Interação social e desenvolvimento

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INTERAÇÃO SOCIAL E DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO
ABSTRATO:
POSSÍVEL E LEGÍTIMO AO DEFICIENTE MENTAL
Amâncio Leandro Corrêa
Antonio Ferreira Lima
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo compreender a interação social e o desenvolvimento do
pensamento abstrato no deficiente mental. Neste sentido, Vygotsky e Luria afirmam que a
escola deve atuar como mediadora para criar relações interpessoais entre o aluno não deficiente
e o deficiente, ajudando na socialização e resolução de problemas específicos de aprendizagem
tão caros ao deficiente mental. Dizem que as crianças retardadas, se deixadas a si mesmas,
nunca atingirão formas bem elaboradas de pensamento abstrato. E que mesmo com
dificuldades, atrasos e, em último caso, com necessidade de métodos especiais as crianças
mentalmente retardadas, devem estudar o mesmo conteúdo que as demais crianças, o que
favorece o desenvolvimento de um pensamento mais transcendente, autônomo e menos
alienado. Sempre de acordo com Vygotsky, a opção de usar a concretude como a única forma
de trabalhar inibe o desenvolvimento do pensamento abstrato podendo mesmo anular as
possibilidades de sucesso. Existe uma relação estreita entre a literatura e a publicação do
Ministério da Educação, o que não se traduz numa inclusão efetiva e capaz de desenvolver o
pensamento abstrato em deficientes mentais.
RÉSUMÉ
Ce travail a comme objectif comprendre l'interaction sociale et le développement de la pensée
abstraite dans la personne handicapée mentale. Dans ce sens, Vygotsky et Luria affirment que
l'école doit agir comme médiatrice pour créer des relations interpersonnelles entre l'élève non
déficient et la personne handicapée, en aidant dans la socialisation et la résolution de problèmes
spécifiques d'apprentissage aussi chers à la personne handicapée mentale. Ils disent que les
enfants retardés, si laissées à eux mêmes, jamais n'atteindront formes bien élaborées de pensée
abstraite. Et que même avec des difficultés, des retards et, dans un dernier cas, avec nécessité
de méthodes spéciales les enfants mentalement retardés, doivent étudier le même contenu que
les autres enfants, lesquel favorise le développement d'une pensée plus transcendente,
indépendant et moins aliéné. Toujours conformément à Vygotsky, l'option d'utiliser lês choses
concrètes comme seule forme de travailler inhibe le développement de la pensée abstraite peut
annuler les possibilités de succès. Il existe une relation étroite entre la littérature et la
publication du Ministère de l'Éducation, ce qui ne se traduit pas dans une inclusion accomplit
et capable de développer la pensée abstraite dans des personnes handicapées mentales.
Palavras-Chave: Interação social, mediação, pensamento abstrato
Mots-clêf: Interaction sociale, médiation, pensée abstraite
2
1. Introdução
O trabalho educacional tem promovido o desenvolvimento do pensamento abstrato no
deficiente mental? Respostas pra essa pergunta é o que procuramos com o presente estudo,
nosso objetivo é conhecer a relação entre a literatura especializada e as publicações mais
recentes do Ministério da Educação a respeito da interação social como vetor para o
desenvolvimento do pensamento abstrato no deficiente mental. É claro que ao tratarmos dessa
problemática somos remetidos a diversas questões que nos conduzirão aos pontos cruciais de
nosso objetivo de conhecer como a educação sistemática atua na promoção do
desenvolvimento do pensamento abstrato em deficientes mentais, que são, como diria
Vygotsky, a pedra de toque desse trabalho.
Para chegarmos nesses pontos pretendemos discorrer sobre o que de pertinente já fora
dito, por especialistas no assunto. Isaías Pessotti será um de nossos consultores, especialmente
no que diz respeito a um apanhado panorâmico que pretendemos fazer da deficiência mental
ao longo da história.
