O CHORO NAS BANDAS DE DIAMANTINA: PROPOSTA DE

Propaganda
O CHORO NAS BANDAS DE DIAMANTINA: PROPOSTA DE EDIÇÃO PRÁTICA PARA BANDA DE
MÚSICA, DUO E MELODIA CIFRADA MEDIANTE PARTITURAS MANUSCRITAS DO FINAL DO
SÉCULO XIX E DO INICIO DO XX
por
ALAECIO GERALDO MARTINS DE SOUZA
Artigo submetido ao Programa de
Mestrado Profissional em Ensino das
Práticas Musicais da UNIRIO, como
requisito parcial para obtenção do grau
de Mestre.
RIO DE JANEIRO, 2016.
2
O choro nas bandas de Diamantina: proposta de edição prática para banda de
música, duo e melodia cifrada mediante partituras manuscritas do final do século
XIX e do início do XX
Aluno: Alaécio Geraldo Martins de Souza
Orientadora: Dr.ª Ermelinda A. Paz
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO /
Programa de Mestrado Profissional em Ensino das Práticas Musicais
Resumo
Apresenta-se o processo de pesquisa realizado nas bandas e nas bibliotecas de
Diamantina, em busca de partituras manuscritas escritas a partir do século XIX que
possam fazer parte do universo do choro. Mediante análise de diversas peças nos
arquivos da cidade, chega-se à proposta de edição prática para banda de música, duo e
melodia cifrada de 10 manuscritos de músicas recolhidas no acervo da Banda do 3º
Batalhão de Polícia Militar de Minas Gerais, situada em Diamantina: 2 quadrilhas, 2
polcas, 4 tangos brasileiros, 1 schottisch e 1 valsa brasileira. Adota-se o seguinte
procedimento metodológico: confecção de edições fac-símiles dos manuscritos,
investigação dos aspectos técnicos e idiomáticos e elaboração da edição prática.
Palavras-chave: Música brasileira. Partituras manuscritas. Choro. Banda de música.
Edição prática.
Abstract
Research was done using bands and libraries in Diamantina in order to obtain scores
that were handwritten after the start of the 19th century within the genre of choro. Upon
thorough analysis of various compositions found in the city’s archives, practical
editions of the compositions were made, as well as duos and written melodies of 10
manuscripts of songs gathered by the Minas Gerais Military Police 3rd Battalion Band
situated in Diamantina: 2 quadrilhas, 2 polkas, 4 Brazilian tangos, 1 schottisch and 1
Brazilian waltz. The following methodological procedure was followed: photocopies of
the manuscripts were made, investigations of the technical and idiomatic aspects and the
creation of a practical edition.
Keywords: Brazilian music. Handwritten scores. Choro. Musical band. Practical
edition.
Introdução
3
Edificada na porção central da Serra do Espinhaço, distante 280 quilômetros da
capital mineira e a 1.280 metros acima do nível do mar, Diamantina preserva belezas
naturais, arquitetônicas e culturais que a levaram ao reconhecido título de Patrimônio
Cultural da Humanidade. Berço natal do “presidente Bossa Nova” Juscelino Kubitschek
de Oliveira, a cidade é fruto da colonização portuguesa e mantém, até os dias de hoje,
tradições deixadas pelos seus fundadores, como serenatas, saraus, tapetes arraiolos,
entre outras. O período de maior presença portuguesa ocorreu no século XVIII, no ainda
denominado Arraial do Tejuco, com a descoberta de diamantes e o extrativismo de ouro
e pedras preciosas. Emancipou-se do município do Serro, tornando-se cidade no ano de
1831. Nessa época do Brasil colonial, viveu no Arraial a famosa Chica da Silva.
Nesse período, houve forte efervescência religiosa; segundo Fernandes e
Conceição (2007, p. 33), “a música era um ofício, uma profissão que podia ser
desenvolvida com segurança (...) e os regentes reuniam condições e tempo favoráveis
para se dedicarem à composição de obras requisitadas pelas irmandades, confrarias e
autoridades civis”. Esse ambiente profissional levou o músico José Joaquim Emerico
Lobo de Mesquita a radicar-se no Arraial, prestando serviços a diversas entidades. Sua
obra foi pesquisada e divulgada pelo musicólogo Francisco Curt Lange em meados de
1950. Estudos no campo da música colonial e sacra já apresentam um bom número de
publicações que podem ser achadas em diversas pesquisas bibliográficas.
