Pede-se permuta REVISTA ATITUDE – Construindo Oportunidades Periódico da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre - Ano IV - Nº 7 - Janeiro a Junho de 2010 Porto Alegre - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. ISSN 1809-5720 A REVISTA ATITUDE - Construindo Oportunidades tem por finalidade a produção e a divulgação do conhecimento nas áreas das ciências aplicadas produzido particularmente pelo seu corpo docente e colaboradores de outras instituições, com vistas a abrir espaço para o intercâmbio de ideias, fomentar a produção científica e ampliar a participação acadêmica na comunidade. O Conselho Editorial reserva-se o direito de não aceitar a publicação de matérias que não estejam de acordo com esses objetivos. Os autores são responsáveis pelas matérias assinadas. É permitida a cópia (transcrição) desde que devidamente mencionada a fonte. Endereço para permuta: Rua Mal. José Inácio da Silva, 355 Passo D’Areia - Porto Alegre - RS Tel: (51) 3361.6700 www.faculdade.dombosco.net Porto Alegre, 2010 Revista Atitude - Construindo Oportunidades – Revista de Divulgação Científica da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre Ano IV, Volume 4, número 7, jan-jun 2010 – ISSN 1809-5720 Diretor/Director Prof. Dr. Pe. Marcos Sandrini - [email protected] Editor/Editor Prof. Dr. Marco Antonio Fontoura Hansen - [email protected] Comissão Editorial/Editorial Board Profa. Dra. Aurélia Adriana de Melo - [email protected] Prof. Ms. José Nosvitz Pereira de Souza - [email protected] Prof. Dr. Luís Fernando Fortes Garcia - [email protected] Prof. Ms. Luiz Dal Molin - [email protected] Prof. Dr. Marco Antonio Fontoura Hansen - [email protected] Comissão Científica/Scientific Committee Avaliadores ad-hoc/Ad-hoc reviewers Prof. Ms. Aécio Cordeiro Neves (FDB/Porto Alegre, RS) Profa. Dra. Angela Beatrice Dewes Moura (FDB/Porto Alegre, RS) Prof. Dr. Bachir Hallouche (UNISC/Santa Cruz do Sul, RS) Profa. Ms. Beatriz Stoll Moraes (FDB/Porto Alegre, RS) Pesq. Ms. Camila Cossetin Ferreira (INPE-CRS/Santa Maria, RS) Prof. Dr. Carlos Garulo (IUS/Roma, Itália) Prof. Dr. Erneldo Schallenberger (UNIOESTE/Cascavel, PR) Prof. Dr. Fábio José Garcia dos Reis (UNISAL/Lorena, SP) Prof. Dr. Friedrich Wilherm Herms (UERJ/Rio de Janeiro, RJ) Prof. Dr. Geraldo Lopes Crossetti (FDB/Porto Alegre, RS) Prof. Dr. José Néri da Silveira (FDB/Porto Alegre, RS) Profa. Dra. Letícia da Silva Garcia (FDB/Porto Alegre, RS) Pesq. Dr. Manoel de Araújo Sousa Jr. (INPE-CRS/Santa Maria, RS) Prof. Dr. Pe. Marcos Sandrini (FDB/Porto Alegre, RS) Profa. Dra. Marisa Tsao (UNILASALLE/Canoas, RS) Prof. Dr. Nelson Luiz Sambaqui Gruber (UFRGS/Porto Alegre, RS) Prof. Dr. Osmar Gustavo Wöhl Coelho (UNISINOS/São Leopoldo, RS) Pesq. Ms. Silvia Midori Saito (INPE-CRS/Santa Maria, RS) Prof. Dr. Stefano Florissi (UFRGS/Porto Alegre, RS) Pesq. Dra. Tania Maria Sausen (INPE-CRS/Santa Maria, RS) Profa. Ms. Viviani Lopes Bastos (UCS/Caxias do Sul, RS) Publicação e Organização/Organization and Publication Revista Atitude - Construindo Oportunidades Rua Mal. José Inácio da Silva, 355 – Porto Alegre – RS – Brasil CEP: 90.520-280 – Tel.: (51) 3361 6700 – e-mail: [email protected] Produção Gráfica/Graphics Production Arte Brasil Publicidade R. P. Domingos Giovanini, 165 – Pq. Taquaral – Campinas – SP CEP 13087-310 – Tel: (19) 3242.7922 – Fax: (19) 3242.7077 Revisão: Cristiane Billis – MTb 26.193 Os artigos e manifestações assinados correspondem, exclusivamente, às opiniões dos respectivos autores. Sumário Apresentação ...................................................................................................................... 7 CIÊNCIAS SOCIAIS E APLICADAS ................................................................................... 9 1. John Rawls: uma análise da antropologia, da sociedade e da justiça ................... 11 Adroaldo Junior Vidal Rodrigues 2. Considerações sobre o controle político da administração pelos parlamentos .... 19 Dr. Gustavo Vicente Sander 3. O uso de hipóteses na construção do conhecimento científico .............................. 27 Walter Guilherme Hütten Corrêa 4. Influência dos elementos linguísticos contextualizadores na compreensão leitora por acadêmicos de administração ................................................................... 33 Maria Cristina dos Santos Martins e Tanise dos Reis 5. O poder de controle nas sociedades anônimas brasileiras........................................ 47 Prof. Dr. Silvio Javier Battello Calderon 6. Repensando a mídia ..................................................................................................... 67 Dr. Osvaldo Biz CIÊNCIAS TECNOLÓGICAS .............................................................................................. 73 1. Uso de telhados verdes no controle quantitativo do escoamento superficial urbano ......................................................................................................... 75 Andréa Souza Castro e Joel Avruch Goldenfum 2. Tratamento de chorume de aterro empregando a drenagem ácida de minas como fonte de ferro para a reação de Fenton ............................................ 83 R.M.S. Fagundes, J.C.S.S. Menezes, I.A.H. Schneider 3. Hidrólise ácida, alcalina e enzimática ......................................................................... 89 Carlos Atalla Hidalgo Hijazin, Aline Tonial Simões, Diogo Rhoden Silveira 4. Comparativo entre os métodos de custeio por absorção e custeio baseado em atividade - a importância da escolha do método em uma indústria .................. 95 Filipe Martins da Silva, Marco Antônio dos Santos Martins, Frederike Monika Budiner Mette Apresentação A Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre faz parte de um núcleo maior chamado IUS, ou seja, Instituições Salesianas de Educação Superior. Presente nos cinco continentes, seu objetivo é criar redes a partir da missão comum. Não se trata de uma organização, mas de um movimento sinérgico em torno do ideal de Dom Bosco (1815-1888) de acolher e promover as novas gerações. É dentro deste esforço e desta visão maior que se coloca esta Revista. Ela abre possibilidade a profissionais para divulgar suas reflexões e pesquisas. Aqui há intuições de educadores e educandos... Publicada semestralmente com muita fidelidade, mantém uma linha editorial de acolher transdisciplinarmente o que for importante para promover a cidadania dentro de cada uma das áreas de abrangência de sua atuação. Da área de ciências sociais aplicadas temos seis artigos. Adroaldo Junior Vidal Rodrigues, jovem professor, aprofunda as concepções de John Rawls numa visão muito crítica sobre suas concepções éticas. Gustavo Vicente Sander, numa época de consolidação da democracia brasileira, contribui especialmente projetando a atuação do parlamento, no que é e no que deveria ser, para controle político da administração. Este estudo é importante, sobretudo nesta época de descrédito do parlamento e dos políticos. Walter Guilherme Hütten Correa, docente de metodologia científica, aborda o tema complexo das hipóteses na construção do conhecimento científico. Maria Cristina dos Santos Martins, também docente de metodologia científica, sempre atenta à docência eficiente e eficaz, constrói um texto a partir de uma pesquisa realizada com acadêmicos do curso de Administração da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Seu objetivo é comparar acadêmicos ingressantes e acadêmicos concluintes sobre a compreensão dos mesmos textos. Osvaldo Biz, batalhador na leitura crítica dos Meios de Comunicação Social, apresenta alguns elementos para um repensar da mídia, sobretudo em nosso país com grande concentração de poder nas mãos de poucas famílias. Aí avulta a necessidade de educar consumidores de comunicação críticos e criativos. Sílvio Calderón, pesquisador competente, compenetrado e perseverante, aborda a complexa questão do controle nas sociedades anônimas brasileiras. A partir de uma visão comparatista, se analisa a regulamentação legal do instituto, a distinção com o direito de propriedade e as diversas formas ou espécies de controle societário. Da área de ciências tecnológicas temos quatro artigos. Andrea Souza Castro e Joel Avruch Goldenfum, jovens doutores, preocupados com a sustentabilidade e responsabilidade ambiental, aprofundam o tema do uso de telhados verdes no controle quantitativo do escoamento superficial urbanos. Carlos Atalla Hidalgo Hijazin, docente de nossa Faculdade, acompanhou um projeto de iniciação científica com os acadêmicos Diogo Rhoden Silveira e Aline Tonial Simões. O tema foi a questão da hidrólise. O grau de pesquisa e o de aprofundamento do tema são apenas citados no artigo. Maiores aprofundamentos só consultando os autores. Rosângela M. S. Fagundes, J. C. S. S. Menezes e I. A. H. Schneider aprofundam a questão do tratamento de chorume de aterro numa região coureiro calçadista do Rio Grande do Sul. Não é mais possível conviver com tanta poluição e, ao mesmo tempo, não é mais possível desperdiçar tanta possibilidade de aproveitamento de resíduos. O artigo é um apelo e uma indicação nesta direção. Filipe Martins da Silva, Marco Antonio dos Santos Martins e Frederike Monika Budiner Mette procuram comparar duas metodologias de alocação de custos para satisfazer suas necessidades de gestão de estoques, de modernização do processo produtivo e redução de desperdícios. Nossa Revista não é monotemática, mas interdisciplinar. Ela foi feita com muita garra e determinação na certeza de que somos novos como instituição, mas participamos de uma Rede de Educação Superior mais que centenária. Nosso objetivo é educar as novas gerações na dimensão da cidadania ativa e empreendedora. Daí nosso nome, Atitude, construindo oportunidades. Conselho Editorial da Revista Atitude – Construindo Oportunidades Ciências Sociais e Aplicadas Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 John Rawls: uma análise da antropologia, da sociedade e da justiça Adroaldo Junior Vidal Rodrigues1 Resumo: O artigo aborda a teoria da justiça do jusfilósofo norte-americano John Bordley Rawls. Num primeiro momento, descreve-se sua obra a partir de três elementos: a antropologia, a sociedade e a justiça. Num segundo momento, apresenta-se algumas críticas a cada um desses elementos, utilizando-se da corrente chamada comunitarista, destacando Alasdair MacIntyre, Michael Sandel e Charles Taylor. Palavras-chave: John Rawls, Liberalismo, Comunitarismo, Alasdair MacIntyre. Abstract: The aim of this article is to discuss the theory of justice of North-American John Bordley Rawls. Firstly, it is described his work from three elements: anthropology, society and justice. Secondly, it is presented some criticism to each of those elements, using communalism theory of Alasdair MacIntyre, Michael Sandel and Charles Taylor. Key-words: John Rawls, Liberalism, Comunitarism, Alasdair MacIntyre. uma sociedade justa? Para testarmos a viabilidade dessa interrogação invocaremos a tese contrária, chamada de comunitarista, e que será ilustrada, aqui, por Alasdair MacIntyre, Michael Sandel e Charles Taylor. Por óbvio, um diálogo se formará – o que acreditamos ser benéfico para a ponderação sobre a teoria de Rawls. Este trabalho possui dois objetivos específicos: um, expor alguns argumentos presentes nas discussões entre liberais e comunitaristas, tendo em vista a contribuição ao adolescente do debate brasileiro sobre esse tema; dois, fomentar estudos em torno da teoria da justiça (que é um tema vinculador das disciplinas de filosofia do direito, filosofia política e ética), contribuindo, assim, para a interdisciplinaridade dos estudos sobre as ciências jurídicas. A metodologia aplicada é a própria da pesquisa filosófica, qual seja, a análise conceitual. Introdução O presente trabalho possui como objetivo geral explorar as relações entre a concepção de ser humano, sociedade e justiça de John Rawls, sendo dividido em dois momentos. Primeiro, verificaremos que a antropologia rawlsiana corresponde ao autointeresse, a sociedade liberal à neutralidade e a justiça liberal à imparcialidade. Para isso, utilizamos a leitura da obra Uma Teoria da Justiça como principal guia para a extração dos conceitos de Rawls, muito embora, e com certa frequência, invocamos outras de suas produções, não só para complementar o sentido de seu pensamento como também, para termos uma visão geral sobre seus escritos. Optamos por elaborar uma reflexão a partir da seguinte problemática, cristalizada pela interrogação: a teoria da justiça de John Rawls é realmente capaz de constituir 1 Mestre em Teoria Geral do Direito pela UFRGS. Professor de Filosofia do Direito na Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Membro do Instituto Brasileiro de Filosofia do Direito (IBFD). 11 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 divíduo provoca uma concepção de relativismo [...]” (BOBBIO, 1997, p. 701). Se as escolhas morais dos indivíduos causam um relativismo é natural que eles estejam em constante conflito e, por isso, o altruísmo seja substituído pelo seu avesso. Outra característica igualmente importante da concepção antropológica de Rawls é o modo como o indivíduo é definido dentro da sociedade liberal, a saber, a priori. O indivíduo é definido sem se levar em conta os bens que elege para sua boa vida. Em outras palavras, são considerados de um modo atomista e possuem uma igualdade que é compartilhada de maneira absoluta entre todos os membros que compõem a sociedade. Para Rawls, o homem é caracterizado de modo alheio à proposta de vida de cada um, ou seja, não há importância se, por exemplo, Tiago é membro de um partido político “x”, possui determinado emprego e família. Os bens que Tiago escolhe para sua vida são infecundos para a formação da identidade liberal. Nesse aspecto, o comunitarista Michael Sandel afirma: “o ‘eu’ é anterior aos fins que busca.” Na sua teoria, John Rawls é explícito em considerar que o ser humano rompe com a sociedade, tornando-o um ser alheio e pontuando a diferença entre eles, quando diz que: “a aplicação consistente do princípio da oportunidade equitativa exige que consideremos as pessoas independentemente das influências de sua posição social.” (RAWLS, 1997, p. 568). Assim, existindo conflitos de interesses na sociedade liberal, dada a concepção de homem já trabalhada acima, resta-nos fazer uma análise sobre a concepção de sociedade e descobrir como ela é, tendo em vista que uma é a sequência lógica da outra. Nas palavras de Rawls: “Assim sendo, desde o começo, a concepção de pessoa é considerada parte de uma concepção de justiça política e social [...]” (RAWLS, 2000, p. 36). Para, por fim, chegarmos à análise da sociedade liberal. 1. A Teoria da Justiça de John Rawls – Análise 1.1. A Antropologia Rawlsiana Sem individualismo não há liberalismo. Norberto Bobbio Os indivíduos, dentro do modelo de sociedade proposto por Rawls, necessariamente vão buscar os seus interesses. Isso fica evidente quando nas primeiras páginas da sua teoria da justiça, Rawls considera que: “se a inclinação dos homens ao interesse próprio torna necessária a vigilância de uns sobre os outros, seu sentido público de justiça torna possível a sua associação segura.” (RAWLS, 1997, p. 5). Assim, o autointeresse torna a justiça necessária e esse sentido de justiça torna-a possível. A teoria liberal de Rawls não engloba a todos ou a felicidade do maior número possível, como é para o utilitarismo; ao contrário, prioriza o homem na sua individualidade. Nesse contexto, ainda que haja uma “associação segura” entre os homens, é indubitável que os proveitos buscados por cada um visam a vantagens para si próprios. O liberalismo rawlsiano é tão dependente dessa concepção de homem “onde os indivíduos buscam os seus fins particulares de modo competitivo” (BARZOTTO, 2001, p. 141) que, sem esta, a teoria se descaracterizaria completamente. Ou seja, a sociedade liberal e o papel da justiça principalmente, que será tratado mais adiante, seriam mutilados, tendo em vista que somente poderão ser compreendidos a partir de uma linha de raciocínio que se inicia com a compreensão desta concepção antropológica. Para John Rawls, ao contrário, o homem é apenas “associal”, isto é, tem sua identidade extraída à margem da sociedade. Neste contexto, devemos considerar dois pontos importantes. Um é que o restante dos homens deve ser ignorado, porque não trariam benefício algum ao “meu” interesse. O outro é que se “eu” me aproximar de alguém, será para usá-lo como meio para atingir o fim que quero. Diante desta visão liberal de homem, Norberto Bobbio dispõe que essa possibilidade de eleger valores de per si, fomenta a quebra de padrões objetivos quando pensa que “esta defesa da autonomia moral do in- 1.2. A Sociedade Liberal A sociedade liberal deve ser concebida como se um mercado fosse, porque a sua antropologia individualista forja um dissenso sobre a concepção de vida boa. 12 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 A sociedade deve ser neutra para que cada indivíduo busque de forma competitiva com relação aos outros os bens que escolheu para a realização da sua concepção particular de vida boa. E, essa ausência de consenso sobre o plano racional de vida ocorre devido ao pluralismo de valores que é inerente a cada pessoa. Nesse sentido, pensa Rawls: “Como consequência disso, os indivíduos não só têm planos de vida diferentes, mas também existe uma diversidade de crenças filosóficas e religiosas, e de doutrinas políticas e sociais.” (RAWLS, 1997, p. 138) Então o justo para o liberalismo rawlsiano será que a sociedade forneça, de maneira neutra, elementos para que cada cidadão cristalize a sua felicidade plena. A ideia de Rawls é que: “por exemplo, podemos pensar que a justiça igual significa que a sociedade deve oferecer a mesma contribuição proporcional para que cada pessoa realize o melhor plano de vida que é capaz de formular.” (RAWLS, 1997, p. 566) Dado que a sociedade forneça determinados bens de forma igual e imparcial para cada pessoa, “fica obviamente a cargo do próprio agente decidir o que ele mais quer e julgar a importância comparativa de seus vários objetivos”. (RAWLS, 1997, p. 461) Nessas circunstâncias, a questão da felicidade e do bem ficam atrelados ao sucesso da realização do plano racional de vida de cada ser humano nesta sociedade. John Rawls os definiu, respectivamente, deste modo: “um homem é feliz quando é mais ou menos bem-sucedido na maneira de realizar seu plano.” (RAWLS, 1997, p. 98) Por óbvio, a sociedade liberal não possui uma finalidade, um bem que lhe é próprio, ao passo que cada cidadão elege para si o que julga ser o melhor para estruturar o seu projeto de vida desejável. Assim, John Rawls no seu livro que leva em consideração a globalização, é explícito, caso haja alguma dúvida: “a resposta é que uma sociedade liberal com regime constitucional não tem, como sociedade liberal, uma concepção abrangente do bem. Apenas os cidadãos e associações dentro da sociedade cívica no caso nacional possuem tais concepções.” (RAWLS, 2001, p. 44.) Diante disso, surge uma questão inquietante: como os cidadãos vão construir a sua concepção de boa vida, já que cada um possui uma diferente da outra? Rawls, então, utiliza a seguinte ferramenta para poder dar conta desse problema: os chamados bens primários – que visam satisfazer as necessidades mínimas de qualquer projeto de vida. Logo, esses bens primários ajudam, quando não contribuem muito, dependendo do plano racional de vida, para a implementação da felicidade de cada indivíduo. É como se fosse um aparato indispensável para se poder desenvolver um estilo de vida. E quais são esses bens? Rawls os chama, também, de “valores sociais” e que devem ser distribuídos de forma igualitária entre todos os membros da sociedade liberal. Há duas passagens claras em Uma Teoria da Justiça que abordam esta questão, e cremos, uma complementa a outra. A primeira é quando Rawls diz que: “Para simplificar, suponhamos que os principais bens primários à disposição da sociedade sejam direitos, liberdades e oportunidades, renda e riqueza.“ (RAWLS, 1997, p. 66) John Rawls destaca, ainda, os “bens naturais” (que ficam à margem do controle pretendido por sua teoria) que são: a saúde e o vigor, a inteligência e a imaginação. E a segunda passagem do livro é esta (que sublinha um dos bens primários como de vital importância): “o fato de a liberdade e a oportunidade, a renda e a riqueza, e, acima de tudo, a autoestima, serem bens primários deve realmente ser explicado pela teoria restrita”. (RAWLS, 1997, p. 480) Com essa visão é impossível haver qualquer perspectiva comunitária e, além disso, esta hipótese é negada por Rawls quando diz literalmente que: “em resposta, dizemos que a justiça como equidade abandona, de fato, o ideal de comunidade política [...]”. (RAWLS, 2000, p. 250) 1.3. A Teoria da Justiça A justiça liberal é entendida como imparcialidade. E isto ocorre porque a antropologia que subjaz a ela é apriorística, não sendo definida pela adesão a um bem específico. Ou seja, é concebida numa ótica de imparcialidade, bem como a sociedade liberal que é neutra, assim é natural que a justiça em Rawls também a seja. Ademais, para registrar de forma explícita este ponto (em que a justiça liberal é derivada de uma concepção antropológica 13 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 autointeressada), vejamos as suas palavras: sociais aos dons naturais. Observa Rawls, so“Podemos supor, portanto, que a mais estável bre a situação em questão, que a efetividade concepção de justiça é aquela que é evidente da posição original deve situar os participantes para o nosso entendimento, congruente com o num ponto de partida igual. Entra aí o véu de ignorância, que tem a nosso bem, e fundada não na abnegação, mas finalidade de congelar as pessoas numa situna afirmação do eu.” (RAWLS, 1997, p. 554) Esta visão de que a concepção de homem ação de igualdade. Nas palavras do próprio liberal conduz a tal concepção de justiça é Rawls: “e o que chamei de ‘véu de ignorância’ compartilhada, da mesma forma, por José significa que as partes não conhecem a poNedel, quando afirma que: “traz no âmago a sição social, ou a concepção do bem (seus ideia de imparcialidade, porquanto as partes objetivos e vínculos particulares), ou as capaelegem os princípios através de procedimento cidades e propensões psicológicas realizadas, e muito mais, das pessoas que representam”. imparcial.” Outro ponto sobre a teoria da justiça de (RAWLS, 2000, p. 359) Postos os cidadãos num âmbito de igualRawls é a construção do seu fundamento sob a guarda de princípios. No Liberalismo dade, cabe agora extrair os princípios. Só que Político, Rawls afirma que: “Na justiça como estes princípios são buscados através de uma imparcialidade, alguns desses grandes valo- norma chamada de maximim, que consiste em res – os valores da justiça – são expressos colher a pior proposta entre as melhores, mas pelos princípios de justiça para a estrutura bá- a melhor entre as piores. Rawls põe nestes sica – entre eles, os valores de igual liberdade termos: a regra maximim determina que classifiquemos as alternativas em vista de seu pior política civil.” (RAWLS, 2000, p.185) resultado possível: devemos Mas como são estabeadotar a alternativa cujo pior lecidos estes princípios de A regra maximim determiresultado seja superior aos justiça? Como eles adquirem na que classifiquemos as piores resultados das outras. forma na sociedade liberal? A alternativas em vista de Depois de passar por partir do que Rawls chama de seu pior resultado posessas etapas temos, por fim, “posição original” e, através sível: devemos adotar a os princípios que vão estado contratualismo. Rawls dealternativa cujo pior resulbelecer a justiça imparcial. fine a posição original como tado seja superior aos pioMais que isso, vão permear sendo o “status quo inicial res resultados das outras. a vida de cada indivíduo, já apropriado para assegurar que será a principal (senão a que os consensos básicos” única) observação que deve possam ser concretizados de ser respeitada. uma forma equitativa. São dois os princípios da justiça, sendo o Então, essa convenção possui a intenção de iniciar o pensamento, as construções das segundo dividido em duas partes: o primeiro questões relativas à teoria da justiça, entendi- diz que cada indivíduo deve ter direito a uma da de uma forma imparcial. E o contratualismo igual liberdade básica ou que “cada pessoa é liame da posição original. Trata-se de uma deve ter um direito igual ao mais abrangente espécie de reedição do contratualismo de sistema total de liberdades básicas iguais que Jean-Jacques Rousseau, Immanuel Kant e seja compatível com um sistema semelhante John Locke. E Rawls deixa claro tal inspira- de liberdades para todos” (RAWLS, 1997, p. ção quando diz que: “explico a partir do que 333); o segundo prevê que as desigualdades dissemos, é claro que a posição original deve sociais e econômicas devem satisfazer duas ser considerada um artifício de representação condições. A primeira, é que traga o maior e, por conseguinte, todo acordo estabelecido benefício possível para os menos favorecidos; pelas partes deve ser visto como hipotético e a segunda, que “sejam vinculadas a cargos e posições abertos a todos em condições a-histórico.” (RAWLS, 2000. p. 67) No entanto, para que esse acordo social de igualdade equitativa de oportunidades”. seja feito de tal forma que conduza a uma justi- (RAWLS, 1997, p. 333) Igualmente importante para a aplicação ça imparcial, é necessário que os participantes estejam num pé de igualdade; isso quer dizer dos princípios é a obediência à ordem léxica, que se deve excluir desde as desigualdades ou seja, ao fato de que o primeiro princípio 14 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 considerados muito importantes, a ponto de serem opostos a todos os outros membros da sociedade. Ocorre que nem sempre haverá um ambiente de harmonia. Macintyre diz: “Naturalmente, ocorre frequentemente que as preferências de indivíduos e de grupos de indivíduos diferentes entram em conflito”. Então, o indivíduo posto numa ordem liberal para saber como deve agir, com o intuito de concretizar a sua vida feliz deve fazer a seguinte pergunta: Qual regra eu devo seguir? Rawls escreveu em Uma Teoria da Justiça sobre a relação entre os princípios e o homem: “na interpretação contratualista, tratar os homens como fins em si mesmos implica, no mínimo, tratá-los de acordo com os princípios com os quais eles consentiram em uma posição original de igualdade” (RAWLS, 1997, p. 195). Nesse sentido, o raciocínio de MacIntyre é valioso para o entendimento desta questão: Por conseguinte, na perspectiva moderna, a justificação das virtudes depende de uma justificação anterior das normas e dos princípios; e se estes últimos se tornarem radicalmente problemáticos, como têm se tornado, as primeiras também se tornam (MACINTYRE, 2001, p. 206). Outra reflexão sobre a concepção de homem liberal é no que tange a sua característica de ser tomado a priori. Aquilo que MacIntyre chama de “antropologia de fantasmas”, na qual o indivíduo é visto do lado de fora da relação social. E MacIntyre aprofunda esta descrição quando afirma que: “os indivíduos são vistos como possuindo identidade e capacidades humanas essenciais independente e anteriormente à sua participação numa ordem social e política particular.” E John Rawls confirma a análise de MacIntyre quando diz que: “mais ainda, admito que as partes não conhecem as circunstâncias particulares de sua própria sociedade” (RAWLS, 1997, p. 147). No entanto, é inviável que este tipo de caracterização do indivíduo possa alimentar qualquer sociedade, isto porque a identidade humana é dada a partir de uma rede de interações. Valores comunitários, contrários aos individuais, existem numa sociedade liberal, ainda que se adote essa concepção de indivíduo com fim em si mesmo. Michael Sandel declara sobre essa hipótese: possui superioridade em relação ao segundo e a primeira parte do segundo tem preferência à segunda parte. Esses são, enfim, os princípios de justiça necessários para uma teoria da justiça liberal. Cremos que com isso temos as principais passagens das obras de Rawls para cristalizar uma visão unitária de seu pensamento. 2. A Teoria da Justiça de John Rawls – Crítica 2.1. A Antropologia Rawlsiana Como vimos antes, para a antropologia liberal rawlsiana, o indivíduo é um ser autointeressado, e a justiça somente é invocada para efetivar o interesse de cada um. Vejamos como Rawls descreve essa relação do indivíduo com a justiça: “Cada membro da sociedade é visto como possuidor de uma inviolabilidade fundada na justiça, ou, como dizem alguns, no direito natural, que nem mesmo o bem-estar de todos os outros pode anular.” (RAWLS, 1997, p. 30). Assim, percebemos que o interesse de cada pessoa “fundada na justiça”, ou como diria Ronald Dworkin, os “trunfos” que o indivíduo possui e que podem ser invocados contra a sociedade, determinam a exclusão dos interesses de outras pessoas, a partir de uma perspectiva do “meu” em contraposição ao “teu”. Nas palavras de Michael Sandel: “Este supuesto se parece supercialmente a um presupuesto psicológico – estipula que las partes no tienen interes em los intereses de las demás [...]”. (SANDEL, 2000, p. 77) Isso quer dizer que a justiça liberal disponibiliza ao indivíduo uma proteção que tem extensão não só contra outra pessoa que venha a violar seus direitos, como também, contra todos, ou seja, a própria sociedade. Vejamos outra afirmação de Sandel: “La justicia tiene primacía sobre los demás valores porque sus princípios se derivan independientemente” (SANDEL, 2000, p. 77). As circunstâncias da justiça podem conduzir a uma total exclusão de valores fraternos e contribuir para a formação de indivíduos egoístas racionais. Eis o que afirma Sandel: “[...] introducen um sesgo individualista, y que rechazan o desvirtúan de alguna manera motivos tales como la benevolência, el altruísmo y los sentimientos comunitários” (SANDEL, 2000, p. 77). Esses direitos individuais são 15 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 “Probablemente os valores comunitarios a um único objetivo superior não viole os existirían, al igual que todos los demás princípios da escolha racional (pelo menos valores que los indivíduos pueden decidir não os princípios de cálculo), ela ainda nos adoptar, e incluso posiblemente florecerían parece irracional ou, mais provavelmente, en una sociedad gobernada por los principios insana” (RAWLS, 1997. p. 617). Mas talvez de la justicia” (SANDEL, 2000, p. 85). os princípios de justiça levem as sociedades Charles Taylor, crítico de Rawls, assegura liberais a buscar um único bem: o estilo liberal que: “o puro autointeresse esclarecido nunca de vida. moverá um número suficiente de pessoas 2.2. A Sociedade Liberal com força bastante para constituir uma real Não havendo uma concepção compartiameaça a déspotas e putschistas potenciais” (TAYLOR, 2000, p. 213). Existe, então, uma lhada de vida, a sociedade é vista como um identidade social que quando é ultrajada, por mercado em que os indivíduos interagem de exemplo, é vista de forma clara por todos na forma competitiva em busca da concretização forma de uma reação. Taylor comenta sobre dos bens que escolheram. John Rawls é explícito ao abordar a questão: isso e exemplifica: “É esse “Assim, como notei no inísentido de identidade, e o Rawls reforça a ideia de cio, embora uma sociedade orgulho que o acompanha, que a sociedade é entenseja um empreendimento que é ultrajado pelas ações dida como um mercado, já cooperativo para a vantagem ocultas de um Watergate, e é que ela não possui nada mútua, ela é tipicamente isso o que provoca a reação em comum, a não ser um marcada por um conflito e ao irresistível” (TAYLOR, 2000, conjunto de regras que mesmo tempo por uma identip. 213). preservam espaço na busdade de interesses” (RAWLS, Outro argumento diz resca da autonomia dos in1997. p.136). peito ao valor do patriotismo. teresses dos indivíduos. Por conseguinte, esta Taylor o define do seguinte sociedade liberal “[...] que modo: “o patriotismo é uma tenta realizar, no maior grau identificação comum com uma comunidade histórica fundada em cer- possível, certos bens ou princípios de direito” tos valores” (TAYLOR, 2000, p. 213). Esse não possui um bem que lhe é próprio, a saber, valor, o patriotismo, brota neste terreno indi- o bem comum. E o bem comum é o fim de vidualista com a diferença de que esse valor uma comunidade, pois ela nada mais é que o não é erradicado, pelo contrário, e muitas ve- “bem de todos, naquilo que todos temos em zes é superior à própria concepção individual. comum”. (SOUZA Jr., 2002, p. 29). Mas Rawls Embora Taylor tenha escrito estas nega que a sociedade seja uma comunidade: palavras antes do exemplo que darei, não há “Uma sociedade democrática bem-ordenada como negar que serviu como uma luva. É o não é uma comunidade, nem, em termos mais seguinte: o ataque de 11 de setembro de 2001 gerais, uma associação”. Este raciocínio nos em Nova Iorque; ali se viu, de maneira clara, remete a duas características. A primeira, é que um valor comunitário como o patriotismo que Rawls reforça a ideia de que a sociedade foi superior a qualquer ato individual. Houve é entendida como um mercado, já que ela não a limitação inclusive de direitos individuais, possui nada em comum, a não ser um conjunto o que Rawls afirmou ser ilícito. Assim, o fato de regras que preservam espaço na busca da não faz com que o argumento esteja errado, autonomia dos interesses dos indivíduos. Com outras palavras, a sociedade é monmas é um forte indício para a sua revisão. Outra observação é sobre a relação tada a partir dos direitos individuais. Taylor coantropológica e as comunidades que visam o menta sobre isso: “O liberalismo procedimental bem antes do justo. É o caso das comunidades não pode ter um bem comum no sentido teleológicas, em contraste com as sociedades estrito porque a sociedade tem de ser neutra liberais, que visam o justo antes do bem, no tocante à questão da vida boa” (TAYLOR, também chamadas deontológicas, e que 2000, p. 210). A segunda, diz respeito à observação feita são negadas por John Rawls. Eis as suas palavras: “embora, estritamente falando, a por Charles Taylor, quando se sustenta que subordinação de todos os nossos objetivos a sociedade liberal não é totalmente viável, 16 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 pois “embora o estado liberal procedimental aos princípios de justiça de Rawls. O caso é possa de fato ser neutro diante de (a) crentes o dos índios Wanpanoag de Massachusetts, e não-crentes em Deus, ou de (b) pessoas com Estados Unidos, descrito por MacIntyre no orientações homossexual e heterossexual, capítulo XII de seu livro Depois da Virtude. Por ele não pode sê-lo entre (c) patriotas e não meio de uma ação judicial, os índios Wanpanoag reclamaram que suas terras foram ilegalpatriotas” (TAYLOR, 2000, p. 214). E de fato, não é. Um exemplo disso foi o mente e inconstitucionalmente expropriadas. julgamento do cidadão norte-americano que lu- Detalhe: existe uma cidade em cima delas de tou do lado dos Talibãs no Afeganistão. Nesse nome Mashpee. caso, ignorou-se a suposta neutralidade da soConsiderações Finais ciedade à concepção de vida As características exposboa; afirmando-se um estilo Para não deixar dúvidas, tas por Rawls apresentam coercitivo liberal de vida. MacIntyre aponta ainda problemas que podem comAlém disso, outro ponto que a origem da doutrina prometer a sua teoria da jusque pode ser destacado é liberal que se propõe a ser tiça. Primeiro, porque numa a questão das sociedades impessoal, de fato não o é. linha antropológica a sua desordenadas, ou que estaconcepção de homem é conriam excluídas do modelo de taminada por circunstâncias sociedade liberal, que Rawls descreveu no segundo capítulo do seu livro que permitem extrair elementos substantivos O Direito dos Povos como sendo uma “socie- de uma natureza humana – o que é constandade onerada por condições desfavoráveis”. temente negado, sobretudo quando aponta, Parece-nos que uma sociedade, que pode por exemplo, como necessária a existência de ser considerada, como tantas outras, onerada seres racionais para a sua teoria, o que evita por condições desfavoráveis, sem dúvida, é o o risco frente à teoria maximim. Além disso, a Brasil. Ou seja, o nosso país não serve para identidade de cada indivíduo é dada por uma rede de interações que pressupõe o outro, e a aplicação do projeto liberal. não o exclui. 2.3. A Teoria da Justiça Segundo, pois a sociedade liberal não pode A justiça liberal é uma invocação a normas ser completamente neutra como se pretendia e princípios para consubstanciar o valor indi- no projeto original. Vimos que é preciso envidual. Assim, seu objetivo é saber quais as dossar o patriotismo como aspecto relevante, regras que se deve buscar para uma socieda- e os pontos de partida são sempre liberais. de justa. O que pressupõe uma concepção de Terceiro, a justiça liberal, também, não é de homem autointeressada. É o que afirma Rawls: todo imparcial, já que possui como prioridade “Como cada pessoa é livre para planejar a implícita a manutenção da ordem liberal. sua vida como quiser (contanto que suas intenções sejam consistentes com os princípios da justiça); não se exige unanimidade sobre Referências os padrões de racionalidade” (RAWLS, 1997, p. 495). ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 10. Com isso, abre-se espaço para avaliarmos ed. São Paulo: Forense Universitária,2001. que se a justiça de John Rawls é imparcial, considera-se o valor da igualdade como uma ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Nova das características principais. Mas, não há Cultural, 1999. (Os Pensadores) um retrospecto do que levou, por exemplo, as partes em conflito, na posição original, a _________. A Política. Bauru: EDIPRO, 1995. chegarem a tal ponto. Isso é ignorado, e se faz “[...] justiça numa questão de modelos presen- _________. Ética a Nicômaco. São Paulo: tes de distribuição para os quais o passado é Abril Cultural, 1973. (Os Pensadores). irrelevante“ (MACINTYRE, 2001, p. 416). Postas essas considerações iniciais, faça- BARZOTTO, Luis Fernando. Modernidade e mos uma reflexão sobre a aplicação da justiça Democracia. In: Anuário de Pós-Graduação. liberal entendida como norma, que nos remete São Leopoldo: Unisinos, 2001. 17 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 _________. A Democracia na Constituição. São Leopoldo: Unisinos. 2003. _________. O Liberalismo Político. Trad. de Dinah Azevedo. São Paulo: Ática, 2000. BOBBIO, Norberto. Locke e o Direito Natural. 5. ed. Brasília: UNB, 1997. _________. O Direito dos Povos. Trad. de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2001. _________. Liberalismo e Democracia. São Paulo: UNB, 2001. _________. Justicia como equidad. Trad. de M. Rodilla. Madrid: Tecnos, 2002. _________ et al. Dicionário de Política. Brasília: UNB, 1997. FUKUYAMA, Francis. Nosso Futuro PósHumano. Rio de Janeiro: Rocco, 2003. ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Os Pensadores). MACINTYRE, Alasdair. Depois da Virtude. São Paulo: Edusc, 2001. SANDEL, Michael. El liberalismo y los límites de la justicia. Barcelona: Gedisa, 2000. _________. Justiça de Quem? Qual Racionalidade? São Paulo: Loyola, 1991. SOUZA Jr. Cezar Saldanha. A Supremacia do Direito no Estado Democrático e seus Modelos Básicos. Porto Alegre: s/ed., 2002. _________. Animales racionales y dependientes. Barcelona: Paidós, 2001. TAYLOR, Charles. Argumentos Filosóficos. São Paulo: Loyola, 2000. NEDEL, José. A Teoria ético-política de John Rawls. Porto Alegre: Edipucrs, 2000. ______________. As Fontes do Self. São Paulo: Loyola, 1997. NOZICK, Robert. Anarquia, Estado e Utopia. Rio de Janeiro: Zahar, 1991. WEBER, Max. Ciência e Política. 10. ed. São Paulo: Cultrix, 2001. RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Trad. de Almiro Pisetta e Lenita Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997. 