Outros teóricos que nos subsidiarão serão Vygotsky, que nos fornecerá material
suficiente para acreditarmos e argumentarmos que a interação e a socialização do deficiente
mental é o que reforça e ajuda na promoção da capacidade de desenvolver no mesmo, com
grandes esforços e limites, o pensamento abstrato, Luria juntamente com Vygotsky nos ajudará
a perceber pelo menos duas coisas importantes: uma é que um dos grandes problemas do
deficiente mental é o fato de que ele, por si mesmo, não sabe e não se esforça pra obter o
desenvolvimento intelectual e é nesse ponto que aproveitamos para colocar a questão do
esforço que é necessário ser feito pelo educador pra mediar tal desenvolvimento e o segundo
ponto é o de que é preciso ver no deficiente não só suas “características negativas”, mas o
potencial que o mesmo apresenta.
Para reforçar nossa visão acerca da socialização e da participação do homem na
sociedade, como sendo necessários ao desenvolvimento criador, Paulo Freire será mencionado,
pois o mesmo vai dizer que o homem é ser de relações e não deve apenas constar no mundo,
mas com o mundo, participando, interagindo e escrevendo sua história através de suas ações,
queremos asseverar que deficientes mentais são tão humanos quanto qualquer um e, portanto
capazes de atuar na história.
2. Breve histórico da deficiência mental
Desde a antiguidade, a humanidade sempre teve dificuldades de lidar com o deficiente
mental. Isaías Pessotti no livro Deficiência Mental: da superstição à ciência nos fornece muitas
3
informações acerca de como se tratou a questão. De modo panorâmico vamos dar uma
passada por algumas partes do livro supramencionado.
Nos tempos de Platão e Aristóteles se admitia o abandono do deficiente mental,
posteriormente, com a difusão do cristianismo a sorte dos deficientes mentais mudou,
entretanto, eram vistos como “les enfants du bon Dieu”, “as crianças do bom Deus”, dessa
expressão deriva que eram aceitos, mas inferiorizados e entregues a Deus. Com o passar do
tempo “as crianças do bom Deus” começaram a ser vistas como pessoas sem virtudes de alma
e como forma paradoxal de aceitação, proteção e castigo foram segregadas e isoladas.
Durante a inquisição, provavelmente muitos deficientes foram queimados como
hereges. Emérico advertia que uma das manhas de que os “hereges” se utilizavam pra fugir das
torturas era a de se fazerem de tolos. Neste período todos os que tinham distúrbios de intelecto
foram associados com o próprio mal encarnado, os deficientes passaram a ser vistos como
seres diabólicos ou possuídos, Lutero chegou ao ponto de aconselhar ao príncipe de Anhalt,
que tinha um filho deficiente, que o afogasse para matá-lo, entretanto o mesmo recusara tal
conselho (PESSOTTI, 1984).
Adiante, a deficiência mental passa aos poucos a ser encarada também como problema
físico e não necessária e exclusivamente espiritual. Paracelsus (1493-1541) e Jerônimo Cardano
(1501-1576) foram médicos que contribuíram bastante para isso. Thomas Willis (1621-1675)
passa a entender a deficiência mental como produto de estrutura de eventos neurais e com isso
inicia, pelo menos nas camadas mais elitizadas da sociedade, o sepultamento da visão
demonológica da questão. John Locke (1632-1704) surge e luta contra os absolutismos
teocráticos da época e admite que dependendo da qualidade da interação que o deficiente
mental mantém a educação do mesmo é possível. Condillac (1715-1780) grandemente
influenciado por John Locke também contribui imensamente no campo da deficiência mental
quando cria sua teoria da estátua, ao admitir a idéia de que por um único canal sensorial todas
as faculdades ou parte delas poderiam ser estimuladas e isso era aplicável diretamente ao
deficiente mental já que o mesmo precisaria de estímulos para o desenvolvimento de suas
faculdades mentais (PESSOTTI, 1984).
Jean Marc Gaspard Itard, médico e também pedagogo, muito influenciado pelas teorias
do bom selvagem de Rousseau, da tábula rasa de Locke e pela estátua de Condillac dedica-se à
educação de surdos-mudos e por conta de sua competência obtém grande prestígio entre os
médicos de sua época. No ano de 1800 um jovem “selvagem” depois chamado de Victor deixase prender e alguns médicos, dentre eles o famoso e competente Philippe Pinel, fazem uma
análise do mesmo caracterizando-o como idiota e incapaz de ser educado. Contrariando seu
“mentor” Itard acredita na possibilidade de aprendizagem e assume a educação do “selvagem”,
após cinco anos Itard consegue progressos na educação de Victor (PESSOTTI, 1984).