Neste artigo, procuramos explorar e apresentar outro lado da vida musical
diamantinense e ainda pouco examinado: manuscritos de repertório destinado às bandas
de música que se encontram em arquivos de bibliotecas e bandas da cidade, abrangendo
um período que vai do final do século XIX a meados do século XX. Especialmente na
música profana, identificamos peças que possam pertencer ao universo do choro
(CAMPOS, 2006)1.
O século XIX, especialmente na sua segunda metade, é marcado, entre outros
aspectos, pela criação musical brasileira nascida do encontro dos gêneros importados,
como a polca e a valsa, com ritmos praticados no Brasil, notadamente os africanos e os
indígenas. Essa criação brasileira toma vulto com as bandas de música, que executavam
um repertório próprio, vasto e rico. O movimento de transformação dos gêneros
europeus gera, no fim do século, o que veio a ser conhecido como choro (CAZES,
1
Segundo Carrilho (2003), os gêneros que compõem o universo do choro e seus respectivos compassos
são: a habanera, o lundu, a polca, o tango brasileiro, o maxixe, o choro (todos em 2/4), a valsa e a
mazurca (ambas em 3/4), o schottisch (em 4/4) e a quadrilha, composta de cinco movimentos: I e III em
6/8 e II, IV e V em 2/4.
4
1998). A produção musical nesses moldes, levada a cabo pelas bandas de música, foi
responsável pela disseminação dos gêneros europeus transformados. Os músicos que
atuavam em bandas possuíam habilidades de leitura e de escrita nas notações formais,
deixando registrada boa parte daquela produção.
Muitas dessas partituras produzidas encontram-se ameaçadas de esquecimento, e
podemos afirmar que muitas delas estão irremediavelmente perdidas. O estudo do
repertório dos acervos das bandas e das bibliotecas de Diamantina tem como objetivo
torná-lo mais acessível e disponível, já que as bandas não tocam mais esse tipo de
repertório, optando por executar adaptações de clássicos da MPB e do cancioneiro
internacional. Muito desse fato deve-se à precariedade e ao péssimo estado de
conservação das partituras, dificultando sua leitura e interpretação.
Há uma importância histórico-musical na investigação desse repertório para
maior conhecimento da música e do choro produzidos em Minas Gerais. Com base nos
manuscritos selecionados, propomos nova edição prática para a formação atual da
Banda do 3º Batalhão de Policia de Minas Gerais, situada em Diamantina e de onde
foram copiados os manuscritos, além de arranjos para duos – melodia e contraponto – e
partes de melodias cifradas, facilitando o acesso desde pequenas formações até grande
grupo instrumental. O trabalho sugerido de resgate e edição prática desse material, além
do estudo mais aprofundado de suas origens e possíveis ligações com o choro, poderá se
juntar ao material já existente sobre a música brasileira, aumentando o acervo de
informações disponíveis sobre o tema e facilitando futuras pesquisas.
Mostraremos as diferentes etapas da pesquisa: da seleção das partituras à edição
prática, passando por nova proposta de instrumentação. Em seguida, explanaremos
sobre os diferentes arquivos da cidade, as bibliotecas e as bandas, o que há em cada um
deles e o porquê de termos selecionado somente músicas do acervo da Banda do 3º
Batalhão de Policia Militar de Minas Gerais (3º BPMMG). Na sequência,
apresentaremos o processo de análise que nos levou às 10 músicas selecionadas para a
edição prática para banda e suas variações, com adaptação para duo e melodia cifrada.
Assim, proporemos nova formação instrumental, baseada na atual disposição da Banda
do 3º BPMMG.
1. As bandas e as bibliotecas de Diamantina
5
O processo de seleção de músicas ocorreu mediante visitas aos arquivos de
bandas e bibliotecas de Diamantina, tais como: Biblioteca da Cúria de Diamantina,
Biblioteca Antônio Torres, Banda Mirim Prefeito Antônio de Carvalho Cruz, Banda
Euterpe Diamantinense e Banda do 3º Batalhão da Polícia Militar de Minas Gerais.
