XX ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS GT ESTUDOS URBANOS CIDADE VIRTUAL TAMARA TANIA COHEN EGLER PROF. IPPUR/UFRJ Código Arquivo: 96GT0723.DOC UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE PESQUISA E PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL PRÉDIO DA REITORIA, SALA 543 CIDADE UNIVERSITÁRIA RIO DE JANEIRO - RJ Caxambu, outubro de 1996 CIDADE VIRTUAL O advento de novas tecnologias de informação e comunicação se desenvolve rapidamente e atinge amplas esferas do processo social. Estamos observando uma transformação no que se refere a produção das formas materiais, da cultura , da política , da vida cotidiana. Essencialmente podemos observar uma ampliação da virtualidade onde formas materiais dão lugar a formas imateriais. Elas se constituem em representações imagéticas da produção cultural, econômica e social. Cada vez mais a interação do processo social se faz intermediar pela ação da imagem virtual. O indivíduo defronte da tela do computador e através das redes pode acessar um conjunto de processos que o colocam em comunicação imediata com um grande leque de oportunidades de trocas materiais, de apropriação de processos culturais, de saber científico, de negócios, e inclusive de relações afetivas. Esse movimento de virtualização incide sobre a vida cotidiana onde já podemos observar o resultado desse processo na ampliação do número de horas em que o sujeito , permanece defronte da tela do computador . O correio, as compras de supermercado, a vista ao museu, a ida ao cinema, são e estão sendo substituídas pela imagem digital. Hoje já é possível fazer uma visita virtual ao Louvre de muitos lugares do planeta, ao acesso já se faz possível das favelas da cidade do Rio de Janeiro, que dispõem de um computador apropriado e de uma linha telefônica. Quais são os efeitos desse processo na construção da materialidade urbana e sobre a justiça social? Ao analisar o processo de virtualização em curso Pierre Levy mostra que se trata de uma transformação de um modo de ser em outro, se verifica um movimento que vai do real para o virtual, e se observa uma transição cultural acelerada. Para compreender no que concerne a virtualização ele trabalha com os conceitos de realidade, de possibilidade, de atualidade e virtualidade, onde ira observar os movimentos de desterritorialização em curso e outras transformações nas relações espaço- temporais. O desenvolvimento da análise parte da noção de virtual como a pura e simples ausência de realidade , que supõe uma efetiva materialidade. Na filosofia escolástica o virtual é aquilo que existe em potência , em força e não em atos, com todo rigor filosófico o virtual não seria uma oposição ao real, mas ao atual, e assim virtualidade e atualidade seriam duas maneiras de ser diferentes. É aquilo que pode acontecer no futuro. Trata-se pois de uma relação temporal. Define a virtualização como um movimento inverso à atualização.. É uma passagem que se realiza do atual ao virtual O exemplo utilizado por Levy é a virtualização de uma empresa, onde o centro do processo não é mais a organização espacial de um conjunto de estabelecimentos e postos de trabalho interligados espacialmente, mas um processo de coordenação espaço-temporal de um coletivo de trabalho interligado comunicativamente. A virtualização coloca novas questões na medida em que ela dissolve hierarquias anteriormente estabelecidas, aumenta a liberdade dos membros desse coletivo de trabalho. Ela implica em irreversibilidade nos seus efeitos, indeterminação no seu processo e invenção no seu esforço do que a atualização. A virtualização é criação da realidade. (Levy,P,1995) Real e virtual na cidade A história do processo de urbanização torna clara como o advento da cidade industrial estava associado ao desenvolvimento do trabalho fabril, fundado na cooperação do trabalho, e no coletivo de trabalhadores organizados no interior do estabelecimento em torno de uma forma específica de divisão do trabalho. O conjunto de fábricas localizadas na mesma proximidade respondia a uma determinada divisão técnica na sociedade do trabalho. As formas de organização do trabalho, a divisão das atividades econômicas, a dinâmica do processo industrial, colocam o processo de urbanização e a proximidade espacial das atividades materializadas como fundamento das formas de organização do trabalho e da sociedade. A passagem da sociedade do trabalho para a sociedade da comunicação , coloca novas questões sobre as formas de produção da riqueza , interação no trabalho, trocas entre os diferentes capitais , e suas resultantes a nível espacial. Trata-se pois de um profundo movimento de transformação que