UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CAMPUS DE SÃO JOSÉ CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIAS AS INSTABILIDADES DO SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Relações internacionais na Universidade do Vale do Itajaí. ACADÊMICO: André Marques Leite São José (SC), abril de 2005. i UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CAMPUS DE SÃO JOSÉ CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIAS AS INSTABILIDADES DO SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Relações internacionais, sob orientação do Prof. MSc. Paulo Jonas Grando. ACADÊMICO: André Marques Leite São José (SC), abril de 2005. ii UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CAMPUS DE SÃO JOSÉ CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA AS INSTABILIDADES DO SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL André Marques Leite A presente monografia foi aprovada como requisito para obtenção do Grau de Bacharel em Relações Internacionais no Curso de Relações Internacionais da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI São José, 14 de abril de 2005. ____________________________________ Prof. MSc. Roberto Di Sena Jr. Coordenador do Curso de Relações Internacionais ____________________________________ Prof. MSc. Paulo Jonas Grando Coordenador de Monografias do Curso de Relações Internacionais Banca Examinadora: ___________________________________________________________________________ Prof MSc. Paulo Jonas Grando – membro orientador ___________________________________________________________________________ Prof. MSc. Roberto Di Sena Jr. – membro examinador ___________________________________________________________________________ Prof. Esp. André Vinícius Tschumi – membro examinador iii AGRADECIMENTOS A minha irmã, Cristiane, por ter feito parte da minha vida, por sua cumplicidade e ensinamentos, por acreditar que tudo é possível quando realmente queremos, e por ser mais que uma irmã, mas também uma mãe. A Beth, que eu me nego chamar de madrasta pelo termo pejorativo da palavra, mas sim por ser a mãe que eu gostaria de ter, e por não consegui mais imaginar a minha vida sem a presença dessa pessoa iluminada. A minha irmã, Gabi, por sua singela presença, mas de grande importância, pois ela faz parte dos momentos de alegria que me sustentaram durante esse percurso. A minha tia, Zenair, por sempre me estimular e me mostrar o lado positivo da vida, por seus ensinamentos, e por fazer parte efetiva na minha vida. Aos meus amigos, Daniel, Felipe, Fernanda, Juliana, que fazem parte de todos os momentos da minha vida, tanto com alegrias quanto com críticas que fazem parte do meu crescimento pessoal, pela presença desses reais amigos que jamais podem ser esquecidos. Ao meu professor e orientador, Grando, por sua especial atenção, dedicação, paciência voltada a mim, por todo seu trabalho, por todos os ensinamentos acadêmicos que serão lembrados sempre no futuro por sua tamanha importância. A todas aquelas, pessoas que também fazem parte da minha vida e de algum maneira me ajudaram com energias boas a cumprir essa etapa, levando-me ao início de uma nova fase. iv AGRADECIMENTO ESPECIAL “Ao meu pai, por sua eterna compreensão e suporte, por sua dedicação e amor durante todos os anos da minha vida, por seus ensinamentos que fizeram a minha formação intelectual possível e por ser sem dúvida o melhor pai que eu poderia jamais ter”. v SUMÁRIO RESUMO…...……………………………………………………………………………….. vi ABSTRACT………………………………………………………………...………………..vii LISTA DE ABREVIATURAS……………………………………………………………..viii LISTA DE TABELAS….……………………………………………………………………ix INTRODUÇÃO……………………………………………………………………………...10 1 O SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL E SUA REGULAÇÃO ATÉ O FIM DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL ..................................................................... 14 1.1 A MOEDA COMO FATOR ESTIMULADOR DO COMÉRCIO.....................................15 1.2 O PADRÃO LIBRA-OURO E A IMPORTÂNCIA DA INGLATERRA ..........................17 1.3 A CRISE DO SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL BASEADO NO PADRÃO LIBRA-OURO .............................................................................................................................22 2 O SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL APÓS OS ACORDOS DE BRETTON WOODS.......................................................................................................... 29 2.1 A HEGEMONIA NORTE-AMERICANA E O PADRÃO DÓLAR-OURO CONSTRUÍDO EM BRETTON WOODS..............................................................................................................29 2.2 O FUNCIONAMENTO DOS ACORDOS DE BRETTON WOODS ATÉ MEADOS DOS ANOS 70......................................................................................................................................32 2.2.1 O Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD)....... 34 2.2.2 O Fundo Monetário Internacional (FMI) .................................................. 35 2.2.3 O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT).................................. 39 2.3 3 A CRISE DO SISTEMA DE BRETTON WOODS...........................................................40 A INSTABILIDADE DO SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL APÓS OS ANOS 70............................................................................................................................. 46 3.1 A DESREGULAMENTAÇÃO FINANCEIRA DOS ANOS 70: ALGUMAS OBSERVAÇÕES TEÓRICAS......................................................................................................47 3.2 AS CRISES FINANCEIRAS INTERNACIONAIS APÓS A DESREGULAMENTAÇÃO DO SISTEMA DE BRETTON WOODS E A MANUTENÇÃO DO DÓLAR COMO PADRÃO MONETÁRIO LASTREADO NA CONFIANÇA.........................................................................55 3.3 AS DIFICULDADES PARA REGULAR O ATUAL SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL......................................................................................................................63 3.4 AS PRINCIPAIS PROPOSTAS PARA REFORMAR O ATUAL SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL..............................................................................................66 CONSIDERAÇÕES FINAIS…………...…………………………………………………..69 REFERÊNCIA PESQUISADAS......……………………………………...………………..76 vi RESUMO Este trabalho aborda as crises que o Sistema Financeiro Internacional enfrentou e que ainda estão acontecendo na atualidade. Para isso, realizou-se um levantamento bibliográfico sobre a evolução do Sistema Financeiro Internacional desde o período do padrão libra-ouro até a atualidade e descreveram-se os principais eventos que influenciaram o comportamento do sistema, relacionando as influências de tais eventos com a apresentação das crises sistêmicas e suas principais causas. O primeiro capítulo inicia com a eclosão e a importância da moeda para as trocas, tanto a nível interno, como no comércio internacional. No mesmo capítulo, abordam-se as características do padrão libra-ouro: sua funcionalidade e a crise que ocasionou sua extinção. No capítulo dois, discute-se a hegemonia dos Estados Unidos e sua atuação para a elaboração do padrão dólar-ouro, construído na Conferência de Bretton Woods. A partir disso, apresentam-se as instituições que faziam a manutenção do sistema: o Fundo Monetário Internacional, O Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio (OIC) sucedida pelo Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) e depois pela Organização Mundial do Comércio. Este capítulo é concluído pelo exame dos problemas enfrentados pelos Estados Unidos nos anos 60 e 70, os quais causaram o fim do Sistema Financeiro Internacional criado em Bretton Woods. No capítulo três, estudou-se a instabilidade que o Sistema Financeiro Internacional vem apresentando desde os anos 70, decorrente, em parte, da desregulamentação financeira imposta aos países pelos Estados Unidos. Como aspecto final, este trabalho destaca a situação do debate sobre a nova regulação do Sistema Financeiro Internacional em oposição à regulação ou à liberdade existente no sistema. vii ABSTRACT This research approaches the crises that the International Monetary System has faced and is still facing nowadays. Towards, the research has done a bibliographic survey about the International Monetary System evolution since the pound-gold standard period till the present time and also described the main events that influenced the system behavior, relating the influence of those events to the systemic crises and their main causes. The first chapter starts presenting the importance of the money in trades, whether internally or internationally. At the same chapter, the characteristics of the pound-gold standard are approached, its functionality and the crises that has caused it ending. The second chapter, the United States hegemony is discussed and their performance elaborating the dollar-gold standard built in Bretton Woods Conference. From that on, the institutions that make part of the system are presented: The International Monetary Fund, The World Bank and the General Agreement on Tariffs and Trade, succeeded by the World Trade Organization. The chapter is concluded by the examination of the problems faced by the United States in the 60’s and 70’s, which caused the end of the International Monetary System created in Bretton Woods. The third chapter studies the instability that the present International Monetary System has been showing, due, somehow, to the financial deregulation imposed to the countries by the United States after the 70’s. As a final aspect, this research highlights the current situation of the debate that involves the new International Monetary System in opposition to regulation or the continuance of the liberty that presents its functioning nowadays. viii LISTA DE ABREVIATURAS BIRD Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Banco Mundial) BW Bretton Woods CFF Compensatory Financing Facility EFF Extended Fund Facility EUA Estados Unidos da América FED Federal Reserve FMI Fundo Monetário Internacional GATT General Agreement on Tariffs and Trade (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio) OIC Organização Internacional do Comércio OMC Organização Mundial do Comércio OPEP Organização dos Paises Exportadores de Petróleo PDO Padrão Dólar-ouro PLO Padrão Libra-ouro PRGF Poverty Reduction and Grownth Facility SBA Stand-by Arrangements SFI Sistema Financeiro Internacional SRF Supplemental Reserve Facility ix LISTA DE GRÁFICOS E TABELAS Gráfico 1 – Evolução das taxas de Juros LIBOR...................................................................52 Tabela 1 – Pagamentos do serviço da dívida.........................................................................53 Quadro Resumo 1 – Crise financeira do Leste Asiático e suas disseminações...............58-59 10 INTRODUÇÃO O assunto deste trabalho enfoca o Sistema Financeiro Internacional (SFI). A preocupação inicial decorreu das instabilidades que, de tempos em tempos, se observa no mercado financeiro internacional. Estas, em tese, seriam influenciadas pela arquitetura do próprio objeto de estudo. Ainda, a pesquisa procurou levantar as principais características que marcaram os diferentes períodos da evolução do SFI, pois se acredita que o estudo de suas características é importante para o entendimento da área econômica das relações internacionais. Este trabalho entende por Sistema Financeiro Internacional, aquilo que segundo Baumann, Canuto e Gonçalves (2004, p.363), “refere-se ao conjunto de regras e convenções que governam as relações financeiras entre os países. Elas formam o aparato institucional que mantém as relações entre as diversas economias. Essas normas referem-se em geral a dois aspectos – a conversão de uma moeda a outra e o padrão monetário adotado”. As regras que o SFI implementa para seu funcionamento são de suma importância para o relacionamento econômico entre os países e são criadas para determinar como o câmbio entre diferentes moedas nacionais será efetuado. A conversão de valores entre as moedas nacionais, tendo por parâmetro um determinado padrão monetário internacional, é benéfico para o aumento do intercâmbio entre as nações, pois gera uma redução significativa no custo de transações entre terceiros países. Nesse sentido, esta questão envolve o pagamento ou recebimento de valores e esse aspecto influencia um número muito grande de transações financeiras entre países. Por exemplo, a questão afeta assuntos como a situação dos empréstimos internacionais, feitos entre países e agências de investimento ou bancos e financiadores privados; também atua sobre a questão dos pagamentos de royalties entre empresas nacionais e transnacionais, na compra e venda de ações de empresas em outros países e no aspecto da repatriação de lucros, entre outros aspectos importantes Ainda, a questão cambial funciona como estimulador ou supressor de viagens turísticas; determina os níveis de competitividade entre países segundo o valor que determinada moeda imprime comparativamente aos produtos que um país exporta ou importa, pois a conversão diferencia o valor das moedas, e através deste valor é estabelecido o custo dos produtos no comércio internacional. Os pontos acima destacados são alguns dos exemplos que mostram a necessidade de se calcular o cambio entre diferentes moedas, geralmente entre a moeda nacional e o padrão internacional de referência. Observa-se assim que este assunto é importante também no caso 11 de contratos internacionais. Estes podem ser feitos entre indivíduos, empresas e governos nas diferentes relações em que estes atores estejam colocados. Desta forma, a conversão influencia diretamente em diversas situações em que valores monetários estão interpostos nas relações internacionais. Com relação ao padrão monetário, este define os ativos de reserva que serão utilizados oficialmente pelos Estados e a relação do valor deste padrão com os outros tipos de moedas. O ouro é usado com freqüência como ativo de reserva, além das moedas nacionais que têm grande aceitação internacional. Na atualidade, as principais moedas de reserva são o dólar, libra, iene e euro, e são utilizadas como referências para balizar o valor das demais. Atualmente, não existe um padrão monetário internacional regulamentado. No entanto, o dólar continua como principal moeda de reserva e, desta forma, atua como o principal padrão monetário internacional. Isso se deve ao fato de que os países e detentores de divisas acreditam que o dólar tem maiores condições em preservar o seu valor de compra e, por isso, mantém a maior parte de suas reservas neste ativo. Por outro lado, como o valor de uma moeda varia por diversos motivos, a diversificação dos ativos de reserva tende a diminuir a instabilidade cambial. Isso acontece, pois quando um ativo se deprecia ou se valoriza, tende a influenciar o valor das moedas dos países que mantêm tal ativo como reserva e isso vai se relacionar aos preços relativos destes bens. Diante disso, a alteração do valor de um dos ativos internacionais de reserva, que um país mantém, tem influência proporcional à quantidade desse ativo na sua carteira de moedas. Perante o exposto, as regras, convencionadas pelos Estados para formular o SFI, exercem influência tanto sobre as relações propriamente financeiras bem como sobre as comerciais. A compreensão do tema proposto é um elemento importante para se entender a complexidade que existe nas relações financeiras internacionais. Assim sendo, acredita-se que este estudo contribui auxiliar na compreensão do funcionamento do sistema financeiro, assunto que vem tendo bastante importância nas relações internacionais. Dentro deste contexto, este trabalho estudou a formação e funcionamento do SFI desde o sistema do padrão libra-ouro até a atualidade. Desta forma, os pontos que orientaram este trabalho de pesquisa questionaram: a) como o SFI estava organizado no sistema libra-ouro, dólar-ouro e na atualidade; b) porque com o fim dos Acordos de Bretton Woods (BW) aumentou a instabilidade nas relações financeiras entre os países; e, c) porque as crises financeiras sofridas por qualquer país têm o potencial de influenciar demais países e mercados. Diante destes questionamentos, as hipóteses de trabalho sugerem as seguintes diretrizes de pesquisa: a) o SFI é organizado segundo o conjunto de regras e normas que 12 governam as relações financeiras entre os países; b) o fim dos Acordos de BW, em meados de 1970, gerou um aumento de liberdade sobre os fluxos de capitais que desestabilizou o SFI e, por outro lado, a maior liberdade para o capital financeiro internacional obstaculizou o controle dos Estados sobre a circulação de capitais, fator que implicou em maior instabilidade das relações financeiras internacionais; e, c) a falta de informação por parte dos investidores aprofunda as crises internacionais, pois deixam de investir em países menos confiáveis e transferem seus recursos para países desenvolvidos, considerados estáveis ou previsíveis. Isso implica na retração do comércio internacional devido à situação de globalização econômica e financeira entre os países. A partir das hipóteses de investigação definiu-se como objetivo geral do trabalho, expor os principais elementos referentes à organização do SFI no período anterior, durante e depois dos Acordos de BW. Os objetivos específicos definiram as ações práticas capazes de dar suporte à estrutura de pesquisa e à parte redacional de cada capítulo. A metodologia implicou no procedimento dedutivo, para o qual utilizou-se da projeção de soluções hipotéticas provisórias para as questões de pesquisa. Ainda, a pesquisa é eminentemente qualitativa e os dados estatísticos foram utilizados para ilustração meramente complementar e informativa. As informações necessárias para este trabalho partiram de um levantamento bibliográfico sobre o assunto, para o qual utilizaram-se os meios convencionais de comunicação como: revistas especializadas, jornais, livros e demais documentos referentes ao tema pesquisado. Ainda sobre o aspecto metodológico, levaram-se em conta os fenômenos históricos sobre o processo de internacionalização dos capitais através do estudo de material bibliográfico específico. No mesmo sentido, muitas informações para essa pesquisa foram colhidas via fontes documentais e eletrônicas. A pesquisa documental visou levantar dados e explicações já publicadas sobre o tema, permitindo comparações a fim de se detectar o comportamento do SFI em diferentes períodos históricos. Desta forma, o primeiro capítulo mostra o histórico do SFI desde a criação da moeda até a ascensão da Inglaterra como Estado hegemônico responsável pelo estabelecimento do padrão libra-ouro, e em seqüência, no mesmo capítulo, aborda-se a crise que levou ao fim deste período do SFI. Em seguida, apresentou-se o SFI que emergiu após os Acordos de BW, ou seja, como os Estados Unidos preencheram o lugar da Inglaterra como Estado hegemônico financeiro internacional naquele período. Ainda, estudou-se às características do sistema durante a vigência dos Acordos de BW e os problemas que causaram o seu declínio. 13 No capítulo final da pesquisa investigaram-se as crises que afetaram o SFI após sua desregulamentação nos anos 70. Além disso, analisaram-se as dificuldades enfrentadas pelos Estados e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para regular o fluxo de capitais, e por fim a situação atual do sistema no início do século XXI e as propostas para uma nova arquitetura para o sistema. 14 1 O SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL E SUA REGULAÇÃO ATÉ O FIM DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL A função do Sistema Financeiro Internacional (SFI) é possibilitar a liquidez dos países e garantir a confiança no próprio sistema. Para se entender essa função deve-se compreender seu funcionamento. As características do SFI atual apresentam-se bastante diferenciadas das que vigoravam no passado, tanto no período do padrão libra-ouro (PLO), como no período do dólar-ouro. As várias formas de organizar as relações financeiras internacionais foram influenciadas por mudanças políticas e econômicas em âmbito internacional, provenientes de processos políticos e econômicos diferentes. Por exemplo, as grandes navegações, o mercantilismo, a primeira e segunda revolução industrial e as mudanças que a posição inglesa auferia no cenário internacional, estão na origem da implementação do PLO. No mesmo sentido, a expansão da economia americana, desde o final do século XIX até a segunda metade do XX (HUNT E SHERMAN, 2001), conjugada com os avanços técnicos produzidos naquele país e a vitória militar na Segunda Guerra Mundial, contribuiu para que os EUA impusessem suas preferências nos Acordos de Bretton Woods (BW). Desta forma, cada aspectos ou situação, atuando individualmente ou em conjunto, foram importantes para definir as principais características do SFI no período que vai desde o estabelecimento do PLO até sua transformação com a adoção do dólar como padrão monetário internacional. Na atualidade, outros elementos se apresentam e geram novas mudanças e, portanto, imprimem novas características ao SFI. Do exposto, este capítulo busca resgatar como a moeda metálica foi inserida nos meios de troca para posteriormente, explanar sobre a primeira fase do SFI. Seu intuito é identificar o início de sua formação, levando em conta quais países e moedas dominaram o sistema que durou até meados do final da Primeira Guerra Mundial. Ainda, o capítulo procura mostrar os principais eventos que geraram a crise do PLO. Estes recortes são justificados pela preocupação em compreender o processo desde seu início, e assim, comparar as diferentes fases do SFI, para então, dispor de informações suficientes para compreender suas principais características na atualidade. 