INTERAÇÃO SOCIAL E DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO ABSTRATO: POSSÍVEL E LEGÍTIMO AO DEFICIENTE MENTAL Amâncio Leandro Corrêa Antonio Ferreira Lima RESUMO Este trabalho tem como objetivo compreender a interação social e o desenvolvimento do pensamento abstrato no deficiente mental. Neste sentido, Vygotsky e Luria afirmam que a escola deve atuar como mediadora para criar relações interpessoais entre o aluno não deficiente e o deficiente, ajudando na socialização e resolução de problemas específicos de aprendizagem tão caros ao deficiente mental. Dizem que as crianças retardadas, se deixadas a si mesmas, nunca atingirão formas bem elaboradas de pensamento abstrato. E que mesmo com dificuldades, atrasos e, em último caso, com necessidade de métodos especiais as crianças mentalmente retardadas, devem estudar o mesmo conteúdo que as demais crianças, o que favorece o desenvolvimento de um pensamento mais transcendente, autônomo e menos alienado. Sempre de acordo com Vygotsky, a opção de usar a concretude como a única forma de trabalhar inibe o desenvolvimento do pensamento abstrato podendo mesmo anular as possibilidades de sucesso. Existe uma relação estreita entre a literatura e a publicação do Ministério da Educação, o que não se traduz numa inclusão efetiva e capaz de desenvolver o pensamento abstrato em deficientes mentais. RÉSUMÉ Ce travail a comme objectif comprendre l'interaction sociale et le développement de la pensée abstraite dans la personne handicapée mentale. Dans ce sens, Vygotsky et Luria affirment que l'école doit agir comme médiatrice pour créer des relations interpersonnelles entre l'élève non déficient et la personne handicapée, en aidant dans la socialisation et la résolution de problèmes spécifiques d'apprentissage aussi chers à la personne handicapée mentale. Ils disent que les enfants retardés, si laissées à eux mêmes, jamais n'atteindront formes bien élaborées de pensée abstraite. Et que même avec des difficultés, des retards et, dans un dernier cas, avec nécessité de méthodes spéciales les enfants mentalement retardés, doivent étudier le même contenu que les autres enfants, lesquel favorise le développement d'une pensée plus transcendente, indépendant et moins aliéné. Toujours conformément à Vygotsky, l'option d'utiliser lês choses concrètes comme seule forme de travailler inhibe le développement de la pensée abstraite peut annuler les possibilités de succès. Il existe une relation étroite entre la littérature et la publication du Ministère de l'Éducation, ce qui ne se traduit pas dans une inclusion accomplit et capable de développer la pensée abstraite dans des personnes handicapées mentales. Palavras-Chave: Interação social, mediação, pensamento abstrato Mots-clêf: Interaction sociale, médiation, pensée abstraite 2 1. Introdução O trabalho educacional tem promovido o desenvolvimento do pensamento abstrato no deficiente mental? Respostas pra essa pergunta é o que procuramos com o presente estudo, nosso objetivo é conhecer a relação entre a literatura especializada e as publicações mais recentes do Ministério da Educação a respeito da interação social como vetor para o desenvolvimento do pensamento abstrato no deficiente mental. É claro que ao tratarmos dessa problemática somos remetidos a diversas questões que nos conduzirão aos pontos cruciais de nosso objetivo de conhecer como a educação sistemática atua na promoção do desenvolvimento do pensamento abstrato em deficientes mentais, que são, como diria Vygotsky, a pedra de toque desse trabalho. Para chegarmos nesses pontos pretendemos discorrer sobre o que de pertinente já fora dito, por especialistas no assunto. Isaías Pessotti será um de nossos consultores, especialmente no que diz respeito a um apanhado panorâmico que pretendemos fazer da deficiência mental ao longo da história. Outros teóricos que nos subsidiarão serão Vygotsky, que nos fornecerá material suficiente para acreditarmos e argumentarmos que a interação e a socialização do deficiente mental é o que reforça e ajuda na promoção da capacidade de desenvolver no mesmo, com grandes esforços e limites, o pensamento abstrato, Luria