Baixar este arquivo PDF

Propaganda
RESUMO
O artigo aqui proposto pretende discutir o conceito de ecossistema comunicativo,
com aplicação sui generis na interface da Educomunicação e da televisão, sob a
visão de autores latino-americanos. Assim, este trabalho objetiva compreender as
tensões (aproximações) e distensões (distanciamentos) conceituais a partir do
contexto da diversidade cultural, política, econômica e social que circunda não
apenas o continente, mas também as reflexões advindas do “modo de ser latino”
destes pensadores. A metodologia utilizada, tratando-se de uma abordagem teórica,
são os referenciais bibliográficos já publicados sobre o tema. As considerações são
*
Jornalista (FACNOPAR). Especialista em Comunicação, Cultura e Arte (PUCPR). Mestrando em
Comunicação (PPGCOM/UFPR), PR, Brasil. Membro do Núcleo de Estudos em Ficção Seriada
(Nefics) da UFPR e bolsista Capes. E-mail: <[email protected]>
**
Jornalista (PUCRS). Mestre e Doutor em Literatura (UFSC). Professor permanente no Programa
de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) da UFPR. Professor na licenciatura em
Linguagem e Comunicação da UFPR Litoral. Coordenador do Nefics da UFPR, PR, Brasil. E-mail:
<[email protected]>
Data da submissão: 20/janeiro/2014.
Data da aprovação: 6/fevereiro/2014.
Conexão – Comunicação e Cultura, UCS, Caxias do Sul – v. 12, n. 24, jul./dez. 2013
Anderson Lopes da Silva*
Fábio de Carvalho Messa**
77
Tensões e distensões no campo
educomunicativo da televisão: o
conceito de ecossistema
comunicativo na visão latinoamericana
Tensions and distensions between
educommunication and television:
the concept of communicative
ecosystem in latinamerican vision
78
parciais e apontam para a discussão entre o potencial educativo da televisão e o
trabalho de ressignificação da ficção seriada como um dos pontos centrais do
desenvolvimento dos ecossistemas comunicativos.
Anderson Lopes da Silva e Fábio de Carvalho Messa • Tensões e distensões no campo educomunicativo...
Palavras-chave: Ecossistema comunicativo. Educomunicação. Ficção seriada. Estética
televisiva.
ABSTRACT
The proposed article here discusses the concept of communicative ecosystem, in
the educommunication and television interface, under the vision of Latin American
scholars. Thus, this work aims to understand the tensions (similarities) and distension
(differences) from the conceptual context of cultural, political, economic and social
surrounding the continent and the reflections arising from the “Latin way of life”
these thinkers. The methodology used in the case of a theoretical approach, are the
bibliographic references have been published on the subject. The considerations
are partial and point to the discussion between the educational potential of television
and reframing work of serial fiction as one of the central points of the development
of communicative ecosystems.
Keywords: Communicative ecosystem. Educommunication. Soap operas. Aesthetic
of television.
Introdução
F
alar em educação e em sua relação com os meios de comunicação
social não é algo que se possa classificar como recente. Entretanto,
as conclusões obtidas por várias das linhas de pesquisa –
principalmente as de caráter funcionalista ou as advindas da crítica Escola
de Frankfurt – sempre trazem uma relação tensa e, na maioria das vezes,
como instâncias “incomunicáveis” e “incondizentes” com um mesmo
objetivo final, ou seja, educar. É interessante observar que apenas a partir
dos Estudos Culturais e, na nossa realidade com a Escola Latino-Americana
de Comunicação (e, por conseguinte, com a Teoria das Mediações) é que
o olhar metodológico transferiu-se de um lugar onde termos como
manipulação, massa amorfa e espectador acrítico estavam presentes, para
outro lugar onde as possibilidades de apropriação, de ressignificação e
ressemantização, por parte do espectador, ganhavam importância nas
discussões entre mídia, cultura, sociedade e educação.
Especificamente neste artigo, o que se tem em mente é trazer a discussão
Até que ponto as visões destes pesquisadores confluem para uma mesma
definição ou problematização? Quando é possível perceber que
determinada linha de pensamento restringe ou amplia a ideia de “uso” deste
conceito em outras grades de leituras? São as visões desses autores díspares
ou comuns? Como se dá essa tensão (aproximação) e distensão (distanciamento)
entre um mesmo conceito visto sob diferentes primas reflexivos?
Esta é a busca deste artigo. Uma busca diminuta e, logicamente, insatisfatória
para responder de uma vez por todas as questões levantadas acima. Por
isso, este trabalho, visto como um recorte de uma realidade conceitual
contextualizada, analisa a partir da interface da educação e comunicação
a possibilidade de uma saída para tentar responder (ou pelo menos criar
mais) perguntas que são motivos de interesse para o campo da
Educomunicação.
O campo educomunicativo
O termo Educomunicação foi criado e citado pela primeira vez por um
latino-americano, o argentino, filósofo da educação, Mario Kaplún, na
década de 70. (BERNARDI, 2006, p. 3). Amigo e parceiro de Paulo Freire,
outro grande personagem da educação brasileira, Kaplún se interessou pelo
tema da Educomunicação como meio de inter-relacionar as duas áreas
vistas até então como campos de pouca interação ou quase nenhuma
atividade conjunta.
Conexão – Comunicação e Cultura, UCS, Caxias do Sul – v. 12, n. 24, jul./dez. 2013
Assim, é a partir do debate entre o que pensadores como Martín-Barbero,
Orozco Gómez, Omar Rincón, Ismar Soares, Adilson Citelli, Maria A.
Baccega, Angela Schaun, entre outros, entendem pelo conceito de
ecossistema comunicativo (ainda que algumas vezes a essência do conceito
seja falada sem nomeá-lo como tal), que este trabalho tem seu norte
direcionador.
79
acerca da televisão e sua presença na educação – uma televisão que é
“amada e odiada” na mesma intensidade por acadêmicos e estudiosos do
assunto, numa clara acepção do que se entende por “apocalípticos e
integrados” na visão de Umberto Eco. Mais do que isso: objetiva-se
problematizar aqui as formas de se apropriar, ressignificar e ressemantizar
o que é veiculado pela televisão brasileira e, com isso, torná-la peça-chave
também do processo educacional e não apenas cultural. Tentar visualizála como um bom caminho para a construção e o desenvolvimento/
manutenção de ecossistemas comunicativos abertos e potencialmente bemsucedidos.
