UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES E CENTRO DE CIENCIAS SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DE MESTRADO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E FORMAÇÃO HUMANA Carolina de Matos Nogueira A HISTÓRIA DA DEFICIÊNCIA: tecendo a história da assistência a criança deficiente no Brasil. Trabalho de Conclusão da Disciplina História da Assistência a Infância no Brasil - apresentado ao Programa de Pós-Graduação de Mestrado em Políticas Públicas e Formação Humana do Centro de Educação e Humanidades – Centro de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Coordenadora Profª. Drª. Esther Maria de Magalhães Arantes Rio de Janeiro Janeiro 2008 2 A HISTÓRIA DA DEFICIÊNCIA: tecendo a história da assistência a criança deficiente no Brasil. Carolina de Matos Nogueira INTRODUÇÃO O objetivo deste texto é realizar um breve levantamento histórico da “História da Assistência a Criança Deficiente no Brasil”, desde os primórdios até ao Brasil de hoje. Objetivando compreender as formas de exclusão destas crianças pelas sociedades daquela época. Na história da humanidade, o deficiente sempre foi vitima de segregação, pois a ênfase era na sua incapacidade física, e, em sua anormalidade. Até o século XV crianças deformadas eram jogadas nos esgotos da Roma Antiga. Na Idade Média, deficientes encontram abrigo nas igrejas, como o “Quasímodo” do livro o Corcunda de Notre Dame, de Victor Hugo, que vivia isolado na Torre da Catedral de Paris. Na mesma época os deficientes ganham uma função: Bobos da Corte. Martinho Lutero defendia que deficientes mentais eram seres diabólicos que mereciam castigos para ser purificados. Já, no século XVI a XIX, as pessoas com “Deficiência Físicas e Mentais” continuam isoladas do resto da sociedade, mas agora em asilos, conventos e albergues. Surge o primeiro hospital na Europa, mas todas as instituições dessa época não passam de prisões sem tratamento especializado e nem programas educacionais com currículos adaptados para esta clientela. Neste sentido, este texto se propõe a ampliar os estudos deste período histórico em relação a outras deficiências e todos os movimentos que surgem no século XX em defesa da “Assistência a Criança Deficiente no Brasil”. TECENDO A HISTÓRIA DA ASSITÊNCIA A CRIANÇA DEFICIENTE: o contexto histórico. Professora de Educaçao Física da APAE de Pará de Minas – MG; Especialista em Educação Física Escolar, Treinamento Esportivo, Personal Training e Educaçao Física Adaptada, Coordenadora Estadual da área de Educaçao Física, Desporto e Lazer da Federação das APAES do Estado de Minas Gerais e Gerente de Projetos na área de Educaçao Física, desporto e lazer da Federação Nacional das APAES, Professora colaboradora da Universidade de Itaúna - MG; Pesquisadora associada ao Núcleo de Pedagogia Institucional (NUPI) da UERJ e aluna especial do Programa de Mestrado em Políticas Públicas e Formação Humana da UERJ. 3 Refletir a história implica em desfazer-se do costumeiro entendimento relativizado de que todas as atitudes e formas de uma sociedade são espontaneamente naturais, para compreendê-la enquanto produto de escolhas culturais que atendam as necessidades dos homens, num determinado contexto, numa determinada época, fundada no pressuposto de que o homem ao produzir sua vida, produz e satisfaz a cada dia novas necessidades. Sendo assim, na antiguidade as relações econômicas que definem a relação do homem com a sua realidade eram representadas pela agricultura, pela pecuária e pelo artesanato. A terra e o rebanho eram abundantes, de posse familiar, para os membros da classe da nobreza. Os valores sociais eram atribuídos aos senhores, enquanto que aos demais, não cabia atribuição de valor, contando com sua condição de subumanos. A deficiência, nessa época, inexistia enquanto problema, sendo que as crianças