juntamente com Vygotsky nos ajudará a perceber pelo menos duas coisas importantes: uma é que um dos grandes problemas do deficiente mental é o fato de que ele, por si mesmo, não sabe e não se esforça pra obter o desenvolvimento intelectual e é nesse ponto que aproveitamos para colocar a questão do esforço que é necessário ser feito pelo educador pra mediar tal desenvolvimento e o segundo ponto é o de que é preciso ver no deficiente não só suas “características negativas”, mas o potencial que o mesmo apresenta. Para reforçar nossa visão acerca da socialização e da participação do homem na sociedade, como sendo necessários ao desenvolvimento criador, Paulo Freire será mencionado, pois o mesmo vai dizer que o homem é ser de relações e não deve apenas constar no mundo, mas com o mundo, participando, interagindo e escrevendo sua história através de suas ações, queremos asseverar que deficientes mentais são tão humanos quanto qualquer um e, portanto capazes de atuar na história. 2. Breve histórico da deficiência mental Desde a antiguidade, a humanidade sempre teve dificuldades de lidar com o deficiente mental. Isaías Pessotti no livro Deficiência Mental: da superstição à ciência nos fornece muitas 3 informações acerca de como se tratou a questão. De modo panorâmico vamos dar uma passada por algumas partes do livro supramencionado. Nos tempos de Platão e Aristóteles se admitia o abandono do deficiente mental, posteriormente, com a difusão do cristianismo a sorte dos deficientes mentais mudou, entretanto, eram vistos como “les enfants du bon Dieu”, “as crianças do bom Deus”, dessa expressão deriva que eram aceitos, mas inferiorizados e entregues a Deus. Com o passar do tempo “as crianças do bom Deus” começaram a ser vistas como pessoas sem virtudes de alma e como forma paradoxal de aceitação, proteção e castigo foram segregadas e isoladas. Durante a inquisição, provavelmente muitos deficientes foram queimados como hereges. Emérico advertia que uma das manhas de que os “hereges” se utilizavam pra fugir das torturas era a de se fazerem de tolos. Neste período todos os que tinham distúrbios de intelecto foram associados com o próprio mal encarnado, os deficientes passaram a ser vistos como seres diabólicos ou possuídos, Lutero chegou ao ponto de aconselhar ao príncipe de Anhalt, que tinha um filho deficiente, que o afogasse para matá-lo, entretanto o mesmo recusara tal conselho (PESSOTTI, 1984). Adiante, a deficiência mental passa aos poucos a ser encarada também como problema físico e não necessária e exclusivamente espiritual. Paracelsus (1493-1541) e Jerônimo Cardano (1501-1576) foram médicos que contribuíram bastante para isso. Thomas Willis (1621-1675) passa a entender a deficiência mental como produto de estrutura de eventos neurais e com isso inicia, pelo menos nas camadas mais elitizadas da sociedade, o sepultamento da visão demonológica da questão. John Locke (1632-1704) surge e luta contra os absolutismos teocráticos da época e admite que dependendo da qualidade da interação que o deficiente mental mantém a educação do mesmo é possível. Condillac (1715-1780) grandemente influenciado por John Locke também contribui imensamente no campo da deficiência mental quando cria sua teoria da estátua, ao admitir a idéia de que por um único canal sensorial todas as faculdades ou parte delas poderiam ser estimuladas e isso era aplicável diretamente ao deficiente mental já que o mesmo precisaria de estímulos para o desenvolvimento de suas faculdades mentais (PESSOTTI, 1984). Jean Marc Gaspard Itard, médico e também pedagogo, muito influenciado pelas teorias do bom selvagem de Rousseau, da tábula rasa de Locke e pela estátua de Condillac dedica-se à educação de surdos-mudos e por conta de sua competência obtém grande prestígio entre os médicos de sua época. No ano de 1800 um jovem “selvagem” depois chamado de Victor deixase prender e alguns médicos, dentre eles o famoso e competente Philippe Pinel, fazem uma análise do mesmo caracterizando-o como idiota e incapaz de ser educado. Contrariando seu “mentor” Itard acredita na possibilidade de aprendizagem e assume a educação do “selvagem”, após cinco anos Itard consegue progressos na educação de Victor (PESSOTTI, 1984). 