4
Se antes os sacerdotes eram os “árbitros” dos deficientes mentais, agora os árbitros
passam a ser os médicos que criam seus tratados e teorias como Emanuel Fodéré (1764-1835)
quando publica em 1791 um tratado que recebera o nome de “Tratado do bócio e do
cretinismo” onde se formula a lei de que o bócio1 é o primeiro estágio de uma degenerescência
que culmina no cretinismo. Naquela época a situação era tão generalizada que “Uma criança
em 1805 ou 1810, era normal ou cretina.” (1984:73).
Esquirol (1772-1840) é o nome que mais influenciou o pensamento médico sobre a
deficiência mental em sua época, pois
quando do alto de seu nome, como autoridade
médica, Esquirol afirma que a idiotia não é uma
doença, começa a fluir uma corrente de pensamento
que terminará, muito mais tarde, por abalar a
hegemonia doutrinária dos médicos no campo da
deficiência mental. (PESSOTTI. 1984:90)
Ele legitima a entrada do pedagogo no assunto da deficiência mental, pois ele coloca
que, em última análise, o rendimento da aprendizagem deve ser levado em conta para aferição
da deficiência. Augusto Frederico Froebel (1782-1852) dizia que cada criança seja ela “normal”
ou deficiente tinha sua individualidade e que deveria ser respeitada, seus recursos didáticos
eram bastante significativos na área da educação especial (PESSOTTI, 1984).
O primeiro especialista em deficiência mental fora um discípulo de Itard, seu nome,
Edouard Seguin, em 1846 ele publica sua obra mestra: “Tratamento moral, higiene e educação
das crianças idiotas e outros déficits”, ali, além de sistematizar e tratar diretamente sobre a
deficiência mental ele vai tecer uma forte crítica a médicos como Pinel e Esquirol dizendo que
lhes falta método e observação, Seguin representou um abalo à teoria unitarista que
necessariamente ligava uma enfermidade a outra, como exemplo a visão de que o bócio
necessariamente terminaria em cretinismo (PESSOTTI, 1984).
Embora progressos tenham sido alcançados como os que já foram citados com Itard,
Seguin, Froebel, etc., um tempo de retrocesso e pessimismo recrudesce. O rei da Sardenha
criou a comissão de Sarda, depois chamada de Comissão de Piemonte, que teve como objetivo
a investigação da incidência de cretinismo naquela região e propor medidas para redução ou
eliminação do problema. O relatório da comissão falava de uma situação médico-social
assustadora ao descrever a situação física e comportamental das pessoas afetadas.
Posteriormente, com a Comissão Francesa, o pensamento retrocede quase um século, chega-se
a falar de preservação de raça como adverte Pessotti ao afirmar que “a questão da preservação
de raça começa a alarmar a medicina e o resto das elites culturais, plantando a semente da
rejeição e da hostilidade à raça “degenerescente”, decadente, em suma: a outra raça.
(PESSOTTI. 1984:141).
1
O aumento do volume da glândula tireóide. (Dicionário Houaiss)
5
Langdon Down, o “pai da Síndrome de Down” afirmou que o deficiente mental era
representante da raça mongólica. Portanto, o avanço no trato com o deficiente que havia sido
alcançado praticamente fora esquecido e o retrocesso havia se instalado. Entretanto, Maria
Montessori (1870-1952) abraçara com todo entusiasmo o método de Seguin, assim como
também o fizeram Pestalozzi e Decroly ao criarem sistemas eficazes pra educação de crianças
em geral,
basearam seus métodos na educação de crianças mentalmente retardadas
(PESSOTTI. 1984).
Fizemos um rápido apanhado histórico acerca da problemática da deficiência mental
para que pudéssemos entrar na questão da interação e do desenvolvimento do pensamento
abstrato em pessoas com esta condição. Este caminho nos permitiu entender que a questão que
envolve o deficiente mental, sua relação social e o desenvolvimento de seu pensamento
abstrato sempre conformou-se numa crise das mais complexas.