Cada um desses arquivos apresenta características bem distintas em níveis de
organização, conservação, variedades de partituras de diversos gêneros, manuscritos e
edições publicadas. A Biblioteca da Cúria de Diamantina, além de abrigar toda a
documentação de cunho eclesiástico, mantém dois acervos de grande porte que
pertenceram a diferentes instituições do século XIX. O primeiro acervo foi do
Seminário de Diamantina, instituição fundada em 1867 e que, possivelmente, tinha uma
banda. Não há comprovação deste fato, mas deduz-se pelo grande número de músicas
encontradas para essa formação, com exceções de alguns estudos de canto coral, missas
a 4 vozes e cantochão, que fazia parte das disciplinas ministradas no seminário, em
1917, sob a orientação do padre Pedro Onclin2.
Quanto às músicas para banda, são diversos os gêneros encontrados, como
dobrados, valsas, fantasias, boleros, tangos, marchas americanas, overtures, missas,
mazurcas, sambas, entre outros. Nota-se que a grande maioria é de partituras com
edições – ou seja, já publicadas – e manuscritos de arranjos de músicas do cancioneiro
popular brasileiro e estrangeiro. Para se ter ideia da quantidade de partituras desse
acervo, são 19 caixas, com média de 30 músicas em cada uma.
O outro acervo estava abrigado no Asilo Pão de Santo Antônio3 e foi transferido
para a Cúria de Diamantina pelo projeto Portal Polo Jequitinhonha – Acervo de
partituras históricas de Diamantina: pesquisa, recuperação e integração musical. No
site do projeto4, encontra-se a descrição da pesquisa:
Documentos musicais dos séculos XVIII e XIX, abrigados no Asilo Pão de
Santo Antônio, em Diamantina. Os manuscritos foram registrados, limpos,
tratados e adequadamente acondicionados ao longo do desenvolvimento
desse projeto. Também foram realizados a catalogação, o inventário e a
transferência para a Biblioteca da Cúria de Diamantina. Foram ainda
promovidos eventos artísticos e culturais com músicos da região e da Escola
de Música da UFMG.
2
www.arquidiamantina.org.br.
Asilo centenário de Diamantina.
4
www2.ufmg.br/polojequitinhonha.
3
6
Há uma diversidade de obras e compositores encontrados nesses manuscritos,
como Lobo de Mesquita, padre José Maurício5, compositores diamantinenses, peças
sacras, profanas e muitas partes sem autoria e anônimas. Em especial, encontra-se
grande número de músicas que pertenceram à Banda Corinho, grupo do século XIX que
atuou intensamente da segunda metade daquele século até setembro de 1916, ano de
dissolução da banda, quando todo o seu acervo foi doado para a Pia União do Pão de
Santo Antônio, como afirmam Fernandes e Conceição (2007, p. 90). São polcas,
dobrados, quadrilhas, tangos, adaptações de clássicos, aberturas de óperas e músicas
sacras. Apesar de ser um acervo digno de pesquisa mais detalhada, o acesso é restrito, e
é cobrada alta taxa por fotocópias de cada manuscrito6, o que impossibilita sua análise.
A Biblioteca Antônio Torres mantém um centro de estudos com livros de
literatura nacional e estrangeira, além de partituras advindas de doação. Há cadernos de
partituras, a maior parte de músicas e estudos para pianos de editoras internacionais, e
manuscritos quase todos avulsos, incompletos com rasgos e outros tipos de corrupção.
Não foi encontrado nada relevante para esta pesquisa que se tratasse de um repertório
escrito para banda de música.
A Banda Mirim Prefeito Antônio de Carvalho Cruz, mantida pela prefeitura da
cidade e por doações, é um projeto social fundado em 1986, com o intuito de formar
jovens entre 10 e 18 anos para o fazer musical e para promover a socialização de jovens
carentes. Há aulas de teoria musical, aprendizado de algum instrumento de sopro ou
percussão e prática de banda. Todos os alunos, ao tornarem-se instrumentistas, passam a
receber uma bolsa de estudos. O acervo, com bom número de peças em seu arquivo,
mas sem partituras históricas, tem toda sorte de músicas de diferentes estilos e foi
obtido na década de 80 do século passado, no ano de fundação do grupo.