portadoras de deficiências1 imediatamente detectáveis, onde a atitude adotada era da “exposição”, ou seja, ao abandono, ao relento, até a morte. (ARANHA, 1979; PESSOTI; 1984). Na idade média, a sociedade passa a se estruturar em “Feudos”, mantendo ainda como atividade econômica a agricultura, a pecuária e o artesanato. Com o advento do Cristianismo, a organização sócio-política da sociedade muda de configuração para Nobreza, Clero (guardiões do conhecimento e dominadores das relações sociais) e Servos, responsáveis pela produção. Pois o diferente não produtivo (deficiente) adquire, nessa época, “status” humano e possuidor de uma alma. Assim a custodia e o cuidado destas crianças ou até mesmo adultos deficientes passam a ser assumidas pela família e pela igreja, apesar de não terem nenhuma organização na provisão do acolhimento, proteção, treinamento e ou tratamento destas pessoas. Neste contexto histórico são momentos importantes e que marcam a história da assistência da criança deficiente, a “Inquisição Católica” e a “Reforma Protestante”. Onde, as estruturas sociais eram definidas por leis divinas, sob domínio da Igreja Católica, em que qualquer idéia ou pessoa que pudesse atentar a esta estrutura teria de ser exterminada. A inquisição religiosa bem cumpriu seu papel, quando sacrificou como hereges ou endemoniados milhares de pessoas, entre elas loucos, adivinhos, alucinados e deficientes mentais. 1 O termo Portador de deficiência aparece aqui por causa da citação no texto, mas hoje em dia é correto falar pessoas com deficiência. 4 Na “Reforma Luterana”, o tratamento dado aos imbecis, idiotas e loucos não se diferencia muito da inquisição católica, eles permanecem com uma rigidez ética carregada de culpa, porém com responsabilidade pessoal. “Nestes a concepção de deficiência variou em função das noções teológicas de pecado e de expiação. A explicação reside na visão pessimista do homem, entendido como uma besta demoníaca, quando lhe vem a faltar à razão ou ajuda divina”. (PESSOTI, 1984, p.12). Caracterizada como fenômeno metafísico e espiritual a deficiência foi atribuída ora a desígnios, ora a possessão pelo demônio. Por uma razão ou por outra, a atitude principal da sociedade com relação ao deficiente era a de intolerância e de punição, representada por ações de aprisionamento, tortura, açoite e outros castigos severos. Na idade moderna, o homem passa a ser entendido como animal racional, que trabalha planejando e executando atividades para melhorar o mundo dos homens e atingir a igualdade através da produção em maior quantidade. A apologia era o método experimental. Valorizam-se a observação, a testagem, as hipóteses. Encaminham-se esforços para descobrir as leis da natureza relegando-se a plano secundário as discussões sobre as leis divinas. Com o surgimento do método cientifico inicam-se estudos em torno das tipologias e com elas a mentalidade classificatória na concepção das deficiências, decorrentes do modelo médico, impregnadas de noções com forte caráter de patologia, doença, mediação, tratamento.... “A fatalidade hereditária ou congênita assume o lugar da danação divina, para efeito de prognóstico. A individualidade ou irrecuperabilidade do idiota é o novo estigma, que vem substituir o sentido expiatório e o propiciatório que a deficiência recebera durante as negras décadas que atenderam a medicina, também supersticiosa. O médico é o novo árbitro do destino do deficiente. Ele julga, ele salva, ele condena.” (PESSOTI, 1984, p.68). Na idade contemporânea, o problema crucial é o próprio homem na sociedade. Não é o método de pensar dedutivo, não é a associação entre fé e razão, não é trabalho, não é a técnica, mas sim o homem na sociedade o conteúdo central do questionamento deste período. Com base nesta compreensão, as atitudes para com os deficientes se modificam nesta nova sociedade, na medida em que vão sendo oferecidas oportunidades 5 educacionais e de integração social até chegar aos dias atuais, em que sua integração se efetiva ou está em vias de se concretizar. 