18 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 Considerações sobre o controle político da administração pelos parlamentos Dr. Gustavo Vicente Sander1 Resumo: O presente artigo aborda os meios de controle político à disposição dos Parlamentos para influenciar e fiscalizar a atuação da Administração pública. O artigo situa este objeto sobre o pano de fundo mais amplo, referente à delimitação entre atividades técnicas – típicas da Administração – e atividades políticas – típicas dos Parlamentos, apontando também as inter-relações entre ambas. Palavras-chave: Parlamento, Controle, Administração Pública. Abstract: This article regards the means used by Parliaments to oversee and influence the activity of public Administration. The article frames this subject within the larger framework concerning the differences between technical activities – typical of the Administration – and political activities – typical of Parliaments – indicating also the inter-relations between them. Key-words: Parliament, Authority, Civil Service. Introdução O gigantismo da máquina administrativa no Estado contemporâneo, sua intrusão sobre os mais variados aspectos da vida dos cidadãos e a ameaça potencial que isto representa para a fruição das liberdades públicas, leva-nos a fixar os limites do objeto material deste trabalho em questões atinentes à eficácia do controle político exercido sobre a Administração pelos principais órgãos de representação política nas sociedades democráticas, os seus respectivos Parlamentos. O objeto formal do trabalho, isto é, a angulação específica sob a qual o objeto material será tratado, buscará explorar, ao lado da abordagem jurídico-formal do controle parlamentar da Administração, os 1 aportes que a sociologia e a ciência política trazem à compreensão da dinâmica relação entre política e administração, sem os quais uma análise deste tema corre o risco de resultar na construção de castelos de areia, cuja integridade depende de mantê-los hermeticamente isolados da realidade que pretendem esclarecer. O plano do trabalho que desenvolveremos aborda, em uma primeira parte, o surgimento e agigantamento do aparelho administrativo, para, em seguida, tratar das relações que, hoje em dia, travam a política e a administração, buscando esclarecer o campo específico de cada uma delas na estrutura do Estado. A terceira e última parte será dedicada à análise dos mecanismos formais de controle e de seus limites. Doutor em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da USP e professor das cadeiras de Direito Constitucional, na Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre, RS e de Teoria do Estado e Direito Econômico, no Centro Universitário Ritter dos Reis de Porto Alegre, RS. E-mail: [email protected] 19 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 1. O desenvolvimento da administração entregue a políticos apoiados pela maioria parlamentar e encarregados de apresentar e independente no estado moderno Não é novidade que um dos pilares do conduzir os programas interventivos; e a chefia constitucionalismo liberal do século XVIII de Estado, que deveria assumir posição de foi, e continua a ser no constitucionalismo neutralidade perante os conflitos políticos4, contemporâneo, o princípio da separação motivo pelo qual deveria, idealmente, ser de poderes. Na formulação original de entregue a um monarca hereditário. Encaminhada a solução para o problema MONTESQUIEU – inspiradora do sistema de governo por nós adotado desde a Proclamação institucional, a necessidade imperativa de da República – isto significava distribuir as intervenção esbarrou, porém, na ineficiência funções do Estado entre três poderes2: o poder do aparelho administrativo que então equipava legislativo, o poder executivo e o poder judiciário. os Estados nacionais. Com efeito, diz FINER Este sistema foi concebido para tolher a que não foi senão no século XIX que ganhou ação do Executivo, procurando impedi-lo de pôr força o movimento de profissionalização da em prática intervenções generalizadas sobre Administração, visando dotá-la de neutralidade o domínio econômico e social, o que estava e eficiência no cumprimento dos objetivos de acordo com a cosmovisão liberal que o governamentais: inspirou, a qual propunha deixar aos próprios O ideal de um serviço público desinteressado indivíduos a persecução de seu bem individual, e devotado é principalmente um fenômeno de fins garantindo-se, pela ação da “mão invisível”, do século dezoito e do século dezenove na Europa que do conjunto destas ações chegar-se-ia ao e na América. Até então, era dado como certo que alguém ia para o serviço público para ali ganhar melhor arranjo possível do bem comum3 . Não dinheiro. Os efeitos da consequente corrupção dishaveria, assim, necessidade de frequentes seminada eram os de distorcer e até mesmo frustrar intervenções governamentais. as intenções do governo. O que o governo queria e Os arranjos institucionais que foram o que ele obtinha eram duas coisas bem diferentes 5. implementados com inspiração no ideário liberal não permaneceram intactos por muito De fato, a primazia na organização de tempo. Já em meados do século XIX, a um serviço público isento e profissionalizado chamada “questão social” coube, uma vez mais, aos tornava clara a necessidade ingleses, que começaram Não foi senão no século XIX de intervenção estatal para a implantá-lo antes do final que ganhou força o movimento mitigar os efeitos adversos do século XIX. O exemplo de profissionalização da da industrialização sobre a britânico repercutiu nos Administração, visando estrutura socioeconômica. Estados Unidos, país onde dotá-la de neutralidade e O impacto de tal demanda a ineficácia do spoil system eficiência no cumprimento sobre os sistemas de governo já vinha se manifestando há dos objetivos governamentais. é também conhecido: algum tempo. O trabalho desenvolveu-se, a partir da teórico de WOODROW prática institucional britânica WILSON assentou os – recolhida nas reflexões de CONSTANT – o princípios que deveriam nortear a implantação chamado sistema parlamentar, com a divisão do de um civil service profissionalizado e tinham Executivo em dois ramos: a chefia de governo, como pedra de toque a separação entre Política 2 3 4 5 Neste sentido, é eloquente o Art. 16 da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão: “Tout societé dans laquelle la garantie des droits n’est pás assurée, ni la separation des pouvoirs determine, n’a point de constitution.” “Na verdade, Montesquieu via na separação de poderes uma doutrina política, um meio de o poder deter o poder, como apontara mais atrás. Não via mal algum na inação. Isto se compreende, se se lembrar que, a seu tempo e certamente para o seu pensamento, o papel do Estado não era o de promover o bem-estar do povo, mas sim o de criar condições – mormente de segurança – para que cada um cuidasse dos próprios interesses.” FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Princípios Fundamentais do Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 253. cf. SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. O Tribunal Constitucional como Poder – Uma nova teoria da Divisão dos Poderes. São Paulo: Memória Jurídica, 2002. p. 69 e segs. “The ideal of selfless, devoted public service is largely a late eighteenth – and nineteenth – century European and American phenomenon. Till then it was taken for granted that one went into government service in order do make money out of it. The effect of the consequent widespread corruption was to distort or even frustrate de intentions of government. What government wanted and what it got where very different things.” FINER, Samuel E. The History of Government. Oxford: University Press, 1999. Vol. III, p. 1616. 20 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 e Administração6. Essa separação projetavase em duas dimensões: (a) de um lado como instrumento para corrigir as disfunções do spoil system, visando coibir a interferência política no funcionamento da administração; (b) de outro, visava construir uma ciência da administração dedicada ao estudo e aplicação de técnicas administrativas isentas de conteúdo político ou ideológico. Outro autor que deve ser lembrado pela insistência na necessidade de separação entre Política e Administração, como condição necessária para o bom funcionamento da última, é MAX WEBER, o qual considerava a aparição da administração pública profissional como o gérmen do Estado Moderno no ocidente, pois a avaliava – com acerto – como instrumento imprescindível para a condução administrativa das sociedades de massas: de poder das instâncias dirigentes de um governo puramente burocrático de funcionários públicos, que sempre tendem a apropriar-se de uma liberdade de movimentos a mais incontrolada possível...8. Esta observação do sociólogo alemão permaneceu quase ignorada até após a segunda guerra mundial, quando o tamanho, a intrusividade e a influência da máquina administrativa sobre o processo político decisório não puderam mais ser ignorados e a questão da extensão do controle dos órgãos representativos sobre ela foi novamente posta na ordem do dia.9 Com efeito, a perda de controle sobre a iniciativa governamental e a crescente tecnicalização dessas decisões colocaram os Parlamentos na berlinda, em situação que não deixa de suscitar dúvidas quanto a sua capacidade de exercer alguma influência sobre elas. Toda nossa vida cotidiana está tecida dentro deste marco. Pois se a Administração Burocrática é em geral – caeteris paribus – a mais racional desde o ponto de vista técnico-formal, hoje é, ademais, nitidamente inseparável das necessidades da Administração de Massas (pessoais ou materiais). Tem-se que eleger entre a burocratização e o diletantismo da Administração; e o grande instrumento da superioridade da administração burocrática é este: o saber profissional especializado... 7 2. As fronteiras entre a política e a administração A complexidade dos problemas, cuja solução atualmente recai sobre os ombros do Governo, torna indispensável o recurso aos quadros especializados da Administração pública na busca de soluções factíveis e coloca nas mãos destes quadros – admitase ou não – margens maiores ou menores de discricionariedade no planejamento e na implementação das decisões políticas: Uma nota distintiva em seu pensamento está no olhar apurado de sociólogo, que não deixou de reconhecer o próprio corpo burocrático do Estado como um ente dotado de poder político, ao qual deve ser contraposto o poder político dos representantes eleitos para que seja possível compatibilizar a eficácia administrativa com o princípio democrático: O Administrador ascende de seu papel secundário e se configura como um co-decisor, passa da ‘implementação’ à ‘complementação’ e em casos extremos de bloqueio político chegará inclusive a realizar um trabalho de ‘suplementação’, já que passará a substituir a falta de impulso político. A formulação política inicial funciona como força motriz que está longe de ser automaticamente aplicada pelo executor cujo papel político-criativo cresce.10 Os políticos devem ser o contrapeso ao poder dos funcionários públicos. Mas a ele resiste o afã 6 cf. MASEDO, Laura Román. Política e Administración. Algunas notas sobre el origen y la evolución del debate teórico. Madrid: Revista de Estudios Políticos. Vol. 98 (nueva época). Oct. - Dic. 1997. p. 121. “Toda nuestra vida cotidiana está tejida dentro de ese marco. Pues si la administración burocrática es en general – caeteris paribus – la más racional desde el punto de vista técnico-formal, hoy es, además, sencillamente inseparable de las necesidades de la administración de masas (personales o materiales). Se tiene que elegir entre la burocratización y el diletantismo de la administración; y el gran instrumento de la superioridad de la administración burocrática es éste: el saber profesional especializado…” WEBER, Max. Economía y Sociedad. 2. ed. esp. Madrid: Fondo de Cultura Económica, 2002. p. 178. 8 “Los políticos deben hacer de contrapeso al poder de los funcionarios. Pero a ello se resiste el afán de poder de las instancias dirigentes de un gobierno puramente burocrático de funcionarios, que siempre tienden a acaparar la libertad de movimientos lo más incontrolada posible…”. WEBER, Max. Escritos políticos. Madrid: Alianza, 1991. p. 173, apud, MASEDO, Laura Román. op. cit. p. 120. 9 cf. MASEDO, Laura Román. op. cit. p. 126. 10 “El administrador asciende de su papel secundario y se configura como un codecisor, pasa de la ‘implementación’ a la ‘complementación’ y en casos extremos de bloqueo político llegará incluso a realizar un labor de ‘suplementación’ ya que pasará a sustituir la falta de impulso político. La formulación política inicial funciona como fuerza motriz que está lejos de ser aplicada automáticamente por el ejecutor cuyo papel político-creativo crece.” CALVO, José Lopez. Organización y Funcionamiento del Gobierno. Madrid: Tecnos, 1996. p. 99/100. 7 21 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 O aporte de opiniões e a execução das precisam ser devidamente ponderadas em decisões, contudo, não são sempre marcados outra instância, de horizonte mais extenso que pela isenção técnica. Lembramos acima, com o técnico-administrativo. WEBER, que a Administração, Neste ponto, podeenquanto corpo dotado de se ver com mais clareza a poder, frequentemente utiliza-o impossibilidade de dispensar a A Administração, enno mais amplo escopo possível arbitragem política na tomada quanto corpo dotado de a favor de seus próprios de decisões sobre os objetivos poder, frequentemente interesses corporativos. 11 governamentais e sobre meios utiliza-o no mais amplo Outro pioneiro da sociologia, de alcançá-los. Pois na confusão escopo possível a faROBERT MICHELS, chega de interesses dissonantes, vor de seus próprios inà conclusão semelhante, de opiniões contraditórias, teresses corporativos. no sentido de que todo o de horizontes reduzidos a organismo burocrático tende particularismos, de dissenso e a criar interesses particulares, disputa, onde se poderá conciliáindependentes daqueles para cuja promoção los razoavelmente em prol de um bem maior, foi constituída: comum a todos, que é, afinal, a razão de existir do Estado e de suas instituições? A ...é uma lei social inelutável que qualquer órgão esfera política é o local apropriado para fazêda coletividade, nascido da divisão do trabalho, cria lo, uma vez que o fim específico da atividade para si, logo que estiver consolidado, um interesse espolítica é precisamente prover pelo bem pecial, um interesse que existe dentro de si e para si. 12 comum, resolvendo os conflitos de visões e de A pedra de toque sobre a qual WILSON interesses, construindo o consenso necessário pretendia erigir uma Administração eficiente e ao encaminhamento de soluções aos problemas imparcial mostra-se, afinal, menos sólida do que a todos atingem. Vale transcrever as que o pretendido. É necessário reconhecer palavras de FREUND: que os interesses particulares dos diversos Qual é o bem específico da atividade política? órgãos que formam a Administração e as Ver-se-á que não se trata de um disputas internas por bem unicamente próprio dos parfatias de poder, agregados ticulares e nem mesmo da soma O fim específico da atividade dos bens particulares, seja dos à simples extensão do política é precisamente prover indivíduos, seja dos agrupamenaparato administrativo, à pelo bem comum, resolvendo tos subordinados, tal como da multiplicidade de entidades os conflitos de visões e de intefamília ou de alguma associação que a compõem, às profissional econômica, nem resses, construindo o consendiferentes perspectivas com é o bem do Estado enquanto so necessário ao encaminhaEstado, mas da coletividade que um mesmo problema é mento de soluções aos prototal no meio da qual os indivíabordado e aos diferentes blemas que a todos atingem.. duos são integrados a título de atores do jogo político que membros que se dão um Estado são por ele afetados 13 , como instituição. 14 (grifamos) fazem com que a decisão política seja informada O autor acrescenta mais adiante: por uma miríade de posições divergentes que 11 É a lição perspicaz e universalmente válida exposta por MONTESQUIEU: quem tem poder tende a dele usar até que encontre limites. 12 MICHELS, Robert. Sociologia dos Partidos Políticos. 1. ed. Brasília: UNB, 1982. p. 234. 13 Conforme observa MOULIN: “...en virtud de su misma amplitud, toda macrodecisión afecta a todos los sectores de la vida social; porque provoca la intervención de un gran número de datos, todos ellos heterogéneos y siempre contradictorios; porque implica la existencia de aproximaciones y puntos de vista técnicos diferentes y casi siempre opuestos entre sí; porque, por definición, y a menos de caer en el ‘josefinismo’ de los déspotas ilustrados, debe, además, tener en cuenta una multitud de elementos afectivos, irracionales e imprevisibles…” La Tecnocracia, Tentación y Espantajo del Mundo Moderno. Madrid: Revista de Estudios Políticos, Vol. 123. Mayo-Junio 1962. p. 104/105. 14 “Que est alors le bien spécifique de l’activité politique ? Il va de soi qu’il ne s’agit pas d’un bien propre uiniquement aux particuliers ne même de la somme des biens particuliers, soit des individus, soit des groupements subordonnés, tels de la familie ou toute outre association professionnelle économique, ni son plus du bien de l’État en quant État, mais de celui de la collectivité totale ou sein de laquelle les individus sont integrés à titre de membres que se donnent un État comme institution.” FREUND, Julien. L’Essence du Politique. Paris: Syrei, 1965. p. 651. 22 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 sentido em que um amestrador conhece os seus animais, ou os pais suas crianças, ou maestros suas orquestras, antagônica ao sentido em que os químicos conhecem o conteúdo dos tubos de ensaio.” 17 É, assim a ela [à política] que incumbe intervir quando os conflitos entre os grupos internos arriscam produzir desordens ou quando os bens particulares ameaçam o bem comum. 15 Podemos também aduzir, em favor Fique claro que tal abordagem não implica desta posição, elementos oriundos das a defesa do obscurantismo. O conhecimento circunstâncias vitais em que a pessoa técnico é imprescindível à boa condução dos humana atua e desenvolve seus potenciais. negócios de Estado. Tudo aquilo que pode Com efeito, o político costuma estar, por ser dissecado, analisado e articulado em vocação, por experiência e pela posição uma análise científica deve sê-lo, trata-se, que ocupa, melhor no entanto, de reconhecer aparelhado que o técnico, que esse processo tem Esse processo tem limites e normalmente recluso em limites e imperfeições que imperfeições que não autoriseu campo específico do não autorizam alimentar zam alimentar a ilusão de que saber, a tomar decisões a ilusão de que seríamos seríamos melhor governados de ampla repercussão, em melhor governados por uma por uma tecnocracia politique é essencial apercebertecnocracia politicamente camente irresponsável porse dos múltiplos elementos irresponsável porque que dotada de conhecimene facetas que compõe dotada de conhecimento to “científico” incontestável. um dado problema e “científico” incontestável.18 sua solução, inclusive Desse modo, ainda os de cunho afetivos, que a decisão política não irracionais, que não costumam entrar no prescinda da informação por critérios técnicos, cálculo dos “espíritos geométricos”16 . Não a competência última para sua tomada por acaso, ISAIAH BERLIN assim sumariza deve recair, nos regimes democráticos, as características distintivas do julgamento sobre o Governo e o Parlamento, isolados político: ou conjuntamente, i.e., sobre órgãos politicamente responsáveis perante a nação. A habilidade de que falamos abrange, sobretudo, Estando assente que em uma democracia uma capacidade para a integração de um vasto amála Administração não deve operar alheia ao gama de dados constantemente em mudança, multicoloridos, evanescentes, perpetuamente sobrepondo-se controle dos órgãos representativos, cumpre uns aos outros, são muitos, muito ligeiros, muito enexplorar os mecanismos formais pelos quais tremeados para serem capturados, reconhecidos e roo Parlamento pode exercer este controle. tulados, como se fossem borboletas individualizadas. (...) Como nós chamamos esse tipo de habilidade? Sabedoria prática, talvez razão prática, um senso do que “vai funcionar” ou do que não vai. É uma habilidade, em primeiro lugar, para a síntese, mais do que para a análise, para o conhecimento no 3. Os mecanismos de controle e seus limites Dentre as diversas funções exercidas pelos Parlamentos, a que hoje tende a 15 “C’est aussi à elle [à política] qu’il incombe d’invervenir quand les conflits entre des groupements internes risquent de provoquer des désordres ou lorque les biens particuliers menacent le bien comum. ” FREUND, Julien. L’Essence... p. 659. 16 A expressão é de MOULIN, que a contrapõe ao “espírito fino ”, característico dos políticos. Segundo o cientista político belga, “Existe una racionalidad específica de la política que reclama el arte específico del político, y la observación, específica, del estudioso de la política. Pero ‘racionalidad’ no significa en este caso ni objectividad científica, ni tecnicidad absoluta. En primer lugar es inútil querer ‘despasionalizar’ los problemas políticos en un regímen como el democrático, que habla el idioma de la pasión, necesariamente, y hace sufrir a los hechos simplificaciones extremas y extremas distorsiones.” op. cit. p. 106. 17 “The gift we mean entails, above all, a capacity for integrating a vast amalgam of constantly changing, multicolored, evanescent, perpetually overlapping data, too many, too swift, too intermingled to be caught and pinned down and labeled like so many individual butterflies. (...) What do we call this kind of capacity? Practical wisdom, practical reason, perhaps, a sense of what will ‘work’, and what will not. It is a capacity, in the first place, for synthesis rather than analysis, for knowledge in the sense in which trainers know their animals, or parents their children, or conductors their orchestras, as opposed to that in which chemists know the contents in their tubes… ”. BERLIN, Isaiah. Political Judgement. In: The sense of reality.[s.e]. London: Pimlico, 1996. p. 46/47. 18 É oportuno lembrar o trabalho de MAURICE DUVERGER, que demonstra como a crença no determinismo científico deságua, no plano político, em regimes totalitários. Les Orangers du Lac Balaton. Paris: Seuil, 1980, passim. 23 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 destacar-se não é a legislativa, pois, cada aqueles inscritos no Art. 50 e respectivos vez mais, o Executivo dispõe de meios para parágrafos da CRFB/88 (convocação de liderar o processo decisório e legislar por Ministros de Estado, pedido de informações conta própria (vide o exemplo brasileiro das por escrito etc). Ao lado deste controle genérico, incidente Medidas Provisórias). Assim, o que sobreleva é a função de controle, fiscalizadora19 . sobre qualquer ato da Administração, temos Sua força varia, antes de tudo, conforme os controles específicos, incidentes sobre o sistema de governo adotado, tendendo atos determinados do Poder Executivo21, a ser maior nos regimes parlamentaristas que concentra em sua estrutura o comando onde a sustentação do Governo depende do de toda a Administração pública. A previsão normativa para este controle apoio da maioria parlamentar. pormenorizado encontraNos regimes presidenciais O controle prévio, jusse dispersa em diversos ele tende a ser mais fraco, tamente por ocorrer anincisos do Art. 49 de nossa mas ainda assim existe e as tes do fato consumaCarta Magna22, e podem ser Constituições não deixam do, costuma ser dotado de prever instrumentos que atos de controle a posteriori, de maior efetividade. incidentes sobre o ato já possibilitam efetivá-lo. praticado, como, por exemplo, Em qualquer caso, a a sustação de atos normativos natureza deste controle é sempre política, pois, conforme salienta do Poder Executivo que exorbitem o Poder ANNA CÂNDIDA, ele atua por instrumentos regulamentar (inc. V), ou a priori, hipótese políticos, visando resultados políticos, com em que determinado ato só pode ser o Parlamento agindo dentro dos marcos praticado após apreciação e concordância do constitucionais e das regras regimentais Congresso Nacional. É o caso da autorização por ele mesmo estabelecidas, com plena para exploração de recursos hídricos e autonomia para determinar a oportunidade e minerais em terras indígenas (inc. XVI) e a conveniência do seu exercício.20 para a aprovação da alienação ou concessão de terras públicas com área superior a dois 3.1. Os Mecanismos de Controle no mil e quinhentos hectares (inc. XVII). NoteBrasil. se que o controle prévio, justamente por No Brasil, a Constituição de 1988 prevê, ocorrer antes do fato consumado, costuma no Art. 49, X, um controle genérico, a ser dotado de maior efetividade. posteriori, sobre a Administração, inclusive Insere-se, também, entre os meios de indireta, e sobre o Governo: controle da atuação do Executivo, o poder de controle das contas, exercido pelo “Art. 49. É da competência exclusiva do ConParlamento com o auxílio do Tribunal de gresso Nacional: Contas. Compete-lhe a fiscalização completa (...) da execução orçamentária, acompanhando X – fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Exepari passu todo o ato ou despesa, cutivo, incluídos os da administração indireta;” examinando-lhe a legalidade e conveniência perante o interesse público.23 Silencia o dispositivo, todavia, quanto Recurso poderoso de controle são as aos meios de controle, sendo, por isso, de comissões de inquérito (Art. 58, §3º, da se entender que o Congresso o pratica de CRFB/88), cuja origem foi contemporânea acordo com os meios previstos no próprio à origem dos Parlamentos, apontando-se, texto constitucional, como, por exemplo, uma vez mais, a Inglaterra como o país 19 cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 161. CUNHA FERRAZ, Anna Cândida. Conflito entre Poderes. São Paulo: RT, 1994. p. 154. 21 CUNHA FERRAZ, Anna Cândida. Conflito... p. 162. 22 Nos regimes presidencialistas, a reunião, em uma só pessoa, da Chefia de Estado, da Chefia do Governo e da Chefia da Administração, reflete-se no conteúdo dos atos passíveis de controle elencados no Art. 49. Nem todos dizem respeito a funções administrativas do Presidente da República. Os casos de apreciação da decretação do Estado de Sítio, de Defesa e de intervenção Federal são típicos de controle sobre o exercício de competências atinentes à Chefia de Estado ou de Governo. 23 cf. CAGGIANO, Mônica Herman Salém. Controle Parlamentar da Administração. São Paulo: Revista de Direito Público, n° 96. Out. – Dez. 1994. p. 150. 20 24 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 de procedência destes organismos.24 De acordo com nosso texto constitucional, estas comissões possuem poderes investigatórios equivalentes aos da autoridade judicial25, mas não possuem poder de julgar e aplicar penas, mesmo de natureza política, uma vez que sua função precípua, como lembra FERREIRA FILHO, é a de colher matéria útil ao desenvolvimento dos trabalhos legislativos26. Caso sejam detectados ilícitos durante os trabalhos, suas conclusões devem ser encaminhadas (a) às autoridades judiciais para que estas promovam a responsabilização civil ou criminal das autoridades investigadas e/ou (b) aos órgãos com competência para aplicação de sanções políticas. Finalmente, o impeachment, o mais poderoso de todos os meios de controle, uma vez que através dele o Parlamento pode destituir do cargo o próprio Presidente da República. Suas origens remontam, novamente, ao direito inglês, onde era empregado como meio não apenas de destituir funcionários da Coroa, como também de aplicar-lhes pena. No Brasil, aplica-se quanto aos crimes de responsabilidade cometidos pelo Presidente da República (Art. 85, da CRFB/88). Em virtude da complexidade de seu mecanismo, da gravidade da sanção e da turbulência que provoca na vida política da nação, seu emprego é raríssimo, a ponto de, no Brasil, antes do caso Collor, boa parte da doutrina considerá-lo uma peça de museu. sem que sua utilização transborde para ingerências indevidas no funcionamento de outro Poder. Com efeito, assim como é vedado à Administração criar ou suprimir direitos ou obrigações através da edição de normas com caráter geral e abstrato – atividade que é típica prerrogativa da função legislativa – é igualmente vedado, ao Parlamento, a pretexto de controle, emitir ordens diretas e concretas aos órgãos administrativos de outros poderes. Não há aqui relação de subordinação direta entre o Executivo e o Parlamento, pois a fiscalização que este exerce sobre aquele se dá em uma relação entre Poderes dotados da mesma hierarquia constitucional. Configura o que LOEWENSTEIN classificou de controle interórgãos28. Conclusões Do exposto no curso deste trabalho é possível extrair as seguintes conclusões: I. A Administração pública desenvolveuse como corpo autônomo e profissionalizado no intuito de coibir as ingerências políticas no curso de ação determinado pelo governo. A complexidade dos problemas governamentais, no entanto, praticamente obriga a que esta ingerência ocorra em algum grau. II. A criação de uma burocracia forte e independente levou ao afloramento de interesses políticos particulares aos órgãos que a compõem e que intervêm ativamente no jogo político. O crescimento e multiplicação destes órgãos, somado à indispensabilidade de dados técnicos para informar a decisão política, torna imprescindível a mediação, na arena política, dos interesses e opiniões discrepantes da Administração pública. III. Como órgão colegiado de representação e deliberação, o Parlamento é um locus privilegiado onde esta mediação pode ser feita. Isto por si só já constitui, 3.2. Limites do Controle O exercício do controle parlamentar sobre as atividades do Governo e da Administração não é feito, por óbvio, indiscriminadamente. Encontra um limite natural nos meios que a Constituição coloca à disposição do Parlamento. Todos estão à sombra do princípio da separação de poderes, o que significa que sua utilização deve ater-se aos contornos fixados pelo texto constitucional27, 24 cf. CAGGIANO, Mônica Herman Salém. Controle... p. 151. São recorrentes os debates quanto à extensão destes poderes. A posição que nos parece mais equilibrada é aquela expressa por ANNA CÂNDIDA, a qual lembra, referindo-se a FERREIRA FILHO, que mesmo as autoridades judiciais atuam ao abrigo de normas legais. Caberia, pois, ao regimento interno do Congresso indicar quais destas normas, presentes, por exemplo, no CPC, podem ser invocadas pelas Comissões de Inquérito. Cf. Conflito... cit. p. 181. 25 Curso... cit. p. 162. 27 CAGGIANO, Mônica Herman Salém. Controle... p. 152. 28 “Cuando las instituciones de control operan dentro de la organización de un solo detentador del poder, son designadas como controles intraórganos. Cuando, por otra parte, funciona entre diversos detentadores del poder que cooperan en la gestión estatal, se les designa como controles interórganos.” (grifamos) Teoría de la Constitución. 2ª ed. española. Barcelona: Ariel, 1976. p. 232. 25 25 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 pensamos, um meio de controle político sobre a atividade Administrativa naquilo em que esta intervém enquanto poder politicamente interessado. IV. Os variados mecanismos formais de controle postos à disposição do Parlamento devem ser utilizados dentro dos limites recomendados pelo princípio da separação de poderes. Ademais, viu-se que há diferenças ontológicas, de natureza estrutural, entre a função técnico-administrativa e a função política, o que, igualmente, não recomenda que o controle parlamentar chegue ao ponto de sobrepor-se à função administrativa. V. Juntos, o controle de caráter geral que o Parlamento naturalmente impõe às demandas políticas da Administração ao absorvê-las no debate e confronto com demandas de outros setores e o emprego efetivo dos mecanismos formais que a Constituição coloca ao alcance do Poder Político, abrem caminho para que o Congresso Nacional exerça um efetivo controle sobre a atividade administrativa. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Princípios Fundamentais do Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. Curso de Direito Constitucional. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. FINER, Samuel E. The History of Government. Oxford: University Press, 1999. Vol. III FREUND, Julien. L’Essence du Politique. Paris: Syrei, 1965. LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. 2ª ed. española. Barcelona: Ariel, 1976. MASEDO, Laura Román. Política e Administración. Algunas notas sobre el origen y la evolución del debate teórico. Madrid: Revista de Estudios Políticos. Vol. 98 (nueva época). Oct. - Dic. 1997. MONTESQUIEU. De L’esprit des lois. [s.e]. Paris: Flammarion, 1979. Referências BERLIN, Isaiah. Political Judgement. In: The sense of reality. [s.e]. London: Pimlico, 1996. MICHELS, Robert. Sociologia dos Partidos Políticos. 1. ed. Brasília: UNB, 1982. CAGGIANO, Mônica Herman Salém. Controle Parlamentar da Administração. São Paulo: Revista de Direito Público, n° 96. Out. – Dez. 1994. MOULIN, Leo. La Tecnocracia, Tentación y Espantajo del Mundo Moderno. Madrid: Revista de Estudios Políticos, Vol. 123. MayoJunio 1962. CALVO, José Lopez. Organización y Funcionamiento del Gobierno. Madrid: Tecnos, 1996. SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. O Tribunal Constitucional como Poder – Uma nova teoria da Divisão dos Poderes. São Paulo: Memória Jurídica, 2002. CUNHA FERRAZ, Anna Cândida. Conflito entre Poderes. São Paulo: RT, 1994. WEBER, Max. Economía y Sociedad. 2. ed. esp. Madrid: Fondo de Cultura Económica, 2002. DUVERGER, Maurice. Les Orangers du Lac Balaton. Paris: Suile, 1980. 26 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 O uso de hipóteses na construção do conhecimento científico Walter Guilherme Hütten Corrêa1 Resumo: Frequentemente pesquisadores iniciantes são levados a pensar que um estudo aprofundado de um tema corresponde à produção científica. O caráter científico de um trabalho não reside nisso, mas na construção e teste de hipóteses racionalmente elaboradas. Tem-se a contribuição de Karl Popper para a teoria do conhecimento como marco para a constituição de uma postura científica que assume todo o conhecimento teórico como hipotético, válido enquanto for suficiente para explicar o mundo. Fazer ciência exige uma atividade de construção prévia das verdades científicas possíveis (hipóteses) que são contrastadas com a realidade empírica no experimento científico. A hipótese funciona como um guia para a realização da pesquisa. Dirige a atenção do pesquisador, destaca os elementos que julga importantes, estabelece critérios de seleção das informações disponíveis e faz a ligação entre teoria e fatos. Palavras-chave: Conhecimento científico, Hipótese, Karl Popper. Resumé: Les chercheurs débutants sont souvent encouragés à penser qu’une étude approfondie d’un thème correspond à la production scientifique. Le caractère scientifique d’une œuvre ne réside pas ici, mais dans la construction et les tests d’hypothèses rationnellement conçues. La contribution de Karl Popper à la théorie de la connaissance comme référence pour la formation d’une approche scientifique qui prend toutes les connaissances théoriques comme hypothétique, valide depuis qu’assez pour expliquer le monde. Science nécessite une activité de construction préalable de possibles vérités scientifiques (hypothèses) qui sont confrontés a la réalité empirique dans l’expérience scientifique. Hypothèse fonctionne comme un guide pour la conduite de la recherche. Elle dirige l’attention de le rechercheur, met en évidence les éléments qu’il pense importants, établit les critères de sélection des informations disponibles et fait le lien entre la théorie et les faits. Mots-clés: Connaissance scientifique, Hypothèse, Karl Popper. pesquisa científica tem fundamento na possibilidade que o homem possui de apreender a realidade e construir conhecimento com base na experiência; e que o uso que fazemos das hipóteses, no processo de pesquisa, revela a concepção que temos da possibilidade e da forma de conhecer. Tendo base na teoria do conhecimento desenvolvida por Popper, a hipótese tem papel fundamental, “pois só com as nossas hipóteses aprendemos que tipo de observações devemos fazer: para onde devemos dirigir nossa atenção; onde ter um interesse.” (POPPER, Introdução Este ensaio pretende responder a um desafio: demonstrar a importância e o uso de hipóteses explícitas na pesquisa científica, especialmente nas ciências sociais. Frequentemente pesquisadores iniciantes posicionamse frente à pesquisa científica confiantes que tendo definido um problema de pesquisa relevante, uma lista de livros pertinentes e algumas horas de leitura, farão um trabalho científico. A pesquisa científica é associada ao estudo aprofundado. Consideramos primeiramente que toda a 1 Bacharel em Direito (UFRGS, 1999), mestre em Sociologia (UFRGS, 2001), professor de metodologia da pesquisa científica no curso de Direito da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. [email protected] 27 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 1975, p. 318). Mais do que um guia, a hipótese tem o papel principal no constante jogo de refutação e corroboração que constitui a evolução do conhecimento científico. A formulação de hipóteses não é apenas possível, mas necessária em grande parte dos estudos científicos. As pesquisas que buscam teorias explicativas necessariamente utilizam hipóteses. Já os trabalhos descritivos podem, genericamente, prescindir do seu uso, especialmente quando são estudos exploratórios. Ainda assim, podemos pensar que o estudo exploratório tem por base alguma teoria que é indiretamente testada através de hipóteses subjacentes, não expressas, sobretudo quanto à validade da teoria de base da pesquisa. teorias e hipóteses frente aos fatos observáveis. Esta teoria é explicada resumidamente no ensaio “O balde e o holofote: Duas teorias do conhecimento” (POPPER, 1975, apêndice, p. 313-32). A “teoria do balde” parte da doutrina persuasiva de que, antes de podermos conhecer ou dizer qualquer coisa acerca do mundo, devemos primeiro ter tido percepções – experiências dos sentidos. Supõe-se decorrer desta doutrina que o nosso conhecimento, a nossa experiência, consiste de percepções acumuladas (empirismo ingênuo) ou então de percepções assimiladas, separadas e classificadas (concepção mantida, por Bacon e, de maneira mais radical, por Kant). Os atomistas gregos tinham uma noção um tanto primitiva deste processo. Admitiam que átomos se desprendiam dos objetos que percebemos e penetravam em nossos órgãos dos sentidos, onde se tornavam percepções; e com eles, no decurso do tempo, se montava nosso conhecimento (como um quebra-cabeças de armar que se montasse a si mesmo). De acordo com essa concepção, assim, nossa mente se assemelha a uma vasilha – uma espécie de balde – em que percepções e conhecimento se acumulam (POPPER, 1975, p.313), ou seja, o mundo material, acessível aos sentidos é absorvido na sua essência, pouco a pouco, pelas experiências individuais e, quando suficientemente acumulada a essência do mundo na mente, surgem as correlações e explicações do mundo. 