15 1.1 A MOEDA COMO FATOR ESTIMULADOR DO COMÉRCIO Alguns elementos são indispensáveis para compreender o processo que possibilitou ao dinheiro evoluir da brilhante invenção como equivalente universal, capaz de possibilitar o intercâmbio comercial e viabilizar, no aspecto financeiro, as relações econômicas internacionais. O entendimento deste processo é importante porque, por exemplo, as relações financeiras entre países pobres e ricos são apresentadas como um dos aspectos que permitem caracterizar um grupo de países como dependentes economicamente nas suas relações com as nações desenvolvidas, principalmente pela via do endividamento externo. A invenção do dinheiro, a fim de possibilitar o intercâmbio dos bens, foi bastante positiva. Antes disso, a única forma de adquirir algo que fosse necessário para um indivíduo era através da troca direta de bens. Esse processo é conhecido como “escambo”. O indivíduo tinha uma medida de arroz e com ela, trocava por uma medida de feijão. Isso tudo era feito por meio da negociação interpessoal. Cada qual procurava definir valor ao seu produto, e pela negociação determinava-se a quantidade que deveria ser fornecido em troca do outro produto. Assim, com a invenção do dinheiro, gradualmente, foram possíveis a especialização e a ampliação da divisão do trabalho. Desta forma, a necessidade da produção para a autosuficiência foi sendo reduzida e o comércio se impôs, lentamente, como elemento capaz de propiciar parte das necessidades dos indivíduos. Para estimular a evolução dos termos de troca, os metais preciosos foram introduzidos como meio de facilitar a troca de bens entre as pessoas. Ilustrando: uma medida de arroz deixava de equivaler a uma medida de feijão, mas uma medida de arroz passava a ter valor de uma moeda de ouro, prata, ou qualquer outro metal utilizado para essa troca. Esse sistema possibilitava que as pessoas guardassem as moedas para trocar por produtos de sua necessidade por longos períodos, o que não era possível de ser feito com produtos perecíveis. Com isso, a moeda passou a ser um símbolo de riqueza, pois ao mesmo tempo em que viabilizava as trocas, a sua conversibilidade em bens e a qualquer tempo, permitia que esta pudesse ser acumulada (HILFERDING, 1985, p.33-34). Assim, o uso da moeda como equivalente universal, trouxe benefícios que estimularam as trocas entre pessoas e o fortalecimento do comércio como atividade econômica. Hilferding (1985, p.38) definiu a moeda ou o dinheiro como uma mercadoria, porém se distinguindo das demais mercadorias por ser um equivalente delas. Com o avanço do processo, nos séculos seguintes, já durante o período da industrialização no ocidente, 16 existiam mais que pessoas realizando trocas: inúmeras empresas comerciais e indústrias transacionavam bens e serviços em mercados nacionais e de outros países. Com o avanço do comércio e depois da indústria, o fluxo de metais preciosos aumentava e trocava de mão conforme as trocas de mercadorias eram feitas. Roubos eram freqüentes. Aqueles que tinham medo de perder os valores que possuíam começavam a depositá-los em bancos, criados para guardarem ouro e outros metais, em troca de segurança e mediante garantias aos possuidores originais. Deste modo, os bancos passaram a guardar os metais e entregavam títulos de posse aos proprietários. Com o tempo, estes títulos passaram a ser transacionados, e gradualmente, foram se transformando numa espécie de dinheiro de livre circulação (BRUNHOFF1, 1998, p.48). Gradualmente essa atividade dos bancos foi sendo controlada e coordenada pelo Estado com a criação dos bancos centrais, os quais passaram a emitir a moeda nacional. Inicialmente o dinheiro nacional era lastreado em ouro2, cuja reserva metálica ficava depositada nos bancos centrais, enquanto o dinheiro de papel circulava livremente. Com o decorrer do tempo, o lastro em ouro, entre papel-moeda estatal e moeda divisionária ou metálica, foi deixado de lado e o papel-moeda passou a ser considerada moeda fiduciária. As moedas fiduciárias mantêm seu valor como meio de pagamento pela sua simples circulação, somente podendo ser considerada dinheiro no ato da troca (HILFERDING, 1985, p. 66-67). Ainda segundo Hilferding, (op. cit.) na atualidade, a moeda fiduciária tão pouco é garantida pelo Estado que a emitiu. Com isso, o dinheiro apenas apresenta sua validade social segundo a aceitabilidade e confiabilidade do público que o utiliza. A transformação da moeda metálica em dinheiro se deu no contexto do século XIX, quando o Banco da Inglaterra iniciou a “desmaterialização” da moeda e deu inicio a emissão de seu tipo de papel-moeda. E assim, gradualmente, o papel-moeda foi substituindo as peças de ouro que ainda circulavam. (BRUNHOFF, 1998, p.48). Com o tempo, outros países também iniciavam a desmaterialização, o que gerava problemas quanto à proporção do valor de troca entre o papel-moeda emitido em cada país. Uma moeda de ouro era sempre uma moeda de ouro em qualquer lugar do mundo, mas uma unidade monetária britânica não tinha o mesmo valor que uma unidade monetária de outro país. Cada país dava um valor diferente para sua moeda, e quando isso era trocado internacionalmente recebia-se então uma variação da proporção de relação de troca entre elas. Imagina-se que todos países achavam que sua 1 BRUNHOFF, Suzanne de em artigo “A instabilidade financeira internacional” IN “A mundialização financeira” coordenado por CHESNAIS, François. São Paulo, Xamã, 1998. 2 Lastro em ouro: A moeda deveria ser emitida segundo as reservas de ouro do país emissor. Isso era feito para estabelecer o valor da moeda em relação ao ouro. 17 moeda tinha um valor superior. Como o papel-moeda era apenas um título bancário do banco de determinado país que o emitiu, seu valor dependia também da confiança de quem aceitasse utilizar e transacionar nesse “padrão financeiro”. Como o papel-moeda era uma forma de confiança, essa aumentava ou diminuía dependendo da situação (comercial, política, econômica, e administrativa) de cada país que a emitia. Quando havia uma crise, a confiança diminuía e o valor de troca dessa moeda se reduzia perante as demais. Quem possuía a moeda que estava tendo seu valor de compra reduzido, queria trocá-las por outras mais confiáveis para evitar perder valor, pois isso implicava na redução do seu poder de compra em mercadorias e serviços frente a outras moedas. Como a liquidez3 era baixa para a moeda que perdia confiança, ou seja, a facilidade de troca se reduzia, o seu valor perante outras moedas ou mercadorias diminuía. Assim, poucas pessoas teriam interesse em possuir uma moeda, cujo seu valor de face estava sendo depreciado. Observa-se, no aspecto apontado, o funcionamento da lei da oferta e da procura, regra quase que universal para se definir os preços dos bens e produtos, sendo aplicado à moeda o equivalente universal que possibilita o sistema de trocas. Apresentando esse processo, pode-se visualizar a magnitude da criação da moeda. Os efeitos dessa invenção podem ser notados no cotidiano. A moeda participa da vida de ricos e pobres, sendo em movimentações financeiras ou na vida de trabalhadores que vendem sua mão-de-obra por um determinado valor. Seria impossível imaginar a sociedade atual sem esse invento. No entanto, a moeda desempenha fatores de maior complexidade. A emissão de papel-moeda pelos bancos centrais faz com que essa nova moeda receba outros valores, reconhecidos pelas garantias do Estado que a emitiu. Assim, os Estados passam a desempenhar um papel efetivo nas relações financeiras e no valor das moedas, assunto que será tratado a seguir. 1.2 O PADRÃO LIBRA-OURO E A IMPORTÂNCIA DA INGLATERRA No início do século XIX, a rápida expansão da demanda por produtos industrializados produziu lucros elevados para os setores ligados à indústria e ao comércio. Já no século XVIII, devido a essa demanda crescente, grandes investimentos foram feitos na indústria, os 3 Liquidez: “Entende-se por liquidez a facilidade com que um ativo converte-se em meio de troca. O grau de liquidez de um ativo depende: (i) da facilidade com que ele é transacionado, o que depende da existência de mercados organizados e de suas dimensões; (ii) dos custos transacionais associados a sua negociação – condições de acesso ao mercado, tempo gasto, taxa de corretagem, etc., e (iii) do grau de estabilidade e previsibilidade de seu preço” (GREMAUD, VASCONCELLOS e TONETO, 2002, p.219). 18 quais financiaram as inovações tecnológicas dando origem ao que se convencionou chamar de Revolução Industrial. Em países como a Inglaterra e, posteriormente, na Europa ocidental e na América do Norte, a evolução das condições de produção transformou tais regiões em sociedades urbanas dominadas por grandes cidades manufatureiras, nas quais multidões de trabalhadores eram submetidas à disciplina da produção fabril. (HUNT e SHERMAN, 2004, p.69). Nesse processo, o comércio internacional se expandia e sentia-se a necessidade de regulação internacional para as compensações, créditos e financiamentos entre compradores, vendedores e financiadores. Esse aspecto era essencial para a manutenção das condições de crescimento, tanto das economias como do comércio entre países. Para isso, era necessário organizar e estruturar algumas normas que definiriam o funcionamento das finanças internacionais. Entre 1880 até 19144, existia um regime monetário internacional que colocava o ouro como parâmetro de troca entre as moedas. Segundo BRUNHOFF (1998, p.46), esse período foi o mais estável em matéria de taxas de câmbio 5, cujo sistema foi chamado de padrão-ouro, no qual a libra esterlina era a unidade contábil internacional do “mercado mundial” por ser um padrão monetário para as outras moedas nacionais. A paridade entre a libra e o ouro era definida oficialmente pelo Estado inglês, assim como era estabelecida a paridade das outras principais moedas pelos Estados que as emitiam. Mesmo assim, não havia impedimento para a circulação de lingotes de ouro. Agentes privados tinham a liberdade de trocar lingotes por moeda nas instituições oficiais, e acertos entre diferentes países podiam ser feitos através de transferência de ouro (BRUNHOFF, 1998, p.42). A expressão “padrão-ouro” teve origem no uso de moedas de ouro como meio de troca, unidade de conta e reserva de valor. Embora o ouro tenha sido usado dessa maneira desde tempos remotos, somente no período em foco o ouro instituído como moeda e reserva de valor segundo um padrão de conversão fixa. Nesse caso, por um Resumption Act6 do parlamento inglês em 1819, permitia-se que o Banco da Inglaterra trocasse notas por ouro. Na mesma legislação não mais se limitava a exportações de moedas e lingotes de ouro da 4 Existem divergências quanto ao período do padrão-ouro clássico, também conhecido como padrão libra-ouro. Para MEDEIROS, Carlos A. e SERRANO, Franklin, em artigo “Padrões monetários internacionais e crescimento” IN “Estados e moedas no desenvolvimento das nações” organizado por FIORI, José Luís. (1999, p.120) o período vai de 1819 até 1914. Segundo Gilpin (2004, p.78) é difícil determinar o início do padrão libraouro devido ao processo gradativo de aceitação das outras nações ao padrão. Uma data bastante significativa teria sido após o fim das guerras napoleônicas em 1815. Para Baumann, Canuto e Gonçalves (2004, p.267) quanto ao fim do período não há divergência. O término do padrão ouro clássico, as vésperas da Primeira Guerra Mundial, em 1914, foi devido à produção de episódios de instabilidade cambial e financeira. 5 O preço de uma moeda em comparação ao da outra é denominado taxa de câmbio. (KRUGMAN e OBSTFELD, 1999, p.337). 6 Resumption Act: Ato de retomada, neste caso a volta da Inglaterra ao padrão ouro. 19 Inglaterra para outros países. Contudo, essa restrição foi praticada, apenas, durante as Guerras Napoleônicas (1793-1915) (KRUGMAN e OBSTFELD, 1999, p.544). A importância da libra como moeda de referência, naquele período, decorria do poder econômico e militar desfrutados pela Inglaterra. Hunt & Sherman (2004, p.56) dedicam à Inglaterra do século XIX a condição de potência hegemônica. Para estes autores, essa condição ocorria tanto no plano político como no econômico devido ao rápido crescimento da produtividade industrial. O crescimento das demais economias era relacionado às relações comerciais destes países com a Inglaterra, tanto que os principais casos de sucesso econômico no período foram os chamados dominions ingleses, áreas coloniais inglesas, porém com autogoverno e que mantinham laços estreitos com a metrópole (FIORI, 1999, p.68). Durante a fase que predominou o laissez-faire7, exigia-se das potências da época, que os governos protegessem o país contra ameaças externas e permitissem a maior liberdade possível para a atuação econômica individual em seus próprios mercados. No final do século XIX, esta proteção também era solicitada pelos industriais e comerciantes ingleses de modo a abarcar ou mesmo ampliar os mercados externos através da coerção militar, se fosse necessário (HUNT & SHERMAN, 2004, p.67). Isso levava a Inglaterra a manter e controlar suas áreas de influência e, para isso, não somente pela utilização do seu poder militar, mas também pelo poder da pressão econômica, usada ainda para influenciar outras economias. Diante desses fatores, a libra esterlina, papel-moeda emitido na Inglaterra, foi imposta pelo país ao mundo como a moeda padrão do SFI. Ela era considerada a moeda mais confiável e por isso constituía a “base” perante as outras moedas para determinar o seu valor de troca e com poder de compra paralelo ao do ouro. Essa confiança se devia ao peso econômico da Inglaterra, principalmente, devido ao espetacular nível de internacionalização da sua economia e dos investimentos externos que àquele país implementou. Além disso, a Inglaterra apresentava tarifas baixas, um percentual extraordinário do total de comércio exterior produzido na época e o controle dos meios necessários (transporte naval e ferroviários) à circulação de mercadorias. Ainda, a importância política do país proporcionou a Inglaterra impor a primeira forma de SFI. Naquele contexto, a aceitação da libra dependia da capacidade daquele país em manter o valor da sua moeda e fazê-la ser aceita em outros territórios. 7 Laissez-faire: Os economistas neoclássicos desenvolveram uma argumentação extremamente elaborada e hermética em defesa de duas noções fundamentais sustentadas por Adam Smith: a mão invisível da concorrência no mercado e política econômica do laissez-faire. Procuraram demonstrar que, numa economia de mercados competitivos, compostos de inúmeros pequenos produtores e consumidores, estes, guiados pelo mercado, encontrariam sempre uma combinação ótima de mercadorias, fosse qual fosse sua renda e riqueza original. (HUNT & SHERMAN, 2004, p.116). 20 O PLO permitia à Inglaterra reter ouro e emitir mais libras, as quais eram usadas como meio de pagamento pelos Estados e seus indivíduos. Durante o período várias nações adotaram esse padrão monetário como Alemanha, Japão e outros8, e com o fim da Guerra Civil Norte Americana, os Estados Unidos (EUA) adotaram o PLO em 1879. Os bancos centrais desses países, ao invés de fazerem reservas somente em ouro, aceitavam reservas em moedas estrangeiras, e nesse aspecto predominava a aceitação da libra esterlina. Mesmo assim, nesse período o saldo de pagamentos entre os bancos era financiado principalmente por embarques de ouro. (KRUGMAN e OBSTFELD, 1999, p.545). Além dos aspectos destacados, a Inglaterra tinha as ferramentas para “o exercício da função de financiador do mundo: sua moeda nacional, a libra, era reputada como a mais sólida entre todas e, por isso, mantinha uma sobranceira liderança enquanto intermediária nas transações mercantis e como instrumento de denominação e liquidação de contratos financeiros” (DE CECCO, 1979 apud BELLUZZO, 1999, p.939). Dessa maneira, a Inglaterra ocupava uma posição de prestígio que lhe permitia adotar o papel de principal ator no controle do SFI, daquele período. Como a função do SFI é possibilitar a liquidez dos países e garantir a confiança no próprio sistema, é necessário entender o funcionamento do PLO. Este padrão mantinha a paridade entre as moedas e o ouro, conhecida com taxa de câmbio fixa10. Devido a essa paridade, havia uma previsibilidade no valor das moedas, aspecto que gerava a confiança no sistema. O país que emitia determinada moeda deveria manter o nível das reservas de ouro, coincidível com a sua emissão de moeda, ou caso seu nível de reserva de ouro diminuísse, este deveria depreciar o valor de sua moeda para condizer com o novo nível de suas reservas, em ouro. Durante esse período, as transações decorrentes do comércio internacional e do fluxo de capitais eram efetuadas em moedas que mantinham sua paridade conservada, nesse caso, principalmente, a libra. Desta forma, os países mantinham suas reservas em ouro e em libras, para viabilizar as trocas ou pagar dívidas. Muitos países não conseguiam manter suas reservas, pois se tornavam deficitários em seus balanços de pagamentos. Isso acontecia 8 Adotaram esse padrão países tão diversos quanto a Grã-Bretanha, os Estados Unidos, França, Alemanha, Holanda, Dinamarca, Noruega, Finlândia, Suécia, Bélgica, Suíça, Itália, Grécia, Áustria-Hungria, Rússia, Japão, Austrália, Chile, Portugal, China, África do Sul e Egito (EICHENGREEN, 1985 apud BAUMANN, CANUTO e GONÇALVES, 2004, p.367). 9 DE CECCO, Marcello. Moneta e Impero. Einaudi, Milão, 1979 apud BELLUZZO, Luiz Gonzaga em artigo “Finança global e ciclos de expansão” IN “Estados e moedas no desenvolvimento das nações” organizado por FIORI, José Luís. Petrópolis: Vozes, 1999. 10 Taxa de câmbio fixa: Taxa de conversibilidade entre duas moedas estabelecidas por decisão das autoridades econômicas com a fixação periódica. (VASCONCELLOS e GARCIA, 2004, p.166). 21 quando suas importações eram maiores que suas exportações, deixando um saldo negativo na sua conta corrente. Quando isso acontecia, o banco central dos países deficitários deveria liberar suas reservas em ouro para pagar pelo saldo negativo. Porém, como já vimos, caso houvesse a diminuição das reservas de um país, esse deveria diminuir o valor de sua moeda. Os efeitos da perda de valor de uma moeda no cenário internacional são negativos, pois isso causa incertezas, e os países não gostam de ver suas moedas sendo depreciadas. Desta forma, os países que não conseguiam manter um saldo positivo na sua conta corrente acabavam recorrendo a empréstimos externos. Os países capazes de emprestar recursos aos outros eram os países superavitários, que dispunham de reservas suficientes para manter o valor de suas moedas e financiar os déficits de outros países. Como a Inglaterra era o principal país superavitário, diante do seu enorme potencial industrial, este fez o financiamento do sistema financeiro e emprestou recursos aos países deficitários. Por isso foi grande a importância da Inglaterra naquele período. (BELLUZZO, 1999, p.95-96). Apenas alguns Estados conseguiam emitir uma moeda que seria aceita pelo maior número de pessoas em outros países. Entre estes se destacam os atuais países desenvolvidos: a Inglaterra (no passado e atualmente), Japão e principalmente os EUA e a União Européia. Ainda, foram importantes, mas de menor expressão, a Alemanha, a França e a ex-URSS. Além disso, o interesse de cada país em ter sua moeda nacional aceita se revela pelo prestígio obtido pelo país emissor da moeda e outros privilégios através da senhoriagem11. Esse aspecto implica na compreensão de que um país que consegue projetar o poder de sua moeda no cenário internacional aumenta seu poder nas suas relações com o exterior. Exemplifica-se este aspecto pela seguinte argumentação: como nenhum país é completamente auto-suficiente, isso implica que, nos mercados internacionais, seja transacionado bens e serviços entre as nações. Com isso, os países líderes (aqueles que apresentam maior capacidade de atender as necessidades de outras nações em vários setores como matérias11 Senhoriagem: o uso da inflação como um imposto sobre os detentores de moeda, sendo utilizada desde da antiguidade. Isso consiste da depreciação da moeda em contrapartida provendo renda ao país emissor desta, em particular para seu sistema bancário. (KRUGMAN e OBSTFELD, 1999, p.699-700 e GILPIN, 2004, p.164166). Ainda, a senhoriagem confere “privilégios extravagantes” aos países emissores de moedas usadas como ativo de reserva, pois estes países podem simplesmente cunhar moeda para promover guerras, comprar empresas de outros países e endividar-se profundamente sem temer conseqüências negativas. Estas atribuições feitas pelo autor aos Estados Unidos decorrem da hegemonia do dólar, situação que será abordada no capítulo dois deste trabalho. (GILPIN, 2004, p.88-89). Por outro lado, a senhoriagem tem seus custos associados; um exemplo: o país com direito de senhoriagem em geral tem de pagar juros aos outros países que dispõem também de ativos em sua moeda. Para preservar este direito, o país também deve evitar iniciativas que minem a confiança no valor de sua moeda. E, além disso, o país detentor da principal moeda pode ter dificuldades para desvalorizá-la, como aconteceu com os Estados Unidos no início da década de 1970 (GILPIN, 2004, p.164-166). 22 primas, bens industrializados, serviços e tecnologias) procuram regular as transações na sua moeda. Conforme estes Estados ampliam sua liderança internacional, pelos aspectos citados, eles vão expandindo a circulação de sua moeda no cenário internacional. Atualmente, o dólar norte americano, a libra esterlina, o euro e o iene japonês, são consideradas as moedas internacionais mais importantes. Este aspecto era diferente no passado quando eram utilizados os metais preciosos como meio de pagamento, os quais ainda apresentavam uma medida segundo seu peso específico. Com isso, quando uma crise geral acontece no meio internacional, não somente uma moeda é afetada pela desconfiança, mas todas, pois as moedas estão interligadas entre si. Neste período, mesmo o comportamento das moedas mais confiáveis se torna imprevisível. Um exemplo histórico e significativo deste aspecto foi quando eclodiu a Primeira Guerra Mundial. A incerteza pairava sobre as moedas e não se sabia que garantias seriam asseguradas pela Grã-Bretanha para aqueles que possuíam seu papel-moeda. Isso implicou que se trocassem libras esterlinas por ouro. Assim, a Inglaterra não conseguiu manter o preço da libra, que se desvalorizava em comparação ao ouro. Como se disse anteriormente, naquele período, o ouro continuava tendo valor em qualquer lugar e sobre qualquer evento (BELLUZZO, 1999, p. 94). Durante o período do PLO houve vários episódios de instabilidade cambial e financeira. Essa fase do SFI perdurou até as vésperas da Primeira Guerra Mundial, que foi um dos motivos que levaram ao fim desse período. A Primeira Guerra Mundial, porém, não foi o único motivo, pois mesmo que a guerra não acontecesse outras instabilidades, muitas vezes especulativas, poderiam ter levado ao colapso do sistema. Diante disso, no item a seguir será abordado a crise do SFI no início do século XX. 1.3 A CRISE DO SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL BASEADO NO PADRÃO LIBRA-OURO Com a expansão da indústria, do comércio e do poder inglês, Londres se tornou o centro da intermediação financeira internacional e financiava a economia mundial através de empréstimos para países deficitários. Isso foi necessário para manter o SFI funcionando, pois a periferia endividada era obrigada a tomar empréstimos com o propósito de sustentar a conversibilidade de suas moedas em ouro. Mas, o fim da hegemonia inglesa é resultado de alguns fatores que geraram várias crises no sistema libra-ouro e que são apresentadas a seguir. Durante os anos de funcionamento desse sistema, ocorreram pequenas instabilidades que puderam ser controlas pela Inglaterra. Mas diante de proximidade da Primeira Guerra 23 Mundial, a desconfiança fez com que, gradativamente, os países que faziam parte do sistema fossem abandonando a aceitabilidade da libra e de outras moedas, enquanto a procura por ouro aumentava. Por outro lado, a superioridade de Londres como centro de intermediação financeira já vinha sendo contestada por Paris e Berlim nas duas décadas que antecederam a Primeira Guerra Mundial (BELLUZZO, 1999, p.93). Outro aspecto que também era colocado questionava a limitação que a adoção desse sistema causava para a expansão da economia. Ou seja, na ausência de ouro ou de um comércio internacional balanceado, o crescimento econômico dos países deveria ser reduzido a fim de se equilibrar o balanço de pagamentos, gerando recessão. Os bancos centrais trabalhavam para preservar a paridade oficial de suas moedas através do equilíbrio externo12. Esse tipo de procedimento evitava grandes flutuações nos saldos dos balanços de pagamentos. Porém, quando isso não era possível, estes eram obrigados a financiar os déficits causados pelas importações de seus países, embarcando ouro para os bancos centrais dos países que estavam obtendo superávits em suas exportações. (KRUGMAN e OBSTFELD, 1999, p.545). Os bancos centrais lutavam para manter a confiabilidade de suas moedas impondo taxas de desconto para evitar que houvesse a saída de ouro de seus estoques. A medida destinava-se a restringir a liquidez doméstica e atrair capital estrangeiro, evitando a saída de ouro. No entanto, a manutenção do sistema por esse tipo de gestão monetária favorecia a sucessão periódica dos ciclos de negócios, provocando ajustamentos deflacionários, com seus séqüitos de liquidação de ativos 13 e crises bancárias (BELLUZZO, 1999, p.96). Diante disso, era claro que a economia internacional enfrentava complicações. Por exemplo, em alguns dos países da periferia os déficits do balanço de pagamentos se mantinham por longos períodos, e vinham acompanhados da desvalorização de suas moedas e da queda de preços dos seus produtos de exportação. Como esses países não tinham mecanismos de ajustes econômicos, eles viam suas reservas de ouro quase sempre se 12 Equilíbrio externo, na terminologia moderna, os bancos centrais tentavam evitar grandes flutuações no saldo do balanço de pagamentos, procurando sempre manter igual a zero a soma do saldo da conta corrente com a conta de capital sem o componente de reservas. Conta corrente é o saldo das exportações líquidas de bens e serviços de um país. Conta de capital é a diferença entre as vendas de bens e serviços aos estrangeiros e as compras de bens e serviços vendidos pelos estrangeiros. A conta capital mede a diferença entre as vendas de ativos aos estrangeiros e as compras de ativos no exterior, considerando nesses ativos empréstimos recebidos e favorecidos do exterior. Sendo assim, um empréstimo recebido entra como saldo positivo na conta de capital, e inverso no procedimento oposto. (KRUGMAN e OBSTFELD, 1999, p.324-323, 545). 