2 Embora a fase clinico/assistencialista não possa ainda ser considerada como passado, o presente vê crescer e se fortalecer ideais da ética contemporânea: integração e direitos. O homem passa a ser pensado através das relações que mantém com outros homens na sociedade. Após este breve passeio sobre a história da assistência a criança com deficiência, devemos pensar em como tais concepções históricas eram encaradas pelos intelectuais e pela sociedade brasileira e qual era o seu comportamento. A HISTORIA DA ASSISTÊNCIA A CRIANÇA DEFICIENTE: tecendo o contexto brasileiro a partir do seu descobrimento. Neste tópico, procuraremos contextualizar a historia da assistência à criança deficiente no Brasil da época do descobrimento até o Brasil de hoje, tendo como pano de fundo as questões do paradigma da inclusão social. Em 1500, época do descobrimento do Brasil, já havia no Ocidente o desenvolvimento da filosofia, da teologia e da ciência, que tornarem-se valores culturais e atitudinais de pensar o homem como ser humano. Ao aportarem em terras brasileiras os portugueses que traziam consigo tais valores, causam uma grande ruptura e um grande desconforto para os povos indígenas, que sofreram com esta ruptura. Como também, sua cultura, tradição e civilização a ponto de meados do século passado toda a sua população quase serem extintas no Brasil. Pois a nação indígena do Brasil era composta de diferentes povos, com diferentes línguas e que até mesmo guerreavam entre si. E nós com nossa ignorância não sabíamos que existia ou até ignorávamos a existência desta cultura. Mas nessa curva de extermínio, nada mudou. Ao contrário, teve como reação a resistência, o suicídio, a invasão de terras e assim por diante. Pois a terra, a mata, os animais, para o índio eram sagrados. E o mais importante à liberdade de se andar por toda esta terra era de fundamental importância para este povo. Com o processo de colonização, toda essa civilização e sua cultura são violentamente exterminadas. E, como conseqüência obrigadas a seguir e se adequar a uma nova cultura, a uma nova religião. Percebemos que neste momento histórico o que esta sendo descrito, é, o Paradigma da “Integração” e não o da “Inclusão”. 2 6 Em 1549, chega ao Brasil o primeiro governo geral, a monarquia e com isso os jesuítas, que são os dois poderes da época, um poder absolutista (pois a igreja sustentava a monarquia e esta a igreja.). Os jesuítas tinham como característica o sistema militar e logo se impuseram como um empreendimento comercial. Neste sentido, nossa colonização foi de exploração e não de povoamento. A idéia principal, era vir para o Brasil, ficar bastante ricos e voltar para Portugal. O poder era soberano, poder de vida e morte, um poder de poder matar do que deixar viver. O rei mostrava e colocava o seu poder na hora em que mandava executar e matar alguém. Qualquer infração era considerada como lesa majestade e hoje como lesa sociedade. “[...] A forma secreta e escrita do processo confere com o princípio de que em matéria criminal o estabelecimento da verdade era para o soberano e seus juízes um direito absoluto e um poder exclusivo. [...] o rei quereria mostrar com isso que a” força soberana” de que se origina o direito de punir não pode em caso algum pertencer à multidão. [...] Diante da justiça do soberano, todas as vozes devem-se calar”. (FOUCAULT, 1987, p.32-33) O condenado tinha que passar pelo suplício3, não tinha direito de defesa, de falar, mas sim o direito de confessar e passar por um ritual que culminava com uma produção de sofrimentos. “O suplício penal não corresponde” a qualquer punição corporal: é uma produção