1. Uso de hipóteses sob a perspectiva popperiana Uma questão fundamental na discussão sobre ciência e pesquisa científica é a possibilidade de o ser humano apreender a realidade. Se vivêssemos em um planeta onde nada jamais mudasse, haveria pouca coisa a fazer. Não haveria nada a ser calculado e nenhum ímpeto para a ciência. E se vivêssemos em um mundo imprevisível onde as coisas mudassem ao acaso ou de maneiras muito complexas, não seríamos capazes de calcular nada. Mais uma vez não haveria ciência. Porém, vivemos em um universo limitado, onde as coisas mudam de acordo com padrões, regras, ou podemos chamá-las de leis da natureza. Se eu atirasse uma vareta para o ar, ela cairia. Se o Sol se pusesse no oeste, sempre surgiria na manhã seguinte no leste. Deste modo é possível calcularem-se os fatos. Podemos fazer ciência e com ela melhorar nossas vidas. (SAGAN, 1984, p. 46) Popper critica esta concepção, e aponta a diferenciação que faz entre observação e percepção. Na ciência, a observação, em vez da percepção, é que desempenha o papel decisivo. Mas a observação é um processo em que nós desempenhamos papel intensamente ativo. Uma observação é uma percepção, mas uma percepção que é planejada e preparada. Não “temos” uma observação (como podemos “ter” uma experiência de sentidos) mas “fazemos” uma observação. (...) Sempre uma observação é precedida por um interesse em particular, uma indagação, ou um problema – em suma, por algo teórico. Afinal de contas, podemos colocar qualquer indagação em forma de uma hipótese ou conjectura a que acrescentamos: “É assim? Sim ou não?” Deste modo, podemos afirmar que cada observação é precedida por um problema, uma hipótese (ou seja o que pudermos chamá-lo; de qualquer modo, por algo que nos interessa, por algo teórico ou especulativo. Por isto é que as observações são sempre seletivas e pressupõem alguma coisa como um princípio de seleção (POPPER, 1975, p.314). Justamente no estudo destas regularidades e na busca das causas dos fatos observáveis está o objetivo da ciência, em sentido amplo, e este conhecimento produzido é científico na medida em que tem base em métodos válidos. Sugiro que a meta da ciência é encontrar explicações satisfatórias de qualquer coisa que nos impressione como necessitando de explicação. Por explicação (ou explicação causal) entende-se um conjunto de asserções por meio das quais uma delas descreve o estado de coisas a ser explicado (o explicandum) enquanto as outras, as asserções explicativas, formam a ‘explicação’ no sentido mais estreito da palavra (o explicans do explicandum). (POPPER, 1975, p. 180) O princípio de seleção é o sistema de expectativas do pesquisador, ou seja, as hipóteses com que trabalha de modo mais ou menos consciente. Ao realizar uma observação, o pesquisador espera encontrar um dado Karl Popper desenvolveu uma teoria do conhecimento, que levou à elaboração do método hipotético-dedutivo, tendo base em que o conhecimento se constrói a partir do teste de 28 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 resultado, não age com a mente vazia, mas no centro de um horizonte de expectativas. Devemos entender expectativa como algo intrínseco à postura do pesquisador. Este horizonte de expectativas serve de moldura, conferindo significado às experiências e observações. “Essas expectativas podem ser formuladas em forma de quesitos; e a observação será usada para obter uma resposta confirmadora, ou corretiva, para as expectativas assim formuladas.” (POPPER, 1975, p. 316). As observações, ao colidirem com certas expectativas, podem derrubar o horizonte de expectativas, forçando o pesquisador a reconstruí-lo, desta vez num plano superior, num todo coerente que resiste à refutação pelas observações iniciais. A sucessão de construção de expectativas, colisão com as observações e reconstrução das expectativas, incorporando o observado, é o processo de evolução do conhecimento científico, o que Popper chama de “teoria do holofote”, em contraposição à “teoria do balde”. Podemos dizer que o teste de uma lei (lei científica) frente aos fatos observáveis pode levar à negação da lei ou parte dela (os fatos que a lei prevê não se realizam). Configurase um problema de pesquisa. A investigação implica em substituição desta lei, para que se adeque aos fatos, adquirindo a capacidade de explicá-los. Esta nova lei científica será construída a partir de sucessivos testes de hipóteses até obter-se uma hipótese que resista à refutação pelos fatos observados. Popper entende que as hipóteses ocupam papel central na pesquisa. As observações funcionam como teste da hipótese em desenvolvimento. Se a hipótese não passar no teste, se for falseada pelas observações, o pesquisador deve buscar uma nova hipótese. A nova hipótese surgirá depois de já conhecer aquilo que refutou a hipótese anterior, sendo já dirigida à superação deste problema. Isto não afasta a importância da hipótese refutada, pois ela foi o passo necessário à construção da nova hipótese. A hipótese funciona como um guia para a realização da pesquisa. Dirige nossa atenção, destacando os elementos que julgamos importantes, estabelecendo critérios de seleção das informações disponíveis e fazendo a ligação entre teoria e fatos. Concentrando o olhar sobre a metodologia de pesquisa em Ciências Sociais, esta postura frente ao conhecimento já se mostra na afirmação de Cohen e Nagel, citados por Selltiz et. al. (1974): Não podemos dar um único passo adiante em qualquer pesquisa, se não começarmos com uma explicação ou solução sugeridas para a dificuldade que provocou a pesquisa. Tais explicações provisórias nos são sugeridas por algo no objeto e por nosso conhecimento anterior. Quando formuladas como proposições são denominadas hipóteses. (Cohen e Nagel, apud Selltiz et. al., 1974, p. 42-3) Sobre a função da hipótese, prossegue: A função de uma hipótese é orientar nossa busca de ordem entre os fatos. As sugestões formuladas na hipótese podem ser as soluções para o problema. Saber se o são é a tarefa da pesquisa. Não é necessário que qualquer das sugestões conduza ao nosso objetivo. E, frequentemente, algumas das sugestões são incompatíveis entre si, de forma que nem todas podem ser soluções para o mesmo problema. (Cohen e Nagel, apud Selltiz et. al., 1974, p. 43) (grifos no original) Talvez este posicionamento seja muito radical ao afirmar que a pesquisa não pode começar sem formulação de hipóteses. Os próprios autores criticam Cohen e Nagel neste sentido. As pesquisas exploratórias colocam a formulação de hipóteses como um objetivo e não como uma etapa prévia. Em Ciências Sociais é comum o pesquisador encontrar-se frente a um problema de pesquisa com poucos elementos para prosseguir. A teoria adotada pode ser excessivamente geral ou excessivamente específica para dirigir a pesquisa empírica, ou não há pesquisas suficientemente semelhantes para permitir a crítica das técnicas utilizadas, ou ainda, não há dados disponíveis, ou em quantidade ou qualidade adequados para a formulação de hipóteses consistentes, ou mesmo para verificar a existência de um efetivo problema de pesquisa onde o pesquisador intuiu haver. A pesquisa exploratória pode ser uma fase do processo de pesquisa, justamente da construção do problema de pesquisa e das hipóteses, ou pode constituir-se em uma pesquisa de maior fôlego, que adquire autonomia e, por si só, tem valor científico. Nesta situação a pesquisa parte sem hipóteses expressas, pois não objetiva comprovar a ideia que temos de algo, mas busca justamente constituir uma ideia sobre algo. Contudo podemos encontrar hipóteses subjacentes, não expressas, que estão guiando a pesquisa. 29 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 Se iniciarmos uma pesquisa apenas com dos diversos caminhos possíveis no desenvoluma pergunta: “o que é isto?” ou “que conse- vimento de uma pesquisa, permitindo escolhas quências tal fato tem sobre tal aspecto da vida mais econômicas e realizáveis. A habilidade de tal grupo na presença de tais condições?” criativa permite ao cientista enxergar aquilo estaremos na verdade supondo que existe que no senso comum não existe, ou está uma resposta significativa, que os elementos oculto. O cientista estabelece novas ligações colocados na pergunta são significativos (a entre fatos, entre fato e teoria, pensa no impensado. Consiste em enxergar ausência de um elemento implica sinais, relações, hipóteses, onde o na alteração da resposta) e temos A hipótese pode observador comum vê apenas um uma expectativa de resposta, visívir a ser conamontoado de informações. Mais vel pela direção que tomamos ao firmada, bem que isso, é encontrar no inesperado tentar respondê-la. como infirmada. uma possível resposta ao problema A pesquisa parte de uma susproposto. peita, de uma hipótese que o pesEstes elementos devem estar quisador acredita encontrar eco na observação dos fatos. A hipótese pode vir a dosados entre si, pois um excesso de criativiser confirmada, bem como infirmada. Os dois dade pode levar o pesquisador a formular suas resultados são igualmente interessantes para a hipóteses com base mais na sua intuição (ainciência, ainda que, humanamente, esperemos da que fundamental) que na teoria, nas leituras a confirmação. Este é um dos pontos em que ou na experiência, levando a uma redução da Popper significou um crescimento. Na sua viabilidade do projeto. Já o excessivo apego às teorias consagradas, em perspectiva devemos buscar a detrimento da inovação criatinegativa da hipótese, a falseava, conduz à mera reprodução bilidade, pois é mais fácil negar Para a construção de do conhecimento, perdendo uma hipótese que corroborá-la. hipóteses significativas caráter científico. O desejo, de fundo emocontribuem a leitura cional, para a confirmação disponível, a experiêndas hipóteses, associado a um Conclusão cia e a habilidade criasentimento negativo na evenO conhecimento científico tiva do pesquisador. tual negativa da hipótese, gera é construído através de seu uma pressão sobre o modo de método, que o diferencia das o pesquisador interpretar os fatos e a teoria, demais formas de conhecer. Tendo por referênreduzindo sua qualidade científica. Entender cia a teoria do conhecimento de Karl Popper, como igualmente valorosa (no sentido de mé- assume-se que o conhecimento científico é rito pessoal) a confirmação ou a negação da produzido no teste de hipóteses, levando à hipótese é importante na medida em que se corroboração ou negação de teorias explicaticompreende que o verdavas. Nesta perspectiva toda deiro desafio é a construção pesquisa científica possui O excessivo apego às teode hipóteses significativas, hipóteses, ainda que não exrias consagradas, em detrionde se lança o espírito pressas, e ainda que o pesmento da inovação criativa, criativo do pesquisador. quisador não as tenha tornaconduz à mera reproduPara a construção de do conscientes. Reforça-se ção do conhecimento, perhipóteses significativas conque é papel do cientista ser dendo caráter científico. tribuem a leitura disponível, o mais consciente possível a experiência e a habilidade das hipóteses que utiliza. criativa do pesquisador. A A pesquisa qualitativa em leitura disponível implica uma ampliação da ciências sociais, sobretudo quando de caráter gama de alternativas em temas correlatos, exploratório, é dita destituída de hipóteses. polêmicas e discussões sobre o tema pes- Não entendemos assim, pois, mesmo em quisado, conhecimento dos processos de uma exploração, já estão presentes na própria pesquisa já realizados, de modo a construir questão proposta os elementos para a hipóum cenário mental mais ou menos rico para tese. Já estão razoavelmente (ainda que não lançar-se ao trabalho. A experiência na pes- definitivamente) delineados os fatores que o quisa contribui para a avaliação da viabilidade pesquisador entende capazes de influir sobre 30 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 os resultados (elementos significativos) e a direção em que pretende seguir em busca da resposta (há uma expectativa de resposta). A construção de uma hipótese constitui um processo fundamentalmente criativo, mas que exige em alguma medida o domínio dos temas a serem abordados, a fim de evitar hipóteses inconsistentes e inviáveis. Contudo a falta de ousadia na construção de hipóteses pode levar a um retardamento do processo de construção de conhecimento científico. O cientista deve buscar um ponto entre a segurança do conhecimento sedimentado e a ousadia do impensado. Referências POPPER, Karl R. Conhecimento objetivo: uma abordagem evolucionária. Trad. Milton Amado. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1975. SAGAN, Carl. Cosmos. Trad. Angela do Nascimento Machado. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1984. SELLTIZ, Claire. et al. Métodos de pesquisa nas relações sociais. Trad. Dante Moreira Leite. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária, 1974. 31 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 Influência dos elementos linguísticos contextualizadores na compreensão leitora por acadêmicos de administração Maria Cristina dos Santos Martins1 Tanise dos Reis2 Resumo: Este estudo teve por objetivo analisar, através do procedimento “cloze”, a influência dos elementos linguísticos contextualizadores na compreensão leitora de um texto explicativo (VOCÊ/S.A.), por sessenta e três universitários do 1º e 8º semestres do curso de graduação de Administração da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre – FDB, que realizaram três instrumentos de testagem: teste de avaliação do conhecimento prévio, teste cloze de avaliação da compreensão leitora, questionário de percepções do aluno sobre sua atuação como sujeito da pesquisa. Os resultados mostraram que os alunos não invocam os elementos linguísticos contextualizadores como elementos que colaboram para a otimização da compreensão leitora, porque desconsideram a relevância desses elementos como perspectivas interpretativas. Palavras-chave: Leitura, Compreensão, Elementos linguísticos contextualizadores, Texto Explicativo. Abstract: This study had as objective, to analyse through the “cloze” procedure, the influence of contextualized linguistic elements on the reading comprehension of a explanatory text (VOCÊ/S.A.), of sixty three students from the 1st and 8th semesters of the Business Graduation Course at Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre – FDB –, that underwent through three testing instruments: previous evaluation of knowledge, cloze test evaluation of the reading comprehension, questionaire of the students perceptions on his performance as subject of this study. Results show that students do not invoke the contextualized linguistic elements that help with reading comprehension optimization, because they do not consider the relevance of such elements as interpretative perspectives. Key-words: Reading, Comprehension, Contextualized linguistic elements, Explanatory text. Introdução O presente trabalho ocupou-se da leitura, mais especificamente da compreensão leitora de um texto explicativo. Fundamentou-se na Psicolinguística – ciência que analisa a influência dos processos cognitivos de produção e recepção da linguagem verbal e as relações entre essas influências. A atividade leitora se faz presente em todos os níveis educacionais das sociedades letradas. Tal presença, sem dúvida marcante e abrangente, começa no período de alfabetização, quando a criança passa a “compreen1 2 der o significado potencial” de mensagens registradas através da escrita. Após esse período, o adolescente encontra-se com os mais variados estilos de livros-textos que irão acompanhá-lo ao longo de sua trajetória acadêmica. Então, durante a etapa do Ensino Superior, infelizmente, percebe-se a realidade, ou seja, o aluno “fingiu” que aprendeu a lerinterpretar textos, e o professor “fingiu” que ensinou. O papel do docente, desde o Ensino Fundamental, deveria ter sido o de criar oportunidades que desenvolvessem o processo cognitivo de leitura e compreensão do texto Mestra em Linguística Aplicada e Especialista em Linguística do Texto. Professora da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre, da Faculdade SENAC de Porto Alegre e FTEC de Novo Hamburgo, RS. e-mail: [email protected] Acadêmica do Curso de Administração da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. 33 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 escrito, salientando que essas oportunidades poderiam ter sido melhor criadas na medida em que o processo fosse conhecido. A compreensão de texto parece amiúde tarefa fácil, porque o objeto é complexo, isto é, abrange muitas das possíveis dimensões do ato de compreender; contudo, a seguir será examinada algumas facetas dessa complexa tarefa. E, finalmente, como não há quantidade significativa de pesquisas relacionadas com essa abordagem global de texto, e que privilegie o texto explicativo – (Revista VOCÊ/SA, revista voltada ao público executivo brasileiro). Considera-se esse tipo de leitura importante meio de informação, instrução prática e/ou de atualização relacionada à vida cultural deste tipo de leitor) –, optou-se, por isso, em dedicarse a este estudo. são apresentadas por GOODMAN, 1976 e 1991; SMITH, 1983, 1989 E 1999; LEFFA, 1996; POERSCH e AMARAL, 1991; KINTSCH, 1984; BROWN e YULE, 1984; KLEIMAN, 1989; FOUCAMBERT,1994; KATO, 1999 e 2000; SOLÉ, 1998. Tanto Smith (19883) quando Goodman (1991) reforçam que a compreensão é um processo ativo que se estabelece entre leitor e texto. O leitor interage com o texto e com o autor, valendo-se tanto de informações visuais apresentadas pelo texto (pistas grafofonológicas), quanto de informações não-visuais (pistas semânticas), que estão em seu cérebro, por intermédio de pistas sintáticas. Consequentemente, o significado que os leitores constroem não reside na estrutura de superfície (ou no texto em si), mas é sempre relativo àquilo que os leitores já sabem ou àquilo que desejam saber. Marcuschi (1985) afirma que, apesar de pouco sabermos a respeito do problema da compreensão de textos, já emerge como fundamental um consenso, ou seja, que os conhecimentos individuais afetam decisivamente a compreensão, de modo que o sentido não reside no texto. Assim, embora permaneça como ponto de partida para a sua compreensão, o texto só se tornará uma unidade de sentido na interação com o leitor. 1. Revisão da Literatura A leitura é uma habilidade para a qual há necessidade de um aprendizado contínuo, pois quanto mais o homem toma conhecimento de seu mundo e de novas palavras, mais apto ele será no conhecimento delas. A capacidade de se comunicar bem é uma das competências mais valorizadas no mercado de trabalho hoje. Na era do conhecimento, profissionais de sucesso são aqueles que sabem obter, processar e divulgar as informações capazes de fazer as coisas acontecerem. Assim, acredita-se ser dever da universidade propiciar ao estudante uma formação que lhe dê condições de desenvolver uma leitura eficaz, principalmente no que tange à leitura técnico-científica, que é primordial no futuro desempenho profissional desse estudante. (WITTER, 1996, 1997). 1.1.1. O que é ler? O termo “leitura” pode receber inúmeras definições, pois, nas últimas décadas houve uma explosão de conhecimentos relacionados com a leitura, principalmente, com a compreensão leitora em diversas áreas. Contudo, para o embasamento deste trabalho, e segundo os autores estudados, no processo de compreensão, o leitor decodifica palavras, construindo seu significado na memória. A estrutura gramatical da sentença, sobre a qual o leitor aplica regras semânticas a fim de interpretá-las, também é identificada. Como o significado é construído, frequentemente o leitor faz inferências para resgatar informações implícitas. Para a recuperação e a compreensão do significado, o leitor faz uso de conceitos e conhecimentos previamente adquiridos. Estes favorecem a acomodação e a integração das novas informações do texto às que o leitor já possuía, segundo POERSCH e AMARAL, 1989; KATO, 1999; KLEIMAN, 1989; MARCUSCHI, 1996; SMITH 1989 e 1999. 1.1. Compreensão Leitora A compreensão na atividade de leitura não é um processo simples nem uniforme, por isso tem constituído um desafio para estudiosos da área. Ao observar o modo como diferentes leitores compreendem um mesmo texto, percebe-se que os resultados dificilmente são idênticos, que leitores podem interpretar de forma diversa os fatos apresentados. As diferenças de interpretação que se evidenciam de um leitor para outro falam de bagagem cognitiva armazenada durante o percurso de vida de cada um, de acordo com Trevisan (1992). Importantes considerações a esse respeito 34 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 1.1.4.1. Objetivo da Leitura Os objetivos do leitor com relação a um texto podem ser muitos e variados, dependendo da situação e do interesse do momento. Os objetivos da leitura determinam a forma como o leitor se situa frente a sua leitura. Solé (1998, p. 93) cita várias finalidades da leitura, todas consideradas na situação de ensino: ler para obter uma informação precisa, para seguir instruções, para obter informação de caráter geral, para aprender, para revisar um escrito, para comunicar um texto a um auditório, para praticar a leitura em voz alta e para se verificar o que foi aprendido. Em consonância com Solé, Kleiman (1992) afirma que há evidências inequívocas de que a capacidade de processamento e de memória do leitor melhoram significativamente quando é fornecido um objetivo à leitura. 1.1.2. Preditibilidade A preditibilidade é um instrumento que o leitor utiliza para antecipação do conteúdo do texto. O processo se dá através de pistas formais. Os pesquisadores Goodman (1976 e 1993) e Smith (1978 e 1999) empregam este termo para caracterizar os diversos comportamentos hipotetizados no leitor durante o processo de ler. Para ambos, a estratégia de predição, ou adivinhação, é fundamental numa leitura significativa. Resumindo, na elaboração da hipótese de leitura, é necessário ativar conhecimento prévio do leitor sobre o assunto, pois quanto mais o leitor souber sobre o assunto, mais seguras serão suas predições. Para intensificar a compreensão e a lembrança do que lê, assim como para detectar e compensar os possíveis erros e falha na leitura, o leitor se utiliza de estratégias – procedimentos – que passam a ser tratadas a seguir. 1.1.4.2. Conhecimento Prévio O conhecimento prévio é um conjunto de informações que está armazenado na memória do leitor e é formado pela interação dos níveis de conhecimento: conhecimento de mundo, conhecimento linguístico e conhecimento textual – Kleiman (1999). Como são utilizados conhecimentos que interagem entre si, a leitura é considerada um processo interativo. Leffa (1996) compara o leitor e o texto a duas engrenagens; se não houver encaixe nas engrenagens, o leitor e o texto se separam e ficam rodando soltos. O conhecimento prévio, portanto, constitui todo conhecimento que o indivíduo adquiriu ao longo de sua vida e envolve, como já foi dito, três tipos: • conhecimento linguístico; • conhecimento textual: refere-se ao conjunto de noções sobre texto, ou seja, todo o saber acerca das tipologias textuais, isto é, a estrutura característica de cada tipo de texto (poema, narrativa, reportagem, receita, bula, etc.); • conhecimento de mundo (ou enciclopédico). Todos esses três sistemas de conhecimento são acessados durante o processamento textual, a fim de possibilitar a compreensão. 1.1.3. Estratégias de Leitura As estratégias de leitura, observadas sob o ponto de vista cognitivo, referem-se aos processos mentais que os indivíduos utilizam quando estão envolvidos em uma tarefa de leitura. Elas são divididas em dois tipos: estratégias cognitivas – designam os princípios que regem o comportamento inconsciente e automático do leitor, e seu conjunto serve essencialmente para construir a coerência local do texto – e estratégias metacognitivas – referem-se às atividades planejadas, reflexivas e intencionais de processar o sentido do texto. Essas estratégias caracterizam o comportamento do leitor maduro, pois derivam do controle planejado e deliberado das atividades que levam à compreensão. 1.1.4.Variáveis que interferem no Processamento da Compreensão Leitora Como já foi dito anteriormente, o leitor constrói o significado do texto, isto é, o significado de um escrito para o leitor não é a tradução do significado que o autor quis lhe dar, mas uma construção que envolve o texto, os conhecimentos prévios e seus objetivos. Portanto, a leitura é o processo através do qual se compreende a linguagem escrita. Nessa compreensão, intervêm tanto o texto, sua forma e conteúdo, como o leitor, suas expectativas e conhecimentos prévios. Esses aspectos são analisados nos itens a seguir. 1.1.4.3. Tipos de Textos e Expectativas do Leitor Um leitor comporta-se diferentemente, segundo a natureza dos textos que lhe são 35 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 apresentados, ou seja, autor, conteúdo, legibilidade, estrutura, etc. Segundo os autores Alliende e Condemarín (1987), Solé (1998), Goodman (1991) e Smith (1999), os alunos devem estar expostos constantemente a diversos tipos de textos que fazem parte do mundo em geral. Para esses autores, é importante que os professores revelem pistas que possam levar os alunos à compreensão desses textos, pois o leitor pode ser ensinado a utilizar as mesmas “chaves” que o autor utilizou para formar o significado do seu texto. motivos da falta de incentivo a sua prática e, por isso mesmo, os alunos ignorarem as suas especificidades. Embora sua escrita seja exigida desde uma simples resposta a uma questão de prova ou a trabalhos mais complexos que são desenvolvidos no decorrer das disciplinas, ainda assim, é imprescindível que se trabalhe sistematicamente com ele através da leitura e da escrita. O texto explicativo consiste em um gênero textual que faz compreender um problema da ordem do saber. Segundo Coltier (1987), diante de um problema relacionado com o saber, o texto explicativo questiona o real em duas circunstâncias. A primeira refere-se à existência de um paradoxo, que causa um certo estranhamento com o sistema estabelecido de explicação de mundo; faz aparecer uma incongruência. A segunda circunstância em que o texto explicativo questiona o real, conforme a citada autora, ocorre na investigação de uma evidência, que consiste em um questionamento sobre um fenômeno normal que se torna objeto de investigação, sem que haja contradição. Nos dois casos apresentados, tanto na existência de um paradoxo, quanto na investigação de uma evidência, esse gênero constrói enigmas a serem explicados a um interlocutor, mediante um raciocínio lógico, conduzindo a uma conclusão. Ainda, segundo a autora, no texto explicativo, normalmente, os enunciados são compostos por três categorias: os enunciados descritivos, os explicativos e os balizados. Os enunciados descritivos apresentam o fenômeno a ser explicado. O enunciador, como mero observador, registra os fatos de modo objetivo. Os verbos normalmente estão no presente ou no imperfeito do indicativo. Há a ausência dos pronomes em primeira e segunda pessoa. Os enunciados explicativos oferecem uma solução. A escolha dos tempos verbais dependerá do modo como se processa a explicação. Em caso de antecipação de hipóteses, ou da retomada de certas explicações, ocorre frequentemente o emprego do futuro do pretérito (poderia, ocasionaria). Quando se vai para a solução, o enunciado compreende uma sequência de asserções no presente do indicativo (ocasiona, resulta). Por sua vez, os enunciados balizados comentam o desenvolvimento do texto, assinalando as diversas etapas. Pode haver o emprego dos pronomes 1.1.5 Avaliação da Compreensão Leitora – Procedimento Cloze Desde seu surgimento, o cloze tem sido utilizado no desenvolvimento de pesquisas relacionadas à compreensibilidade de materiais impressos, à compreensão geral de leitura, à linguagem, a aspectos metodológicos do procedimento em si e suas possibilidades no processo ensino-aprendizagem. Criado por Taylor (1953), como uma nova medida de leiturabilidade, o cloze possui, ainda, a capacidade de medir a compreensão leitora. É interessante esclarecer que Taylor, ao elaborar o procedimento cloze, entendeu que, assim como as pessoas tendem a completar um círculo que esteja parcialmente fechado, também o leitor, ao deparar-se com uma estrutura linguística incompleta, tende a completá-la com o elemento sintático e semântico adequado. Taylor alerta para o fato de que o procedimento em questão não é uma fórmula de leiturabilidade, nem uma fórmula do familiar teste de completar sentenças. Para o autor, o procedimento é um novo instrumento psicológico para medir a eficácia da comunicação. 1.2 O Texto Explicativo Neste trabalho, o tipo de texto escolhido foi o texto explicativo, pois o mesmo tem sido pouco estudado em todos os níveis escolares. Além disso, a escolha se deve ao fato do aluno conviver com ele diariamente, quer através de leituras de livros didáticos, artigos, revistas especializadas, entre outras. Neste estudo, o texto explicativo é abordado como um gênero textual que apresenta soluções para um problema da ordem do saber. Acredita-se que o fato de haver poucas pesquisas sobre gênero textual seja um dos 36 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 (eu, nós, se); de fórmulas imperativas; de verbos no futuro do presente e por expressões que orientam o leitor (primeiramente, agora, em segundo lugar, depois, finalmente). No texto explicativo, a progressão das ideias é fundamental para a solução da questão. Por fim, este gênero textual sempre tem em mente quem é o seu interlocutor, qual o seu nível sociocultural, qual é a sua idade, quais são os seus interesses, entre outros, o que determinará as escolhas lexicais e o grau de abstração. Se a explicação for dirigida para um especialista de determinada área, a linguagem será mais complexa; se for para um interlocutor comum, o vocabulário será fácil e a sintaxe, simples. Normalmente, as interrogações são diretas, mas as indiretas também são empregadas ao propor uma questão. Pode também haver a presença de tabelas, gráficos, ilustrações para servir de complementação. Os recursos visuais complementam o texto e lhes conferem uma maior concretude. • localização: diz de onde veio o documento, sendo esta uma informação relevante; no caso do texto explicativo, temos a localização pelo veículo de informação. • data: é um fator fundamental que localiza o documento num determinado tempo. • elementos gráficos: é o “design”, organização do texto como fonte para a situação do universo textual. 1.3.2. Elementos Linguísticos Contextualizadores Perspectivos – ELC Os ELC Perspectivos têm a função de alavancar uma perspectiva de interpretação possível, contextualiza o leitor, gerando expectativas. Eles podem ser classificados como: • título: o título de um texto, geralmente, tem o poder de avançar comunicativamente elementos cognitivos em termos de expectativas. Ele é um ponto decisivo de partida ou abandono da leitura pretendida. Muitas vezes ele pode desorientar o leitor, para levá-lo justamente à leitura do texto, como nas manchetes de vários jornais, filmes, livros. • autor: o autor é um dos motivos que podem fazer com que leitores optem ou não pela leitura do texto. O fato de tomarmos conhecimento do nome do autor do texto pode ativar muitas suposições e expectativas com relação ao texto. Conforme Marcuschi (1983), a expectativa criada pelo conhecimento do autor terá repercussões inclusive no grau de aceitabilidade que será conferido ao texto, caso ele “burle” convenções do sistema. • início: quanto ao início de textos, o autor afirma não haver uma regra que diga como iniciar um texto, mas enfatiza que seu início cria raios de dependência com um certo alcance, isto é, a primeira sentença pode ser curta ou longa, tudo dependerá dos efeitos que o autor deseja obter e das expectativas que deseja suscitar no possível leitor. Cabe salientar que muitos outros pesquisadores em Linguística também desenvolveram estudos – ainda que contemplando um ou outro elemento – sobre os ELC, a saber: COSTE, 1978; MARTINS-BALTAR, 1978; HARWEG, 1968, 1977 e 1980; LOFFER-LAURIAN, 1975; SOUZA, 1996; CORACINI, 1989; van DIJK, 1992, TERZI, 1992; MENEGASSI, 2000; SMITH, 1989bock, 1980; MARCUSCHI, 1986. 1.3. Elementos Linguísticos Contextualizadores - ELC Conforme Marcuschi (1983), os ELC são elementos que propiciam alternativas de compreensão, podendo ser de dois tipos: • a) contextualizadores propriamente ditos – que ajudam a “ancorar o texto na situação comunicativa; • b) perspectivos ou prospectivos – que avançam expectativas sobre o conteúdo e também a forma do texto. Também Kleiman (1989, p. 43) refere-se aos ELC, não só como alternativa de abordagem textual, mas também como portadores de alto grau de informatividade. A autora afirma que através desta abordagem a leitura passa a ter um caráter de verificação de hipóteses, revisão, confirmação, refutação, que envolvem uma série de estratégias necessárias à compreensão. 1.3.1. Elementos Linguísticos Contextualizadores Propriamente Ditos – ELC Os ELC propriamente ditos ajudam a “ancorar” o texto na situação comunicativa. Eles podem ser • assinatura: não tem, em geral, a mesma posição. Quando este item não está presente no texto, sua ausência pode nos levar a várias inferências possíveis. (ex.: carta anônima). 37 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 Já que o texto não tem inscrito em si todos os sujeitos, distribuídos em duas turmas (Iniciansentidos objetivamente, segundo Marcuschi tes – alunos do 1º semestre – e Concluintes (1999), o leitor deve ser ativo, produtivo e – alunos do 8º semestre). Cabe salientar que criativo em sua ação individual de ler. a disciplina de Português faz parte do primeiro Por fim, pretendeu-se com este trabalho semestre do currículo do curso de Administracontribuir para o avanço dos estudos do ção, sendo uma disciplina obrigatória. O plano processo cognitivo da leitura e da compreen- de curso da disciplina contempla o seguinte são leitora; uma vez que os profissionais de conteúdo: análise textual, produção textual, administração, na sua maioria, desconhecem constituintes textuais, coesão e coerência a abordagem de leitura e compreensão leito- textuais, pontuação, estudo do parágrafo, ra como processos que estão intimamente resumo e resenha. relacionados, que a linguagem permeia ambas as atividades e que 2.2. Instrumentos a construção do sentido – Esta pesquisa configuA população da pesquisa abran“mensagem” – se dá tanto rou-se como estudo de caso geu alunos que frequentavam o num processo quanto no qualitativo e quantitativo, 1º e 8º semestres do curso de outro e o texto é o elemento tendo como instrumentos: Administração da Faculdade intermediário. Além disso, teste de avaliação do coDom Bosco – uma instituição através deste estudo, prenhecimento prévio do aluparticular de Porto Alegre/RS. tendeu-se, ainda, oferecer no (TCPrévio), teste cloze subsídios para uma prática TCloze), questionário de profissional mais “eficiente percepções do aluno sobre e eficaz”, por parte dos professores de Língua sua atuação como sujeito da pesquisa (QPAPortuguesa e Português Instrumental dos Cur- tuação). sos de Administração, pois é de conhecimento Teste de Conhecimento Prévio (TCPrévio) destes docentes, que atividades que exigem – foi utilizado para avaliação do conhecimento leitura e compreensão de textos são conside- prévio do aluno sobre o tema: RESILIÊNCIA. radas, pelos discentes, como muito comple- Os discentes responderam a cinco questões xas, desinteressantes, desnecessárias, por de escolha simples (V ou F). Como “texto de isso, costumam realizá-las mecanicamente, apoio”, para emparelhamento do conhecimenisto é, utilizam-se de cópia. to prévio, foi pedido aos alunos que lessem Assim, a presente pesquisa teve como o texto “Afinal, o que é resiliência?” (2008), objetivo analisar, através do procedimento retirado do Portal da Administração (www. “cloze”, a influência dos elementos linguísticos administradores.com.br). contextualizadores na compreensão leitora de Teste Cloze (TCloze) – foi utilizado um um texto explicativo (VOCÊ/S.A.), por sessen- texto de Max Gehringer (2005) intitulado “O ta e três universitários do 1º e 8º semestres que é resiliência”. O texto continha aproxido Curso de Graduação de Administração da madamente 400 vocábulos, do qual se omitiu Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre – FDB. sempre o quinto vocábulo, sendo que para o espaço deixado entre cada palavra, adotou-se 2. Método um padrão. 2.1. Sujeitos Questionário de Percepções do aluno A população da pesquisa abrangeu alunos sobre sua atuação como sujeito da pesquisa que frequentavam o 1º e 8º semestres do (QPAtuação) – foi utilizado para obter inforcurso de Administração da Faculdade Dom mações adicionais sobre a importância da Bosco – uma instituição particular de Porto presença dos Elementos Linguísticos ConAlegre/RS. O fato de o universo abranger textualizadores – ELC, para a otimização da alunos que frequentam o Ensino Superior do compreensão leitora. Dez questões compucurso de Administração justificou-se por se seram o questionário. supor que esses discentes já estejam aptos 2.3. Procedimento a ler-interpretar textos mais complexos, publiOs instrumentos foram aplicados em uma cados em revistas especializadas, dirigidas a sessão, em horário de aula previamente sua área de atuação. A amostra foi constituída de sessenta e três cedido pelo professor, em dias alternados 38 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 para cada turma, aplicados pela bolsista. As disciplinas nas quais foram aplicados os testes são as seguintes: Matemática (1º semestre), Gestão de Projetos e Orçamento Empresarial (8º semestre). Os alunos, no dia da aplicação, receberam primeiro o Texto de Apoio para a leitura; após, responderam ao TCPrévio. Em seguida, foi-lhes pedido que preenchessem todas as lacunas do TCloze e, por fim, respondessem ao questionário sobre sua atuação como sujeitos da pesquisa – QPAtuação. Para a aplicação dos instrumentos, os sujeitos das turmas foram divididos em grupos, a saber: deram o texto. Tabela 1 – Desempenho dos sujeitos no TCPrévio Questões 1 2 3 4 5 Iniciantes Acertos %acertos 30 85,7 24 68,6 33 94,3 33 94,3 12 34,3 Concluintes Acertos %acertos 27 90,0 24 80,0 25 83,3 27 90,0 19 63,3 A questão número 1 tratava da origem do termo que era também o tema central do texto de apoio, ou seja, a origem do termo RESILIÊNCIA. A turma Concluinte obteve melhor desempenho, isso parece mostrar certa familiaridade, por parte dos alunos de final de curso, com o tema relacionado à sua área de estudo, além de uma possível maturidade linguística, isto é, maior capacidade de distinguir informação principal das secundárias. A questão número 2 tratava diretamente do significado da palavra RESILIÊNCIA. Também nesta questão a turma Concluinte obteve melhor desempenho. O que confirma as conclusões ditas anteriormente. Já na questão 3, obteve melhor desempenho a turma dos Iniciantes. Essa questão, assim como a questão anterior, referia-se à palavra RESILIÊNCIA, contudo era necessária maior atenção para interpretá-la. Como se observou certa impaciência e pouco comprometimento em participar desse tipo de atividade por parte da turma dos Concluintes, o resultado passa a não ser surpreendente. A questão 4 relacionava o conceito de RESILIÊNCIA aos exemplos do texto. Nessa questão, também o desempenho da turma dos Iniciantes foi melhor, ainda que por uma margem pouco significativa. Por fim, a questão 5 tratava do significado do termo RESILIÊNCIA na área da física. A turma dos Concluintes obteve resultado bastante significativo em relação à turma dos Iniciantes, isso talvez se deva ao fato de os alunos terem entendido, de forma mais clara, o que vem a significar este vocábulo. Assim, como houve uma diferença pouco significativa entre as turmas, esse fato possibilita que se chegue a duas conclusões interessantes. Primeiro, o fato de os alunos terem recebido como “material de apoio” um texto, isso parece evidenciar que trabalhar A. • Iniciantes: turma do 1º semestre. Essa turma foi dividida em dois grupos – ComELC e SemELC. • Grupo ComELC de alunos que receberam o teste cloze com a presença dos elementos linguísticos contextualizadores; • Grupo SemELC de alunos que receberam o teste cloze sem a presença dos elementos linguísticos contextualizadores. B. • Concluintes: turma do 8º semestre. Essa turma foi dividida também em dois grupos ComELC e SemELC, a saber: • Grupo ComELC de alunos que receberam o teste cloze com a presença dos elementos linguísticos contextualizadores; • Grupo SemELC de alunos que receberam o teste cloze sem a presença dos elementos linguísticos contextualizadores. O procedimento adotado para a contagem dos escores do TCloze foi o método da palavra exata, sendo consideradas corretas as respostas que corresponderam exatamente às palavras apagadas. 3. Resultados 3.1. Análise dos dados obtidos através do teste de avaliação do conhecimento prévio do aluno (TCPrévio) A análise dos dados obtidos através do teste de avaliação do conhecimento prévio do aluno (TCPrévio) possibilitou observar que o maior índice de acertos verificou-se na turma dos alunos Concluintes, ainda que tenha sido por uma diferença pouco significativa. Como os índices de desempenho entre as duas turmas foram bastante próximos, isso parece mostrar que, de forma geral, os alunos enten39 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 compreensão; segundo, quando os ELC são omitidos no texto, essa ausência parece não ser percebida pelos alunos. A maior nota é observada na turma dos Iniciantes ComELC e a menor na turma dos Concluintes SemELC. Como dito antes, observou-se certa impaciência e pouco comprometimento em participar desse tipo de atividade por parte da turma dos Concluintes, com o texto na íntegra e o contato com o mesmo pode favorecer o bom desempenho discente. Segundo, o material de apoio parece ter homogeneizado as turmas quanto ao conhecimento prévio. 