4 Se antes os sacerdotes eram os “árbitros” dos deficientes mentais, agora os árbitros passam a ser os médicos que criam seus tratados e teorias como Emanuel Fodéré (1764-1835) quando publica em 1791 um tratado que recebera o nome de “Tratado do bócio e do cretinismo” onde se formula a lei de que o bócio1 é o primeiro estágio de uma degenerescência que culmina no cretinismo. Naquela época a situação era tão generalizada que “Uma criança em 1805 ou 1810, era normal ou cretina.” (1984:73). Esquirol (1772-1840) é o nome que mais influenciou o pensamento médico sobre a deficiência mental em sua época, pois quando do alto de seu nome, como autoridade médica, Esquirol afirma que a idiotia não é uma doença, começa a fluir uma corrente de pensamento que terminará, muito mais tarde, por abalar a hegemonia doutrinária dos médicos no campo da deficiência mental. (PESSOTTI. 1984:90) Ele legitima a entrada do pedagogo no assunto da deficiência mental, pois ele coloca que, em última análise, o rendimento da aprendizagem deve ser levado em conta para aferição da deficiência. Augusto Frederico Froebel (1782-1852) dizia que cada criança seja ela “normal” ou deficiente tinha sua individualidade e que deveria ser respeitada, seus recursos didáticos eram bastante significativos na área da educação especial (PESSOTTI, 1984). O primeiro especialista em deficiência mental fora um discípulo de Itard, seu nome, Edouard Seguin, em 1846 ele publica sua obra mestra: “Tratamento moral, higiene e educação das crianças idiotas e outros déficits”, ali, além de sistematizar e tratar diretamente sobre a deficiência mental ele vai tecer uma forte crítica a médicos como Pinel e Esquirol dizendo que lhes falta método e observação, Seguin representou um abalo à teoria unitarista que necessariamente ligava uma enfermidade a outra, como exemplo a visão de que o bócio necessariamente terminaria em cretinismo (PESSOTTI, 1984). Embora progressos tenham sido alcançados como os que já foram citados com Itard, Seguin, Froebel, etc., um tempo de retrocesso e pessimismo recrudesce. O rei da Sardenha criou a comissão de Sarda, depois chamada de Comissão de Piemonte, que teve como objetivo a investigação da incidência de cretinismo naquela região e propor medidas para redução ou eliminação do problema. O relatório da comissão falava de uma situação médico-social assustadora ao descrever a situação física e comportamental das pessoas afetadas. Posteriormente, com a Comissão Francesa, o pensamento retrocede quase um século, chega-se a falar de preservação de raça como adverte Pessotti ao afirmar que “a questão da preservação de raça começa a alarmar a medicina e o resto das elites culturais, plantando a semente da rejeição e da hostilidade à raça “degenerescente”, decadente, em suma: a outra raça. (PESSOTTI. 1984:141). 1 O aumento do volume da glândula tireóide. (Dicionário Houaiss) 5 Langdon Down, o “pai da Síndrome de Down” afirmou que o deficiente mental era representante da raça mongólica. Portanto, o avanço no trato com o deficiente que havia sido alcançado praticamente fora esquecido e o retrocesso havia se instalado. Entretanto, Maria Montessori (1870-1952) abraçara com todo entusiasmo o método de Seguin, assim como também o fizeram Pestalozzi e Decroly ao criarem sistemas eficazes pra educação de crianças em geral, basearam seus métodos na educação de crianças mentalmente retardadas (PESSOTTI. 1984). Fizemos um rápido apanhado histórico acerca da problemática da deficiência mental para que pudéssemos entrar na questão da interação e do desenvolvimento do pensamento abstrato em pessoas com esta condição. Este caminho nos permitiu entender que a questão que envolve o deficiente mental, sua relação social e o desenvolvimento de seu pensamento abstrato sempre conformou-se numa crise das mais complexas. 