diferenciada de sofrimentos, um ritual organizado para a marcação das vítimas e a manifestação do poder que pune: não é absolutamente a exasperação de uma justiça que, esquecendo seus princípios, perdesse todo o controle. Nos “excessos” dos suplícios, se investe toda a economia do poder”. (FOUCAULT, 1987, p.32) Neste sentido, Portugal não se interessou no primeiro momento pela colonização. Mas, num segundo momento, aproveita da presença dos jesuítas para realizar uma colonização em primeiro lugar para o Rei; em segundo lugar para a Igreja e em terceiro para o povo do seu País. Imagina-se naquela época, que eles tinham a verdade como absoluta, e os índios como não tinham nem lei, nem rei, já não eram considerados. Mas, vistos sim, como selvagens e não civilizados, neste caso ou 3 Suplício significa: dura punição corporal, imposta ou não por uma sentença; Pena de morte, ou ainda, Pessoa ou coisa que aflige muito; tortura (Mini Dicionário Escolar de Língua Portuguesa- Aurélio Buarque de Holanda Ferreira). 7 tornavam-se seus inimigos, ou seus escravos. Os índios eram julgados como seres inferiores, o pressuposto difundido por eles era o da desigualdade. Nesta época a configuração familiar portuguesa era a seguinte: o Pater tinha sua família, mulher e filhos quem violasse contra estes ele matava só que ele tinha o direito de vida. Sem dúvida algo dos suplícios prevaleceu, por algum tempo, na França, a sobriedade das execuções. Os parricidas4 - e os Regícidas5, a eles assemelhados – eram conduzidos ao cadafalso6, coberto por um véu negro, onde, até 1832, lhes cortavam a mão. Assim, restou apenas o ornamento do crepe7, tal como aconteceu.....” (FOUCAULT, 1987, p.16) Neste contexto não se encontra o pressuposto da igualdade, e nem do termo criança e sim o filho de família, a criança legítima de legitimo casamento, onde a única forma legitima de união era o casamento e não se aceitava outro tipo. O casamento era considerado como indissolúvel (até os dias de hoje a Doutrina Cristã considera o casamento como indissolúvel), a honra da família, a virgindade dos filhos (filhos legítimos; de legitimo matrimonio) e isso só foi abolido na constituição de 1988, onde o pai pode registrar o filho que não era de seu casamento. O pai tinha direito de vida e morte de seu filho e a igreja não poderia interferir, até mesmo quando se indicasse a filha ou filho para o casamento. Assim, a educação que começava a ser valorizada não tinha tanta importância para os pais, pois eles não deixavam seus filhos irem para a escola, consequentemente o Estado não tinha como interferir. Neste contexto entra em cena o “Exposto”, que não era o órfão, ele apenas não era acolhido pela família e sim depositado no banco da praça, na roda e não se falava de abandonado (termo que começa a ser usado recentemente), mas, sim, em enjeitado pela família e não acolhido. Pois a igreja via como solução, tal enjeitamento, para não dar direito ao aborto. Ela preferia que a criança não fosse morta e achou um jeito, através de suas casas e propriedades que estas crianças fossem deixadas nesses locais nos quais a igreja estava presente achando uma maneira de dar solução para o problema. Mesmo que a criança fosse achada num banco, por exemplo, quase morrendo, ou já, morta ela ainda, assim, era batizada, pois o importante, na missão da igreja era salvar a sua alma. Parricidas – quem comete parricídio; Parricídio – assassinato do próprio pai. Regícidas – quem prática regicídio; Regicídio – assassinato do Rei ou Rainha. 6 Cadafalso – Patíbulo; Patíbulo – estrado ou lugar onde os condenados sofrem pena capital. 