Guerras de Libertação na África

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GUERRAS DE LIBERTAÇÃO NA ÁFRICA
Maurício Waldman1
A imagem de subdesenvolvimento que hoje em dia marca o continente africano deve ser
contrastada com a de seu passado, amplamente desconhecido por grande maioria dos
brasileiros.
A África dispõe de uma longa história anterior à invasão ocidental. Reinos poderosos e imensos
impérios surgiram em vários pontos do continente, configurando estruturas sociais, políticas e
econômicas em nada devedoras, em termos de progresso e de produção de saber, aos centros
europeus do mesmo período.
Este seria, por exemplo, o caso do império do Mali (Séculos XIII/XVI), um dos mais fabulosos
reinos jamais constituídos na história da humanidade. Sabe-se também, nos dias de hoje, que
civilizações como a Egípcia foram largamente subsidiadas por fortes influências culturais com
origem no vasto interior do continente, pelo que algumas publicações definem o Egito como
uma civilização negra.
O contato com os europeus deu-se a partir do século XV, com as navegações portuguesas.
Contudo, a maior parte das estruturas políticas tradicionais - organizadas ou não na forma de
aparatos de Estado - manteve-se incólume ao longo dos séculos XVI/XIX. Foi apenas com a
aceleração da chamada Corrida Colonial que a Europa partiu então para a conquista da
totalidade do continente.
Em 1884/1885, realizou-se a Conferência de Berlim (ou do Congo), reunindo as principais
potências coloniais com interesses territoriais na África. Portugal, Espanha, França, Alemanha,
Inglaterra, Bélgica e Reino Unido praticamente partilharam o continente entre si. Apenas quatro
países escaparam da dominação ocidental, a saber:
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Egito, formalmente independente, mas na prática, governado indiretamente por
Londres. Constituiu um protetorado britânico até 1922. A Zona do Canal (de Suez),
de interesse estratégico vital para o Império Britânico, foi mantida sob controle
comercial militar direto da Inglaterra. Nacionalizado apenas em 1956 no governo de
Gamal Abdel Nasser, mesmo assim provocou agressiva resposta por parte do
Ocidente através de ação militar conjunta da Inglaterra, França e Israel contra o
Egito.
Sociólogo (USP), Mestre em Antropologia (USP) e Doutor em Geografia (USP), Maurício Waldman é colaborador do
Centro de Estudos Africanos da USP. Atua em consultoria e capacitação em afro-educação e ademais, na docência da
disciplina Introdução aos Estudos Africanos. E-mail: [email protected]; Home-page: www.mw.pro.br.
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A União Sul-Africana, embora independente, era dominada pela minoria branca,
particularmente pelos bôeres, descendentes de colonos holandeses que nunca
pouparam esforços em manter a população negra sob as mais abjetas práticas de
discriminação e exploração, mais tarde configuradas no abominável sistema do
Apartheid (implantado juridicamente em 1948 e só abolido em 1994).
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Libéria, criada em 1822 por iniciativa do governo americano com o intuito de
"receber de volta" (ou seja, importar), os escravos recém-libertados. O nome do
país deriva de Liberty, liberdade em inglês, e o da capital, Monróvia, do presidente
Monroe, dos EUA. Sua primeira constituição foi elaborada em Harvard. Sua
bandeira foi copiada da americana. Quanto à moeda oficial, adotou-se o dólar
liberiano. Na prática, a Libéria constituiu-se num protetorado americano, no qual
uma elite negra passou a exercer o poder em nome dos seus antigos amos e
senhores (Vide Box).
O AMOR À (NOSSA) LIBERDADE TROUXE-NOS AQUI
"20.000 ex-escravos regressaram à África. Estes colonos de
novo tipo, que falavam a língua e praticavam a religião dos
brancos, não foram muito bem recebidos pela população
local. Protegidos pelos canhões da armada norte-americana,
instalaram-se na costa e apoderaram-se das melhores
terras. Durante muito tempo recusaram uma integração com
os "negros das selvas", que consideravam "selvagens". O
amor à Liberdade trouxe-nos aqui (The Love of Liberty
Brought us Here), proclama o escudo liberiano. Contudo,
para os nativos do território, a independência trouxe pouca
liberdade. Durante muito tempo, só os proprietários de terras
podiam votar, e os 45 mil descendentes dos ex-escravos
norte-americanos constituem hoje, o núcleo da classe
dominante local, intimamente vinculada aos capitais
internacionais. A borracha, um dos principais produtos de
exportação, está nas mãos da Firestone e da Goodrich,
conforme uma concessão de 99 anos, outorgada em 1926.
O mesmo acontece com o petróleo, o ferro e os diamantes"
(Guia do Terceiro Mundo, 1981, páginas 182 e 183).
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A Etiópia ou Abissínia, na prática a única nação africana independente. Trata-se de
um reino antiqüíssimo, que a tradição local pretende remontar à Rainha de Sabá e
ao Rei Salomão. Após a Armênia, é o segundo mais antigo Estado cristão do
mundo. A Etiópia resistiu a uma primeira tentativa de invasão italiana e assombrou
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o mundo ao derrotar os invasores em 1896 (em Adowa). Ocupado pela Itália
fascista entre 1935 e 1941, reconquistou posteriormente sua independência.
A dominação direta do continente pelos colonialistas europeus originou a longa série de
distorções das quais até hoje se ressentem os povos do continente. Toda a organização
espacial da África teve como critério básico o favorecimento da dominação econômica, social,
cultural e política dos europeus e de seus prepostos imediatos, dentre estes uma nascente elite
africana obediente aos amos estrangeiros.