13 Ativos: (assets) Qualquer coisa, pertencente a uma empresa, que tenha valor monetário é classificado como ativo. Categorias de ativos são: a) ativos correntes: dinheiro, depósitos bancários, ações e tudo que possa ser rapidamente trocado por dinheiro; b) ativos fixos: terra, construções, fábrica, máquinas, veículos, mobília; c) ativos intangíveis: patentes, serviços especiais, etc. [...] (MACHADO, 2004). 24 esgotarem. A crise aguda do balanço de pagamentos de um país levava muitas vezes ao abandono do padrão-ouro. Compreendendo essa movimentação de dinheiro entre os bancos centrais, é possível se ter idéia de como, nesse período, grande parte do ouro do mundo foi acumulada nos bancos centrais dos países superavitários, fato que aconteceu com a Inglaterra e outros países que se industrializavam, como EUA, Alemanha e Japão, além dos domínios da Inglaterra, Canadá, Nova Zelândia e Austrália. “Em síntese, entre 1830 e 1914, a riqueza mundial cresceu, mas de forma extremamente desigual, [...]” (FIORI, 1999, p.16). Observando este aspecto, Belluzzo (1999, p.94) explica que: A acumulação de estoques respeitáveis de dívida externa naturalmente gerava um contrafluxo, da periferia para o centro, correspondendo aos pagamentos de juros, cuja periodicidade era fixada contratualmente. Essa circunstância permitia, aos profissionais da arbitragem, a determinação do momento em que haveria uma concentração de compras de moeda estrangeira, da parte daqueles países com dificuldades para cobrir as necessidades de financiamento de seu balanço de pagamentos. As nações devedoras e deficitárias estavam, portanto, condenadas a defender, na maioria das vezes em vão, a conversibilidade das suas moedas em relação ao ouro. Esse contrafluxo se tornava cíclico, levando à especulação. Quando havia uma elevada procura por moedas fortes, nos países endividados ou deficitários, suas moedas perdiam valor frente à libra. Nas praças financeiras, os títulos da dívida externa desses países eram condenados e isso gerava pânico aos detentores de moeda considerada fraca ou de papéis condenados. Para fugir da desvalorização ou de uma provável inconversibilidade vendiam rapidamente os papéis, o que depreciava ainda mais o seu valor original (BELLUZZO, 1999, p.94). A perda de poder de compra e valor das moedas de alguns países, principalmente da periferia, beneficiava os exportadores cujos produtos ficavam mais baratos no mercado internacional. Com isso, a idéia de paridade baseada num sistema de câmbio fixo foi perdendo a confiabilidade a partir do momento em que a Inglaterra não conseguia mais fazer frente às necessidades de recursos que os países necessitavam tomar emprestado a fim de equilibrar as taxas de câmbio. A freqüência das crises aumentava enquanto as políticas adotadas pelas diferentes praças financeiras, baseados no laissez-faire, não conseguiam controlar a crescente especulação que vigorava no SFI. A estabilidade do sistema era desejada, mas as garantias eram deixadas de lado gerando mais incertezas. Às vésperas da Primeira Guerra Mundial, todas estas questões se tornaram bastante presentes. E assim, outro ponto importante é que a Primeira Guerra Mundial acabou fazendo 25 com que a Inglaterra perdesse grande parte da proeminência que ela desfrutava no sistema internacional. Contribui para esta constatação, a observação de que a Inglaterra não dispunha de poder econômico suficiente, após a Primeira Guerra Mundial, para impor a volta do padrão anterior, e ainda, que para este país havia outras prioridades, como melhorar o desempenho de sua própria economia. Por isso, as tentativas de reativação do padrão-ouro no período entreguerras não avançaram. Outro aspecto importante é que o valor da libra nas praças financeiras internacionais se mantinha elevado em função do país ainda manter significativos estoques de ouro e ainda ser considerado uma potência industrial e militar. Contudo, com a libra cara, os produtos ingleses não conseguiam competir com os de países de industrialização tardia, como a Alemanha e os EUA. Os resultados deste processo estariam na origem da perda de hegemonia da indústria inglesa. Diante disso, o PLO foi, progressivamente, sendo abandonado, mas ainda permaneceu hegemônico até o fim da Primeira Guerra Mundial (BELLUZZO, 1999, p.93). Contudo, o ouro continuava a ser a moeda de reserva do sistema, só que sem a atrelagem automática à libra inglesa. Por outro lado, a situação internacional dos principais países também estava se modificando. Logo após a Primeira Guerra Mundial, a economia internacional iniciava uma recuperação incentivada pela extraordinária taxa de crescimento da economia norte-americana e os gastos de reconstrução da Europa. Durante a Primeira Guerra Mundial, os EUA acumularam grande quantidade de ativos, pois o país foi o maior fornecedor de suplementos e equipamentos aos países da Europa durante o conflito. Isso beneficiou os EUA, pois no período da guerra o PLO foi abandonado e os pagamentos somente poderiam ser feitos em metais preciosos - o ouro voltava a cumprir sua função como reserva de valor. Com isso, os EUA ascenderem em importância financeira. Esse fator possibilitou um crescimento espetacular de sua economia o que lhe permitiu até mesmo financiar outros Estados no período entre guerras, porém esta ação foi deixada nas mãos dos grandes bancos privados americanos (BELLUZZO, 1999, p.97). Essa fase de prosperidade nos EUA decorria do investimento em novas plantas industriais, ao mesmo tempo em que as taxas de emprego melhoravam. Naquele contexto, ainda vigorava uma situação de desregulamentação financeira baseada nos pressupostos do laissez-faire (SINGER, 1987, p.40). A demanda em expansão estimulava a expansão interna e, por extensão, o comércio internacional. Contudo, conforme Singer, (1987) nenhuma economia pode crescer indefinidamente sem gerar pontos de estrangulamento que forçam o realinhamento de custos e preços. Naquele contexto, a expansão da economia norte americana gerava uma situação conjuntural de excesso de riqueza. Para Singer (op. cit.), o que acontecia 26 principalmente nos EUA, era que a procura por maiores lucros, via expansão dos investimentos, se tornava um problema, pois havia um limite para a capacidade produção da economia norte-americana em encontrar novos mercados. A superprodução de bens não tinha como ser absorvida pelos consumidores. Com isso, as empresas teriam que diminuir seu ritmo de expansão e se adequar à demanda o que aumentaria as taxas de desemprego, pois não eram mais necessários tantos operários em fábricas com capacidade de produção ociosa. Com isso, o aumento da produção e a depreciação do emprego geravam uma “situação de subconsumo14” e de redução dos lucros empresariais. Assim, em meados dos anos vinte ficava óbvio que a crise já se apresentava para a economia norte-americana, pois havia uma situação de subconsumo e inúmeros trabalhadores empregados perdiam seus empregos. Como esses não recebiam proventos, não tinham dinheiro para comprar os bens necessários a sua sobrevivência e assim a produção teria que ser reduzida. Com isso, o desemprego aumentava e reduzia a capacidade de consumo. Por sua vez, a lucratividade das empresas também diminuía. Essa relação cíclica do capitalismo é chamada por Singer (1987, p.41) de “ciclo regular”, pois segundo o autor citado existiria uma freqüência entre acumulação, superprodução e crise. A relação com o excesso de crescimento da economia americana e a crise de 1929 é que com a falta de crescimento econômico as incertezas aumentaram, a crise se aprofunda e a especulação aumentava, obrigando os governos a agirem. Decorrente da situação apresentada, em outubro de 1929 a crise chegaria à bolsa de valores dos EUA e o valor das ações se reduziam drasticamente, mostrando que existia um limite para a acumulação. A crise decorrente da super acumulação de capital se refletiu em vários países. A bancarrota se tornava geral. As empresas ao falir não tinham como honrar suas dívidas com os bancos que as financiavam e estes não tinham como pagar os depósitos de seus clientes. O reflexo da crise de 1929 gerou, ainda, a regressão do comércio internacional. O padrão-ouro não existia mais e a crise se espalhou para outros países (SINGER, 1987). Diante daquela situação, o SFI entrou em colapso, e como já foi apontado, durante esse período não havia um sistema monetário regulado com um padrão monetário de conversão de moedas. A política liberal do laissez-faire vigorava e a regulação financeira era feita sobre regras de mercado. A regressão do comércio internacional espalhou a crise de 1929 para outros países. Naquela situação, todos Estados passaram a se preocupar com problemas internos e procuravam se proteger para evitar que mais problemas externos pudessem 14 Alguns autores como SINGER (1987, p.50-52) tratam deste aspecto como um excesso de produção, denominado de superprodução em função da redução da demanda pela redução da renda do trabalho. 27 influenciar suas economias. Assim, com todos os Estados procurando se proteger e evitar que o ouro, que voltou a ser mantido como moeda de reserva fosse transacionado, estabeleciam-se desvalorizações competitivas e evitavam-se importações. Desta forma o comércio internacional se restringia ao mínimo indispensável, o que contribuía para ampliar ainda mais a crise. É importante entender esse evento marcante dos anos 30, pois diante da devastação sem precedentes provocados pela crise econômica, o único país que era capaz de exercer papel significativo no cenário financeiro internacional era os EUA. Porém, a crise havia afetado drasticamente o país e decorrente disso, o problema de reativação da sua própria economia obrigou os EUA a se voltarem para o interesse interno, o que ocorria também nos países atingidos pela crise. A cultura econômica liberal implicava na total liberdade ao funcionamento da lei da oferta e procura e mantinha o Estado fora da economia: livre concorrência e acumulação privada. Com a crise, o Estado foi, então, chamado como último recurso para reativar a economia. Para isso, adotaram-se os pressupostos de John Maynard Keynes como alternativas não convencionais para tratar o problema. Este autor propunha políticas anticíclicas baseadas na expansão da economia através do pleno emprego. Para esta ação, o ouro teria que mudar o seu papel na vida econômica. O metal poderia continuar a ser considerado como reserva de valor, mas não podia engessar a expansão da base monetária quando esta se fazia necessária à expansão da economia (SINGER, 1987). Para esta ação, o Estado deveria fomentar a economia através da execução de obras públicas, ou seja, o Estado bancava a dívida social e em contrapartida emitia dinheiro que seria gasto pelos novos funcionários públicos ou em obras públicas. Os investimentos públicos permitiriam reaquecer a demanda, e quando esta voltasse a existir as indústrias contratariam novos empregados e a economia começaria a se expandir novamente. Com a ação estatal proposta por Keynes, o clima de prosperidade gradualmente se espalha, refletindo na liberação de poupança daqueles que ainda tinham dinheiro guardado, mas não gastavam pela insegurança causada pela crise. Para que a estabilidade voltasse ao sistema Keynes colocava que deveria haver um controle rigoroso sobre o equilíbrio fiscal e o uso de uma política monetária passiva, além do protecionismo maior quanto às entradas e saídas de ouro do país (SINGER, 1987, p.50).15 15 Essa política foi conhecida por “New Deal”, fomentada pelo presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt. (SINGER, 1987, p.50). 28 A teoria estava pronta, mas a Segunda Guerra Mundial se iniciava e as incertezas foram ainda maiores. A circulação financeira durante a guerra ocorria sem controles sobre a forma de “remessas e aceitações de fundos de capitais internacionais, por motivo de fuga, especulação ou de investimento”. (BELLUZZO, 1999, p.99). Naquela situação, o capital se movimentava, procurando o lugar mais seguro para se proteger. Isso gerava uma situação de desconfiança e de incerteza que prejudicava os negócios entre os países. Desta forma, muito dos recursos mundiais na forma de ouro, por exemplo, acabaram sendo depositados em bancos nortes americanos ou suíços. Naquela situação, a estabilização da economia mundial ficou para um segundo plano. A cooperação entre os países, que poderia desencadear acordos que regulamentariam um novo SFI, não tinha condições de acontecer na situação em que o mundo passava. Isso só seria tratado depois da Segunda Guerra Mundial, quando um novo padrão monetário fosse estabelecido. Observa-se, portanto, que durante o período em que o PLO predominou, houve vários episódios de instabilidade cambial e financeira. Esse período do SFI, que durou até as vésperas da Primeira Guerra Mundial, apresentou a aceitação da libra como moeda internacional de reserva e permitia à Inglaterra reter ouro e emitir mais libras, as quais eram usadas como meio de pagamento por indivíduos e países. Seu ocaso aconteceu com eclosão da Primeira Guerra Mundial, quando houve um aumento dos movimentos especulativos nas finanças internacionais e a perda de poder político e econômico da Inglaterra, aliada à necessidade de reconstrução, fizeram com que o país não tivesse a força e os recursos para reativar o sistema libra-ouro. Com isso, após a Primeira Guerra Mundial, as finanças internacionais apresentariam um período de anarquia financeira, que vai dos anos 20 até meados dos 40, Naquele período, prevaleceu ainda o interesse de cada Estado pela sua preocupação com seus próprios problemas e as incertezas causadas pelo advento da Segunda Guerra Mundial. Após o fim do conflito mundial, as novas regras e características do SFI foram impressas pelos vencedores, principalmente os EUA. Naquele contexto, mesmo antes do fim da Segunda Guerra Mundial, em julho de 1944, o primeiro sistema monetário e financeiro internacional proveniente da Conferência de BW foi criado para suprir, de alguma forma, um ambiente financeiro internacional sem controle. A nova estrutura financeira se baseava na teoria keynesiana do pleno emprego e na visão dos EUA sobre como deveria ser o novo SFI. Esse é o assunto do capítulo seguinte. 29 2 O SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL APÓS OS ACORDOS DE BRETTON WOODS O funcionamento do sistema internacional de capitais após a conferência de Bretton Woods (BW) é o tema central desta parte do trabalho. Para isso, resgatou-se a construção dos Acordos de BW em 1944 e os motivos que levaram ao fim destes em 1971, quando por iniciativa do governo norte americano, foi deixado de se atrelar o dólar ao ouro por uma taxa de conversão fixa. Esse aspecto é importante para se ilustrar como o Sistema Financeiro Internacional (SFI) estava organizado naquele período, e por outro lado, também permite observar as diferenças na estrutura financeira internacional atual, se comparada com a estrutura vigente sob os Acordos de BW. A situação atual deriva da “quebra ou mudanças” efetuadas nos acordos oriundos do sistema de Bretton Woods, e com isso, gradualmente, o mundo vem sofrendo com a desregulamentação do SFI. Atualmente, cada nação procura determinar por si própria, o valor da sua moeda perante a hegemonia do dólar norte americano. Desta forma, compreender os problemas causados pelo fim dos Acordos de BW é relevante, pois as atuais “incertezas” que cercam o funcionamento do SFI são bastante grandes. Para isso, nos tópicos seguintes são levantados os principais aspectos que desenharam o SFI oriundo dos Acordos de BW e os problemas após sua obsolescência. No mesmo sentido, investigam-se as características do SFI neste período a fim de se identificar as causas daquilo que se denomina neste trabalho como uma situação de vulnerabilidade que atinge tanto países menos desenvolvidos, como desenvolvidos, e que é causada pela liberalização dos fluxos de capitais. Na mesma direção, abordam-se as crises que afetaram o SFI e que levaram a mudança dos acordos estabelecidos em BW. 2.1 A HEGEMONIA NORTE-AMERICANA E O PADRÃO DÓLAR-OURO CONSTRUÍDO EM BRETTON WOODS Após os conflitos da Segunda Guerra Mundial, era necessário instituir mecanismos capazes de viabilizar a recuperação e possibilitar a expansão das economias nacionais e do comércio internacional. É nesse contexto que se inserem as discussões e os acordos 30 elaborados na cidade norte-americana de Bretton Woods. A partir dos debates e negociações, seriam criadas uma nova arquitetura financeira internacional e também as instituições que atuariam como ferramentas técnicas no processo de viabilizar o funcionamento do novo sistema que, obviamente, refletiriam o interesse dos Estados em regular o funcionamento do SFI. As normas emanadas de BW, embora aceitas pelos países presentes à conferência e por outros durante a vigência dos acordos, resultaram, em boa medida, da posição hegemônica que os EUA alcançaram no pós-guerra. Do ponto de vista geopolítico, a implementação do sistema dólar-ouro permitiu a consolidação da área de influência capitalista sob comando norte-americano. O maior interesse dos EUA era manter sua hegemonia, firmada na supremacia industrial, comercial, financeira e militar sobre as demais economias do bloco capitalista. No aspecto financeiro, isto ocorreu quando os líderes dos 44 países16, que se reuniram em Bretton Woods, firmaram os acordos que definiriam o dólar norte americano como moeda-padrão do SFI ou moeda internacional de referência. Nos mesmos acordos, estariam impressas as criações do Banco Mundial (BIRD), do Fundo Monetário Internacional (FMI) e de um órgão de controle do comércio internacional17. Decorrente daquelas ações, logo em seguida também seriam organizados os programas de investimentos na reconstrução européia (Plano Marshall18) e japonesa (Plano Colombo19). Assim, o conjunto das normas que foram negociadas para a construção de um SFI, capaz de substituir o anterior (libra-ouro), tinha como fim lidar com os desequilíbrios externos dos diversos países participantes e indicar parâmetros para eventuais alterações nos valores das moedas nacionais, como forma de evitar a repetição das crises vividas na década de 1930 (BAUMANN, CANUTO e GONÇALVES, 2004, p.371). Além disso, existiam outros motivos para a criação de um novo SFI. Entre eles, evitar “o fracasso econômico liberal dos 16 Estavam presentes na Conferência de Bretton Woods: África do Sul, Austrália, Bélgica, Bolívia, Brasil, Canadá, Chile, China, Colômbia, Costa Rica, Checoslováquia, Cuba, Dinamarca, Equador, El Salvador, Egito, Estados Unidos, Etiópia, Filipinas, França, Grécia, Guatemala, Haiti, Holanda, Honduras, Índia, Irão, Iraque, Jugoslávia, Libéria, Luxemburgo, México, Nicarágua, Nova Zelândia, Noruega, Panamá, Paraguai, Peru, Polônia, Reino Unido, República Dominicana, União Soviética e Venezuela (SERRA, 2004). 17 O sub-capítulo 2.2.1, 2.2.2 e 2.2.3 aprofunda as instituições criadas em Bretton Woods, BIRD, FMI e GATT/OMC. 18 Plano Marshall. (1947) Plano de ajuda à Europa do pós-guerra. No ponto central do plano estava a reconstrução da economia e o combate à fome e pobreza, sobretudo na Alemanha derrota e destruída. O nome “Marshall” tem referência ao então atual secretário de Estado do governo de Harry S. Truman (1945-1953) dos Estados Unidos, George Catlett Marshall (NÜRNBERGER, 2004). 19 Plano Colombo para o desenvolvimento cooperativo no sul e sudeste da Ásia – Instituído em 1950-1. Promove acordos bilaterais para obtenção de capital, treinamento técnico e equipamentos. Integrado por 26 países, incluindo Estados Unidos, Reino Unido e Canadá. Sede: Colombo, Sri Lanka. Fontes: <http://www.conhecimentosgerais.com.br/geografia/organizacoes-internacionais-asiaticas.html> Acesso: 21 de setembro de 2004. e (SENE e MOREIRA, 1998, p.52-54). 31 anos 20/30, a urgente necessidade de reconstrução do pós-guerra, o novo cenário de competição geopolítica e ideológica da Guerra Fria e a disputa dos territórios que foram se tornando independentes, progressivamente, dos impérios europeus” (FIORI, 1999, p.23). Decorrentes da situação conjuntural, dos resultados da contenta militar na Segunda Guerra Mundial aliada à situação econômica que os EUA desfrutavam logo após o conflito, referendou-se a hegemonia dos EUA no campo capitalista e do dólar norte-americano como moeda internacional de referência (SOUZA, 1995, p.30). É nesse contexto que em 1944, na conferência de BW, “dominada pelos EUA, se organizou um regime de câmbio relativamente fixo, no centro do qual o dólar se tornava, ao mesmo tempo, unidade contábil e padrão monetário, com uma paridade-ouro fixada em 35 dólares a onça 20 (BRUNHOFF, 1999, p.49)”. Sobre esse aspecto Singer (1987, p.58) escreve como o sistema foi estruturado: Este sistema tinha por base o compromisso de os vários governos manterem estável o câmbio, ou seja, o valor de sua moeda em relação às demais. A moeda-chave do sistema era o dólar, cujo valor em ouro seria mantido constante pelo governo dos Estados Unidos. Isto significava que o governo americano trocaria ouro por dólares e que o valor (em ouro) de suas reservas jamais cairia. Graças a esta garantia, tanto governos de outros países como particulares puderam manter reservas monetárias em dólares (que, ao contrário do ouro, rendiam juros, porque estas reservas eram muitas vezes mantidas sob a forma de Títulos do Tesouro dos Estados Unidos). Além disso, os países que aderiram ao sistema mantinham suas reservas internacionais oficiais, em grande parte, na forma de ativos em ouro ou em dólares e tinham direito de vender dólares para o Federal Reserve (FED)21 em troca de ouro ao preço oficial. O sistema era um padrão câmbio-ouro, tendo o dólar como sua principal moeda de reserva (KRUGMAN e OBSTFELD, 1999, p.554). Diante disso, os EUA exerceriam controle sobre o SFI, assim como sobre as instituições criadas, o FMI e o BIRD “subordinadas ao controle e aos interesses americanos” (MEDEIROS e SERRANO, 1999, p.132). Segundo as informações apresentadas, os Acordos de BW visavam garantir maior estabilidade ao SFI. Pode-se observar que o sistema de BW incorporava muito das idéias 20 Onça Troy: Medida de peso equivalente a 31,1 gramas (SENE e MOREIRA, 1998, p.49). FED: Federal Reserve System – 1 Banco Central dos Estados Unidos, entidade governamental responsável pela formulação e execução de política monetária norte-americana. Além disso, o FED age como regulador e supervisor do sistema bancário, serve como banco do governo e o assessora em operações financeiras. 2 uma de suas características mais importantes é a independência em relação ao governo federal americano, garantido assim a boa condução da política monetária. O FED foi criado pelo Congresso norte-americano em 1913. Ele é formado por uma equipe de sete membros escolhidos pelo governo, Board of Governors, como sede em Washington, D.C., e por 12 bancos regionais localizados nas principais cidades americanas, Federal Reserve Banks. [...] (GAROFALO, 2004, p.109-111). 21 32 formuladas por Keynes desde antes da Segunda Guerra Mundial, entre estas idéias, as que modificavam a atuação do Estado no aspecto macroeconômico. Por exemplo, é importante a observação de que o mercado não seria capaz de garantir equilíbrio automático e auto-regularse. Desta forma, a nível internacional, seria necessário que em determinados momentos alguma instituição fizesse a provisão de liquidez necessária ao sistema. É nesse contexto que emerge o FMI. Por outro lado, no pós-guerra a atuação econômica do Estado também mudaria. O “Novo Estado” deveria manter uma função social garantindo que o caos ou desequilíbrio entre produção e o consumo da década de 30 não se repetisse, ou seja, assumiase a proposição keynesiana de perseguir políticas de pleno emprego na maioria dos países capitalistas. Diante da ascensão industrial, comercial, militar e financeira norte americana ao fim da Segunda Guerra Mundial, aliada à situação de anarquia no SFI dos anos 20, 30 e 40 e a situação da Inglaterra no período, os EUA conquistarem com facilidade a hegemonia perante os demais países capitalistas. A supremacia dos EUA levou este país a desempenhar a função de gerenciador, financiador e garantir o equilíbrio do novo SFI criado em BW, aspectos tratados a seguir. 