3. A sociabilidade e o desenvolvimento do pensamento abstrato Hoje, com a influência tanto daqueles pensadores que fizeram algo pela educação de deficientes mentais no passado como por outros que fazem na atualidade, temos tentado percorrer esse caminho na tentativa de superar muitos obstáculos, como o preconceito ou a dificuldade de se efetivar a educação destes sujeitos. Tem-se atualmente falado muito na inclusão do deficiente mental com base no texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96 que afirma “Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais.” (LDB, Art. 58). O texto da lei fala de colocar o deficiente preferencialmente na escola regular o que tem gerado efervescência na mídia e na literatura. Entretanto, como tem sido observada a questão da interação social e a sua importância na construção do pensamento abstrato na criança com deficiência mental, tem negligenciado uma imposição já assinalada por Vygotsky quando afirma que Precisamente porque as crianças retardadas, quando deixadas a si mesmas, nunca atingirão formas bem elaboradas de pensamento abstrato, é que a escola deveria fazer todo esforço para empurrá-las nessa direção, para desenvolver nelas o que está intrinsecamente faltando no seu próprio desenvolvimento. (1991:100) O texto citado é parte de uma crítica que Vygotsky faz aos procedimentos da escola especial em que os métodos utilizados se resumem ao concreto e que sendo a única forma de se trabalhar inibe o desenvolvimento do pensamento abstrato podendo até anular as 6 possibilidades de sua efetivação, “Al operar exclusivamente con representaciones concretas y visual-directas, frenamos e dificultamos el desarrollo del pensamiento abstracto” ( Vygotsky, 1997:150), portanto a escola precisa ter uma postura, fazer um esforço, como diz Vygotsky, na mediação e na estimulação do pensamento abstrato que quando se desenvolve o faz com muita dificuldade pela criança em questão, porém, essa não é uma tarefa fácil, é preciso dedicação, técnica e muita perseverança na sua realização. É necessário que se queira a obtenção de resultados e este é um ponto crucial na postura negligente, pois é muito mais cômodo deixar como está afinal o poder de reivindicação do deficiente mental não tem importunado às autoridades. Não estamos vendo os deficientes mentais nem seus pais fazendo passeatas nem greves em busca dos direitos que são seus simplesmente por serem humanos, vês que historicamente a problemática do deficiente mental sempre precisou de porta voz ou procuradores. Luria e Vygotsky em seus Estudos Sobre a História do Comportamento vão dizer que “o fenômeno do retardo não é só um fenômeno de deficiência natural, como também, em grande medida um fenômeno de deficiência cultural – uma incapacidade de desejar e de saber como.” (1996:229). Ou seja, se formos esperar que a criança com retardo mental deseje ou reivindique a consecução de qualquer projeto se apresenta muito mais distante, por esse motivo é que o educador precisa atuar como mediador, como estimulador para que o desenvolvimento do pensamento abstrato seja uma possibilidade exeqüível em deficientes mentais. Paulo Freire não foi um especialista em educação especial, entretanto disse muitas coisas que se aplicam aos deficientes mentais simplesmente porque eles são humanos, e também à outras pessoas que foram excluídas e segregadas das formas mais diversas pela sociedade que injustamente os oprime e marginaliza. Ele diz que “é fundamental, contudo, partirmos de que o homem, ser de relações e não só de contatos, não apenas está no mundo, mas com o mundo.” (1981:39). Antes de tudo, o ser humano não é apenas ser de contatos, mas de relações, e relações é o que tem faltado ao deficiente mental, ele não está na escola apenas pra manter contato com os que ali estão. É preciso mediar a interação, é preciso fazer um esforço para que relações de troca, de intrecâmbio como diria Marx (2007), sejam estabelecidas, pois a interação dependendo de sua qualidade como diria John Locke possibilita a educação (PESSOTTI, 1984) e nós diríamos, possibilita o desenvolvimento do pensamento abstrato. Afinal, acreditamos que o aprendizado se dá na complexidade, numa dialética que faz com que diferentes se deparem, se choquem, se harmonizem e no final maturem. Aqui fortalecemos a idéia da integração do aluno deficiente, pois, haverá benefício pra todas as