A Banda Euterpe Diamantinense tem importante função social na cidade: a de
agregar músicos reformados da Banda do 3º BPMMG, egressos da Banda Mirim, que,
ao completarem 18 anos, precisam deixar a banda-escola, além de músicos de cidades
próximas que se mudam para Diamantina por motivos diversos e encontram, no grupo,
o suporte para continuar tocando. A Banda Euterpe não funciona como escola ou centro
de formação, não há iniciantes e aulas de instrumentos, somente músicos já iniciados
que, com certa prática de algum instrumento, participam dos ensaios. Isto se deve ao
fato de haver pouco recurso para a contratação de professores especializados e para a
5
6
É preciso um estudo aprofundado para saber se esses manuscritos são autógrafos ou cópias autorizadas.
R$ 10,00 (dez reais) por folha.
7
compra de materiais didáticos. Apesar de ser uma banda fundada em 1920, não há, em
seu acervo, músicas relevantes ou de compositores diamantinenses desse período.
Durante sua trajetória, em razão de várias mudanças de sede, muito se perdeu do
repertório. Outro fator para a perda desse material, segundo os músicos mais antigos,
ocorre pela prática de troca de repertórios em encontros de bandas e afins e pela doação
das peças sem o resguardo de uma cópia.
O acervo secular pertencente à Banda do 3º Batalhão de Polícia de Minas Gerais
(3º BPMMG) foi o alvo principal da presente pesquisa. Trata-se da banda militar mais
antiga do estado, fundada no ano de 1891. Parte de seu repertório foi herdada da Banda
Corão, grupo bastante atuante na cidade durante a segunda metade do século XIX. A
banda tem, atualmente, o corpo de 26 músicos, sendo o regente, na hierarquia, o
superior, o tenente, e os demais músicos subtenentes, sargentos, cabos e soldados. Além
do vasto material encontrado, facilitou a pesquisa o acesso irrestrito ao arquivo,
proporcionado pelo então maestro, tenente Everton. Por esse motivo, concentramos
nosso estudo nos manuscritos da Banda do 3º BPMMG. O acervo encontra-se em
armários e está organizado por ordem alfabética, em quatro pastas temáticas, a saber: 1ª
– Músicas populares (nacional e internacional); 2ª – Dobrados; 3ª – Hinos (patrióticos
e litúrgicos); 4ª – Clássicos e eruditos (tangos e valsas). Na pasta Músicas populares,
encontram-se peças do vasto cancioneiro da música popular brasileira e internacional,
adaptadas e/ou arranjadas. A pasta Hinos contém diversos hinos de cidades do Brasil e
de países do mundo, além de hinos litúrgicos. Na pasta Dobrados, estão todas as
músicas do gênero, como dobrados militares, sinfônicos e marchas americanas. Na pasta
Clássicos e eruditos (tangos e valsas), há músicas do repertório sinfônico orquestral
adaptadas para banda, como overtures, sinfonias, fantasias, trechos de óperas e músicas
do gênero choro, que são alvo desta pesquisa.
Do repertório pesquisado, foram selecionadas músicas que se encontram sob a
forma de manuscritos. Algumas não foram escolhidas devido ao estado avançado de
decomposição do material, o que implicaria num trabalho mais cuidadoso de
restauração. As músicas foram escaneadas, gerando edição fac-símile, “aquela que
reproduz fielmente uma fonte, por meios fotográficos ou digitais” (FIGUEIREDO,
2014, p. 59), e seus originais encontram-se no arquivo da Banda do 3º BPMMG. De
todo o repertório, foram selecionadas 25 músicas, sendo 10 tangos, 8 polcas, 3 valsas, 3
quadrilhas e 1 schottisch.
8
As visitas aos diferentes arquivos serviram como um “garimpo” à procura de
fontes complementares das partes selecionadas para as edições e possíveis cópias de
partes extraviadas do acervo do 3º BPMMG. Constatou-se que cada arquivo contém a
sua própria serie de músicas, sem repetição entre eles. Isso reforça a importância de
tratamento e reconhecimento dos documentos sonoros e da pesquisa musicológica.
2. Da seleção das 10 músicas escolhidas para edição prática e suas variações –
Adaptação para duo e melodia cifrada
A partir da seleção das 25 músicas, o passo seguinte foi a escolha de músicas
escritas por compositores que, possivelmente, pertenceram ao quadro de músicos
militares mineiros. A metodologia consistiu em verificar parte por parte das
informações extramusicais contidas nos manuscritos. Surgiram, assim, informações
complementares que facilitaram a seleção. As polcas Ainda podia ser pior e Diazolina
contêm o carimbo do 22º Batalhão de Infantaria do Rio de Janeiro. O tango Caranguejo
está datado de “Nitheroy, Estado do Rio 19-01-1912”, e Caboclo preto, “Rio, 1914”. A
situação é parecida com a polca Dalila: “Bicalho 15-01-1908”. O tango brasileiro Picu
contém o carimbo “24º Batalhão de Infantaria”.