3. A sociabilidade e o desenvolvimento do pensamento abstrato
Hoje, com a influência tanto daqueles pensadores que fizeram algo pela educação de
deficientes mentais no passado como por outros que fazem na atualidade, temos tentado
percorrer esse caminho na tentativa de superar muitos obstáculos, como o preconceito ou a
dificuldade de se efetivar a educação destes sujeitos. Tem-se atualmente falado muito na
inclusão do deficiente mental com base no texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional nº 9394/96 que afirma “Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei,
a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para
educandos portadores de necessidades especiais.” (LDB, Art. 58).
O texto da lei fala de colocar o deficiente preferencialmente na escola regular o que tem
gerado efervescência na mídia e na literatura. Entretanto, como tem sido observada a questão
da interação social e a sua importância na construção do pensamento abstrato na criança com
deficiência mental, tem negligenciado uma imposição já assinalada por Vygotsky quando afirma
que
Precisamente porque as crianças retardadas,
quando deixadas a si mesmas, nunca atingirão
formas bem elaboradas de pensamento abstrato, é
que a escola deveria fazer todo esforço para
empurrá-las nessa direção, para desenvolver nelas o
que está intrinsecamente faltando no seu próprio
desenvolvimento. (1991:100)
O texto citado é parte de uma crítica que Vygotsky faz aos procedimentos da escola
especial em que os métodos utilizados se resumem ao concreto e que sendo a única forma de
se trabalhar inibe o desenvolvimento do pensamento abstrato podendo até anular as
6
possibilidades de sua efetivação, “Al operar exclusivamente con representaciones concretas y
visual-directas, frenamos e dificultamos el desarrollo del pensamiento abstracto” ( Vygotsky,
1997:150), portanto a escola precisa ter uma postura, fazer um esforço, como diz Vygotsky, na
mediação e na estimulação do pensamento abstrato que quando se desenvolve o faz com muita
dificuldade pela criança em questão, porém, essa não é uma tarefa fácil, é preciso dedicação,
técnica e muita perseverança na sua realização. É necessário que se queira a obtenção de
resultados e este é um ponto crucial na postura negligente, pois é muito mais cômodo deixar
como está afinal o poder de reivindicação do deficiente mental não tem importunado às
autoridades. Não estamos vendo os deficientes mentais nem seus pais fazendo passeatas nem
greves em busca dos direitos que são seus simplesmente por serem humanos, vês que
historicamente a problemática do deficiente mental sempre precisou de porta voz ou
procuradores.
Luria e Vygotsky em seus Estudos Sobre a História do Comportamento vão dizer que
“o fenômeno do retardo não é só um fenômeno de deficiência natural, como também, em
grande medida um fenômeno de deficiência cultural – uma incapacidade de desejar e de saber
como.” (1996:229).
Ou seja, se formos esperar que a criança com retardo mental deseje ou reivindique a
consecução de qualquer projeto se apresenta muito mais distante, por esse motivo é que o
educador precisa atuar como mediador, como estimulador para que o desenvolvimento do
pensamento abstrato seja uma possibilidade exeqüível em deficientes mentais.
Paulo Freire não foi um especialista em educação especial, entretanto disse muitas
coisas que se aplicam aos deficientes mentais simplesmente porque eles são humanos, e
também à outras pessoas que foram excluídas e segregadas das formas mais diversas pela
sociedade que injustamente os oprime e marginaliza. Ele diz que “é fundamental, contudo,
partirmos de que o homem, ser de relações e não só de contatos, não apenas está no mundo,
mas com o mundo.” (1981:39). Antes de tudo, o ser humano não é apenas ser de contatos, mas
de relações, e relações é o que tem faltado ao deficiente mental, ele não está na escola apenas
pra manter contato com os que ali estão. É preciso mediar a interação, é preciso fazer um
esforço para que relações de troca, de intrecâmbio como diria Marx (2007), sejam estabelecidas,
pois a interação dependendo de sua qualidade como diria John Locke possibilita a educação
(PESSOTTI, 1984) e nós diríamos, possibilita o desenvolvimento do pensamento abstrato.