2.2 O FUNCIONAMENTO DOS ACORDOS DE BRETTON WOODS ATÉ MEADOS DOS ANOS 70 Os países que planejaram e assinaram os Acordos de BW estavam preocupados com as necessidades econômicas mundiais do pós-guerra. Esperavam, com isso, planejar um sistema monetário internacional que criasse condições para a perseguição de políticas que levassem ao pleno emprego e à estabilidade dos preços, e que também permitissem que os países obtivessem o equilíbrio externo sem a imposição de restrições ao comércio internacional, o qual deveria ser novamente estimulado (KRUGMAN e OBSTFELD, 1999, p. 553). As regras que caracterizavam o sistema eram as seguintes: 1- Compromisso com a liberalização do comércio através de negociações multilaterais contemplando o princípio da não-discriminação; 2- Acordo no sentido de que as transações em conta corrente deviam estar isentas de controles, sendo, no entanto permitidos controles da liberdade de movimentação de capitais; e, 3- Acordos no sentido de que as taxas de câmbio deviam ser fixadas ou vinculadas e de que, embora um país pudesse alterar sua taxa de câmbio, deveria consultar o FMI antes de adotar mudanças de vulto (GILPIN, 2004, p.84). 33 A vigência dos Acordos de BW possibilitou uma onda de prosperidade nos países que faziam parte do sistema. O desenvolvimento do sistema capitalista, nesse período, se deu pela abundância de crédito disponível para os investimentos na maioria dos países capitalistas. O setor público cresceu, investindo e abrangendo diversas áreas da economia. Os Estados investiam, principalmente, em infra-estrutura para responder às demandas das classes trabalhadoras e das empresas, implementando serviços de energia, transportes, comunicações, além de socializar a medicina, generalizar o ensino médio e aperfeiçoar a previdência social. A teoria keynesiana trazia uma certa calmaria ao sistema, permitindo aumentos na produtividade, elevação dos salários, da receita tributária e dos lucros empresariais, compatibilizando expansão do consumo privado, do dispêndio público e da acumulação de capital. Nestas condições, o problema que preocupou Keynes, de deficiência crônica da demanda efetiva, parecia ter sumido. A ortodoxia keynesiana aparentemente assegurava ao capitalismo crescimento auto-sustentado, sem que a prática de políticas keynesianas fossem requeridas (SINGER, 1987, p.55-56). No mundo capitalista, o período que se estende até o fim dos anos 60 foi excepcional em termos de expansão econômica com ausência de crises e depressões, apresentando um crescimento auto-sustentado. O suporte estatal priorizava a acumulação de capital, o que aumentava a demanda por novos meios de produção. Além disso, aumentos generosos de salários, proporcionais ao crescimento da produtividade do trabalho, estimularam a expansão da demanda. Isso acontecia porque várias políticas estatais de apoio foram implementadas para apoiar o crescimento econômico, como, por exemplo, crédito abundante a juros baixos, subsídios e fomento público de certas atividades (SINGER, 1987, p.56). As políticas estatais não eram as únicas responsáveis pelo sucesso do período, mas é também importante lembrar das instituições criadas pelos Acordos de BW, pois sua importância foi fundamental. Essas instituições foram criadas primordialmente para manter o funcionamento do SFI, observando sua funcionalidade e eficácia. Por exemplo, o BIRD financiava projetos que melhoravam a infra-estrutura e viabilizavam o crescimento interno dos países; por seu turno o FMI garantia o equilíbrio dos balanços de pagamentos. Com isso, o comércio internacional podia expandir-se e as economias internas também. Diante da importância destas instituições, elas são abordadas nos tópicos a seguir. 34 2.2.1 O Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) O International Bank for Reconstruction and Development (BIRD) ou World Bank (Banco Mundial) foi criado em Bretton Woods (1944), pelas 44 nações participantes da conferência inicial. O BIRD começou suas operações em 1946, mesmo ano em que o Brasil se tornou membro da instituição. Sua sede é em Washington, D.C. (EUA). Em 1986, 151 países eram membros; em 2005, 184 países são membros da BIRD, inclusive a China como último país a se filiar à instituição em 2002. Formalmente, seu propósito é o de prover capitais para investimentos que permitiriam elevar a produtividade, o padrão de vida e as condições de trabalho nos países membros (BAUMANN, CANUTO, GONÇALVES, 2004, p.376). Para isso, o BIRD busca estimular os investimentos nos países membros, sejam com recursos próprios, seja canalizando investimentos privados. A contribuição dos países membros para o capital do banco é feita de acordo com a parte que cada um tem no comércio mundial. Nos processos decisórios, o peso proporcional é alocado da mesma forma, o que equivale ao número de votos que cada país tem na instituição. O BIRD constitui também um importante centro de pesquisas sobre a economia internacional e fonte de informações econômicas sobre os países membros (MACHADO, 2004). A função do BIRD tem mudado no decorrer dos anos e decorre das mudanças no cenário internacional. Baumann, Canuto e Gonçalves (2004, p.376) mostram as mudanças das funções do BIRD no decorrer dos anos 60 até os 80: Até os anos 60, o Banco concentrou suas atividades na provisão de infra-estrutura (transporte e energia em particular). A partir de meados daquela década, o Banco passou a se ocupar também de projetos nas áreas educacional, de desenvolvimento urbano e agrícola, entre outras; o Banco passou também a intermediar a concessão de ajuda econômica de parte de países industrializados, por meio da IDA (Agência Internacional para o Desenvolvimento). O processo de diversificação da forma de atuar da instituição prosseguiu na década de 1970 com o recurso a empréstimos não vinculados a projetos, mas sim a programas de política econômica e, a partir dos anos 80, por meio de empréstimos para ajustes estruturais, destinados a viabilizar reformas em setores econômicos específicos, como liberalização da política comercial externa, mudanças de preços relativos do setor agrícola e desregulamentação do setor financeiro, entre outros. No início, os empréstimos eram somente feitos para governos dos Estados membros do BIRD. Porém, em 1950 foi criada uma agência – IFC (Corporação Financeira Internacional), empenhada em estimular o desenvolvimento também via setor privado. Para isso o BIRD emprestava capital de risco diretamente ao setor privado, sendo apenas 35 necessário à obtenção de um aval dos seus governos para poder se candidatar ao empréstimo (BAUMANN, CANUTO e GONÇALVES, 2004, p.376). O BIRD perdeu muitas de suas funções no decorrer de sua existência. A mudança de perspectiva do SFI acarretou também a mudança na doutrina da instituição. Suas funções foram então limitadas, desta forma, até mesmo os empréstimos estruturais dos anos 80 passaram a ser subordinados a aprovação do FMI. Ainda, o BIRD passou a desempenhar a função de monitorar os países que contraem empréstimos internacionais. Neste contexto, o Banco Mundial acompanha como estes países gastam o dinheiro dos empréstimos, a funcionalidade das suas instituições financeiras, além de avaliar seus mercados de trabalho e suas políticas comerciais. Em síntese, o BIRD tem desempenhado um papel importante no cenário internacional. Este tem trabalhado para conduzir o mundo ao crescimento econômico e social. Porém, suas tentativas não são positivas em todos os casos devido aos ajustes impostos pelo FMI aos países que recebem recursos do Banco Mundial. Estes ajustes muitas vezes têm efeitos colaterais negativos à economia destes países, ocasionando novos problemas econômicos. 2.2.2 O Fundo Monetário Internacional (FMI) O International Monetary Fund (FMI ou Fundo Monetário Internacional) foi instituído pela Conferência de BW. O FMI começou suas operações em 1947, com sede em Washington, D.C. (EUA). Enquanto o BIRD é uma instituição de auxílio ao desenvolvimento, o FMI se restringe ao auxílio na administração monetária dos Estados-membros. Conforme o acordo inicial, ao FMI são atribuídas duas funções: prover os países membros um código de conduta internacional e zelar pelo seu cumprimento. Isso se traduz nas normas impostas pelo Fundo aos países membros sobre a questão da isenção de controle das contas correntes e da fixação ou vinculação das taxas de câmbio de suas moedas. Assim, a partir dessas duas funções podem-se encontrar os objetivos originais do FMI: manter a estabilidade das taxas de câmbio e garantir a provisão de liquidez ao sistema, quando necessário (BAUMANN, CANUTO e GONÇALVES, 2004, p.374-375). Decorrente da atuação do FMI e da implementação dos Acordos de BW, as taxas de câmbio eram controladas através de uma margem pré-estabelecida. A margem era de 1% em relação ao dólar norte-americano, padrão monetário de referência internacional. No entanto, as regras do FMI possibilitavam variações maiores, em casos justificados. Por meio de compra e venda de divisas era possível ocorrer variações superiores a 1%, mas inferiores a 36 10%. Quando isso ocorresse o FMI deveria ser comunicado formalmente sem poder objetar. Para variações superiores a 10%, o FMI deveria ser consultado e autorizar tais variações. Desta forma, havia uma previsibilidade quanto ao valor das moedas. Essa atuação é a forma utilizada para manter a estabilidade do sistema (BAUMANN, CANUTO e GONÇALVES, 2004, p.375). A liquidez dos países membros era feita através de empréstimos dos recursos do FMI para o país com problemas no seu balanço de pagamentos. Desde o início da criação do FMI, as quotas a que cada país possui determinam o limite de empréstimos que este pode contrair. Na sua criação as quotas eram compradas, sendo 25% em ouro e 75% na própria moeda de cada país, servindo como referencial para o montante que o país pode aceder aos financiamentos feitos pelo FMI. Estes são os chamados Direitos Especiais de Saque, ou limite de saque, e são proporcionais à quota de cada membro, sendo estipulado em até 25% de sua quota sem qualquer condicionalidade específica. A partir desse limite as autoridades nacionais devem se submeter a um conjunto de medidas, definidas em conjunto com o corpo técnico do FMI (BAUMANN, CANUTO e GONÇALVES, 2004, p.375). As quotas que cada país detém junto ao fundo decorrem do total de recursos aportados por casa Estado, e estes valores determinam, proporcionalmente, o peso dos votos que cada país membro goza dentro do Fundo. Na atualidade, devido às mudanças que o FMI tem passado perante as necessidades do SFI, o sistema de quotas-partes que cada Estado aporta ao fundo pode ser produzido de outra forma. Desta forma, o Fundo passou a aceitar moedas de alta conversibilidade internacional (como o dólar norte americanos, euro, iene ou a libra esterlina), ao invés dos 25% em ativos serem pagos somente em ouro, enquanto o resto do débito continua sendo pago na moeda do país membro. Em relação aos recursos para constituir o FMI, os EUA têm a maior quota (17,46%), seguindo do Japão (6,26%), Alemanha (6,11%), França e Grã-Bretanha (5,05%), Arábia Saudita (3,28%), China e Canadá (2,99%). O Brasil tem 1,43% das quotas do Fundo. Em 2004, existem 184 membros do Fundo (FMI QUOTAS, 2005). Assim, a percentagem de cada voto na organização decorre do valor aportado por cada país. O FMI desenvolveu vários tipos de instrumentos para empréstimos, ou “facilities”, para atender circunstâncias específicas para a diversidade dos países membros. Diante destas opções, países com baixa renda podem contrair empréstimos a taxas de juros concessionários através da “Poverty Reduction and Grownth Facility” (PRGF) (Facilidade para crescimento e redução da pobreza), pagos entre 5 anos e meio até 10 anos. Empréstimos do Fundo sem concessões são fornecidos através de quatro opções principais: 37 a) Stand-by Arrangements (SBA). O SBA é designado para ajudar países com problemas para saldar dívidas do balanço de pagamentos no curto prazo. Desta facility provêm as maiores somas de recursos em empréstimos do FMI aos países. A duração do SBA é tipicamente de 12 a 18 meses e o desembolso é, normalmente, aceito dentro do prazo de 2 anos e meio a 4 anos, condicionado ao desempenho econômico segundo metas predefinidas pelos técnicos do FMI para cada situação diagnosticada no país alvo do empréstimo de emergência; b) Extended Fund Facility (EFF). Essa facility foi estabelecida em 1974 para ajudar países com problemas prolongados no balanço de pagamentos, os quais requerem reformas fundamentais na sua estrutura econômica. Os arranjos pelo EFF são mais longos, duram em média cerca de 3 anos; c) Supplemental Reserve Facility (SRF). Essa facility foi introduzida em 1997 para satisfazer a necessidade de financiamentos de baixíssima duração, mas com fornecimento de elevada quantidade de recursos em empréstimos. A motivação para a criação de empréstimos do tipo SRF se deve à repentina perda de confiança experimentada pelos mercados das economias emergentes nos anos 90. Como a perda de confiança pode gerar ataques especulativos, fatos que levam ao maciço fluxo de saída de capitais das economias emergentes, estes requerem que o FMI seja capaz de promover financiamentos em uma escala muito maior do que qualquer procedimento anterior. Este tipo de financiamento foi utilizado por países como México, Coréia do Sul, Indonésia, Rússia, Brasil, Argentina, entre outros e significa o desembolso de algumas centenas de bilhões de dólares pelo FMI. Ainda, esse tipo de acordo do Fundo passou a ser utilizado após o fim dos Acordos de Bretton Woods. Os países têm um prazo para pagar seus empréstimos dentro de 2 até 2 anos e meio, mas podem requerer prazo de carência de 6 meses; d) Compensatory Financing Facility (CFF). O CFF foi estabelecido em 1963 para assistir países que experimentam, por exemplo, tanto uma repentina queda nos ganhos de exportação ou um aumento nos custos de importações de grãos. Estes fatores podem ser causados por uma flutuação mundial nos preços de commodities ou por outra situação qualquer como os aumentos no preço do petróleo nos anos 70 e 80. Os termos são os mesmo dos aplicados sobre o SBA, com exceção das sobretaxas do SBA (FMI EMPRÉSTIMOS, 2005). O FMI também provê assistência financeira de emergência aos países como suporte para recuperação de desastres naturais e conflitos armados, em alguns casos com taxas de 38 juros concessionários 22. Além desses tipos de empréstimos, há também o Buffer Stock Financing Facility, criado em 1969 para financiar a amortização de capital, e Oil Facility, criado em 1974, permitindo o FMI receber empréstimos de exportadores de petróleo e emprestá-los para países deficitários (BAUMANN, CANUTO e GONÇALVES, 2004, p. 375). Diante da variedade de facilities existentes, nota-se como o FMI vem se moldando desde o início de sua criação para contribuir em gerar estabilidade ao SFI. Nas últimas décadas, a orientação do FMI para os países em desenvolvimento foi a de apoiar políticas de exportação e atacar o protecionismo e a política de substituição de importações. Todas essas orientações atuariam como regras para os países-membro obterem sucesso em suas políticas econômicas. Contudo, não é bem isso que se observa como será verificado no capítulo três (MACHADO, 2004). O FMI atua em momentos de crise, suprindo as necessidades de reservas internacionais para que os países não fiquem inadimplentes com suas obrigações externas. Porém, na atualidade, existe uma liberalização financeira muito mais ampla, fazendo com que estas crises sejam mais sérias e contínuas, o que sobrecarrega as competências desta instituição para socorrer os Estados em crises financeiras. Ainda, há o fato de que o FMI não consegue se antecipar às crises e evitá-las. Ele somente atua quando uma crise já está instaurada (STIGLITZ, 2002, p.40). O medo causado pela depressão da década de 1930 levou aos Acordos de BW, no qual os países procuravam assegurar a estabilidade econômica global, delegando a função de manter a estabilidade do sistema ao FMI. Atualmente, o FMI dispõe de alguns recursos próprios proveniente das quotas, mas também funciona como mediador entre os países precisando de empréstimos e os bancos privados emprestadores (STIGLITZ, 2002, p.264265). Nas diretrizes de sua criação observa-se que quando fosse necessário, o FMI deveria fornecer liquidez na forma de empréstimos para as nações que estivessem passando por um período de declínio econômico e incapacidade de cumprir suas obrigações internacionais. No conceito original, então, o FMI era fundamentado num reconhecimento de que os mercados não funcionavam bem se deixados por sua própria conta – eles poderiam gerar desemprego 22 Todos os empréstimos estão sujeitos aos juros do FMI que mantém relação com os juros de mercado. Os empréstimos CFF e os relacionados ao suporte emergencial de recuperação de desastres naturais e conflitos armados somente recebem taxa de juros concessionários, ou seja, somente a taxa básica de juros é empregada. No entanto, os empréstimos PRGF recebem juros diferenciados, chegando a 0,5%, além disso, nos empréstimos com alto risco incidem a taxa básica mais uma sobretaxa que fica em média de 3-5%. Fonte: <http://www.imf.org/external/np/exr/facts/howlend.htm.> Acesso em: 14 de março de 2005. 39 em massa e deixar de disponibilizar verbas para os países que precisassem de ajuda para restauração de suas economias. Isso, então, implicava na crença da necessidade de uma ação coletiva em nível global para consecução da estabilidade econômica internacional (STIGLITZ, 2002, p.39 e KRUGMAN E OBSTFELD, 1999, p.553). Assim, para possibilitar a estabilidade do SFI, o FMI dispunha-se a emprestar moedas estrangeiras para os países membros, durante um certo período de tempo em que suas contas correntes estivessem em déficit, mediante um aperto das políticas monetária e fiscal dos países inadimplentes. Essa função financiadora do FMI criava uma certa confiabilidade para o SFI, pois permitia garantir o pagamento das dívidas dos países que tinham balanços de pagamentos deficitários. Porém, o fim dos Acordos de Bretton Woods causou mudanças no SFI e ocasionou novos problemas a serem enfrentados pelo FMI. Exemplo disso é a série de instabilidades apresentadas pelo SFI, iniciada nos anos 70, em contrapartida a dificuldade desta instituição de controlar tais crises. Sendo assim, o sub-capítulo 3.3 trata essa dificuldade que o FMI enfrenta no atual cenário financeiro internacional. 2.2.3 O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) O General Agreement on Tariffs and Trade (GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio), foi criado em 1947 e durou até a sua substituição pela World Trade Organization ou WTO (Organização Mundial do Comércio ou OMC). Os esforços iniciais para a criação de uma organização para regular o comércio internacional foram frustrados pelo Congresso Norte Americano, que via nessa iniciativa o risco de perda de autonomia para a determinação da política comercial no país. A solução foi à criação de um acordo, o GATT, que veio a se constituir de fato no foro básico para as questões relacionadas à regulamentação do comércio internacional. Assim, somente em 1994 a OMC foi efetivamente criada, através do Protocolo de Marraqueche (BAUMANN, CANUTO e GONÇALVES, 2004, p.371, 377). Nos Acordos de BW estava programada a criação de uma terceira organização econômica internacional, nesse caso a OIC (Organização Internacional do Comércio), com a função de controlar as relações comerciais internacionais. Uma organização internacional para o comércio era necessária, não só para impedir uma repetição da depressão do comércio internacional, como já verificado em períodos anteriores, mas também para encorajar o livre fluxo de mercadorias e serviços entre os países. Essa expectativa, do livre fluxo de mercadorias e serviços, tem sido implementada no decorrer da existência desta organização, 40 sendo adequadas segundo as necessidades comerciais de cada Estado membro (BAUMANN, CANUTO e GONÇALVES, 2004, p.371, 377). A OMC atua através de um fórum de negociações multilaterais. Este foi instituído com o intuito possibilitar o entendimento entre as diversas nações que fazem parte da instituição. Isso se mostra necessário para efetivar paulatinamente, segundo as possibilidades de cada membro, a redução de suas barreiras comerciais. Ainda, a redução das barreiras ao comércio internacional é decisiva para o desempenho de diversas economias, assim como para a própria criação de novas condições para as relações internacionais, e desta forma, levando à consolidação do livre comércio (STIGLITZ, 2002, p.42). Segundo Gilpin (2004, p.152), a criação da OMC foi uma importante realização dos países e os resultados que a organização obteve até agora causaram impressões importantes em matéria de solução de disputas comerciais e outras questões relacionadas ao comércio internacional. Porém, ainda segundo Gilpin (2004, p.154), as decisões da OMC são comprometidas pela sua falta de mecanismos para forçar um Estado, especialmente um Estado poderoso como os EUA, a submeter-se a tais decisões. Além disso, os procedimentos da organização são estruturados de tal maneira que as grandes potências podem bloquear qualquer decisão importante da qual discordem. Desse modo, é mais provável que a OMC não funcione como deveria, do que venha a ameaçar a soberania nacional dos EUA ou de qualquer outro país. 2.3 A CRISE DO SISTEMA DE BRETTON WOODS A crise do sistema de BW iniciou-se no fim dos anos 60, devido ao fato de que o desenvolvimento capitalista que perdurava até esta década apresentava sérios desgastes. Os motivos para tal efeito foram o aumento crescente dos gastos públicos dos EUA, fator que colocava em risco seu balanço de pagamentos, gerando incertezas e especulações sobre o sistema. Ainda, a Guerra do Vietnã fazia novos dólares americanos serem liberados aos fornecedores dos suprimentos para o conflito. Naquele contexto, tudo levava a crer que a conversibilidade do dólar pelo ouro deixaria de ser possível em breve, aspectos que se examina nesse sub-capítulo. Todo o esforço para manter a área de influência capitalista levou a que se gerassem grandes déficits no balanço de pagamentos dos EUA. Foram gastos bilhões de dólares na 41 chamada corrida armamentista e aeroespacial23, além dos recursos gastos em ajuda externa (econômica e militar) americana aos países estratégicos, em particular à Alemanha e ao Japão e posteriormente à Coréia e Formosa (atualmente Taiwan), e à substancial saída de recursos nos investimentos diretos dos EUA nos anos 50 e 60 para reconstrução da Europa (MEDEIROS e SERRANO, 1999, p.133). Devido a esses investimentos diretos nos países em reconstrução durante o pós-guerra, várias nações que estavam recebendo estes recursos apresentaram milagres econômicos. A imagem capitalista refletia-se, também, nos gastos em investimentos estratégicos a fim de isolar o bloco socialista. O keynesianismo estava sendo realmente utilizado e a teoria do pleno emprego, comentada anteriormente, estava sendo colocada em prática não somente nos EUA, mas também nos países aliados. Nesse sentido, empresas norte-americanas recebiam estímulos para se estabelecerem em outros países a fim de levar consigo a prosperidade que o capitalismo norte-americano pregava. A “maravilha” dos anos de BW parecia não ter fim. Porém, alguns fatores mostravam seu limite. Este se verificava da redução das taxas de lucro empresariais: a expansão da produtividade do trabalho diminuía seu ritmo, ao mesmo tempo em que revoluções sociais e a ascensão dos sindicatos, num contexto de pleno emprego, davam poder as estas organizações para forçar aumentos de salário sem a respectiva expansão da produtividade. Os operários não se propunham mais a trabalhar longas jornadas e em condições de trabalho precárias. Através das greves vitoriosas passaram a reivindicar melhores condições de vida, e claro, aumento dos proventos. Como o aumento da produtividade não acompanhava os aumentos salariais, isso forçava aumento nos custos de produção, desta forma minimizando os lucros empresariais. Diante destes eventos, as empresas transferiam esses custos para os preços, ou então transferiam suas linhas de produção para países emergentes que já tinham alguma estrutura industrial, mas cuja mão-de-obra ainda era barata e bem disciplinada. Entre estes países se destacava o Brasil, ao lado do México, da Coréia do Sul, Taiwan (SINGER, 2001, p.56-57). Ainda, com a ameaça socialista presente no continente americano, devido à revolução cubana, investimentos foram dirigidos para países que não foram privilegiados com o Plano Marshall. O medo do avanço socialista implicou no apoio dos EUA e financiamento de governos ditatoriais. O Brasil foi um dos exemplos e apresentou com isso, um crescimento 23 Corrida armamentista e aeroespacial: Evento da Guerra Fria, onde os dois pólos, Estados Unidos e URSS concorriam entre si para obter o maior arsenal bélico e viabilização da viagem especial (SENE e MOREIRA, 1998, p.48). 