subtrai a materialidade espacial como elemento fundante para a produção da riqueza. Na medida em que é possível substituir uma comunicação corporal por uma eletrônica. Não é preciso mais estar no mesmo lugar, é suficiente estar conectado em rede. A subtração da proximidade espacial altera a lógica das formas de organização espacial da sociedade. Assim podemos pensar que no futuro próximo deverão coexistir um conjunto de processos de produção que tem formas materiais e formas imateriais. Quais são os processos da cidade virtual? Pensar a cidade é pensar a forma particular de organização da produção e da sociedade, são as formas materializadas desse processo. Assim a história da urbanização é contada pela cidade colonial, comercial industrial, e será que podemos falar em cidade virtual? Estamos diante de um novo momento histórico onde iremos observar mudanças no padrão de urbanização? A passagem da cidade comercial para a cidade industrial , implica em uma sobreposição de processos espaciais, onde ao lado do entreposto comercial é construída a fábrica então moderna. A cidade é a temporalidade de processos históricos espacializados é tempo no espaço. Podemos ler o espaço através das diferentes espacialidades temporalmente definidas. A primeira questão é saber se a cidade virtual vai se sobrepor na mesma espacialidade da cidade que a antecede? Em outras palavras o advento das novas tecnologias e suas formas imateriais libera a cidade virtual de sua forma anterior? O primeiro conjunto de diferenças pode ser encontrado na materialidade/imaterialidade. Na sociedade industrial moderna, são constituídas formas materializadas de trabalho , consumo ou lazer. Como ir ao supermercado, ao escritório, ao cinema. Na sociedade da informação eletrônica essas atividades podem ser substituídas por uma tela onde se faz compras de supermercado, se trabalha , se assiste um filme., sem sair de casa. A noção de lugar também muda podemos imaginar um processo de transformação nas formas de circulação. Ir ao trabalho, cinema ou teatro, implica na existências de diferentes espacialidades como uma fábrica, uma sala de projeção, ou representação. É necessário um meio de transporte individual ou coletivo, e realizar esse processo de circulação entre as diferentes espacialidades .A cidade virtual muda a noção de lugar. No mesmo lugar é possível acessar um conjunto de processos de trabalho e consumo.. Muda a noção de lugar na medida em que trabalhar, fazer compras, ou assistir a um filme se constitui em uma ação que elimina o deslocamento espacial . Defronte da tela do computador é possível acessar a rede das atividades econômicas, navegar por atividades culturais e adquirir bens e serviços. É uma profunda alteração na concepção de lugar, de edificação de espaço. O escritório, a sala de cinema, o museu podem ser substituídos pela tela do computador. Quais são os efeitos desse processo sobre a materialidade urbana, e sobre o processo social. A noção de espaço se transforma para uma condição aespacial. Nessa direção, atividades que anteriormente requeriam formas espaciais são substituídas pela representação imagética. Para cada movimento do desenvolvimento tecnológico, temos diferentes formas de organização do espaço. Na sociedade informacional o espaço é virtual. As implicações desse movimento sobre a espacialidade urbana nos permitem pensar que a ampliação da interação humana por redes, tende a substituir edifícios por informação eletrônica. Assim no lugar de processos de construção do espaço temos projeções imagéticas no espaço cibernético. O projeto de arquitetura é substituído pelo programa de computador que permite a interação via rede eletrônica. Pensar a arquitetura virtual é pensar em novas formas de organização do acesso à informação. Pensar a organização do espaço material é ocupar o espaço , organizar fluxos de circulação ,propor formas de vida. Para realizar o projeto é necessária a interação de um coletivo de profissionais em engenharia e arquitetura. O projeto virtual responde a uma outra lógica, trata-se de propor uma nova espacialidade , onde o deslocamento do corpo é substituído pela navegação eletrônica. A organização do espaço arquitetônico é substituída pela proposta de navegação cibernética. A construção de um supermercado exige a participação de um conjunto de trabalhadores que exercem um sem número de atividades ,engenheiros, mestres, pedreiros, serventes que em processo cooperativo constroem a materialiade da edificação. A matéria-prima componente representa, toneladas de cimento, de madeira de ferro. Trata-se de um esforço de trabalho e de alocação de capitais que se sustentam na transformação de materiais