(re) valorização do patrimônio

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4º ENCONTRO NACIONAL DE GRUPOS DE PESQUISA – ENGRUP, São Paulo, pp. 226-251, 2008.
A (RE) VALORIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO (I) MATERIAL DE QUISSAMÃ E O
DESENVOLVIMENTO DO TURISMO1.
A (RE) VALORIZACIÓN DEL PATRIMONIO (I)MATERIAL DE QUISSAMÃ Y EL
DESARROLLO DEL TURISMO.
Leandro Ribeiro Cordeiro2
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
[email protected]
Resumo
O objetivo deste artigo é verificar a ocorrência de uma (re)valorização no patrimônio
histórico/cultural do município de Quissamã revelado pela intensificação do turismo.
Isto pode ser percebido a partir de uma série de políticas implementadas pela
Prefeitura que visam o resgate da memória e do patrimônio (i)material do município, o
gradativo aumento do número de turistas e uma tentativa de diversificação econômica.
O atual município de Quissamã era um antigo distrito de Macaé. Seu território abriga
fixos históricos significativos que remontam ao passado da atividade canavieira.
Encontramos nesta área casas, senzalas, imóveis históricos e fazendas do período
áureo da cana-de-açúcar no Brasil. A paisagem, hoje, é alterada e percebe-se uma
ligação destas mudanças com o uso dos royalties advindos da extração do gás e
petróleo da bacia de Campos.
Palavras-chave: Patrimônio (i) material, (re)valorização, Quissamã e Royalties.
1
Este artigo se origina de um projeto de pesquisa fomentado pela FAPERJ e orientado pelo Professor
Doutor Gláucio José Marafon.
2
Graduando em Geografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Membro do Núcleo
de Estudos de Geografia Fluminense (NEGEF) e bolsista de iniciação científica da Fundação Carlos
Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (FAERJ)
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4º ENGRUP, São Paulo, 208.
CORDEIRO, L. R.
Resumen
El objetivo de este artículo es comprobar la ocurrencia de una (re)valorización en el
patrimonio histórico y cultural del município de Quissamã puesto de manifiesto por la
intensificación del turismo. Esto puede ser percibido desde una serie de políticas
aplicadas por la prefeitura destinadas al rescate de la memória y del patrimônio
(i)material del municipio, el incremento gradual del número de turistas y un intento de
diversificación económica. El actual municipio de Quissamã era un antiguo distrito de
Macae. Su território abriga fijos históricos significativos que se remontan al pasado de
la actividad de azúcar. Vimos en esta área casas, senzalas, edificios históricos y
fincas agrícolas del período de oro de la caña de azúcar en Brasil. El paisaje, hoy, ha
sido transformada y vemos um vínculo de estos câmbios con el uso de royalties
(benefícios fiscais) derivados de la extracción de gás y petróleo en la “bacia de
campos”.
Palabras Clave: Patrimonio (i)material, (re)valorización, Quissamã y royalties.
INTRODUÇÂO
Este trabalho teve seu início nas pesquisas realizadas pelo Núcleo de Estudos
de Geografia Fluminense - NEGEF3, que vem promovendo uma série de
investigações acerca das principais transformações sociais, econômicas e territoriais
no Estado do Rio de Janeiro. Essas implicações acontecem de forma acentuada, não
só na capital fluminense, mas em todo o estado. Hoje percebemos uma
desconcentração de serviços e funções, desprendendo-se da Região Metropolitana e
fazendo com que outras Regiões do estado cresçam de forma marcante, e despontem
com funções importantes na economia e no desenvolvimento do estado.
3
O NEGEF desenvolve uma série de investigações sobre o Estado do Rio de Janeiro, que perpassam
desde estudos acerca da dinâmica das micro regiões de governo até casos particulares como foi o
Projeto Quissamã. Os trabalhos desenvolvidos foram entre atuais e finalizados: Diagnóstico das
condições socioespaciais das regiões de governo do Estado do Rio de Janeiro; Transformações no
Rural Fluminense; Projeto Quissamã etc.
A (re) valorização do patrimônio (i) material de Quissamã e o desenvolvimento do turismo,
pp. 226-251
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Quissamã, município da Região Norte do estado do Rio de Janeiro e antigo
distrito de Macaé, foi emancipado em 1989, em decorrência da “onda emancipatória”
(MARAFON et al. 2005, p.44) ocorrida no estado após a constituição de 1988. Desde
então, essa porção do espaço fluminense vem apresentando mudanças significativas
em seu território, adquirindo, assim, novas formas e funções e passando por um
processo de alteração quase sempre ligado à utilização dos royalties provenientes da
exploração do gás natural e do petróleo extraídos da Bacia de Campos.
O município abriga fixos históricos do áureo período da cana-de-açúcar no
Brasil. Encontramos importantes imóveis desta época, como fazendas e casas que
abrigaram os primeiros senhores de engenhos, as primeiras senzalas, o primeiro
engenho central (hoje desativado) e ainda uma série de casas que foram sede da
aristocracia canavieira.
Hoje esses imóveis encontram-se (re)valorizados num processo que busca
inicialmente o resgate de tempos passados com vista a intensificação do turismo. É
preciso destacar que o foco da nossa pesquisa é o resgate da historicidade
quissamaense, com as suas materialidades e com a sua cultura sendo a propulsora
de uma atividade turística.
