco, ou seja, tornou-se, pelo menos para uma parte dos psicólogos, o
próprio objeto de estudo da Psicologia, até mesmo porque uma parte do que tem sido
chamado de mente, o pensamento, as sensações, as percepções e os sentimentos, por exemplo,
apesar de não serem eventos observáveis para todos, são ações, atividades, comportamentos
tanto quanto as ações, atividades, comportamentos publicamente observáveis. Nesse
momento surge, portanto, uma abordagem comportamentalista para a Psicologia, em distinção
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Inferir é supor, com base em fatos observados, a ocorrência de um fato não observado. Maria verificou que
João estava deitado no sofá, imóvel e com os olhos fechados. Ela inferiu que João estava dormindo. Apesar da
inferência fazer parte da atividade científica (na formulação de hipóteses, por exemplo), a construção de
conhecimento científico requer verificação. Uma parte do conhecimento da Psicologia é constituído de
inferências a respeito de “instâncias psíquicas” (como Id, Ego, Superego) formuladas a partir da observação de
comportamentos. Conflitos entre o Id e o Superego jamais foram observados. Eles são inferências a partir de
certos padrões comportamentais diretamente acessados.
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Mais tarde veremos que o fato de um evento não ser diretamente observado por outras pessoas não é um
impedimento real para não interpretá-lo e estudá-lo cientificamente. Somos incapazes de observar diretamente
eventos muito pequenos, como partículas físicas elementares, ou muito grandes, como o cosmos inteiro, ou
eventos que ocorrem em espaços de tempo muito longos, como a evolução das espécies. Ainda assim, para cada
um desses exemplos foi possível conceber formas de investigação científica. Os problemas com os conceitos
mentais tradicionais decorrem da interpretação imaterialista dos eventos psicológicos concretos ocorrendo sob
a pele de cada um e da tomada de tais eventos como causas diretas da ação humana observada do que
propriamente sua localização (ver, a propósito, Tourinho, 1999).
2 TSP III ­ Behaviorismo Passo 1 das abordagens mentalistas. A publicação por John Watson (1913/19713) no manifesto
intitulado “A Psicologia como um Behaviorista a vê” pode ser considerada o marco inicial do
Comportamentalismo.
Outra parte dos psicólogos, contudo, não abandonou a tradição mentalista e continuou
a estudar o comportamento público como uma forma de inferir o funcionamento de supostos
eventos internos sem dimensões físicas chamados de mentais, dentro da tradição cartesiana, e
a considerar os eventos comportamentais ocorridos sob a pele (ou seja, eventos internos), ou
privados, como sendo de uma natureza distinta dos demais fenômenos conhecidos e seguindo
leis próprias ou não seguindo lei alguma. Assim, dentro de uma tradição mentalista de
Psicologia as ações diretamente observáveis das pessoas seriam regidas por uma entidade
interior, não-física (sem dimensões no espaço e no tempo), que gerenciaria “de dentro” o
comportamento humano. Essa característica das concepções mentalistas pode ser nomeada
como internalismo.
Mais recentemente, e com o intuito de se livrar das pesadas críticas feitas a esta
imaterialidade da mente, alguns psicólogos têm equiparado mente a cérebro. Observe,
contudo, que o maior problema do mentalismo não é, necessariamente, as referências a algo
inobservável, mas sim o apelo a um agente interno responsável pelo comportamento
(internalismo), e ao equiparar mente e cérebro este problema persiste. Não queremos com
isto dizer que o cérebro deva ser desconsiderado. Antes julgamos que se deve considerá-lo
pelo que ele é; ou seja, um órgão. O cérebro não é uma máquina operando à parte do corpo. Ele
é parte deste corpo, e como tal, faz parte dos processos comportamentais ligados a este
corpo, mas não como causa destes comportamentos, como em uma relação mecanicista (Agente
Interno → Comportamento).