primas naturais em produtos industrializados que por sua vez respondem também ã processos de produção específicos, nos quais estão implicados um conjunto de saberes e especialidades. Todos esses processos podem agora ser substituídos por uma “home page“ que através de um sistema multimídia, para manter o exemplo do supermercado, pode trazer um conjunto de informações relativas aos produtos que estão disponíveis para a venda naquele lugar do espaço cibernético. Trata-se de substituir um prédio por um sistema se informação organizada por um movimento de navegação. A dinâmica do processo espacial está ancorada no avanço das atividades econômicas , para cada momento da história podemos observar as atividades que se posicionam à frente do desenvolvimento econômico e à frente do processo espacial. Podemos ler essa história nas formas da arquitetura e da cidade. Para cada momento histórico uma função dominante da arquitetura. Por exemplo, no início do processo de industrialização, a fábrica e a vila operária, com o avanço da industrialização, a verticalização e o complexo industrial, depois com o capital financeiro os grandes bancos e monumentais edifícios de negócios. São processos, formas materiais, atividades econômicas que se sobrepõem. A cidade virtual é uma resultante da cidade industrial. A transformação da espacialidade material está ancorada na existência de uma forma urbana que a precede. A rede de computadores se sobrepõe a estrutura espacial , composta por um conjunto de outras redes, unidades habitacionais e outras edificações. Pensar o futuro é construir o presente (Santos ,M. 1996). Hoje a construção da cidade virtual se realiza sobre a espacialidade historicamente dada. A cidade moderna é a forma material de processos econômicos e sociais, é composta por ruas, praças edifícios. Conhecer a cidade é andar, deslocar o corpo no espaço. Nesse movimento é possível descobrir, viver a cidade. Os cidadãos são as pessoas que habitam um determinado espaço e estabelecem um sentimento de pertencencimento e de identidade. Está associado a memória individual e coletiva. O espaço é capaz de produzir essa memória nos indivíduos, o lugar é exatamente essa relação de pertencer porque faz parte do nosso corpo, em forma de memória. Quando as pessoa se deslocam no espaço vivem um determinado fato, um encontro, um lugar, que produz uma vivência e uma história. Existe uma forma urbana a ser conhecida, descoberta. Quem conhece a cidade , conhece suas oportunidades de vida e de trabalho. Conhecer a cidade é permitir uma interação positiva com o espaço no qual se vive. Existe uma lógica cartesiana para se deslocar no espaço material, com algumas dificuldades é possível reconhecer os espaços de uma nova cidade em poucos dias. A cidade virtual responde a uma nova lógica. Hoje ela está inscrita nas estruturas informatizadas das novas formas de representação dos espaços, nas novas escrituras de navegação multimediática, nas infovias, no mundo cibernético. É um novo espaço, e a sua lógica está em elaboração, se constitui em uma reunião de diferentes linguagens. Informática, imagética e textual, são as novas formas da cidade virtual. Navegar no mundo virtual pressupõe uma outra lógica para o processo de apropriação dessa nova espacialidade. Formas espaciais edificadas, são substituídos por espaços imagéticos, nomes de ruas e números por endereços eletrônicos personalizados, portas por home page, quer dizer exatamente página da casa. Trata-se de substituir o espaço pela imagem. A home page é a porta de entrada da casa, da instituição, do autor, do supermercado. A cidade real é o lugar onde se encontram um conjunto de atividades industriais, comercias, de habitação, onde os homens realizam um conjunto de trocas que resultam na dinâmica do processo econômico e social. A construção dessa materialidade está ancorada numa lógica espacial que aproxima a igualdade de atividades ,como é o caso de construção de distritos industriais, ruas comerciais, bairros residenciais. É a divisão territorial do espaço. Para cada lugar uma determinada forma de uso do espaço. A construção de uma espacialidade requer um conjunto de processos que vão desde disponibilidade de terra, de capital e de processos construtivos para construir os lugares na cidade edificada. Por exemplo, para construir uma fábrica é necessário um capital inicial que permita adquirir o lugar, pagar a renda, além daquele necessário para dar início às atividades. Ocupar um lugar na cidade virtual requer um equipamento eletrônico apropriado, e informação organizada. São substituídos formas materiais e objetos pôr formas imateriais , criatividade imagética e saberes. Novas