Nosso propósito é verificar a valorização do patrimônio e da cultura local que
conduzem a um aumento do turismo na cidade, bem como os seus impactos. Isto
pode ser percebido quando Massey (2000) mostra o local como um campo a
reproduzir culturas, redes e uma fonte de especificidades incalculáveis e que é
através da interação de lugares e sistemas que se tem o novo, ou uma (re)
configuração do já existente.
Para alcançarmos tais objetivos, utilizamos uma vasta bibliografia sobre os
temas que guiam a nossa pesquisa, como: turismo, patrimônio histórico e cultural,
patrimônio natural, desenvolvimento, refuncionalização, paisagem, histórico municipal
etc. No levantamento de dados e referenciais teórico, buscamos apóio nas amplas
pesquisas desenvolvidas pelo Núcleo de Estudos de Geografias Fluminense, através
dos diagnósticos feitos pelo grupo sobre o desenvolvimento de Quissamã e
principalmente nos esforços realizados pelo Professor Dr. João Rua em sua tese que
descobriu a geografia do município.
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CORDEIRO, L. R.
Como já apontou Rua (2000), Quissamã muda e continuará mudando. Esta
afirmação serve como apoio para trabalharmos as transformações que se dão no
cotidiano quissamaense. Cotidiano este, que sempre seguiu marcado por uma
estrutura tradicional e estritamente agrária e agora se vê sendo alterado com a
inclusão de novas funções. Para Carvalho (2003) os espaços rurais no mundo
ocidental deixaram de ser apenas espaços de reprodução de potencialidades
produtivas, para, com certa complexidade, ganharem diversidade funcional e
sustentabilidade. Mas, por se tratar de turismo rural, a agricultura permanece como
alicerce de novas diretrizes de desenvolvimento territorial dos espaços rurais. A
(re)valorização do rural reconhece o papel central da atividade agrícola, pois sem ela
o turismo perde a sua funcionalidade.
Contudo, em Quissamã o processo é diferenciado, isso por que se encaixam
outros atores sociais e econômicos que refletem em uma dinâmica peculiar. Quissamã
está inserido na atividade petrolífera, o que descaracteriza cada vez mais a imagem
de um município rural conquistada no decorrer dos anos. Hoje encontramos uma
Prefeitura com recursos financeiros advindos dos royalties que altera inclusive a
inserção de moradores nas atividades agropecuárias4
O que analisamos é que esta característica rural de Quissamã continua,
entretanto, há o aparecimento de complexas alterações que fazem com que a história
e as peculiaridades daquele espaço sejam (re)valorizados. Podemos entender melhor
essa ligação do turismo com o rural quissamaense se compreendermos o que Rua
(2000) traz quando afirma que a paisagem ainda estritamente rural vem sendo
relacionada à cultura do município e sendo resgatada para a utilização de um turismo
rural com base na história da região. Percebe-se isto, na reprodução de valores e
manifestações típicas daquele lugar que são resgatadas em apresentações e na
valorização do cultural e do histórico. No bojo destas alterações, tentamos entender
este novo, que surge marcando a paisagem através de sua valorização com
modificações nas formas e nas estruturas e ainda o impacto dessas novas
significações no território quissamaense.
4
Cabe aqui o relato de conversas realizadas em trabalho de campo, quando entrevistamos a secretária
de agricultura e a EMATER. Segundo os técnicos, a atual gestão municipal concede uma série de
benefícios aos seus moradores, entre eles, auxílio gás, auxílio passagem ou mesmo ônibus municipal e
bolsas de diferentes tipos. Isso os deixa sem a necessidade de trabalhar para conseguir sustentar a
família, originando um processo de “aposentadoria” fora de época.
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Assim, temos como objetivo central entender como atividades, como o turismo,
interfere na dinâmica do município, buscando também visualizar as transformações na
estrutura econômica e os impactos que esta nova forma de exploração traz e poderá
trazer. A (re)valorização do patrimônio histórico e cultural local e também a
valorização da natureza serão os alicerces para entendermos melhor como a
historicidade da região passa a ser importante em um novo processo. Buscamos,
assim, identificar os movimentos da contemporaneidade que (re)organizam as
relações socioespaciais.
Estas transformações e (re)organizações já foram apontadas por (RUA 2003,
p.221) quando afirma que
O território quissamaense e as atividades que nele se desenvolvem
têm passado, nas últimas décadas, por profundas transformações que
materializam o movimento de modernização que, por sua vez, alcança
múltiplas dimensões no município e coloca novos desafios para seus
habitantes.
Estes desafios e estas novas dimensões são pontos específicos desta
investigação, na qual tem se dado ênfase a explicações e análises de como
acontecem tais processos, e de como ocorre a inclusão destas materializações no
processo de modernização do município.
DELIMITAÇÃO DO TEMA, PROBLEMATIZAÇÃO E QUESTIONAMENTOS.
Para iniciarmos um desencadeamento da historicidade de Quissamã,
acabaremos traçando um perfil de toda a Região Norte (figura 1), pois apresentam,
basicamente, as mesmas características. Marcada por uma paisagem de plantações
de cana-de-açúcar, a região, ainda hoje, se traduz em um dos principais produtores
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desta cultura, sendo sua economia quase toda regida pela monocultura canavieira,
com exceção à extração de gás e petróleo5.