Afinal, acreditamos que o aprendizado se dá na complexidade, numa dialética que faz com que
diferentes se deparem, se choquem, se harmonizem e no final maturem. Aqui fortalecemos a
idéia da integração do aluno deficiente, pois, haverá benefício pra todas as partes envolvidas.
Em segundo lugar Freire diz que o homem não apenas está no mundo, mas com o
mundo. Se o discurso é o dá inclusão é porque o que se tem em vigência é a exclusão e a
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mesma não se dá apenas na escola, acontece a partir do momento em que se é inserido na
sociedade, ou seja, no momento do nascimento ou no momento em que a deficiência se
manifesta. Muitas vezes a exclusão que é fruto do preconceito se dá na própria família, a
escolha por uma escola especial é um reforço do preconceito e da exclusão. E como se os
deficientes mentais apenas estivessem no mundo, em nada contribui para que possam ser
deslocados do estado de apenas existirem para o de existirem com o mundo.
Insistimos, consequentemente, que não apenas a inclusão deva ser feita, mas mais do
que isso, é preciso que haja uma interação e a diferença entre uma e outra está basicamente em
que inclusão significa inserir e interação pressupõe incorporar. Enquanto olharmos para o
deficiente e o vermos como um incluso entre “normais” ainda manteremos certa distância dele,
mas quando ele estiver integrado, ou seja, incorporado não entre “normais”, mas entre os de
sua espécie, ou seja, entre humanos, aí sim chegaremos ao ponto, haverá o entendimento de
que embora ele precise de uma atenção especial, como muitos e não somente deficientes físicos
ou mentais, ele é tão humano quanto todos e, portanto possuidor dos mesmos direitos. Assim,
entenderiamos que
Aunque los niños mentalmente retrasados estudien
más prolongadamente, aunque aprendan menos
que los niños normales, aunque, por último, se les
enseñe de otro modo, aplicando métodos y
procedimientos especiales, adaptados a las
características específicas de su estado, deben
estudiar lo mismo que todos los demás ninõs.
(Vygotsky. 1997:149).
Assim, Vygotsky vai dizer que mesmo com dificuldades, atrasos e, em último caso, com
necessidades de métodos especiais “los niños mentalmente retrasados”, ou seja, as crianças
mentalmente retardadas, devem estudar o mesmo que as demais crianças.
Não se deve adaptar ou criar um método ou sistema de educação para deficientes
mentais com base em suas incapacidades, mas deve-se ter em mente sobretudo o que é
possivel, com muita dedicação e esforço, conquistar com o deficiente. É importante levar em
conta que “Para la educación del niño mentalmente retrasado es importante conocer como se
desarrolla, no es importante la insuficiencia en sí.” (Vygotsky. 1997:134). Ou seja, a deficiência
não é mais importante que o desenvolvimento. É preciso considerar que “Paralelamente às
‘características negativas’ de uma criança defeituosa, é necessário também criar suas
‘características positivas’”. (Vygotsky e Luria 1996:220). É preciso enxergar que a criança com
retardo mental não é todo deficiência, é preciso aceitar suas ‘características positivas’.
Voltando a questão da interação, levando em conta que não falamos apenas de
contatos, mas de relações, “La investigación ha demostrado que los processos volitivos más
característicos, los processos de subordinación, se desarrollan en el niño también dentro de la
colectividad.” (Vygotsky. 1997:140). A capacidade de escolher e decidir se desenvolve na
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coletividade. Além de ser um direito ao deficiente receber uma educação regular e “normal” a
interação social, como visto pelas investigações de Vygotsky, é uma ferramenta para que haja
ao menos possibilidade de desenvolvimento do pensamento abstrato.
nuestra consideración de la compensasión es, en
una enorme medida, la vida social colectiva del
niño, la sociabilidad de su conducta, en las cuales
encuantra el material para construir las funciones
internas que se originan en el processo del
desarrollo compensatorio. (p. 137)
Todo deficiente, seja qual for a deficiência, pode aprender a compensar sua deficiência,
dependendo é claro de muitos fatores, dentre eles podemos citar, a qualidade da interação, o
apoio dos que estão ao redor, o estimulo recebido e outros. Segundo Vygotsky, na vida social é
que a criança mais encontra ferramentas e materiais para chegar ao desenvolvimento
compensatório.