3.2 Análise dos dados obtidos através do teste de avaliação da compreensão leitora do aluno (TCloze) Tabela 2 – Desempenho das turmas dos alunos Iniciantes e Concluintes dos grupos ComELC e SemELC ComELC Iniciantes SemELC Concluintes Iniciantes Concluintes 40,3 54,2 31,9 50,0 56,9 44,4 55,6 44,4 51,4 45,8 54,2 44,4 55,6 48,6 43,1 68,1 41,7 50,0 51,4 41,7 36,1 45,8 50,0 54,2 51,4 48,6 56,9 40,3 37,5 55,6 59,7 48,6 47,2 45,8 45,8 41,7 22,2 31,9 40,3 59,7 30,6 50,0 38,9 47,2 38,9 54,2 41,7 58,3 * 41,7 * 62,5 * * * Média 48,1 45,3 45,7 48,6 Desvio padrão 9,5 11,3 8,2 8,3 Maior 68,1 61,1 55,6 59,7 Menor 33,3 22,2 25,0 31,9 Amplitude 34,7 38,9 30,6 27,8 % acertos 37,5 Número 17 15 16 15 * alunos que não quiseram devolver o instrumento de pesquisa respondido ao contrário da turma dos Iniciantes que demonstraram evidente comprometimento, por isso, entende-se, que o resultado passa a não ser surpreendente. Quanto à amplitude (a maior nota subtraída da menor), percebe-se maior disparidade na turma dos Concluintes, acredita-se pelas razões ditas há pouco. A tabela 2, quanto aos ELC influenciarem na compreensão leitora, pelos dados apresentados, parece que esses elementos tendem a não exercer grande influência, O maior índice de acertos verifica-se na turma dos Concluintes SemELC (elementos linguísticos ausentes): 48,6%. É possível observar, através dessa tabela, que as diferenças entre as médias dos quatro grupos é sutil. Constata-se, também, que as médias entre os grupos, em cada turma, não apresentam grandes diferenças. Esses dados nos conduzem para as seguintes conclusões: primeiro, os ELC, quando presentes no texto, parecem não ser invocados pelos alunos para auxiliar na 40 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 observados até mesmo pela semelhança entre as médias. Como os resultados dos dados parecem sutis, foram realizadas outras análises como, por exemplo, o ANOVA – Análise de Variâncias, apresentados a seguir. Tabela 5 – Resultado do TCloze dos grupos ComELC e SemELC da turma dos Concluintes RESUMO Grupo Contagem ComELC 15 SemELC 15 Tabela 3 – Resultados do TCloze dos grupos ComELC e SemELC da turma dos Iniciantes RESUMO Grupo Contagem ComELC 17 SemELC 16 Soma 589 527 Soma 489 525 Média 32,6 35 Variância 66,54286 35,28571 É possível observar na tabela 5 variação de desempenho entre os grupos da turma dos Concluintes. É possível observar também que a variação é maior no grupo ComELC. É provável que a percepção individual dos ELC como detentores de informação tenha auxiliado para a variação de desempenho. Média Variância 34,64706 46,74265 32,9375 34,8625 A tabela 3 mostra a variação de desempenho entre os grupos da turma dos Iniciantes. É possível observar que a Tabela 6 – Resultado do TCloze entre os grupos variação é maior no grupo ComELC. Cabe ComELC e SemELC da turma dos Concluintes lembrar que a turma ANOVA recebeu como material Fonte de de apoio um texto para variação SQ gl MQ F valor-P F crítico leitura e o TCloze foi Entre 43,2 1 43,2 0,848485 0,36485 4,195972 entregue com os ELC grupos presentes neste grupo. Dentro dos grupos Tabela 4 – Resultado do TCloze dos Total grupos ComELC e SemELC da turma dos Iniciantes ANOVA Fonte de variação Entre grupos Dentro dos grupos Total MQ 1425,6 28 1468,8 29 F valor-P 50,91429 SQ gl F crítico 24,08924 1 24,08924 0,587626 0,449137 4,159615 1270,82 31 40,99419 1294,909 32 Percebe-se que o fator F não está na região crítica. Assim, não há evidência, a 5%, de que as diferenças sejam significativas. Tabela 7 – Resultados do TCloze das turmas dos Iniciantes e dos Concluintes dos grupos ComELC Observa-se que o fator F não está na região crítica. Portanto, não há evidência, a 5%, de que as diferenças sejam significativas. Parece importante lembrar o que afirma Coste (1978): o levantamento e a compreensão de diferentes elementos textuais – títulos, subtítulos, diagramação, etc. – devem levar o aprendiz a construir algumas hipóteses preliminares e interpretações com respeito ao sentido e à construção do texto. No entanto, a familiaridade quanto ao domínio e à existência de elementos co-textuais não são próprias a leitores em geral. RESUMO Grupo Contagem ComELC 17 SemELC 15 Soma 589 489 Média Variância 34,64706 46,74265 32,6 66,54286 A tabela 7 mostra a variação de desempenho entre as turmas do TCloze dos grupos ComELC. A turma dos Concluintes mostra maior variação da média. Esse fato pode estar relacionado ao fato de que os alunos do final de curso se mostraram pouco receptivos a desenvolver esse tipo de atividade que não 41 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 reverteria em nota para a disciplina. lembrar o que Duran (1981) e Cardoso (1994) afirmaram Tabela 8 – Resultados do TCloze das turmas dos sobre a conclusão da Iniciantes e dos Concluintes dos grupos ComELC Educação Superior, isto é, ela não é sinônimo ANOVA de oportunidade Fonte de de emprego bem variação SQ gl MQ F valor-P F crítico remunerado, já Entre 33,39265 1 33,39265 0,596481 0,445966 4,170877 que é sabido que grupos grande parte desses Dentro dos 1679,482 30 55,98275 alunos chegam ao grupos final do curso com sérias deficiências Total 1712,875 31 no conhecimento, Observa-se que o fator F não está na resultado de uma baixa habilidade em leitura. região crítica. Portanto, não há evidência, a 5%, de que as diferenças sejam significativas. 3.3 Análise dos dados obtidos através Este resultado surpreende, pois se esperava do Questionário de Percepções do Aluno que os alunos Concluintes obtivessem sobre sua Atuação como Sujeito da melhor desempenho considerando o estágio Pesquisa (QPAtuação) de escolaridade no qual se encontravam, isto Os alunos, após responderem o TCloze, é, finalizando o curso. receberam da bolsista o QPAtuação para ser respondido. O questionário continha 10 Tabela 9 – Resultados do TCloze das turmas dos questões do tipo abertas. Iniciantes e Concluintes dos grupos SemELC O objetivo da questão 1 era saber quantos alunos haviam cursado a disciplina de Língua RESUMO Grupo Contagem Soma Média Variância Portuguesa que faz parte das disciplinas ComELC 16 527 32,9375 34,8625 obrigatórias do 1º semestre. Entre os SemELC 15 525 35 35,28571 Concluintes e Iniciantes, apenas 15 sujeitos dos 63 não tinham cursado a disciplina, esse A tabela 9 mostra a variação de dado é relevante para a pesquisa já que desempenho entre as turmas do TCloze textos explicativos são contemplados no dos grupos SemELC. A população das plano de curso turmas apresenta um desempenho mais A questão 2 indagava sobre a facilidade ou padronizado. Cabe lembrar que esses alunos dificuldade na leitura do texto. A maioria dos receberam o texto sem a presença dos ELC. alunos Concluintes considerou o texto fácil e a maioria dos alunos Iniciantes considerou-a Tabela 10 – Resultados do TCloze das turdifícil ou regular, ou seja, os alunos de final mas dos Iniciantes e Concluintes entre os de curso parecem mais familiarizados com grupos SemELC este tipo de texto. Já com relação à ANOVA questão 3 que tratava Fonte de do vocabulário do texto variação SQ gl MQ F valor-P F crítico e de sua interpretação, Entre 32,93347 1 32,93347 0,939163 0,340507 4,182964 a maioria dos sujeitos grupos revelou não ter Dentro dos 1016,938 29 35,06681 encontrado dificuldade grupos em entendê-la. Quanto à falta de Total 1049,871 30 algum conhecimento É possível observar que o fator F necessário para o preenchimento das novamente não está na região crítica. Assim, lacunas, na questão 4, a maioria dos alunos não há evidências, a 5%, de que as diferenças expressou não ter sentido falta de nenhum sejam significativas. Parece importante aqui tipo de conhecimento e apenas 14 sentiram 42 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 necessidade de exercitar mais a leitura. Sobre as informações presentes no texto que foram relevantes para o preenchimento das lacunas do TCloze, questão 5, as respostas foram variadas, sendo que predominaram as respostas dos alunos que levaram em consideração todas as informações do texto ou o conceito de resiliência presente no texto de apoio e no texto do TCloze. A questão 6 era importante para esta pesquisa, pois fazia referência aos ELC. A maioria dos alunos das turmas de Iniciantes e Concluintes SemELC expressou que não faltavam informações no texto. Apenas um sujeito disse estar faltando o título do texto. Através desta questão esperava-se que o grupo expressasse ter percebido a falta dos ELC, para auxiliar na compreensão leitor. Pode-se concluir, então, que além dos discentes não perceberem que esses elementos não estavam presentes, não sentiram a falta dos mesmos, para possibilitar alternativas de compreensão. Esse fato parece evidenciar não uma dificuldade dos alunos em relacionar os elementos às informações do texto, mas sim completo desconhecimento desses elementos como “detentores” de informação. Quanto à apresentação do texto explicativo, tratada na questão 7, os alunos, na sua grande maioria, responderam não notar nada de diferente neste tipo de texto em relação a outros já lidos. Apenas 7 discentes expressaram como diferença em relação aos outros textos lidos, o fato deste tipo de texto apresentar uma explicação para um termo ou dúvida apresentada na introdução. O objetivo da questão 8 era saber se os alunos sabiam reconhecer as características de um texto explicativo. As respostas a essa questão foram variadas. Embora os conceitos tenham sido expressados de forma incompleta pelos alunos, 17 mostraram ter noção do que vem a ser um texto explicativo. Contudo, a grande maioria, 46 discentes, não sabia conceituá-lo nem parcialmente. Este é um dado importante e preocupante considerando o nível de escolaridade no qual se encontram e/ou encontravam-se esses alunos, principalmente por ser um tipo de texto visto facilmente em revistas de cunho cultural e em revistas especializadas na área de atuação desses profissionais. A questão 9 tratava da familiaridade do aluno, em aula, com o texto explicativo, pois indagava em quais disciplinas eles haviam trabalhado com este tipo de texto. A grande maioria dos alunos disse não ter trabalhado, em aula, com este gênero de texto. Já 20 alunos disseram ter trabalhado com este gênero textual, nas seguintes disciplinas: português (11); filosofia (2); ciências políticas (1), metodologia (2); sociologia (1); mercadológica (2); recursos humanos (1). Por fim, a questão 10 perguntava se os discentes consideravam ter compreendido o texto. Os alunos, na sua grande maioria, consideraram tê-lo compreendido, sendo que 11 expressaram não tê-lo entendido, isto é, 5 Iniciantes e 6 Concluintes. 4. Discussão e conclusão Esta pesquisa teve como objetivo analisar a influência dos elementos linguísticos contextualizadores na compreensão leitora. Nesse sentido, os escores obtidos através do Teste de Avaliação da Compreensão leitora do aluno (TCloze) e as respostas ao Questionário de Percepções do Aluno sobre sua atuação como sujeito da pesquisa (QPAtuação) constituíram-se em dados fundamentais para o propósito deste trabalho. Esperava-se que os discentes do início do curso de Administração apresentassem certa familiaridade com os textos apresentados, uma vez que os mesmos abordavam temas da área, publicados em veículo de massa, de fácil acesso (Revista VOCE/SA). Principalmente, por ser o autor dos textos um profissional reconhecido na área por sua atuação (Max Gehringer: escritor, consultor de carreira e palestrante), tanto na revista em questão como na televisão (emissora Rede Globo), no programa “Emprego de A a Z”, do Fantástico, aos domingos. Nesse dia da semana, o escritor também trata de temas relacionados ao mundo do trabalho, pois este programa tem seu foco direcionado, segundo o consultor (conforme contato por e-mail), para o “mercado de trabalho” e a revista para “o público corporativo”. Por outro lado, esperava-se que o resultado do teste de compreensão leitora, com discentes do último semestre do curso de Administração, fosse ainda mais positivo, uma vez que esses alunos, acredita-se, estão familiarizados com o tema dos textos, 43 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 são alunos que foram expostos a gêneros vista que esse estudante ingressará em um textuais variadas ao longo do Curso – (in- mercado de trabalho competitivo, devendo clusive textos explicativos, ainda que a possuir uma qualificação técnica que lhe terminologia não tenha sido empregada) – e, será exigida. Os dados aqui apresentados além disso, conhecedores do vocabulário da e as conclusões discutidas apontam para área. a necessidade de realização de novas Através da observação e análise dos pesquisas sobre o tema, de forma a elucidar dados fornecidos pelo ANOVA, pareceu ter as questões aqui levantadas. ficado evidente que um dos problemas da compreensão é considerá-la, na maioria dos Referências casos, uma simples e natural atividade de ALLIENDE, F.; CONDEMARIN, M. Leitura: decodificação de um conteúdo objetivamen- teoria, avaliação e desenvolvimento. Porto te inscrito no texto. Esse aspecto já havia Alegre: Artes Médicas, 1987. sido apontado por Marcuschi (1999). Para o autor, compreender um texto envolve mais CARDOSO, S. M. V. A prática docente do que o simples conhecimento da língua e no ensino superior particular noturno: um reprodução de informações. Atividades des- estudo de caso. Tese de Doutorado. Faculdase tipo parecem, ainda, ser o estilo de ativi- de de Educação da Universidade Estadual de dade trabalhada em aula no que se refere à Campinas, Campinas – SP. compreensão leitora. Através da pesquisa foi possível constatar este fato, já que os aluCOLTIER, Danielle. Approches Du text nos, além de não levarem explicatf. Pratiques, metz em conta as informações (51): 3-22, sep. 1986. Trad. presentes nos ELC, não de Ignácio Antônio Neis. A compreensão em leitura, espercebem sua ausência, Porto Alegre: PUC/RS sencial para o sucesso no Encomo se fosse possível sino Superior, está associada dispensar a inclusão desCORACINI, M.J.R.F. O à maturidade em leitura, que ses elementos que são altítulo: uma unidade subpode (e deve) ser implementernativas que auxiliam na jetiva. Trabalhos em Lintada por atividades eficazes em compreensão em leitura. guística Aplicada. Campiaula e em todas as disciplinas. Por tudo isso, cabe frisar nas, n. 13, p. 54-235, 1989. que a compreensão em leitura, essencial para o sucesso no Ensino COSTE, Daniel. Leitura e competência Superior, está associada à maturidade em comunicativa. In: GALVES, Charlotte (org.). leitura, que pode (e deve) ser implementada O texto: escrita e leitura. Campinas: Pontes, por atividades eficazes em aula e em todas 1988. as disciplinas, além de serem necessários programas específicos de intervenção, no DURAN, A. P. Padrões de comunicação âmbito das várias disciplinas, garantindo a oral e compreensão da comunicação esoportunidade de superação de eventuais crita na universidade: estudos no Nordeste. limitações. Tese de Doutorado. Instituto de Psicologia da Não se pode também ignorar a hipótese Universidade de São Paulo, São Paulo, 1981. de a baixa pontuação no TCloze estar FOUCAMBERT, Jean. A Leitura em relacionada à falta de comprometimento do aluno, principalmente de final de curso, ao Questão. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. responder ao instrumento de pesquisa, visto que a tarefa não reverteria em pontuação GOODMAN, Kenneth S. Reading a psypara a disciplina (nota). Fato não observado colinguistic guessing game. In: SINGER, H.; de forma significativa entre os alunos ingressantes no curso. ___; GOODMAN, Yetta. Reading and Ainda, conforme observam Cardoso writing relationships: pragmatics functions. (1994) e Witter (1997), a compreensão em Language e Arts. v. 15, n. 4, p. 63-79, 1983. leitura é um tema de grande importância dentro do contexto universitário tendo em ___. Unidade na leitura: um modelo psico44 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 linguístico transacional. Letras de Hoje, v. 26, n. 86, p. 9-43, 1991. ___; AMARAL, M. P. Como as categorias textuais se relacionam com a compreensão em leitura. In: Veritas, v. 35, n. 133, p. 77-89, 1989. KATO, Mary. O aprendizado da leitura. São Paulo: Martins Fontes, 1999. SMITH, Frank. Leitura significativa. 3. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999. ___. No mundo da escrita: uma pespectiva psicolinguística. 7. ed. São Paulo: Ática, 2000. ___. Compreendendo a leitura: uma análise psicolinguística da leitura e do aprender a ler. 4. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. KLEIMAN, Angela. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. Campinas: Pontes, 1989. ___. Reading like a writer. Language arts. Urbana: National Council of Teachers of Englisch, 60, p. 627-643, 1983. ___. O conhecimento prévio na leitura. In: KLEIMAN, Ângela. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. São Paulo: Pontes, 1992. SOLÉ, Isabel. Estratégia de Leitura. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. ___. Leitura: ensino e pesquisa. São Paulo: Pontes, 1996 LEFFA, Vilson J. Aspectos de leitura. Porto Alegre: Sagra, 1996. TAYLOR, W.L. Cloze procedure: a new tool for measuring readability. Journalism Quarterly, v. 30, p. 415-433, 1953. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Linguística do texto: o que é como se faz. Recife, UFPE/ Mestrado em Letras e Linguística, 1983. TREVISAN, E. M. C. Leitura: coerência e conhecimento prévio. Santa Maria: UFSM, 1992. MOIRAND, Sophie. Situação da escrita, imprensa escrita e pedagogia. In: GALVES, Charlotte et all. O texto: escrita e leitura. Campinas: Pontes, 1988, p. 87-108. WITTER, Avaliação da produção científica sobre leitura na universidade. Psicologia Escolar e Educacional, n. 1, p. 31-37, 1996. ___. “Approache globale de textes écrits”, Estudes de Linguistique Appliquée, n. 23, 1973. ___. Leitura e Universidade. São Paulo: Alínea, 1997. POERSCH, José Marcelino. Por um nível metaplícito na construção do sentido textual. Letras de Hoje, v. 26, n. 4, p. 127-143, 1991. 45 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 O poder de controle nas sociedades anônimas brasileiras Prof. Dr. Silvio Javier Battello Calderon1 Resumo: O presente trabalho aborda a problemática do poder de controle nas sociedades anônimas brasileiras. Desde uma visão comparatista, e tomando como referência os aportes da doutrina norte-americana, se analisa a regulamentação legal do instituto, a distinção com o direito de propriedade e as diversas formas ou espécies de controle societário. Palavras-chave: Sociedade Anônima, Propriedade, Poder de Controle. Abstract: This paper discusses the problem to the legal control in Brazilian corporations. From a comparative view, and taking as reference the contributions of U.S. doctrine, analyzes the legal regulation of the institute, distinction with property rights and the various forms or types of corporate control. Key-words: Corporation, Ownership, Control Power. Introdução Situado diante de qualquer instituição organizada, seja uma fábrica, prefeitura ou ainda uma entidade religiosa, o observador provavelmente se perguntará: quem comanda essa organização? Como fez para chegar ao poder? Qual é o alcance do mesmo? Embora constituam perguntas comuns, suas respostas ficam longe de ser simples, e podem substan cialmente ser conforme o tipo de instituição. Comandar uma prefeitura é diferente de comandar ou controlar um time de futebol ou uma entidade religiosa. O presente trabalho pretende responder às perguntas, limitandose ao âmbito societário brasileiro, especialmente às sociedades anônimas. 1 Bacharel em Direito (UNC, Argentina); advogado na Argentina e no Brasil; Especialista em Direito Empresarial (PUC-RS); Doutor em Direito (UFRGS); Pós-doutorando em Direito (UBA, Argentina); professor da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected] 47 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 figuração. O plano está dividido em duas partes. Na primeira, se estudam as características do poder de controle à luz do direito brasileiro. Já a segunda parte se propõe a sistematizar as diversas peculiaridades do poder através das formas de seu exercício. Cabe destacar que, do ponto de vista semântico, o termo “controle” possui duas acepções: uma de origem francesa, utilizada no sentido de fiscalização, inspeção, intervenção; e outra de origem inglesa, sinônimo de comando, domínio ou preponderância. No direito societário, quando se faz referência ao controle ou ao poder de controle, sem nenhum tipo de esclarecimento ou comentário, se lhe está atribuindo o segundo significado – domínio societário. Também são utilizados como sinônimos os termos dominação ou influência dominante, todos para designar o exercício do poder. As legislações também não são coincidentes, ao determinar o conceito, recorrendo a expressões variáveis2. Diante da dificuldade de conceituação do “controle societário”, De Aguinis afirma que “o poder nas ciências sociais é como a energia na física: não se define, mede-se por seus efeitos. Decidir políticas financeiras, de pessoal, de marketing, do destino das utilidades, de investimentos, da comercialização, tudo isso é a expressão cotidiana e verdadeira do exercício do controle societário” (DE ANGUINIS, 1996, p. 19). I. Características A) Propriedade e controle societário É comum pensar que quem exerce o poder numa companhia é seu dono. O proprietário das riquezas produzidas por uma indústria ou comércio deve ser, em princípio, quem possui o poder de comando ou controle. Entretanto, o conceito de riqueza sofreu profundas mudanças no decorrer do século XX. Ser proprietário de grandes extensões de terras, de milhares de cabeças de gado ou de uma fábrica foi, em tempos passados, as principais exteriorizações de poder e dinheiro. Esse paradigma de riqueza começou a mudar, e os antigos bens que a representavam (todos eles materiais) começaram a ficar atrás de outras fontes, de caráter imaterial, tais como os contratos de software, transferências de know-how, títulos de diversas espécies, ações, marcar, patentes de invenção, propriedade intelectual, etc. Basta pensar em Bill Gates, que se converteu no homem mais rico do mundo, não por possuir grandes fazendas ou inúmeros imóveis, mas sim por ser o pai do Windows, sistema operacional de computadores que mudou radicalmente a sociedade mundial. A autonomia do conceito de poder de controle apareceu na primeira metade do século passado, evidenciado pelo estudo dos professores Adolf A. Berle e Gardiner C. Means (1940). Desde então foi ganhando cada vez mais espaço nas bibliografias societárias de todo o mundo3. A preocupação acadêmica também teve efeitos no âmbito legislativo. No Brasil, a atual Lei de Sociedades Anônimas4, a diferença da anterior, preocupou-se em tratar o poder de controle como instituto próprio, determinando seu significado e suas consequências jurídicas. As novas formas de riqueza (títulos de diversas espécies, transferência de know how etc.) apresentam uma característica comum, a abstração. Nenhum deles possui por si só um significado claro ou completo; são termos representativos, relacionados a bens imate- Nosso estudo centra-se na descrição do poder de controle no Direito Brasileiro. Foge do alcance deste trabalho o aprofundamento sobre as consequências jurídicas da sua con- 2 Por exemplo, o art. 33 da Lei de Sociedades Comerciais Argentina e o art. 2.359, 2, do Código Civil Italiano utilizam o termo “influência dominante”. Para uma análise comparativa e evolutiva dos conceitos, veja-se: ALONSO, Felix Ruiz. “Holding” no Brasil. Revista de Direito Comercial. v. 10, São Paulo, p. 77-96. 1952. 3 Uma boa resenha bibliográfica pode ser consultada nas obras de: COMPARATO, Fabio Konder. O poder de controle na sociedade anônima. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976; a mesma obra com atualização de Calixto Salomão Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2005; FERREIRA DE MACEDO, Ricardo. Controle não Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2004; MANÓVIL, Rafael M., Grupos de Sociedades en el derecho comparado. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1998. 4 A seguir denominada Lei das S.A. 48 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 irrevogável, visto que o direito de patente é eminentemente temporário8. O mesmo acontece com a propriedade acionária. Com a evolução do direito, tornase complexa, a ponto de que as condições ou atributos antes referidos não mais se adequam à realidade atual, isso, em virtude do enfraquecimento do caráter exclusivo da propriedade. Nos dias de hoje, o “proprietário” de ações não é necessariamente quem controla ou comanda a empresa. A posse de ações não implica como corolário natural o exercício de poder na empresa. Existem várias categorias de acionistas sem poder de controle, como é o caso dos possuidores de obrigações negociáveis, certificados de inversão e tantos outros papéis comerciais de sociedades. Assim, a própria técnica jurídica é a encarregada de outorgar a esses acionistas uma propriedade excluída da posse e da disposição dos bens da empresa, ou, como afirma Comparato, uma proprieda- riais, intangíveis, frutos do avanço da ciência jurídica para acompanhar a nova realidade econômica. A realidade negocial pode ser facilmente dimensionada em termos econômicos, mas dificilmente em termos jurídicos. O sistema clássico de propriedade, baseado no ideal do senhorio do titular sobre seus bens, demonstra-se insuficiente para conceituar e delimitar os avanços econômicos do último século5 . O conceito de propriedade necessitou transformar-se, tornando-se mais elástico6. O que consideramos como principais atributos do direito de propriedade, isto é, seu caráter absoluto, exclusivo e irrevogável7, não é aplicável às novas fontes de riquezas, ou, pelo menos, com o alcance que têm em relação aos bens materiais. Se, por exemplo, analisamos o conceito de Propriedade Industrial, verificamos que se aplicam a este as condições de absoluta e exclusiva, mas não podemos dizer o mesmo de seu caráter 5 Para uma análise mais detalhada, veja-se: DE AGUINIS, Control de Sociedades. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1996, em especial o cap. I; GALGANO, Francesco. Historia del Derecho Comercial, Barcelona: Laia, 1980, capítulos II e III. 6 A evolução do conceito de propriedade foi muito bem exposta por Ihering, que, adiantando-se no tempo, afirmava: “Nuestra vida jurídica, se sabe, conoce numerosos derechos que el lenguaje ha extendido el término propiedad, aún cuando no tengan la cosa como objeto. Es así que se dice: propiedad literaria, propiedad de misivas, de letras de cambio, entendiendo por tal, no la propiedad del manuscrito, de las copias o del trozo de papel sobre el cual está escrita la carta o la letra de cambio, sino el derecho al contenido intelectual del papel, es decir, la disposición propia, independiente, exclusiva, concerniente a dicho papel, y por consiguiente, el derecho a interdecir su disposición a los demás (derecho de prohibición) que conforma el corolario indispensable. Es en este sentido, también, que pueden ser materia de propiedad ‘comercial’ los nombres y marcas de fábrica. Este lenguaje usual es criticado en la doctrina, y desde el punto de vista didáctico, el profesor hará bien en prevenir al alumno contra el peligro de considerar estos derechos como constitutivos de una propiedad en el sentido propio de la palabra. Pero una vez hecha esta observación, estimo que no hay nada que objetar contra el empleo de estas expresiones. Yo las tengo, por el contrario, por las más precisas y las más exactas y estoy convencido de que, precisamente por este motivo, el lenguaje no deberá dejarse apartar por ese escrúpulo jurídico, Pronto, yo pienso, esas expresiones serán usadas por la ciencia, y se asistirá al fenómeno que ya hemos visto se produjo en el Derecho Romano: las acciones y las formas que originariamente estaban referidas a ‘la cosa’ transladadas a los derechos mismos. Todos los actos, todas las relaciones de derecho patrimonial han tenido originariamente por objeto la cosa; la cosa visible, palpable, formando el objeto primero y natural del Derecho y de toda disposición jurídica. Empero, desde este punto de partida material, el Derecho es elevado poco a poco a una concepción inmaterial, espiritualista, que coloca a las res incorporalis en la misma línea de la res corporalis. Las nociones y las palabras creadas para estas últimas, en adelante, en todas partes donde se pueda, son transladadas a los derechos. Así la noción de habere, realizado por la venta de una cosa se extiende a la venta de los créditos, de las sucesiones, del usufructo. Así, aun aquéllos de lacatio rei se extienden a la locación de la renta (es decir al ejercicios de los derechos). La noción de jus in re, ella misma se translada de la cosa a los derechos, el derecho de prenda y el usufructo son extendidos a los créditos y a los patrimonios enteros”. In: Actio Injuriam, des Lésions injurieuses en Droit Romain (et en Droit Français), traduit et annoté par O. De Meuleneare, Marescq, Paris, 1888, pag. 145. Citado e traduzido para o espanhol por DE AGUINIS, Control..., p. 9-10. 7 Sobre esses conceitos, veja-se: MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 16 ed. São Paulo, 1980, p. 88 e ss. 8 Sobre o conceito e alcance da Propriedade Industrial veja-se: MICHELLI DE ALMEIDA, Marcus Elidius. Propriedade Industrial frente à concorrência desleal. In: Adalberto Simão Filho e Newton de Lucca (org.) Direito empresarial contemporâneo. 2 ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 111-141. 49 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 judicial para seu reconhecimento, o chamado “direito em pé de guerra” como geralmente é conhecido. É o próprio titular quem o exerce perante terceiros, valendo-se da proteção dada pela lei. Assim, o direito do proprietário integra-se com a ação judicial, e é por força dessa ação que o proprietário poderá conseguir a reivindicação da propriedade acionária, contestar a ação de seu credor, executar o devedor, etc.11 de estática, de mera fruição (COMPARATO, 2005, p. 41). Por sua vez, o management e a moderna tecnoestrutura societária criaram sua própria fonte de poder (acordo de acionistas, leveraged, etc.), que não obedece ao sistema organicista e democrático sob o qual se fundaram as bases das legislações societárias. Assim, a propriedade da riqueza separou-se do controle da riqueza9. Se atualmente o poder de controle não mais se identifica com a propriedade, como distingui-lo? Quem exerce o poder de controle está numa situação objetiva, constituída por direitos e deveres. Trata-se de uma faculdade de produzir efeitos jurídicos pela manifestação de vontade de seu titular e não da propriedade sobre a coisa. De forma mais taxativa: um “autêntico iusum super partes, comportando a suprema determinação da atividade empresarial e o consequente poder de disposição dos bens da empresa” (COMPARATO, 1976, p. 106). A faculdade de produzir determinados efeitos jurídicos, em virtude do poder de controle, deve ser exercida em benefício de outrem – neste caso, da empresa – ou, pelo menos, não exclusivamente por aquele que exerce o poder. Dessa forma, os conflitos são de interesses – e não conflitos surgidos do âmbito convencional – entre quem representa o poder e aquele que está representado. Para aquele que o exerce, existem deveres correlatos, que servem para limitar ou restringir o poder. Como bem ensina De Aguinis, o poder de decidir sobre os bens de outrem é limitado pelo dever de não causar dano, de não enriquecer sem justa causa. É uma questão de lealdade, que não gera vínculos jurídicos (DE AGUINIS, 1996, p. 29). Para o professor Comparato, querer colocar o poder de controle dentro do direito de propriedade é uma herança do direito burguês e revolucionário francês, que visava suprimir o domínio eminente da terra – a propriedade estática – e tornar absoluto o domínio útil – a propriedade dinâmica – dos que efetivamente cultivavam a terra e possuíam os instrumentos de trabalho, convergindo num único direito de propriedade sobre o qual se edificaram a maior parte das legislações pós-napoleônicas10, inclusive o Código Civil Brasileiro de 2002, quando estabelece: Art. 1228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, de direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Art. 1231. A propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário. Ser proprietário de ações não significa ter o poder de controle da companhia, mas um direito subjetivo para proteger sua propriedade, utilizando-o sempre em interesse próprio. Deve-se destacar que a proteção de seus direitos está intimamente vinculada com a ação Ante a violação dos respectivos deveres por parte do titular do poder, existe a possi- 9 A frase, atribuída a Galgano, é citada por DE AGUINIS, Control..., p. 19. Para esta afirmação, o autor cita a Jean Carbonnier: CARBONNIER, Jean Droit Civil, vol. 3, 7 ed. Paris, 1973, p. 88, apud COMPARATO, O poder..., p. 101. 11 Para o desenvolvimento destes conceitos, veja-se ROUBIER, Paul. Droits Subjetifs et Situations Juridiques. Paris: Dalloz, 1963. 10 50 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 grupos de sociedades13. A Lei das S.A. inovou ao regulamentar a posição do acionista controlador e da sociedade controladora. bilidade da ação judicial daquele que tenha sofrido o dano. A intervenção jurisdicional somente aplicará a sanção se verificado o dano ou o enriquecimento sem causa, bem como a legitimidade do autor da pretensão. A principal diferença com a ação do titular do direito de propriedade reside no fato de não ser o poder de controle uma situação pré-determinada, “é a própria ação de responsabilidade que faz aparecer a situação jurídica. Não há direito anterior” (DE ANGUINIS, 1996, p. 31). Importa destacar que a divisão teórica entre a propriedade acionária e o poder de controle societário apresenta-se, na prática, muitas vezes confundida em relações jurídicas complexas que misturam direitos, poderes, deveres, obrigações e prerrogativas de diversa índole. Falar de “poder de controle” sugere, em primeiro lugar, a existência de um binômio: se existe controle é porque alguém exerce esse poder sobre outrem, neste caso, uma sociedade. A sociedade controlada é o sujeito passivo necessário sobre a qual se atua ou se exerce o poder. Em nenhum caso o controle se manifesta sobre pessoas, o que configuraria um caso de escravidão. O exercício do poder não é absoluto, já que sempre estará limitado pelos deveres correlatos, pelas circunstâncias e também pela vontade de quem dispõe dele. O direito brasileiro, a partir da Lei das S.A. de 1976, qualifica e regulamenta o controle no âmbito societário, e precisamente sobre esta lei nos deteremos adiante. a) Acionista controlador O conceito de acionista controlador surge do art. 11614 da Lei das S.A., que trata claramente das situações em que se configura o poder de controle. O caput da norma define os possíveis sujeitos destinatários da configuração legal, podendo ser tanto pessoas físicas como jurídicas, ou ainda um conjunto de pessoas que componham a maioria e usem as prerrogativas estabelecidas na norma. O poder manifesta-se nas deliberações sociais e na eleição da maioria dos administradores. É importante destacar que legislador não exige a “propriedade” de um percentual mínimo de ações com direito a voto para caracterizar a figura do controlador. Preferiu, diferentemente, identificar o controlador caso a caso, analisando quem é a pessoa que comanda a empresa, fazendo prevalecer suas decisões nas assembleias e escolhendo os administradores. Dessa forma, o legislador abre a possibilidade de que um não-acionista possa ser considerado titular do poder sempre que obtenha a maioria dos votos nas assembleias gerais. Porém, para que a configuração legal seja efetiva, há outras duas condições, uma temporal e outra factual. A condição temporal é a da letra “a” do referido artigo, ao exigir que o poder do titular dos direitos de sócio na garantia dos resultados das deliberações da assembleia geral ou no permanente poder de escolha dos administradores da companhia. E como determinar essa permanência? Trata-se de uma questão de fato, e quem alega deve provar15. Entretanto, o Banco Central estabeleceu em 1976, com a Resolução n. 401, item IV (hoje revogada) um critério que ainda hoje pode ser utilizado16. A B) Sistema normativo A Lei das S.A., lei nº 6.404, de 15-12-1976, faz referências específicas sobre o poder de controle e sua titularidade. A sistemática legal é elogiável, visto que, na época da sua promulgação, os direitos da Família Continental limitavam-se a reconhecer o poder de controle dentro da estrutura interna societária12 ou como matéria conexa à regulamentação dos 12 Por exemplo, o art. 366 e ss. da Lei de Sociedades Francesa de 1966 e os artigos 2.359 e 2.360 do Código Civil Italiano de 1942. 13 Por exemplo, o art. 311 e ss. da Lei Alemã das Sociedades por Ações de 1965. 14 Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. 15 Estabelece o art. 333 do Código de Processo Civil: O ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito. 16 Neste sentido, COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 5. ed. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 280. 51 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 homem de negócios. O art. 11718, por sua vez, enumera, de forma exemplificativa, as modalidades do exercício abusivo do poder em virtude das quais o controlador deverá responder pelos danos causados. Nenhum dos artigos pertinentes, tanto o art. 116 como o art. 117, determinam quais são os sujeitos legitimados para solicitar a intervenção jurisdicional, caso se verifique algumas dessas hipóteses, cabendo ao próprio interessado provar os extremos da litis: a existência do dano e o interesse legítimo de agir19. regulamentação determinava que se deveria considerar permanente a manifestação do poder de controle, se o acionista titularizasse ações que lhe asseguravam a maioria absoluta de votos, ou, caso não existisse tal possibilidade, se essa pessoa obtivesse a maioria nas três últimas assembleias gerais. A condição factual, estabelecida na letra “b”, exige que o controlador use efetivamente o poder. A existência de condição temporal, isto é, da permanência, por si só não é suficiente para que o sujeito fique enquadrado como controlador. Requer, ainda, que utilize tal poder dirigindo a empresa e guiando os órgãos da companhia. Se ambas condições não são verificadas, não é possível verificar o controlador ou os controladores. As possíveis consequências legais ou responsabilidades a ele deverão estender-se a todos os sócios e, se for o caso, também aos administradores. b) Sociedade controladora Se quem exerce o controle é outra sociedade, o conceito é fornecido pelo art. 24320. A diferença com o art. 116 é sutil. Esse último, para qualificar o acionista como controlador, exige que o mesmo tenha a maioria dos votos na assembleia de acionistas, enquanto que, para a sociedade controladora, a norma requer que tenha preponderância nas deliberações sociais. Sobre o tema, Rubens Requião afirma que “O uso dessa expressão ‘preponderância’ se deve à circunstância de o controle poder ocorrer entre sociedades de diferentes tipos, como a sociedade por cota de responsabilidade limitada, quando evidentemente não se menciona ‘acionista’ ou ‘maioria de votos’. Preponderância foi a melhor expressão que o O parágrafo único do mesmo artigo17 mostra os deveres que limitam esse poder. Como se afirmou no ponto anterior trata-se de uma questão de lealdade, que não gera vínculos jurídicos. O exercício efetivo do poder aparece limitado pelos deveres de lealdade comercial, de diligência, de um atuar previdente. A norma não faz outra coisa senão colocar na lei o princípio geral da conduta de um bom 17 Art. 116, Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender. 18 Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder. § 1º São modalidades de exercício abusivo de poder: a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo ao interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia, ou da economia nacional; b) promover a liquidação de companhia próspera, ou a transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida, em prejuízo dos demais acionistas, dos que trabalham na empresa ou dos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia; c) promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o interesse da companhia e visem a causar prejuízo a acionistas minoritários, aos que trabalham na empresa ou aos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia; d) eleger administrador ou fiscal que sabe inapto, moral ou tecnicamente; e) induzir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar ato ilegal, ou, descumprindo seus deveres definidos nesta Lei e no estatuto, promover, contra o interesse da companhia, sua ratificação pela assembleia-geral; f) contratar com a companhia, diretamente ou através de outrem, ou de sociedade na qual tenha interesse, em condições de favorecimento ou não equitativas; g) aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de administradores, por favorecimento pessoal, ou deixar de apurar denúncia que saiba ou devesse saber procedente, ou que justifique fundada suspeita de irregularidade. h) subscrever ações, para os fins do disposto no art. 170, com a realização em bens estranhos ao objeto social da companhia. § 2º No caso da alínea e do § 1º, o administrador ou fiscal que praticar o ato ilegal responde solidariamente com o acionista controlador. § 3º O acionista controlador que exerce cargo de administrador ou fiscal tem também os deveres e responsabilidades próprios do cargo. 19 Para mais informações sobre a caracterização do abuso do poder, as provas necessárias e as medidas judiciais cabíveis, veja-se: CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. Vol. 2, 3 ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 494-512. 20 Art. 243 § 2º Considera-se controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores. 52 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 ao autor da ação. A ação de responsabilidade delitiva não impede que sejam aplicadas outras sanções vinculadas com o atuar do agente, tais como a anulação de votos ou de atos da assembleia. O prazo prescricional é de três anos, conforme art. 287, II,b. Ainda sobre as sociedades controladoras, a Lei das S.A. regulamentou, no capítulo XXI, os grupos societários de direito, com o intuito de fomentar a colaboração empresarial e o desenvolvimento econômico do país. Os redatores da Lei tomaram como inspiração para a regulamentação dos grupos de sociedades brasileiros o Zaibatsu Japonês, forma peculiar de organização ou concentração financeiro-industrial-comercial, com estrutura em forma de estrela, com um banco no centro. Apareceram no Japão com a restauração da Dinastia Meiji (fins do século XIX), sendo as principais referências destes agrupamentos a Mitsu, Mitsubishi, Sumitomo e Yasuda. Como o sistema japonês é completamente diferente dos paradigmas ocidentais, e apesar de ter servido de fonte de inspiração para o legislador brasileiro, copiou-se o sistema alemão23. legislador encontrou para, neste caso, traduzir a ideia de uma sociedade sobre a outra, nem todas do tipo sociedade anônima” (REQUIÃO, 2000, p. 248). Além da semelhança, existem algumas diferenças. Por que o art. 243 § 2º não exige o uso efetivo do poder, como o inciso b) do art. 116? Sobre este questionamento não cabe outra afirmação a não ser se tratar de uma omissão legal. Portanto, o requisito de uso efetivo do poder deve ser considerado implícito na definição do art. 243, § 2º. Também cabe perguntar: por que não se faz referência “ao grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum”, como no caput do art. 116? Tal situação fática seria também possível no caso de sociedades controladoras, e não existe nenhum argumento legal que o proíba, sempre que respeitadas as exigências do art. 118 da Lei das S.A.21. Outra diferença entre o acionista controlador e a sociedade controladora é o estabelecimento da responsabilidade. Afirmamos que contra o sócio controlador não existem condições para o exercício da ação. Em contrapartida, para a sociedade controladora, o art. 24622 da Lei das S.A. determina quem são as pessoas legitimadas para solicitar a reparação do dano: acionistas que representem cinco por cento do capital social ou qualquer acionista sempre que preste cautio judicatum solvi. Sendo procedente a ação, a norma determina que a sociedade controladora deva, tendo como base o valor da indenização, as custas; os honorários de advogado, até vinte por cento, além do prêmio de cinco por cento O Konzern alemão pode caracterizar-se como um grupo de empresas juridicamente independentes, mas que obedece a uma gestão central ou unitária. A utilização destas políticas unificadas por parte das empresas alemãs foi anterior a qualquer tipo de regulamentação legal. Aliás, as primeiras disposições para sua regulamentação tinham como escopo impedir que as empresas nacionais criassem grupos econômicos centralizados, utilizando-se para isso normas punitivas. Sendo infrutíferos os intentos do governo de coibir essa praxe em- 21 Nesse sentido: COMPARATO, Fábio Konder. Titularidade do poder de controle e responsabilidade pela concessão abusiva do crédito. In: Direito Empresarial. Estudos e Pareceres. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 65-73; EMBID IRUJO; José Miguel. El derecho de los grupos de sociedades en el Brasil – su significación y repercusión en el ordenamiento jurídico español. Revista de direito mercantil industrial, econômico e financeiro, ano XXVII, n 71, p. 5-46, jul./set. 1998. 22 Art. 246. A sociedade controladora será obrigada a reparar os danos que causar à companhia por atos praticados com infração ao disposto nos artigos 116 e 117. § 1º A ação para haver reparação cabe: a) a acionistas que representem cinco por cento ou mais do capital social; b) a qualquer acionista, desde que preste caução pelas custas e honorários de advogado devidos no caso de vir a ação ser julgada improcedente. § 2º A sociedade controladora, se condenada, além de reparar o dano e arcar com as custas, pagará honorários de advogado de vinte por cento e prêmio de cinco por cento ao autor da ação, calculados sobre o valor da indenização. 23 Sobre a influência do sistema japonês na Lei das S.A., veja-se: CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. Vol. 2, 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 295 ss. 53 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 a 277. Trata-se, na verdade, de uma forma de exercício do poder da sociedade dominante sobre suas dominadas, de pouquíssima utilidade prática. presarial, a legislação alemã deu soluções diferentes conforme se trate de Konzern de fato e de Konzern de direito. Para os primeiros, os grupos de fato, o tratamento legal continua tendo o caráter punitivo das primeiras regulamentações, tentando com isto dar maior impulso ao Konzern de direito, para os quais se cria um sistema de normas reguladoras e de publicidade24. É o sistema alemão dos Konzern de direito que serviu de base para a Lei de S. A. brasileira. c) Normas extra-societárias Dentro do sistema legal brasileiro, existem outras normas que complementam ou integram o direito societário nacional, trazendo importantes regras sobre o poder de controle. É o caso da Constituição Brasileira, que, por questões de interesse público e segurança nacional, estipula que determinadas atividades econômicas devem ser realizadas por empresas constituídas por parte ou total do capital em poder de brasileiros. Exemplo disso é a Lei 10.610 de 20 de dezembro de 2002, que disciplina a participação de capital estrangeiro nas empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens, de que trata o § 4o do art. 222 da Constituição Federal27. A lei estabelece: Art. 2º: A participação de estrangeiros ou de brasileiros naturalizados há menos de dez anos no capital social de empresas jornalísticas e de radiodifusão não poderá exceder a trinta por cento do capital total e do capital votante dessas empresas e somente se dará de forma indireta, por intermédio de pessoa jurídica constituída sob as leis brasileiras e com sede no País. E no § 1º determina que “as empresas efetivamente controladas, mediante encadeamento de outras empresas ou por qualquer outro meio indireto, por estrangeiros ou por brasileiros naturalizados, há menos de dez O art. 265 da Lei das S.A.25 dispõe que a sociedade controladora e suas controladas podem constituir grupos de sociedades26, sempre que a controladora seja brasileira e que exerça seu poder, direta ou indiretamente, como titular de direitos de sócio e acionista, ou mediante acordo com outros sócios e acionistas. Para o presente estudo, a regulamentação do artigo em questão, assim como as normas vinculadas, não precisa de maiores esclarecimentos, já que, da mesma forma que para o conceito de sociedade controladora do art. 243 § 2º, ao definir a sociedade controladora, exige a titularidade de direitos de sócio. O legislador brasileiro errou ao pretender que esse tipo de associação fosse adotado pelos empresários brasileiros não habituados a este tipo de prática. Criou-se, ao invés, um sistema híbrido, próprio e ineficiente. Isso ocorreu porque somente a controladora, com suas controladas, podem criar grupos de sociedades, exigindo-se, ainda, o adimplemento das formalidades exigidas na Lei, artigos 265 24 Sobre o Konzern Alemão, e sua importância no Direito Comparado, veja-se: MANÓVIL, Grupos..., p. 421 ss. Art. 265. A sociedade controladora e suas controladas podem constituir, nos termos deste Capítulo, grupo de sociedades, mediante convenção pela qual se obriguem a combinar recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns. § 1º A sociedade controladora, ou de comando do grupo, deve ser brasileira, e exercer, direta ou indiretamente, e de modo permanente, o controle das sociedades filiadas, como titular de direitos de sócio ou acionista, ou mediante acordo com outros sócios ou acionistas. § 2º A participação recíproca das sociedades do grupo obedecerá ao disposto no artigo 244. 26 Sobre os grupos de sociedades, a exposição de motivos da lei das S.A. explica que constitui uma forma evoluída de inter-relacionamento das sociedades que, mediante aprovação pelas assembleias gerais de uma convenção de grupos, dá origem a uma sociedade de sociedade. 27 Art. 222. A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País. § 1º Em qualquer caso, pelo menos setenta por cento do capital total e do capital votante das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, que exercerão obrigatoriamente a gestão das atividades e estabelecerão o conteúdo da programação. § 2º A responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção da programação veiculada são privativas de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, em qualquer meio de comunicação social. § 3º Os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no art. 221, na forma de lei específica, que também garantira a prioridade de profissionais brasileiros na execução de produções nacionais. § 4º Lei disciplinará a participação de capital estrangeiro nas empresas de que trata o § 1º. § 5º As alterações de controle societário das empresas de que trata o § 1º serão comunicadas ao Congresso Nacional. 25 54 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 anos, não poderão ter participação total superior a trinta por cento no capital social, total e votante, das empresas jornalísticas e de radiodifusão” (grifo nosso).28 Sobre o tema, Carmen Tibúrcio afirma que “a regra geral da igualdade (dos estrangeiros) não se aplica aos chamados direitos econômicos – que, de resto, não são considerados fundamentais, por boa parte dos operadores jurídicos. Segundo o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais, e Culturais, em vigor no Brasil, os países em desenvolvimento (levando em consideração os direitos humanos e a situação econômica nacional) podem determinar em que medida garantirão os direitos econômicos reconhecidos no Pacto àqueles que não sejam seus nacionais. Assim, nessa área específica, o estrangeiro pode receber tratamento distinto do nacional, mesmo que não haja uma razão expressa para isto, e o Estado não precisa justificar tal atitude na esfera internacional.”29 II. Formas de Controle As formas ou tipos de controle societário dizem acerca do modus como se efetiva tal poder. Devido à complexidade do conceito em questão, diversas classificações ou sistematizações podem ser propostas31. Centraremos nossos esforços na distinção entre controle interno, tipicamente societário, e o externo, derivado geralmente de uma relação contratual32. A) Controle interno O controle interno, isto é, o controle exercido por meio de votos dentro da própria estrutura societária, pode ser analisado sob duas perspectivas: primeiro, um estudo doutrinário dedicado às distintas espécies apontadas pela doutrina nacional; e, em segundo lugar, as técnicas legais para sua obtenção no marco da Lei das S.A.. Estas exceções já foram mais abrangentes. Antigamente também era restringida a participação de empresas estrangeiras em atividades de mineração (art. 176, §1), e em empresas de navegação (art. 178, § 2), exceções revogadas pela EC nº 6, de 15 de agosto de 1995. De qualquer forma, e salvo os casos de exceção, a empresa estrangeira que cria uma subsidiária com personalidade jurídica própria para sua atuação no Brasil não oferece maiores dificuldades, pois, tratando-se de sociedades juridicamente independentes da controladora, a elas se aplicam na íntegra o regime geral das sociedades nacionais.30 a) Diversas espécies No trabalho dos professores americanos Adolf A. Berle e Gardiner C. Means, entitulado The Modern Corporation and Private Property, já referido, os acadêmicos da Universidade de Colúmbia chegaram à conclusão, baseando-se em dados estatísticos das empresas americanas do ano 1929, de que era possível dissociar a propriedade acionária do poder de comando empresarial. Foi à luz dessa realidade que propuseram uma classificação do controle interno em cinco espécies: a) controle 28 A Uma disposição semelhante, porém lacunosa e com aplicação duvidosa, é o § 3, do art. 199 da Constituição Federal: “ É vedada participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei”. Afirma-se que a norma é de aplicação duvidosa porque é contrária ao caput do mesmo art. 199: “A assistência à saúde e livre à iniciativa privada.” 29 Citada por DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado, Parte Geral. 7 ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 510-512. 30 Mesmo que todos os acionistas sejam estrangeiros, trazendo recursos do exterior e constituindo uma sociedade empresarial com sede da administração no território nacional, essa sociedade será considerada brasileira para todos os efeitos jurídicos. Maiores informações sobre as sociedades estrangeiras são encontradas em DOLINGER, Direito..., p. 506 ss. 31 Por exemplo, cita-se a distinção entre controle de fato e de direito, na medida em que exista ou não tipicidade legal. O controle de direito foi analisado na primeira parte do trabalho, com referência exclusiva ao direito brasileiro. As situações de controle de fato surgem da influência dominante exercida fora do âmbito societário ou legal. Para um estudo aprofundado do controle de fato, veja-se o excelente trabalho de FERREIRA DE MACEDO, Ricardo. Controle não societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. 32 Nesse sentido, RICHARD, Efraín Hugo; MUIÑO, Orlando. Derecho Societario. Buenos Aires: Astrea, 1997, p. 154. 55 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 no âmbito empresarial brasileiro, visto que as empresas nacionais obedecem ao padrão totalitário ou majoritário, sendo, ainda, as sociedades de grande dispersão de capital, uma situação mais teórica do que prática. fundado na posse da totalidade das ações da companhia; b) controle fundado na posse da maioria dessas ações; c) controle exercido pelos sócios minoritários; d) controle gerencial ou administrativo; e) controle obtido por meio de expedientes legais. O professor Comparato, no referido trabalho sobre O Poder de Controle na Sociedade Anônima, reduz esta classificação no direito brasileiro para quatro33: Gerencial: Da mesma forma que no controle minoritário, o gerencial somente é viável nas grandes companhias abertas, com inúmeros acionistas de participação acionária mínima em relação ao total do capital social. Aqui as decisões não são tomadas pelos acionistas e sim pelos altos executivos da sociedade, que possuem o conhecimento técnico necessário para decidir acerca do futuro da empresa. Constitui um controle completamente desvinculado da titularidade acionária. O managment consegue impor o comando societário devido ao abstencionismo da maior parte dos sócios (somente interessados nos lucros) e pela representação que podem obter de acionistas pouco interessados nas assembleias. Confrontando esta classificação com o conceito de controlador estabelecido pela Lei das S.A., percebe-se que a Lei somente positiva o poder exercido pela assembleia de acionistas, isto é, o controle totalitário, majoritário e minoritário. Contudo nada diz acerca do gerencial ou do controle exercido por meio de outros expedientes legais. Sobre o gerencial, não significa que tal controle não exista. E mais, mesmo sem colocar os administradores nas condições de sócios controladores, aplicase a eles toda a secção IV da Lei, sobre os deveres e responsabilidades dos administradores, regulamentando o dever de diligência (art 153); a finalidade das atribuições e desvio de poder (art. 154); o dever de lealdade (art. 155); o conflito de interesses, (art. 156); o dever de informar (art. 157); e a responsabilidade do administrador, (art. 158). Enfim, as mesmas condições exigidas no art. 116, para os acionistas controladores. Totalitário: cem por cento do capital com direito a voto está representado no controle societário. Portanto, nenhum acionista é excluído do poder de dominação na sociedade. Esta forma de controle é a mais comum naqueles mercados que não estão completamente desenvolvidos, como é o caso dos latinoamericanos. Nestes, a maior parte das empresas são de tipo familiar fechado (totalitárias) ou empresas estatais. Majoritário: Quando é exercido por aqueles que detêm a maioria das ações com direito a voto. É neste tipo de controle onde começa a se evidenciar o efetivo exercício do poder. Um ou alguns sócios conseguem impor suas decisões sobre o resto, dando forma ao antagonismo do grupo majoritário contra o minoritário. Exemplo desta dicotomia entre majoritários e minoritários pode se dar quando os primeiros decidem não distribuir os lucros gerando confronto entre os pequenos investidores, que querem obter algum resultado do capital investido e o sócio (s) majoritário (os) que, talvez por estarem no exercício da administração societária, não precisem ou não desejem tal distribuição. Este controle, no dizer de Comparato, pode ser majoritário simples ou majoritário absoluto, conforme exista ou não uma minoria qualificada. Minoritário: O controle minoritário é comum naquelas companhias que possuem centenas ou milhares de acionistas, isto é, as grandes empresas, geralmente internacionais. O número de acionistas costuma ser enorme, e o patrimônio social está tão diversificado que possibilita a uns poucos acionistas com direito a voto tomar decisões no que respeita aos destinos da empresa. Esta não é a realidade E a quinta forma de controle ilustrada por Berle e Means? Não existe no direito brasileiro? A Lei das S.A. não trata do voting trust, isto é, da forma mais comum de controle exercido por expedientes legais? Não, sem dúvida, no direito brasileiro não existe a figura do voting 33 A Para um estudo mais aprofundado desta classificação, veja-se: COMPARATO, O poder...., p. 37-65;. Essa classificação é seguida, dentre outros, por REQUIÃO, Curso...,p. 130; BERTOLDI, Marcelo. Curso avançado de direito comercial. v. 1, 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003; p. 340-342. 56 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 trust, ou pelo menos com o significado ou alcance que a figura possui nos países da Common Law. Alguns autores tentam enquadrar o trust como um simples acordo de acionista ou colocam-no como a forma mais de controle minoritário34. Não parece correto. O trust é um negócio jurídico complexo e próprio da cultura jurídica da Common Law, que surgiu na Idade Média inglesa, sob os desígnios do Lord Chancellor para solucionar, ex aequo et bono, questões para as quais os tribunais da Common Law não tinham respostas35. alienante, sua esposa ou filhos). Eles têm um equitable estate, existente de acordo com a equity36. O cestui que trust goza do benefício real da disposição. É para seu proveito que o trust foi constituído e funciona. Por isso, para os tribunais que exercem a jurisdição da Equity, o “proprietário legal” (trustee) está subordinado aos direitos do “proprietário-equitativo” (cestui que trust), que é quem goza dos benefícios reais da disposição, sendo o trust constituído em seu proveito. Pode afirmar-se que sua propriedade é de caráter econômica, beneficiária, mais substancial. A utilização da figura do trust para o controle societário teve seu apogeu nos primeiros anos do século passado. O caso mais famoso foi o de Rockefeller, que conseguiu, por este instituto jurídico, concentrar noventa por cento da capacidade de refino do petróleo dos Estados Unidos. Como a prática facilitava a criação de monopólios, feria-se diretamente o Sherman Act, de 1890, que tornava “ilegais ‘every contract, combinations in the form of trust or otherwise, or conspiracy, in restraint of trade’ e ‘monopolization’, considerando tais violações como infrações à lei, sem, porém, defini-las.” (OLIVEIRA; RODAS, 2004, p. 6) Foi em virtude dessa lei, no famoso processo Standard Oil Co. of New Jersey v. U.S. (1911), em que o magnata em questão foi obrigado a dividir sua companhia. Na evolução do instituto, criou-se um conceito de propriedade que é desconhecida pelos sistemas jurídicos da Família RomanoGermânica. Podemos resumir o funcionamento do instituto da seguinte forma: o proprietário de um determinado bem (por exemplo, ações), denominado settlor, transfere sua propriedade a um terceiro denominado trustee (administrador da mesma empresa das ações ou um banco), mas, com a condição de que esse bem transferido seja utilizado em beneficio de outra pessoa ou grupo de pessoas (que poderá ser o próprio alienante, sua esposa, filhos etc) denominados cestui que trust (ou beneficiaries). A peculiaridade do instituto está em que, após a transferência, o settlor não é mais o proprietário do bem, e nem o trustee nem cestui que trust adquirem a propriedade plena do antigo settlor. Criam-se duas propriedades ou state sobre o bem. Uma propriedade ou um estate pertencente ao trustee (administrador ou banco). Ele é o proprietário real ou efetivo do bem. Tem o legal state, respaldado pelas regras da Common Law. Mas suas prerrogativas são limitadas pelo ato constitutivo do trust e pelas regras da Equity. Tem o que poderia dizer-se de uma propriedade formal, exterior. Outra propriedade ou estate sobre o mesmo bem pertencente ao cestui que trust ou beneficiaries (o próprio As legislações romano-germânicas não conhecem um sistema semelhante. Os direitos reais são limitados ou restritos. Não podem existir sobre o mesmo bem dois titulares com idêntico direito de propriedade. Poderá existir condomínio, usufruto, uso, habitação, mas nunca dois direitos de propriedade. Fabio Ulhoa Coelho ensina que, “no Brasil, as companhias sempre foram, e ainda são, muito diferentes das dos Estados Unidos no que diz respeito ao poder de controle. De um lado, é 34 Entre outros, REQUIÃO, 2000, p. 130; COELHO, 2002, p. 278. Sobre o trust veja-se, DAVID, René. O Direito Inglês. São Paulo: Martins Fontes, 2000; CLARET y MARTI, P. De la Fidúcia y del Trust. Barcelona: Bosch , 1946. 36 Para uma melhor compreensão do equitable estate ou do interest, bem como dos princípios que lhes são aplicáveis, veja-se: HAAR, Charles; LANCE, Liebman. Property and Law. Boston: Littl. Ed. Brown and Company., 1977, p. 21-31. 35 57 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 Esse fato pode ocorrer de diversas formas: significativa a presença de subsidiárias de empresas sediadas nos países centrais do sistema capitalista. O seu capital representa, basicamente, o investimento da multinacional no país, e, assim, encontra-se sob controle totalitário da matriz. Por outro lado, as companhias constituídas por iniciativa de capitalistas brasileiros costumam reproduzir a cultura empresarial centralizadora e assumem, muitas vezes, a forma de empresas familiares, em que se sobrepõem laços de parentesco e relações societárias (...). Não se encontra, no Brasil, número significativo de companhias sob controle minoritário, e nenhuma sob o gerencial”. (COELHO, 2002, p. 278-279). 1.1. Pelo próprio nascimento da sociedade: quando se cria ou se estabelece a estrutura do controle em função da subscrição inicial de ações (EMBID IRUJO, 1988, p. 15), cuja hipótese não justifica maiores considerações; 1.2. Pela criação de uma nova sociedade por outra empresa: conhecida no Brasil como subsidiária integral (art. 251 a 253). O sistema legal permite a fundação de uma sociedade anônima com capital subscrito, em sua totalidade, por outra sociedade, com a única condição que a constituinte seja brasileira. Cabe destacar que a Lei das S.A. prevê duas formas de constituição de subsidiária integral: a criação de forma originária, mediante escritura pública, que é a hipótese em questão; e também pode ser pela absorção do capital de uma sociedade pré-existente, mas esta última hipótese não configura uma forma originária de controle. Aplicam-se à sociedade controladora as regras do acionista controlador. Essas formas de controle, na prática, não aparecem de forma tão clara. A realidade das companhias, tanto nacionais quanto estrangeiras, demonstra que as diversas formas de influência dominante enunciadas estão muitas vezes misturadas, convivem umas com outras de forma sucessiva, alternada ou conjunta. Para uma melhor compreensão, resulta de grande utilidade analisar quais são as técnicas legais ou as formas jurídicas permitidas pelo direito societário brasileiro para a obtenção do controle. 1.3. Pela cisão societária: como técnica de reorganização que possibilita o surgimento de uma nova sociedade controlada. Neste ponto, somente nos interessam as hipóteses de cisão parcial, isto é, nos casos em que da sociedade cindida são constituídas uma ou várias novas sociedades, mantendo a primeira sua própria personalidade jurídica. Não possuem o mesmo caráter da aquisição originária os casos de cisão total, em que a sociedade cindida se dissolve por completo; ou os casos de cisão imprópria, quando o patrimônio da sociedade cindida é diluído entre outras companhias já existentes (EMBID IRUJO, 1988, p. 44). 2. Aquisição derivada: dentro desta classificação se englobam todas as técnicas que permitam obter controle societário já existente. Neste grupo a obtenção pode acontecer: b) Técnicas legais de obtenção Para analisar as técnicas jurídicas utilizadas pelo legislador brasileiro na obtenção do poder de controle, nos valemos da sistemática proposta pelo professor espanhol José Miguel Embid Irujo (1988), para quem a aquisição do poder de controle, sempre que se trate das técnicas de controle interno, pode ser dividida em duas principais categorias: 1. Aquisição originária: quando há simultaneidade na constituição da sociedade e na obtenção do poder (EMBID IRUJO, 1988, p. 14). 58 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 2.1. Por sucessão de atos: A compra sucessiva de ações pode transformar um acionista minoritário num acionista controlador37 . Talvez se apresente como a forma mais comum de adquirir o controle de forma derivada. Não justifica maiores explicações. recebendo em contraprestação, além do valor das ações, um plus pelo preço do controle. A transferência instantânea do controle pode, sem dúvida, lesar os acionistas minoritários, privados desse plus econômico que gera a alienação do poder. Neste contexto, a lei vem para limitar o exercício de tais manobras, estabelecendo, para o caso, uma série de requisitos necessários40 , sob a autorização e fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários, art. 254-A, §1º e 2º41 . A consequência jurídica da efetivação do negócio se traduz em uma repartição proporcional dos benefícios da alienação, permitindo que os sócios minoritários alienem seus títulos em condições semelhantes à do sócio controlador, (art. 254A, caput) ou, existindo oferta do adquirente, permaneçam na companhia recebendo um prêmio equivalente à diferença entre o valor do mercado de ações e o valor pago por ação integrante do bloco de controle, art. 254-A §4º.42 2.2. De forma instantânea: Adquire-se o controle societário de forma derivada e instantânea pela cessão do controle (artigos 254 a 256), ou pela oferta pública de aquisição de ações, (artigos 257 a 263). Estas modalidades são regulamentadas exclusivamente no âmbito das sociedades anônimas abertas, inexistentes regras semelhantes para anônimas fechadas ou outro tipo societário. 2.2.1. A Cessão do Controle aparece regulamentada na seção VI do capítulo XX da Lei das S.A., sob o título de “alienação de controle”38. Pode-se interpretar o conceito de alienação de controle, dado pelo parágrafo 1º do art. 254-A 39, como sendo o negócio jurídico pelo qual os acionistas detentores do poder de controle societário, independente do título em virtude do qual o possuem, alienam tal poder, 37 O prof. Embid Irujo, em seu trabalho El Derecho de los grupos..., cit., em p. 17 e nota nº 43, coloca nesta categoria a aquisição do controle através de contratos. Afastamos-nos deste posicionamento, e colocamos a utilização dos contratos como forma de obter o controle “externo”, forma que será analisada com maior atenção no ponto “B” desta Segunda Parte. 38 A Lei 6.404/76 determinava, no art. 254, a obrigação dos controladores de promover a oferta pública aos demais acionistas em caso de alienação em bloco das ações de comando a terceiros, isto é, sempre que se trata de sociedade anônima aberta. O intuito da Lei era impedir que as ações dos controladores sejam cotadas a um valor muito superior à dos acionistas sem esse poder, visto que o controle da companhia é algo que gera um plus que deve beneficiar a todos os acionistas e não a alguns deles. A sistemática legal foi abandonada com a Lei 9.457/97, que revogou o artigo em questão, permitindo que o sobre-preço pago pelas ações dos controladores ficasse nas mãos destes, o que foi fortemente criticado pela doutrina. No entanto, a Lei 10.303/2001 faz renascer, com pequenas alterações, o antigo art. 254, agora denominado 254-A. 39 Art. 254-A § 1º Entende-se como alienação de controle a transferência, de forma direta ou indireta, de ações integrantes do bloco de controle, de ações vinculadas a acordos de acionistas e de valores mobiliários conversíveis em ações com direito a voto, cessão de direitos de subscrição de ações e de outros títulos ou direitos relativos a valores mobiliários conversíveis em ações que venham a resultar na alienação de controle acionário da sociedade. 40 Art. 254-A. A alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço no mínimo igual a oitenta por cento do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle. (griffo nosso). 41 Art. 254-A §2º. A Comissão de Valores Mobiliários autorizará a alienação de controle de que trata o caput, desde que verificado que as condições da oferta pública atendem aos requisitos legais. § 3o Compete à Comissão de Valores Mobiliários estabelecer normas a serem observadas na oferta pública de que trata o caput. 42 Para um estudo detalhado da alienação de controle, veja-se, entre outros: BERTOLDI, Marcelo. Curso Avançado de Direito Comercial. v. 1, 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 345 ss.; ALBINO DE OLIVEIRA, Fernando A. A Alienação do Controle Societário na Lei das S.A. In: Fusões e aquisições: Aspectos Jurídicos e Econômicos. Jairo Saddi (org.) São Paulo: IOB, 2002, p. 221-232; EIZERIK Nelson. 59 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 2.2.2. A Aquisição de Controle Mediante Oferta Pública de Ações, seção VII, do capítulo XX da Lei das S.A., permite a obtenção do poder pelo pagamento em dinheiro (oferta de compra, art. 258), ou em títulos de outra sociedade (oferta de permuta, art. 259), de uma parte ou de todas as ações de uma ou de várias classes de ações43. Importa destacar que feita a oferta, a mesma se considera irrevogável, art. 257§2º. Para Fran Martins, “a oferta pública para a aquisição do controle tende a beneficiar os acionistas minoritários que, desse modo, poderão participar da operação em igualdade de condições com os acionistas majoritários, no que diz ao preço dado às ações dos primeiros” (MARTINS, 1978, p. 377). ou negócios celebrados entre o controlador (pessoa física ou jurídica) e a sociedade controlada, independentemente de qualquer vinculo societário. Esses vínculos contratuais geram situações objetivas de controle, demonstradas pela dependência econômica que efetivamente se verifica no desenvolvimento das atividades negociais. Sobre as vantagens deste sistema de aquisição, Comparato afirma que para o grupo oferente, a oferta pública oferece a grande vantagem da concentração do ataque e do efeito de surpresa, como autêntica blitz rieg. Ao contrário do que sucede na aquisição sem oferta pública, o oferente aqui goza das vantagens da rapidez e da economia de recursos na superação de qualquer eventual oposição ou manobra especulativa. Para os acionistas da sociedade visada, é inegável que uma take over-bid oferece a vantagem de lucro patrimonial imediato, pois as ofertas públicas são sempre lançadas por um valor unitário de ação superior no mínimo 20% à colocação bolsística. E mais, oferece a garantia de um tratamento rigorosamente igualitário, evitando pactos entre o grupo de adquirente das ações e a diretoria da sociedade visada, ou alguns de seus acionistas, para a venda do controle (COMPARATO, 1976, p. 134-135). Não fazem parte desta forma de controle as relações pessoais que possam existir entre controladores ou administradores da sociedade controladora e a controlada. Tais vínculos, conhecidos como interlocking directories, não são mais do que o reflexo do controle societário, obtido tanto por contratos externos como por mecanismos societários típicos (DE AGUINIS, 1996, p. 52). Além do vínculo contratual, o controle externo exige que o dominante exerça influência de forma estável e continuada no funcionamento da sociedade controlada. Requer, ainda, que a controlada realize suas atividades utilizando os meios previstos pelo controlador, de forma que esses sejam indispensáveis para a realização de seu objeto social. Uma sociedade pode utilizar diversas formas contratuais como ferramentas idôneas para dirigir as empresas vinculadas a esses contratos, gerando um verdadeiro controle, ainda que sem ser titular de uma só ação de tais companhias. Exemplo comum pode ser as montadoras de carros, empresas de hardware ou software. Resulta fácil perceber que a matriz de uma montadora (ex: Ford, GM, Toyota), assim como as empresas detentoras de patentes de invenção de peças de alta tecnologia (Intel, IBM, NEC), podem exercer sobre o conjunto de companhias a elas relacionadas uma influência tão importante que inclusive a própria existência dessas fica sujeita àquelas. O motivo dessa sujeição não decorre da posse das ações. O controle é dado pela força de contratos, sejam para pro- B) Controle externo O controle externo, também referido como subordinação contratual, verifica-se quando exercida uma influência dominante nas decisões da companhia, em virtude de atos Oferta Publica de Aquisição na Alienação de Controle de Companhia Aberta. In: Fusões e aquisições: Aspectos Jurídicos e Econômicos. Jairo Saddi (org.) São Paulo: IOB, 2002, p. 233-248. 43 Por crise financeira, entendemos as situações de descompasso na cadeia de pagamentos, mas que de forma alguma se traduz numa situação de inadimplemento definitivo. Existe simplesmente uma “demora” na honra das obrigações contraídas. Diferente constitui o caso da crise econômica ou econômica financeira, em que, independente da demora, o ativo patrimonial não é suficiente para cobrir o passivo, determinando necessariamente uma situação falimentar. 60 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 duzir com exclusividade, ou por transferência de tecnologia, frutos da licença para utilização da marca, ou por contratos de distribuição, etc. Evidencia-se, nestes casos, um controle extrasocietário, exterior à estrutura da companhia controlada, mas que produz uma verdadeira situação de domínio. Os vínculos contratuais que possibilitam dominação dão origem a três espécies de controle externo:45 a) Financeiro A atividade de comando é exercida por uma instituição financeira, que, pelos mecanismos do crédito, acaba-se transformando em controladora de companhia solicitante. O controle financeiro pode ser tanto por questões contingentes, que leve a empresa ao endividamento, como por questões estruturais. A relação entre empresas dominadas e dominantes pode surgir por contratos de diversas categorias: fornecimento, concessão, agência, franchising, transferência de tecnologia; contratos de endividamento financeiro direto; contratos de garantias pessoais, reais, cauções, ou outras formas financeiras para a garantia de dívidas alheias, etc. Dentre essas diversas formas contratuais, existe uma coincidência: as empresas dominadas apresentam como elemento relevante a submissão econômica frente à dominadora. Os contratos acabam-se tornando instrumentos de controle, porque sem eles as controladas não teriam os meios necessários para exercer sua atividade, condicionando a viabilidade econômica empresarial. O motivo ou circunstâncias pelas quais esses contratos são assinados obedece a diversas causas, que podem ser tanto contingentes como estruturais. O controle financeiro decorrente de endividamento coloca a instituição financeira numa situação de superioridade em relação à empresa solicitante do crédito. Poderá a primeira exigir, além do capital e dos juros pactuados, comportamentos específicos da devedora ou atribuir-se prerrogativas que lhe permitam tomar conhecimento do exercício das atividades desenvolvidas destinadas a garantir o pagamento. Essas prerrogativas e comportamento exigidos podem acabar transformando o vínculo contratual num vínculo de gestão, de verdadeiro controle, direcionando a atividade empresarial aos desígnios da instituição financeira. O modus dessas prerrogativas apresenta-se variável, existindo tantas formas possíveis quanto as partes possam negociar em seus contratos. Entre as práticas mais comuns, Ricardo Ferreira de Macedo destaca que “essas prerrogativas são ordinariamente modeladas através das conhecidas cláusulas de negative pladge, cross default e através de cláusula genérica de disclosure” (FERREIRA DE MACEDO, 2004, p. 161-162). Dentre as causas contingentes, as mais comuns são as crises financeiras44. Uma empresa, por motivos vários (crises energética, grandes secas, problemas de geopolítica, etc.), pode precisar recorrer ao auxílio de instituição financeira. Pode acontecer que o empréstimo pecuniário transforme a instituição financeira em uma verdadeira diretora dos negócios do solicitante. Já as causas estruturais, diferentemente das anteriores, são intrínsecas à atividade da sociedade dominada. Por exemplo, os contratos de distribuição ou de transferência de tecnologia são causa e efeito do mesmo poder. Sem eles, não somente inexiste dominação, como tampouco seria possível o exercício de atividade da sociedade controlada. Acrescentamos que tais mecanismos de controle somente são possíveis naquelas companhias que possuem um capital social pequeno em relação ao crédito solicitado. Empresas com sólido patrimônio solicitam financiamentos sem maiores inconvenientes, já que o capital é garantia suficiente para os 44 Por crise financeira, entendemos as situações de descompasso na cadeia de pagamentos, mas que de forma alguma se traduz numa situação de inadimplemento definitivo. Existe simplesmente uma “demora” na honra das obrigações contraídas. Diferente constitui o caso da crise econômica ou econômica financeira, em que, independente da demora, o ativo patrimonial não é suficiente para cobrir o passivo, determinando necessariamente uma situação falimentar. 45 Também utiliza esta classificação, ORCESI DA COSTA, Carlos Celso. Controle externo nas companhias. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico, Financeiro, nº 44, São Paulo, 1981, p. 70 e ss. 61 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 bancos. Mas, se a empresa possui um capital exíguo, a instituição financeira somente viabilizará o crédito se prestadas, além das garantias reais e pessoais necessárias, algumas das prerrogativas citadas em seu favor. mente existe um dever de “informar”, inexiste qualquer outra obrigação. Mas os estudos empíricos realizados por Gilson e Vetsuypens, em 199446, demonstraram a possibilidade de que esse tipo de cláusula se torne ferramenta de controle, quando o tomador do crédito requer, para continuar trabalhando, de novos financiamentos. Nestes casos, a instituição financeira transforma-se de uma simples fornecedora de capital, com direito a informação, a uma verdadeira dominadora da companhia, utilizando a mesma informação para renegociar novos financiamentos, determinando, assim, o caminho financeiro a ser percorrido. Existindo cláusula de negative pledge, “a empresa captadora obriga-se, perante a financiadora, a não onerar seus ativos, ou parte deles, até satisfação do debt, o que – desnecessário dizer – comprime a aptidão da tomadora do financiamento para novas captações e incrementos de sua estrutura de alavancagem”. (FERREIRA DE MACEDO, 2004, p. 161-162). Neste caso, o controle se verifica na perda do poder de gestão financeira da empresa tomadora, que translada a competência decisória em assuntos econômicos ao financiador. Esse poder não se limita ao veto para contratação de novos empréstimos, mas compreende, ademais, qualquer tipo de gravame que possa ferir a capacidade de pagamento. O controle financeiro não é necessariamente decorrente do endividamento da companhia. A dominação pode existir independentemente de problemas de caixa. Bancos de fomento, fundos de pensão, instituições financeiras especializadas em determinados setores, dentre outros, podem alavancar atividades empresariais. À diferença dos casos anteriores, o financiamento de bens ou serviços é motivo determinante do empreendimento empresarial. Esse é o caso das ofertas de produtos de uso doméstico com grandes campanhas publicitárias, que oferecem pagamento em várias parcelas. Uma simples calculadora demonstrará que o bem ou o serviço não é o mais valioso, e que o intuito do fornecedor não é prover esse bem ou serviço. Trata-se, na verdade, de oferta de crédito mediante a utilização de empresas intermediárias, simples vitrines de suas controladoras: as instituições financeiras. Sobre o cross default, “a empresa captadora estará sujeita ao vencimento antecipado de seu débito (ou qualquer outra sanção contratual), caso incorra em impontualidades na satisfação de qualquer outro débito assumido junto a outros financiadores” (FERREIRA DE MACEDO, 2004, P. 165). O dispositivo gera um constrangimento para a atividade financeira da empresa solicitante. Sua operatividade fica comprometida através da cláusula e, caso existam outros passivos, estes deveram prorrogar-se até a total quitação com a instituição financeira que gerou o cross default. Essa imposição é, na verdade, uma forma de controle por constrição da aptidão financeira da empresa contratante Acerca das cláusulas de disclosure, as mesmas “obrigam a empresa financiada a manter um fluxo de informações, muitas delas estratégicas, em favor de seu fornecedor de exigíveis, que, nessa medida, passa a ter condições de avaliar e monitorar a performance de manutenção de solvabilidade de sua devedora” (FERREIRA DE MACEDO, 2004, p. 166). Em regra, este tipo de cláusulas não é apto para gerar dominação, visto que so- 46 b) Comercial O controle externo também pode ser determinado pelos vínculos contratuais da atividade comercial. As modernas formas mercadológicas de comercialização possibilitam o controle de uma companhia utilizando como ferramenta figuras contratuais. Contratos de franchising, distribuição, concessão de venda com exclusividade, etc. são utilizados por fornecedores ou fabricantes para explorar novos mercados ou afiançar os já existentes. A sociedade que se submete a esses instrumentos Citado por FERREIRA DE MACEDO, Controle..., p. 168. 