A atual configuração da cidade é resultado da ocupação histórica marcada pela
criação do Engenho Central em 1877, quando a partir deste momento passaram a
existir dois núcleos que convergiam suas atividades para a região.
Figura 1: Mapa de localização da Região Norte e do Município de Quissamã
Fonte: CORDEIRO, 2006.
5
Podemos citar uma série de novas formas de exploração do solo quissamaense, que buscam
reestruturar a economia. Entre elas a tentativa de diversificação de culturas, que insere uma série de
novas formas de agricultura; como exemplo maior temos o coco, que através do Programa Frutificar
vem dando a Quissamã o lugar de maior produtor do Estado do Rio de Janeiro, como mostro Castro
(2003 e 2005). Aqui não pretendemos analisar mais minuciosamente este aspecto, e sim apenas
lembrar que essa também é uma forma de ver o município se diferenciando daquilo que historicamente
lhe foi marca.
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Desde o início da colonização da Região Norte do Estado do Rio de Janeiro, se
tem a presença dos grandes produtores e das grandes fazendas. Quissamã, como
dito, abrigou o primeiro Engenho Central, agregando a produção das fazendas
produtoras de cana-de-açúcar. A sua criação ampliou o processo fundiário, já que as
produções das pequenas fazendas eram obrigadas a serem levadas para o Engenho
Central.
As terras onde está situado o município foram doadas no século XVII por
Martim de Sá aos chamados Sete Capitães, que à época tinha interesse na criação de
gado na região. A então vila de Quissamã nasce no ano de 1694, quando foi erguida a
Capela Nossa Senhora do Desterro próximo a um local que na época se chamava
“furado”.
Historicamente a maior importância econômica do município foi a cana-deaçúcar, entretanto, a primeira atividade econômica de que se tem notícia na região é a
criação de gado. A partir da instalação de currais pelos Sete Capitães se tem a
introdução da pecuária nas planícies costeiras do norte do estado. Por volta da
década de 30 do século XVII inicia-se esta atividade, com vistas a atender o mercado
do Rio de Janeiro. É somente a partir do final do século XVIII que a atividade
canavieira é introduzida na Região de Campos dos Goytacazes e a criação de
bovinos cede lugar à cana. Neste período tem-se também a máxima introdução de
escravos nas fazendas da região. Nesta ocasião também vão ser realizadas algumas
obras de infra-estrutura e diminuir a utilização de mão-de-obra. É importante lembrar
que o Engenho Central de Quissamã foi o primeiro da América do Sul com estes
moldes de produção
O
início
do
século
XX
Quissamã
apresenta
um
bom
estágio
de
desenvolvimento econômico. Neste período a linha férrea ligava as produções às
fazendas e ao Engenho e também com os municípios de Campos dos Goytacazes e
Rio de Janeiro.
Todo o desenvolvimento atual de Quissamã é contextualizado com o
crescimento do interior fluminense. Ele acontece a partir da década de 1980, quando
há o início da desconcentração da Região Metropolitana e com a conseqüente
urbanização do interior do estado. O município não possui outros distritos além do
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distrito sede. As ligações com os municípios vizinhos são feitas pelas duas rodovias a
RJ-196 e a RJ-178 e ainda, por uma ferrovia.
A cidade de Quissamã apresenta, como mostrou Rua (2000), um espaço
propício a mudanças em decorrência do processo de crescimento populacional e de
serviços. Isso porque a mesma ainda não apresenta uma complexidade que
impossibilite tal crescimento de ser realizado de forma ordenada. Pelo contrário, diz
que a possibilidade de intervenção nos rumos e na forma como irá se desenvolver
esse espaço pode originar uma melhor qualidade de vida de sua população.
Em relação à atividade canavieira, temos um ambiente favorável para o
desenvolvimento dessa atividade. Por isso, desde o final do século XVIII vem sendo
marcante a presença da monocultura da cana e também dos desdobramentos sociais
e econômicos decorrentes do domínio dessa atividade.
Desde o século XVIII a cana-de-açúcar era desenvolvida em pequenas, médias
e grandes propriedades no estado, porém Quissamã seguiu com uma estrutura
fundiária diferente, pois lá as grandes propriedades fundiárias marcavam a hegemonia
de uma ou outra família que dividiam entre si as terras, monopolizando toda a
produção.
Como já mencionado, o Engenho Central foi um marco para a história local, o
que demonstra, de forma clara, a hegemonia de uma classe política que sempre
dominou a produção, pois a partir da sua criação ampliou-se o processo fundiário, já
que as produções das pequenas fazendas eram obrigadas a serem levadas para o
Engenho Central. Assim, o controle da produção permanecia nas mãos de uma só
família, a do Visconde de Araruama.
Hoje, o principal fator que promove as modificações no município de Quissamã
é o acesso aos royalties pagos pela Petrobrás. O município está próximo ao topo da
lista de beneficiados por estes royalties. Este acesso permite uma expansão da
urbanização, do turismo e do veraneio, e até da especulação imobiliária. Sobre esta
expansão (RUA 2003, p. 294) afirma que,
O dinamismo da expansão da urbanização, do turismo e do veraneio, da
especulação imobiliária, da estruturação do mercado de trabalho e a vinda de pessoas
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de fora do município para nele trabalhar, colocam desafios crescentes, que afetam a
identidade territorial de seus habitantes.