A localização da origem do material foi o primeiro critério para a triagem.
Também como critério de escolha, interessavam-nos somente os manuscritos do final
do século XIX e da primeira metade do século XX. As músicas sem definição de autor e
somente com a indicação do arranjador também foram excluídas, como a valsa Amor
trahido, com arranjo de Martinho Chaves, e a valsa Juracy, com arranjo de J. Daniel.
Mantivemos, como exceção, a música anônima Os Guerras, por já fazer parte do
repertório usual executado frequentemente pela Banda do 3º BPMMG, embora a
partitura esteja com instrumentação defasada em relação à atual formação.
Outro passo foi a verificação, no acervo digital disponível no site da Casa do
Choro7, do nome das músicas, vista que a grande maioria dos manuscritos não contém o
nome do compositor, o que parece ser uma constatação nacional, como afirma
Figueiredo (2014, p. 24): “Os acervos brasileiros estão cheios de obras sem atribuição
de autoria”. O fado-tango A saudade, de Eduardo Souto, aparecia nos manuscritos
somente como Saudade e sem autor. Foi possível constatar também que o tango
7
www.casadochoro.com.br.
9
Dengoso pertence a Ernesto Nazareth, não só no site da Casa do Choro como também
na coletânea Pixinguinha: outras pautas, lançada pelo Instituto Moreira Salles. De forma
curiosa, aparece também, nesta coletânea, a autoria de um cakewalk. Nos manuscritos
do 3º BPMMG, há uma polca sem indicação de autor e localização, apenas com o título
de Giorgio. Ao verificar as grades editadas em Pixinguinha: outras pautas, foi possível
constatar que a polca é, na verdade, um cakewalk chamado At a Georgia camp meeting,
e seu autor é Frederick Allen “Kerry” Mills. Outra fonte pesquisada foi a coleção
Princípios do choro, composta por 5 cadernos de partituras com obras de compositores
nascidos entre 1830 e 18808. Acreditamos que, após essa triagem, mediante pesquisas
em diferentes fontes, chegamos ao possível repertório de músicas compostas nas bandas
de Minas Gerais. Todas as músicas selecionadas contêm o carimbo da Banda do 3º
BPMMG com seus respectivos números de arquivo. Sendo assim, restaram-nos as
seguintes músicas:

Polcas: O teu sorriso me prende, composição de Jorge Brandão; Cecy, de Pedro
Mourão.

Quadrilhas: As prisioneiras, composição de Olivier Baptista; Supplicas a
Euterpe, de João Batista de Macedo.

Schottisch: Juracy, de Antonino F. da Silva.

Tangos brasileiros: Barriga verde, de Antonino F. da Silva; João Antônio, de
Olivier Baptista; Sabes como é!, de José Anacleto Torres; Os Guerras, anônimo.

Valsa: Lurdes Furst, de J. Cardoso.
Outras informações e curiosidades estão grafadas nas partes dos instrumentos
das músicas pré-selecionadas, revelando instrumentistas, locais onde se apresentavam,
datas, entre outras. É possível perceber que as músicas eram tocadas em bailes
carnavalescos, como apontam anotações de José Maria de Castro na parte de 1º
trombone do tango Barriga verde: “Em 19 de fevereiro de 1928, no baile da Câmara”.
Na quadrilha As prisioneiras, há a observação no subtítulo “Carnaval” datado na parte
de requinta: fevereiro de 1909. Na parte de 3ª clarineta de Os Guerras, há duas
observações: “Julho de 1981, 14º Festival de Inverno” e “Retreta em 05-09-81, Semana
da Pátria”. No tango Sabes como é!, há curiosa observação feita na parte de bateria:
“N.B: o caixa tem licença para maxixar a sua vontade, sim?”.
8
Carrilho e Paes (2003).