partes envolvidas. Em segundo lugar Freire diz que o homem não apenas está no mundo, mas com o mundo. Se o discurso é o dá inclusão é porque o que se tem em vigência é a exclusão e a 7 mesma não se dá apenas na escola, acontece a partir do momento em que se é inserido na sociedade, ou seja, no momento do nascimento ou no momento em que a deficiência se manifesta. Muitas vezes a exclusão que é fruto do preconceito se dá na própria família, a escolha por uma escola especial é um reforço do preconceito e da exclusão. E como se os deficientes mentais apenas estivessem no mundo, em nada contribui para que possam ser deslocados do estado de apenas existirem para o de existirem com o mundo. Insistimos, consequentemente, que não apenas a inclusão deva ser feita, mas mais do que isso, é preciso que haja uma interação e a diferença entre uma e outra está basicamente em que inclusão significa inserir e interação pressupõe incorporar. Enquanto olharmos para o deficiente e o vermos como um incluso entre “normais” ainda manteremos certa distância dele, mas quando ele estiver integrado, ou seja, incorporado não entre “normais”, mas entre os de sua espécie, ou seja, entre humanos, aí sim chegaremos ao ponto, haverá o entendimento de que embora ele precise de uma atenção especial, como muitos e não somente deficientes físicos ou mentais, ele é tão humano quanto todos e, portanto possuidor dos mesmos direitos. Assim, entenderiamos que Aunque los niños mentalmente retrasados estudien más prolongadamente, aunque aprendan menos que los niños normales, aunque, por último, se les enseñe de otro modo, aplicando métodos y procedimientos especiales, adaptados a las características específicas de su estado, deben estudiar lo mismo que todos los demás ninõs. (Vygotsky. 1997:149). Assim, Vygotsky vai dizer que mesmo com dificuldades, atrasos e, em último caso, com necessidades de métodos especiais “los niños mentalmente retrasados”, ou seja, as crianças mentalmente retardadas, devem estudar o mesmo que as demais crianças. Não se deve adaptar ou criar um método ou sistema de educação para deficientes mentais com base em suas incapacidades, mas deve-se ter em mente sobretudo o que é possivel, com muita dedicação e esforço, conquistar com o deficiente. É importante levar em conta que “Para la educación del niño mentalmente retrasado es importante conocer como se desarrolla, no es importante la insuficiencia en sí.” (Vygotsky. 1997:134). Ou seja, a deficiência não é mais importante que o desenvolvimento. É preciso considerar que “Paralelamente às ‘características negativas’ de uma criança defeituosa, é necessário também criar suas ‘características positivas’”. (Vygotsky e Luria 1996:220). É preciso enxergar que a criança com retardo mental não é todo deficiência, é preciso aceitar suas ‘características positivas’. Voltando a questão da interação, levando em conta que não falamos apenas de contatos, mas de relações, “La investigación ha demostrado que los processos volitivos más característicos, los processos de subordinación, se desarrollan en el niño también dentro de la colectividad.” (Vygotsky. 1997:140). A capacidade de escolher e decidir se desenvolve na 8 coletividade. Além de ser um direito ao deficiente receber uma educação regular e “normal” a interação social, como visto pelas investigações de Vygotsky, é uma ferramenta para que haja ao menos possibilidade de desenvolvimento do pensamento abstrato. nuestra consideración de la compensasión es, en una enorme medida, la vida social colectiva del niño, la sociabilidad de su conducta, en las cuales encuantra el material para construir las funciones internas que se originan en el processo del desarrollo compensatorio. (p. 137) Todo deficiente, seja qual for a deficiência, pode aprender a compensar sua deficiência, dependendo é claro de muitos fatores, dentre eles podemos citar, a qualidade da interação, o apoio dos que estão ao redor, o estimulo recebido e outros. Segundo Vygotsky, na vida social é que a criança mais encontra ferramentas e materiais para chegar ao desenvolvimento compensatório. Portanto, se existe real pretenção de fornecer ao deficiente mental uma educação que lhe seja realmente eficaz, ou seja, que desenvolva no mesmo o que não está intrinsecamente nele, a saber: a capacidade de transcender, de ser consciente do que faz e de com intencionalidade fazer e produzir, há que se fazer uso da interação social na escola e mediada pelo educador, pois fora da escola a sociabilização se dá às vezes muito precariamente. 