Já em seu trabalho Rua (2003) mencionava essa “alteração” na identidade
territorial, e é aqui que pretendemos nos apoiar, verificando até onde esta é
transformada e até onde o processo de capitalização e de reestruturação altera a vida
e o cotidiano quissamaense.
Os royalties surgem a partir da década de 80, quando se passou a explorar o
petróleo na bacia de Campos. A partir daí o Engenho Central deixa de ser a alavanca
da economia. Surge então, uma nova possibilidade de crescimento econômico sem a
dependência da agricultura, conforme aponta (RUA, 2000, p.16) a utilização dos
royalties
É um marco econômico, mas também político e cultural, na medida em que
representa um momento de ruptura entre a estrutura social tradicional e sua contraface: o processo de modernização que vem caracterizando Quissamã nos últimos
anos.
Este processo acontece introduzindo uma outra possibilidade de sustentação
econômica que não a tradicional monocultura canavieira. E com isso, passa-se a
perceber na infra-estrutura da cidade um avanço considerável desde a melhoria nas
ruas (Figuras 1 e 2), com a “urbanização” das vias, até o expressivo aumento do
número de estabelecimentos, que aumenta o valor do setor terciário.
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Figura 1 - Pavimentação e urbanização de ruas próximas ao Centro.
Fonte: NEGEF, 2008.
Figura 2 - Melhorias na infra-estrutura da malha urbana municipal de Quissamã.
Fonte: NEGEF, 2008.
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Hoje, encontramos alguns exemplos desta perspectiva de desenvolvimento que
foi apontada no início da década de 2000 e se configura como um processo vigente
naquele espaço. Um dos exemplos é a ZEN (zona especial de negócios), que é um
projeto da prefeitura que prevê a melhoria na infra-estrutura local para o
estabelecimento de indústrias. Estas melhorias vão desde eletrificação até a
pavimentação das ruas, além de incentivos fiscais às empresas. A ZEN foi
implementada em 2006 e já se começa a perceber os resultados. Podemos citar como
exemplos de sua efetivação, a Cooperativa de Leite Macuco, a Pró-vida Alimentos e
outras empresas ligadas ao setor industrial (metalurgia).
Em relação às transformações, percebemos que se encaixam no que
chamamos de urbanidades6. A paisagem quissamaense sofre diversas alterações,
entretanto, é importante comentar que apesar desta se modificar, o que vemos e
pretendemos estudar é a união da paisagem histórica, que sofre um processo de
refuncionalização, de resignificação unindo-se ao que podemos chamar de moderno
como as urbanidades físicas e formais características de um mundo moderno.
Sabemos que existem marcas das diferenças criadas pela própria história de
Quissamã, como elucidou Rua (2003) dizendo que estas marcas são reflexos das
diferenças entre lugares face às necessidades historicamente criadas. Aqui se inicia
uma análise do passado, verificando todos os possíveis acontecimentos e marcos que
se constata até os atuais dias.
TURISMO E PATRIMÔNIO
A contemporaneidade leva os espaços rurais a se inclinarem para a utilização
das atividades não-agrícolas como forma de diversificar sua economia. A promoção
do turismo e seu resultado é uma das oportunidades que mais se destacam entre as
diversas alternativas a decadência do campo. Segundo Santos e Pirete (2003) o
desenvolvimento deste ramo da economia nas últimas décadas leva-nos a pensar e a
investigar o processo de descoberta da possível saída ao marasmo econômico do
6
Conceito desenvolvido por (RUA, 2001) onde a urbanização transforma o espaço rural sem que este perca as suas
especificidades. Seria uma urbanização ideológica, cultural e bastante difusa, que marca inúmeras manifestações
além da urbanização física, formal.
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rural em diferentes espaços e a promover o turismo como fonte de reestruturação da
economia, sem perder a essência do rural.
Por Turismo Rural entendemos ser uma expressão cunhada por geógrafos,
turismólogos e outros pesquisadores que acabam aumentando sobremaneira o seu
significado ou valor. Encontramos uma vasta variedade de expressões e conotações
que tentam explicá-lo. Geralmente os apontamentos estão relacionados com o tipo de
exploração dos recursos dos espaços rurais e as suas utilizações.
Entretanto, para a Geografia, as bases que nos permitem utilizá-lo como fonte
de pesquisa possuem particularidades que emanam dos próprios estudos geográficos.
Encontramos uma grande riqueza de termos e expressões que também podem variar
de acordo com cada país, estado ou até mesmo lugares em escala bem reduzida.
Na busca de tentar enquadrar uma homogeneidade ao termo, alguns autores
sugerem expressões mais abrangentes e que responderiam a um todo mais comum.
Segundo Santos e Pirete (2003) a Embratur define o Turismo Rural como um conjunto
de atividades especificamente turísticas desenvolvidas no meio rural e comprometida
com a produção agropecuária, agregando valor a produtos e serviços com o resgate e
a promoção do patrimônio cultural e natural de uma comunidade. De fato o Turismo
Rural, dependendo do caso, pode ser tornar uma atividade atraente e modificar a
estrutura econômica de uma localidade.