62 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 legais fica vinculada a uma relação comercial peculiar, visto que de tais contratos surgem deveres e obrigações que lhe impedem exercer sua atividade livremente, ficando sempre sob a direção de outra empresa, geralmente o fornecedor. Certamente esse acatamento não é gratuito, receberá, em contrapartida, uma relativa segurança de êxito comercial fundada em estratégias de marketing, venda de produtos exclusivos, formas especiais de comercialização, etc. Para a empresa controladora, o sistema traz vantagem, pois não precisa preocupar-se com a burocracia de abrir novos locais comerciais, investimentos, contratação de pessoal, clientela, etc. Apresenta-se curiosa a regulamentação brasileira acerca da concessão comercial entre produtores e distribuidores de veículos automotores de via terrestre, presente na Lei nº 6.729, de 28-11-1979. O art. 16, I, estabelece a vedação para “prática de atos pelos quais o concedente vincule o concessionário a condições de subordinação econômica, jurídica ou administrativa, ou estabeleça interferência na gestão de seus negócios.” A norma é interessante porque evidencia o agir corriqueiro, no setor automobilístico, das grandes fábricas ou montadoras de carros sobre suas concessionárias ou filiadas, impondo-lhes diretivas de comercialização. Infelizmente, os fatos demonstram que a finalidade legislativa de coibir essa prática resultou ineficiente. Pode-se destacar outra forma de controle comercial fora da cadeia de comercialização. Nos últimos tempos, a realidade operacional das empresas evidenciou uma crescente terceirização de seus trabalhos. Quando as empresas crescem, começam a surgir problemas de logística, gestão, controle de qualidade, concorrência internacional, etc. Um dos mecanismos para fazer frente a esses problemas é a divisão do trabalho em setores especializados, células independentes, muitos das quais, pela própria engenharia organizacional, podem estar, desde o ponto de vista societário, desvinculadas da empresa matriz. Quando essas áreas ganham autonomia, se transformam em prestadoras de serviços autônomas, consultoras, controladoras de qualidade, serviços de pós-venda, etc. Outro motivo pelo qual as empresas utilizam trabalho terceirizado é por permitir uma redução dos conflitos trabalhistas. A uma empresa com elevado número de dependentes, pode ser mais proveitoso diminuir o número de funcionários em troca de alguns contratos de prestação de serviço ou fornecimento de material assinados com empresas alheias à companhia-mãe. Em todos os casos, a empresa matriz exerce uma influência dominante sobre as terceirizadas, impondo diretivas gerais, formas de prestação dos serviços, delimitando as condições de trabalho etc. Em resumo, um verdadeiro controle externo fruto dos vínculos contratuais mantidos. c) Tecnológico Da mesma forma que no controle comercial, aqui também se utilizam mecanismos contratuais para obter uma influência dominante numa empresa. Porém, neste caso, com a peculiaridade de ser o fator tecnológico a principal causa de subordinação. Assim, as empresas que dependem para seu exercício de know-how específico, licenças de uso ou transferências de tecnologia condicionam sua viabilidade econômica a duas regras: primeiro, a existência de tecnologia, patente determinante ou condicionante da atividade empresarial; e segundo, as diretivas da empresa detentora desses fatores à qual a controlada se submete pela via contratual. Inexistindo a tecnologia ou perdendo seu caráter de exclusividade, a empresa contratante pode deixar de existir pela falta de tecnologia ou por ausência de mercado, ou pode se transformar numa empresa completamente autônoma, sem nenhum tipo de dever ou obrigação relacionado à tecnologia. Não atendendo às diretivas impostas pela fornecedora da tecnologia, a viabilidade econômica se vê comprometida por causa do inadimplemento contratual. 63 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 de influência dominante na assembleia geral, estabelecido no art. 116 da Lei das S.A.. Circunstância que não prejudica a possibilidade de o controlador ser outra pessoa jurídica, art. 243 da mesma Lei, e ainda, a possibilidade de que o controlador e suas controladas possam criar maiores vínculos jurídicos através da criação de um grupo de direito. Essa dependência tecnológica ficou claramente evidenciada no caso Power-Tech/ Matel, julgado pelo CADE47. A representante, Power-Tech Teleinformática, denunciou a representada, Matel Tecnologia de Informática Ltda., por se negar a vender peças de um modelo determinado de central telefônica. O CADE reconheceu o pedido e condenou a representada ao pagamento de multa. Dentre as práticas anticoncorrenciais citadas pelo conselho, estão as previstas nos artigos 20, IV (Exercer de forma abusiva posição dominante) e 21, VI (Impedir o acesso do concorrente às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos ou tecnologia, bem como os canais de distribuição), ambos da Lei 8.884/94. E como consequência verifica-se, no caso em concreto, a existência de um poder de controle externo tecnológico. Também destacamos que durante a vida de uma companhia, o poder controle pode apresentar diversas formas. Devido à cultura e à tradição legal brasileira, as companhias nacionais geralmente respondem a controles totalitários ou majoritários, sendo raros os casos de controle minoritário ou gerencial. Contudo, a configuração do poder não é estática. Muito pelo contrário, a própria dinâmica dos mercados pode determinar mudanças nas estruturas internas de poder. É por isso que a mesma Lei das S.A. oferece uma série de ferramentas jurídicas para que essas mudanças possam acontecer, seja de forma originária ou derivada. Além do controle interno, também foi caracterizada a importância crescente das formas de controle extrassocietário – o controle externo que nasce de formas contratuais. Sem regulamentação específica na Lei das S.A., a influência dominante que surge dos contratos pode dar lugar a controles de tipo financeiro, comercial ou tecnológico, cada um com suas respectivas qualidades. Conclusão O estudo do poder de controle no âmbito jurídico é delicado. Os avanços da economia e da ciência jurídica fizeram do poder de controle societário um instituto complexo e de difícil delimitação. Contudo, a radiografia feita para o caso do direito brasileiro permite obter algumas conclusões. O direito de propriedade sobre ações de sociedade anônima brasileira não confere necessariamente a seu possuidor o poder de comando na companhia. No Brasil, deve-se distinguir o direito dos donos de ações (por exemplo, o direito de fruição) dos poderes e deveres que aparecem como consequência do exercício do poder de comando daquelas pessoas que determinam os rumos da atividade empresarial, isto é, os detentores do poder de controle. Para se identificar os controladores, utiliza-se como critério norteador o exercício Estabelecidas as características e formas do poder de controle, resta aos operadores jurídicos determinar, no caso concreto, as consequências jurídicas de sua configuração. Seja para o estabelecimento de consequências positivas (limites de atuação, formas de transferências, etc.) ou negativas (regime de responsabilidade, abuso de poder, desconsideração da personalidade jurídica, etc.). 47 Processo administrativo nº 08012.000172/1998-42, conselheiro relator Celso Campilongo, data do julgamento 26 de março de 2003, 283 Sessão Ordinária do CADE. Publicação no DOU de 4-04-2003, seção 1, nº 66, p.53, acórdão no DOU em 13-05-2003, seção 1. nº 90, p. 40. Mais informações sobre o caso In: www.cade.gov.br. Especificamente sobre o Direito Concorrencial no Brasil: OLIVEIRA, Gesner; RODAS, João Grandino. Direito e Economia da Concorrência. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. De forma mais abrangente, e sob uma perspectiva comparatista: JAEGER JUNIOR, Augusto. Liberdade de Concorrência. Na União Européia e no Mercosul. 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Palavras-chave: Mídia, Consciência crítica, Concessão, Hegemonia Abstract: The aim of the article rethinking the media is to inform about the way in which certain news are spread by ‘media’s owners’. To recall readers over the necessity to disclosure the hidden interests by spreading information. Thus, it is possible to increase analyses, searching for ways towards a new kind of communication. Key-words: Media, Critical consciousness, Concession, Hegemony. Introdução Uma reflexão sobre mídia é inerente a todas as pessoas que afirmam e reafirmam sua cidadania, já que mídia está presente em todos os aspectos de nossa vida cotidiana. É fundamental não ignorá-la, bem como é premente aprofundar um olhar crítico sobre ela. municação subjaz ao mercado. Mídia e capitalismo caminham juntos. Herbert de Souza alerta que o capitalismo não atinge apenas a esfera da produção. “Ele invade tudo, todas as relações. Em sua caminhada, é como um líquido derramado: vai molhando e penetrando por onde passa, tingindo, sujando, encardindo.” (1990,p.6) O que se está exigindo é o cumprimento da Constituição Brasileira de 1988, que em seu artigo 220, parágrafo 5º prescreve que os meios de comunicação social não podem direta ou indiretamente ser objeto de monopólio ou oligopólio. Enquanto não chegam as mudanças na legislação, urge criticar e denunciar os monopólios existentes na comunicação. Crescer no espírito crítico é uma tarefa diária, não é algo que nasce de forma automática. A pergunta que a descrição deste quadro suscita é a seguinte: onde fica a pluralidade de informações, o contraditório, a diversidade de opiniões, o direito de dizer sua palavra, principalmente na linha do telejornalismo, que constitui a principal fonte de informação? Edward Murron, na Convenção da Associação dos Diretores de Rádio e Telejornalis- Nossa jornada diária implica movimento pelos diferentes espaços midiáticos e para dentro e fora do espaço da mídia. A mídia nos oferece estruturas para o dia, pontos de referência, pontos de parada, pontos para olhar de relance e para a contemplação, pontos de engajamento e oportunidades de desengajamento. Os infinitos fluxos da representação da mídia são interrompidos por nossa participação neles. (SILVERSTONE, 2002, p.24) No modo de produção capitalista, fundamentado no lucro, não se trata só de produzir bens, o que pode ser considerado relativamente fácil. Há um complicador: a comercialização. Aí entra a publicidade, inserida nas mídias que darão como retorno, a permanência de suas empresas no mercado e a possibilidade de concretizar novos negócios. É híbrida a relação entre os donos dos meios de comunicação e os do capital. Por conseguinte, não é difícil concluir que a co1 Jornalista. Mestre em História e Doutor em Comunicação Social pela PUC/RS. Acadêmico de DIreito da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. 67 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 mo, dos Estados Unidos em 15 de outubro mas verdadeiro construtor de conteúdos. De de 1958, pronunciou uma frase muito feliz: uma mesma informação é possível apresen“Eu gostaria que a TV produzisse algumas tar resultados totalmente diferentes. Depenpílulas de coceira no lugar desta efusão sem de de quem dá “forma” a essa informação. Ela deve localizar as contradições, os intefim de tranquilizantes”. A informação acaba sendo apenas um resses que os proprietários defendem, uma vez que sempre há algo detalhe. Não existe para ser descoberto. E explicação sobre as No modo de produção capitaliso receptor deve deixar razões de determinata, fundamentado no lucro, não de lado a ideia de ser do acontecimento, a se trata só de produzir bens, o um mero leitor ou escontextualização da que pode ser considerado relatipectador. notícia, a extradiscurvamente fácil. Há um complicaÉ fácil concluir ensividade e suas consedor: a comercialização. Aí entra tão, que não existe uma quências. Estas realia publicidade, inserida nas mímídia impressa ou eledades essenciais para trônica, independente, dias que darão como retorno, a a compreensão do que neutra, apartidária, em permanência de suas empresas é repassado ficam de que o leitor é sua razão no mercado e a possibilidade lado. Permanecemos de ser, como gostam de concretizar novos negócios. na primazia do texto, de lembrar, continuado óbvio, do singular, mente, os proprietários não reconhecemos a importância do particular, ou seja, das infor- de veículos eletrônicos. mações a mais de que dispomos. A educação para o espírito crítico Os meios de comunicação podem, paraQual deve ser o nosso trabalho? Já que a doxalmente, informar desinformando, ocultar mostrando, em outras palavras, apresentam comunicação é composta de condições objeas notícias de variedades, de comportamen- tivas e subjetivas? Interpretar o fator subjetito, ainda assim, somente as que formam vo, observando não só o conteúdo, mas as consenso, deixando de lado o que realmen- entrelinhas, os sinais, as marcas e pegadas te é importante, mostrando, de acordo com deixadas, o não-dito, o indizível na vida social, a ideologia que é repassada. Bourdieu, Umberto Eco, um dos dez intelectuais uma coisa diferente do que seria preciso mais citados no mundo nos adverte: “a mídia, mostrar caso se fizesse o que supostamente não pode eximir-se de críticas, é condição se faz, isto é, informar; ou ainda mostrando o de saúde para um país democrático que ela que é preciso mostrar, mas de tal maneira que possa colocar-se em questão”. (2001, p.56). não é mostrado ou se torna insignificante, ou E Herbert de Souza segue na mesma linha construindo-o de tal maneira que adquire sentido que não corresponde absolutamente à realidade. ao igualar a participação dos cidadãos na (1997, p.24) democracia à participação dos cidadãos na comunicação. Se no passado, a mídia (Silverstone, Editar uma notícia é escolher e, essa 2002) podia ser pensada como apêndice do escolha já é uma tomada de posição. Se o processo político e até como o quarto poder, veículo de informação não é neutro, o destiagora, a política não existe fora de uma es- natário também pode não sê-lo. Entretanto, trutura midiática. Ela exerce, cada vez maior este precisa ter uma visão abrangente das influência na decisão da escolha das pesso- mensagens que a ele chegam. Só assim há as. É o que afirma Libânio: de crescer seu discernimento o que lhe possibilitará uma interpretação crítica. A postura A mídia cria artificialmente a imagem dos crítica do receptor oferece condições de lopolíticos, forja-os do nada e joga-os na arecalizar as contradições, os interesses que os na eleitoral, conseguindo elegê-los indepenproprietários da mídia defendem. dentemente dos valores éticos, quer da pessoa do político quer dos meios para elegê-los. A educação para a mídia é um campo vas(1995, p.29) to de ensino e aprendizado que proporciona a desconstrução das mensagens veiculadas O jornalista não é apenas transmissor, 68 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 homens públicos frente à realidade brasileira como fica? Entretanto, a existência dos “reality Shows” pode suscitar outras considerações. As regras do jogo podem ser comparadas às do próprio sistema capitalista e a doutrina neoliberal que grassa na sociedade mundial. Vale a competitividade, o individualismo, em que a tônica é a eliminação do concorrente. Ninguém deve ser ajudado. Se não foi possível vencer, é porque faltou-lhe empenho. O importante é começar de novo. Mais adiante você poderá triunfar. Este é, na verdade, o grande chamariz e sedução do Neoliberalismo. Todos têm oportunidade de vencer. Desaparece, então, o que poderia ser o contraponto às regras capitalistas: a solidariedade, uma vez que a luta é pela exclusão dos concorrentes. Este formato de programa pode suscitar outras considerações. Segundo o Geógrafo e colunista da Folha de São Paulo, Demétrio Magnoli. pelos meios de comunicação, de modo a oportunizar a compreensão de como se opera a formação de opinião, gostos e valores. Frente a uma sociedade que aparece pronta, acabada, entra a necessidade da análise, da capacidade que o indivíduo tem de intervir, de interpretar, para provocar as mudanças. Com tal postura, novas alternativas se abrem à prática histórica. Na festa literária Internacional de Paraty, Rio de Janeiro, no ano de 2003, o historiador inglês Eric Hobsbawm insistiu em olhar a história de modo global. Para ele, narrar os fatos que ocorrem sem referir, minimamente, as razões que os constituem é tomar o todo pela parte, é destituí-los de sua natureza complexa. A mídia (Natali, 2004) delicia-se com celebridades e não com personalidades. A celebridade vira um “fetiche”, “ídolos” e atrai leitores e telespectadores, ávidos por fofocas. É a pauta única de determinadas revistas especializadas e das colunas sociais, preocupadas muito mais em falar do comportamento das pessoas, das cirurgias plásticas, das colunáveis siliconadas, dos novos namoros de atores, atrizes, modelos2. Vale o glamour, as extravagâncias, a superficialidade. A vida privada virou consumo público. Um dos exemplos clássicos é o programa da Rede Globo “Big Brother”. Os “atores” saem do anonimato de suas vidas privadas para expô-las publicamente. Não há passado. O futuro é desconhecido. Vale o presente. E um pouco mais adiante, voltam para o anonimato, donde saíram. A imprensa brasileira parece uma imensa coluna social. É lamentável que informações sobre comportamento, celebridades, novelas, variedades, “reality Shows” ganhem grandes espaços na mídia, que sejam esperadas e consumidas com avidez pelo público, a ponto de levá-lo à excitação. Este mundo é o da superficialidade. O mesmo vale para atividade política. A mídia se preocupa com a vida privada dos detentores do poder; e sua atividade como 2 O sucesso dos “reality shows”, medido pela audiência como pela crescente complacência dos intelectuais, parece indicar uma crise profunda do mundo privado e um esgarçar da noção de intimidade. O fenômeno não pode ser isolado do recuo geral da privacidade, nessa época de fabricação midiática de celebridades efêmeras e despudoradas, de vigilância eletrônica de hábitos, gostos e preferências, de comercialização empresarial de dados pessoais. Mas ele ocupa um lugar de vanguarda nessa ofensiva da barbárie. (2005, A2) O que chama também atenção neste Programa é o interesse pelo público em participar através de telefonemas para confirmar ou retirar do Programa (paredão) o seu amigo ou desafeto. Milhões de ligações são feitas, colaborando ainda mais com o caixa da Rede Globo. Afinal, em determinados momentos do Big Brother 5, as ligações ultrapassaram a casa dos 22 milhões. Na interatividade pós moderna do “Big Brother”, todos os antigos atos do otário foram reunidos do impulso emotivo único de digitar teclas de telefone. A rapinagem é direta, implacável, Dados da Ipson/Marplan, empresa especializada em estudos de marketing e consumo mostram quais são os principais grupos consumidores: Pelo menos 38% da população brasileira com mais de 13 anos tem interesse por gente famosa. 12% da população pesquisada tem o hábito de ler revistas de celebridades/fofocas. Mulheres (74%), as classes A e B (54%) e pessoas de 20 a 34 anos (39%). Folha de São Paulo, São Paulo, 8 de junho de 2004, E6. 69 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 brutal. Existem leis contra isso, e temos até um Ministério da Justiça. Mas quem se importa. (MAGNOLI, 2005, E4) também na mídia. Na análise das instituições duas teorias se notabilizam: a teoria positivista-funcionalista para a qual o máximo que podemos fazer é tirar uma radiografia da sociedade, descrevê-la como é, como funciona, mas a partir de si mesma; e a teoria histórico-crítica, que além de nos mostrar como se estrutura, traz elementos que nos faz compreender por que ela é assim. Procura buscar as causas. Temos, então, a infra-estrutura, capital e trabalho, e as superestruturas representadas pela família, escola, igrejas, meios de comunicação. São desejos, ideias, aspirações pensados pelos responsáveis destas instituições, que, até certo ponto se materializam e reproduzem determinadas formações sociais. Mas essas instituições nunca se cristalizam de maneira absoluta. Contêm sempre um espaço de contradição, apesar de se tornarem hegemônicas e, até certo ponto, estáveis dentro de um determinado grupo. No caso em foco, a mídia, é uma instituição que responde às tensões existentes na estrutura dessa sociedade, representando, como regra geral, os interesses e os valores dos grupos dominantes. A tolerância e a aceitação das diferenças são princípios de uma democracia. Ora, é sabido que os grupos mais poderosos encontram espaços para difundir suas ideias, já que o rosto da mídia é o poder. E a população como fica? Daí a necessidades de se buscar outros caminhos para a comunicação, que combata a intolerância com os excluídos em nível econômico, político e cultural. É urgente radicalizar quando o objetivo é a publicação de uma imprensa alternativa, um jornal de bairro, por exemplo. A divulgação de jornais alternativos - sejam semanais, quinzenais, mensais, e seus empreendedores - é inerente ao processo democrático. Mas isto não é de estranhar, numa sociedade que se preocupa muito mais em conhecer e falar sobre as celebridades, ler revistas especializadas que tratam da área do comportamento das pessoas, das plásticas feitas, das colunáveis siliconadas, dos novos namoros de atores, atrizes, modelos. Magnoli critica aquilo que ele chama de crescente complacência dos intelectuais, a respeito do sucesso dos “reality shows”. O jornalista está chamando a atenção sobre aquilo que parece ser uma unanimidade. Na verdade, está faltando reflexão, função principal de um intelectual. O “Big Brother’ é a inversão das coisas. Eles não estão na televisão por serem importantes. É o contrário. Eles são celebridades porque estão aparecendo na televisão . Responsabilidade social da Mídia A mídia constrói a realidade. As pesquisas mostram que mais de oitenta por cento de tudo o que as pessoas falam durante o dia, seja no trabalho, no trânsito, em casa, é pautado pela mídia. Os meios de comunicação são os que dão a agenda da discussão como também a suprimem. O que não está na mídia não está no mundo. Ela exerce cada vez maior influência na decisão das escolhas das pessoas. O que significa que determinados assuntos não chegam a se constituírem em realidade. A Responsabilidade social pode ser definida como a consciência e a prática das dimensões políticas e éticas. No desenvolvimento das comunicações é possível constatar a falta, muitas vezes, da ética, que de acordo com Márcio Fabri dos Anjos (1996) deve ser compreendida como uma instância crítica e propositiva. Se observamos como a realidade é mostrada na mídia, verificamos que ela é apresentada como algo acabado, pronto, absolutizado, invariável, desenraizado do passado, sem antecedentes. Necessário se faz então, a busca de ações e relações objetivando dar respostas a uma nova visão de homem, de sociedade, do agir humano e das suas transformações. Por isso, a ética é imprescindível Estudar a mídia é torná-la mais inteligível. Progredir na análise de conjuntura é observar as articulações e as dimensões locais, regionais, nacionais dos fenômenos midiáticos, dando-se conta como os meios de comunicação funcionam. O objetivo é provocar uma intervenção, ou seja, propor o surgimento de 70 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 uma nova sociedade, mais justa, mais democrática, mais igualitária, mais participativa. NATALI, João Batista. Jornalismo Internacional. São Paulo: Contexto, 2004. Referências BOURDIEU, Pierre. Sobre a Televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997. SILVERSTONE, Roger. Por que Estudar a Mídia? São Paulo: Loyola, 2002. SOUZA, Herbert de. Democracia Hoje. 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Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. 71 Ciências Tecnológicas Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 Uso de telhados verdes no controle quantitativo do escoamento superficial urbano Andréa Souza Castro1 Joel Avruch Goldenfum2 Resumo: Os telhados verdes são estruturas que se caracterizam pela aplicação de cobertura vegetal nas edificações, utilizando impermeabilização e drenagem adequadas. Os telhados verdes são estruturas que surgem como uma alternativa de cobertura capaz de proporcionar várias vantagens sobre as coberturas convencionais, dentre as principais podemos citar: diminuição da água de escoamento que seria direcionada ao pluvial, melhoria nas condições de conforto ambiental das edificações e visual paisagístico. O presente artigo procura avaliar o escoamento superficial proveniente de um experimento composto por quatro módulos. Neste estudo é feita uma comparação entre telhado e terraço com a utilização de cobertura vegetal e terraço e telhado convencional. Os resultados preliminares mostram que para os eventos estudados, os telhados verdes conseguiram reduzir o escoamento superficial em 50% para o telhado e em 100% no terraço, para as primeiras três horas após o início da chuva. Após seis horas após o início da chuva, a eliminação do escoamento superficial ocorre em 50% dos eventos no telhado e de 63% no terraço. Passando 12 horas do início da chuva, a cobertura verde continua retendo o escoamento superficial, sendo os valores de 25% no caso do telhado e 63% no terraço. Os dados preliminares indicam que os usos de coberturas vegetais podem proporcionar uma melhor distribuição do escoamento superficial, diminuição da velocidade de liberação do excesso de água e redução nos volumes escoados. Palavras-chave: Telhados verdes, Escoamento superficial. Abstract: Green roofs are structures that use plant coverage in buildings, including appropriate waterproofing and drainage devices. These structures that can provide several advantages compared to the conventional roofs, including: reduction of the water flow that would be directed to pluvial dranage systems; improvement of building environmental conditions; amelioration of visual landscape of the buildings. The present article seeks to assess the runoff from an experimental green roof structure comprised of 4 modules. A evaluation of inclined roofs and terraces, comparing the use of plant cover and conventional roof, is presented. Preliminary results show that, for the studied events, the green roofs were able retain up to 50 % of the runoff on the inclined roofs and 100% reduction on the terrace, for the first 3 hours after the onset of rain. After 6 hours of the start of rainfall, 50% of runoff reduction was observed on the inclined roofs, and 63% in the terrace. After 12 hours of the rainfall start, green coverage continues retaining the runoff, with 25% reduction in the case of inclined roofs and 63% in terrace. Preliminary data indicates that the uses of green roofs can provide a better distribution of runoff, slow release of excess water and reduction in the disposed volumes. Key-words: Green roofs, Run-off 1 2 Aluna de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Professora da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Professor Adjunto do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Project Manager - Greenhouse Gas (GHG) Research International Hydropower Association. 75 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 Introdução Mentens et al. (2006), Connelly e Liu (2005), A urbanização que ocorre com o cresci- Wan Woert et al. (2005), Villarreal (2005), Momento das cidades provoca uma diminuição ran (2004); Simmons et al. (2008) citam o uso na cobertura vegetal, modificando o ciclo de telhados verdes no controle do escoamento hidrológico, através de alterações nas quan- superficial. Mas, pouco se conhece sobre o efeito tidades de água envolvidas nos processos dos telhados verdes sobre o constituintes do ciclo. O amescoamento pluvial no Brasil. biente impermeabilizado passa Os telhados verdes Sendo assim, é de extrema a direcionar maior parcela de são estruturas que se importância o estudo para água pluvial a um escoamento caracterizam pela apliverificar a aplicabilidade e os superficial, dada a redução cação de cobertura veefeitos dessas estruturas no da interceptação vegetal, ingetal nas edificações. escoamento superficial urbano. filtração e evapotranspiração pela retirada da sua proteção Objetivos natural. A consequência deste processo é um Este trabalho tem como objetivo verificar a aumento nos volumes escoados, ao mesmo efi ciência do uso de telhados verdes no contempo em que ocorre a redução do tempo de trole quantitativo do escoamento superficial concentração, provocando assim hidrogramas urbano. de cheias cada vez mais críticos. Os telhados verdes são estruturas que se Materiais e Métodos caracterizam pela aplicação de cobertura veO módulo experimental telhado verde foi getal nas edificações. Consistem basicamente instalado no IPH/UFRGS. É um dispositivo em uma camada da vegetação, uma camada composto por quatro módulos de 4 m2 cada, de substrato (onde a água é retida e a vegetasendo a estrutura cedido pela empresa ção é escorada) e uma camada de drenagem © . A figura 1 mostra o módulo Ecotelhado responsável pela retirada da água adicional. experimental. Os telhados verdes são estruturas que surgem como uma alternativa de cobertura capaz de proporcionar várias vantagens sobre as coberturas convencionais. Dentre as principais podemos citar: controle do escoamento superficial; melhoria nas condições de conforto ambiental das edificações e visual paisagístico; proteção do telhado contra a luz do solar e grandes flutuações de temperatura, melhorando assim a vida útil do telhado. Os efeitos dos telhados verdes no escoamento superficial consistem em: diminuição da água de escoamento que seria direcionada ao pluvial, já que o telhado verde é composto por Figura 1 – Módulo experimental instalado plantas que têm a capacidade de reter água no IPH/UFRGS. e atraso no pico do escoamento, pois ocorre absorção da água no telhado verde. Os módulos que constituem o experimento Algumas desvantagens podem surgir com a são: adoção de coberturas verdes, tais como: custo • Módulo horizontal com telhado verde de implantação, problemas de infiltração e (terraço); umidade (caso o sistema não seja aplicado de • Modulo horizontal sem telhado verde forma correta), aumento de carga na estrutura (terraço); da edificação. • Módulo com declividade de 15o (graus) Esse tipo de tecnologia está sendo usado com presença de telhado verde (telhado); em diversos países na Europa e Estados • Módulo com declividade de 15o (graus) Unidos, onde é adotado não só em empreendisem presença de telhado verde (telhado). mentos residenciais como também comerciais Neste experimento um módulo de telhae industriais. Vários autores internacionais, do e um módulo de terraço são constituídos 76 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 vatório irá captar o excesso de água que não é retido pelas plantas. Já no lado que simula um telhado convencional a água captada será a que escorre diretamente para o sistema público de águas pluviais. Sendo assim será possível fazer o balaço hídrico para verificar a eficácia da estrutura na retenção de água da chuva. Uma visão geral do experimento é apresentada na figura 3. por ecotelhas. Além das ecotelhas, o módulo do telhado verde é composto por duas membranas, uma para a retenção de água e nutrientes e outra antirraízes. A membrana para a retenção de raízes é colocada abaixo da membrana de retenção de água e nutrientes. A figura 2 mostra em detalhe a instalação da ecotelha, que se encontra entre a membrana para retenção de água e nutrientes e membrana para a retenção de água. Figura 2 – Instalação do telhado verde no IPH/UFRGS. Figura 3 – Cobertura verde instalada no IPH/UFRGS A ecotelha é um conjunto formado por substrato rígido, um substrato leve e as plantas. Agrega nutrientes essenciais que proporcionam retenção de água e drenagem do excedente. Cada ecotelha possui 35 cm de largura, 68 cm de comprimento e 6 cm de espessura. A ecotelha já vem plantada e enraizada, pronta para o uso. Neste experimento, para cada módulo existem dois reservatórios de coleta de água com capacidade de 200 litros cada. O primeiro reservatório está ligado diretamente através de tubulações a um dreno. Este dreno está localizado na parte mais baixa do módulo, para que a água seja conduzida por gravidade ao primeiro reservatório. O segundo reservatório foi interligado ao primeiro, para servir como vertedouro no caso de o primeiro reservatório extravasar. Sensores de níveis ligados a um datalloger estão instalados no primeiro reservatório, permitindo assim que se monitore a quantidade de água da chuva que o telhado verde consegue segurar, além do tempo em que começa o escoamento do mesmo. No lado que possui a ecotelha, o reser- Resultado e Discussão Análise quantitativa Para o presente estudo foram analisados o comportamento da estrutura para oito eventos de precipitação durante os meses de maio a setembro de 2008. Os dados sobre as características de cada evento, tempos para o início do escoamento e os volumes acumulados nos reservatórios para os quatro módulos experimentais são mostrados nas tabelas 1 e 2. Na análise dos eventos de chuva, o presente artigo avalia comportamento da cobertura vegetal até as primeiras 12 horas do início da chuva. Logo, a intensidade média da chuva apresentada na tabela 1 foi calculada também para as primeiras 12h de precipitação. A exceção ocorreu nos eventos dos dias 20/06/2008 e 01/08/2008 (duração da precipitação menor que 12h), nos quais a média apresentada na tabela 1 é a precipitação média do evento. As tabelas 3, 4 e 5 apresentam os valores dos volumes escoados na estrutura após 3, 6 e 12 horas do início da chuva. 77 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 Tabela 1 – Características da precipitação para os seis eventos estudados. Data do Evento Início da Chuva Total Prec. (mm) 28/05/2008 07/06/2008 20/06/2008 20/07/2008 27/07/2008 01/08/2008 16/08/2008 05/09/2008 13h 13h55 6h 5h 3h55 21h40 13h40 4h 66,33 71,58 11,87 21,44 139,54 38,30 72,70 100,37 Duração totak da chuva (h:mm:seg) 34:55:00 55:00:00 05:30:00 48:00:00 71:50:00 8:00:00 71:40:00 33:10:00 Tabela 2 – Horário de início do escoamento superficial e tempo para início do escoamento do início da chuva para os 4 módulos experimentais. Data do Evento 28/05/2008 07/06/2008 20/06/2008 20/07/2008 27/07/2008 01/08/2008 16/08/2008 05/09/2008 Início do escoam. c/ telhado verde Terraço Telhado 17h40 (4:40:00) 14h40 (1:40:00) 2h40 (12:45:00) 15h20 (0:25:00) S/ escoamento S/ escoamento S/ Escoamento 7h35 (2:35:00) 15h40 (12:05:00) 14h15 (10:40:00) 1h30 (3:50:00) 0h25 (2:45:00) 17/08/2008 17/08/2008 15h05 15h10 (25:30:00) (25:25:00) 15h20 (11:20:00) 9h45 (5:45:00) Início do escoam. s/ telhado verde Terraço Telhado 13h10 (00:10:00) 13h10 (00:10:00) 14:00:00 (00:05:00) 15h (01:05:00) 6h05 (0:05:00) 6h05 (0:05:00) 5h10 (0:10:00) 5h10 (0:15:00) 3h40 (0:05:00) 1h15 (4:50:00) 21h50 (10min) 23h20 (1:40:00) 14h15 (00:35:00) 14h20 (00:40:00) 4h00 (0:00:00) 4h05 (0:05:00) Tabela 3 – Volumes escoados nos 4 módulos experimentais após 3 horas do início da recipitação. Intensidade da para as Data do Evento chuva primeiras 3hs (mm/h) 28/05/2008 6,27 07/06/2008 2,95 20/06/2008 3,28 20/07/2008 1,68 27/07/2008 0,75 01/08/2008 5,84 16/08/2008 2,78 05/09/2008 1,26 Dias antecedentes sem chuva 14 4 5 11 4 1 3 11 Vol. Escoado (mm) após 3h (c/ cobertura verde) Terraço 0 0 0 0 0 0 0 0 78 Vol. Escoado (mm) após 3h (s/cobertura verde) Telhado Terraço Telhado 4,53 12,76 6,26 13,20 3,11 7,12 3,90 1,71 11,51 6,32 3,13 0,58 0 0,16 0 0,29 0 0 7,02 3,31 1,36 12,07 6,21 3,02 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 Tabela 4 – Volumes escoados nos 4 módulos experimentais após 6 horas do início da precipitação. Intensidade da para as Data do Evento chuva primeiras 6h (mm/h) 28/05/2008 7,37 07/06/2008 2,28 0 (evento já 20/06/2008 finalizado) 20/07/2008 0,84 27/07/2008 0,38 01/08/2008 6,09 16/08/2008 1,39 05/09/2008 1,77 Dias antecedentes sem chuva Vol. Escoado (mm) após 6h (c/ cobertura verde) Vol. Escoado (mm) após 6h (s/cobertura verde) Terraço Telhado Terraço Telhado 14 4 3,75 0, 21,09 7,39 28,03 10,52 28,69 10,69 5 0 0, 8,50 8,56 11 4 1 3 11 0,12 0, 0 0 2,04 0, 0,14 3,68 1,89 25,15 6,27 8,88 3,89 1,95 24,68 6,26 8,80 7,.67 0, 0 Tabela 5 – Volumes escoados nos 4 módulos experimentais após 12 horas do início da precipitação Intensidade da para as Data do Evento chuva primeiras 12h (mm/h) 28/05/2008 4,19 07/06/2008 1,35 20/06/2008 20/07/2008 27/07/2008 01/08/2008 16/08/2008 05/09/2008 0 (evento já finalizado) 0,74 2,52 0 (evento já finalizado) 0,74 3,16 Dias antecedentes sem chuva Vol. Escoado (mm) após 12h (c/cobertura verde) Vol. Escoado (mm) após 12h (s/cobertura verde) Terraço Telhado Terraço Telhado 14 4 4,61 0 27,16 10,79 31,52 11,36 32,33 10,74 5 0 0 8,68 8,62 11 4 0 0 0,57 8,91 6,28 19,33 6,79 20,26 2 9,84 2,50 26,27 25,74 3 11 0, 2,21 0 16,66 6,39 27,34 6,46 27,64 Os resultados preliminares do módulo terraço com cobertura vegetal mostram que, para os oito eventos estudados não houve escoamento superficial nas primeiras três horas após o início da chuva. Já para o módulo telhado com cobertura vegetal, houve escoamento superficial nas primeiras três horas após o início da chuva somente para quatro eventos, sendo os volumes escoados bem menores em comparação com um telhado sem cobertura vegetal. Após seis horas do início da chuva ocorreu escoamento superficial no terraço com cobertura vegetal somente para três eventos. Já para o telhado, houve escoamento superficial para quatro eventos após seis horas do início da chuva. Após 12 horas do início da chuva, o terraço com cobertura vegetal continua retendo todo o escoamento superficial em 63% dos eventos analisados. Já o telhado retém a totalidade do escoamento em 25% dos eventos. Os volumes escoados no módulo telhado com cobertura vegetal são ligeiramente maiores do que no terraço com cobertura vegetal em 63% dos eventos que 79 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 geram escoamento após 12hs do início da de coberturas vegetais pode proporcionar uma melhor distribuição do escoamento chuva. Os resultados preliminares mostram que, superficial ao longo do tempo através da para os eventos estudados, os telhados e diminuição da velocidade de liberação terraços com cobertura vegetal têm uma do excesso de água retido nos poros do redução no escoamento superficial de até substrato. Além disso, os dados demonstram 50 e 100% respectivamente nas primeiras uma redução no volume de água escoado, já três horas após o início da chuva. Já seis que o telhado verde é composto por plantas horas após o início da chuva, a redução no que têm a capacidade de reter água. Para os oito eventos analisados, a escoamento superficial diminui, com uma taxa de 63% a 100% no terraço e de 50 a intensidade da chuva parece ter maior influência nos volumes de 100% no telhado, dependo escoamento superficial se do evento de chuva. Os dados demonstram uma comparados com os dias Após 12 horas após redução no volume de água antecedentes sem chuva. o início da chuva, houve escoado, já que o telhado verde redução da capacidade de é composto por plantas que retenção do escoamento, Agradecimentos têm a capacidade de reter água. para o telhado e terraço. Ao CNPq que concedeu Mesmo assim, a cobertura financiamento da pesquisa, verde retém a totalidade do escoamento bolsa de doutorado à primeira autora (Andréa superficial em 25% dos eventos analisados Souza Castro) e bolsa de produtividade em no telhado e em 63% no terraço. pesquisa para o segundo autor (Joel Avruch Para os oitos eventos analisados, os Goldenfum). Daiane M. Lino contribuiu para dias antecedentes sem chuva parecem não o trabalho e recebeu bolsa de iniciação contribuir pra a diminuição dos volumes científica da FAPERGS. escoados. Os eventos que possuem os maiores números de dias antecedentes Referências sem chuva não correspondem aos menores CONNELLY, M.; LIU, K. 2005. Green roof volumes de escoamento superficial. research in british Columbia - an overview. Nas primeiras três horas do início da In: Greening rooftops for sustainable chuva, a intensidade média parece não ter communities, 2005, Washington, dc. influencia nos volumes escoados superficialmente. É importante considerar que para os MENTENS, J.; RAES, D.; HERMY, M. eventos analisados a intensidade média de (2006). Green roofs as a tool for solving the chuva (3h do início da chuva) foi menor do rainwater runoff problem in the urbanized que 7 mm/h. A influência da intensidade mé- 21 st century? Landscape and Urban dia da chuva passa a ser percebida a partir Planning. Amsterdam, v. 27, p.217-226. das 12h do início da chuva, quando as maiores intensidades correspondem aos maiores MORAN, Amy Christine. (2004). A North volumes acumulados. Carolina field study to evaluate greenroof runoff quantity, runoff quality, and plant growth. 300f. Dissertação (Mestrado Conclusões Os dados indicam que terraços e telhados em Biological Agricultural Engineering) – com cobertura vegetal fazem um controle Graduate Faculty of North Carolina State adequado do volume de escoamento University, Raleigh. superficial, mesmo passando 12 horas do início da chuva. SIMMONS, Mark T.; GARDINER, Brian; Os resultados sugerem um melhor WINDHAGER, Steve; TINSLEY, Jeannine desempenho hidrológico dos terraços em (2008). Green roofs are not created equal: relação aos telhados na maioria dos eventos the hydrologic and thermal performance estudados. Isso indica que a inclinação do of six different extensive green roofs and telhado pode ter influência nos volumes reflective and non-reflective roofs in a subtropical climate. Urban Ecosystems. v.11, escoados. Os dados preliminares indicam que o uso p. 339–348. 