80
Anderson Lopes da Silva e Fábio de Carvalho Messa • Tensões e distensões no campo educomunicativo...
Todavia, nos alerta Bernardi (2006, p. 3) que, antes de Kaplún, ainda na
década de 70, o estudioso espanhol Franscisco Gutiérrez já abordava o
tema, sob os pensamentos de Paulo Freire, afirmando que era preciso
preparar o aluno para a vida social “com sua afetividade, percepções,
sentidos, crítica, criatividade”. Desse modo, na visão de Kaplún (1998,
p. 11, tradução nossa), quando estas inter-relações são construídas se está
“sempre buscando, de uma maneira ou outra, um resultado formativo”. Isso
mostra a real possibilidade de ambos os conceitos se complementarem e
serem pesquisados sob uma ótica pluralista, ou seja, tanto da Educação
quanto da Comunicação.
Dessa maneira, o conceito de Educomunicação pode ser entendido como
uma área intrinsecamente ligada à Comunicação Social e à Educação. A
Educomunicação aborda desde temas como o uso das mídias em sala de
aula e no processo de ensino e aprendizagem, até as novas formas de
assimilação cognitiva do conhecimento por meio das TICs (Tecnologias
da Informação e Comunicação).
Porém, se engana quem imagina ser fácil definir ou delimitar forçosamente
a área de atuação desse campo de estudo. Kenski (2008, p. 3) diz que
“quanto mais ampliamos o sentido dos dois termos – educação e
comunicação – mais compreendemos a estreita relação entre os mesmos”.
E Baccega complementa ao dizer que o campo da comunicação e a
educação são áreas de grandes desafios contemporâneos. Entre esses
desafios ela destaca “sua complexidade obriga a inclusão de temas como
mediações, criticidade, informação e conhecimento, circulação das formas
simbólicas, ressignificação da escola e do professor, recepção, entre muitos
outros”. (BACCEGA, 2004, p. 384).
Aliás, a criticidade é um dos objetivos maiores que se pretende obter ao
fazer-se uso da Educomunicação. Soares (2002, p. 8), professor na USP e
pesquisador referência no assunto, afirma que a Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Cultura e a Ciência (Unesco) tem como uma
de suas preocupações o patrocínio de várias pesquisas, algumas
publicações e até mesmo eventos sobre o tema, “defendendo uma postura
construtivista que leve as crianças e os jovens a promoverem uma análise
crítica dos meios de comunicação a partir especialmente do seu manuseio”.
Assim, um dos focos que norteia todo o campo da educação/comunicação
é a criação de ecossistemas comunicativos; em outras palavras, ambientes
nos quais haja interação real entre produtores, receptores e partilhadores
do conhecimento e no que diz respeito ao universo das comunicações a
que tem acesso alunos e professores.
Reconhecendo assim a multiplicidade das áreas de atuação da
Educomunicação, pode-se afirmar que o jornal escolar, por exemplo, é uma
(e não a única) forma de se tentar criar e desenvolver um ecossistema
comunicativo dentro da escola e até mesmo no seu entorno. Muito antes
de Kaplún, de Gutierrez e até mesmo de Paulo Freire, outro educador e
pesquisador da educação já revolucionava a didática e a maneira de
entender a pedagogia em sua época. Francês e pastor de rebanhos, Célestin
Freinet (1896-1966), foi o grande nome de seu tempo, e ainda o é, no que
diz respeito à utilização da imprensa dentro da sala de aula. Todavia, o
espaço da televisão neste ambiente parece não ter conseguido o mesmo
êxito da imprensa escolar.
De igual modo, também se faz necessário compreender quais são as
especificidades estéticas e, por conseguinte, quais são os elementos que
compõem a cultura televisiva tal qual a conhecemos: uma televisão que é
já parte da cultura, dos hábitos e do imaginário coletivo de toda uma
sociedade.
Conexão – Comunicação e Cultura, UCS, Caxias do Sul – v. 12, n. 24, jul./dez. 2013
A criação e o desenvolvimento de novos ecossistemas comunicativos
envolvem, em primeira instância, a compreensão do contexto geral dos
processos comunicativos, ou seja, o entendimento dos agentes, dos
impactados e dos resultados que podem ser obtidos de acordo com o
conteúdo e a forma como a mensagem é apresentada. Nesse sentido, entrase no aspecto da linguagem e dos símbolos utilizados. Vê-se então como
é necessário que, em um ecossistema – um ambiente no qual existe a troca
e a interdependência –, exista a interação entre os interlocutores para a
construção do conhecimento. A interação, o diálogo, a comunicação
horizontalizada, a sensibilidade, a criação e o fortalecimento de vínculos,
o estímulo ao afeto e um processo de ensino e aprendizagem calcados na
liberdade dos homens são os termos que mais denotam a relação entre a
Educomunicação e os ecossistemas comunicativos.
81
A Educomunicação e sua ligação com os ecossistemas comunicativos
pressupõe indubitavelmente uma relação baseada nas seguintes
características: uma educação empreendedora, criativa, multicultural, de
saberes não normativos, que respeita e acolhe o diferente, plena em sua
essência e que dá espaço à educação e a aprendizados não escolarizados.
Os que atuam neste cenário educomunicativo podem ser chamados de
atores coletivos: são eles que detêm o poder de mudar os rumos e as cenas
de uma educação que ainda “não se comunica” com os seus, para
reescrever uma nova história fundamentada nos pilares supracitados.
82
Anderson Lopes da Silva e Fábio de Carvalho Messa • Tensões e distensões no campo educomunicativo...
Estética televisiva: especificidades
A televisão raramente é considerada relevante quando o tema da discussão
está voltado à estética. Talvez mais do que isso: a televisão não é vista como
“séria” o bastante para que tal discussão seja levada a cabo. Quem faz esta
afirmação é Fahle (2006, p. 190), logo no início de seu debate
epistemológico e metodológico acerca da construção de uma teoria da
imagem televisiva.