7 Crepe – Tecido fino em geral transparente; fita ou tecido negro usado em sinal de luto. 4 5 8 Em 1730, em Vila Rica, havia a irmandade de Santa'Ana, que previa no artigo 2º de seu estatuto “uma casa de expostos e outro para desvalidos” (SOUZA, 1995, p.29), surgida para cuidar de órfãos e crianças abandonadas. Neste sentido, as Santas Casas de Misericórdia. Seguindo a tradição européia transmitida por Portugal, que atendiam pobres e doentes, devem ter exercido importante papel. Surgiram no Brasil desde o século XVI, em Santos (1543), Salvador (1549), Rio de Janeiro (1552), Espírito Santo (provavelmente em 1554), São Paulo (provavelmente em 1599), Olinda e Ilhéus (1560), Porto Seguro (também fins do séc.XVI), Sergipe e Paraíba (1604), Itamaracá (1611), Belém (1610), Iguaçu (1629) e Maranhão (data incerta, primeiras referencias do Padre Vieira em 1655), (MESGRAVIS, 1976, p.38) A Santa Casa de Misericórdia cuidava também do hospital, da casa dos expostos e do hospício. As pessoas achavam que quando as crianças eram expostas que os padres e madres tratariam e educariam-nas da melhor forma possível. (O que observamos neste funcionamento da Santa Casa é o surgimento de uma classificação destas crianças, como: Oblato – crianças largadas e que eram entregues para uma determinada ordem religiosa); Órfão de Si – órfão que ocupavam legitimamente o número, que se referia a criança de direito; Agregados – órfãos de escravos que lá estavam; Órfão Extra Numerário – que estava à espera de um número; Órfão Pelo Amor de Deus – que não tinham número algum e estavam esperando um número; Pensionista – alguém que pagava para manter a criança lá, esta classe existia, pois havia as pessoas que pagavam para criação desses órfãos. Com a criação das “Rodas dos Expostos”, a primeira em salvador, em 1726; a segunda no Rio de Janeiro, em 1738; e terceira em São Paulo, no ano de 1825, e a Lei de 1828. Ordenando tal iniciativa as províncias, este processo poderia ter facilitado a entrada de crianças com alguma anomalia, ou cujos responsáveis não os desejavam ou estavam impossibilitados de criá-los, por vários motivos. Em meados do século XIX, algumas províncias mandaram vir religiosas para a administração e educação dessas crianças: irmãs de caridade de São Vicente de Paula, religiosas de Dorotéia, Filhas de Santana, Franciscanas de caridade (MORAES, 2000). Assim, havia possibilidade de não só serem alimentadas como também de até receberem educação. No primeiro relatório sobre a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, Francisco Martins de Almeida (TYP. de JORGE SUCLER, São Paulo, 2ª ed. 1909, p.23. In. MESGRAVIS, 1976, p.184). Escreveram: “ignoto como se havia a Santa Casa com seus órfãos”. “Pode se supor que muitas dessas crianças traziam defeitos 9 físicos ou mentais, porquanto as crônicas da época revelavam que eram abandonadas em lugares assediados por bichos que muitas vezes as mutilavam ou matavam”. O abandono da infância tem sido procedimento antigo entre nós, tanto que já no final do século XVII, há pedido de providencias ao rei de Portugal feito pelo Governador da Província do Rio de Janeiro, Antonio Paes de Sândi, “contra atos desumanos de abandonar crianças pelas ruas, onde eram comidas por cães, mortas de frio, fome e sede”. (MARCÍLIO, 1997, p.59). Em 1913, Basílio de Magalhães escrevia que no século XIX, “por nenhum dos meios usuais de comunicação de pensamento não se cuidou em nossa pátria, da infância degenerada, quer atingida por “anomalias” lesionais do cérebro, quer da combalia por anomalias ou traumas menos graves (MAGALHAES, 1913, p.11)”. “[...] No entanto, a sociedade de então já se protegia juridicamente do adulto deficiente na constituição de 1824 (Titulo II, artigo 8º, item 1º). Privando do direito político o incapacitado físico ou moral.” (BARCELLOS, 1933). E o atendimento ao deficiente, provavelmente, inicouse através das “Câmaras Municipais” ou das “Confrarias Particulares”. Em 1808, com a vinda de D. João VI, ou seja, da Família Real, o Brasil Colonial teve que receber toda a corte (imagina as