42 econômico espetacular durante o inicio dos anos 70, diante de um governo militar fortemente autoritário. Essa nova fase do capitalismo industrial juntamente com as ações e os custos da política externa norte americana, teve efeitos negativos sobre o balanço de pagamentos dos países industrializados, sobretudo dos EUA, onde salários mais altos e a rebeldia operária estavam ligados também a outros conflitos como a luta dos negros contra a discriminação e à resistência a Guerra do Vietnã (entre 1965 e 1975). Naquele contexto, os produtos americanos perdiam mercado, pois seus preços eram cada vez mais altos, ao mesmo tempo em que as importações dos EUA cresciam, até mesmo pela aquisição dos produtos produzidos por suas próprias multinacionais em outros países. Aos poucos, a redução do crescimento econômico e a queda nas taxas de lucros das empresas deixavam mais evidente a crise da economia norteamericana. Por outro lado, isso implicava na gradual redução da hegemonia norte americana diante dos demais países (SINGER, 2001). Diante disso, os EUA tentavam evitar essa nova tendência, colocando barreiras à exportação de capital. Essa medida tinha como objetivo evitar que empresas investissem fora das fronteiras norte-americanas, mas isso não barrou a fuga de divisas. Com os capitais expatriados24, principalmente pelas multinacionais americanas que temiam uma desvalorização do dólar, formava-se o que foi denominado de “euromercado25”, mercado financeiro internacional onde não havia controle de qualquer governo, deixando livres as transnacionais para movimentarem as inversões de suas subsidiárias em bancos europeus. Esse processo passou a ocorrer a partir dos anos 50 quando as barreiras comerciais na Europa foram sendo reduzidas com o início da implementação do Mercado Comum Europeu. Desta forma, com esta abertura internacional que se iniciava na Europa, as subsidiárias das multinacionais ao invés de remeter lucros as suas matrizes, passavam a guardar seus lucros no euromercado. Isso ocorria sempre que os interesses da empresas eram comprometidos pela ação do poder governamental de seus países de origem e viam no euromercado um campo livre de taxações. O procedimento se difundiu, levando bancos de vários países a operar no euromercado, cujas dimensões cresceram explosivamente. Até mesmo bancos centrais – entidades oficiais de administração da moeda e do crédito – de vários países passaram a aplicar suas reservas, ou parte delas, no euromercado. Segundo Singer (1987, p.59), a crise do capitalismo contemporâneo é, em grande medida, resultado da ruína do sistema de regulação 24 É importante lembrar que as multinacionais americanas instaladas no exterior também não repatriavam seus lucros pelo mesmo motivo e que isto ia constituindo uma massa muito grande de recursos que estava fora do controle dos governos nacionais. (CHESNAIS, 1996, p.253-255). 25 Euromercado: Mercado que possibilita emprestar moedas fora de seus países origem. O Euromercado oferece às empresas multinacionais uma oportunidade externa de empréstimos com pequena regulamentação governamental. Não deve ser confundido com o Mercado Comum Europeu (European Common Market). (GAROFALO, 2004, p.100). 43 nacional das economias capitalistas, sem que ele tenha sido substituído, ao menos até agora, por algum sistema de regulação internacional. Singer (2001, p.58) coloca esses fatores como a raiz da crise e finalmente da destruição do sistema internacional de pagamentos que tinha sido estabelecido em BW, perante o confronto entre governos nacionais e capitais multinacionais. Como o dólar tinha uma taxa de conversão fixa com o ouro, garantido pelo governo norte americano, mais valia manter reservas em dólares, pois rendia juros, ao contrário do ouro. Isso porque muitas vezes, essas reservas eram mantidas em Títulos do Tesouro dos EUA. Com a instabilidade do sistema, os interessados em manter reservas em dólares ficaram escassos, levando que se reduzissem às reservas de ouro do FED. Isso gerava incertezas no sistema e estas significavam crise à vista. Sobre a origem da crise de BW, Medeiros e Serrano (1999, p.136) sintetizam as mudanças que estavam afetando o cenário internacional: Os anos 70 são caracterizados pelo crescimento da inflação internacional, pelo desmonte do regime de taxas de câmbio fixas26, porém reajustáveis de Bretton Woods, pela redução do crescimento nos países centrais e posterior mudança do compromisso keynesiano do pleno emprego. O dólar se desvaloriza em relação ao iene e ao marco, e ocorre forte elevação dos preços relativos do petróleo e das matérias-primas. Destacam-se também a expansão acelerada do crédito privado, decorrente da internacionalização dos bancos americanos e do mercado de “eurodólares”27, a expansão extraordinária da renda petroleira e a reestruturação industrial e deslocamento de capitais alemães e japoneses em suas respectivas áreas de expansão. O colapso do sistema de BW estava próximo e as especulações com o dólar se tornavam freqüentes. O sistema que privilegiava os EUA era contestado pela França, que em 1965 convertera grande parte do seu estoque de dólares em ouro. O desejável era que o dólar fosse desvalorizado em relação às outras moedas conversíveis do sistema. Os EUA tiveram aumentos excessivos de preços e essa inflação não fora indexada a taxa de conversão dólar versus ouro, pois significaria enriquecer os principais países produtores de ouro, o que não era esperado. Isso implicava na necessidade de desvalorização da moeda norte-americana. Por outro lado, o aumento do preço do ouro levaria aos bancos centrais a esperar diminuições 26 Taxa de câmbio fixa: ver nota 8. Eurodólares: Dólares norte americanos negociados sem o controle dos Estados Unidos do mercado Europeu. 1 Direitos em dólares de bancos não americanos que podem ser repassados a outros bancos ou instituições interessadas: comércio, indústria, entidades públicas e mistas. 2 Termo aplicado atualmente à moeda dos Estados Unidos que é depositada em bancos comerciais fora dos Estados Unidos, seja na Europa, Oriente Médio ou Japão e que resulta dos gastos ou empréstimos feitos pelos Estados Unidos no exterior. Em decorrência do poder de conversibilidade das diversas moedas nacionais, o mercado dos eurodólares, ou euromoedas, acabou por englobar o conjunto de moedas estrangeiras escrituralmente depositadas na Europa, formando-se, assim, uma grande reserva monetária em disponibilidade no mercado internacional. As transações e a conversibilidade realizam-se por meio de uma operação financeira que envolve os bancos comerciais e os bancos centrais de cada país, tendo Londres como o principal mercado (GAROFALO, 2004, p.100). 27 44 futuras do valor em ouro das reservas retidas em dólares, piorando possivelmente o problema da confiança em vez de solucioná-lo (KRUGMAN e OBSTFELD, 1999, p.563-564). Sinais prematuros de problemas futuros apareciam no mercado de ouro de Londres. Especuladores começaram a comprar ouro em antecipação a um aumento de seu preço em dólares. Imaginava-se na época que esse evento estava ocorrendo pela desvalorização da libra inglesa em novembro de 1967, mas a grande expansão monetária dos EUA em 1967 e a inflação crescente norte americana provavelmente também influenciaram os sentimentos especulativos. Após as vendas maciças desse período, o Banco da Inglaterra fechou o mercado de ouro em 15 de março de 1968. Dois dias depois, os bancos centrais anunciaram a criação do mercado duplo de ouro, com uma parte privada e uma oficial. A diferença devia-se ao preço flutuante do ouro no mercado privado, porém era mantida a conversibilidade pelos bancos centrais de US$ 35,00 por onça. Isso foi considerado o ponto crítico do sistema de BW. O novo sistema não funcionava, pois os bancos centrais ainda tinham direito de comprar ouro no FED. Os efeitos especulativos levavam outras moedas a perderem valor diante do dólar, em face da grande demanda por tais moedas. A desvalorização das moedas européias era maior do que se poderia imaginar (KRUGMAN e OBSTFELD, 1999, p.565-566). Diante disso, em 15 de agosto de 1971, a conversibilidade do dólar em ouro foi abandonada. Os EUA não conseguiam manter o valor de sua moeda, sobre os principais fatores internos, o que implicou na explosão da dívida federal, conjugada a um déficit crescente no balanço de pagamentos. Naquele contexto, considera-se ainda o agravamento das finanças nacionais causada pela guerra do Vietnã com a emissão de centenas de bilhões de dólares para financiá-la. Os EUA perdiam o controle sobre o movimento de capitais para o exterior, tornando-se um país cronicamente deficitário. Esses aspectos levavam a que os outros países buscassem o procedimento de converter em ouro os dólares que possuíam com medo do desfecho da guerra e da estabilidade do sistema, ou ainda em moedas dos países com superávit no balanço de pagamentos (CHESNAIS, 1996, p.250). Mesmo diante do fim da conversibilidade, o sistema que se tornara instável teria que ser repensado. O atual presidente dos EUA, Nixon, anunciou um imposto de 10% sobre as importações, mantendo-o até que seus parceiros comerciais concordassem em valorizar suas moedas em relações ao dólar. O dólar foi desvalorizado então em torno de 8%, e a sobretaxa de 10% sobre as importações foi imposta para forçar o realinhamento do balanço de pagamentos dos EUA. No mesmo contexto, era aumentado o valor do ouro para a conversão que passava de US$ 35,00 para US$ 38,00. Mesmo assim, os EUA não concordaram em reassumir a venda de ouro para os bancos centrais estrangeiros. Desta forma, a instabilidade se tornava novamente presente depois de 15 meses das medidas anunciadas pelos EUA. 45 Naquele contexto, outro fator trazia mais instabilidade. As eleições nos EUA estavam próximas e a deterioração da conta corrente do país aumentara, mostrando que havia sido insuficiente à desvalorização do dólar. Mesmo desvalorizando o dólar novamente em fevereiro de 1973, no mês seguinte o dólar “acordava” flutuando no mercado de câmbio em relação às moedas do Japão e de vários países europeus, levando os EUA a promoverem de forma unilateral a flutuação das taxas de câmbio 28 (KRUGMAN e OBSTFELD, 1999, p.568). Isso implicou num calote dado pelos EUA, e uma violação aos acordos internacionais estabelecidos em BW. Com a fim do padrão dólar-ouro (PDO), o SFI passava por um processo de desregulamentação. As garantias do antigo sistema não foram cumpridas pelos EUA pelos motivos já apontados e isso gerou mais incertezas. Por outro lado, o interesse dos países sobre a continuidade de uma ordem econômica que garantisse a estabilidade do sistema financeiro era importante, mas havia novos elementos que lutavam para que seus interesses fossem considerados: com a expansão das multinacionais, estas passaram a influenciar de maneira significativa o SFI. Isso passou a ocorrer, pois o interesse das multinacionais se subordina as suas estratégias empresariais de investimento e retorno do capital investido. Com isso, as multinacionais propugnam pela liberalização dos fluxos financeiros entre países. Isso é necessário, pois os interesses empresariais não podem ficar subordinados às estratégias dos Estados nacionais, a controlar o fluxo de capitais entre matrizes e as respectivas filiais. Outro aspecto significativo é o crescente papel assumido pelo sistema bancário. Como o sistema financeiro passou a se tornar acionista de grandes empresas multinacionais e/ou representar interesses de investidores particulares ou fundos de investimento, os bancos junto com as grandes empresas adquiriram poder suficiente para interferir no SFI. Decorrente dessa nova realidade, o FMI e o BIRD foram estimulados a exercer novas e mais complexas funções, além das suas próprias pré-determinadas nos documentos de criação destas organizações, como visto anteriormente. O aumento da inflação no centro do sistema acontecia juntamente com um período de recessão. A redução da lucratividade industrial decorrente da redução das taxas de produtividade e a elevação do endividamento público entre as décadas de 60 e 80 nos principais países capitalistas, sendo a expressão máxima os EUA, estão na origem das mudanças dos Acordos de BW. A instabilidade financeira internacional, então, aumenta a freqüência das crises com as mudanças no SFI, e leva-se a repensar a situação atual do sistema, assunto que será abordado no capítulo seguinte. 28 Taxa de câmbio flutuante: Taxa de câmbio estabelecida pelo funcionamento do mercado, no qual as taxas flutuam automaticamente em decorrência de oferta e demanda de divisas estrangeiras (GREMAUD, VASCONCELLOS e TONETO Jr., 2002, p.280). 46 3 A INSTABILIDADE DO SISTEMA INTERNACIONAL APÓS OS ANOS 70 FINANCEIRO A utilização inadequada de alguns aspectos do modelo keynesiano, no processo de gestão do SFI e no âmbito dos Estados nacionais mais importantes, contribuiu para extinção dos Acordos de BW. Diante disso, instaurou-se um chamado “não-sistema” de taxas flexíveis de câmbio. A expressão “não-sistema” refere-se ao fato de que as relações monetárias internacionais não são governadas por regras ou entendimentos envolvendo coisas como os ajustes cambiais ou a criação de liquidez internacional para os países com dificuldades em seus balanços de pagamentos (GILPIN, 2004, p.170). No período entre-guerras, existia também um “não-sistema”, claro que com características diferentes. A anarquia do “não-sistema” do período entre-guerras teve conseqüências sem precedentes, iniciado pela crise de 1929 que contagiou o comércio internacional. Naquela situação, a preocupação com a economia internacional se tornou prioritária para o crescimento global, levando a criação dos Acordos de BW. Porém, mesmo depois dos episódios vividos nos anos 30, um novo “não-sistema” retorna nos anos 70 em diante, deixando a economia internacional livre para se autogovernar (GILPIN, 2004, p.170). Depois da extinção dos Acordos de BW, pode-se verificar uma nova fase de incertezas no SFI. Com isso, a freqüência das crises financeiras no mundo vem aumentando, enquanto os ciclos de prosperidade diminuem. Além destes fatos, na atualidade, a integração dos mercados, favorecida pela revolução das telecomunicações, propicia a irradiação, quase que instantânea, de crises localizadas. A velocidade das informações leva os sintomas da crise de um continente para o outro, chegando até ao lado oposto do globo antes mesmo das bolsas de valores e os mercados de câmbio abrirem. Diante do exposto, esse capítulo trata dos principais acontecimentos relacionados ao SFI após a extinção dos Acordos de BW: como os efeitos da desregulamentação dos anos 70 e as crises que resultam da instabilidade do “nãosistema”, além das dificuldades para regular o SFI e as propostas para sua reforma no início do século XXI perante a situação atual do SFI. 47 3.1 A DESREGULAMENTAÇÃO FINANCEIRA ALGUMAS OBSERVAÇÕES TEÓRICAS DOS ANOS 70: O fim dos Acordos de BW no início dos anos de 1970 representou o início de uma nova fase do SFI. O fim do PDO iniciou um período de novos problemas no cenário internacional. Os sinais de crise não desapareceram com o fim do sistema de BW, apenas colocavam outros limites à expansão do capitalismo. Naquela situação, outro evento emergia e traria novos problemas e mais instabilidades àquele cenário: no final de 1973, a OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) triplicou o preço do petróleo, [...] e desencadeou a primeira crise conjuntural séria do pós-guerra. Os paísesmembros da OPEP são todos pouco desenvolvidos, e do petróleo por eles exportado dependem as principais economias capitalistas. O aumento enorme do custo do combustível tinha por efeito elevar nestas economias a inflação (pois o aumento do preço da energia se transmite a praticamente todos os demais preços) e aumentar o seu déficit comercial, ao elevar o valor das importações (SINGER, 1987, p.60). Ainda segundo Singer (1987), o segundo choque do petróleo no início dos anos 80 fez com que a recessão mundial fosse aprofundada. O preço do combustível aumentou novamente, levando a uma crise que dessa vez durou 3 anos – 1980, 1981, 1982 – e é considerada a mais profunda, registrando quedas mais acentuadas na produção e no nível de emprego. O preço do barril de petróleo pulou em março de 1974 de US$ 3,00 para US$ 12,00 ficando nesse nível até 1978. Em 1980, o preço do barril chegaria a US$ 32,00, fator que geraria severa inflação nos países importadores devido ao extraordinário aumento do custo deste combustível sobre suas necessidades de energia. Por outro lado, isso levou a um superávit financeiro crescente nos países exportadores de petróleo, porém criou um grande déficit dos demais países, agravando assim a crise. Como visto, a economia nos EUA apresentava sinais de desestabilização desde meados dos anos 60, proveniente de um déficit expressivo no balanço de pagamentos que decorria da fuga de capitais, praticado principalmente, pelas subsidiarias de multinacionais norte-americanas que aplicavam seus recursos no mercado de capitais que emergia na Europa ao invés de remeter os lucros de suas operações no exterior para as matrizes. Além desses aspectos, decorrente das observações keynesianas, foi importante o aumento sem precedentes nos gastos públicos a fim de manter a expansão da economia interna para evitar as recessões. Nos países desenvolvidos, principalmente, e também em alguns subdesenvolvidos, o aumento de dispêndio público fez com que a inflação subisse ao mesmo tempo em que os custos de gerenciamento das dívidas contraídas pelos governos 48 começavam a inviabilizar novos investimentos estatais baseados na expansão de gastos públicos. O maior problema se situava nos EUA. Este país além dos gastos normais para expandir o crescimento da economia investiu trilhões de dólares em programas públicos como a corrida armamentista durante a Guerra Fria, os custos pela manutenção de áreas de influência em todo o mundo, como no caso da Guerra do Vietnã, Coréia, Plano Marshall e outros, e os investimentos na corrida espacial. A importância dos gastos norte americanos deriva do fato que ao expandir a dívida interna e ou emitir moeda para cumprir os pagamentos, os americanos forçavam o aumento da inflação e causavam desconfiança nos aplicadores internacionais que carregavam ativos e/ou passivos 29 em dólares, moeda âncora do sistema de BW. Com a moeda americana pressionada devido a tais desequilíbrios, o mundo procurava converter os dólares em ouro, a fim de evitar maiores perdas, o que pressionava a economia americana ainda mais. Isso elevava as taxas de juros, que por sua vez resultava em maiores custos na produção e implicava em menor competitividade para a indústria e agricultura norte-americana. Com isso, os EUA viam suas exportações se reduzirem e as importações se ampliarem, o que gerava, também, o aumento do déficit comercial. Diante disso, Singer (1987) coloca que os dois choques do petróleo não podem ser considerados como causas para crise, mas sim detonadores da recessão que dos EUA se espalhou para os demais países desenvolvidos nos anos 70, e destes para os países subdesenvolvidos em meados dos anos 80. Os choques do petróleo também influenciaram os capitais depositados no euromercado. Os dólares provenientes dos pagamentos feitos para os países exportadores de petróleo são chamados por vários autores (Singer, 1987; Chesnais, 1996; Fiori, 1999) de “petrodólares”. Esses “petrodólares” eram depositados em contas de bancos na Europa, aumentando o montante em várias vezes desde do início do euromercado. Sobre este aspecto Chesnais (1996, p.253-254) aponta que: Em 1952, o mercado dos eurodólares30 movimentava aproximadamente 2 bilhões de dólares; em 1960, em valores líquidos, ainda não ultrapassava 4,5 bilhões. Pouco mais de doze anos depois, às vésperas da alta do preço do petróleo em 1973, esse montante atingia 160 bilhões de dólares. A partir de 1973, a massa movimentada dobra a cada três anos, até 1981, depois se segue um período de estagnação, até retornar o crescimento, sob o impulso da liberalização monetária e financeira dos governos neoliberais. 29 Passivos: Contas relativas às obrigações que uma pessoa física ou jurídica deve satisfazer. Evidencia as origens dos recursos aplicados no ativo, dividindo-se em passivo circulante, exigível de curto e longo prazo, resultados de exercícios futuros, patrimônio líquido e passivo compensado (Revista da Associação Brasileira de Orçamento Público, Brasília, 1975 apud http://www.tce.sc.gov.br/site/instituicao/instituicao/glossario/s.htm). 30 Eurodólares: ver nota 24. 49 Deste modo, essa poupança excedente procurava lugares e negócios seguros para ser investida. Porém, nessa época, os países desenvolvidos se encontravam em recessão e evitavam contrair empréstimos devido à crise que enfrentavam. Com isso, os bancos que trabalhavam com o euromercado tiveram que procurar novos tomadores de empréstimos em outros nichos de mercado. Para isso, os emprestadores reduziram as exigências de controle e da burocracia, o que possibilitou aos países subdesenvolvidos contrair mais empréstimos internacionais. Os produtores de petróleo não emprestavam diretamente aos países em desenvolvimento, mas os ganhos das exportações de petróleo eram investidos em bancos localizados nos países industrializados. Estes, por sua vez, emprestavam aos devedores: os países em desenvolvimento (KRUGMAN e OBSTFELD, 1999). Nos países desenvolvidos, a partir de 1970, com o desmoronamento do sistema monetário internacional de BW, a gestão da dívida pública passou a ser prioritária. A produção dos países industrializados declinou enquanto a inflação se acelerou, colocando esses países num processo chamado de “estagflacionário31”. A recessão econômica implicava em solucionar o problema dentro das suas fronteiras (PLIHON32, 1998, p.99). Sobre este aspecto Guttmann (1998, p.66)33 consegue resumir num parágrafo a evolução da crise, a estagflação e os efeitos daquele processo inflacionário: Na década de 70, verificaram-se, sucessivamente, um acelerado aumento da inflação e, ao mesmo tempo, um aumento do desemprego. A principal causa dessa estagflação, que representa uma forma mais moderada e mais lenta de crise, talvez tenha sido o importante papel do governo na economia, em particular seu déficit orçamentário e seu papel de última instância de empréstimo, dois aspectos ligados, evidentemente, à moeda de crédito. De modo geral [...] a contínua criação monetária sob forma de empréstimos bancários, proporcionou a “socialização” dos prejuízos privados e dos riscos, jogando o peso destes sobre todos os que utilizam a moeda nacional. De resto, esse “tampão” monetário simplificou os brutais ajustes deflacionários das dívidas, evitando a maciça destruição de capital, aspecto marcante das depressões econômicas anteriores, mas ao preço de uma depreciação mais gradativa do valor da moeda. Por outro lado, embora impedindo uma depressão, esse processo inflacionário deu origem a conflitos na relação entre o capital industrial e o capital financeiro, acabando por destruir o regime de moeda de crédito do pós-guerra. 31 Processo estagflacionário ou estagflação: Inédita combinação iniciada nos anos 70 caracterizada por índices baixos de crescimento econômico, índices altos de desemprego e índices muito altos de inflação (GILPIN, 2004, p.80). 32 PLIHON, Dominique em artigo “Desequilíbrios mundiais e instabilidade financeira: a responsabilidade das políticas liberais. Um ponto de vista keynesiano” IN “A mundialização financeira” coordenado por CHESNAIS, François. São Paulo: Xamã, 1998. 33 GUTTMANN, Robert em artigo “As mutações do capital financeiro” IN “A mundialização financeira” coordenado por CHESNAIS, François. São Paulo: Xamã, 1998. 