lógicas imateriais no espaço cibernético. (Mitchell, W., 1995). Existe uma divisão social no espaço virtual? O essencial nas novas formas sociais é a valorização do singular. Teoricamente, todos aqueles que detêm um computador conectado à uma rede poderá emitir e receber mensagens. A interatividade é uma das condições do espaço informático. Receber e emitir mensagens textuais e imagéticas é uma possibilidade dada pelas novas formas da comunicação. Entretanto, essa condição por si só é insuficiente para o exercício desse processo de democratização dos meios de comunicação. É necessário exercer um domínio sobre um processo de comunicação. Já podemos observar que o espaço cibernético de alguma forma reproduz o espaço real É a grande imprensa que mantêm seu domínio sobre a comunicação cotidiana, as redes de super -mercados já constituem processos de informação para clientes preferenciais, as universidades se organizam para irradiar saber pela rede. A produção do conhecimento, da informação e da tecnologia informática é a .que permite o exercício do domínio sobre a cidade virtual. O poder muda de donos. A dominação sobre os sistemas de informação associadas ao desenvolvimento da tecnologia digital é o lugar que credencia para as novas formas de exercício do poder. A literatura sobre o tema é bem ampla, , onde são conhecidos as relações entre poder e comunicação. Se compreendemos o poder como a capacidade de conduzir a ação do outro na direção do nosso próprio desejo (Arendt, 1994), podemos imaginar a importância dos meios de comunicação na condução de uma ação coletiva. Conhecemos a capacidade dos meios de comunicação de produzir a informação e práticas sociais coletivas, em direção à um projeto exógeno. O exercício do poder hoje está nas mãos de quem domina as novas estruturas comunicativas . Esta questão está associada ao espaço da comunicação digital , na medida em que o desenvolvimento da comunicação numerizada é que irá determinar espaços de dominação no mundo virtual. A dominação no espaço virtual deverá se constituir nos próximos anos no lugar mais valorizado do exercício do poder. É por essa razão que observamos um conjunto de processos associados ao desenvolvimento de políticas para o desenvolvimento das infra-estruturas comunicativas no Brasil. Pensar a nova ordem da cidade virtual nos leva a identificar processos associados a relação do homem no espaço. O desenvolvimento dos meios de informação via rede produz a desmaterialização de diferentes espacialidades. Lugares de trabalho, de lazer, de atividades culturais, de transporte podem ser substituídos pela representação de processos na rede. A cidade virtual desmaterializa a cidade real. Entretanto, não a elimina, verifica-se um processo de transformação das espacialidades. As atividades anteriormente desenvolvidas em espacialidades definidas passam a ser desenvolvidas dentro de casa. Não é mais necessário sair de casa para trabalhar, usufruir de atividades de lazer, ou consumir mercadorias. Observamos então , uma revalorização dos espaços de habitação e do bairro. O lugar se revaloriza como espaço de sociabilidade e de vida. Novas formas da relação público/privado. A cidade moderna foi pensada e concebida como uma espacialidade onde se estabelecia profunda separação entre as atividades concebidas como públicas e as privadas. A carta de Atenas referência básica da ação urbanista e planejadora segmentava a cidade nas suas múltiplas atividades, basicamente dividida em espaços públicos e privados. Pensar o uso do solo foi desenhar sobretudo essa separação em zonas industriais, para atividades de trabalho, residências para habitação, cidades universitárias para a produção e transmissão do conhecimento. Para cada lugar uma atividade definida entre público e privado. Na cidade virtual: trabalhar, estudar, comprar são atividades que podem ser realizadas dentro da casa. Muda a relação público/privado, nas concepções espaciais. Assim, os espaços de trabalho que eram desenvolvidos em espaços públicos específicos passam a se realizar do interior do espaço privado. O que transforma as formas de apropriação do espaço. Quais são os efeitos desse processo sobre comunidade.? o sujeito, a família, a COMUNIDADES VIRTUAIS A relação entre dois sujeitos face a face, passa por uma interação que se compõe de múltiplas percepções e identificações. Que podem ser traduzidos por gestos , lugares , posicionamentos. A formação de um sujeito passa por um incessante movimento de interação com o outro. Olhar para o outro é identificar-se e constituir-se a si próprio (Rath, s/d). É nesse movimento de interação com o outro que se estabelecem as relações