colônias recebendo a corte em seus bordeis e assim por diante) para que essa corte se instalasse, foi quebrado o Paradigma Colonial, ou seja, o Brasil Colônia, já não existia. Estas transformações se dão com abertura dos Portos, a Criação da Faculdade de Medicina no Rio de Janeiro, a de Direito em São Paulo, a criação da Biblioteca Nacional, Banco do Brasil, e, etc. Consequentemente começa um processo de urbanização, uma modernidade que vai de 1500 a 1808. No Brasil colônia, não existe o conceito sobre criança e muito menos sobre a assistência a criança com deficiência. Não existia criança e sim tipos de criança, filho de família legitima e filho de legitimo matrimonio. E, mais a literatura só comentava sobre órfãos meninos, e as meninas? Onde estavam? Foi aí que já no Segundo Império que D. Pedro II, resolveu fazer o recolhimento pelas desvalidas (meninas que ficavam órfãs e não tinha para onde ir). Como não existia nessa época o direito a saúde, a moradia e etc. Ficavam-se especulando as causas pelas mortes dos órfãos, tais como peste, epidemias, mães de leite que não cuidavam direito e assim por diante. O que existia nessa época era o direito a esmola que lhe eram dadas, o sistema caritativo predominava, por exemplo todo imposto que fosse recolhido a mais, era repassado para a igreja, como também existiam as doações. 10 A partir de um determinado momento começa a se fazer estatísticas da Casa da Roda, onde eles tinham que justificar o número de crianças de acordo com a verba recebida para aquela instituição. Em determinado momento o índice de mortalidade era de 90%, com isso a qualidade do atendimento destas casas tinham que começar a melhorar, mas para que isso acontecesse foram realizadas diversas experimentações em cima da alimentação: caldinho, mamadeira, amas de leite e etc. A Casa da Roda era só para criancinhas, pois quando estas voltavam, por volta dos 4 anos de idade eram encaminhadas para outros lugares. Ao nos propormos a contextualizar a história da assistência à criança com deficiência, tendo como pano de fundo as questões da inclusão desta criança na sociedade do Brasil Colônia, percebemos que ela é relegada completamente ao 2º plano, pois como vimos, no Brasil Colônia nem sequer o conceito de criança existia, principalmente o da criança com deficiência, o que se tem na realidade é algumas descrições de crianças (adultos) que apresentavam alguma anomalia cerebral, ou doença mental, não existia uma política de atendimento e nem de tratamento destas crianças. O que nos cabe questionar após este breve passeio sobre a história da assistência a criança com deficiência no Brasil Colonial, é como esta sendo encarada estas questões no Brasil do século XX? Quais foram as mudanças em relação a estas crianças? Como elas são vistas hoje? Quais são as políticas que envolvem a compreensão e o tratamento destas crianças com deficiências? Em que pé está a história da assistência a criança com deficiência no Brasil do século XX? No século XX, os Portadores de deficiências passam a ser vistos como cidadãos com direitos e deveres de participação na sociedade, mas sob uma ótica assistencial e caritativa. A primeira diretriz política dessa nova visão aparece em 1948 com a Declaração Universal dos direitos Humanos. “Todo ser Humano tem direito a educação”. Nos anos 60, pais e parentes de pessoas deficientes organizam-se. Surgem as primeiras criticas a segregação. Teóricos defendem a normalização, ou seja, a adequação do deficiente a sociedade para permitir sua integração. A Educação Especial no Brasil aparece pela primeira vez na LDB 4.024, de 1961. a lei aponta que a educação dos excepcionais deve, no que for possível, enquadrar-se no sistema geral de educação. Já, nos anos 70, os Estados Unidos avançam nas pesquisas e teorias de inclusão para proporcionar condições melhores de vida