Portanto, se existe real pretenção de fornecer ao deficiente mental uma educação que
lhe seja realmente eficaz, ou seja, que desenvolva no mesmo o que não está intrinsecamente
nele, a saber: a capacidade de transcender, de ser consciente do que faz e de com
intencionalidade fazer e produzir, há que se fazer uso da interação social na escola e mediada
pelo educador, pois fora da escola a sociabilização se dá às vezes muito precariamente.
4. O que diz ministério da educação
Cristina Abranches Mota Batista em Educação Inclusiva: Atendimento Educacional
Especializado para a Deficiência Mental2 vai concordar com o fato de que o atendimento da
escola especial já foi e em alguns casos ainda é um atendimento baseado no concreto o que é
um agravante. Ela diz que
O grande equívoco de uma pedagogia que se baseia
nessa lógica do concreto e da repetição alienante é
negar o acesso da pessoa com deficiência mental ao
plano abstrato e simbólico da compreensão, ou seja,
negar a sua capacidade de estabelecer uma
interação simbólica com o meio. (BATISTA,
2006:17)
Acredita e insiste que se deve criar um sistema educacional que ajude ao deficiente
mental na construção do pensamento abstrato, pois no trato apenas com a lógica do palpável e
do tangível cai-se num problema que é o da alienação, ou seja, confina o educando a um
isolamento e inviabiliza no mesmo o desenvolvimento de autonomia no pensar. O concreto
não é em si o problema, mas a forma como se trabalha com o mesmo. Dependendo da
qualidade da mediação, ou seja, da intervenção do educador na condução do trato com o
2
MEC, SEESP, 2006.
9
concreto é possível, mesmo nesse âmbito, estimular a capacidade de pensar e de ter
consiciência.
A tendência do deficiente mental é a de estar em posição automatizada e passiva diante
da aprendizagem e é justamente por conta disso que o educador precisa ser mais do que um
“professor”, um mediador e mediar implica em saber dar passos e fazer escolhas que se voltem
ao aluno com eficácia pra libertá-lo dessa posição de passividade e alienação. Salustiano,
Figueiredo e Fernandes em Atendimento Educacional Especializado em Deficiência Mental3
corroborarem com o que estamos tratando quando afirmam que
Segundo Paour (1991), os sujeitos com deficiência
mental manifestam grande dificuldade na
mobilização de conhecimentos prévios na resolução
de situações-problema. Entretanto, essa dificuldade
pode ser sensivelmente minimizada por meio de
procedimentos de mediação orientados em função
da demanda da atividade e das potencialidades do
sujeito. (2007:76)
A mediação tem como pré-requisito um certo nível de conhecimento do mediador para
com o mediado, pois a minimização ou eliminação da dificuldade posta diante de determinado
problema se dará na medida em que o mediador orientar em função da potencialidade do
sujeito, ou seja, é preciso que se estabeleça uma interação entre educador e educando.
O mediador, como temos frisado no presente texto, também terá o papel de mediar a
relação/interação não apenas entre educando/problema mas, sobretudo entre educando
deficiente mental e educando não deficiente o que se faz urgente já que como temos
asseverado, uma aprendizagem eficaz se dá na complexidade das interações sociais que se
estabelecem. Salustiano, Figueiredo e Fernandes argumentam no trecho abaixo exatamente
sobre esse fato importante, onde o educador fará essa ponte entre os deficientes e não
deficientes e dependendo da sua atuação poderá facilitar ou não essa relação.
Estudando o papel do professor enquanto mediador
das relações interpessoais entre alunos ditos
normais e com deficiências em salas de aula
regulares da rede particular de ensino de Fortaleza,
Araújo e Figueiredo (2001) observaram que o
professor tanto pode facilitar quanto dificultar o
estabelecimento de relações favoráveis à criação de
um ambiente de respeito mútuo e interação social
entre os alunos de sua sala de aula. (2007:78-9)
Temos argumentado que essa sociabilização será boa tanto para os deficientes como
para os não deficientes, pois essa heterogeneidade ajudará na construção da pessoa como
cidadão e ser pensante de modo geral. E para isso os autores supracitados contribuem ao
afirmarem que
3
MEC, SEESP, 2007.