E aqui, é importante ressaltar, fala-se de uma “estética” no sentido que
Talon-Hugon (2009) lhe confere, isto é, uma estética analítica em
contraposição à estética frankfurtiana ou a estética fenomenológica: uma
estetização do “objeto” a partir do olhar do sujeito. E tal sujeito, no campo
estrito da recepção televisiva, de acordo com Orozco Gómez não é
“passivo”. Quer dizer: “Assumir o telespectador como sujeito – e não só
como objeto – frente à TV su-põe, em primeiro lugar, entendê-lo como um
ente em situação e, portanto, condi-cionado individual e coletivamente [...]”.
(2005, p. 28).
O mais interessante das afirmações de Fahle é que elas não estão imbuídas
de engodo ou de desmesuradas críticas. Ao contrário: são poucas as
discussões acadêmicas, de acordo com ele, que tratam do veículo TV de
modo a entendê-lo em suas especificidades visuais e imagéticas.
Uma vez que a televisão é um meio de comunicação de massas,
impregnado pelos mais diversos discursos de poder, são raros os
estudos sobre o potencial dos seus produtos no que diz respeito à
formação e alteração do conceito de imagem e visível. A partir dessa
perspectiva, omite-se um aspecto essencial da experiência estética,
quando não se esclarece em que medida a televisão é parte de uma
evolução estética que não começa com ela, mas que surgiu a partir
de modernos meios técnicos de imagem [...]. (FAHLE, 2006, p. 190).
Dessa forma, uma estética da televisão permite conceber seus produtos e
processos comunicacionais de um modo não mais voltado, por exemplo,
a comparar a imagem televisiva com a imagem cinematográfica nas
discussões acadêmicas, sendo esta última nitidamente “superior” à primeira,
quando o binômio qualidade-cultura está em pauta. (RINCÓN, 2007, p. 26).
Ou seja, perceber que a televisão e sua imagem possuem especificidades
equivale a empreender um pensamento voltado, por exemplo, à
compreensão de um modelo de TV que ora é clássico, ora é moderno, que
às vezes confunde-se numa mescla da paleo-televisão com a neotelevisão
Da mesma forma, observar os gêneros e formatos estilísticos das produções
televisivas permite que uma crítica mais cuidadosamente elaborada – seja
ela positiva ou negativa – possa ser efetuada de fato. Reconhecer que a
televisão possui uma narrativa própria, como comenta Jason Mittell, é
reconhecer que seus gêneros podem ser analisados de acordo com vieses
próprios, isto é, com uma definição, uma interpretação e uma avaliação
específica. O autor prossegue sua linha de raciocínio afirmando que as
práticas culturais de reconhecimento e reapropriação da especificidade dos
gêneros televisivos também seguem estes três vieses. (MITTELL, 2004, p. 16).
Entretanto, Mittell, apresentando a avaliação como um viés de destaque,
comenta a forma preconceituosa e criadora de estigmas que se perpetua
em análises de gêneros televisivos quando se fala sobre telenovelas e ficção
seriada. (2004, p. 51).
Por sua vez, o adjetivo melodramático também parece evocar significados
pejorativos e, de um modo generalista, reiteradamente é visto como
sinônimo de “mau gosto” e antônimo de “sobriedade”, isto é, a mais pura
tradução da “cultura do excesso”, tal qual a define Brooks (1995). O mesmo
parece se dar quando tal adjetivação está ligada às narrativas ficcionais da
televisão brasileira – vistas como produtos e processos culturais que
representam com distinção o termo. (MARTÍN-BARBERO; REY, 1999, p. 98).
Por conseguinte, o conceito de imaginação melodramática encaixa-se
perfeitamente na teledramaturgia, e sua especificidade enquanto gênero
próprio da TV permeado de referências de outras artes, é possuidora de
um modelo singular que não se restringe apenas às avaliações de “evoluções
ou revoluções no campo da tecnologia”, como afirma Motter (2009, p. 52).
Daí a advertência lúcida de que “telenovela [...] é gênero próprio, com
afinidades e diferenças significativas. [...] Jamais o produto televisivo poderá
ser julgado com conceitos herdados de artes ou ciências filhas de
tecnologias anteriores ao pós-modernismo”. (TÁVOLA, 1996, p. 48-49).
Conexão – Comunicação e Cultura, UCS, Caxias do Sul – v. 12, n. 24, jul./dez. 2013
Compreender as especificidades do campo televisivo torna possível
entender de que modo a televisão e a teledramaturgia, num contexto mais
específico, criam juntamente e partilham de valores morais, sociais, culturais
e educacionais com seus espectadores. Meyerholz, falando sobre o assunto,
chega a comentar que dificilmente se discute a presença da televisão no
cotidiano das pessoas. Entretanto: “[...] a televisão segue sendo o referencial
mais massivo de conteúdos sociais que nos permitem compartilhar uma
cultura e as reflexões em torno dela”. (MEYERHOLZ, 2007, p. 55, tradução
nossa).
83
e, em alguns casos, torna una a antiga separação entre imagem e
visibilidade, como afirma Fahle. (2006, p. 200).
84
Anderson Lopes da Silva e Fábio de Carvalho Messa • Tensões e distensões no campo educomunicativo...
A imaginação melodramática, dessa forma, consiste em pensar o
melodrama não como gênero, mas como uma imaginação transgenérica
que ultrapassa barreiras de formatos e escolas, mantendo ao menos duas
posições em comum: a ideia de moral oculta e de cultura do excesso. Brooks
explica que a moral oculta pode ser entendida com a reordenação do mundo
moderno (desinteressado pela religião e ciência, mas apegado ao
melodrama e às suas representações).
Já o “reino da moral oculta” não é nitidamente visível e precisa ser
descoberto, registrado e articulado no plano real, para operar na
“consciência individual” das pessoas. (BROOKS, 1995, p. 21). E sobre a
cultura do excesso na imaginação melodramática, Brooks afirma que nada
escapa a ela no melodrama, seja na dramatização de palavras e gestos, seja
na intensidade e na polarização dos sentimentos. (1995, p. 4). Por isso, eis
aí o espaço mais profícuo e específico para a presença da imaginação
melodramática: a telenovela.