Os "benefícios" trazidos pelo colonialismo foram todos eles de mérito discutível. A rede de
caminhos de ferro, por exemplo, foi estabelecida com a finalidade exclusiva de escoar as
riquezas do interior da África para os mercados de além mar e não para interligar os países do
continente entre si. Naturalmente, também serviam para manter o controle militar dos territórios
ocupados, transportando tropas que afogavam em sangue o menor sinal de contestação.
Membros da guerrilha etíope durante a luta
contra a invasão italiana (Fonte: Revue Noire, 1998, p.146).
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Os currículos escolares procuraram colonizar mentalmente o homem africano. Deste modo, no
Senegal, então dominado pela França, os livros de história ensinavam aos africanos “a cultura
dos nossos ancestrais, os gauleses”. Ademais, línguas européias estranhas ao continente
foram impostas como os únicos idiomas "cultos" (caso do francês, Inglês, espanhol e do
português), ao passo que os idiomas em curso foram considerados "impróprios" ou
"aberrantes". Além disso, os cultos locais foram estigmatizados como bruxaria e superstição,
quando não oficialmente proibidos. O colonialismo entabulou um massacre cultural
simplesmente sem precedentes.
África - Mapa Político 1914
(GEOATLAS, Maria Elena Simielli, 1995, p.62).
Era necessário colocar um basta nesta sucessão de afrontas. Aproximadamente 60 anos após
a Conferência de Berlim, iniciou-se o Processo de Descolonização do Continente. Este
fenômeno ocorre, entre outros motivos, pelo crescimento de um movimento nacionalista. Este
movimento teve a sabedoria política de explorar um enfraquecimento relativo das antigas
potências, que estavam desmoralizadas e enfraquecidas por conta da II Grande Guerra.
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Em países como a Argélia e nas colônias portuguesas, o povo recorreu à luta armada contra os
colonialistas estrangeiros. Motivados ideologicamente, bem treinados e excelentes
conhecedores da geografia local, as forças de guerrilheiros semeavam o terror nas tropas de
ocupação, terminando por infligir-lhes humilhantes derrotas nos campos político e militar.
Na ótica dos combatentes africanos, a derrota do colonialismo passou a ser vista como
inevitável, veredicto evidente, por exemplo, na avaliação de Amílcar Cabral, líder da guerrilha
guineense, quanto ao fim do domínio português: "Se não afirmamos que Portugal se arrisca a
uma derrota militar entre nós, é simplesmente porque ele nunca teve nenhuma oportunidade de
sair vitorioso. E só podem sofrer derrotas aqueles que tem pelo menos uma oportunidade de
ganhar" (in LOPES, 1987:51).
Divisão Política Atual da África
Hoje em dia, mais de 50 países estão presentes no mapa da África moderna. Entretanto, isto
não quer dizer que as dificuldades tenham terminado. O antigo colonialismo foi substituído por
uma modalidade que sendo mais sofisticada e sutil não é menos nociva: trata-se do
Neocolonialismo. As grandes potências não mais dominam diretamente o continente. Em
muitos destes países adotou-se um "modelo liberiano", pelo qual uma elite negra tornou-se
guardiã dos interesses estrangeiros.
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A dominação se mantém pelo controle do fluxo de capital, por empréstimos, pelo controle
transnacional da economia, pela colonização cultural e caso necessário, por intervenções
militares. Deste modo, para a grande massa dos africanos, a independência real é ainda está
para ser conquistada.
Uma realidade igualmente colocada para o conjunto dos povos e dos países do Terceiro
Mundo.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANSTEY, Roger, 1974, As Atrocidades no Congo, in História do Século XX, Abril Cultural, Volume I, pp. 316/321, São
Paulo, SP;
BOAHEN, Albert Ada, 1984, A África sob Dominação - O Desafio Colonial, in Revista Correio da UNESCO, nº 7, referente
ao mês de Julho de 1984, pp. 14-16, Rio de Janeiro, RJ;
CESAIRE, Aimé, 1979, Discurso sobre o Colonialismo, Cadernos para o Diálogo, 2, Porto, 1971, páginas 1-79, mimeo;
COMPARATO, Fábio Konder, sem data, O Ato Geral da Conferência De Bruxelas De 1890, DHnet - Rede Direitos
Humanos e Cultura, Texto disponível on line em: http://www.dhnet.org.br/educar/redeedh/anthist/brux1890.htm (Acesso
em 24-11-2006);
LOPES, Carlos, 1987, A Transição Histórica na Guiné-Bissau, Coleção Kacu Martel, n. 2, INEP - Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas, Bissau, República da Guiné Bissau
MEREDITH, Martin, 2005, The Fate of África - From the hopes of freedom to de heart of despair: A History of 50 years of
Independence, Public Affairs New York, EUA;
PAULME, Denise, 1977, As Civilizações Africanas, Coleção Saber, Publicações Europa-América, Lisboa, Portugal;
Guia do Terceiro Mundo, 1981, Editora Terceiro Mundo, Rio de Janeiro, RJ.
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AUTORIZADA A CITAÇÃO E/OU REPRODUÇÃO DESTE TEXTO DESDE
QUE INDICADA MENÇÃO BIBLIOGRÁFICA:
WALDMAN, Maurício, Guerras de Libertação na África, in Geografia do
Ensino Fundamental, Capítulo “O Continente Africano”, Unidade 1,
Módulo 2, Aspectos Históricos, Editora Didática Suplegraf, São Paulo,
SP, 1999.
PUBLICAÇÃO DO MESMO AUTOR RELACIONADA COM O TEMA:
Memória D’África - A Temática Africana em Sala de Aula, Ed. Cortez, 2007.
Saiba Mais: http://www.mw.pro.br/mw/mw.php?p=antrop_africa_tradicional&c=A
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Biografia Wikipedia English: http://en.wikipedia.org/wiki/Mauricio_Waldman
Currículo no CNPq - Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/3749636915642474
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