O turismo no espaço rural é uma modalidade de turismo que pode ser
entendida como sendo toda maneira turística de visitar e conhecer o ambiente rural,
resgatando e valorizando a cultura regional. Os mesmo autores citados trabalham
com Cavaco (2001), que vê o turismo rural como o realizado em espaços naturais e,
sobretudo, em espaços humanizados, ativo ou apenas contemplativo, que assegura
um regresso ao passado pela cultura (MENDONÇA et all 2002).
As pessoas que buscam este tipo de turismo geralmente estão interessadas em
consumir bens e serviços que somente são encontrados nestas localidades, ou seja,
no meio rural. E ainda, procuram encontrar uma paisagem peculiar, em seu estado
original e uma cultura ainda não altamente modificada pela cultura da sociedade
urbana e industrial.
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O espaço rural brasileiro permaneceu tipicamente agrícola até a década de
1950, quando então, começou a sofrer intensas modificações advindas de um pacote
tecnológico e de uma política modernizadora que visava à intensificação da utilização
de recursos industriais no campo, com o intuito de se conseguir um aumento da
produção. Este setor passou a ser dependente do setor urbano e industrial. Na
década de 1970 esta realidade é intensificada. Desde modo, nas últimas décadas o
que vemos é uma aproximação do rural com a área urbana, de forma que já não
podemos mais falar que o meio rural é o local onde se desenvolve exclusivamente a
atividade agrícola e sim é um local onde se imbricam atividades diversas e que
mostram um rural bem diferenciado.
A geografia também tem como função estudar e investigar temas culturais
como a variedade de construções, as formas e as manifestações das diferentes
culturas e mesmo as paisagens carregadas de marcas culturais Czerny (2006).
Sem duvida a análise da paisagem cultural está entre os aportes investigativos
mais comuns dentro da Geografia. Este tema apareceu pela primeira vez na
Geografia alemã em finais do século XIX e início do século XX (CZERNY, 2006,
p.176). Os principais autores entendiam a paisagem como o parte do meio ambiente
natural que sofreu alteração pelo homem. Consideravam a natureza como elemento
passivo e o homem o componente ativo a modificá-la. Assim, a paisagem, como
realidade visual limitada, acabou sendo deixada de lado das pesquisas de cunho
geográfico. Segundo a mesma autora, antes mesmo da Segunda Guerra Mundial os
geógrafos começaram a interpretar a paisagem cultural como propriedade surgida de
um lugar.
Deste modo, no início dos estudos sobre a paisagem e sua relação com o
cultural até hoje, tem se buscado a melhor percepção da paisagem cultural por ser
possível tanto sua distinção dos objetos individuais como sua localização no espaço,
além de poder caracterizá-lo. A partir deste período estes estudos permaneceram na
Geografia, alterando-se em escala e em importância com outras análises.
Para a análise do espaço histórico e culturalmente carregado é necessário
tomar posse de vários fatores geográfico, sociais, econômicos etc. Czerny (2006)
aponta para uma inclinação que a Geografia vem tomando quanto se propõe entender
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e trabalhar com o viés cultural da paisagem. Ela liga a chamada Geografia Cultural
aos fatores econômicos e delineadores das políticas de desenvolvimento. Afirma ela
que já no início do século XXI as concepções socioeconômicas dos estudos sobre a
paisagem têm abarcado tendências culturais, ou seja, cada vez mais tem se estudado
a inserção de atividades relacionadas à cultura ao desenvolvimento dos lugares.
Sobre esta relação do patrimônio com a transformação e o desenvolvimento
econômico Czerny afirma que
As investigações sobre patrimônio podem ter diversos enfoques. Podemos
concebê-lo também como o fator que participa no processo de transformação e no
desenvolvimento socioeconômico da região. E não somente desta, mas, também do
meio natural. Pois, o uso e a transformação do meio natural formam parte da atividade
dos homens sendo relacionada com o sistema de valores, de idéias, de pensamentos
que também constituem o patrimônio (CZERNY, 2006, p.182)7.
O nosso estudo é pautado na amplitude das mutações ocorridas naquele local,
pois é certo que não percebemos tais modificações em mesma escala em outros
municípios. Desta forma, a reorganização territorial, a integração ao mundo capitalista,
o consumo do espaço e do lugar através das diversas formas de turismo, assim como
os novos fluxos serão partes fundamentais para nortear os impactos da modernização
e do turismo no município.
Nos últimos anos tem-se verificado o aumento expressivo do número de
turistas na cidade em função da (re)valorização e do resgate de valores e tradições
locais. Verificamos uma tentativa de recriação de elementos históricos quissamaenses
por parte da prefeitura: tradições locais como o jongo, a culinária, o fado, e
principalmente o patrimônio que passa pelo processo de (re)valorização. Carvalho
(2003) afirma que o patrimônio é hoje reconhecido como elemento estruturante da
7
Tradução própria retirada de: Las investigaciones sobre patrimonio puede tener muy diversos
enfoques. Lo podemos concebir también como el factor que participe en el proceso de la
transformación o de desarrollo socioeconómico de la región. Y no sólo de ello sino también del medio
natural. Pues, el uso y la transformación del medio natural forman parte de la actividade del hombre
siendo relacionados com el sistema de valores, de ideas, de pensamientos también constituyen el
patrimonio.