4. O que diz ministério da educação Cristina Abranches Mota Batista em Educação Inclusiva: Atendimento Educacional Especializado para a Deficiência Mental2 vai concordar com o fato de que o atendimento da escola especial já foi e em alguns casos ainda é um atendimento baseado no concreto o que é um agravante. Ela diz que O grande equívoco de uma pedagogia que se baseia nessa lógica do concreto e da repetição alienante é negar o acesso da pessoa com deficiência mental ao plano abstrato e simbólico da compreensão, ou seja, negar a sua capacidade de estabelecer uma interação simbólica com o meio. (BATISTA, 2006:17) Acredita e insiste que se deve criar um sistema educacional que ajude ao deficiente mental na construção do pensamento abstrato, pois no trato apenas com a lógica do palpável e do tangível cai-se num problema que é o da alienação, ou seja, confina o educando a um isolamento e inviabiliza no mesmo o desenvolvimento de autonomia no pensar. O concreto não é em si o problema, mas a forma como se trabalha com o mesmo. Dependendo da qualidade da mediação, ou seja, da intervenção do educador na condução do trato com o 2 MEC, SEESP, 2006. 9 concreto é possível, mesmo nesse âmbito, estimular a capacidade de pensar e de ter consiciência. A tendência do deficiente mental é a de estar em posição automatizada e passiva diante da aprendizagem e é justamente por conta disso que o educador precisa ser mais do que um “professor”, um mediador e mediar implica em saber dar passos e fazer escolhas que se voltem ao aluno com eficácia pra libertá-lo dessa posição de passividade e alienação. Salustiano, Figueiredo e Fernandes em Atendimento Educacional Especializado em Deficiência Mental3 corroborarem com o que estamos tratando quando afirmam que Segundo Paour (1991), os sujeitos com deficiência mental manifestam grande dificuldade na mobilização de conhecimentos prévios na resolução de situações-problema. Entretanto, essa dificuldade pode ser sensivelmente minimizada por meio de procedimentos de mediação orientados em função da demanda da atividade e das potencialidades do sujeito. (2007:76) A mediação tem como pré-requisito um certo nível de conhecimento do mediador para com o mediado, pois a minimização ou eliminação da dificuldade posta diante de determinado problema se dará na medida em que o mediador orientar em função da potencialidade do sujeito, ou seja, é preciso que se estabeleça uma interação entre educador e educando. O mediador, como temos frisado no presente texto, também terá o papel de mediar a relação/interação não apenas entre educando/problema mas, sobretudo entre educando deficiente mental e educando não deficiente o que se faz urgente já que como temos asseverado, uma aprendizagem eficaz se dá na complexidade das interações sociais que se estabelecem. Salustiano, Figueiredo e Fernandes argumentam no trecho abaixo exatamente sobre esse fato importante, onde o educador fará essa ponte entre os deficientes e não deficientes e dependendo da sua atuação poderá facilitar ou não essa relação. Estudando o papel do professor enquanto mediador das relações interpessoais entre alunos ditos normais e com deficiências em salas de aula regulares da rede particular de ensino de Fortaleza, Araújo e Figueiredo (2001) observaram que o professor tanto pode facilitar quanto dificultar o estabelecimento de relações favoráveis à criação de um ambiente de respeito mútuo e interação social entre os alunos de sua sala de aula. (2007:78-9) Temos argumentado que essa sociabilização será boa tanto para os deficientes como para os não deficientes, pois essa heterogeneidade ajudará na construção da pessoa como cidadão e ser pensante de modo geral. E para isso os autores supracitados contribuem ao afirmarem que 3 MEC, SEESP, 2007. 