50 Ainda, com a crise e mesmo com muitos países estando em recessão o preço dos produtos continuava a subir. O aumento de preços durante a recessão era gerado pela inflação de custos (caso do preço do petróleo), e também era expandida pela queda da produtividade devido à extenuação do modelo fordista e taylorista34 e pelos problemas gerados pelo elevado custo de gerenciamento do endividamento público. Antes dos anos 70, esses aumentos eram provenientes, principalmente, dos efeitos sindicais que impunham as empresas à recuperação das perdas salariais. A crise recessiva aumentou o desemprego, os sindicatos perderam força e o capital pôde se impor contra a rebeldia laboral. Embora as principais economias capitalistas voltassem a crescer no período de 1976-79, os níveis de desemprego se mantinham em constante expansão. Singer (1987) indica dois fatores principais para esse fenômeno: a revolução tecnológica dos anos 70 que barateou a automação das máquinas com a invenção do microprocessador e a fuga de capitais para regiões mais atrasadas do mesmo país ou para outros países, onde as forças sindicais eram mínimas ou inexistentes. Isso permitiu às subsidiárias das multinacionais fugir das elevadas taxações em seus países de origem e recomporem suas margens de lucratividade (CHESNAIS, 1996, p.254-255). Mas, além disto, enquanto os países desenvolvidos procuravam reverter à crise recessiva dos anos 70, os subdesenvolvidos captavam recursos internacionais. Com isso, puderam apresentar níveis de crescimento econômico elevado em comparação aos verificado nos países desenvolvidos. Decorrente desta alternativa, a maioria dos países subdesenvolvidos não sentiu a crise dos anos 70. Por outro lado, estes países postergaram a crise, pois pagavam os juros e cobriam seus déficits via novos empréstimos internacionais. Isso só foi possível até o momento em que os EUA modificaram a sua política econômica. Em meados de 1978/79, para evitar a fuga de divisas, manter a cotação do dólar e equilibrar o balanço de pagamentos, esse país aumentou seus juros internos, que até então eram fixados em níveis bastante baixos, para índices que chegaram a ultrapassar mais de 20% ao ano (SINGER, 1987, p.62). Para 34 Modelo Fordista: Conjunto de princípios desenvolvidos pelo empresário norte-americano Henry Ford, em sua fábrica de automóveis, com o objetivo de racionalizar e aumentar a produção. Em 1909, Ford introduz a linha de montagem – uma inovação tecnológica revolucionária. Os veículos são colocados numa esteira e passam de um operário para outro, para que cada um faça uma etapa do trabalho. A expressão fordismo vira sinônimo de produção em série. Esse processo tem várias implicações: viável apenas para esse tipo de produção, exige grandes fábricas e forte concentração financeira. Isso leva à formação de sociedades anônimas, que reúnem capitais de diversas pessoas. O novo sistema de propriedade, dividido em ações, cria o anonimato do dono real do negócio. Fonte: <http://geocities.yahoo.com.br/vinicrashbr/historia/geral/fordismo.htm> Acesso em: 15 de novembro de 2004. Taylorista: É denominado taylorismo o movimento de racionalização do trabalho que se inicia no final do século passado e, efetivamente, difundido e implantado em todo o mundo no início deste século (XX). Fonte: <http://www.eps.ufsc.br/ergon/disciplinas/EPS5225/aula7.htm>. Acesso em 15 de novembro de 2004. 51 Belluzzo (1999, p.103), esse aumento nas taxas de juros tinha um elemento com funções mais amplas: Não há dúvida de que o gesto americano de subir unilateralmente as taxas de juros em outubro de 1979 foi tomado com o propósito de resgatar a supremacia do dólar como moeda-reserva. O fortalecimento do dólar tinha se transformado, então, numa questão vital para a manutenção da liderança do sistema financeiro e bancário americano no âmbito da concorrência global. Assim, incorporando-se lições de Belluzzo, observa-se que esse ajuste foi efetuado para os EUA manterem o controle nos processos econômicos e de concorrência global do SFI e ajudar a equilibrar o sistema bancário americano. Sobre este aspecto ainda segundo Belluzzo (1999, p.104): A expansão da posição devedora líquida norte-americana permitiu o ajustamento, sem grandes traumas, das carteiras dos bancos, à medida que os créditos desvalorizados dos países em desenvolvimento foram sendo substituídos por dívida emitida pelo Tesouro Nacional dos Estados Unidos. Desta forma, o governo americano criava meios para a recuperação dos bancos norte americanos que cada vez mais recebiam recursos e, então, os seus déficits foram trocados por títulos de dívida emitida pelo Tesouro Nacional dos EUA. Isso aumentava a credibilidade na economia americana, evitando prováveis crises de especulação35. O efeito colateral do aumento dos juros nos EUA foi também o aumento das taxas de juros de outros bancos centrais. Esse evento ocorreu porque a procura por dólares aumentou fazendo com seu preço aumentasse paralelamente. Em contrapartida, os bancos centrais se viram obrigados a vender dólares comprando sua moeda local e, assim evitando a continuidade da valorização do dólar, e ainda que suas moedas fossem mais desvalorizadas. Diante disso, haveria um excedente de moeda interna que foi compensado por medidas que reduziram a taxa de crescimento monetário, elevando, assim, as taxas de juros, principalmente nos países subdesenvolvidos (KRUGMAN e OBSTFELD, 1999, p.598). Por outro lado, os empréstimos contraídos no período de excesso de liquidez no mercado internacional de capitais, totalmente desregulamentado, pelos países em desenvolvimento, além de serem em dólares que tiveram aumento relativo no seu valor 35 Especulação: “Os mercados de câmbio formam o epicentro do que H. Bourguinat (1994) chama de “economia internacional de especulação”, que se estabeleceu em sucessivas etapas. A especulação pode ser definida como uma operação que não tem nenhuma finalidade além do lucro que pode gerar. H. Bourguinat refere-se a uma definição de autoria de Kaldor, 1939, onde se trata de operações “não vinculadas a alguma vantagem relativa ao uso do bem, a qualquer transformação ou a alguma transferência de um mercado a outro”. Tais operações, diz Bourguinat, “fazem intervir tomadas de posição motivadas fundamentalmente, pela expectativa de uma alteração de preço do ativo” (CHESNAIS, 1996, p.244). 52 cambial, ainda eram atrelados a uma taxa de juros flutuante chamada LIBOR36. Quando em 1978/79 a taxa LIBOR aumentou a um nível sem precedentes, os novos empréstimos se tornavam mais caros, e os empréstimos já adquiridos foram corrigidos pela nova taxa de juros. Isso fez com que as dívidas já contratadas também aumentassem, assim como a carga de juros pagos pelos países em desenvolvimento. Para ilustrar este aspecto, o gráfico abaixo apresenta a evolução da taxa de juros LIBOR no período de maior aumento (KRUGMAN e OBSTFELD, 1999, p.711). GRÁFICO 1. EVOLUÇÃO DAS TAXAS DE JUROS PELA TABELA LIBOR NO PERÍODO 1971-2004. Dólar LIBOR 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 1991 1990 1989 1988 1987 1986 1985 1984 1983 1982 1981 1980 1979 1978 1977 1976 1975 1974 1973 1972 1971 20 18 16 14 12 10 8 6 4 2 0 Fonte: IPEADATA. – modificado por Leite, 2005. O gráfico apresenta o aumento da taxa de juros LIBOR no período de 1971 até 2004. Pode-se observar que durante os anos das crises citadas, a linha que demarca o valor médio da taxa de juros apresenta um aumento depois do primeiro choque do petróleo em 1973. Mas, sua escalada mesmo inicia-se entre os anos de 1978/79, tendo seu ápice em 1981, já durante o segundo choque do petróleo. No período em foco, o valor médio chegou próximo de 19% anuais. Após a crise do segundo choque houve uma queda na taxa, porém mantendo-se relativamente elevada até o início dos anos 90. Assim, no decorrer da década de 80, a taxa diminui, mas se mantém entre 11 e 8 por cento. Depois desse período, a taxa apresenta queda até chegar a níveis relativamente baixos em 2003. É importante apontar o crescimento explosivo da taxa de juros e a atrelagem das dívidas contratadas por taxas flutuantes para o crescente endividamento dos países 36 Por meio de arbitragem do mercado de ativos, a LIBOR é determinada principalmente pelas taxas de juros dos ativos em dólares situados no Estados Unidos. A mudança da política monetária dos Estados Unidos em 1979 teve, portanto, um impacto direto e imediato sobre a LIBOR (KRUGMAN e OBSTFELD, 1999, p.711). 53 subdesenvolvidos. Com a apreciação do dólar, o valor real do serviço da dívida37 aumentou em decorrência do aumento dos juros e não de uma valorização por depreciação, mostrando assim que houve um aumento real da carga de juros pagos pelos países em desenvolvimento (KRUGMAN e OBSTFELD, 1999, p.711). A seguir, a tabela 1 mostra os valores dos pagamentos da dívida com os conseqüentes aumentos dos valores devido à elevação da taxa de juros internacionais, e o movimento de divisas provenientes do aumento do valor do petróleo. TABELA 1. Pagamentos do serviço da dívida dos países devedores38 em desenvolvimento, 1977-1985 (Bilhões de Dólares). 1977 39.5 1978 57.2 1979 83.8 1980 102.6 1981 124.1 1982 135.9 1983 132.5 1984 124.0 1985 129.0 Fonte: Fundo Monetário Internacional, World Economic Outlook, 1985-1991 apud KRUGMAN e OBSTFELD, 1999, p.713. A tabela mostra que os pagamentos dos países em desenvolvimento durante os anos 70 foram muito grandes. Provavelmente, o aumento da taxa de juros teve impacto no montante pago no serviço da dívida, que evoluiu mais de 200% entre 1977 e 1982. Segundo Singer (1987), as crises dos choques do petróleo aconteceram com atraso de tempo para os países em desenvolvimento, porém ocorreriam com rigor redobrado. Tal decorrência implicava na junção do problema da elevação do custo do combustível com o da gestão de uma dívida cujos juros (impostos por uma situação externa) só conseguiam serem pagos com contratação de novos empréstimos. Esse aspecto fez com que a dívida externa aumentasse aos saltos. Fatores como estes passaram despercebidos dos operadores do euromercado porque não havia controle dos bancos centrais e tão pouco estatísticas globais sobre os estoques de dívidas. Tavares (1999, p. 474)39 chega a chamar o aumento dos juros como “choque de juros”, e assim como Belluzzo (1999, p. 97) reafirma a idéia que o aumento dos juros partia da diplomacia que regularia o dólar como moeda forte. Para Tavares (1999, p.474): O fracasso do dinheiro estourou com enorme violência financeira com o episódio do choque de juros, da chamada “diplomacia do dólar forte”, iniciada em 1979/80, que multiplicou por três o tamanho da dívida externa do Brasil e levou a periferia capitalista à crise da dívida externa e o planeta à crise mundial de 1980/82. 37 Os pagamentos do serviço da dívida incluem todos os pagamentos dos juros mais os pagamentos do principal da dívida com maturidade excedendo um ano (KRUGMAN e OBSTFELD, 1999, p.713). 38 Os pagamentos do serviço da dívida incluem todos os pagamentos dos juros mais os pagamentos do principal da dívida. Está excluído dessa tabela dados do Leste Europeu e a ex-União Soviética. 39 TAVARES, Maria da Conceição em artigo “Império, Território e Dinheiro” IN “Estados e moedas no desenvolvimento das nações” organizado por FIORI, José Luís. Petrópolis: Vozes, 1999. 54 Outro autor também comunga com essa idéia. Teixeira40 destaca que o aumento dos juros foi uma falha, pois jogaram o mundo todo em recessão, agravando mais ainda a crise, e distribuindo a dívida dos países desenvolvidos com os países menos desenvolvimento através de empréstimos por estes contraídos. Para Teixeira (1999, p.184): Diante desse agravamento das condições estruturais de funcionamento do sistema, os Estados Unidos subestimaram a natureza da crise e não trilharam o caminho de um ajuste profundo. Ao contrário, enfrentaram o problema recorrendo simplesmente ao ajuste monetário do balanço de pagamentos, enquanto suas empresas oligopolizadas aumentavam preços e seus bancos empreendiam a reciclagem dos excedentes da OPEP. Com isso, contribuíram decisivamente para o agravamento das condições de funcionamento da economia mundial. Em particular, cabe destacar a forma como foi feita a reciclagem dos superávits dos países OPEP, sob a inteira responsabilidade de instituições privadas localizadas no chamado euromercado, que absorveram o aumento brutal da liquidez internacional e promoveram o endividamento de países, empresas e governos, particularmente no Terceiro Mundo e nos países socialistas. Esses empréstimos, realizados a riscos crescentes, taxas de juros reais negativas e prazos cada vez mais curtos, deram margem ao surgimento de uma dívida financeira global excessiva e desestabilizadora para a economia mundial. Levando em conta os fatores apresentados, os autores apontados abrem uma discussão sobre a legitimidade dos pagamentos que os países em desenvolvimento são obrigados a fazer para cobrir suas dívidas. O que se observa é que uma grande soma de riquezas estava sendo transferida dos países mais pobres para os mais ricos sem que estes tivessem oportunidade de se contrapor ao processo de recessão e de empobrecimento interno. Naquele contexto, não se observou apoio dos países centrais para com o drama da periferia, muito menos alguma forma de transferência de poupanças que provocassem algum sacrifício dos concessores de empréstimo. Chesnais (1996, p.256) ainda destaca que: “Do ângulo keynesiano, a partir do momento que a poupança é resultado e não causa do investimento, esses créditos também ajudaram a formar poupança no Centro do sistema mundial”. Das observações de Chesnais, pode-se avaliar que, o retorno recebido pelos emprestadores ocorre não somente por meio do serviço da dívida, mas também pelos benefícios que os empréstimos podem trazer para a economia dos países que concederam os empréstimos. Isso tudo acontecia num vácuo de regulamentação do SFI em que os garantidores deste sistema, principalmente os EUA, tinham deixado de cumprir os acordos que eles mesmos procuraram impor ao mundo nas reuniões de BW. Nesse sentido, desprende-se da leitura dos autores citados que ao forçarem o mundo a 40 TEIXEIRA, Aloísio em artigo “Estados Unidos: A “curta marcha” para hegemonia” IN “Estados e moedas no desenvolvimento das nações” organizado por FIORI, José Luís. Petrópolis: Vozes, 1999. 55 financiar seu ajuste monetário e financeiro, os EUA procuraram manter a hegemonia do dólar como moeda internacional e evitar grande parte dos custos do ajuste, transferidos para o SFI como um todo. Desta forma, no plano do SFI, a alternativa para tratar dos problemas causados pela crise, ao menos parcialmente, foi a liberalização do fluxo de capitais. Com isso, os Estados foram deixando, progressivamente, de regular a circulação internacional de dinheiro e investimentos. Mas, mesmo com o fim da conversão fixa do dólar em ouro, os EUA usaram da sua influência para manter o dólar como moeda forte e sua posição de destaque no cenário internacional. Tal situação decorria do próprio poder deste país bem como da interdependência crescente entre os EUA, Japão e o Mercado Comum Europeu, devido à gradual redução de barreiras comerciais entre eles. Isso significava que a perda do valor do dólar influenciaria negativamente todos esses aliados comerciais e poderia gerar crises de insolvências. Este é o assunto do tópico seguinte. 3.2 AS CRISES FINANCEIRAS INTERNACIONAIS APÓS A DESREGULAMENTAÇÃO DO SISTEMA DE BRETTON WOODS E A MANUTENÇÃO DO DÓLAR COMO PADRÃO MONETÁRIO LASTREADO NA CONFIANÇA Nos países em desenvolvimento, o aumento abrupto da necessidade de exportação de capitais para cumprir obrigações decorrentes do aumento da dívida externa, causada pelos aspectos já apontados, deixou vários países impossibilitados de cumprir seus deveres com o serviço da dívida. O primeiro caso de inadimplência foi o da Polônia, sob regime socialista, pois desde 1980 passava por conflitos internos. Reclamos da população civil, que tinham origem no descontentamento da Solidarity Union (união da classe trabalhadora polonesa) contra o governo militar, paralisaram as atividades produtivas daquele país. No mesmo sentido, o governo polonês sofria pressão política da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), que ameaça intervir na Polônia caso o governo militar não controlasse a classe trabalhadora. Desta forma, a Polônia apresentava sinais claros de instabilidade que derivaram em 1981 em uma crise econômica interna bastante pronunciada. Esse aspecto fez com que o país se tornasse inadimplente com os pagamentos dos juros de sua dívida externa e pediu para aos credores para renegociar as dívidas que estavam vencendo, ou seja, transformá-las em obrigações de longo prazo (KENEN, 1998, p.539). 56 Assim, a situação da Polônia não foi observada pela comunidade internacional como resultante da situação de desregulamentação em que se encontrava o SFI. Embora o país tivesse tomado empréstimos internacionais durante a “farra” dos eurodólares, a percepção era que a crise advinha dos conflitos políticos internos e era saudada pelo lado capitalista como uma vitória do capitalismo contra a ineficiência do socialismo. Isso mudaria quando, logo em seguida, o México, um grande exportador de petróleo, solicitou a moratória. Em 1982, o México, enfrentava falta de poupança interna e apresentava elevado déficit público, diante a isso foi atacado por uma fuga especulativa41 e ficou sem dólares para pagar os juros de sua dívida externa. Esse foi o início das incertezas sobre a funcionalidade do sistema que emergia após BW. Ao fazer o diagnóstico da situação, os bancos generalizaram a mesma análise para toda América Latina e países em desenvolvimento. Com isso, imediatamente, os bancos internacionais deixaram de fazer novos empréstimos a todos os países latino-americanos, inclusive ao Brasil (SINGER, 1987, p.62). O México, grande produtor e exportador de petróleo e que foi beneficiado com a alta da commodity durante os dois choques do produto nos anos 70 e 80, na ocasião de sua inadimplência tinha uma dívida que somava de mais de US$ 80 bilhões, somente ficando atrás do Brasil, o maior devedor dentre os países em desenvolvimento. Com a crise mexicana generalizaram-se as avaliações dos bancos para todos os países latino-americanos. O Brasil que devia US$ 88 bilhões e a Argentina US$ 40 bilhões, também não conseguiam contrair novos empréstimos para rolar suas dívidas de curto prazo que venceriam meses a seguir. Enquanto isso, o México impossibilitado de pagar os juros de sua dívida externa e tão pouco de rolar sua dívida, acionou o FMI com a solicitação de um empréstimo e o patrocínio do Fundo para criar um plano de estabilização macroeconômica (KRUGMAN e OBSTFELD, 1999, p.715). Diante do anúncio do México em suspender os pagamentos da dívida em 1983, pois esperava por um acordo de renegociação dos pagamentos, o diretor administrativo do FMI pediu aos bancos que concedessem novos empréstimos ao México. Isso se devia à preocupação sobre a repercussão do anúncio do México em relação à credibilidade dos bancos que tinham direitos sobre os débitos do país. Diferente de eventos anteriores, quando o FMI sozinho fornecia assistência diretamente aos países, nesse caso, o Fundo solicitava que os 41 Os mexicanos ricos, com medo que sua moeda, o peso, se desvalorizasse, passaram a trocá-la por dólares, que eram depositados nos Estados Unidos. A saída destes dólares impediu que o México pudesse pagar os juros de sua dívida externa (SINGER, 1987, p.62). 57 bancos agissem conjuntamente com a instituição para resolver o problema (KENEN, 1998, p.540). As negociações desenvolvidas com o México levaram o FMI a aprovar uma “carta de intenção”, em que o México estabeleceu as políticas que seguiria a fim de reduzir a inflação e eliminar seu déficit no balanço de pagamentos. Meses depois e após muita negociação, os bancos concordaram em emprestar ao México cerca de US$ 5 bilhões para que o país pudesse pagar os juros e prolongar a devolução da dívida antiga devida em 1983. No entanto, outros países apresentavam o mesmo problema, entre eles o Brasil, Argentina e alguns países da OPEP como a Nigéria, os quais tiveram que passar por um processo de ajustes semelhante (KENEN, 1998, p.541). A estratégia não teve efeitos positivos nos países atingidos por esses problemas e monitorados pelo FMI. Mesmo quando os déficits nas contas correntes foram reduzidos, o desemprego aumentou, as taxas de crescimento econômico e o padrão de vida caíram muito. Diante disso, alguns países se recusaram a fazer outros acordos, e não conseguiam mais negociar com os bancos comerciais, os quais insistiam que as políticas dos governos fossem aprovadas pelo FMI antes da renegociação das dívidas ou da concessão de créditos adicionais. Alguns países devedores adotaram táticas radicais, como por exemplo, o Peru, que em 1986, limitou seus pagamentos de juros a 10 por cento de seus ganhos de exportação, ou em 1987, quando o Brasil interrompeu todos os pagamentos de juros (KENEN, 1998, p.541). O México, em 1994-1995, se torna notícia novamente, quando em 15 dias o peso mexicano desvalorizou-se em 60%, provocando uma fuga em massa de divisas do país e desencadeou uma onda de desconfiança em todos os mercados financeiros dos países em desenvolvimento, o chamado "efeito tequila" (bebida nacional mexicana). Temendo que a crise se disseminasse pela América Latina, com resultados catastróficos, o governo Clinton reuniu um inédito pacote de ajuda ao México no valor de 47,5 bilhões de dólares. Para isso, ele recorreu a fundos americanos e pressionou o FMI a usar seus próprios fundos para pôr fim à crise mexicana (GILPIN, 2004, p.192-193). A instabilidade financeira internacional se aprofundou quando, em julho de 1997, o Leste Asiático foi atingido por uma crise financeira, cujas causas são polêmicas. Gilpin (2004, p.195) coloca algumas possíveis causas. Por exemplo, “em abril de 1997 o Japão, enfrentando fortes protestos americanos, elevou seu imposto de vendas de 3% para 5%, com isso desaquecendo o crescimento econômico e limitando drasticamente as importações da região; ainda a substancial desvalorização da moeda chinesa em 1994; os boatos de que o Japão pretendia elevar as taxas de juros, com isto, drenando capitais do resto do Leste Asiático”. 58 Ainda, de acordo com Gilpin, alguns eventos reais que parecem ter tido determinação concreta como causas da crise naquela região do globo seriam os seguintes: 1- Em 1996, as economias emergentes do Sudeste Asiático começaram a passar por significativo recuo em suas exportações de mercadorias, gerando entre os investidores sérias dúvidas quanto ao caráter permanente do sucesso econômico da região. 2- Os Estados Unidos arquitetaram uma considerável valorização do dólar em 1995, e as moedas da região, vinculadas ao dólar, também foram valorizadas, com isto, diminuindo a competitividade internacional da região. 3- O aumento da concorrência chinesa com o Sudeste Asiático por investimentos diretos estrangeiros e mercados de exportação contribuiu para agravar a preocupação com as perspectivas econômicas da região. 4- Acreditava-se que a vantagem comparativa42 começara a deslocar-se do Sudeste Asiático para a China, por causa de seus salários relativamente mais baixos. 5- A sobrecapacidade e declínio de demanda em certos setores econômicos, assim como a maior competição por mercados de exportação em chips de memória, aço e automóveis agravaram a constante preocupação com as estratégias de crescimento voltadas para a exportação nas economias da região (GILPIN, 2004, p.195). Desta forma, diante dos eventos que causaram as instabilidades do Leste Asiático, os investidores “ficaram em pânico” e fugiram da região, tirando seus investimentos e deixando as economias locais em crise. Para ilustrar, o quadro resumo 1 a seguir mostra cronologicamente os eventos da crise que afetou o Leste Asiático, e logo em seguida outros países como a Rússia e o Brasil no final do século XX. Quadro Resumo 1. Cronologia da crise financeira do Leste Asiático e suas disseminações. Julho de 1997 A Tailândia, sob forte pressão de especuladores internacionais revoga sua política de vinculação de sua moeda, o baht, ao dólar, permitindo que a moeda nacional flutue. Esta iniciativa, chamando a atenção para os graves problemas enfrentados pelas economias do Sudeste Asiático, desencadeia a crise. O contágio começa a disseminar-se pela região. O primeiro-ministro da Malásia, Mahathir Mohamed, responsabiliza os especuladores. Agosto de 1997 O FMI aprova empréstimos de US$ 17 bilhões à Tailândia. Outubro de 1997 A Bolsa de Hong Kong (Hang Seng) cai 25% em quatro dias, e mais 5,4% dias depois, precipitando uma grande queda das bolsas americanas e de outros países. O FMI oferece um plano de ajuda de US$ 42 bilhões à Indonésia. 42 Princípio das vantagens comparativas sugere que cada país deve especializar-se na produção daquela mercadoria em que é relativamente mais eficiente (ou que tenha custo relativamente menor), que será, portanto, a mercadoria a ser exportada; por outro lado, esse mesmo país deverá importar daqueles bens cuja produção implicar custo relativamente maior (cuja produção é relativamente menos eficiente). Deste modo explica-se a especialização dos países na produção de bens diferentes, com base na qual se concretiza o processo de troca entre países (GREMAUD, VASCONCELLOS e TONETO Jr., 2002, p.530-531). 