10
Reforçando a velha discussão sobre o uso dos termos maxixe e tango: alguns
críticos insinuam que Nazareth “disfarçava sob esta denominação mais polida a
verdadeira natureza do maxixe plebeu e equívoco que o animava” e denominava seus
maxixes de tangos “pela vontade de aristocratizar-se (...) como que para repudiar suas
origens
negras”
(CORREIA
DE
AZEVEDO;
NOGUEIRA
FRANÇA
apud
SANDRONI, 2001, p. 79). Mas esta é longa discussão sobre a qual não pretendemos
nos estender. Também surge o copista no tango Barriga verde, cujas partes foram
escritas por João Vicente Faria; em Os Guerras, por B. Santos e, como grafado na
partitura do sax-soprano: “Cópia do Jovem Aprendiz: João Ávila Braga, 22 de outubro
de 1932”; e em Sabes como é!, por certo Ângelo. São várias as possibilidades de estudo
deste material, mas daremos ênfase à questão sonora e musical.
Todas as partituras estavam em formato de partes cavadas, ou seja, as partes
individuais. Segundo Aragão (2014), trata-se de uma tradição de mestres de banda do
século XIX não escrever as grades orquestrais dos arranjos, mas sim as partes de cada
instrumento diretamente.
As fontes selecionadas revelaram também que não havia uma formação
instrumental padrão e que várias partes foram extraviadas. Felizmente, as melodias
principais de todas as músicas estão salvas. O estado atual da formação instrumental dos
10 manuscritos selecionados para a nova edição prática para banda, adaptação para duo
e melodia cifrada está exemplificado abaixo:

Quadrilhas:
As prisioneiras, de Olivier Baptista: requinta – altos (sax-horns) 1, 2 – pistons 1, 2 –
trombones 1, 2 – baixos Si b e Eb – bateria.
Supplicas a Euterpe, de João Baptista de Macedo: requinta – altos (sax-horns) 1, 2 –
pistons 1, 2 – trombones 1, 2 – baixo Si b e Eb – bateria.

Polcas:
Cecy, de Pedro Mourão: flautim em Ré – requinta – clarineta Si b – sax-horns 1, 2 –
pistons 1, 2 – trombones 1, 2 – bombardinos Si b e C – oficleide – bateria.
O teu sorriso me prende, de Jorge Brandão: requinta – clarineta – altos (sax-horns)
1, 2, 3 – piston Si b 1, 2 – trombones 1, 2, 3 – bombardino C – barítono C – baixo Eb e
Si b.

Tangos:
11
Barriga verde, de Antonino F. da Silva: clarinetas 1, 2 – saxofone alto – altos (saxhorns) 1, 2, 3 – pistons 1, 2 – trombones 1, 2 – bombardinos Si b e C – barítono Si b –
baixos Si b e C – bateria.
João Antônio, de Olivier Baptista: flautins Ré b e Eb – requinta – altos (sax-horns)
1, 2 – piston – trombones 1, 2 – baixos Si b e Eb – bateria.
Os Guerras, anônimo: requinta – clarinetas 1, 3 – sax soprano – sax-horns 1, 3 –
trombone 3 – bombardino C – baixo Eb – bombo.
Sabes como é!, de José Anacleto Torres: requinta – clarineta 1, 2 – sax soprano –
sax alto (solo) – sax tenor – sax barítono – altos (sax-horns) 1, 2, 3 – trompas 1, 2 –
pistons 1, 2 – bugle 1 – trombones 1, 2, 3 – bombardinos 1, 2 – barítono – baixos Si b e
Eb – bateria.

Schottisch:
Juracy, de Antonino F. da Silva: requinta – clarineta 1, 2 – altos (sax-horns) 1, 2 –
pistons 1, 2 – trombones 1, 2 – bombardino – barítono Si b – baixo Si b – bombo.

Valsa:
Lurdes Furst, de J. Cardoso: requinta – clarineta 1 – altos (sax-horns) 1, 2, 3 –
piston 1 – trombones 1, 2 – bombardinos Si b e C – baixos Si b e Eb – bombo.
3. Adaptação à nova formação instrumental
Várias são as possibilidades de formação instrumental que podemos utilizar a
partir desses manuscritos selecionados, mas, a fim de darmos destinação prática a essas
músicas, optamos por adaptá-las à formação atual da Banda do 3º Batalhão de Policia
Militar de Minas Gerais, de Diamantina, retornando, assim, à origem de toda a pesquisa.