80 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 VAN WOERT, N. D.; ROWE, D. B.; ANDRESEN, J. A.; RUGH, C. L.; FERNANDEZ, R. T.; XIAO, L. 2005. Green Roof Stormwater Retention: Effects of Roof Surface, Slope, and Media Depth. Journal of Environmental Quality. v. 34, p. 1036-1044. VILLARREAL, E. L.; BENGTSSON, L. 2005. Response of a sedum greenroof to individual rain events. Ecological Engineering. n. 25, p. 1–7. 81 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 Tratamento de chorume de aterro empregando a drenagem ácida de minas como fonte de ferro para a reação de Fenton R.M.S. Fagundes1 J.C.S.S. Menezes1 I.A.H. Schneider1 Resumo: Este trabalho teve como objetivo verificar a eficiência do processo Fenton (H2O2/Fe) no tratamento do lixiviado do aterro sanitário de Campo Bom – Vale do Sinos utilizando uma solução de drenagem ácida de minas (DAM) como fonte de ferro. Foram realizados ensaios considerando diferentes misturas de chorume e DAM, com e sem a adição de H2O2. O efeito de coagulação, em ambos os casos, melhorou as características do efluente em termos de carga orgânica e nutrientes. Porém, quando foi adicionado o H2O2 (Reação de Fenton), o efluente final apresentou melhores resultados em relação a cor, COT (Carbono Orgânico Total) e, principalmente, em termos de bactérias do grupo coliforme. Os resultados demonstram que a drenagem ácida de minas, especialmente as mais concentradas e ricas em Fe+2, podem ser empregadas a baixo custo como fonte de ferro para a Reação de Fenton Palavras-chave: Drenagem ácida de minas, Lixiviado de aterros sanitários, Reação de Fenton, Tratamento de efluentes. Abstract: The aim of this work was to study the treatment of landfill leached in the Vale dos Sinos - RS using the acid mine drainage (AMD) as a source of iron for Fenton´s Oxidation Process (H2O2/Fe). The experiments were carried out considering different levels of mixture of the wastewater and AMD, with and without the addition of H2O2. The coagulation effect, in both situations, improved the wastewater characteristics in terms of organic load and nutrients. However, when the H2O2 was added (Fenton´s Reaction), the final effluent showed better results in terms of collor, COT and bacteria of the coliform group. The results demonstrates that the AMD, especially the most concentrated and rich in Fe+2 , can be used as low cost source of iron for the Fenton´s Reaction. Key-words: Acid mine drainage, Municipal landfill leachate, Fenton´s Reaction, Wastewater treatment 1 LEAmet - Laboratório de Estudos Ambientais para a Metalurgia. Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Minas, Metalúrgica e Materiais - Centro de Tecnologia - Campus do Vale - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mails: [email protected], [email protected], [email protected] 83 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 2,8 V (Metcalf & Eddy, 2006). Introdução A disposição de resíduos sólidos (1) urbano em aterros sanitários é uma prática bastante comum em países desenvolvidos e A fonte mais utilizada para dosagem de subdesenvolvidos. Devido à própria natureza dos resíduos, com grande quantidade de Fe2+ é o sulfato ferroso - FeSO4 (Barros et matéria orgânica e em função das infiltrações al., 2005; Lee e Shoda, 2007). Entretanto, ao de água nestes aterros, uma variedade considerar a alta concentração de ferro (total de poluentes orgânicos e e na forma de iônica Fe2+) inorgânicos é dissolvida em águas provenientes da O objetivo do presente trae transportada, gerando drenagem ácida de minas balho foi estudar o tratao chamado percolado (DAM), é de interesse mento de um chorume de de aterro sanitário ou, científico e ambiental a aterro sanitário via processimplesmente, chorume. As avaliação do uso de DAM sos Fenton, utilizando a DAM características do chorume como fonte de Fe2+ no 2+ como fonte de Fe total e Fe . gerado variam em função tratamento de efluentes via do regime pluvial, do clima processo Fenton. da região, da idade do Assim, o objetivo do aterro, da composição do resíduo (maior ou presente trabalho foi estudar o tratamento de menor quantidade de matéria orgânica), das um chorume de aterro sanitário via processos condições hidrogeológicas e de operação do Fenton, utilizando a DAM como fonte de Fe aterro. total e Fe2+. Avaliou-se a redução de carga O tratamento do chorume em plantas orgânica (DBO5 e DQO) e desinfecção de tratamento clássicas é raramente (coliformes totais e Escherichia Coli) do praticado devido à natureza e concentração chorume e a possível concentração residual dos poluentes presentes (DQO elevada, de metais pesados. baixa biodegradabilidade, metais pesados, patogênicos, etc. – Tzaoui et al., 2007). Materiais e Métodos Os tratamentos empregados hoje utilizam A amostra de chorume foi coletada no combinações dos seguintes processos: Aterro Sanitário do Município de Campo coagulação/floculação, biológico – Bom (Figura 1). Neste aterro, o chorume anaeróbicos e aeróbicos, oxidação, oxidação gerado no aterro é armazenado em lagoas, avançada, membranas, recirculação do o que permite um processo de biodigestão. chorume ao aterro, banhados construídos, Quando a lagoa encontra-se no limite entre outros. A escolha de um fluxograma de de sua capacidade, o chorume é tratado tratamento depende principalmente do custo por coagulação e descartado. A amostra de operação e investimento (custo efetivo) e empregada no presente trabalho foi retirada da legislação ambiental local. da lagoa de armazenamento, preservada Tratamentos oxidativos e oxidativos a 4oC e utilizada nos experimentos em um avançados são atrativos para o tratamento período inferior a 24 horas da coleta. de chorume devido ao potencial de oxidação A DAM utilizada é proveniente de drenagem da matéria orgânica e de diminuição da de área de mineração de carvão na região de presença de patogênicos. Ainda, estes Criciúma - SC e foi caracterizada quanto a pH processos têm sido utilizados em conjunto e metais pesados. A determinação da fração com outros processos como pré e pós- de Fe total e na forma de Fe2+ foi realizada tratamento de chorume (Zhang et al., 2006). pelo método titulométrico de dicromato de Entre os processos oxidativos avançados potássio (Jeffery et al, 1989). o processo Fenton se destaca devido ao O reagente H2O2 (32-36,5%) fornecido baixo custo efetivo e facilidade operacional pela Nuclear® foi utilizado na reação de (Lee e Shoda, 2007). Durante a reação Fenton. H2SO4 e NaOH a 5% foram utilizados Fenton, peróxido de hidrogênio é catalisado no ajuste do pH. em meio ácido (pH 3-5) por íon ferroso para Os ensaios de tratamento do chorume produzir radical hidroxila (equação 1), que iniciaram com a caracterização da DAM apresenta elevado potencial de oxidação – utilizada como fonte de ferro. A dosagem de 84 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 Fe total necessária para eficiente coagulação/ precipitação e clarificação do chorume foi definida em 1000 mg.L-1. O tratamento foi realizado utilizando alíquotas de 1 L e foram divididos nas seguintes etapas: Coagulação Simples: (a) adição de DAM na dosagem de 1000 mg.L-1 e ajuste do pH foi tratada com ácido fosfórico 1 M à pH 2 e gás oxigênio para eliminação do carbono inorgânico. As demais análises, DBO, DQO, N, P, Fe total, Al total, Mn total e Zn total foram realizadas seguindo metodologia indicada pelo Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater (APHA, 2005). Resultados e discussão Caracterização do Chorume e da DAM A Tabela 1 apresenta os resultados das análises químicas realizadas para caracterização do chorume e da DAM. A carga orgânica do chorume (DQO) é bastante elevada e a biodegradabilidade (DBO/DQO = 0,3) bastante baixa. Estas características apontam para provável baixa eficiência de tratamento por processos biológicos - lodo ativado, por exemplo (Russell, 1943). A DAM apresenta baixo pH e altíssima concentração de Fe total. A razão Fe2+/Fe total é próxima a 65 %, fazendo esta DAM um reagente bastante interessante como insumo do processo Fenton. Figura 1 – Aterro Sanitário do Município de Campo Bom. Fonte: Prefeitura de Campo Bom. para 3,5; (b) agitação em jar-teste por 3 horas; (c) ajuste do pH à 8,7; (d) separação sólido/líquido por filtração (papel filtro de 8 µm). Reação de Fenton: (a) adição de DAM na dosagem de 1000 mg.L-1, ajuste do pH para 3,5 e adição de H2O2, com razão H2O2/ Fe2+ previamente definida em 0,0825 g Fe2+/ mL H2O2 (Barros et al., 2005); (b) agitação em jar-teste por 3 horas; (c) ajuste do pH à 8,7; (d) separação sólido/líquido por filtração (papel filtro de 8 µm). Análises físico-químicas foram realizadas no efluente bruto e tratado. As análises de tubidez, cor e pH foram realizadas, respectivamente, com as técnicas de nefelometria (NTU), colorimetria (Hz) e membrana de íon seletivo. A concentração residual de H2O2 foi estimada com uso de teste de tiras – QUANTOFIX® Peroxide 100 (0 – 100 mg.L-1). A massa de lodo gerada em cada ensaio foi avaliada por diferença de massa do papel filtro (8 µm) antes e após filtragem. O filtro foi pesado à massa constante. A determinação do carbono orgânico total – COT foi realizada com a transformação do carbono da amostra, em chama ionizante, a CO2 e a concentração obtida por leitura em espectrofotômetro UV. A amostra, volume de 500 µL, primeiramente Tabela 1 – Características do chorume e da DAM Parâmetros pH S.Suspensos, mg.L-1 DBO, mg.L-1 DQO, mg.L-1 COT, mg.L-1 Col.Totais Sulfato total, mg.L-1 N, mg.L-1 P, mg.L-1 Zn, mg.L-1 Al, mg.L-1 Mn, mg.L-1 Fe total, mg.L-1 Fe2+, mg.L-1 Chorume DAM 7,37 44 1,07 0,0 979 3264 1240 110000 47,4 284,2 4,19 0,18 0,59 2,55 25,4 - 19.544.00 30.172.00 Tratamento do chorume A Tabela 2 apresenta o resultado da caracterização das amostras coletadas após realização dos ensaios de tratamento do chorume com o processo Fenton e com 85 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 Quanto à emissão do clarificado dos ensaios a corpos hídricos, os resultados mostram que a eficiência de tratamento não é suficiente. Os parâmetros acima das exigências federais e estaduais de emissão são DQO, DBO5 e nitrogênio. Por outro lado, a concentração residual de metais pesados em ambos os ensaios é menor que a exigida par descarte. A massa de lodo seco gerada no ensaio Fenton foi um pouco maior que a gerada no ensaio de coagulação/ precipitação. Na Figura 2 é possível visualizar a alteração no aspecto visual do chorume tratado via Fenton. Este resultado foi possível principalmente pela redução significativa dos compostos orgânicos presente na amostra. o processo de coagulação/precipitação. Os resultados apontam para uma eficiência de redução de DQO de aproximadamente 35% para o processo Fenton e de 45% para o processo de coagulação/precipitação, atingindo valores finais de DQO próximos a 2000 mg.L-1. A razão DBO/DQO de ambas as amostras é de aproximadamente 0,3, igual a do chorume sem tratamento, o que mostra que não houve aumento da biodegradabilidade do chorume. Entretanto, os resultados de DQO e DBO5 do ensaio Fenton podem estar alterados devido a concentração residual de H2O2 (Lee e Shoda, 2007), que é de 30 mg.L-1. A menor concentração residual de COT e o menor valor de cor para a amostra Fenton mostram que este processo é efetivamente mais eficiente na destruição de carga orgânica dissolvida. Os resultados de Coliformes totais e Escherichia Coli confirmam a maior eficiência de desinfecção do processo Fenton. Tabela 2 – Características do chorume tratado via Fenton e coagulação/ precipitação e parâmetros de descarte de efluentes no Brasil e no Rio Grande do Sul. Condições dos ensaios: Fenton – 1000 mg.L-1 Fe total, 663 mg.L-1 Fe2+, 7,63 mL.L-1 H2O2; Coagulação/precipitação - 1000 mg.L-1 Fe total, 663 mg.L-1 Fe2+ Parâmetros Coagulação/ precipitação Reação de Fenton CONAMA 357/05 CONSEMA 128/06 pH S.Suspensos, mg.L-1 DBO, mg.L-1 DQO, mg.L-1 COT, mg.L-1 Turbidez, NTU Cor, NTU Col. Totais, NMP/100 mL E. coli, NMP/100 mL N, mg.L-1 P, mg.L-1 Zn, mg.L-1 Al, mg.L-1 Mn, mg.L-1 Fe2+, mg.L-1 8,06 25 649 2163 800 11 339 < 1,8 < 1,8 214,5 0,21 < 0,05 0,79 < 0,05 3,02 8,32 25 530 1770 1140 12 457 240 4 209 0,01 < 0,05 0,49 0,09 1,5 5-9 80 300 104 20 3 5 1 15 H2O2, mg.L-1 30 - - 3,4 3,0 - Massa de lodo seco g.L -1 86 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 apoio financeiro à pesquisa (Edital Universal Processo 484881/2007-8), à Prefeitura Municipal e à Central de Tratamento de Resíduos Domésticos de Campo Bom (RS), pela amostra de Chorume, e à Carbonífera Criciúma S.A (SC) pela amostra de drenagem ácida de minas. Referências APHA - AWWA-WEF. Standart Methods for the Examination of Water and Wastewater. American Public Health Association, Washington D.C, 2005. BARROS, A. L., PIZZOLATO, T.M., CARISSIMI, E., SCHNEIDER, I.A.H. Decolorizing dye wastewater from the agate industry with Fenton oxidation process. Minerals engineering, 19, p. 87-90, 2006. Figura 2 – Resultado do tratamento utilizando a Reação Fenton Conclusões Os resultados mostram que o tratamento BIDONE, F.R.A.; POVINELLI, J. Conde chorume utilizando a DAM como fonte de ferro apresenta eficiência na redução ceitos Básicos de Resíduos Sólidos. São de carga orgânica e bactérias do grupo Carlos: EESC/USP,1999. coliformes totais. Ao confrontar os processos JEFFERY, G.H., BASSET, J., MENDHAM, Fenton e coagulação simples, pode-se observar superioridade do processo Fenton J., DENNEY, R.C. (Eds). Vogel´s Textbook na redução de COT e cor e também na of Quantitative Chemical Analysis. London: desinfecção do efluente. Quanto à emissão, Longman Scientific & Technical, 1989. o tratamento é insuficiente para enquadrar KONARSEWSKI, V.H., SCHNEIDER, o efluente nas exigências de DQO, DBO e nitrogênio, exigindo etapas posteriores de I.A.H. Atenuação de efluente de aterro sanitratamento. Por outro lado, a concentração tário utilizando-se a mistura do chorume com de metais pesados no efluente após o drenagem ácida de minas. In: XXIII Encontro Nacional de Tratamento tratamento através deste de Minérios e Metalurgia processo atende às Ao confrontar os procesExtrativa, 2009. Gramaexigências. sos Fenton e coagulação do. Anais..., v.2, p.219-223, Com base no trabalho simples, pode-se observar 2009. realizado, pode-se atestar superioridade do procesa eficiência do Processo so Fenton na redução de KONTOPOULOS, A. Acid Oxidativo Avançado como COT e cor e também na mine drainage control. In: Eftratamento do chorume, desinfecção do efluente. fluent Treatment in the Minonde se pode constatar ing Industry. Castro, S.H.; a remoção da maioria dos parâmetros exigidos pelo CONSEMA Vergara, F.; Sánches, M.A.; (Eds.). University 128/2008, além dos aspectos de cor e of Concepción, 1998. turbidez da amostra. O processo mostrouKOPEZINSKI, I. Mineração X Meio Amse eficiente também para redução de sólidos suspensos e microrganismos, o que biente: Considerações Legais, Principais comprova que houve efetiva ação do radical Impactos Ambientais e seus Processos hidroxila, gerado pelo Fe+2 presente na DAM Modificadores. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2000. e o peróxido de hidrogênio. LEE, H., SHOA, M. Removal of COD and color from livestock wastewater by the Fenton Agradecimentos Os autores agradecem ao CNPq pelo 87 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 PACHECO, J.R., PERALTA-ZAMORA, P.G., Integração de Processos Físico-Químicos e Oxidativos Avançados para Remediação de Aterro Sanitário (Chorume). Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 9, n.4, p.306-311, 2004. method. Journal of Hazardous materials, 153, p. 1314-1319, 2007. MENEZES, J.C.S.S.; SILVEIRA, P.S.; SCHEIDER, I, A.H. Potencial de Produção de Sulfato Férrico a partir de Rejeitos de Carvão dos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. In: XXIII Encontro Nacional de Tratamento de Minérios e Metalurgia Extrativa, 2009. Gramado. Anais…, v.2, p.391-396, 2009. RIO GRANDE DO SUL. Conselho Estadual de Meio Ambiente. Resolução nº 128/2006. Porto Alegre, 24. Nov.2006. RUSSEL, D.L. Practical Wastewater Treatment. Hoboken. New Jersey: WileyInterscience, 1943. METCALF & EDDY. Water Reuse: Issues, Technologies, and Applications. Mc GrawHill, 2006. TIZAOUI, C., BOUSELMI, L., MANSOURI, L., GHRABI, A. Landfill leachate treatment with ozone and ozone/hydrogen peroxide systems. Journal of Hazardous materials, 140, p.316324, 2006. MORAES, P. B.; BERTAZZOLI, R. Degradação fotoelétrica de chorume de lixo gerado em aterros sanitários. In: III Workshop Brasil-Japão, 2005, Campinas. III Workshop Brasil Japão: energia, meio ambiente desenvolvimento sustentável. Campinas: CORI – Unicamp, v.1, p.24-24, 2005. 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Com a crescente preocupação com o desenvolvimento de tecnologias limpas, que busquem o desenvolvimento sustentável, as hidrólises enzimática, alcalina e ácida mostram-se como uma alternativa. Palavras-chave: Hidrólise, Alcalina, Ácida, Enzimática, Tecnologias limpas. Abstract: The hydrolysis is the chemistry reaction in water, in which water performs a dual erosion in one compound, and it is a process mostly efficient for the solubilization of proteins. In this bibliographic review article we have the aim to approach and exemplify the three principal chemical method of hydrolysis, what are acid, alkaline and enzymatic. With the growing worry about development of clean technology, that view sustainable development, the acid, alkaline and enzymatic hydrolysis seem like a alternative. Key-words: Hydrolysis, Acid, Enzymatic, Alkaline, Clean technology. Introdução O termo reação química, segundo Rozemberg (2002), pode ser generalizado como todo o fenômeno que é processado com uma substância ou mais, e que acarreta a transformação destas em uma ou mais substâncias diferentes das primeiras. Já uma solução é uma mistura homogênea de duas ou mais substâncias, que é composta por soluto e por solvente. As reações que ocorrem entre o soluto (espécie em menor quantidade) e o solvente (espécie em maior quantidade) são conhecidas, de acordo com 1 2 3 Rozemberg, como reações de solvólise; dessas, a hidrólise é um caso particular em que o solvente é a água. Segundo Mano e Seabra (1969), de acordo com o solvente que reage, a designação também pode ser alcoólise (com álcoois), amonólise (com amônia), aminólose (com aminas) e etc. A hidrólise é, portanto, uma reação química em meio aquoso, em que a água sofre dupla decomposição em um composto: um hidrogênio da molécula de água é transferido para um dos produtos, e o grupo OH é transferido para o outro produto. A Mestre em Engenharia de Minas, Metalúrgica e de Materiais pela UFRGS (2003). Professor do ensino médio, técnico e professor titular da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre, onde é orientador de projeto IC. Tem experiência na área de Engenharia Química, com ênfase em Processos Industriais de Engenharia Química. E-mail: [email protected] Bolsista de Iniciação Científica e graduanda do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected] Bolsista de Iniciação Científica e graduando do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected] 89 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 diferentes tipos de hidrólise, e neste artigo de revisão bibliográfica temos o objetivo de abordar e exemplificar os três métodos químicos principais utilizados para obtenção de hidrolisados, que são as hidrólises alcalina, ácida e enzimática. Para tal, foram feitas leituras de revistas, artigos científicos, livros e dissertações envolvendo o assunto. reação de hidrólise é representada abaixo: Figura 1 – Reação de Hidrólise. Fonte: www.dequi.eel.usp.br/~barcza/Hidrolise.pdf A hidrólise é aplicada em reações orgânicas e inorgânicas e segundo Barcza Hidrólise ácida (p.2), “na química orgânica, hidrólise inclui, Sabe-se que os ácidos “são substâncias entre outras reações, saponificação de ácidos graxos e outros ésteres, inversão de moleculares que, em solução aquosa, açúcares, quebra de proteínas (hidrólises sofrem ionização, fornecendo como cátions enzimáticas)”. Segundo Mano e Seabra íons H3O+ (hidroxônio)” (POLITI, 1982, p. 43). (1969), a hidrólise tem grande importância A hidrólise ácida ocorre quando se usa um ácido mineral (ácido obtido na química orgânica, pelo a partir de substância fato de que é utilizada em O processo de hidrólise ácida mineral inorgânica) em processos de preparação contribui para o desenvolvisolução aquosa, podendo de álcoois e ácidos mento de tecnologias limpas ser esta diluída ou partindo de ésteres, e é uma das alternativas para concentrada. De acordo preparação de ácidos combater a crescente preocom Barcza (2010), ela partindo de nitrilas, dentre cupação com a disposição ocorre com os compostos outras utilidades. Ainda final dos resíduos sólidos. orgânicos ésteres, amidas, de acordo com Mano e açúcares, dentre outros. Seabra (1969), “a hidrólise Os ácidos mais utilizados de produtos naturais, como amido, glicosídios, proteínas etc. é nessa reação hidrolítica são, ainda segundo processo importante em química industrial, Barcza, o ácido sulfúrico (H2SO4) e o ácido e pode muitas vezes ser realizada por via clorídrico (HCl). A hidrólise ácida pode ser utilizada como enzimática” (MANO e SEABRA,. 1969, p.95). A palavra hidrólise, conforme teoriza Barcza: uma alternativa para o tratamento de alguns resíduos sólidos. Segundo Hijazin (2003), a “significa decomposição pela água, mas são raros serragem de rebaixadeira (que é um resíduo os casos em que a água, por si mesma, sem outra de couro cromado) muitas vezes não é ajuda, pode realizar uma hidrólise completa. Neste descartada corretamente, sendo armazenada caso é necessário operar a temperaturas e pressões em depósitos ou disposta aleatoriamente no elevadas. Para que a reação seja rápida e completa é sempre indispensável um agente acelerador, qualquer solo sem um tratamento prévio. Existem, que seja o mecanismo da reação. Os mais importantes entretanto, alternativas viáveis para o são álcalis, ácidos e enzimas” (BARCZA, 2010, p.3). tratamento deste resíduo, como a separação do cromo da proteína, que pode ser feita, por Ribeiro (2003) afirma que de acordo com exemplo, através de descromagem ácida. a UTRESA o processo de hidrólise da cadeia Hijazin (2003) afirma que: protéica do couro é uma destinação final para estes resíduos que não envolve uma “Côrrea et al. (1998) realizou um estudo de hidrótecnologia alta e nem grandes investimentos. lise ácida em resíduos de couro cromados, utilizando ácido sulfúrico e sulfato de alumínio com injeção de Ainda segundo Ribeiro (2003), estudos vapor em recipiente fechado por 60 min. O hidrolisado anteriores apontam que “a separação e obtido foi utilizado como banho de piquel, no processo recuperação de cromo e proteínas através de curtimento, constatando a viabilidade deste uso, da hidrólise tem se mostrado uma alternativa sem prejuízo das peles obtidas” (HIJAZIN, 2003, p.19). viável para tratamento destes resíduos” (RIBEIRO 2003 p.11). Assim pode-se considerar que o A hidrólise é, portanto, um processo processo de hidrólise ácida contribui para que geralmente se mostra eficiente na o desenvolvimento de tecnologias limpas solubilização de proteínas. Existem cinco e é uma das alternativas para combater a 90 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 enzimas funcionam como catalisadores dos processos biológicos e são responsáveis por várias fases do metabolismo. Elas ajudam, portanto, na aceleração da velocidade das reações, e “são componentes fundamentais da vida das plantas, dos animais e dos microorganismos” (REDDY, 2007, p.1). Esse aumento na velocidade das reações químicas pode ser do valor de até cerca de 1 milhão de vezes, sem modificar a constante de equilíbrio químico e com regeneração da enzima ao final da reação. De acordo com a Revista Aditivos e Ingredientes (2009), a atividade catalítica de enzimas vem sendo utilizada pelo homem durante milhares de anos, em processos como fabricação de queijo e pão e fermentação do suco de uva para obtenção de vinho. Contudo, ainda segundo a revista: crescente preocupação com a disposição final dos resíduos sólidos. Hidrólise alcalina As bases, conforme Politi (1962), “são substâncias iônicas que, em solução aquosa, sofrem dissociação, fornecendo cátions diferentes de H3O+ e ânions diferentes de OH-“ (POLITI, 1962 p. 45). Também conhecida como hidrólise básica, a hidrólise alcalina é uma reação hidrolítica em que um álcali (ou base) é utilizado no lugar da água, fazendo com que no final se obtenha como produto um sal alcalino e um ácido. A reação é exemplificada abaixo: “estas eram apenas aplicações práticas, uma vez que o conhecimento do modo de ação dos catalisadores biológicos só foi elucidado recentemente, precedido por uma série de fatos que culminaram nos conhecimentos para utilização de enzimas em diferentes ramos da atividade humana” (Revista Aditivos e Ingredientes, p. 43, 2009). Figura 2 – Hidrólise alcalina. Fonte: www.dequi.eel.usp.br/~barcza/Hidrolise.pdf Segundo Barcza, a hidrólise alcalina possui classes, que são: o uso de baixas concentrações de álcali na hidrólise, e que é usado, por exemplo, nas reações de ésteres; a fusão de materiais orgânicos com potassa ou soda cáustica; e o uso de álcali suficiente em alta concentração e sob pressão. Ribeiro (2003), baseada em outros autores, explica que a hidrólise alcalina utilizada para tratamento de resíduos de couro (serragens cromadas), por exemplo, consiste de adição de um hidróxido ao resíduo com elevação de temperatura, e com esse processo: Segundo Reddy (2007), “o uso de enzimas cresceu drasticamente nos últimos anos. As enzimas podem ser aplicadas nas comidas, nos produtos de limpeza, em indústrias farmacêuticas, em indústrias de couros, entre outras” (REDDY, 2007, p.2). De acordo com Ribeiro (2003), há um tipo de enzimas conhecidas como protease ou proteolíticas, e essas enzimas: “[...] catalisam a quebra das ligações peptídicas em proteínas e aceleram a velocidade da reação, sem participar dela como reagente ou produto” (RIBEIRO, 2003 p. 11). “pode-se dissolver uma parte da serragem e também extrair gelatina, mas apenas até uma quantidade muito limitada.O uso de enzimas proteolíticas pode melhorar o processo de decomposição das serragens cromadas” (RIBEIRO, 2003 p.11). Alguns estudos atuais utilizam-se da enzima pepsina para realizar hidrólise enzimática de resíduos de couro, com o objetivo de criar soluções alternativas para uma destinação adequada desses resíduos sólidos ricos em cromo. Essa enzima é encontrada no suco gástrico, e conforme Freire e Lopes (1995), está presente no estômago de todos os vertebrados, com exceção das carpas, e pertence ao grupo das anteriormente citadas proteases. A hidrólise enzimática ocorre por quebra de proteínas. Segundo Zavareze et al. Percebe-se, então, que a hidrólise alcalina também é uma alternativa para ajudar no desenvolvimento de tecnologias limpas. Hidrólise enzimática As enzimas (“zyme”, em grego, significa levedura) são proteínas complexas que, conforme Reddy (2007), reduzem a energia de ativação (que é a energia necessária para iniciar a reação) requerida numa reação. Assim, ainda de acordo com Reddy (2007), as 91 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 As enzimas podem ser aplicadas como (2009), o uso de proteases específicas tem algumas vantagens se comparado com as uma alternativa para tratamento de resíduos hidrólises alcalina e ácida; estas vantagens sólidos. Segundo Gutterres (2005), a seriam a especificidade, o controle do grau de biotecnologia (que é o processo tecnológico hidrólise, as condições moderadas de ação, que usa material biológico para fins a menor quantidade de sal no hidrolisado industriais) “já tem propiciado lançamento de obtido no final da reação e a possibilidade vários produtos no mercado mundial com o desenvolvimento, produção que as enzimas geralmente têm de serem empregadas e aplicação de enzimas” As enzimas podem ser (GUTTERRES, 2005, p. 4). em concentrações muito aplicadas como uma albaixas, sendo desnecessária Gutterres ainda afirma que ternativa para tratamena hidrólise enzimática pode a sua remoção. O processo to de resíduos sólidos. ser utilizada no tratamento de hidrólise enzimática, conforme teoriza Dors (2006 de resíduos, como aparas e farelos de couro, para apud PEREIRA, 2004), precisa de dois requisitos para a operação: produzir colágeno hidrolisado; esse colágeno formação de interface lipídeo/água e resultante possui habilidade de formar adsorção da enzima nesta interface; quanto gel, propriedades de absorção de água e maior a interface, maior vai ser a quantidade óleo, adesividade, e pode ser usado em de enzima adsorvida, levando a velocidades cosméticos, preparação de adesivos, dentre de hidrólise mais elevadas. As etapas da outras utilidades. reação de hidrólise enzimática de óleos Considerações e gorduras são exemplificadas na figura A reação de hidrólise pode ser utilizada abaixo: em muitos processos, como por exemplo na criação de alternativas tecnológicas que combatam o crescente descaso com o meio ambiente. O desenvolvimento de estudos que visem ao alcance de tecnologias limpas é extremamente importante nos dias de hoje, em que cada vez mais se fala em proteção aos recursos naturais. O problema da disposição inadequada de resíduos sólidos, dentre tantos outros, é um exemplo real que precisa ser considerado. Portanto, através do levantamento bibliográfico e consulta a pesquisas já realizadas acerca das hidrólises alcalina, ácida e enzimática, podemos considerar que as reações hidrolíticas vêm se mostrando de grande importância no estudo de soluções alternativas que contribuam para o desenvolvimento sustentável. Referências BARCZA, Marcos Villela. Hidrólise. Escola de Engenharia de Lorena, EEL. USP. Disponível em: <http://www.dequi.eel.usp.br/~barcza/ Hidrolise.pdf>. Acesso em 15 abr. 2010. DORS; Gisanara. Hidrólise enzimática e biodigestão de efluentes da indústria de produtos avícolas. Dissertação de mestrado. Universidade Federal de Santa Catarina. Figura 3 – Hidrólise enzimática de óleos e gorduras. Fonte: DORS, 2006, p.25. 92 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 Florianópolis: UFSC, 2006. POLITI, Elie. Química. 3. edição São Paulo: Moderna, 1982. Enzimas em Panificação. In: Revista Aditivos e Ingredientes. N.62, maio/junho 2009. São Paulo: Editora Insumos, 2009. Disponível em: <http://www.insumos.com.br/ aditivos_e_ingredientes/edicoes_materias. php?id_edicao=39> Acesso em 17. Abr. 2010. REDDY, Rajayshree. Advanced in stabilised enzimes for leather. SLTC, AS Convention. June 2007. RIBEIRO, Karen Cristina Rodenbusch. Hidrólise de resíduos de couro curtido ao cromo. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul: Porto Alegre: UFRGS, 2003. FREIRE, Ronaldo Bastos; LOPES, Carlos Wilson G. Avaliação da digestão enzimática por pepsina e tripsina na obtenção de hipnozoítas de cystoisospora feliz (wenyon, 1923) frenkel 1977 (apicomplexa: sarcocystidae). 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São Paulo: Edart, 1969. 93 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 Comparativo entre os métodos de custeio por absorção e custeio baseado em atividade – a importância da escolha do método em uma indústria Filipe Martins da Silva1 Marco Antônio dos Santos Martins2 Frederike Monika Budiner Mette3 Resumo: O gerenciamento dos custos se constitui em um processo de múltiplas variáveis, envolvendo aspectos operacionais como a gestão de estoques, a modernização do processo produtivo, a redução de desperdícios. Dentro desse contexto, as indústrias estão em busca de uma metodologia de alocação de custos que satisfaça suas necessidades. Dentre os mecanismos de alocação utilizados pelas empresas brasileiras destacam-se a aplicação do Custeio por Absorção e o do Custeio Baseado em Atividades (ABC). O presente artigo se propõe a comparar os resultados da aplicação de ambos os métodos em uma empresa industrial, e após a execução do estudo de caso, verificar qual modelo melhor se aplica na empresa em análise. Palavras-chave: Método de custeio, ABC, Absorção. Abstract: The administration of the costs is constituted in a process of multiple variables, involving operational aspects as the administration of stocks, the modernization of the productive process, the reduction of wastes. Inside of that context, the industries are in search of a methodology of allocation of costs that satisfies their needs. Among the allocation mechanisms used by the Brazilian companies stand out the application of the Costing for Absorption and the one of the Costing based on Activities (ABC). The present article intends to compare the results of the application of both methods in an industrial company, and after the execution of the case study, to verify which better model is applied in the company in analysis. Key-words: Method of costing, ABC, Absorption. Introdução No mercado atual, a competitividade está cada vez mais acirrada. Neste contexto é preciso buscar um diferencial nos produtos ofertados, seja na qualidade ou no custo destes. Em algumas situações este 1 2 3 diferencial define a aceitação e permanência do produto no mercado, fazendo com que os consumidores optem pelo produto que apresenta a melhor relação custo-qualidade. Em última análise, pode-se dizer que o mercado acaba por definir o preço da Bacharel em Ciências Contábeis pela Unifin. E-mail: [email protected] Doutorando em Finanças pelo PPGA/UFRGS, Mestre em Economia pela UFRGS e Bacharel em Ciências Contábeis pela Faculdade São Judas Tadeu Professor da ESPM e Unifin E-mail: [email protected] Mestre em Finanças pelo PPGA/UFRGS, Especialista em Economia e Finanças pela UFRGS e Bacharel em Ciências Atuariais pela UFRGS Professora da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre e ESPM E-mail: [email protected] 95 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 maioria dos produtos, ou seja, quanto os consumidores estão dispostos a pagar por um determinado item ofertado. Assim, cabe às organizações gerenciarem sua estrutura de custos e despesas, visando minimizá-los, como forma de aumentar a margem sem afetar a competitividade. O adequado gerenciamento dos custos se constitui em um processo de múltiplas variáveis, envolvendo aspectos operacionais tais como a gestão de estoques, a modernização do processo produtivo, a redução de desperdícios etc. Além disso, é preciso alocar adequadamente os custos incorridos no processo produtivo aos respectivos itens fabricados. Dentro desse contexto, as indústrias estão permanentemente em busca de uma metodologia de alocação de custos que satisfaça as suas necessidades. Dentre os mecanismos de alocação utilizados pelas empresas brasileiras destacam-se a aplicação do Custeio por Absorção e o do Custeio Baseado em Atividades (ABC). A escolha de um destes métodos tem se gerado uma farta discussão não só na academia como também no setor industrial. O presente artigo se propõe a comparar os resultados da aplicação do método de custeio por Absorção e o ABC em uma empresa industrial, fabricante de MDF Cru, mediante a realização de estudo de caso. A escolha do estudo de caso está fundamentada no fato de que Yin (1989) define que o estudo de caso é uma inquirição empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto da vida real, quando a fronteira entre o fenômeno e o contexto não é claramente evidente e onde múltiplas fontes de evidência são utilizadas. Para atingir o objetivo proposto, o artigo está estruturado em seis seções além desta. Na primeira seção será apresentado um pequeno retrospecto da evolução das metodologias de alocação de custos. A segunda seção será dedicada à construção de referencial teórico capaz de conceituar e definir os dois principais métodos de custeamento. Já na terceira seção serão apresentados alguns achados e conclusões de trabalhos acadêmicos dedicados à aplicação dos métodos. Na quarta seção encontra-se a aplicação do estudo de caso e seus resultados. A análise dos resultados será apresentada na quinta seção. Finalmente, a última seção é dedica às considerações finais. Contabilidade de Custos A diferenciação entre custos e despesas é importante, pois os custos são incorporados aos produtos (estoques), ao passo que as despesas são levadas diretamente ao resultado do exercício. Para Souza e Diehl (2009), custos “são o valor monetário despendido pelo consumo de recursos”. Os autores complementam afirmando que estes custos são divididos geralmente em três: materiais diretos, mão-de-obra direta e custos indiretos, podendo ser resumido na seguinte equação: Custo = Material Direto + Mão-de-obra Direta + Custos Indiretos Segundo Martins (2003), o custo é reconhecido como gasto, ou seja, desembolso de recursos financeiros, porém, somente é considerado um custo no momento da utilização destes fatores que geraram esse desembolso, podendo ser bens ou serviços, para a produção de um produto ou execução de um serviço. Como exemplo citamos a compra de matéria-prima, que entra no estoque no momento de sua compra no ativo de sua empresa, porém só é transferida para o custo (resultado) no momento de sua utilização. Podemos definir estes custos da seguinte maneira: Matéria-Prima Para Garrison, Norreen e Brewer (2007), as matérias-primas são os materiais incorporados ao produto final, correspondendo a qualquer material usado no produto final. Souza e Diehl (2009) incluem neste item também as embalagens dos produtos. Segundo Martins (2003), estes custos são perfeitamente apropriados aos produtos já que é possível identificar quanto foi utilizado e para quantos produtos produzidos foram, caso seja produzido mais de um item. Mão-de-Obra Direta Este termo é reservado para os custos de mão-de-obra que são facilmente associados a unidades individuais de produto, ou seja, 96 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 Anselme Payen, um magistrado que abrira uma fábrica de açúcar de beterraba, reconheceu que também deviam ser incluídos os custos indiretos de fabricação. Conforme Silva (2005, p. 27) sobre o Custeio por Absorção: fácil identificação da relação entre quanto produziu e quanto gastou para produzir. Ainda Garrison, Norren e Brewer (2007) informam como exemplo que o custo desta mão-de-obra são os salários dos operários, carpinteiros e pedreiros, pois participam do processo produtivo ou, no caso de empresas prestadores de serviços, o salário de quem executa a atividade principal da empresa. Consiste na apropriação de todos os custos de produção aos bens elaborados, e só os de produção aos bens elaborados: todos os gastos relativos ao esforço de fabricação são distribuídos para todo os produtos feitos, fixos e variáveis. Esse sistema leva a empresa a fazer uma distinção entre custos e despesas gerais, simplifica os processos de custos e usa critérios subjetivos de rateio dos custos fixos aos produtos, além de considerar os estoques de produtos em elaboração como custos e não como investimentos. Custos Indiretos Segundo Garrison, Norren e Brewer, (2007) incluem-se neste item todos os outros custos da empresa, abrangendo itens como matéria-prima indireta, mão-de-obra indireta, manutenção de equipamentos de produção, energia elétrica, aluguel etc. “Um custo indireto é aquele que não pode ser fácil ou convenientemente identificado com o particular objeto de custo de discussão” (GARRISON, NORREN E BREWER, 2007, p. 40). Os custos indiretos vêm sendo os grandes vilões da Contabilidade de Custos, por serem de difícil alocação, pois muitas vezes, são difíceis de mensurar e de alocar entre os produtos. Segundo Crepaldi (2004), o Custeio por Absorção é um método derivado da aplicação dos princípios fundamentais de contabilidade, pois estão de acordo com o regime de competência e confrontação receitas e despesas do período. Este método é inclusive adotado pela legislação Comercial e Fiscal no Brasil. Martins (2003) diz que este método de custeio é basicamente baseado na apropriação de todos os custos de produção sendo distribuídos aos bens elaborados ou serviços feitos. Este método é muito útil principalmente para empresas que produzam poucos produtos. Para Santos, Schimidt e Pinheiro (2006), esse método de custeio tem como principais características: • É um sistema de custos que apropria aos produtos ou serviços todos os custos diretos e indiretos ocorridos na atividade de produção ou prestação do serviço. • Este método de custeio trabalha com a figura do “Custo Total do Produto”. • Este sistema apura um resultado para o produto. • É voltado mais para um enfoque interno, por considerar o preço de venda uma função predominantemente de custos e não de mercado. Os autores ainda fazem algumas críticas sobre este método, tais como: • É um sistema bastante inflexível para efeitos de estratégia de preços, notada principalmente em situações de recessões ou situações competitivas. • Demonstra uma ilusória segurança, na medida em que são apropriados todos os 1.1 Métodos de Custeio Um dos grandes