Uma outra faceta também do mentalismo, complementar à descrita anteriormente,
estaria em interpretar os comportamentos e outros eventos ocorridos de forma privada (por
exemplo ver imagens durante um sonho ou fazer uma conta “de cabeça” ou “mentalmente”)
como processos de ordem ou natureza diferente dos eventos públicos. Dessa forma, por
exemplo, fazer um cálculo “de cabeça” teria uma realidade distinta, em um modelo mentalista,
de fazer o mesmo cálculo usando lápis e papel (para mais detalhes sobre uma análise
histórico-conceitual das explicações mentalistas, ver Carvalho Neto, 2001).
Para muitos psicólogos, portanto, as teorias psicológicas são modelos de como
funciona a mente e de como ela produz eventos mentais, como a consciência e a memória,
e comportamentais, como a agressão, a fala, etc. É interessante ressaltar que, mesmo
pensando que as teorias psicológicas explicam como a mente produz eventos psicológicos
e comportamentais (teorias internalistas ou mentalistas), esses psicólogos dependem da
observação do comportamento e de sua interpretação para, indiretamente, verificar se as
teorias estão corretas.
Os analistas do comportamento procuram explicar a ocorrência dos eventos
comportamentais (João beijou Maria; Roberta levantou-se cedo) verificando que relações
esses eventos mantém com os eventos ambientais com os quais o organismo em questão
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Quando duas datas foram apresentadas, a primeira especificará o ano da edição original e a segunda o ano da
edição consultada.
3 TSP III ­ Behaviorismo Passo 1 mantém intercâmbio (exatamente por isso, podemos dizer que ela é uma abordagem
externalista4 ou funcional). Nesse contexto: 1) uma parte da atividade que é tida em outras
áreas como atividade mental, para os analistas do comportamento pode ser considerada
enquanto processamento cerebral, fisiológico e, portanto, deve ser estudado pela
neuropsicologia; 2) outra parte pode ser analisada enquanto eventos (comportamento ou
ambiente) encobertos (ou seja, acessíveis apenas ao próprio sujeito da ação). Quando faço um
cálculo “de cabeça” ou “mentalmente”, estou me comportando tanto quanto se tivesse feito
esse cálculo de maneira aberta a outros observadores, usando papel e caneta5. Isso quer dizer
que, mesmo quando pensamos algo ou cantarolamos uma música de maneira inaudível para os
outros, estamos nos comportando e este comportamento não tem uma natureza diferente de
outros comportamentos observáveis para os outros, eles diferem apenas em relação à
possibilidade de acesso à observação.
Neste caso, enquanto comportamento, os fenômenos psicológicos encobertos não
explicam o comportamento visível, mas precisam também ser explicados. Se você canta uma
música em um bar onde todos são afetados por ela e depois canta essa mesma música ao chegar
em casa para você mesmo, na “sua cabeça”, sendo o único capaz de ouvi-la agora e ser afetado
por sua própria ação, onde estaria a diferença entre as duas formas de “cantar”? A natureza do
cantar se transmutou misteriosa e magicamente nessa passagem do público para o privado?
Como? Por que devo supor isso? O que sustenta tal interpretação? No primeiro você usa o seu
corpo e age, é um evento físico, e no segundo não? Note também que, enquanto
comportamentos, os fenômenos psicológicos encobertos, chamados tradicionalmente de
“mentais”, não explicam o comportamento visível, mas precisam também ser explicados.
Sobre essa questão, De Rose (1997) explica: “Infelizmente, em nossa cultura,
inventou-se, para explicar a ocorrência de comportamentos encobertos, uma entidade
imaterial denominada mente. Esta noção nos levou a perder de vista o fato de que
comportamentos encobertos são operantes do mesmo modo que os comportamentos visíveis.
Pior, esta entidade inventada, que denominamos mente, passou a ser tomada como explicação
dos comportamentos visíveis e, deste modo, as causas reais destes comportamentos têm
passado despercebidas” (p. 80).
Uma explicação mentalista incorre em diversos erros lógicos e carece de uma base
empírica sólida demonstrada e demonstrável. Duas das objeções mais graves ao modo de
explicação mental foram sinalizadas por Ryle (1949/1969) e por Skinner (1953/1965). Ryle
examina a própria fragilidade lógica da tradicional descrição da mente. A visão corrente de
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O que não é o mesmo que dizer que ela ignora eventos concretos ocorridos em baixo da pele (“internos”) de
cada um. Não está em discussão a existência de eventos psicológicos/comportamentais subjetivos, mas apenas
sua natureza e sua posição em uma cadeia causal ampla (Skinner, 1945).