individuais, afetivas, e de trabalho. Limites e integrações são constituídas no interior desse movimento, individual, familiar e comunitário. A interação por sinais eletrônicos deve mudar substancialmente a relação do sujeito na comunidade que passa a ser virtual. No lugar do outro, a sua mensagem, e no futuro próximo a ampliação da transmissão de imagens através da já desenvolvida tecnologia de vídeo conferência. São novas formas de integração social, onde o sujeito de sua tela em sua casa pode estabelecer conexões interativas com sujeitos de outros lugares do planeta. Novas identificações deverão se estabelecer ao longo desse movimento de interconexão. Experiências em curso em diferentes lugares do planeta podem ser conhecidas , apropriadas e reconhecidas em curto espaço de tempo. Comunidades anteriormente separadas por relações espaciais podem se intercontactar , constituir e manter elos apesar das distâncias físico espaciais.(Palácios, 1996). É preciso que se constituam identidades do lugar, étnica, do interesse profissional, de idade para que se construam comunidades virtuais. No lugar do gesto e do corpo, textos e imagens. Novas interações na comunidade virtual. Esse movimento não elimina formas de interações que o precedem., isso quer dizer que se mantém e se ampliam as oportunidades de trocas entre os sujeitos sociais. As comunidades que já existem e se estruturam nas suas formas tradicionais , que são constituídas de forma onde são dadas identificações de natureza religiosa, intelectual, política se mantêm ampliando suas bases de interação. As comunidades virtuais , buscam realizar formas corporais de interação. Haverá uma alteração na subjetividade dos sujeitos? Os sentimentos são processos que se realizam e se transformam na base do desenvolvimento do processo social. As formas da subjetividade são socialmente e historicamente determinadas,. As práticas sociais são dadas a partir de um conjunto de idéias que valorizam processos sociais e que resultam em subjetividade específicas. Na cidade virtual o processo de identificação e de formação de comunidades corresponde a um novo conjunto de valorizações que reúnem um grande número de processos identificatórios. As comunidades virtuais são redes que podem se estruturar de forma mundial reunindo sob um mesmo manto um conjunto de pessoas que se identificam entre si, por razões econômicas , científicas e culturais.(Palácios,1996). A cidadania virtual é justamente essa capacidade de pertencer ao maior número de redes. O cidadão virtual é aquele que ocupa lugares eletrônicos no ciberespaço Formas avançadas de sociabilidade e cidadania que se sobrepõem, à outras formas anteriores de realização da condição cidadã. Os mais críticos devem dizer : mas como pensar em cidadania virtual se as condições elementares de conexão por exemplo à rede de esgoto, e água ainda não se realizarem para grande parte da população urbana do Brasil? O traço mais marcante da sociedade brasileira passa exatamente por essa questão: por um lado formas às mais avançadas de desenvolvimento e riqueza e, por outro lado, processos arcaicos e de pobreza. A virtualização da economia, da sociedade, e do território é um fato real que conduz a sociedade a movimentos de transformação que deverão ser construtivos para o processo social como um todo. Não se trata de negar a sua importância mas de estabelecer esferas de resistência que conduzam os sujeitos sociais à lutarem para a sua inclusão na esfera desse novo mundo e de suas múltiplas possibilidades de vida, trabalho e de lazer. A constituição de comunidades auto organizadas comunicativamente, como é proposto por Haberamas (1988), como o caminho para a produção da riqueza social ,ancorada em formas solidarias de ação ,encontra nas redes de comunicação informatizada a oportunidade de sua concretização. Compreendemos então que a virtualização pode ser uma alavanca para impulsionar um conjunto de processos para o seu desenvolvimento social. A utilização das redes se constitui numa possibilidades tecnológica que permite a concretização desse ideário de auto organização e autodeterminação de sujeitos sociais e comunidades. A Internet é uma comunidade de computadores que se comunicam entre si , é uma rede que interconecta redes de todos os tamanhos, é a rede das redes. O seu sucesso se deve a que se trata de um lugar aberto, é possível paticipar dela sem pedir autorização à ninguem. É um lugar igualitário onde cada ponto da rede tem o mesmo estatuto que todos os outros, é econômico cada um pode transmitir informação a um preço muito baixo, sem precedentes históricos. É um sistema que permite a conectividade , onde todas as pessoas que tem um