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memória, da identidade territorial e um dos recursos essenciais para a afirmação de
valores culturais locais.
Aqui cabe ressaltar que o patrimônio não é um vestígio tangível no processo
histórico como comentou Silva (2006) e sim uma construção social, já que não é
apenas a atribuição de valor à elementos históricos, com vista à obtenção de recursos
através do turismo, mas sim a de uma participação social que tem forte ligação com o
processo histórico.
Ficamos então com a definição de Carvalho (2003) que trata o patrimônio não
apenas como “tesouro”, tentando fugir da utilização generalizada e nos permitindo
entendê-lo com uma visão integral, na qual ele é todo testemunho de qualquer
natureza, que seja capaz de iluminar o passado, sem deixar o social de lado. Ou seja,
busca-se ligar o turismo cultural ao patrimônio, mas sem perder o viés social, dando
valor a todo processo de formação socioespacial que marca a historicidade de
Quissamã.
Sobre isso temos que “o envolvimento das populações com a paisagem baseiase tanto nos elementos materiais, quanto nos símbolos imateriais dessa mesma
paisagem” e ainda que “é assim que se deve apostar na valorização quer das culturas
materiais próprias de cada lugar, quer das suas culturas simbólicas” (CARVALHO,
2003, p.178) para a afirmação do valor histórico e cultural do município.
Destarte, reconhecemos não só as fazendas e os imóveis como patrimônio e
sim, toda a história do lugar, até mesmo a paisagem (fortemente marcada pela
atividade canavieira) e a sua estrutura atual. O patrimônio surge desta forma, como
uma forma de se recuperar um “pedaço” do passado e a tentativa através do turismo
de se ter uma ligação com a história, trazendo uma possível “permanência no tempo”.
É preciso comentar que o turismo em Quissamã é uma ocorrência muito
recente e ainda pouco estruturada e o patrimônio, deste modo, como em outros
lugares, serve como um elemento essencial dessa possível “indústria” turística a ser
criada em Quissamã. Também, não se pode considerar o patrimônio como sendo um
recurso turístico como um único fim, nem mesmo o turismo como sustentação da
economia local.
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A paisagem tem como marca os casarões, e as grandes fazendas, que
exerciam o papel de sede das propriedades agrícolas. Hoje essa paisagem é
aproveitada para o turismo, resgatando-se o simbolismo e a função histórica da
mesma, fazendo referência ao que a paisagem já representou. Essas representações
são tratadas por Rua como o exemplo da “austeridade dos nobres senhores de
engenho, a harmonia de suas famílias, a beleza dos casarões, a opulência comedida
e os tranqüilos trabalhadores rurais”. (RUA, 2000, p.33).
Percebemos várias articulações para o melhor desenvolvimento da atividade
turística. A prefeitura já elaborou um roteiro turístico pelas fazendas e a Secretaria de
Turismo junto à Fundação de Cultura articula uma série de projetos que melhor
qualifiquem esse roteiro. Entre estes últimos estão a reforma completa da Casa de
Quissamã, hoje o Museu Casa de Quissamã (figuras 3 e 4) e um plano de qualificação
dos profissionais que trabalham no setor turístico para um melhor desenvolvimento do
mesmo. Esta qualificação foi feita em cursos ministrados pelo Instituto de Preservação
e Desenvolvimento do Vale do Paraíba (PRESERVALE)8.
Figura 3: Museu Casa de Quissamã
Fonte: NEGEF, 2008.
8
O PRESERVALE é um instituto que surgiu da necessidade de preservação do patrimônio histórico, arquitetônico,
cultural e ambiental da região do Ciclo do Café, no Vale Paraíba Fluminense, onde existem fazendas históricas do
século XIX.
A (re) valorização do patrimônio (i) material de Quissamã e o desenvolvimento do turismo,
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Figura 4: Palmeiras localizadas na entrada do Museu Casa de Quissamã9.
Fonte: NEGEF, 2008.
Percebemos por parte da prefeitura uma clara intenção de buscar, através do
patrimônio material e imaterial, o turismo como perspectiva de desenvolvimento
econômico. No trabalho de campo realizado em abril de 2008, constatamos que a
atual administração municipal possui uma série de práticas que visam a consolidação
da atividade. Cabe, mencionar a conversa com a atual presidente da Fundação de
Cultura, que afirmou que a intenção da mesma é buscar alternativas aos royalties.
A Fundação de Cultura é uma “secretaria” criada em 2005 (à época de sua
criação era considerada uma coordenadoria) que tem como objetivo planejar e
executar ações ligadas ao patrimônio material e imaterial do município. Na sua criação
a prefeitura almejava unir a cultura ao lazer e colocou o turismo como via de
desenvolvimento municipal. Neste período foi iniciado o Plano Diretor da cidade (cabe
destacar que Quissamã não tinha obrigação de criá-lo) e uma série de projetos que
buscam o desenvolvimento municipal sem uma ligação com a atividade petrolífera.
9
Esta paisagem é típica do período canavieira e é uma marca da paisagem quissamaense.
243
4º ENGRUP, São Paulo, 208.
CORDEIRO, L. R.