Assim, utilizando-se de uma análise da telenovela que preza por suas
especificidades junto a uma compreensão deste produto pela teoria das
mediações – exposta a seguir –, torna-se possível compreender suas funções
sociais e educacionais na atualidade, de modo substancioso e sólido, por
meio da construção e do desenvolvimento de ecossistemas comunicativos.
O deslocamento metodológico proposto pela teoria das mediações
O título da obra escrita originalmente em 1987, pelo espanhol, mas
radicado colombiano, Jesús Martín-Barbero, traz consigo a essência do que
seria classificado posteriormente como Teoria das Mediações. O livro em
questão é Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia.
Em suma, o leitor menos íntimo da obra poderia pensar que se trata apenas
de mais um livro falando sobre meios de comunicação, manipulação
discursiva ou então sobre como os meios hegemônicos são poderosos a
ponto de nós, meros espectadores, não termos armas ou forças para resistir
ao que nos é imposto: simplesmente assimilamos como uma massa amorfa.
É justamente o oposto desse pensamento.
Martín-Barbero escreve sua obra no auge dos pensamentos voltados ao
funcionalismo e à Escola de Frankfurt (e, consequentemente, quando
expressões tais como: indústria cultural, cultura de massa e dominação,
estavam em alta). Entretanto, na Inglaterra, a Escola de Birminghan e os
Estudos Culturais já traziam a grande novidade da época que era justamente
Mesmo tendo uma matriz de pensamento que vigorava nos estudos da
Escola Latino-Americana de Comunicação, Martín-Barbero consegue sair
do lugar comum – isto é, pensar a comunicação para além dos moldes do
que era feito pela matriz marxista e cristã – para chegar ao conceito de
mediação, um conceito que marca não apenas a obra do pesquisador, mas
que se transforma em um marco nas pesquisas comunicacionais.
É importante uma ressalva: a questão econômica e seus vínculos de
dominação são citados em seu trabalho; entretanto, elas não adquirem tanta
expressividade e demasiada importância quanto nas pesquisas
comunicacionais dos cunhos já citados. (KUNSCH, 2002, p. 14).
A ideia da Teoria das Mediações dificilmente pode ser definida por uma
frase lacônica ou simplista. Justamente por que trata de questões complexas,
como as inter-relações entre comunicação, cultura e hegemonia. Todavia,
o que é explícito nesta teoria é o deslocamento metodológico de análise,
compreensão e estudo das comunicações pautando-se não nos meios em
si, mas sim nas mediações causadas por estes e nas mediações culturais,
sociais e políticas que fazem parte do convívio e da socialização humana.
Em prefácio escrito por Canclini, o pesquisador mexicano atesta que a
Teoria das Mediações não separa ou se mostra rudimentar ao estudar, por
exemplo, as relações entre cultura de massa, cultura popular e cultura
erudita. Canclini (apud MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 23) diz: “Com uma visão
menos ingênua de como se alteram as sociedades e do que fazem com seu
passado quando irrompem tecnologias inovadoras, o autor indaga como
se foi desenvolvendo a massificação antes que surgissem os meios
eletrônicos”.
1
Os trabalhos em torno da espectatorialidade ganharam força nos Estudos Culturalistas Britânicos,
em especial pelo cinema, a partir da leitura que as audiências realizam das produções. Saindo
de uma visão funcionalista e crítica da indústria cultural (marcada pelos efeitos), as décadas de
1970 e 1980 abriram espaço aos estudos de espectatorialidade conferindo ao receptor um papel
ativo e dando importância ao contexto e a situação desse “consumir/assistir” a determinado
produto midiático. Pesquisadores como David Morley e Janice Radway (no cinema) e Ien Ang
(televisão) são alguns dos nomes que se destacam na área.
Conexão – Comunicação e Cultura, UCS, Caxias do Sul – v. 12, n. 24, jul./dez. 2013
Martín-Barbero tem o seu diferencial em relação aos estudos culturais,
especificamente por trazer uma nova visão de conceitos sobre
nacionalismo, populismo, resistência, anarquismo, ressiginificação,
apropriação e ressemantização no contexto de uma América Latina plural,
multidiversa e rica em expressões e manifestações sociais, entre outras
tantas ideias muito à frente do que se pensava até então.
85
pensar de modo diferente acerca dos espectadores/consumidores de
comunicação. Para eles, a recepção, a experiência da espectatorialidade1
era tão ou mais importante e forte do que imaginar pessoas que apenas
recebiam conteúdo sem distinção, crítica ou filtro.
86
Anderson Lopes da Silva e Fábio de Carvalho Messa • Tensões e distensões no campo educomunicativo...
Canclini exemplifica que isso ocorria por meio da escola e da Igreja, também
da literatura de cordel e do melodrama e, obviamente, da organização
massiva da produção industrial e do espaço urbano. Assim, afastado de
uma visão tecnicista, Martín-Barbero consegue trabalhar a noção das
mediações pelo seguinte esquema (Fig. 1):
Figura 1 – O esquema das mediações
DOS MEIOS ÀS MEDICAÇÕES
LÓGICAS DE
PRODUÇÃO
institucionalidade
MATRIZES
CULTURAIS
tecnicidade
COMUNICAÇÃO
CULTURA
POLÍTICA
socialidade
FORMATOS
INDUSTRIAIS
ritualidade
COMPETÊNCIAS
DE RECEPÇÃO
(CONSUMO)
Fonte: MARTÍN-BARBERO (2009, p. 16).
Este mapa conceitual move-se sobre dois eixos, os quais o autor denomina
diacrônico e sincrônico. As interdependências entre as questões relativas
ao eixo diacrônico (definido por sua longa duração) nos termos que
envolvem as Matrizes Culturais e os Formatos Industriais fazem com que
as relações entre o eixo sincrônico, isto é, aquele que se ocupa das Lógicas
de Produção e das Competências de Recepção e Consumo, sejam
completamente mediadas pelos relevantes aspectos oriundos da
institucionalidade, da tecnicidade, da socialidade e da ritualidade presentes
e atuantes na vida social, religiosa, cultural, política e econômica.