59 Novembro de 1997 A crise chega ao Brasil, o won sul-coreano entra em colapso. No Japão, falência da Yamaichi Securities, indicava sérios problemas na economia japonesa. Clinton refere-se à crise como “umas pedrinhas no caminho”. Dezembro de 1997 O FMI aprova um empréstimo de US$ 58 bilhões – o maior pacote de recuperação de todos os tempos – para salvar a economia sul-coreana, em rápido processo de deterioração. Janeiro de 1998 Em crise cada vez mais profunda, a Indonésia assina com o FMI um acordo de reforma econômica. Abril de 1998 A economia japonesa evidência sinais crescentes de graves problemas. Novo acordo de reforma econômica entre o FMI e a Indonésia. O FMI é cada vez mais criticado no Congresso americano por seu desempenho na Ásia. Maio de 1998 A crise política na Indonésia agrava-se ainda mais, com protestos estudantis e mais notícias ruins na economia. O presidente da Indonésia, Suharto, renuncia. Os problemas da Rússia tornam-se cada vez mais evidentes. Agosto de 1998 A desvalorização do rublo e outras notícias econômicas negativas provenientes da Rússia levam pânico aos mercados de todo o mundo, causando entre outras coisas uma forte queda nas bolas americanas. O real brasileiro sofre ataque. Outubro de 1998 Com forte apoio americano, o FMI concede ao Brasil um gigantesco pacote de mais de US$ 40 bilhões, acompanhado da exigência de que o país promova uma reforma em regra de sua economia. Janeiro de 1999 Incapaz de dar passos significativos na reforma de sua economia, o Brasil desvaloriza o real em 35%, provocando uma debandada de investidores. Fonte: (GILPIN, 2004, p.196 modificado por Leite, 2005). A tabela mostra que os efeitos da crise em uma economia podem maximizar os problemas de outras. Na situação em que o SFI desregulamentado se encontra, conjugado com a expansão da interdependência mundial e o cruzamento de investimentos e a atuação de fundos de hedge43, o medo gera crescente especulação que é ampliada com a desregulamentação das economias internacionais. Assim, diante dos problemas internos de cada país e mesmo sem eles, qualquer modificação na situação internacional e ou movimentação em massa de capital tende a criar efeitos em cadeia, disseminado a crise. Por exemplo, em 1997 a crise do Leste Asiático afetaria o Brasil quando se iniciou um movimento especulativo e sentiram-se mais tarde os efeitos do câmbio fixo e da desconfiança dos investidores internacionais com a situação da economia brasileira. Os investidores não acreditavam que o Brasil poderia manter seu balanço de pagamentos equilibrado e aumentar 43 Fundos de hedge: operações destinadas a proteger uma determinada posição, ativo ou investimento contra os efeitos de uma possível mudança nas condições de mercado (STIGLITZ, 2002, p.191). 60 as exportações para fazer frente ao serviço da dívida externa. Isso implicou em movimentos especulativos (quem sai antes perde menos) que causariam a maxidesvalorização do Real. Esse fator deixou as reservas internacionais brasileiras em níveis alarmantes e causou mais pânico nos investidores. Diante disso, em 1999, o FMI liberaria um pacote de ajuda de mais de US$ 40 bilhões de forma bastante urgente para o país. Ao mesmo tempo, o FMI impôs um pacote de ajustes que sufocou a expansão da economia, aumentou o desemprego e transferiu enorme quantidade de recursos da sociedade para o Estado via um aumento nos impostos sem precedentes. Tudo isso aconteceria conjuntamente com a expansão das taxas de juros internas para manter os capitais investidos nos títulos do governo, estes pagos com o suor dos menos afortunados. Entretanto, as reformas implementadas no Brasil não aumentavam a confiança no país, ainda carente de investimentos externos. Diante dessa pressão, o Real é depreciado em 35% e o banco central brasileiro cria uma banda onde o valor da moeda deveria flutuar (GILPIN, 2004, p.196). Ainda, no início de 1998, uma retração da demanda de petróleo, uma importante fonte de receita tributária para o governo russo, gerou a desvalorização do Rublo, unidade monetária da Federação Russa. A especulação com o rublo fez com que as reservas da Rússia em moeda estrangeira fossem reduzidas a níveis muito baixos. Isso implicou que o banco central russo tivesse que intervir em várias oportunidades para segurar a cotação e o valor de sua moeda nacional. Mas, com o prosseguimento da crise e a constante desvalorização da moeda russa, em julho de 1998, um pacote de socorro internacional foi apresentado àquele país: 11,2 bilhões viriam do FMI, 6 bilhões do BIRD e o restante seria fornecido pelo governo japonês. No final, o pacote de empréstimos internacionais à Rússia totalizaria 22,6 bilhões. Mesmo assim, semanas depois da concessão do empréstimo, o Rublo seria desvalorizado mais ainda chegando a valer apenas 45% de seu valor de face em janeiro de 1999. Além da desvalorização do Rublo, os problemas derivados da especulação fizeram com que a Rússia suspendesse unilateralmente os pagamentos, tanto dos juros como do principal de seus débitos internacionais. Isso mostraria que o pacote de socorro não foi suficiente para evitar a fuga de divisas para bancos da Suíça e do Chipre. Este aspecto pôde ser verificado dias depois dos empréstimos internacionais entrarem no país (STIGLITZ, 2002, p.172-191). Outro evento que não pode ser deixado de ser mencionado é o caso Argentino. A situação da economia argentina em 1990 apresentava taxas de inflação altíssimas e a posse de Domingo Cavallo como ministro da economia em 1991 implicou em um novo pacote econômico ao país. Baseado em idéias do período do padrão ouro, e observando o excesso de capitais no mercado internacional, a Argentina elaborou um plano de conversibilidade onde 61 um peso argentino passou a valer um dólar americano, deste modo, reduzindo a inflação. Para isso, o governo argentino tratou de amealhar dólares e, como no período da hegemonia da libra, o qual tinha o ouro como moeda reserva, garantia que para cada peso em circulação na Argentina haveria um dólar de lastro no seu Banco Central. No início tudo ocorreu bem, mas quando os dólares guardados no Banco Central Argentino tiveram que ser usados para compensar a saída de capitais do país, então, não houve mais como manter a conversibilidade de um por um. Observa-se, contudo, que a funcionalidade do pacote argentino foi positiva no início, desempenhando um papel de crescimento da economia, este sendo financiado pelas privatizações e pelo crescimento da dívida externa pública. A sobrevivência do plano foi possível devido o aporte de capital que o país recebia em forma de investimentos. Isso era devido aos juros baixos nos EUA, no Japão e na Europa, o que estimulava investimentos de todo mundo na Argentina. Acontece, porém, que o problema do plano era a diferença de produtividade, entre a economia argentina e a americana, de onde provinha a moeda reserva. Diante disso, a Argentina se apresentava como um país de terceiro mundo com preços de primeiro mundo, o que implicava em redução das exportações e ampliação da saída de divisas seja pela via do turismo, ou pelas importações, as quais soavam baratas em dólares ou em pesos dolarizados. O problema se aprofundou depois da desvalorização do Real em 1999. Com a desvalorização da moeda brasileira, os produtos argentinos exportados para o Brasil ficaram muito caros e os bens produzidos e exportados pelo Brasil ficaram mais baratos para o consumidor argentino. Este aspecto contribuiu muito para a retração do comércio entre os dois países, o que ampliou a crise que o Mercosul vinha enfrentando. A Argentina foi o melhor discípulo do FMI. O consenso de Washington44 foi aderido pela Argentina através da sua liberação comercial e financeira, mas o consenso provou, através da crise da Argentina, não ser eficaz em garantir a estabilidade e o crescimento econômico. Fiori (1999, p.78-83) apontava, chamando atenção para os aspectos políticos da crise Argentina, observando que a dolarização não tem condições de arcar com a responsabilidade da estabilização monetária e do equilíbrio orçamentário de sociedades que ainda são democráticas e podem, por isso, escapar do controle do poder dos mercados financeiros pela via da mudança política. Assim, diante de muitos problemas econômicos, em dezembro de 2001, o governo argentino declarou a moratória de sua dívida externa, alarmando o mercado financeiro internacional que já esperava por isso. Com o fim do câmbio fixo entre peso e dólar, em 44 Consenso de Washington: propunha a liberação comercial e financeiro a fim de manter uma entrada abundante e constante do investimento direto estrangeiro, que passaria a ser o carro-chefe do “novo modelo” neoliberal de crescimento econômico dos países (FIORI, 1999, p.79). 62 janeiro de 2002, foi anunciada a desvalorização do peso, que chegou próximo a 70% e provocou forte fuga de capitais. Os efeitos da crise cambial estão presentes na Argentina, em forma de um alto nível de desemprego e recessão (GILPIN, 2004, p.120). Além disso, até que alguma forma de estabilização fosse alcançada, cerca de cinco presidentes da república passaram pelo cargo sem que conseguissem estabilizar o país. Somente no início de 2005, parece que a Argentina está conseguindo renegociar a sua dívida externa com algum deságio e voltar ao mercado internacional. Contudo, mesmo renegociando seus débitos é difícil imaginar que o país voltará a receber créditos internacionais. Mas, por outro lado, observa-se que as taxas de crescimento econômico do país, nos últimos três anos, estão bastante elevadas, e chegou a 9,1% em 2004. Isso poderia indicar que tomar empréstimos externos nem sempre seriam condição sine qua non45 para um país produza crescimento em sua economia (FOLHA ONLINE, 2005). Entretanto, a crise Argentina não trouxe malefícios somente para sua economia, mas também implicou, para a América Latina, a irradiação da crise para seus parceiros comerciais, como o Paraguai, Uruguai, Equador, Perú, Bolívia e vem tomando dimensões de crise política. O Brasil foi prejudicado com o aumento de custos para financiar o seu endividamento externo. Contudo, parte deste custo também derivava da exposição do próprio país ao SFI desregulamentado. Diante dos casos expostos é possível observar que o SFI se tornou auto-regulado segundo as regras do mercado, ou desregulado segundo aqueles que combatem os processos especulativos como deletérios, pois os investimentos internacionais fluem sem controles e podem desestabilizar qualquer país em instantes. O resulto da falta de regulação financeira internacional são crises de instabilidade econômica que comprometem todos os países. O FMI que tem o papel de manter a estabilidade do sistema, não está sendo capaz de solucionar os problemas de liquidez dos países: atua depois da crise. Além disso, a atuação do FMI traz resultados negativos para os países, pois as metas econômicas impostas provocam recessão Mas os países em crise precisam recorrer ao fundo, ou então ficariam inadimplentes o que implicaria na exclusão de um país do SFI desregulamentado e comandado por interesses privados. O efeito colateral é um custo social muito alto para os países em desenvolvimento devido ao aumento do desemprego e a precarização das condições sociais. A sucessão de crises, desde do fim dos Acordos de BW, tem dado muito trabalho para economistas de vários países e mostra as dificuldades para se regular o SFI, assunto que será discutido no subcapítulo a seguir. 45 Sine qua non: Expressão que indica uma cláusula ou condição sem a qual não se fará certa coisa. Fonte: <http://dictionary.reference.com>. Acesso em 23 de março de 2004. 63 3.3 AS DIFICULDADES PARA REGULAR O FINANCEIRO INTERNACIONAL ATUAL SISTEMA A mudança dos Acordos de BW significou profundas mudanças no SFI, pois os Estados Nacionais perderam, progressivamente, a capacidade de controlar a movimentação financeira internacional. Com isso, a adoção do câmbio flutuante e a permissão para a livre movimentação de capitais implicou na produção de políticas internas voltadas para garantir a estabilidade monetária e definir políticas que garantam uma certa confiabilidade para os investidores internacionais. Isso fez com que a política monetária dos países que se abriram ao mercado internacional de capitais e deva seguir procedimentos ortodoxos de ajuste (restrição de emissão monetária e déficit público controlado) e de controle da inflação de forma permanente. Mas, mesmo nos Estados que atuam segundo este procedimento, movimentos bruscos produzidos pelos próprios investidores podem criar fatores de instabilidade. Com isso, a estabilidade monetária requerida pode ser transformada em instabilidade, fator que estimula investidores externos a se retirar de um país a qualquer momento. Ainda, isto também acontece em outros tipos de instabilidades, como as de origem políticas ou outras que levem a riscos de desvalorização da moeda nacional. Em momentos de crise, os aspectos apontados fazem com que o valor da moeda nacional sofra oscilações bruscas em relação à moeda internacional de referência. Nos mercados em que a previsibilidade é difícil de ser alcançada, é possível que comportamentos bruscos decorrentes da imperfeição de determinadas informações afetem as relações “normais” da lei da oferta e da procura que determinaria o valor das moedas. Como o mercado regula o sistema segundo o critério de risco-benefício e o dinheiro é por natureza um ativo bastante volátil, a liberdade de sua movimentação entre diferentes tipos de mercado e países pode provocar crises financeiras e até afetar o comportamento do balanço de pagamentos dos Estados Nacionais. Desde sua criação, o FMI já mudou bastante sua operacionalidade. Segundo Stiglitz (2002, p.39): No começo, baseava-se no conceito de que, em geral, os mercados funcionavam mal; agora defende a supremacia do mercado com fervor ideológico. Inicialmente fundamentado na crença de que era preciso pressionar os países para obter políticas econômicas mais expansivas, hoje o FMI concede recursos somente se os países se engajarem em políticas como corte de gastos, aumento de impostos e elevação da taxa de juros, medidas que levam a uma retração da econômica. 64 As mudanças mais drásticas do FMI ocorreram na década de 1980, época em que Ronald Reagan e Margaret Thatcher passaram a pregar a ideologia de livre mercado nos EUA e no Reino Unido. Segundo Stiglitz (op. cit.), o FMI e o BIRD serviam, então, de dissipadores das novas ideologias, formulando novas regras, e os países que não estivessem de acordo com a nova cartilha, estariam sujeitos às restrições de não poder contrair novos empréstimos com o FMI, ficando mais vulneráveis a novas crises. O autor citado complementa destacando que: O FMI e o Banco Mundial tornaram-se as novas instituições missionárias, por meio das quais essas idéias eram impostas aos relutantes países pobres que, via de regra, precisavam muito de seus empréstimos e concessões. Os ministérios da fazenda das nações mais pobres do mundo estavam dispostos a se converter – se necessário fosse – para obter os recursos, embora a grande maioria dos funcionários desses governos e, mais especificamente, das pessoas nesses países, permanecesse descrente (STIGLITZ, 2002, p.39-40). Desta forma, o FMI e o BIRD impõem a cultura do livre mercado, da liberdade de movimento para o capital e acesso irrestrito aos mercados de todo o mundo por parte das empresas multinacionais (GILPIN, 2004, p.72). Em troca disto, os países recebem o “selo de confiança” da instituição e dos mercados para continuar recebendo financiamentos e poder renegociar dívidas antigas. Porém, mesmo com o “selo de confiança” o SFI não dá garantias aos países, os quais ficam a mercê dos humores e rumores internacionais e principalmente dos fundos internacionais, os quais pela suas características são sempre especulativos. As dificuldades do FMI se ampliaram quando a queda do sistema comunista trouxe um novo cenário econômico e como porta voz do sistema econômico liberal, o FMI foi solicitado a cumprir uma nova função; administrar a transição para a economia de mercado na antiga União Soviética e nos países comunistas da Europa. As regras impostas aos demais países membros do Fundo deveriam ser também implementadas nos países comunistas. Assim, a instituição deveria promover a privatização das estatais, a abertura de mercado e a estabilização da economia. Porém, o efeito das medidas propostas pelo FMI naqueles países, que não sabiam o que era economia de mercado, seria desastroso. A Rússia, em 1987, tinha um nível de pobreza de 2%, no fim de 1998 esse número havia disparado para 23,8% (utilizando-se o padrão de dois dólares por dia) e mais de 40% dos assalariados daquele país ganhavam menos de quatro dólares por dia (STIGLITZ, 2002, p.194). Desta forma, existe muita polêmica sobre a atuação e as conseqüências das medidas impostas pelo FMI aos países. Uma das principais críticas observa que o FMI é considerado uma instituição pública, mantida com o dinheiro fornecido pelos contribuintes do mundo todo, mas ele não se reporta diretamente nem aos cidadãos que o financiam nem àqueles cuja 65 vida ele afeta. Segundo Stiglitz, o Fundo, em vez disso, reporta-se aos Ministros de Fazenda e aos Bancos Centrais dos governos do mundo, que asseveram seu controle por meio de uma votação complicada, baseada no poder econômico dos países ao final da Segunda Guerra Mundial (2002, p.39). Segundo Gilpin (2004, p.159), todo Estado quer um SFI eficiente e em bom funcionamento. Entretanto, os diferentes Estados e grupos econômicos podem discordar fortemente em questões como o valor das moedas e os mecanismos precisos a serem utilizados para a solução das crises. Os interesses dos poderosos grupos econômicos que estão estabelecidos nos países desenvolvidos conseguem influenciar as decisões que podem lhes favorecer. Esses grupos ainda criam meios de maximizar seus lucros e diminuir suas perdas, a tecnologia traz informação rápida para evitar que seus investimentos fiquem vulneráveis, além de criarem novos tipos de ativos monetários como: hedge funds46, swaps47 e derivativos, que viabilizam a menor possibilidade de perda possível. Diante disso, existe uma constante problemática de como regular o SFI que agrade a todos: Estados e os grupos de interesse. As crises de instabilidade econômica contaminam os países. Quando isso ocorre os empréstimos param de fluir, deprecia-se o valor das moedas, acontecem problemas com o balanço de pagamentos, instabilidades na troca de bens e mercadorias entre outras questões importantes do relacionamento entre países. Tudo isso prejudica a confiança no SFI causando novas instabilidades. Os Estados não conseguem controlar suas economias, pois as regras do sistema não permitem sua influência no comércio e no fluxo de capitais, deixando-os mais vulneráveis. Ainda, as instituições não conseguem regular o sistema, não conseguem prever as crises e tão pouco conseguem ajudar os países sem causar recessões, devido suas políticas de estabilização econômica. Isso tudo se deve a diversificações dos interesses, e geralmente o que prevalece são os interesses das potências econômicas (GILPIN, 2004, p.160). Observa-se pelo exposto que a arquitetura de um novo SFI merece muita atenção, mas a discussão é complexa devido à divergência de interesses e o desacordo entre as concepções dos economistas sobre como o novo sistema deve ser. Desta forma, apresenta-se, a seguir, as propostas que estão sendo discutidas para a reforma do SFI. 46 Hedge funds: o mesmo que fundos de hedge, ver nota 43. Swap: Um par de transações combinadas quase simultaneamente, por cujo intermédio se concorda em: comprar uma determinada quantia de divisas para entrega imediata e vender a mesma quantia em uma data fixa no futuro; ou fazer uma venda na hora e uma compra futura (GAROFALO, 2004). 47 66 3.4 AS PRINCIPAIS PROPOSTAS PARA REFORMAR O ATUAL SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL Desde de 1971, o fim da paridade dólar-ouro acabou com as taxas fixas de câmbio, prevalecendo as taxas flexíveis. Contudo, o dólar americano continuou como padrão monotário internacional só que sem lastro metálico ou outro. Desta forma, a aceitabilidade e o valor desta moeda é dada pelo público que prefere manter ou não seus ativos em dólares. Para manter esta situação, o sistema atual pode ser caracterizado como um sistema de “faixas de referência”, pois os bancos centrais das três potências monetárias dominantes – os EUA, a Alemanha e o Japão – têm cooperado para manter suas taxas de câmbio alinhadas ou para alterá-las disciplinadamente. Como não existem regras claras para o SFI, mas apenas uma cooperação entre as principais economias do sistema, esse é considerado como um “nãosistema” (GILPIN, 2004, p.170). Não há consenso entre os economistas sobre a cooperação informal entre os bancos centrais como sendo a melhor solução possível para o sistema. Muitos acreditam que o “nãosistema” é ameaçado por vários problemas: flutuações monetárias incontroladas; desequilíbrios entre países superavitários (Japão, Formosa) e países deficitários (os EUA); e freqüentes tentativas japonesas e americanas de manipular os valores das divisas para aumentar a competitividade internacional de suas indústrias ou alcançar algum outro objetivo econômico. Existe um consenso, porém, que esses problemas precisam de atenção e a solução seria uma reforma fundamental do SFI (GILPIN, 2004, p.171). As reformas devem levar em conta as experiências anteriores e as análises das crises que já ocorreram. Diante disso, depois da crise do Leste Asiático, o presidente Clinton apresentou suas propostas a respeito de uma nova arquitetura financeira internacional para conter a disseminação das crises econômicas e prevenir futuras crises. A nova arquitetura de Clinton esperava antecipar eventuais tentativas de outros países (particularmente da Europa Ocidental e do Japão) para impor novas restrições aos fluxos internacionais de capital. Para isto, proclamou-se a necessidade de padrões internacionais muito mais rigorosos na contabilidade e na regulamentação das atividades bancárias (GILPIN, 2004, p.434-435). Desta forma, para o FMI foi estabelecido um fundo contingencial de US$ 90 bilhões para fornecer ajuda financeira de emergência aos países; o fundo seria usado em socorro apenas dos países que estivessem empreendendo reformas econômicas e cujos “alicerces” econômicos fossem sólidos. Além disso, existia a concepção de que o FMI deveria atuar de forma antecipada, antes que sobreviesse efetivamente uma crise. O Fundo ainda deveria manter a liquidez internacional, e com isso, prevenir o pânico financeiro. Porém, este tipo de 67 prevenção foi testado no Brasil em outubro de 1998, e não obteve sucesso, pois logo depois, em 1999, o Brasil sofreu uma séria crise (GILPIN, 2004, p.435). Diante das tentativas frustradas do FMI e do BIRD de gerir o SFI levanta-se a polêmica de quais medidas deveriam ser tomadas para enfrentar o problema das desestabilizações provocadas pelos fluxos financeiros internacionais, decorrentes dos poblemas enfrentados pela não regulação do SFI? Alguns acreditam na necessidade de adoção de restrições voluntárias pelos diferentes países sobre os influxos e afluxos financeiros internacionais. Outros especialistas levam em consideração que essa limitação causa especulação. Assim, para estes, deve ser evitada qualquer limitação aos fluxos de capital. Segundo Gilpin, os defensores desta posição como Milton Friedman, Walter Wriston, George Schultz e William Simon acreditam que um mercado aberto e desregulado pune somente aqueles que não são prudentes em seu comportamento econômico e chegam a determinar que o FMI é ineficaz e obsoleto, devendo ser desativado. Desta forma, se os investidores internacionais enfrentarem problemas, não poderão contar com mais ninguém para socorrêlos, isso, possivelmente, levaria à adoção de uma atitude mais cautelosa. (GILPIN, 2004, p.436-437). Por outro lado, outros economistas consideram que a solução seria o fortalecimento do papel regulador do FMI. Mesmo os defensores do livre comércio defendem essa posição, porém acreditam que o Fundo deve promover uma liberalização ordenada dos movimentos de capital. Segundo os