A Cultura recebe aproximadamente 5% de toda a arrecadação municipal
(segundo a própria presidente da fundação), representando uma das maiores pasta
do município. Como prática, a fundação tem feito um trabalho de restauração de
fazendas (Figuras 5 e 6) e imóveis históricos; o restauro de imagens sacras; a
capacitação, através de cursos e treinamentos para as pessoas ligadas ao turismo; a
busca de recurso e a associação com institutos especializados em turismo histórico
etc.
Hoje o roteiro criado pela prefeitura conta com mais de dez imóveis,
particulares e também de propriedade da Prefeitura (como é o caso do Museu Casa
de Quissamã), e ainda existem 17 capelas que servem de atrativos turísticos. As
fazendas mais conhecidas são: a Fazenda Mantiqüera (também chamada de solar),
que hoje se encontra em total destruição; a Fazenda Mato de Pipa - a mais antiga
casa de senhor de engenho da Região Norte, é em estilo bandeirista e ainda mantém
o mobiliário original; a Fazenda São Manoel – conserva ainda louças e mobiliários
originais de 1886; a Fazenda Santa Francisca; a Fazenda Machadinha - tombada pelo
INEPAC é um conjunto de imóveis com: casa grande, capela e senzalas; a Fazenda
Floresta e a Fazenda São Miguel.
Figuras 5 e 6: Solar Mandiquera10.
Fonte: NEGEF, 2008.
10
Chegou a ter partes totalmente destruídas e agora passa por processo de restauração. Nesta fase,
está sendo construída uma estrutura metálica que cobrirá todo solar além da sustentação das paredes.
Em uma outra fase será realizado o restauro das paredes e dos detalhes do imóvel.
A (re) valorização do patrimônio (i) material de Quissamã e o desenvolvimento do turismo,
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244
Fonte: NEGEF, 2008.
Essas grandes fazendas ainda hoje são marcas da paisagem do lugar, onde se
verificam casarões com corredores de palmeiras caracterizando a aristocracia
canavieira daquela época.
Outros importantes imóveis são: a Igreja de Nossa Senhora do Desterro; o
Espaço Cultural José Carlos de Barcelos, onde encontramos um vasto acervo da
cultura e da memória de Quissamã; o canal Campos-Macaé, construído pelos
escravos e que servia de escoamento da produção açucareira das fazendas; e a
Prefeitura, Imóvel construído originalmente para ser sede da casa educacional dos
netos do Visconde de Araruama e que já foi uma escola pública, um convento e um
colégio de freiras (figura 7).
Figura 7: Prefeitura de Quissamã
Fonte: CORDEIRO, 2006.
Outro imóvel recém restaurado é o “sobradinho” (Figuras 8 e 9), desapropriado
pela prefeitura e refuncionalizado, passando a ser um centro cultural que oferece
cursos, biblioteca, salas de leitura, oficinas de arte e salas multimídia, além de uma
moderna sala de cinema que esta sendo construída anexa ao imóvel.
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4º ENGRUP, São Paulo, 208.
CORDEIRO, L. R.
Figura 8: Centro Cultural Sobradinho: no século XVII residência, depois deu
lugar a um cartório, a um correio e atualmente um centro cultural.
Fonte: NEGEF, 2008.
Figura 9: Construção de uma moderna sala de cinema com 110 lugares anexa
ao centro Cultural Sobradinho
Fonte: NEGEF, 2008.
A (re) valorização do patrimônio (i) material de Quissamã e o desenvolvimento do turismo,
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Objetivamos estudar a intensificação das atividades turísticas e a inserção
desta na dinâmica da economia local. Assim, a intensificação do turismo em uma
localidade encaixa-se num processo maior que seria a reprodução do capital através
da valorização do lugar e da criação de um valor simbólico dado a este lugar. Aqui
entendemos o turismo como uma forma de reprodução do capital. Vemos que todo
processo de turistificação de uma área nada mais é do que a atuação capitalista,
valorizando e desvalorizando áreas, sem esquecer das múltiplas escalas que
podemos analisar este fenômeno.
Queremos compreender como a cultura, o patrimônio e a história de Quissamã
servem como base para o desenvolvimento da atividade turística e de que forma
podemos incluir em toda essa dinâmica fatores como: a população, os hábitos
tradicionais locais, a “vocação” da região, a mudança na estrutura econômica e uma
série de novas características que a população e a estrutura da cidade absorve.
Uma das questões que nos levou a investigar o processo de intensificação do
turismo é perceber como a história e a cultura local influenciam esse processo11, como
podemos diferenciar se as transformações estão ligadas à atividade turística ou a
outro tipo de fenômeno.
A aceleração atual do mundo, e as forças econômicas são quase sempre as
fontes das transformações no cotidiano das pessoas, entretanto, como afirmou
Massey (2000) há muito mais coisas determinando nossa vivência no espaço do que
o próprio capital. Assim reafirmamos a relação do povo com o local como uma marca
da região, em que, bem antes da emancipação da cidade, já havia por parte das
pessoas uma ligação com o antigo distrito de Quissamã e não com Macaé.
Para nós as alterações que o município passa é percebida de forma mais
concreta através da refuncionalização das fazendas e da conseqüente (re)valorização
da histórica do local. Como comentou Carvalho (2003), preservar o patrimônio pode
constituir em um recurso importante e até fundamental para a atuação do território, e
para o desenvolvimento local.