É interessante destacar que dentre as mediações feitas entre as Matrizes
Culturais de uma sociedade e suas referências, passando pelo tripé
“comunicação, cultura e política” e, chegando até aos Formatos Industriais,
o gênero melodrama é destacado por Martín-Barbero como sendo um
exemplar estudo de caso.
Por quê? Porque nele ocorrem os processos de apropriação, ressignificação
e hibridização entre cultura massiva, cultura popular e cultura erudita. O
pesquisador colombiano afirma que “[...] o gênero melodrama será primeiro
A “reviravolta” metodológica proposta por Martín-Barbero é a que se
pretende pautar neste artigo, observando as mediações culturais pelas quais
a telenovela passa e, por conseguinte, tenta-se aqui traçar um paralelo entre
estas contribuições barbereanas e as contribuições da Educomunicação.
Todas com um único fim: melhorar a forma de comunicar e participar do
processo de ensino e aprendizagem, trazendo à baila a discussão dos meios
de comunicação, das mediações, da política, da cultura e da educação não
de forma fragmentada, mas inter-relacionada, mediada.
Abaixo, como considerações ainda embrionárias, seguem-se as possíveis
ações educativas que podem ser trabalhadas, apropriando-se (e
ressignificando-se) daquilo que as telenovelas trazem diariamente às casas
e escolas.
Ecossistema comunicativo: aproximações
e distanciamentos conceituais
Uma das maiores contribuições da relação educomunicacional para o
campo educacional está centrada na ideia de criação e desenvolvimento
de ecossistemas comunicativos. São eles que possibilitam um novo uso
dos meios comunicativos e até mesmo uma nova forma de se conceber a
ideia de comunicação dentro do espaço escolar.
O entendimento do que vem a ser um ecossistema comunicativo está
relacionado a um espaço que se preocupa em cuidar da saúde e do bom
fluxo das relações entre as pessoas e os grupos humanos no ambiente
educacional. E este cuidar também se refere ao acesso de todos ao uso das
tecnologias da informação e à produção de mídia (e não apenas à crítica
ou ao consumo desta). Empoderar e dar vazão à expressão/comunicação
Conexão – Comunicação e Cultura, UCS, Caxias do Sul – v. 12, n. 24, jul./dez. 2013
É por essa linha de raciocínio que o autor, logo no início de seus escritos,
sugeriu que, para entender a mediação como interferência e alteração da
maneira como os receptores recebem os conteúdos midiáticos, é preciso
repensar a cotidianidade familiar, a temporalidade social e a competência
cultural dos sujeitos como constituintes importantes do processo
comunicativo. (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 233).
87
teatro e tomará depois o formato de folhetim ou novela em capítulos [...],
daí passará ao cinema norte-americano, e na América Latina ao radioteatro
e à telenovela”. (2009, p. 16-17). E, no decorrer desta migração, a memória
popular tem papel fundamental, já que é a partir dela que as relações de
identificação e projeção com a história representada na trama irão “se
entrecruzar, hibridizar, com o imaginário burguês (das relações sentimentais
do casal)”. (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 16-17).
88
Anderson Lopes da Silva e Fábio de Carvalho Messa • Tensões e distensões no campo educomunicativo...
de alunos, professores, comunidade, família e demais atores sociais ligados
à educação é o maior entendimento que se pode traduzir por ecossistema
comunicativo: é justamente essa potencialização que propõe a
Educomunicação nos espaços educativos e suas ramificações culturais,
sociais e políticas.
Assim, usando-se a televisão e seus produtos, a Educomunicação e a visão
de Martín-Barbero (o grande nome da Teoria das Mediações), a hipótese
levantada neste artigo é a de que existe a possibilidade de que algo entendido
apenas como mera obra da indústria cultural, como a telenovela, por
exemplo, pode, sim, ter sua reapropriação educativa e social nos processos
educomunicativos de uma escola.
Desse modo, ao trazer para a sala de aula, por exemplo, as noções de
merchandising social, hipótese do agendamento midiático, oralidade
secundária, alfabetização midiática e culturas textualizadas (M ARTÍNBARBERO, 2009, p. 300), além da ideia de projeção e identificação promovida
pela telenovela, entre tantas outras formas críticas e construtivas de
trabalho, intenta-se questionar um paradigma tão constante no ambiente
educacional e acadêmico: o de que a teledramaturgia nada tem a ensinar
nos contextos educativos, sociais, culturais, políticos e históricos requeridos
pela educação formal. E, por conseguinte, intenta-se criar ecossistemas
comunicativos a partir disso.
Assim, como contraponto a esta ideia cristalizada acerca da ficção seriada
na educação, basta lembrar o que fala Martín-Barbero (2009, p. 293) sobre
a importância da cultura audiovisual na vida latino-americana: “Se a
televisão na América Latina ainda tem a família como unidade básica de
audiência é porque ela representa para a maioria das pessoas a situação
primordial de reconhecimento.”
E é seguindo esta tese que o próprio Martín-Barbero define o conceito de
ecossistema comunicativo, como
[…] a inserção da educação nos complexos processos de comunicação
da sociedade atual, ou dito de outro modo, o ecossistema
comunicativo que constitui o entorno educacional difuso e
descentralizado no qual estamos imersos. Um entorno difuso de
informações, linguagens e saberes, e descentralizado pela relação com
dois centros – escola e livro – que ainda organizam o sistema educativo
vigente. (2002, p. 332, tradução nossa).
Prosseguindo sua reflexão, o pesquisador explica esta relação de difusão e
descentralização a partir da educação monástica, por exemplo, na qual o
Prosseguindo sua linha de raciocínio, ele chega a comentar que o espaço
escolar não necessita de demasiadas preocupações com efeitos ideológicos
e morais dos meios, mas, sim, deve voltar sua atenção para os ecossistemas
comunicativos e a sua formação, a partir de um conjunto de linguagens,
escritas, representações e narrativas que alteram, direta ou indiretamente,
a percepção dos atores sociais envolvidos no processo educacional.