computador , podem dispor de um endereço eletrônico que os coloca em igualdade de troca com todos os outros participantes da rede (Aftel,1996). Certamente é preciso ter alguma coisa para trocar., uma informação, um saber, uma história, uma obra de arte, ou um afeto. Com quem se troca dentro da rede , essa é outra questão. Reune então as comunidades virtuais, novas formas de sociabilidade e de comunicação. É possível encontrar seus iguais dentro da rede e com ele se comunicar, através de novos processos de identificação. Ela não impõe normas .Foram os usuários que criaram o correio eletrônico, os fóruns de debates, o protocolo de transferência de arquivos., e mais recentemente, a World Wide Web. Não existe coação, o que se assegura é o poder de se comunicar com o maior número de pessoas no mundo. (Aftel,1996) O coletivo de usuários detêm o poder sobre as instâncias de funcionamento das trocas entre os internautas, não se trata de uma autoridade mais de um lugar eletrônico onde se desenvolve um debate continuo aberto para todos. Não há autoridade superior, são dadas novas estruturas de poder no espaço cibernético. (Aftel,1996) A comunicação via Internet não é gratuita, são os usuários que pagam pelo uso dos serviços para os operadores, a um baixo custo de operação. É um momento de estruturação do processo onde os atores estão se posicionando no espaço virtual da cidade mundial. Que pode interconectar internautas localizados em muitas cidades do mundo. Novas identidades globais. Está claro que estamos diante de um momento onde os atores estão se posicionando, quando num futuro próximo, deverá se constituir uma redefinição das relações econômicas entre os navegadores do ciberespaço. Estão inventando formas e possibilidades de interagir para realizar ganhos através da rede mãe. É um lugar onde deverá se realizar com intensidade um conjunto de processos associados a atividades econômicas, de educação e de lazer, a custos excepcionalmente baixos. Hoje já é possível acessar o Louvre de favelas das cidades brasileiras equipadas para tanto, a um custo de uma carta de correio. Já foram realizadas milhões de visitas ao Louvre via Internet. É um acesso que pode levar para todas as salas de aula do mundo, a história da arte universal em amplo processo de democratização da cultura. Recentemente no Estados Unidos foi desenvolvida uma política social de combate a pobreza , ancorada no uso da Internet. Foi realizado um treinamento com os moradores que possibilitou a apropriação de procedimentos técnicos e que resultou no desenvolvimento de atividades econômicas. Sendo que as micro empresas que se constituíram possibilitaram um faturamento da ordem se Cr 50000,00. (Jornal do Brasil, 7/1996). No Brasil a Linck, organização não governamental, está desenvolvendo uma ação de constituir nas favelas, de diferentes cidades do Brasil, escolas de informática.. As escolas são auto gestionadas e pagas ,as mensalidades são de baixo custo em torno de Cr 10,00. O resultado desse processo é que as escola se mantêm de forma autônoma e podem realizar investimentos inclusive na ampliação de equipamentos. Para a comunidade local é um universo que estimula a população jovem para atividades de trabalho intelectual. Os computadores se constituem num imaginário socialmente valorizado e podem oferecer constituir novas oportunidade de vida e de trabalho. O argumento de que a informática seria mais uma forma da desigualdade social, onde as formas da exclusão social se reproduzem na mesma dinâmica de outros processos históricos pode ser debatido. A nossa análise indica que os baixos custos da sociedade informacional, se constituem em uma oportunidade histórica para iniciar um resgate com a histórica dívida social, que as elites brasileiras tem com as classes populares do país. Em primeiro lugar podemos pensar nas escolas. É bem conhecida a observação sobre a fascinação que uma tela é capaz de exercer sobre a atenção das crianças. O olhar da criança fica fixo na tela sobre as formas oníricas e estimula a ação imaginária. Com o desenvolvimento da tecnologia numerizada. e da telemática, será possível irradiar imagens que permitem manipulação. Isso quer dizer que estão sendo geridos um conjunto de processos tecnológicos que poderão transformar profundamente a dinâmica da educação A imagem televisiva, é analógica, não aceita interatividade, a imagem numerizada permite interatividade. A diferença entre uma televisão e um computador é exatamente essa possibilidade de entrar dentro da tela e interagir criativamente com a imagem . Assim podemos imaginar a intensidade dos processos de transformação em curso, que deverão colocar em disponibilidade