aos mutilados da Guerra do Vietnã. A Educação Inclusiva tem inicio naquele país via Lei 94.142, de 1975, que estabelece a 11 modificação dos currículos e a criação de uma rede de informações entre escolas bibliotecas, hospitais e clinicas. Em 1978, pela primeira vez, uma emenda a Constituição brasileira trata do direito da pessoa deficiente: “É assegurada aos deficientes à melhoria de sua condição social e econômica especialmente mediante educaçao especial e gratuita”. Nos anos 80 e 90, declarações e tratados passam a defender a inclusão em larga escala. Em 1985, a Assembléia Geral das Nações Unidas lança o Programa de Ação Mundial para Pessoas Deficientes, que recomenda: “Quando for pedagogicamente factível, o ensino de pessoas deficientes deve acontecer dentro do sistema escolar normal”. Em 1988, no Brasil, o interesse pelo assunto é provocado pelo debate antes e depois da Constituinte. A nova Constituição, promulgada em 1988, garante atendimento aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. Já, em 1989, a Lei Federal 7.853, no item da Educação, prevê a oferta obrigatória e gratuita da Educação Especial em estabelecimentos públicos de ensino e prevê crime punível com reclusão de um a quatro anos e multa para os dirigentes de ensino público ou particular que recusarem e suspenderem, sem justa causa, a matrícula de um aluno. No ano de 1990, a Conferencia Mundial sobre Educação para Todos, realizada em março na cidade de Jomtien, na Tailândia, prevê que as necessidades educacionais básicas sejam oferecidas para todos (mulheres, camponeses, refugiados, negros, índios, presos e deficientes) pela universalização do acesso, promoção da igualdade, ampliação dos meios e conteúdos da Educação Básica e melhoria do ambiente de estudo. O Brasil aprova o Estatuto da Criança e do Adolescente, que reitera os direitos garantidos na Constituição: atendimento educacional especializado para portadores de deficiência preferencialmente na rede regular de ensino. Em 1994, mas precisamente em junho do referido ano, dirigentes de mais de oitenta países se reúnem na Espanha e assinam a Declaração de Salamanca, um dos mais importantes documentos de compromisso de garantia de direitos educacionais. Ela proclama as escolas regulares inclusivas como meio mais eficaz de combate à discriminação. E determina que as escolas devem acolher todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais ou lingüísticas. E, em 1996, fechando este ciclo de propostas e desenvolvimento que a Educaçao Especial ou mais precisamente que a história da assistência à infância conquistou. Vem a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases, nº 9.394, que se ajusta a legislação federal e aponta que a educação dos portadores de necessidades especiais deve dar-se preferencialmente na rede regular de ensino. 12 Neste Sentido, Reconhecemos que trabalhar com classes heterogêneas que acolhem todas as diferenças traz inúmeros benefícios ao desenvolvimento das crianças deficientes e também as não deficientes, na medida em que estas têm a oportunidade de vivenciar a importância do valor da troca e da cooperação nas interações humanas. Portanto, para que as diferenças sejam respeitadas e se aprenda a viver na diversidade, é necessário uma nova concepção de escola, de aluno, de ensinar e de aprender. (MIRANDA, 2003) Assim, a efetivação de uma prática educacional inclusiva não será garantida por meio de leis, decretos ou portarias que obriguem as escolas regulares a aceitarem os alunos com necessidades especiais, ou seja, apenas a presença física do aluno deficiente mental na classe regular não é garantia de inclusão, mas sim que a escola esteja preparada para dar conta de trabalhar com os alunos que chegam até ela, independentemente de suas diferenças ou características individuais. (MIRANDA, 2003) Portanto, a literatura