10 Na escola, a convivência com as contradições sociais, a diversidade e a diferença possibilitam um espaço rico de aprendizagem para todos alunos. O confronto saudável no grupo promove a construção de conhecimentos. Com efeito, as diferenças nas salas de aula contribuem para aprendizagem de todos. O favorecimento de eventos de letramento, a disponibilidade de material impresso de leitura, tanto na família quanto na escola, proporcionam uma significativa influência sobre a aprendizagem da leitura dos alunos. (2007:50) O deficiente mental tem variados tipos de relações sociais e isso vai depender muito de alguns fatores, podemos citar a questão sócio-econômica, cultural, o nível de preconceito e outros, mas o que queremos dizer é que uns tem ótimas e enriquecedoras interações com seu meio já outros não desfrutam disso e ao contrário carecem imensamente da escola para isso. É preciso que os educadores encarem essa situação tentando enxergá-la por todos os pontos de vista, inclusive num esforço de imaginação, como se algum daqueles alunos desafortunados fosse seu filho. 5. Conclusão No decorrer da história vimos que lidar com a deficiência mental nunca foi algo simples, vimos progressos e retrocessos relacionados a esta problemática. Hodiernamente, graças à história escrita em situação tão adversa por aqueles que se doaram pela causa, podemos chegar a resultados mais eficazes acerca do assunto. Fazendo uma análise do que Vygotsky e outros disseram acerca da questão específica que tratamos no presente texto percebemos que existem relação e concordância em muitos aspectos com o que existe de proposto teoricamente pelo Ministério da Educação, ambas as partes advogam a causa de uma escola que trabalhe a interação social entre “diferentes” e o desenvolvimento do pensamento abstrato, o primeiro como sendo ferramenta eficaz pro desenvolvimento do segundo. Outras questões que propomos e vimos que há relação com o que o Ministério da Educação tem teorizado são o reconhecimento da humanidade e dos direitos do deficiente e o papel da mediação do educador tanto na facilitação das questões/problema específicos da aprendizagem como a mediação, como sendo fundamental, para a criação de ponte entre o aluno deficiente mental e o não deficiente mental. Perceber essa relação nos faz pensar se devemos ou não ter esperança de que um dia a relação social e educacional possa interferir favoravelmente no desenvolvimento do pensamento abstrato em alunos deficientes mentais. Será que em algum dia esta relação vai abandonar os livros e as legislações para, enfim, se transformar em práxis de todas as escolas e 11 do labor cotidiano de professores e demais integrantes do sistema educacional? Ou será que acontecerá como outras intenções políticas que por mais requintadas e bem estruturadas, não conseguem se afirmar? Cabe aos educadores conscientes e militantes da causa e aos demais integrantes da sociedade que se auto intitula ‘normal’ enxergar a base teórica que já existe e a partir desta redefinir as relações sociais que envolvem as diferenças, num clima majoritariamente favorável às complexidades e diversidades, pois só então seremos felizes, inclusive os deficientes mentais. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BATISTA, Cristina Abranches Mota. Educação inclusiva: atendimento educacional especializado para a deficiência mental. Brasília: MEC, SEESP, 2006. BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9394/96, Brasília, 1996. FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981. GOMES, Adriana L. Limaverde et al. Atendimento Educacional Especializado em Deficiência Mental. Brasília: MEC, SEESP, 2007. MARX, Karl. Ideologia Alemã. São Paulo, Martin Claret, 2007. PESSOTTI, Isaías. Deficiência Mental: da superstição à ciência. São Paulo, Ed. Universidade de São Paulo, 1984. VYGOTSKI, Lev Semiónovic. A formação social da mente. São Paulo, Martins Fontes, 1991. VYGOTSKI, Lev Semiónovic; LURIA, A. R. Estudos sobre a história do comportamento: símios, homem primitivo e criança. Porto Alegre, Artes Médicas, 1996. VYGOTSKY, Lev Semiónovic. Obras escogidas. Madrid, Visor Dis., S.A, 1997.