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Observe que podemos identificar pelo menos dois tipos de “pensar”: um essencialmente verbal e outro
perceptual. No primeiro ocorre uma descrição, privada, do mundo através de uma língua qualquer. Quando
você “fala com você mesmo” em um nível tão baixo que somente você mesmo é afetado pelo que está fazendo.
Uma outra forma de pensar parece envolver apenas comportamentos perceptuais, como “ver”, “ouvir”,
“tatear”, etc. Quando você “lembra” do rosto do seu melhor amigo quando ouve o nome dele, você está agindo
de forma perceptual, no caso “ver”, na ausência do estímulo original. Em ambos os casos, estamos diante de
coisas que os organismos fazem no intercâmbio com seus mundos.
4 TSP III ­ Behaviorismo Passo 1 mente (que tem sido aceita há mais de 300 anos) é aquela proposta por Descartes, que é
decorrente de sua suposição de que existiriam dois tipos de substância no universo: a res
estensa (matéria) e a res cogito (mente). A mente para Descartes seria uma substância não
física, não espacial, não temporal, não divisível, não perecível e etc. Esta mente estaria em
constante interação com o corpo material. O problema decorrente destes postulados, muito
bem apontado por Ryle, é simples: como é possível que o corpo, que é material e, portanto,
opera segundo leis físicas, pode interagir com esta substância não física, que opera segundo
leis próprias? Além disto, se a mente não tem propriedades espaciais, por que nós a situamos
dentro do corpo? Como é possível que um evento ocorrido em um tempo preciso possa afetar
a mente se esta é atemporal? Entre tantas outras.
Ao longo de sua obra Skinner faz uma série de críticas ao mentalismo, mas uma que é
particularmente útil neste momento é aquela relacionada à circularidade das explicações de
natureza mental. Ele acreditava que os termos mentalistas seriam, de início, apenas nomes
usados para designar conjuntos de comportamentos e que posteriormente adquiriram,
equivocadamente, o papel de “causas” destes comportamentos. Ele justifica seu argumento
apontando para as falaciosas explicações mentalistas e seus raciocínios viciosos como o que se
segue: Ao observar que Bart está cabisbaixo, quieto, com um olhar disperso, e os olhos
marejados de lágrimas o mentalista dirá: “Bart está triste!”. Mas alguém poderia então
interpelá-lo sobre como é possível que ele saiba que Bart está triste, ao que ele responderia:
“Olhe como ele está cabisbaixo, como está quieto! Olhe o modo como seu olhar parece disperso
e os seus olhos estão marejados de lágrimas! É óbvio que está triste!” Observe como neste
nosso exemplo hipotético, o referido mentalista se exime de explicar as razões do
comportamento de Bart; ele simplesmente torna a descrever o comportamento de Bart, que é
justamente aquilo que ele deveria explicar. Note que o problema não está em se utilizar o
termo “triste”, afinal este termo apenas sintetiza uma série de comportamentos que
normalmente são apresentados em conjunto em uma determinada circunstância. O problema
surge quando tomamos esta tristeza como sendo a “causa” do comportamento. É por isto que
Skinner acusa o mentalismo de apresentar explicações circulares; afinal os defensores desta
abordagem do comportamento observam um dado evento comportamental, atribuem este
evento a uma entidade mental qualquer e justificam sua existência com base em inferências
feitas a partir do próprio evento que se pretende explicar.
Como dito anteriormente, o grande problema com as explicações mentalistas é a
atribuição de uma causa interna a um comportamento. A fim de evitar tal equivoco, os analistas
do comportamento restringem suas explicações ao estabelecimento de relações funcionais
entre eventos (no Passo 4 será apresentada uma versão mais detalhada do conceito de relação
funcional). Deste modo, para estes cientistas do comportamento, tanto o comportamento
visível, quanto os comportamentos encobertos (eventos privados) devem ser entendidos a
partir de suas relações com o ambiente.
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