um conjunto de novas possibilidades para produção e apropriação de saberes. A um preço de produção muito baixo. São outros processos que requerem, novas estratégias de produção da educação. , que deve levar para os professores e alunos as múltiplas possibilidades de uso da informática para a produção e apropriação do saber. Esse exemplo da educação é importante na nossa análise porque se refere a novas possibilidades de acesso ao saber e à cultura. A compreensão é um momento que antecipa a ação., quem sabe é capaz de fazer. E estamos convencidos de que a justiça social passa por uma equidade na apropriação da informação e no acesso à educação. Sair de um plano que conduz a ação do outro , para um plano na relação social que respeite, e valorize a autodeterminação dos sujeitos sociais. Para tanto, é necessário pensar em formas que se traduzem na formação de sujeitos sociais capazes de lidar com as dificuldades e possibilidades da vida, de forma autônoma. Essa possibilidade se torna mais real, quando sabemos que está sendo desenvolvida uma nova tecnologia de produção de computadores ,por um pull de grandes empresas como IBM e MICROSOFT, que até o final do próximo ano deverá colocar no mercado um computador a um preço de CR 500,00. E que no futuro próximo não se pagará pelo computador , mas apenas pelo uso dos serviços. A questão da democratização e da justiça social na cidade virtual passa por essa questão. A forma de garantir às populações pobres o acesso a informação e à educação (Ribeiro,1995). Estamos pois diante da questão do papel do Estado. ESTADO E GESTÃO VIRTUALIZADA Pensar a questão do Estado em relação s políticas sociais , foi pensar numa ação que valorizava a intervenção estatal no sentido de produzir um conjunto de políticas de bem estar, como, saúde, educação e habitação para as populações pobres que não tinham condições de participar do mercado capitalista desses bens. Foi montada uma máquina burocrática que tinha por responsabilidade gerir políticas públicas setoriais que organizada de forma centralizada e burocratizada respondeu por resultados parciais e muitas vezes clientelistas e corporativistas. (Draibe,1988). A crise do Estado no Brasil, abre um debate que busca caminhos de sua superação. Basicamente, as propostas caminham no sentido de se valorizar um processo de singularização. Mais claramente são realizados movimentos no sentido da privatização, da descentralização das máquina burocrática do Estado e da implicação dos sujeitos na gestão de suas necessidades A questão do desenvolvimento se desloca de uma interpretação de natureza econômica para uma, análise que valoriza a questão social e cultural. Pensar a pobreza não significa apenas uma referência salarial, mas de um conjunto de processos históricos que passam pela exclusão das classes populares dos direitos fundamentais de cidadania. Como o direito à cidade, educação, cultura, e política. São dois movimentos em curso, um primeiro de crise e um segundo de mutação, é no interior dessa complexidade de retrocesso e avanço que se redefine a ação do Estado. Pensar o Estado social é compreender a importância de uma ação que valorize o acesso das populações pobres aos meios de comunicação. Não se trata de eliminar o Estado mas de reinventa-lo (Egler,1994). Esse Estado deve gerenciar um conjunto um conjunto de processos associados à acessibilidade das classes populares a informação e a comunicação (Ribeiro, 1993). Para tanto deve se pensar em um conjunto de políticas que permitam a difusão do conhecimento de equipamentos e meios de trabalho de informática, de financiamento da aquisição de equipamentos ,e de democratização da informação e comunicação. Podemos pensar então num Estado Informacional. São duas formas de cidade que se sobrepõem e interagem uma sobre a outra. O processo de virtualização age nas seguintes direções: desmaterializando formas edificadas, singularizando processos econômicos, e constituindo formas de individuação social. Cada vez mais as pessoas se voltam para os espaços privados , onde defronte da tela do computador se entretêm com um representação imagética que se torna mais interessante do que a própria realidade. Trabalhando, assistindo a uma programação cultural , ou simplesmente navegando no ciberespaço, as pessoas optam pela virtualidade espacial. Por outro lado, observamos um abandono de espacialidades que anteriormente eram ocupadas por atividades econômicas industriais ou e de serviços, bem como um processo de depauperação do espaço. Podemos portanto, observar um movimento de valorização do virtual e de abandono do real. Cada vez mais os processos se virtualizam, levam a transformação das