(M ARTÍN -B ARBERO , 2003). Tal consideração acerca da fragmentação e
descontinuidade do mundo e, a partir desta leitura, de uma educação que
não se sustenta mais isolada e suprema, em especial no caso dos jovens,
também é compartilhada por Canclini (2009, p. 216-217).
Por sua vez, o pesquisador brasileiro Soares afirma, logo que inicia sua
discussão conceitual acerca do assunto, que Martín-Barbero apresenta não
apenas para uma ideia de leitura da mídia ou de apreensão de novas
tecnologias educacionais, mas vai além e chega a apontar a necessidade
de uma “nova ambiência cultural”, que dê conta das transformações sociais,
culturais e políticas pelas quais a comunicação e a sociedade são
atravessadas.
Todavia, Soares destoa desta conceituação no que tange à sua “localização”
e “aplicação”, já que o campo da Educomunicação pressupõe, segundo o
autor, “um conjunto de ações inerentes ao planejamento, implementação
e avaliação de processos, programas e produtos destinados a criar e
fortalecer ecossistemas comunicativos”. Em outras palavras, ele salienta que
“de nossa parte, atribuímos um novo sentido ao conceito, estabelecendoo como algo a ser construído, no horizonte do devir: um sistema complexo,
Conexão – Comunicação e Cultura, UCS, Caxias do Sul – v. 12, n. 24, jul./dez. 2013
as transformações nos modos como circula o saber constituem uma
das mais profundas mutações que uma sociedade pode sofrer. É disperso
e fragmentado como o saber que escapa dos lugares sagrados que antes
os prendiam e legitimavam, e das figuras sociais que os detinham e
administravam. E é essa diversificação e difusão do saber que constitui
um dos maiores desafios que o mundo da comunicação lança ao
sistema educativo. (MARTÍN-BARBERO, 2002, p. 332, tradução nossa).
89
saber e o conhecimento reservado a poucos – a saber: aqueles que
detinham a habilidade e a competência da leitura/escrita – era sinônimo
de poder, de conservação e, não raras vezes, de dominação. Entretanto, o
que realmente preocupa é o contexto atual a partir de escolas que mantêm
centralizadas na cultura livresca e na figura de um onipotente professor, e
somente neles, a fonte de todo o conhecimento considerado culto e
moralizante. Daí que
90
Anderson Lopes da Silva e Fábio de Carvalho Messa • Tensões e distensões no campo educomunicativo...
dinâmico e aberto, conformado como um espaço de convivência e de ação
comunicativa”. (SOARES, 2011, p. 44).
Continuando sua conceituação e distinção frente ao pensamento
barbereano, o pesquisador da ECA-USP justifica tal acepção ao termo por
considerá-lo uma figura de linguagem, que, metaforicamente, nomeia um
“ideal de relações, construído coletivamente em dado espaço, em
decorrência de uma decisão estratégica de favorecer o diálogo social,
levando em conta, inclusive, as potencialidades dos meios de comunicação
e de suas tecnologias”. (SOARES, 2011, p. 44).
Entretanto, a diferença que talvez mais se destaque nesta confrontação
conceitual seja a do estabelecimento das relações entre ecossistema
comunicativo e o conteúdo curricular escolar, além, obviamente, da
comunicação em âmbito formal da educação. E tal relação se daria pelo
menos a partir de seis áreas de intervenção, isto é, atividades nas quais os
partícipes do processo de ensino e aprendizagem obteriam reflexão e
compreensão de sua presença e importância nas práticas educomunicativas.
(SOARES, 2011, p. 47).
Assim, é relacionando a comunicação dos meios com o ecossistema
comunicativo na/da escola que esta nova ressignificação do modelo
comunicativo e das interações será possível de ocorrer nestes espaços.
Soares se aprofunda na questão e exemplifica, de maneira sistematizada,
as seis áreas de intervenção: (1) educação para comunicação; (2) mediação
tecnológica nos espaços educativos; (3) gestão da comunicação nos espaços
educativos; (4) expressão comunicativa através das artes; (5) pedagogia da
comunicação; e, por fim, (6) reflexão epistemológica sobre a referida práxis.
Tais “intervenções” pressupõem refletir acerca de um novo olhar e também
de novas práticas educativas.
Outros pesquisadores, como Adilson Citelli e Maria Aparecida Baccega,
mesmo tendo importante participação no desenvolvimento do campo
educomunicativo no Brasil, a partir da matriz de pensamento e prática dos
escritos brasileiros (e, por conseguinte, de Ismar Soares e da USP), parecem
ter sua conceituação voltada ao que Martín-Barbero define como
ecossistema comunicativo. Tanto Citelli (2004, p. 239), quanto Baccega
(2003, p. 65, 80, 102-103) utilizam-se de citações do autor, em especial
acerca daquilo que ele entende como um novo sensorium a partir da
comunicação e suas transformações. Ou seja, sua crítica à escola que ainda
circunda o saber ao livro e à palavra escrita, deixando o mundo da imagem
– sedutor e cheio de emotividade – do lado de fora das salas de aula, a
imagem como “anátema”. A atitude defensiva da escola e de seu sistema,
diz Martín-Barbero (2002, p. 33), é a causa do desconhecimento ou até
Já Schaun, mesmo fazendo menção de citar a Teoria das Mediações em
Martín-Barbero, quando se pronuncia acerca do conceito, apodera-se das
explicações de Soares e as replica – comentando-as segundo a mesma
ordem das seis áreas de intervenção. (SCHAUN, 2002, p. 92-93). Seguindo a
mesma acepção metafórica de Soares, a pesquisadora faz uso do
ecossistema comunicativo como algo “que designa a organização do
ambiente, a disponibilização dos recursos, o modus faciendi dos indivíduos
e grupos envolvidos e o conjunto das ações que caracterizam determinado
tipo de ação comunicacional”, afirma Schaun. (2002, p. 93).