defensores, para essa ordenação será necessário dispor constantemente de informações confiáveis sobre as condições financeiras das diferentes economias em situação potencial de risco, e para isso desenvolver um sistema eficaz de fiscalização e que o FMI atue como emprestador de último recurso (GILPIN, 2004, p.438-439). Existem ainda discussões sobre o retorno às taxas de câmbio fixa, ou sobre manter as taxas flutuantes, ou até mesmo sobre o retorno ao padrão ouro. Segundo Kenen (1998, p.555564) a complexidade dos países deve ser levada em conta. Desta forma, segundo sua teoria tanto a fixação como a flutuação cambial seria possível, porém seria difícil coordenar as políticas nacionais com um vínculo suficientemente forte para administrar com eficácia as taxas de câmbio. A maioria dos observadores acredita que tanto taxas totalmente flexíveis quanto as fixadas com rigidez são excessivamente drásticas. Acredita-se que é necessário existir uma taxa de câmbio mais ou menos estável (mas não fixa) ou tornar as taxas flutuantes mais funcionais (GILPIN, 2004, p.171-172). As críticas contra as taxa de câmbio flexíveis são muitas. Segundo seus críticos, as experiências de taxas flexíveis mostram como resultado uma quantidade excessiva de moeda circulante e muita volatilidade de preços, desestabilizando os fluxos internacionais de capitais e estimulando políticas econômicas inflacionárias. Além disso, a flexibilidade do câmbio leva 68 a flexibilidade das variações do valor das moedas, entre 30% a 40%, situação que compromete o funcionamento de uma economia de mercado, pois impõem altos custos em matéria de crescimento econômico e na distribuição eficiente de recursos econômicos (GILPIN, 2004, p.172). No entanto, os defensores da taxa flexíveis argumentam que quando um governo enfrenta desequilíbrios no balanço de pagamentos, é muito melhor desvalorizar a moeda do que deflacionar a economia ou recorrer a controles de capital. Existem ainda os gigantescos movimentos especulativos de capitais no mercado internacional e que são decorrentes da desregulamentação dos mercados de capitais que tornam muito mais difícil a preservação de um sistema baseado em taxas fixas. Desta forma, as experiências com ambos tipos de taxa de câmbio deixa claro a necessidade de flexibilidade na própria política de taxas cambias, levando a crer que o proposto seria um “regime cambial com paridades fixas, mas ajustáveis”, “flutuação controlada”, “paridade ajustável”, ou “zonas-alvo de taxas de câmbio” (GILPIN, 2004, p.173). Segundo Stiglitz (2002, p.287-297), as reformas do sistema passa dos limites econômicos e entra em valores humanos. Além da necessidade de reformas na funcionalidade do FMI, Stiglitz (op. cit.) levanta a função do BIRD em melhorar o auxílio ao desenvolvimento através de políticas mais sensatas e menos intrusivas como as do FMI. Ainda, medidas devem ser tomadas para solucionar o problema da falta de informações sobre os mercados, pois este aspecto causa pânico aos investidores e também as instituições internacionais a falharem em suas políticas. A idéia é levar em conta os países com histórico comprovado de políticas sérias. Desta forma, as instituições devem substituir os pacotes de intervenção pela seleção de países que são capazes de escolherem sozinhas suas próprias estratégias. As evidências são que o auxílio prestado seletivamente pode causar impactos significativos tanto na promoção de crescimento quanto na redução da pobreza. Baumann, Canuto e Gonçalves (2004, p.412) concluem que persiste o desafio de como estabelecer novos padrões que evitem a instabilidade do sistema, sobretudo porque boa parte dos fluxos financeiros não estão sujeitos diretamente às regulações bancárias. Assim, quando boa parte das transações ocorrem em paraísos fiscais, ou seja, em mercados relativamente à margem de regulações internacionais, a situação fica mais difícil de ser trabalhada. Desta forma, a complexidade do sistema gera crescentes dificuldades para se definir padrões a serem seguidos, além dos interesses de grupos privilegiados de países e grupos econômicos que prevalecem em detrimento de outros que não conseguem impor suas necessidades. Portanto, o futuro do SFI continua imprevisto enquanto novas crises estão livres para acontecer a qualquer momento tendo obviamente um fato detonador ou um pólo inicial: o país que tem mais problemas para equilibrar suas necessidades financeiras no curto prazo. 69 CONSIDERAÇÕES FINAIS As crises financeiras causam problemas não somente para os países menos desenvolvidos, os quais sofrem perda de recursos financeiros e não conseguem pagar suas dívidas, mas também afetam a confiança de todo o SFI. Na presente pesquisa, procurou-se estudar a evolução das características do SFI para identificar um possível condicionamento da sua desregulamentação com o aumento da instabilidade que vem afetando os países. Observou-se que ao longo de seu desenvolvimento, o SFI apresentou enormes mudanças em sua organização e estrutura, pois o sistema evolui paralelamente ao posicionamento dos países na hierarquia de poder no cenário internacional. Também se observou que a expansão do comércio internacional e dos diferentes tipos de relações financeiras entre os países vem crescendo, o que também amplia a complexidade do SFI. Esse aspecto implicou na necessidade da regulação financeira internacional, para aspectos como: compensações, créditos e financiamentos entre compradores, vendedores e financiadores. Num primeiro momento, a libra esterlina foi elevada a padrão monetário do SFI e também era utilizada como ativo de reserva, juntamente com o ouro, tanto para Estados quanto para indivíduos. Neste período, notou-se que a Inglaterra garantia a liquidez monetária para o sistema em situação de crise e, assim, funcionava como financiadora do mundo. A importância desse país para o funcionamento do SFI decorria de sua supremacia econômica e industrial que possibilitava manter superávits comerciais elevados para financiar déficits dos países que não conseguiam cumprir suas obrigações e, desta forma, garantir a liquidez do SFI. Esta situação lhe garantia à função de liderança política e econômica e de centro financeiro do SFI. Durante o padrão libra-ouro, verificou-se que as crises monetárias nacionais decorriam do esgotamento das reservas em ouro, em libra, ou por causa das dívidas dos países deficitários. Isso ocasionava a desvalorização de suas moedas e deixava pouca alternativa para estes países: abandonar o padrão monetário ou tomar mais recursos emprestados, principalmente na Inglaterra, e se comprometer com as imposições daquele país. Com isso, a libra se valorizava perante as demais moedas. Este foi um dos principais aspectos que comprometeu, no longo prazo, a hegemonia inglesa. Ainda, a valorização da libra tornava mais caros os produtos ingleses, e, desta forma, as exportações inglesas diminuíram, enquanto as exportações dos demais países aumentavam. Com o tempo, os recursos da Inglaterra, para financiar os déficits de outros países, foi se reduzindo e o país não podia mais sustentar o SFI baseado no padrão ouro-libra. 70 Esse aspecto foi observado antes e, principalmente, após a Primeira Guerra Mundial quando a desconfiança fez com que, gradativamente, os países, que faziam parte do sistema, fossem abandonando a aceitabilidade da libra, enquanto a procura por ouro aumentava. Após a guerra, houve tentativas de retorno ao padrão libra-ouro, porém a Inglaterra estava mais atenta às suas necessidades internas de recuperação econômica, e não mais, em manter sua função de liderança no cenário financeiro internacional. Percebeu-se que no período entreguerras não existia outro país que pudesse desempenhar funções semelhantes à Inglaterra e isso ocasionou uma fase de anarquia financeira, pois inexistia regras ou convenções que regulassem o SFI. Neste período, aconteceram crises bastante severas, como a de 1929, devido aos limites à expansão econômica nos EUA. Esta crise se disseminou para o comércio internacional que foi reduzido a um mínimo indispensável devido ao aprofundamento de ações nacionais protecionistas. As taxas de desemprego explodiram em todos os países centrais e a crise só foi debelada com o início da Segunda Guerra Mundial. Diante de tantos problemas, a crise mostrou que havia a necessidade de uma nova regulamentação do SFI. Para isso, os EUA e a Inglaterra, baseados nos novos pressupostos do keynesianismo, proporiam uma nova arquitetura financeira internacional. Mesmo antes do final da Segunda Guerra Mundial, foram estabelecidos os Acordos de BW segundo as propostas de Lord Keynes. Estes conceitos determinavam novas regras para o SFI evitar eventos como a crise de 1929. A principal idéia de Keynes era aumentar a participação do Estado na economia para estimular a expansão da demanda. Isso deveria ser feito através de novas obras públicas, contratação de novos funcionários e pela emissão de moeda. Em conseqüência disto, as fábricas paralisadas pela crise voltariam a produzir o que aumentaria a necessidade de mão-de-obra e diminuiria os índices de desemprego. Observou-se que nesse período os EUA ocupavam posição hegemônica no cenário financeiro internacional. Isto se devia ao crescimento industrial deste país, que o elevava a situação de potência econômica. Além disso, sua interferência na Segunda Guerra Mundial mostrou seu poder militar e reformou laços políticos com os países vencedores da guerra, que apoiaram os EUA para se tornar o novo centro financeiro do SFI. Desta forma, como a Inglaterra no padrão libra-ouro, os Estados Unidos estabeleceram a sua moeda, o dólar, como padrão monetário do novo SFI. A conversão monetária do padrão dólar-ouro seria através de taxa de câmbio semifixa. Os EUA estabeleciam a conversibilidade fixa do dólar, com o ouro, assim como no padrão libra-ouro, enquanto os demais países mantinham a paridade de suas 71 moedas com o dólar. Porém, as demais moedas nacionais podiam sofrer depreciação, valorização ou pequenas flutuações administradas. Verificou-se que os Acordos de BW criaram ainda as instituições para fazer a manutenção do sistema e divulgar as novas regras do SFI. O FMI tinha responsabilidade de autorizar flutuações no valor das moedas, feitas apenas em última instância, além de fornecer empréstimos para financiar países com problemas de liquidez. O BIRD era responsável pelo desenvolvimento econômico global via investimentos que elevassem a produtividade, o padrão de vida e as condições de trabalho nos países membros. Por fim, o GATT, sucedido pela OMC em 1994, era responsável pela regulação do comércio internacional, por estabelecer regras de conduta para os países e manter níveis leais de competição. Além disso, os Acordos de BW também promulgavam, através destas instituições, o livre comércio e a retirada dos Estados do controle econômico, porém estes poderiam controlar o movimento de capitais em seus territórios. A crise do sistema de BW resultou do endividamento estatal, principalmente norteamericano, e mostrou os limites do padrão dólar-ouro. Naquele período, a expansão do crédito estatal ocasionou um período de prosperidade em vários países capitalistas. Para responder as demandas das classes trabalhadoras e empresas, o setor público precisou se expandir e abranger diversas áreas da economia, principalmente o setor de infra-estrutura. Conjugado à expansão dos gastos públicos, os lucros empresariais se reduziam porque a produtividade do trabalho diminuía enquanto a ascensão do poder sindical forçava seguidos aumentos salariais. Com isso, aumentos salariais diminuíam o poder de competição das indústrias americanas e européias que passaram a estabelecer suas linhas de produção em países com menos problemas laborais. Tais eventos tinham efeitos negativos no balanço de pagamentos dos países industrializados. Naquele contexto, os produtos americanos perdiam mercado: seus preços eram cada vez mais altos, ao mesmo tempo as importações dos EUA cresciam, até mesmo pela aquisição dos produtos produzidos por suas próprias multinacionais em outros países. Outras causas da crise do sistema de BW estão ligadas à Guerra Fria, às Guerras do Vietnã e da Coréia, À corrida armamentista e aeroespacial, e os gastos com os Planos Marshall e Colombo. Tais eventos levaram os EUA a emitir grande quantidade de dólares para financiar tais projetos, situação que elevou a dívida pública daquele país. Os déficits norte americanos eram percebidos pela quantidade de dólares acumulados nos bancos centrais de outros países e produziam incertezas no sistema, gerando pressões sobre a paridade dólar versus ouro. Com isso os detentores de dólares começaram a trocar esta moeda por ouro. Esta 72 ação reduzia os estoques norte-americanos e forçava a desvalorização do dólar. O excesso de emissão monetária, a inflação e a crise tecnológica do padrão fordista-taylorista nos EUA, forçava movimentos internacionais especulativos contra a moeda norte-americana. Em 1971, a necessidade do mercado por ouro era tão grande que os EUA foram obrigados a decretarem, unilateralmente, o fim do padrão dólar-ouro. Diante daquela situação, observou-se o fim dos Acordos de BW. Este aspecto traria de volta algo que poderia ser chamado de uma situação de anarquia financeira internacional, semelhante ao que ocorreu durante o período entre-guerras. Tal situação acontece pela ausência de regulamentação ou normalização sobre como o SFI deveria funcionar. Isso ocorreu porque, para alguns países, como os Estados Unidos, o sistema não deveria sofrer regulação, pois o próprio mercado seria capaz de se autoregular. Nesta situação, se iniciaria uma nova fase de crises financeiras internacionais. Entretanto, estas seriam cada vez mais profundas e com maior freqüência. Com o fim da regulação das finanças internacionais em 1971, já em 1973 se observou a emergência de uma sucessão de crises com os choques do petróleo de 1973 e 1980, os quais, num primeiro momento trouxeram recessão aos países desenvolvidos que precisavam de significativas quantidades deste produto para manter a produção de sua economia. Isto se devia a inflação causada por estes choques, pois o aumento do preço do petróleo ocasionava o repasse deste custo extra aos demais produtos da cadeia produtiva. Porém, os países subdesenvolvidos postergaram esses problemas, contraindo empréstimos para custear o aumento do petróleo e o pagamento de suas dívidas. Mas, no final dos anos 70, a crise também chegaria a estes países. Isso aconteceu quando os EUA elevaram sua taxa de juros para evitar a fuga de divisas, manter a cotação do dólar e equilibrar seu balanço de pagamentos. Simultaneamente, ao modificar a taxa de juros nos EUA, os demais mercados financeiros aumentaram suas taxas paralelamente. Essa situação desencadeou, automaticamente, o aumento das dívidas contraídas pelos países, primeiramente pela apreciação do dólar e depois pelo aumento do seu serviço. Desta forma, os países devedores precisavam desembolsar valores cada vez maiores para pagar o serviço da dívida e assim recorriam a novos empréstimos. As crises da dívida nos países subdesenvolvidos, a recessão econômica com inflação e o constante aumento do desemprego nos países capitalistas passaram despercebidos pelos operadores financeiros internacionais. Isso ocorria pelo descontrole dos bancos centrais e pela falta de estatísticas globais sobre as dívidas e os estoques de divisas dos países. Mas, uma série de crises financeiras, iniciadas em 1981 com a Polônia, 1982 com o México, 1983 com o 73 Brasil, Argentina e Nigéria, 1986 com o Peru, novamente o Brasil em 1987, México em 1994/5, mostraram que a situação era muito mais complexa do que se pensava. Em seguida, novas crises se apresentam atingindo vários países no Leste Asiático, Brasil e Rússia em 1997-8, e no final de 2001 a Argentina, Uruguai, Paraguai, Equador e Venezuela, entre outros. Diante destas crises, o FMI teve que atuar promovendo pacotes de estabilização e liberando novos empréstimos a fim de conter as crises. Porém, os empréstimos precisam ser cada vez maiores e vêm sendo solicitados com maior periodicidade devido o aumento da freqüência das crises. Esta situação é resultado de um SFI desregulado que propicia a livre circulação de capitais, e deixa vulneráveis as economias que dependem do aporte de recursos financeiros internacionais. Isso acontece devido à falta de capacidade dos Estados e do FMI em controlar as movimentações financeiras, associadas ao nível de integração das economias, aspecto que leva a disseminação das crises rapidamente. Esse contágio é causado, entre outros aspectos, pela falta de informação dos investidores, fator que ocasiona uma generalização da situação de desconfiança sobre as diferentes praças financeiras, com exceção dos países desenvolvidos, cujos sistemas financeiros, normalmente, apresentam maior confiabilidade. Observou-se que devido às seguidas crises financeiras internacionais, os debates, sobre a regulação e estabilidade do SFI, vêm sendo retomados. Diante das crises ocorridas nas últimas duas décadas, abriu-se uma discussão sobre a falta de regras claras para o SFI. Neste contexto, as instituições criadas em BW foram remodeladas para atuarem sobre as novas necessidades do sistema. Por exemplo, a atuação do FMI mudou em relação ao seu modelo anterior, a instituição era responsável pela estabilização das taxas de câmbio, mas atualmente, como os países utilizam o câmbio flutuante, esta função deixa de existir. Ainda, o FMI era responsável pelo fornecimento de empréstimos para países com problemas de liquidez, mas pela falta de recursos próprios, a instituição passa a mediar acordos entre bancos privados internacionais e os países que necessitam de empréstimos. Esta mediação é feita através do monitoramento da saúde financeira dos países, aspecto que funciona como uma espécie de consentimento para os bancos emprestarem recursos aos países que apresentam níveis suficientes de gestão responsável, ou seja, serem capazes de gerar superávits para cumprir com as obrigações financeiras internacionais. Por outro lado, a concessão de empréstimos do BIRD passa a ser limitada pelo FMI, pois segundo sua função de mediador, o FMI apenas autoriza empréstimos a países com boa saúde financeira. Além disso, o BIRD trabalha com o FMI para controlar como os países 74 gastam o dinheiro dos empréstimos, a funcionalidade das suas instituições financeiras e, de seus mercados de trabalho e na liberalização das políticas econômicas e comerciais. O avanço da discussão também levanta propostas para uma nova arquitetura financeira internacional, através de uma nova estrutura regulatória que seja capaz de fornecer alicerces econômicos mais sólidos e garanta uma melhor funcionalidade para o sistema. Sobre este assunto de acordo com Gilpin (2004, p.171), as divergências entre os economistas, são muitas. Eles divergem sobre quais parâmetros seguir, tais como: organizar um sistema que tenha por base taxas de câmbio fixas ou flutuantes; permitir a total liberação da economia ou estabelecer o controle do fluxo de capitais. Ainda, existe a discussão sobre a eficiência das instituições internacionais e a possível extinção ou implementação de mudanças profundas nestas instituições. Porém, as críticas ao sistema anárquico atual têm um consenso: a calamidade chegou a níveis fora de controle e medidas profundas devem ser tomadas para garantir a estabilidade do sistema, o que vai gerar em contrapartida, a melhoria nos indicadores de desenvolvimento econômico, social e comercial dos países. Esses efeitos seriam sentidos tanto para os países menos desenvolvidos quanto para os desenvolvidos e poderiam melhorar os indicadores de prosperidade de todos países que fazem parte do SFI. Conclui-se observando que as hipóteses iniciais apontavam que o SFI é organizado segundo o conjunto de regras e normas que governam as relações financeiras entre os países. Ainda, o fim dos Acordos de BW, em meados de 1970, produziu um aumento de liberdade sobre os fluxos de capitais que desestabilizou o SFI. Por outro lado, a maior liberdade para o capital financeiro internacional obstaculizou o controle dos Estados sobre a circulação de capitais, fator que implicou em maior instabilidade das relações financeiras internacionais. Por fim, a falta de informação por parte dos investidores generaliza as diferentes situações de crises internacionais, fazendo que estes deixem de investir em países menos confiáveis, e transferem seus recursos para países desenvolvidos, considerados estáveis ou previsíveis. O que causa a retração do comércio internacional e faz a disseminar mais a crise, devido à situação de globalização econômica e financeira entre os países. Desta forma, a pesquisa efetuada comprova que os elementos apresentados pelas hipóteses iniciais estão presentes quando se examina esta questão. Isto pode ser observado na questão das instabilidades que periodicamente afetam o SFI. Também, se observou que o “consenso das potências”, em um primeiro momento Inglaterra e depois EUA, contribui para “formular as regras” que regem as relações financeiras internacionais. Assim, a hipótese proposta apresenta elementos que comprovam sua veracidade. 75 Sobre a questão do excesso de liberdade para o capital financeiro como causa da instabilidade das relações financeiras internacionais, os aspectos propostos pela hipótese também foram comprovados pela pesquisa. Observou-se que em duas situações, no período entre guerras e após os anos 70 até a contemporaneidade, a desregulamentação do SFI implicou no aumento da freqüência das crises financeiras internacionais. A explicação para esta situação é que a regulação das finanças internacionais segundo as regras de mercado compromete a confiabilidade de todo o sistema, dado que a lei da oferta e demanda não regula com precisão as relações financeiras entre países, as quais dependem sempre do longo prazo e não das conjunturas de momento. Ainda, existe a dificuldade dos países menos desenvolvidos em regular o capital financeiro, pois estes precisam do aporte de capital externo e a tentativa de regular tais fluxos poderia significar a fuga dos investidores destas economias. Sobre este ponto é necessário fazer um adendo metodológico: futuras pesquisas quantitativas precisam ser feitas para confirmar as observações levantadas. É necessário identificar quantitativamente qual é a proporção de crises internacionais que aconteceram durante o período do SFI desregulamentado, e relacioná-las aos períodos em que vigorou regimes financeiros internacionais regulamentados. Diante do exposto, a última hipótese proposta aponta para a falta de instrumentos internacionais que informem a situação dos países no aspecto financeiro. A ausência de informações forçaria os investidores a ter comportamentos especulativos para evitar prejuízos. Desta forma, os investidores alocam seus recursos em economias que apresentem confiança, preferencialmente os países desenvolvidos. Com isso, os países subdesenvolvidos devem pagar mais para terem acesso a esses recursos. Com a desregulamentação das finanças internacionais, a crise em um determinado país tem desdobramentos em outros e compromete todo o sistema, causando retração de investimentos e crises internas. Isso tem efeito direto no comércio internacional, pois reduz as importações, ocasiona retrações nos mercados internos gera perda de recursos e expande a informalidade do trabalho. Esta situação decorre das finanças internacionais desregulamentadas interdependência entre os países. num período globalizado e de maior 76 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BATISTA Jr., Paulo Nogueira. Vulnerabilidade externa da economia brasileira. São Paulo: IEA-USP, 2002. BAUMANN, Renato, CANUTO, Otaviano e GONÇALVES, Reinaldo. Economia internacional. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. BELLUZZO, Luiz Gonzaga. Finança global e ciclos de expansão. IN FIORI, José Luís (Org.). Estados e moedas no desenvolvimento das nações. Coleção Zero à esquerda. Petrópolis: Vozes, 1999. BENJAMIN, César e RIBEIRO, Rômulo Tavares. Autonomia legal para o Banco Central: uma tragédia anunciada. Disponível em: Outro Brasil. <www.outrobrasil.net>. 12 de janeiro de 2004. Acesso em: 18 de outubro de 2004. BRUNHOFF, Suzanne de. A instabilidade financeiro internacional. IN CHESNAIS, François (Coord.). A mundialização financeira. Gênese, custos e riscos. São Paulo: Xamã, 1998. CHESNAIS, François. 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