necessidades espaciais, os espaços materiais passam a ser ocupados por processos virtuais, é um movimento que se inicia e que deverá se ampliar no desenvolvimento das trocas virtuais. As novas formas de realizar políticas de gestão dos espaços , devem refletir sobre a dupla dimensão desse movimento de espacialização. A sobreposição de uma cidade sobre a outra, e a proposição de políticas de gestão apropriados a essa dupla determinação. Primeiro: o que fazer dos espaços desmaterializados? Promover uma intensificação da ação de renovação dos seus usos, e de manutenção do patrimônio construído. Trata-se de estimular uma ação da política urbana, no sentido do reinvento do uso de espaços. Dando função social à espacialidades já construídas. (Adalto, 1996). Num outro nível, podemos pensar numa ação planejadora associada ao desenvolvimento de processos virtuais. Aquela que implica o sujeito na produção de suas própria espacialidade. Educar para a cidade é colocar em disponibilidade um conjunto de saberes sobre os processos espaciais, e sobre as possibilidades de sua apropriação. Pode conduzir a um processo de auto-organização que podem resultar em formas autônomas de gestão do espaço. O terceiro nível reflexivo é a gestão referida à própria rede , seus lugares, suas estruturas de gestão, e da ação dos diferentes agentes sobre , suas formas de uso e de apropriação. A história da Internet, criada no âmbito da ciência, estabeleceu fronteiras de gestão auto organizativas. Nenhum organismo dispõe de poder para fazer a lei sobre a Internet. Existem no entanto, instâncias de regulação e de discussão, criadas e geridas pelos autores da rede, e cuja filosofia reflete as concepções que a geraram. de ser um lugar de produção de processos apropriados de forma coletiva. (Aftel, 1996) Manter a autonomia de gestão da rede assegurando a livre conexão, e navegação, bem como a liberdade de expressão é pensar estruturas de gestão que valorizam a liberdade como ponto de partida para processos econômicos, sociais e culturais, onde todos podem participar das decisões concernentes às formas de sua auto regulação, onde normas e leis tendem a ser substituídas por um conjunto de ações, ancorados em uma cultura de valores coletivamente acordada. Preservar essa democracia do uso virtual do espaço é certamente a fronteira da resistência aos sempre crescentes interesses daqueles que buscam estabelecer sua dominação sobre a gestão da rede. Sonhar a democracia direta ou representativa, foi sempre uma forma de buscar contrapor interesses coletivos a interesses individuais. A socialização e democratização da sociedade passou por um processo de contrapor forças coletivas ao poder dos interesses individuais de capitais ou sujeitos históricos. Ironia da história? O desenvolvimento tecnológico dado pelo avanço das relações capitalistas resultou em um movimento de singularização e democratização de gestão dos novos espaços da cidade virtual. BIBLIOGRAFIA Aftel - Internet, Paris, A Jour, 1996. Arendt, Hannah - A dignidade da política, Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1993. Draibe, Sonia - O Welfare State no Brasil, XII Encontro ANPOCS, Águas de São Pedro, 1988. Egler, Tamara Tania Cohen - Saber e Agir. Comunicação e habitação. Conferência Internacional de Habitação, BEIJING, 1994. _________________________ - Novas tecnologias da imagem, sujeito e ação social, V COMPÓS, São Paulo, maio 1996. Habermas, Jurgen - A nova intransparência. A crise do Estado do bem estar social e o esgotamento das energias utópicas. Novos Estudos CEBRAP, N. 18, 1987. Levy, Pierre - As tecnologias da inteligência, Rio de Janeiro, Editora 34, 1993. ___________ - Q'uest-ce que le virtuel. Paris, Sciences et Societé, Editiions la Découverte, 1995. Mendonça, Adalton da Mota - Projeto de Dissertação de Mestrado, IPPUR/UFRJ, 1996. Mitchell, William J. - City of bits: space, place and intobahn, William J. Mitchell. Massachussets, Mit. Press, 1995. Rath, Claus Dieter - Labyrinthers du Savoir, Mimeo, s/d. Ribeiro, Ana Clara Torres - Matéria e Espírito: o poder personalizador dos meios de comunicação. In Piquet, Rosélia e Ribeiro, Ana Clara Torres, Brasil: Território da desigualdade (descaminhos da modernização). Rio de Janeiro, Zaar, FUB, 1981. ________________________ - Mutações na Sociedade Brasileira: Seletividade em atualizações técnicas, in Santos, Milton et alli. O novo mapa do mundo, São Paulo, Hucitec, ANPUR, 1993. Santos, Milton - Palestra proferida no Seminário Espaço e Tempo. Inovações tecnológicas na vida metropolitana. Sydensfricker, Iara - Um sonho de lugar: reflexões sobre criança e cidadania. Tese de Mestrado defendida IPPUR/UFRJ, março 1995.