10
Na escola, a convivência com as contradições
sociais, a diversidade e a diferença possibilitam um
espaço rico de aprendizagem para todos alunos. O
confronto saudável no grupo promove a construção
de conhecimentos. Com efeito, as diferenças nas
salas de aula contribuem para aprendizagem de
todos. O favorecimento de eventos de letramento, a
disponibilidade de material impresso de leitura,
tanto na família quanto na escola, proporcionam
uma significativa influência sobre a aprendizagem
da leitura dos alunos. (2007:50)
O deficiente mental tem variados tipos de relações sociais e isso vai depender muito de
alguns fatores, podemos citar a questão sócio-econômica, cultural, o nível de preconceito e
outros, mas o que queremos dizer é que uns tem ótimas e enriquecedoras interações com seu
meio já outros não desfrutam disso e ao contrário carecem imensamente da escola para isso. É
preciso que os educadores encarem essa situação tentando enxergá-la por todos os pontos de
vista, inclusive num esforço de imaginação, como se algum daqueles alunos desafortunados
fosse seu filho.
5. Conclusão
No decorrer da história vimos que lidar com a deficiência mental nunca foi algo
simples, vimos progressos e retrocessos relacionados a esta problemática. Hodiernamente,
graças à história escrita em situação tão adversa por aqueles que se doaram pela causa,
podemos chegar a resultados mais eficazes acerca do assunto.
Fazendo uma análise do que Vygotsky e outros disseram acerca da questão específica
que tratamos no presente texto percebemos que existem relação e concordância em muitos
aspectos com o que existe de proposto teoricamente pelo Ministério da Educação, ambas as
partes advogam a causa de uma escola que trabalhe a interação social entre “diferentes” e o
desenvolvimento do pensamento abstrato, o primeiro como sendo ferramenta eficaz pro
desenvolvimento do segundo.
Outras questões que propomos e vimos que há relação com o que o Ministério da
Educação tem teorizado são o reconhecimento da humanidade e dos direitos do deficiente e o
papel da mediação do educador tanto na facilitação das questões/problema específicos da
aprendizagem como a mediação, como sendo fundamental, para a criação de ponte entre o
aluno deficiente mental e o não deficiente mental.
Perceber essa relação nos faz pensar se devemos ou não ter esperança de que um dia a
relação social e educacional possa interferir favoravelmente no desenvolvimento do
pensamento abstrato em alunos deficientes mentais. Será que em algum dia esta relação vai
abandonar os livros e as legislações para, enfim, se transformar em práxis de todas as escolas e
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do labor cotidiano de professores e demais integrantes do sistema educacional? Ou será que
acontecerá como outras intenções políticas que por mais requintadas e bem estruturadas, não
conseguem se afirmar?
Cabe aos educadores conscientes e militantes da causa e aos demais integrantes da
sociedade que se auto intitula ‘normal’ enxergar a base teórica que já existe e a partir desta
redefinir as relações sociais que envolvem as diferenças, num clima majoritariamente favorável
às complexidades e diversidades, pois só então seremos felizes, inclusive os deficientes mentais.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BATISTA, Cristina Abranches Mota. Educação inclusiva: atendimento educacional
especializado para a deficiência mental. Brasília: MEC, SEESP, 2006.
BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9394/96, Brasília, 1996.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981.
GOMES, Adriana L. Limaverde et al. Atendimento Educacional Especializado em Deficiência
Mental. Brasília: MEC, SEESP, 2007.
MARX, Karl. Ideologia Alemã. São Paulo, Martin Claret, 2007.
PESSOTTI, Isaías. Deficiência Mental: da superstição à ciência. São Paulo, Ed. Universidade
de São Paulo, 1984.
VYGOTSKI, Lev Semiónovic. A formação social da mente. São Paulo, Martins Fontes, 1991.
VYGOTSKI, Lev Semiónovic; LURIA, A. R. Estudos sobre a história do comportamento:
símios, homem primitivo e criança. Porto Alegre, Artes Médicas, 1996.
VYGOTSKY, Lev Semiónovic. Obras escogidas. Madrid, Visor Dis., S.A, 1997.
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