Por fim, o pensamento de Orozco Gómez é também baseado na afirmação
de Martín-Barbero sobre o termo, mas o que mais chama a atenção é que
a acepção de Gómez está explicitamente ligada ao papel da televisão na
educação. (OROZCO GÓMEZ, 2001, p. 71). Um ecossistema comunicativo,
que nas suas palavras, tem íntimas vinculações sobre o que pensa a escola
acerca do veículo, já que seus conteúdos são divertidos, entretém seus
telespectadores e, por essa razão, são considerados “suspeitos” e não podem
ser “legitimados” como educativos, a não ser que sejam “complementares”
ou “ilustrativos” ao discurso uníssono do professor. Em suma, uma visão
ainda distorcida e obstinadamente anacrônica.
Pensamento parecido é o de Fuenzalida (2007, p. 91, tradução nossa) que,
comentando sobre a expectativa educativa a partir da audiência televisiva,
vê uma TV que “se desacopla dos temas próprios da Escola [...] e das formas
escolares sistemático-curricularizadas”, para dar espaço à experiência, às
narrativas e à cotidianidade, como forma primordial de relacionamento com
seu receptor.
Conexão – Comunicação e Cultura, UCS, Caxias do Sul – v. 12, n. 24, jul./dez. 2013
Por outro lado, Citelli, noutra obra, ainda faz uso da concepção barbereana,
mas se aproxima da visão de um ecossistema comunicativo com funções
predefinidas, com “localizações e aplicações” tal qual Soares. Ele afirma
que o conceito, no que diz respeito à sociedade e à educação formal, está
imbricado por redes e fluxos de comunicação que abrigam: experiências
culturais (em um sentido amplo e particular, com destaque aos bens
culturais, simbólicos e representacionais produzidos pela mídia); um
conjunto de possibilidades técnicas e tecnológicas vistas como mediadoras
do processo educativo; e, finalmente, um ambiente escolar descentralizado,
no qual o conhecimento é produzido e as informações são compartilhadas
de modo não localizado. (CITELLI, 2006, p. 172).
91
mesmo do “fingir desconhecer” que uma cultura e novos modos de ver,
ler, pensar e aprender o mundo são trazidos pelo ecossistema comunicativo.
92
Anderson Lopes da Silva e Fábio de Carvalho Messa • Tensões e distensões no campo educomunicativo...
Considerações finais
Pensar as ações comunicativas é pensar a interface comunicação e educação
com a preocupação de que os atores sociais que participam do processo
possam criar ecossistemas comunicativos, ou seja, que eles possam criar
ambientes nos quais haja interação real entre produtores, receptores e
(com)partilhadores do conhecimento, e no que diz respeito ao universo
das comunicações a que têm acesso. São estes ecossistemas comunicativos
e suas ações comunicativas que, presenciais ou virtuais, têm o objetivo de
melhorar o coeficiente educativo.
Sobre o assunto foi possível observar que há diferenças, ainda que
pequenas, acerca do entendimento do conceito de ecossistema
comunicativo. Sob a leitura dos autores citados aqui, pode-se dizer que a
preocupação no desenvolvimento desses espaços educacionais está, na
maioria das vezes, ligada à escola, aos espaços formais, que devem se
mostrar interessados em compreender e participar do entorno cultural do
aluno e de seus pares de diálogo, ou seja, das suas relações entre colegas,
família, mídia, Igreja, cultura, para daí planejar as ações que possibilitem
a participação, a construção e o compartilhamento de uma rede de
produção de sentidos. É preciso pensar as ações comunicativas de modo
simbiótico, isto é, como indissociavelmente ligadas à prática pedagógica.
É necessário ressaltar, ainda, a importância que os estudos envolvendo a
interface comunicativa e educacional têm na representação de uma
educação mais libertadora e formadora de pessoas capacitadas a ver e agir
de modo transformador na sociedade. Quando se proporciona
ecossistemas comunicativos aos educandos está se oferecendo condições
para que eles possam se expressar autonomamente, sabendo conviver com
a diferença dos grupos culturais, isto é, os educandos começam a
pronunciar e visualizar um mundo que possui sentido, a partir de suas
participações e transformações enquanto cidadãos portadores de direitos
e deveres.
Além disso, por parte dos educadores, é necessário pensar tais ecossistemas
com vistas às estratégias pedagógicas que permitam lidar com a
heterogeneidade e a diferença. Trata-se, portanto, de desafiar a pretensa
estabilidade e o caráter histórico do conhecimento produzido no mundo
ocidental, segundo a ótica do dominante e confrontar diferentes
perspectivas, em pontos de vista, diferentes obras literárias, diferentes
interpretações dos eventos históricos, de modo a favorecer o entendimento
de como o conhecimento tem sido escrito de uma dada forma e como pode
ser reescrito de outra.
Referências
BACCEGA, Maria A. Televisão e escola: uma mediação possível? São Paulo:
Senac, 2003.
______. Comunicação/educação: um campo de acção. Biblioteca On-line
de Ciências da Comunicação. Universidade da Beira Interior. Covilhã,
Portugal, 2004. Disponível em: <http://www.bocc.uff.br/pag/baccegamaria-comunicacao-educacao-campo-accao.pdf>. Acesso em: 22 ago.
2013.
BERNARDI, Marcela Galvão. Educomunicação: uma proposta para a
educação
ambiental,
2006.
Disponível
em:
<http://
serv01.informacao.andi.org.br/-79c2f01_115d80a527a_-7fe3.pdf>.
Acesso em: 23 ago. 2013.
BORELLI, Sandra. Telenovelas: padrão de produção e matrizes populares.
In: BRITTOS, Valério C.; BOLAÑO, César R. S. (Org.). Rede Globo: 40 anos
de poder e hegemonia. São Paulo: Paulus, 2005. p. 187-203.
Conexão – Comunicação e Cultura, UCS, Caxias do Sul – v. 12, n. 24, jul./dez. 2013
Nessa mesma direção, pode-se acentuar a necessidade de explicitar,
também, como um dado conhecimento relaciona-se com os eventos e as
experiências dos estudantes e do mundo concreto. Localiza-se aí a
importância da televisão e da imagem nos processos educacionais. Buscar
alternativas para uma educação que não fomenta, mas exclui, muitas vezes,
um sensorium potencialmente cheio de possibilidades de troca e apreensão
de conhecimento. Enfim, é preciso possibilitar que os atores sociais possam
não apenas construir, mas também prezar pela manutenção e o
desenvolvimento destes ecossistemas comunicativos, com objetivos ligados
às demandas próprias e de real significado em sua vida educacional.