A Banda do 3º BPMMG tem, em seu quadro atual, 25 músicos e o maestro, distribuídos
na seguinte instrumentação: flauta, flautim – clarinetas 1, 2, 3 – sax alto 1, 2 – sax tenor
1, 2 – trompetes 1, 2, 3 – bombardinos 1, 2 – trombones 1, 2 – tuba Si b e Eb –
percussão.
A principal diferença entre a Banda do 3º BPMMG e as demais é a ausência de
sax-horns ou trompas, instrumentos centrais nos manuscritos que têm por função
característica a base rítmico-harmônica. Uma observação sobre os manuscritos é a
12
utilização de dobras instrumentais, ou seja, o procedimento de colocar dois ou mais
instrumentos tocando o mesmo desenho9. Esse tipo de escrita era muito usado a fim de
dar maior projeção sonora às bandas, que quase sempre tocavam em ambientes abertos.
Procuramos diminuir essas dobras, no intuito de dar mais leveza às músicas. Inserimos
na adaptação cifras, vista que é mais usual a utilização de instrumentos harmônicos em
bandas.
Outras duas possibilidades surgiram dos manuscritos: duetos (melodia e
contracanto) e melodia cifrada. Assim, há maior abrangência e alternativas para tocar
essas músicas com pequena ou grande formação instrumental.
4. Considerações finais
Os diferentes acervos de Diamantina demonstram que houve intensa produção
musical sacra ou profana desde o século XVIII e que esses documentos necessitam de
tratamento urgente para a preservação das memórias musical e social da cidade. É
preciso pensar possibilidades para a preservação desses patrimônios musicais e para o
acesso a eles. Além da música escrita nesses documentos, há uma série de
possibilidades de estudo desse material que poderá revelar informações extramusicais.
O primeiro objetivo deste artigo é investigar se havia uma produção musical,
com possível linguagem do choro, escrita para bandas na cidade, e onde estava essa
produção. A pesquisa revela que, como em muitos estados brasileiros onde há bandas
centenárias, houve grande produção musical nesses moldes, e seus arquivos estão cheios
de manuscritos carecendo de tratamento. Os desdobramentos da pesquisa levaram-nos à
curiosidade de saber como soavam essas músicas, e daí surge a edição prática desse
repertório para a formação de banda e a adaptação para dueto – melodia e contraponto –
e melodia cifrada.
Essa medida faz que o acesso a esses textos sonoros seja facilitado e possibilite
diversas formações instrumentais. Por fim, espera-se ter contribuído com esse trabalho
para a melhor compreensão da prática musical ligada às bandas de música de
Diamantina no final do século XIX e no início do XX, além de colaborar para o
conhecimento de parte do repertório produzido durante esse período.
9
Segundo Paulo Aragão (LEME, 2010).
13
Referências
ARAGÃO, Pedro; LEME, Bia Paes; ARAGÃO, Paulo. O Carnaval de Pixinguinha.
São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Instituto Moreira Salles: Edições
SESC São Paulo, 2014.
CAMPOS, Lúcia Pompeu de Freitas. Tudo isso junto de uma vez só: o choro, o forró e
as bandas de pífanos na música de Hermeto Pascoal. Dissertação (mestrado) –
Universidade Federal de Minas Gerais, 2006.
CARRILHO, Maurício; PAES, Anna (org.). Princípios do choro. Rio de Janeiro:
EdUERJ, 2003. Vol. 1, 2, 3, 4, 5.
CAZES, Henrique. Choro: do quintal ao Municipal. São Paulo: Ed. 34, 1998.
FERNANDES, Antônio Carlos; CONCEIÇÃO, Wander J. La Mezza Notte: o lugar
social do músico diamantinense e as origens da vesperata. Diamantina: UFVJM, 2007.
FIGUEIREDO, Carlos Alberto. Música sacra e religiosa brasileira dos séculos XVIII e
XIX: teorias e práticas editoriais. Rio de Janeiro: Editora do autor, 2014.
LEME, Bia Paes. Pixinguinha na pauta: 36 arranjos para o programa “O Pessoal da
Velha Guarda”. São Paulo: Instituto Moreira Salles: Imprensa Oficial, 2010.
_______
et al. (org.) Pixinguinha: outras pautas. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de
São Paulo: Instituto Moreira Salles: Edições SESC São Paulo, 2014.
SANDRONI, Carlos. Feitiço decente: transformações do samba no Rio de Janeiro,
1917-1933. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
Download