11
Outras áreas no Estado do Rio de Janeiro passam por processos semelhantes, como é o caso das fazendas do vale
do ciclo do café na Região do Médio-Vale Paraíba, onde encontramos uma série de fazendas sendo
refuncionalizadas para que os turistas (em sua grande maioria de fora do Brasil) possam “reviver” os tempos do
período cafeeiro no Brasil.
247
4º ENGRUP, São Paulo, 208.
CORDEIRO, L. R.
A relação entre turismo e patrimônio em Quissamã é clara e tem-se objetivado
o seu aumento, entretanto, Silva (2006) comenta que essa precisa ser bem trabalhada
quando diz que:
O relacionamento entre o patrimônio e o turismo se instalou de forma
definitiva. Há, porém, que estabelecer regras de convivência entre
ambos
numa
perspectiva
de
rentabilidade
econômica
e
de
desenvolvimento social. O desafio que se coloca ao turismo e o de
utilizar os recursos patrimoniais numa perspectiva de desenvolvimento
durável, assente em critérios de qualidade, para que os seus
benefícios resultem numa efetiva melhoria da qualidade de vida dos
cidadãos. SILVA (2006).
Entendemos assim, o patrimônio histórico e cultural como o principal atrativo
para ao aumento do turismo em Quissamã. Aumento este que já se percebe com o
número de turista e com a crescente afirmação política na tentativa de fazer do
turismo um dos vieses para o crescimento econômico do município.
Podemos dizer que em se tratando de patrimônio, temos esse conceito
geralmente fechado a idéia de patrimônio histórico ou cultural, legado de épocas
passadas e suas imbricações. Entretanto, em estudos mais recentes esse conceito foi
ampliado e o seu limite aumentado. Hoje além da herança de uma história e de uma
cultura, o patrimônio é estendido ao aspecto natural da paisagem além da dimensão
imaterial da cultura, indo além das materializações imobiliárias.
Sendo assim, podemos encaixar o “patrimônio natural” ao nosso estudo e
entender as implicações deste na atividade turística. Nota-se uma outra característica
em destaque no território quissamaense, a valorização das riquezas naturais.
Encontramos além da atividade turística ligada à história da cana, um grande número
de pessoas que buscam os atrativos naturais que lá são encontrados.
Sobre isso (CARVALHO, 2003, p.181) coloca que “abrem-se novos campos de
memória”, e o significado de patrimônio rural estendeu-se para também serem
encaixados o conjunto de características físicas/naturais, além, é claro, dos ícones
A (re) valorização do patrimônio (i) material de Quissamã e o desenvolvimento do turismo,
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248
materiais construídos e a paisagem agrícola. O autor segue dizendo que “o patrimônio
rural vai além do mero patrimônio agrícola. É o resultado de uma união mais ou
menos harmoniosa entre o natural e o cultural, de uma longa interação homem-meio”.
O município possui em seus 44 km de costa uma paisagem peculiar, com
destaque para as praias (figura 10), para as 18 lagoas e para a Restinga de
Jurubatiba. A restinga encontra-se localizada em três municípios, porém a maior parte
está em Quissamã, ela foi criada por decreto federal em 1998 e abrange uma área
aproximada
de
14.860
hectares.
A
diversidade
de
espécies
possibilita
o
desenvolvimento de pesquisas científicas e de educação ambiental. As lagoas
também marcam o visual quissamaense. A Lagoa Feia, por exemplo, localizada a 10
km do Centro, é o segundo maior espelho de água doce do Brasil.
Figura 10: Praia de João Francisco
Fonte: CORDEIRO, 2006.
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4º ENGRUP, São Paulo, 208.
CORDEIRO, L. R.
Atualmente a prefeitura desenvolve vários eventos nos finais de semana. Nos
meses mais procurados do verão, as praias recebem uma programação esportiva e
uma série de shows, festas religiosas, e ainda exposições agropecuárias.
CONCLUSÃO
O fenômeno do turismo rural tem sido analisado por vários estudiosos das
ciências sociais e também da Geografia. Esta o relaciona às transformações
multidimensionais que ocorrem no espaço agrário ou com traços agrícolas, por
conseqüência das implicações que a atividade turística origina. Em Quissamã o
turismo surge como uma possível alternativa de desenvolvimento (em um futuro
próximo), fugindo das históricas atividades petrolífera e canavieira.
Assim, percebemos por parte dos agentes políticos locais uma nítida vontade
de, através do legado histórico da própria atividade rural (cana-de-açúcar),
(re)valorizar a memória material e também a imaterial do município de Quissamã. A
(re)valorização acontece com a reforma dos antigos casarões, das antigas fazendas,
além do resgate histórico de tradições como as danças e as comidas típicas.
Cabe ressaltar que a turistificação em voga é um fenômeno recente e ainda
incipiente na economia municipal e que as bases iniciais para tal desenvolvimento
remetem às ações iniciais da prefeitura (Fundação de Cultura e Secretaria de
Turismo) com o intuito de legitimar e dar importância à história dos habitantes e do
próprio espaço quissamaense.
Concluímos assim, colocando a importância de se estudar o desenvolvimento
do turismo em um município historicamente marcado pela atividade canavieira, bem
como do processo de (re)valorização do patrimônio deixado por esta atividade.
A (re) valorização do patrimônio (i) material de Quissamã e o desenvolvimento do turismo,
pp. 226-251
250
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