93
Propõe-se, em última análise, não a substituição de um conhecimento por
outro, mas sim a condição de propiciar aos estudantes a compreensão das
conexões entre as culturas, das relações de poder envolvidas na
hierarquização das diferentes manifestações culturais, assim como das
diversas leituras que se fazem quando distintos olhares são privilegiados.
Uma cultura que não se limite apenas à cultura livresca, mas que possa
caminhar também pela imagem, pela oralidade, enfim, por uma cultura
também midiática, a partir, no contexto trabalhado, da ficção seriada.
94
BROOKS, P. The melodramatic imagination: Balzac, Henry James;
Melodrama, and the Mode of Excess. New Haven and London: Yale
University Press, 1995.
Anderson Lopes da Silva e Fábio de Carvalho Messa • Tensões e distensões no campo educomunicativo...
CITELLI, Adilson. Comunicação e educação: a linguagem em movimento.
São Paulo: Senac, 2004.
______. Palavras, meios de comunicação e educação. São Paulo: Cortez,
2006.
FAHLE, Oliver. Estética da televisão: passo rumo a uma teoria da imagem
da televisão. In:
GUIMARÃES, César; LEAL, Bruno S.; MENDONÇA, Carlos C.
Comunicação e experiência estética. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2006.
p. 190-208.
FRANÇA, Vera. Impessoalidade da experiência e agenciamento dos
sujeitos. In: LEAL, Bruno S.; MENDONÇA, Carlos C.; GUIMARÃES, César
(Org.). Entre o sensível e o comunicacional. Belo Horizonte: Autêntica,
2010. p. 39-54.
FUENZALIDA, Valerio. Audiencias televisivas y consumo cultural. In:
PIRARD, Eduardo C.; RAMPAPHORN, Nancy. Televisión y cultura, una
relación posible. Santiago: Lom Ediciones/Consejo Nacional de la Cultura
y las Artes, 2007. p. 89-94.
GARCÍA CANCLINI, Néstor. Leitores, espectadores e internautas. Trad.
de Ana Goldberger. São Paulo: Iluminuras, 2009.
KAPLÚN, Mario. Una pedagogía de la comunicación. Madrid, Espanha:
Ediciones de la Torre, 1998.
KENSKI, Vani Moreira. Educação e comunicação: interconexões e
convergências. Educ. Soc., Campinas, v. 29, n. 104 – Especial, p. 647-665,
out. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v29n104/
a0229104.pdf>. Acesso em: 22 ago. 2013.
KUNSCH, Waldemar Luiz. Introdução: as matrizes marxistas e cristãs das
idéias comunicacionais na América Latina. In: MELO, José Marques de;
GOBBI, Maria Cristina; KUNSCH, Waldemar Luiz (Org.). Matrizes
comunicacionais latino-americanas: marxismo e cristianismo. São Paulo:
Ed. Umesp/Unesco, 2002. p. 13-25.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura
e hegemonia. Trad. Ronald Polito; Sérgio Alcides. 6. ed. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, 2009.
MARTÍN-BARBERO, J.; REY, G. Ejercícios del ver: hegemonía audiovisual
y ficción televisiva. Barcelona: Gedisa, 1999.
MEYERHOLZ, María D.S. Televisión y valores. In: PIRARD, Eduardo C.;
RAMPAPHORN, Nancy. Televisión y cultura, una relación posible.
Santiago: Lom Ediciones/Consejo Nacional de la Cultura y las Artes, 2007.
p. 51-62.
MITTELL, Jason. Genre and television. New York: Routledge, 2004.
MOTTER, Maria de Lourdes. Teledramaturgia: agente estratégico na
construção da TV aberta brasileira. São Paulo: Intercom, 2009.
OROZCO GÓMEZ, Guillermo. Televisión, audiencia y educación. Bogotá,
Colômbia: Norma, 2001.
______. O telespectador frente à televisão: uma exploração do processo
de recepção televisiva. Communicare, Faculdade Cásper Líbero, São Paulo,
v. 5, n. 1, p. 27-42, jan./jul. 2005.
QUÉRÉ, Louis. O caráter impessoal da experiência. Trad. de Fernando
Scheibe. In: LEAL, Bruno S.; MENDONÇA, Carlos C.; GUIMARÃES, César
(Org.). Entre o sensível e o comunicacional. Belo Horizonte: Autêntica,
2010. p. 19-38.
RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. Trad. de
Monica C. Netto. São Paulo: Ed. 34, 2005.
RINCÓN, Omar. Televisión e identidades: hacia una construcción (+)
diversa de la realidad. In: PIRARD, Eduardo C.; RAMPAPHORN, Nancy.
Televisión y cultura, una relación posible. Santiago: Lom Ediciones/Consejo
Nacional de la Cultura y las Artes, 2007. p. 25-43.
SCHAUN, Angela. Educomunicação: reflexões e princípios. Rio de Janeiro:
Mauad, 2002.
SOARES, Ismar de O. Gestão comunicativa e educação: caminhos da
educomunicação. Comunicação & Sociedade, São Paulo, n. 23, p.16-25,
jan./abr. 2002.
______. Educomunicação: o conceito, o profissional, a aplicação –
contribuições para a reforma do Ensino Médio. São Paulo: Paulinas, 2011.
Conexão – Comunicação e Cultura, UCS, Caxias do Sul – v. 12, n. 24, jul./dez. 2013
______. La educación desde la comunicación. Bogotá, Colômbia: Norma,
2003.
95
______. Oficio de cartógrafo: travesías latinoamericanas de la comunicación
en la cultura. Santiago, Chile: Fondo de Cultura Económica, 2002.
96
TALON-HUGON, C. A estética: história e teorias. Lisboa, Portugal:
Texto&Grafia, 2009.
Anderson Lopes da Silva e Fábio de Carvalho Messa • Tensões e distensões no campo educomunicativo...
TÁVOLA, A. A telenovela brasileira: história, análise e conteúdo. São Paulo:
Globo, 1996.
Download