problemas em contabilidade é encontrar a metodologia adequada para apropriar os custos indiretos aos produtos. Santos, Schimidt e Pinheiro (2006) acrescentam que o Custeio está intimamente relacionado à definição de análise das informações para se adequarem às necessidades da empresa. Ao longo dos anos vários métodos de custeio foram sendo desenvolvidos, dentre eles os que ganharam maior destaque pela sua aplicação estão os métodos de do Custeio por Absorção, Custeio Variável, ABC e RKW. Custeio por Absorção Conforme Fleishman (1996, apud Carvalho 2002 p. 50), possivelmente a primeira aparição do método de custeio por absorção tenha ocorrido na França do século XIX, pois, naquela época, uma figura contábil chamada prix de revient, um equivalente francês para o custo dos produtos vendidos, originalmente, incluía apenas os custos diretos de produção. Mas no ano de 1817, 97 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 custos para avaliar a mão-de-obra direta e custos de despesas gerais na conversão matérias-primas em fios e tecidos acabados. Uma das primeiras se deu na Lyman Mills, uma tecelagem de algodão integrada e movida a força hidráulica, construída no final da década de 1840, em Holyoke, cidade do oeste de Massachussetts. O autor complementa que essa informação ao custeio variável também evoluiu para custeio por absorção. Conforme Ferreira (2009), em razão dos problemas existentes no uso do sistema de custeio por absorção no que diz respeito à apropriação dos custos fixos, surge o sistema de custeio variável, que segundo Martins (2003), só é alocado ao produto os custos variáveis, separando os fixos, considerando-os como despesas, classificandoos diretamente no resultado do período, enquanto os variáveis serão demonstrados no estoque. Este método não é aceito pelo Fisco, justamente por diminuir o resultado do período por considerar os custos fixos como despesa, somente então ser usado para análises internas. Para Santos, Schimidt e Pinheiro (2006), esse método de custeio como principais características: • Este sistema só apropria ao produto ou serviço ofertado os custos e despesas variáveis ocasionados para que os mesmos sejam ofertados ou comercializados. • Apura uma “Margem de Contribuição” dos produtos, mercadorias e serviços. • O sistema é voltado para o mercado, considerando o preço de venda, predominantemente, uma função do mesmo. Ferreira (2009) ainda acrescenta que se caso toda a produção iniciada e acabada no período for vendida, o lucro bruto pelo custeio variável será maior que o apurado pelo custeio por absorção, justamente por não ser apropriado o custo fixo ao produto, porém o lucro líquido será igual nos dois métodos, pois os custos fixos integrarão o custo dos produtos vendidos (CPV) no custeio por absorção e estarão entre as despesas operacionais no custeio variável. Porém, para Santos, Schimidt e Pinheiro (2006), esse sistema não permite uma visualização individualizada do produto ou serviço, exigindo assim um planejamento com custos e despesas aos itens ou serviços ofertados, pois há uma aparente garantia na cobertura dos custos através do preço de venda apurado, podendo esta garantia não se realizar dependendo do volume atingido. Exemplificando No segundo trimestre de 2002, a Indústria Alfa de Produtos Fabris concluiu a produção de 600 unidades do item X2, tendo logrado vender 400 dessas unidades, ao preço unitário de 120,00. No mesmo período foram coletadas as seguintes informações. • Custo Variável Unitário: 20,00 • Total de Custos Fixos: 18.000,00 • Despesas Variáveis de Vendas Unitária: 2,00 • Inexistência de estoque inicial no período Com base nessas informações, calcule pelo Custeio de Absorção o Custo dos Produtos Vendidos, o Estoque Final do Período e o Lucro Líquido do Período: Resolução: Custeio Direto ou Variável Custo Fixo Unitário ( 18.000,00/600 unidades) Custo Variável Unitário Custo Total Unitário Custo Total dos Produtos Vendidos (50,00 X 400 Un.) Estoque Final (600 Prod – 400 Vend = 200 X 50,00) DRE Receita (400 x 120,00) CPV Lucro Bruto Despesas Variáveis (400 x 2,00) Lucro Líquido 30,00 20,00 50,00 20.000.00 10.000,00 48.000.00 (20,000,00) 28.000,00 800,00 27.200,00 Fonte: Curso Básico de Contabilidade de Custos, página 226 Conforme Johnson e Kaplan (1996, apud Carvalho 2002 p. 56), há um consenso, entre os historiadores da área, de que o método do custeio variável pode ter sido a primeira forma encontrada de apropriar custos a produtos. O autor ainda acrescenta que as primeiras organizações comerciais americanas a desenvolverem sistemas de contabilidade gerencial foram da área de tecelagens de algodão mecanizadas e integradas, surgidas após 1812, utilizando as informações dos 98 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 dos produtos. Para Santos, Schimidt e Pinheiro (2006) outro conceito importante obtido através do Custeio Integral é o de despesas de vendas (DV), que representam os gastos que surgem após a realização do ato de venda, como por exemplo, os impostos sobre vendas, descontos bancários e comissões do vendedor. Dessa forma, as respectivas parcelas são calculadas como percentagem do preço, de maneira que também se podem considerar as DV como sendo uma redução proporcional do preço. Assim, a diferença entre o preço de venda e as despesas de vendas representa o preço líquido do produto. enfoque global na relação custo x volume x margem. Os autores acrescentam que esse sistema não é aceito pela legislação para efeitos de apuração de estoque, sendo usado então somente gerencialmente, que apesar de bastante flexível, ele é voltado mais para o aspecto mercadológico externo da empresa. Exemplificando: Uma indústria, elaborando um único produto, tem a seguinte movimentação: Resolução: Custeio Integral Custos Variáveis Unitários Matéria-Prima Energia Materiais Indiretos 30,00 20,00 4,00 6,00 Custos Fixo Mão-de-Obra Depreciação e Impostos Manutenção Diversos 2.100.000,00 1.300.000,00 400.000,00 300.000,00 100.000,00 Preço de Venda Quantidade Produzida Quantidade Vendida 75,00 60.000,00 40.000,00 RESUMO DOS RESULTADOS Vendas (40.000 x 75,00) Custo Variável (40.000 x 30,00) Margem de Contribuição Custos Fixos 3.000.000,00 (1.200.000,00) 1.800.000,00 (2.100.000,00) Lucro Estoque Final (60.000 – 40.000 = 20.000 x 30,00) Exemplificando: Suponha que a empresa Ômega não possua estoques inicias de produtos prontos, em processo e nem em elaboração, e os dados sejam os seguintes: Receita de Vendas Consumo de Matéria-Prima Mão-de-Obra Direta Custos Indiretos de Fabricação Variáveis Custos Indiretos de Fabricação Fixos Despesas Indiretas de Administração Despesas Indiretas de Distribuição Despesas de Vendas 100.000,00 15.000,00 25.000,00 10.000,00 2.000,00 7.000,00 3.000,00 11.000,00 Resolução: (300.000,00) 600.000,00 Fonte: Contabilidade de Custos, página 199 Para Júnior e Klippel (2002), na primeira metade do século XX começou a surgir a teoria do Custeio Integral, propugnando que todos os custos deveriam ser repassados aos produtos, implicando na geração de bases de rateio para o repasse dos custos fixos aos produtos. Para Santos, Schimidt e Pinheiro (2006) o Custeio Integral é o método em que todos os custos fixos e variáveis são imputados ao produto. Nesse sistema, além dos custos, aos produtos são imputadas as despesas, ou seja, todos os insumos envolvidos na produção da receita são considerados custos Matéria-Prima Mão-de-Obra Direta Custos Indiretos de Fabricação (Variável + Fixo = 10.000 + 2.000) Custo de Produção 15.000,00 25.000,00 12.000,00 Despesas Indiretas de Administração Despesas Indiretas de Distribuição Despesas de Vendas Despesas Totais 7.000,00 Custo Total dos Produtos (52.000 + 21.000) 73.000,00 Receita de Vendas Custo Total dos Produtos Resultado 100.000,00 (73.000,00) 27.000,00 52.000,00 3.000,00 11.000,00 21.000,00 Fonte: Fundamentos de Gestão Estratégica de Custos, página 62 99 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 Método de Centro de Custos ou RKW (Reichskuratorium für Wirtschaftlichtkeit) Para Martins (2003), este método surgiu no início do século XX, disseminado na Alemanha por um órgão similar ao CIP (Conselho Interministerial de Preços), fundamentado na ideia de que para formar o preço de venda devemos saber qual é o valor dos nossos custos. Martins (2003) ainda descreve que o método de trabalho deste modelo consiste no rateio dos custos e despesas (incluindo as financeiras), semelhante a outras já estudadas, ou seja, são feitas as alocações de todos estes custos e despesas aos departamentos da empresa, para somente depois, serem transferidos para o produto, chegando-se assim, ao custo de “produzir e vender” e “administrar e financiar”, nos dando assim o gasto completo do processo de obtenção de receita. Como o principal objetivo deste método é formar o preço, para Martins (2003), para formar este preço apenas acrescenta-se a margem de lucro desejada ao valor do custo. Para Seronatto, Rigotto e Gimenes (2006), o RKW não é recomendado por sua metodologia de formação de empresa, porém sempre que uma empresa fixar seu preço com base nos custos estará empregando alguma forma variante do RKW. Exemplificando: Uma empresa do ramo calçadista utiliza o método de RKW (centro de custos) para o cálculo e controle dos seus custos de transformação. Para facilitar o controle de seus custos, a empresa foi dividida em quatro departamentos (centro de custos): administração geral, manutenção, corte/pesponto e montagem/acabamento. A administração é um centro muito amplo, porque realiza um número variado de atividades distintas; porém, a atividade principal é de controle de administração de pessoal. A manutenção trabalha basicamente para manter os equipamentos de corte/pesponto e de montagem/ acabamento, mantendo um nível de atividade média de 1.000 horas de manutenção por mês. O centro de custo corte/pesponto está relacionado com a produção dos pares de calçados que serão finalizados no centro de custo de montagem/acabamento; ambos os centro de custos têm capacidade de 1.000 horas por mês. Os itens de custos foram classificados em salários e encargos, energia elétrica, depreciação e matérias de consumo. Em um determinado mês, os custos de transformação totalizaram 60.000,00, sendo classificados da seguinte forma: • Salários e Encargos: 30.000,00; • Energia Elétrica: 10.000,00; • Depreciação: 15.000,00; • Material de Consumo: 5.000,00. A empresa produz dois tipos de calçados: calçados masculinos e calçados femininos, que passam pelos centros de custos produtivos (corte/pesponto e montagem/ acabamento) com os tempos padrões apresentados na tabela abaixo: Calçados Tempo de Corte/ Pesponto (h) Masculino Feminino 0,5 0,4 Tempo de Montagem/ Acabamento (h) 0,6 0,5 Neste mês, o setor de controle estatístico de processo (CEP) da empresa apresentou os valores evidenciados na figura a seguir: Dados Administração Manutenção Potência Instalada Valor Equipamento Materiais Requisitados Salários e Encargos Número de Empregados Tempo de Manutenção Produção Calçado Masculino/pares Produção Calçado Feminino/pares Tempo Utilizado (h) Retrabalho Calç. Masculino/Pares Retrabalho Calç. Feminino/Pares 10 2.000 500 10.000 10 200 - 25 15.000 3.000 3.000 3 150 - 100 Corte/pesponto 50 40.000 4.000 9.000 18 600 5.000 6.000 200 10 12 Montagem/ Acabamento 30 20.000 2.500 8.000 15 400 5.000 6.000 195 15 10 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 Com base nesses dados foi possível determinar os custos por centro de custos, conforme apresentado na tabela a seguir: Item Base de Distrib. Adm. Manut. 30.000 Diretto 10.000 3.000 9.000 8.000 10.000 Potência 870 2.174 4.348 2.608 500 Valor 390 2.922 7.792 3.896 1.500 9.596 2.000 23.140 1.250 15.754 959 5.755 4.796 10.555 28.895 20.550 6.333 4.222 32.228 24.772 $ Salários e Encargos Energia Elétrica Depreciação Mat. Cons. 5.000 Requisição 250 Total 11.510 Rateio 1 – Número de Empregados Total Rateio 2 – Tempo de Manutenção Total Considerando que a unidade de trabalho dos dois centros de custo diretos e o tempo de produção e tomando os tempos unitários dos produtos nos centros e os volumes produzidos, chegamos à conclusão que no corte/pesponto foi produzido o equivalente a 4.900 horas (0,5 x 5.000 pares + 0,4 x 6.000 pares) e na montagem/ acabamento o equivalente a 6.000 h (0,6 x 5.000 pares + 0,5 x 6.000 pares). A tabela abaixo demonstra o cálculo dos custos unitários dos centros diretos e dos custos unitários dos dois produtos obtidos pela multiplicação dos custos unitários dos centros pelos tempos unitários de passagem. Para chegar ao Custo Unitário (Custo Custos Unitários dos Centros Diretos Centro de Centro de Centro de Custos Custos Custos Custos Totais Custos Totais Custos Totais Produções Produções Produções Equivalentes Equivalentes Equivalentes Custo Unitário Custo Unitário Custo Unitário Custos Unitários dos Produtos Produto Produto Produto Calçado Calçado Calçado Masculino Masculino Masculino Calçado Calçado Calçado Feminino Feminino Feminino de transformação) do par de calçado foi efetuado o seguinte cálculo. • Sapato masculino: (7,19 x 0,5 h/un) Corte/ Pesponto Montagem/ Acabamento +(4,13 x 0,6 h/un.) = 6,07 por unidade; • Sapato feminino: (7,19 x 0,4 h/un) + (4,13 x 0,5 h/un.) = 4,94 por unidade; Fonte: SANTOS; SCHMIDT; PINHEIRO, 2006, p. 259. Custeio Baseado em Atividades (ABC) Conforme Martins (2003, p. 87): Com o avanço tecnológico e a crescente complexidade dos sistemas de produção, em muitas indústrias os custos indiretos vêm aumentando continuamente, tanto em valores absolutos quanto em termos relativos, comparativamente aos custos diretos (destes, o item Mão-de-Obra Direta é o que vem mais decrescendo). Para Nakagawa (2001), o ABC já era conhecido e usado por contadores entre os anos de 1800 e 1900. Seu uso está intimamente relacionado ao bom senso e ao fomento de criatividade. Podemos considerar inclusive o método de RKW um percursor do ABC. O autor acrescenta que entre os estudiosos que contribuíram para o ABC, através de seus estudos de tempos e movimentos da organização de trabalho estão Taylor, Fayol e Elton Mayo. No Brasil, as pesquisas se iniciaram em 1989 no Departamento de Contabilidade e Atuária da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Um dos fatores que contribuíram para o aparecimento do Custeio ABC foi, segundo Santos, Schmidt e Pinheiro (2006), a evolução tecnológica, alterando assim a composição dos custos dos fatores de produção, 101 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 tornando-se assim, mais significativos os custos indiretos e menos significativos o custo da mão-de-obra direta. Porém, como Brimson (1996 apud SCHMIDT, SANTOS, LEAL, PERINAZZO 2009, p. 6) descreve, em muitas empresas, a Contabilidade de Custos era encarada como um mal necessário, que visava atender às exigências contábeis – fiscais, deixando de ser explorada como ferramenta gerencial, devido a deficiências, principalmente relacionadas com agilidade e confiabilidade das informações, que consequentemente perdiam a utilidade como ferramenta de gerenciamento e tomada de decisão. Sob este aspecto, os velhos conceitos da contabilidade de custos devem ser substituídos por novos conceitos, como os que serão apresentados pelo ABC. Nakagawa acrescenta que o ABC é um dado que poderá tornar-se uma poderosa ferramenta de alavancagem de atitudes das pessoas envolvidas no processo de mudança da empresa, porém requer uma mudança na cultura da empresa, buscando o envolvimento e o comprometimento das pessoas, contribuindo inclusive para a mudança da cultura organizacional. Martins (2003) descreve que o ABC é um método de custeio que tem como objetivo a redução das distorções provocada pelos rateios arbitrários dos custeios indiretos, porém, o ABC também pode ser aplicado nos Custos Diretos. Nakagawa (2001) diz que o objetivo da metodologia do ABC é facilitar a análise estratégica dos custos ao relacionarmos com as atividades que impactam com consumo de recursos da empresa. Conforme Schmidt, Santos, Leal e Perinazzo (2009, p. 5): A perseguição ao menor custo, sem afetar a funcionalidade e a qualidade dos produtos e serviços, deve ser um objetivo permanente nas empresas que buscam a excelência empresarial. Dentro deste conceito, o ABC representa muito mais que um novo sistema de custeio, significa o “estado da arte” no gerenciamento de custos, com várias aplicações dentro das empresas, pois permite uma análise detalhada e compreensiva de custos de qualquer natureza, sempre sob o enfoque das atividades desenvolvidas e a respectiva contribuição (agregação de valor) para o negócio. 2000, p. 255), no ABC, devemos assumir que os recursos da empresa são consumidos por atividades e não por produtos que são fabricados, sendo os mesmos, uma consequência das atividades necessárias para a execução da atividade principal da empresa. Para Souza e Diehl (2009), o ABC preocupa-se basicamente em identificar quais são as atividades desenvolvidas, permitindo responder o porquê dos custos ocorreram, levando ao entendimento da razão de sua ocorrência, permitindo assim agir sobre eles, aumentando a eficiência operacional. Os autores ainda acrescentam que os custos são causados pela execução das atividades, pois são as mesmas que geram o consumo dos recursos, e não necessariamente as mesmas são proporcionais ao volume vendido ou produzido, critério esse utilizado para outros métodos de custeio, sendo assim, seus direcionadores serem das mais diferentes naturezas (ex.: setups, número de lotes de produto, etc.). Motta e Pamplona (1999) acrescentam que o uso do ABC consiste na sistemática de apropriação dos custos às atividades, usando direcionadores de custos de primeiro estágio e dos custos das atividades para os produtos através dos direcionadores no segundo estágio, reduzindo efeitos prejudiciais destas alocações através de critérios subjetivos dos métodos anteriores, proporcionando cálculos de custos mais precisos, possibilitando assim uma gestão adequada dos custos. Exemplificando: Suponha que a Fábrica de Pomadas Milagrosas São Francisco fabrique dois produtos: Pomada A (200 pacotes) e Pomada B (200 pacotes). A contabilidade determinou que o total dos custos e despesas relacionado à atividade tem uma relação significativa com os movimentos dos materiais (6 movimentos para a pomada A e 14 movimentos para a Pomada B). Segundo Nakagawa (1994 apud LEONE 102 Resolução: Taxa de Aplicação dos Movimentos Total dos Custos e Despesas Total de Movimentos (A + B = 6 + 14 = 20 movimentos) 3.600,00 20 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 Custo por Movimentos 180,00 Distribuição dos Custos Pomada A (6 movimentos 1.080,00 x 180,00) Pomada B (14 movimen2.520,00 tos x 180,0) Total Custo Valor Pintura 210.000,00 Acabamento 460.000,00 No período analisado foram produzidas e vendidas as seguintes quantidades: 3.600,00 Produto Fonte: SANTOS; SCHMIDT; PINHEIRO, 2006, p. 101. Estudo de Caso Uma determinada empresa do ramo de madeira trabalha com dois produtos: MDF de Carvalho e MDF de Castanho. Cada um dos dois produtos leva o mesmo tempo de produção e as máquinas despendem o mesmo esforço para produzi-los. Sendo assim, podemos identificar como custos diretamente ligados à produção de ambos os produtos: MDF de Carvalho MDF de Castanho Quantidade (un.) % (un.) Quantidade (Ton.) KW Utilizados 60.000 71% 42.000 15.000 25.000 29% 14.000 25.000 A empresa em questão está em dúvida sobre qual método de custeio deverá utilizar: Custeio Direto ou Custeio ABC. Primeiro ela verificou o custeio Direto, em cuja situação os custos indiretos de produção foram rateados em função das proporções da produção dos produtos unitariamente: MDF de Carvalho Custo Uni ICMS PSI/COFINS Valor Unitário Valor Líquido Índice Madeira ton 0,00% 9,25% 40,00 36.30 1,20 Resina ton 12,00% 9,25% 1.400,00 1.102,50 0,10 Energia Elétrica Kw 18,00% 9,25% 360,00 261,90 0,15 Aditivos Químicos ton 17,00% 9,25% 2.000,00 1.475,00 0,01 Embalagens un. 17,00% 9,25% 10,00 7,38 1,00 Biomassa un. 17,00% 9,25% 35,00 25,81 0,50 Depreciação un. 0,00% 9,25% 15,00 13,61 1,00 Mão-de-Obra MDF R$/m³ 0,00% 0,00% 30,00 25,00 1,00 Custo Uni ICMS PSI/COFINS Valor Unitário Valor Líquido Índice Madeira ton 0,00% 9,25% 55,00 49,91 1,70 0,20 MDF de Castanho Resina ton 12,00% 9,25% 3.600,00 2.835,00 Energia Elétrica Kw 18,00% 9,25% - 331,74 0,35 Aditivos Químicos ton 17,00% 9,25% 1.590,00 1.172,63 0,05 Embalagens un. 17,00% 9,25% 10,00,00 7,38 1,65 Biomassa un. 17,00% 9,25% 55,00 40,56 0,36 Depreciação un. 0,00% 9,25% 15,00 13,61 1,00 Mão-de-Obra MDF R$/m³ 0,00% 0,00% 35,00 35,00 1,00 A empresa incorre ainda nos seguintes custos indiretos de produção: 103 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 Custo Memória de Memória de Cálculo – MDF MDF Carvalho Cálculo – MDF MDF Castanho Carvalho Castanho Valor Pintura 210.000,00 210.000x71% 148.235,00 210.000x29% 61.765,00 Corte 460.000,00 460.000x71% 324.706 460.000x29% 135.294 Os custos diretos, para serem alocados aos produtos, seguiram basicamente a seguinte fórmula: Valor dos Custos Unitário X Quantidade Produzida X Índice de Produção. Um detalhe importante: o item “Quantidade Produzida” tem relação direta com a unidade de produção do custo. O preço de venda dos produtos MDF de Carvalho e MDF de Castanho são de 400,00 e 450,00 por unidade. Após analisadas essas informações, o modelo de cálculo através do custeio direto chegou aos seguintes resultados: MDF Carvalho 1.829.520 1.187.918 Resina 4.630.500 1.543.500 589.275 2.902.725 Aditivos Químicos 309.750 103.250 Embalagem 442.500 184.375 Biomassa 774.375 180.688 Depreciação 816.750 180.688 Mão-de-obra 1.500.000 875.000 Custo Com Pintura 148.235 61.765 Custo com Corte 324.706 135.294 11.365.611 7.355.201 60.000 25.000 CUSTO UNITÁRIO 189 294 Preço de Venda 400 450 Lucro 211 156 53% 35% 12.634.388.82 3.894.798.68 CUSTO TOTAL Quantidade Produzida/Vendida % Lucro Lucro Total Pintura (Quantas Vezes por Produto) Corte (Quantas Vezes por Produto) MDF de Carvalho 0,5 0,5 MDF de Castanho 5 6 O primeiro passo será descobrir quanto custa executar cada atividade, lembrando que cada atividade é executada por produtos unitários: Custo MDF Castanho Madeira Energia Elétrica Produto Total do Custo Total Produzido Custo Total de Por AtiviAtividade dade 60.000+ Pintura 210.000,00 25.000= 85.000 85.000x (0,5+5)= 467.500 2,226 60.000+ 460.000,00 25.000= 85.000 85.000x (0,5+6)= 552.500 1,201 Corte Logo após, verificaremos quanto foi o total do custo de cada atividade em cada produto: MDF de Carvalho Custo Quantidade da QuantidaCusto por Ativida- de ProduAtividade de por zida Produto Custo Total Pintura 2,226 0,5 60.000 40.645,00 Corte 1,201 0,5 60,000 76.667,00 MDF de Castanho Custo Para aplicarmos o custeio ABC, mantendo os dados já utilizados, precisaremos da seguinte informação: quais são as atividades que geraram os custeios indiretos, e quantas vezes essa atividade foi executada por produto. Através de pesquisas com os técnicos responsáveis, chegamos às seguintes conclusões: Quantidade da QuantidaCusto por Ativida- de ProduAtividade de por zida Produto Custo Total Pintura 2,226 0,5 25.000 169.355 Corte 1,201 0,5 25,000 383.333 Os demais cálculos dos custos diretos se mantêm. Então, logo após a execução dos cálculos acima, chegamos aos seguintes resultados através do custeio ABC: 104 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 MDF Carvalho MDF Castanho Madeira 1.829.52 1.187.918 Resina 4.630.50 1.543.500 Energia Elétrica 589.275 2.902.725 Aditivos Químicos 309.750 103.250 Embalagem 442.500 184.375 Biomassa 774.375 180.688 Depreciação 816.750 180.688 Mão-de-obra 1.500.000 875.000 Custo Com Pintura 40.645 169.355 Custo com Corte 76.667 383.333 11.009.9 7.710.831 60.000 25.000 CUSTO TOTAL Quantidade Produzida/Vendida CUSTO UNITÁRIO 183 308 Preço de Venda 400 450 Lucro 217 142 adequado para as empresas que prestam serviços, pelas dificuldades que têm na definição de seus custos, gastos e despesas. Tendo essas empresas menor necessidade de imposição de seus rateios. Apesar das vantagens anteriormente mencionadas, uma das grandes desvantagens, mencionadas por diversos autores estudados, a implantação do custeio do ABC é trabalhoso, caro e de complicada implantação, devido a, primeiramente, serem necessárias diversas entrevistas com os setores geradores de custos da empresa. Logo após implantado, porém, será de grande valia para o gestor, fazendo assim com que tenha um resultado mais exato e que sua tomada de gestão seja baseada em uma ferramenta que possibilite uma maior administração dos custos e atingir o objetivo principal da entidade: maximizar o lucro e administrar os seus custos. Conclusão Com o presente artigo, chegamos à % Lucro 54% 31% conclusão de que não basta à empresa conhecer bem os seus custos para alcançar Lucro Total 12.990.00 3.539.169,33 o lucro. Ela deve conhecer também onde está sendo gerado o custo, qual atividade executa Considerações que gera custo bem como de que maneira Ao analisarmos ambos os métodos de deve alocar os custos comuns ou indiretos custeio (Direto e ABC), nota-se que os aos produtos, qual método de custeio deve produtos de MDF de Carvalho mantiveram- utilizar. se basicamente os mesmos, ocasionando Um dos grandes problemas identificados apenas uma pequena variação de 1% do lucro nas empresas ultimamente é a utilização total. No produto MDF de Castanho, porém, de critérios subjetivos, e muitas vezes, sem ocorreu uma variação mais significativa de relação causa x efeito do custo com o produto 4% do seu lucro. analisado, muitas vezes, supervalorizando Esta variação ocorre basicamente por ou subvalorizando o custo do produto causa do custo indireto de produção com ofertado, afetando assim, o resultado da corte, por, no método de custeio direto, estar empresa. Existem situações em que essa sendo rateado com base na produção e não variação entre os resultados, comparando os suas atividades, subvalorizando seu custo diferentes métodos de custeio, muitas vezes assim. Ao identificarmos as atividades que acaba por não ser relevante. ocasionaram estes custos indiretos, fugimos Para diminuir esse grau de subjetividade da subjetividade do critério de rateio, uma dos critérios de rateio surgiu o Método vez que ao identificarmos as atividades, de Custeio através das Atividades (ABC), alcançamos um resultado mais exato do visando um controle maior das atividades custo de produção deste período. geradoras de custos para melhor identificar Conforme Rinaldi (2008, p. 3): quais atividades geram custos bem como para qual produto esta atividade está O sistema ABC surgiu para fornecer informações relacionada. mais precisas. Esta metodologia permite um controle Esse gerenciamento de métodos de mais efetivo dos gastos, e os custos indiretos não são tratados mais por produtos, mas, sim, por atividade. custeios acabou por se tornar um diferencial Esse sistema traz informações gerenciais mais secompetitivo no mercado atual, pois o mesmo guras por meio da utilização do rateio, sendo mais afetará diretamente a competitividade no 105 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 mercado, afetando assim diretamente o preço de venda. No estudo de caso utilizado, acabou-se por não se tornar relevante percentualmente a diferença entre os resultados. Em matéria de valores, porém, tornou-se relevante entre os métodos, cabendo à empresa analisar outros fatores para a escolha de qual dos dois métodos acaba por ser o melhor, sendo que, entre os fatores, deve-se analisar qual quantidade vendida do produto, deve ser considerada o carro chefe, com mais aceitação no mercado, entre outros. Bibliografia CARVALHO, Dalmy Freitas, A Contabilidade de Custos e os Métodos de Custeio – Uma Análise da Utilização Gerencial da Informação da Contabilidade de Custos pelas Indústrias de Autopeças da Região Metropolitana de Belo Horizonte. 2002. Dissertação (Pós-Graduação em Ciências Contábeis) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Disponível em <www.dalmycarvalho.pro.br>. Acesso em: 11 out. 2009. CREPALDI, Silvio Aparecido, Curso Básico de Contabilidade de Custos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2004. GARRISON, Ray H., NOREEN, Eric W., BREWER, Peter C., Contabilidade Gerencial. 11. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2007. JÚNIOR, José Antônio Valle Antunes, KLIPPEL, Marcelo. Os Custos e a Tomada de Decisão: Uma Abordagem Histórica a Partir da Evolução Conceitual das Filosofias e dos Métodos de Custeio. 2002. Artigo – Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, Rio Grande do Sul. Disponível em <www.produttare.com.br>. Acesso em: 12 out. 2009. RINALDI, Soeli Maria, O Custeio Baseado em Atividades da Empresa. 2008. Revista CRCRS n.º 07 – julho de 2008. Disponível em www.crcrs.org.br. Acesso em: 08 ago. 2009. SANTOS, José Luis dos; SCHMIDT, Paulo; PINHEIRO, Paulo Roberto; NUNES, Marcelo Santos, Fundamentos da Contabilidade de Custos. São Paulo: Atlas, 2006. SANTOS, José Luis dos; SCHMIDT, Paulo; PINHEIRO, Paulo Roberto. Fundamentos de Gestão Estratégica de Custos. São Paulo: Atlas, 2006. SCHMIDT, Paulo; SANTOS, José Luis dos; LEAL, Ricardo; MACHADO, Nilson Perinazzo. Gestão de Custos Através do Time-Driven Activity Based Costing (TDABC). In: XI Congreso Internacional de Costos y Gestion - XXXII Congreso Argentino de Profesores Universitarios de Costos, 09, 2009, Patagônia. Disponível em <http://www.unifin.com.br>. Acesso em: 29 set. 2009. SERONATTO, Míria Cristina Nespoli; RIGOTTO, Janína Silva; GIMENES, Régio Márcio Toesca. Considerações Sobre o Método RKW – Reichskuratorium Fur Wirtschaftlichtkeit. 2006. Disponível em <http://www.usp. br>. Acesso em : 27 set. 2009. SILVA, Norberdson Fernandes, Análise Comparativa entre o Sistema de Custeio Tradicional e o Sistema de Custeio ABC – Um Estudo Aplicado a uma Indústria Avícola. 2005. Dissertação (Curso de Mestrado em Controladoria) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza. Disponível em <www.ebah. com.br>. Acesso em: 12 out. 2009. SOUZA, Marcos Antônio; DIEHL, Carlos Alberto. Gestão de Custos. São Paulo: Atlas, 2009. MARTINS, Eliseu, Contabilidade de Custos. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2003. NAKAGAWA, Masayuki, ABC: Custeio Baseado em Atividades. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2001. 106 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 A REVISTA ATITUDE é uma publicação semestral de acesso irrestrito que publica artigos científicos originais e inéditos nas áreas de Ciências Sociais Aplicadas, Ciências Tecnológicas e áreas afins. A submissão de manuscritos é gratuita e por demanda espontânea, e a seleção dos artigos é feita a partir da recomendação de avaliadores ad-hoc, escolhidos entre os pares da comunidade técnico-científica nacional e internacional. NOTAS PARA AUTORES A Revista ATITUDE - Construindo Oportunidades está aberta a colaborações do Brasil e do exterior. A pluralidade de abordagens e perspectivas é incentivada. Podem ser publicados artigos de desenvolvimento teórico e artigos baseados em pesquisas empíricas (de 10 a 15 páginas, incluindo tabelas e figuras, etc.), Resumos de Teses, Dissertações, Monografias, Resenha Bibliográfica e Comunicações Técnicas (máximo de duas páginas). A aceitação e publicação dos textos implicam a transferência de direitos do autor para a Revista. Não são pagos direitos autorais. Os textos enviados para publicação serão submetidos a dois avaliadores ad-hoc, da área de conhecimento, sendo um pelo menos com a titulação de doutor. Os artigos deverão ser encaminhados para o Núcleo de Editoração (Ned) com as seguintes características: • Para avaliação dos artigos submetidos, deve-se considerar a seguinte estrutura: » Introdução com apresentação do(s) objetivo(s). » Desenvolvimento (referencial teórico e, se aplicável, método, apresentação e discussão dos resultados). » Conclusões (em caráter opcional, recomendações). » Referências bibliográficas. • Em folha de rosto deverão constar o título do artigo, o(s) nome(s) completo(s) do(s) autor(es), acompanhado(s) de breve currículo, relatando experiência profissional e/ou acadêmica, endereço, números do telefone, do fax e e-mail. • A primeira página do artigo deve conter o título (máximo de dez palavras). • O resumo em português (máximo de 250 palavras) e as palavras-chave (mínimo de três e máximo de cinco), assim como os mesmos tópicos vertidos para uma língua estrangeira (inglês - title, abstract, key-words), com recuo nos lados esquerdo e direito de 1 cm. • A formatação do artigo, gráficos, tabelas e quadros devem ser editados no Microsoft Word for Windows em tamanho A4 (210x297 mm). As margens espelho superior: 3,0 cm; inferior: 3,0 cm; esquerda: 2,4 cm e direita: 1,6 cm; em layout: cabeçalho: 1,6 cm, rodapé: 2,8 cm com alinhamento vertical superior; em duas colunas de 8,1 cm com espaçamento interno de 0,8 cm e espaçamento de 1,5 linha. • Fonte para o texto Arial 12 e tabelas Arial 10; títulos de tabelas e figuras em Arial 10, em negrito; e demais títulos Arial 11, em negrito. • Todas as referências bibliográficas devem ser citadas no corpo do texto pelo sistema autor-data. As referências bibliográficas completas deverão ser apresentadas em ordem alfabética no final do texto, de acordo com as normas da ABNT (NBR-6.023). Todas as citações no texto devem estar em letras minúsculas e nas referências, em maiúsculas. Os títulos das publicações devem ser apresentados em itálico. • Diagramas, quadros e tabelas devem ser numerados sequencialmente, apresentar título e fonte, bem como ser referenciados no corpo do artigo. • Quanto às figuras: devem ser inseridas sem a opção “flutuar sobre o texto” e as mesmas devem ter todos seus elementos agrupados. • As ilustrações, fotografias e desenhos gráficos devem ser submetidos em formato JPEG, com resolução mínima 300 dpi, em tons de cinza ou hachurados e inseridos no texto. À exceção das tabelas, todas as demais ilustrações serão tratadas como Figura e referidas sempre por extenso (Figura ou Tabela). Devem ser elaboradas de modo adequado a sua 107 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 • • • • • • • • • • • • publicação final, já que a dimensão das menores letras e símbolos não deve ser inferior a 2 mm depois da redução. Ilustrações em cores são aceitas, mas o custo de impressão é de responsabilidade do autor. As citações no interior do texto devem obedecer as seguintes normas: um autor (Linsen, 1988); dois autores (Vergara e Vermonth, 1960); três ou mais autores (Larrousse et al., 1988). Trabalhos com mesmo(s) autor(es) e mesma data devem ser distinguidos por sucessivas letras minúsculas (Exemplo: Scouth 2000a,b), o mesmo ocorrendo com trabalhos de múltiplos autores que tenham em comum o primeiro deles. Não utilizar op. cit. nem apud. Devem ser evitadas citações a informações pessoais e de trabalhos em andamento. Os artigos deverão ser enviados em CD, acompanhado de duas vias impressas ou via e-mail, em arquivo eletrônico anexo, desde que não ultrapasse a 8 Mb. O autor receberá a confirmação de recebimento. Os artigos serão selecionados de acordo com a sua relevância, originalidade e qualidade científica. Toda submissão deverá estar adequada às normas da revista ATITUDE e aprovada por todos os autores do trabalho. Os trabalhos enviados para a publicação serão analisados, primeiramente, por um dos membros da Comissão Editorial, que decidirá pela sua pertinência para as áreas de Ciências Sociais, Ciências Tecnológicas ou afins. Posteriormente, os manuscritos serão enviados a pelo menos dois avaliadores ad-hoc, que farão uma revisão cega. Os pareceres dos avaliadores deverão discorrer sobre os seguintes pontos do manuscrito: atendimento das normas de publicação estipuladas; pertinência na área; relevância dos resultados; adequação científica da redação; atualização da literatura utilizada; clareza dos objetivos, da metodologia e dos resultados; e sustentabilidade da discussão pelos resultados obtidos e na literatura científica. O parecer final poderá ser: aceito sem modificação; aceito com modificações; ou recusado. O(s) autor(es) serão informados da decisão, assim que ela for tomada. Os artigos que tiverem recomendação de alteração serão remetidos ao autor para as devidas providências e será necessário o reenvio de nova cópia impressa em um mês e outra em disquete ou CD ou e-mail para a Comissão Editorial. A aceitação final do manuscrito será condicionada à concretização das modificações solicitadas pelo pareceristas ou com a devida justificativa do(s) autor(es) para não fazê-la. O Conselho Editorial da Revista Atitude fará revisões de linguagem no texto submetido, quando necessário. Toda responsabilidade do conteúdo do artigo é do(s) autor(es). Cada artigo submetido à Revista Atitude receberá cinco exemplares da revista. publicação final, já que a dimensão das menores letras e símbolos não deve ser inferior a 2 mm depois da redução. Ilustrações em cores são aceitas, mas o custo de impressão é de responsabilidade do autor. As citações no interior do texto devem obedecer as seguintes normas: um autor (Linsen, 1988); dois autores (Vergara e Vermonth, 1960); três ou mais autores (Larrousse et al., 1988). Trabalhos com mesmo(s) autor(es) e mesma data devem ser distinguidos por sucessivas letras minúsculas (Exemplo: Scouth 2000a,b), o mesmo ocorrendo com trabalhos de múltiplos autores que tenham em comum o primeiro deles. Não utilizar op. cit. nem apud. Devem ser evitadas citações a informações pessoais e de trabalhos em andamento. Os artigos deverão ser enviados em CD, acompanhado de duas vias impressas ou via e-mail, em arquivo eletrônico anexo, desde que não ultrapasse a 8 Mb. O autor receberá a confirmação de recebimento. Os artigos serão selecionados de acordo com a sua relevância, originalidade e qualidade científica. Toda submissão deverá estar adequada às normas da revista ATITUDE e aprovada por todos os autores do trabalho. Os trabalhos enviados para a publicação serão analisados, primeiramente, por um dos membros da Comissão Editorial, que decidirá pela sua pertinência para as áreas de 108 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 • • • • Ciências Sociais, Ciências Tecnológicas ou afins. Posteriormente, os manuscritos serão enviados a pelo menos dois avaliadores ad-hoc, que farão uma revisão cega. Os pareceres dos avaliadores deverão discorrer sobre os seguintes pontos do manuscrito: atendimento das normas de publicação estipuladas; pertinência na área; relevância dos resultados; adequação científica da redação; atualização da literatura utilizada; clareza dos objetivos, da metodologia e dos resultados; e sustentabilidade da discussão pelos resultados obtidos e na literatura científica. O parecer final poderá ser: aceito sem modificação; aceito com modificações; ou recusado. O(s) autor(es) serão informados da decisão, assim que ela for tomada. Os artigos que tiverem recomendação de alteração serão remetidos ao autor para as devidas providências e será necessário o reenvio de nova cópia impressa em um mês e outra em disquete ou CD ou e-mail para a Comissão Editorial. A aceitação final do manuscrito será condicionada à concretização das modificações solicitadas pelo pareceristas ou com a devida justificativa do(s) autor(es) para não fazê-la. O Conselho Editorial da Revista Atitude fará revisões de linguagem no texto submetido, quando necessário. Toda responsabilidade do conteúdo do artigo é do(s) autor(es). Cada artigo submetido à Revista Atitude receberá cinco exemplares da revista. 109 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano IV • Número 7 • Janeiro - Junho de 2010 THE ATITUDE JOURNAL is an open access, biannual scientific journal that publishes original scientific papers on the Social Sciences, Technological Sciences and their applications. Manuscript submission is spontaneous and free of charge, and the papers selection is based on recommendation by ad-hoc reviewers, using peer-review process. Submission Procedures and manuscript evaluation Manuscripts will be selected according to relevance, originality and scientific quality. All submission must meet the journal’s format expectations. Each authors needs to approve of the article’s content. The submitted papers will be analyzed primarily by one of the members of the Editorial Committee to assess whether if it is appropriate for the journal. Then the manuscript will be sent to at least two reviewers. The reviewers will evaluate the manuscript according to the following criteria: conformity to the expected format and style; its fit with the particular area of the Journal; quality and relevance of the findings; scholarly content of the review; scientific adequacy; coverage of current literature; clarity of the study aims, methods and results; adequate correspondence between results obtained and discussion and scientific review. The final decision can be: accepted without modifications; accepted with modifications or refused. The author(s) will be informed of the final decision in a timely manner. The final manuscript acceptance will depend upon the authors’ revision of the paper according to the modifications suggested by the reviewers or with an adequate author(s) report justifying why the suggested modifications were not performed. The Editorial Committee of Atitude Journal of Dom Bosco Faculties from Porto Alegre, RS, Brazil will make language revisions in the submitted text, when necessary. 110