evidencia que no cotidiano da escola os alunos com necessidades educacionais especiais inseridos nas salas de aulas regulares vivem uma situação de experiência escolar precária ficando quase sempre à margem dos acontecimentos e das atividades em classe, porque muito pouco de especial é realizado em relação às características de sua diferença. (MIRANDA, 2003) Enfim, as questões teóricas do processo de inclusão têm sido amplamente discutidas por estudiosos e pesquisadores da área de Educação Especial, no entanto pouco se tem feito no sentido de sua aplicação prática. O como incluir tem se constituído a maior preocupação de pais, professores e estudiosos, considerando que a inclusão só se efetivará se ocorrerem transformações estruturais no sistema educacional. (MIRANDA, 2003). 13 CONCLUSAO Hoje o movimento de assistência à criança com deficiência é uma realidade, muitos foram os movimentos como descritos acima que lutaram pelo direito da Pessoa Deficiente, muitas foram às conquistas e as derrotas. E muito, ainda, há para se fazer, lutar, conquistar, recuar, perder e assim por diante, o que não podemos, é, perder de vista o conceito do “Sujeito Histórico” e das “Relações Sociais” que ele estabelece com o seus pares, seja deficiente (crianças, jovens, adultos ou idosos), sejam as minorias e assim por diante. O Movimento de Inclusão é muito mais abrangente do que imaginamos, pois neste paradigma estão inseridos as minorias e seus pares. A deficiência, ou melhor, a História da Assistência à Criança com Deficiência é só um pequeno recorte, neste amplo pano de fundo que é a Inclusão Social. 14 REFERENCIAS ARANHA, M.S.F. Integração Social do Deficiente: Análise Conceitual e Metodológica. Temas em Psicologia, número 2, 1995, pp. 63-70. Ribeirão Preto, Sociedade Brasileira de Psicologia. BARCELLOS, Milton (1935). Evolução Constitucional do Brasil: ensaios de história Constitucional do Brasil. Rio de Janeiro. Imprensa Nacional. 483 p. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Trad. de Raquel Ramalhete. Petrópolis, Vozes 1987. 288p. JANNUZZI, G. A luta pela educação do deficiente mental no Brasil. Campinas/SP: Editores Associados, 1992. JANNUZZI, G. A educação do deficiente no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados. 2004. MAGALHAES, Basílio de (1913). Tratamento e educação das crianças anormais de inteligência. Contribuição para o estudo desse complexo problema cientifico social, cuja solução urgentemente reclamam, a bem da infância de agora e das gerações por vindoura – os mais elevados interesses materiais, intelectuais e normais, da prática brasileira. Rio de Janeiro: Tipografia do Jornal do Comercio de Rodrigues S.C. 196 p. MARCÍLIO, M.L. (1997). “A Roda dos Expostos e a criança abandonada na historia do Brasil, 1726-1950”. In: FREITAS, M.C. (org.). Historia social da infância no Brasil. São Paulo: Coutrix/EDUSF. MESGRAVIS, L. (1976). A Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (1559-1884): Contribuição ao estudo da assistência social no Brasil. São Paulo. Conselho Estadual de Cultura. MIRANDA, Arlete Aparecida Bertoldo. Reflexões desenvolvidas na tese de doutorado: A Prática Pedagógica do Professor de Alunos com Deficiência Mental, Unimep, 2003. MORAES, Carmem Sylvia Vidigal (2000). “A normatizaçao da pobreza: crianças abandonadas e crianças infratoras”. Revista Brasileira de Educação, Campinas-SP: Autores Associados/ Rio de Janeiro, ANPED, nº 15. PESSOTTI, Isaias. Deficiência Mental: da Superstição à Ciência. São Paulo: Queiroz/EDUSP. 1984. REVISTA NOVA ESCOLA – Reportagem que contam a Evolução da Educação Inclusiva – Pessoas Especiais – Autora: Roberta Bencini – Ed. Jan./Fev. de 2001. SOUZA, L. de M. (1901). “O Senado e a Câmara e as crianças expostas” In: PRIORE, M. Del (org.). História da Criança no Brasil. São Paulo: Contexto, pp. 28-43.